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DIREITO COLETIVO

DO TRABALHO
Noções gerais
da greve
Flávia Aguiar Cabral Furtado Pinto

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Descrever a evolução histórica do movimento paredista.


>> Diferenciar greve de lockout.
>> Analisar as modalidades, limites e direitos e deveres dos grevistas.

Introdução
No Brasil, após um longo histórico de desconfianças, proibições e restrições,
o movimento paredista ganhou o status de direito fundamental social, a par-
tir da democratização do país e do advento do Estado Democrático de Direito.
O direito de greve, no entanto, não é ilimitado, pois seu exercício tem reflexos
sociais e econômicos em toda a coletividade.
Neste capítulo, você vai estudar a origem histórica do movimento paredista
e sua evolução no Brasil. Vai ver qual é a diferença entre greve e lockout e
estudar sobre as modalidades, os limites, os direitos e deveres dos grevistas.

Breve histórico do movimento paredista


Os movimentos paredistas, mais conhecidos atualmente como greves, não
são um fenômeno recente. Desde o fim da escravidão e do início das relações
de trabalho assalariadas, são comuns as reivindicações coletivas, feitas por
categorias profissionais organizadas, com a finalidade de lutar por melhores
condições de trabalho. A regulamentação e constitucionalização do direito
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de greve também varia conforme o momento histórico e as característi-


cas específicas de cada país, sendo mais aceita nas democracias, embora,
na maioria das vezes, sofra limitações em razão da preservação dos direitos
essenciais da coletividade.
Nesta seção, você vai estudar a origem dos movimentos paredistas e a
evolução do direito de greve no Brasil, com destaque à sua regulamentação
nas leis e nas Constituições Federais ao longo da história do país.

Origem do direito de greve


As primeiras iniciativas coletivas que mais se assemelham aos movimentos
paredistas como conhecemos atualmente ocorreram na Antiguidade. Como
exemplo de uma dessas manifestações coletivas, Delgado (2017) cita o caso
de um grupo de trabalhadores egípcios que, no século XII a.C., recusou-se a
concluir a construção de uma obra faraônica, alegando que não recebera o
pagamento pelo trabalho realizado.
O marco histórico do surgimento das greves no mundo, contudo, foi a
Primeira Revolução Industrial, ocorrida na Europa entre os séculos XVIII e XIX.
A substituição do trabalho artesanal pelo assalariado e a troca de grande parte
da mão de obra humana pelo uso de máquinas trouxe como consequência a
diminuição considerável dos postos de trabalho, obrigando os trabalhadores
a se submeterem a condições precárias de trabalho.
Àquela época não havia qualquer tipo de proteção legal que garantisse
direitos mínimos aos trabalhadores. Eram comuns as jornadas de trabalho
cansativas, que ultrapassavam facilmente as 8 horas diárias, e o trabalho
infantil em ambientes com péssimas condições de higiene. Mulheres e crianças
também ganhavam salários bem mais baixos do que os homens. Por essa
razão, os trabalhadores passaram a se organizar com o objetivo de reivindicar
por melhores condições de trabalho. Esses movimentos ficaram conhecidos
como greves.
O termo greve surgiu em Paris, inspirado na Place de Grève, localizada
às margens do rio Sena. O local, que era o principal ponto de reunião dos
trabalhadores para planejar ações coletivas de interesse do grupo, também
era conhecido pelo embarque de navios carregados de gravetos, chamados
de grève (CASSAR, 2020).
Os movimentos paredistas inicialmente foram considerados ilícitos penais,
sendo proibidos e duramente repreendidos. A partir da segunda metade do
século XIX, as greves passaram a ser permitidas, como manifestações do
exercício da liberdade. Os trabalhadores, contudo, ainda ficavam sujeitos
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às responsabilidades civil e trabalhista decorrentes dessas paralizações,


as quais poderiam ser interpretadas como abandono de emprego. Somente
após intensas manifestações, com avanços e retrocessos, as greves alcança-
ram o status de direitos fundamentais, nos países democráticos.

Evolução do movimento paredista no Brasil


O Brasil não foi diferente do restante do mundo. Houve uma série de avanços
e retrocessos no que diz respeito ao livre exercício do direito de greve. Mesmo
após a proclamação da República, em 1889, o Código Penal de 1890 ainda
criminalizava qualquer tipo de greve, violenta ou pacífica. Somente após
uma série de protestos, ainda durante o período da vacacio legis, as greves
pacíficas foram permitidas; no entanto não havia uma norma que tratasse
especificamente sobre os direitos dos grevistas.
O período entre 1889 e 1930 foi marcado por intensos conflitos entre
patrões e trabalhadores e por manifestações duramente repreendidas pela
polícia. A Revolução de 1930 ocorreu nesse contexto. Getúlio Vargas, após
impedir a posse do presidente Washington Luís e assumir o poder, precisava
de aprovação popular, por isso apoiou a inclusão do direito de greve na
segunda proposta do anteprojeto da Constituição de 1934. Após intensos
debates, no entanto, o direito de greve foi retirado do texto final (SIQUEIRA;
RODRIGUES; AZEVEDO, 2014).
Em 1935 a lei que criou os crimes contra a Ordem Política e Social criminali-
zou os movimentos paredistas, inclusive para fins pacíficos. O período que se
sucedeu foi ainda mais repressor, pois o fechamento do Congresso Nacional,
em 10 de novembro de 1937, e a inauguração do Estado Novo representaram
a restrição de uma série de direitos. A nova Constituição Federal, em seu
art. 139, proibiu o direito de greve e o lockout, que foram declarados como
recursos antissociais e nocivos ao trabalho e ao capital.
No mesmo sentido de reprimir os movimentos paredistas, o Decreto
nº 1.237, de 2 de maio de 1939, positivou os crimes relacionados à greve e
o Código Penal de 1940 criminalizou a greve violenta. Após a deposição de
Getúlio Vargas, em 29 de outubro de 1945, e a posse de Eurico Gaspar Dutra,
começaram os debates da Assembleia Nacional Constituinte, que tiveram,
entre os principais temas, a constitucionalização do direito de greve.
Naquele período, uma série de movimentos paredistas se espalhavam
pelo país e vários opositores de Getúlio, contrários ao Estado Novo, passaram
a integrar a Assembleia Nacional Constituinte de 1945–1946, o que motivou
a discussão a respeito da constitucionalização do direito de greve. Após
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intensos debates, o art. 158 da Constituição de 1946 enfim reconheceu a greve


como um direito. Além disso, o art. 28 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT) concedeu anistia aos grevistas que haviam se manifestado
durante o Estado Novo.
Durante o regime militar, de acordo com Siqueira (2016), os movimentos
paredistas voltaram a ser duramente reprimidos. A Lei º 4.330, de 1 de junho
de 1964, proibiu a greve nos casos de serviços essenciais e para os servido-
res públicos. Por sua vez, o Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965,
modificou a competência para julgar as greves, que deixou de ser da Justiça
do Trabalho e passou a ser da Justiça Federal.

Os Atos Institucionais, criados durante o regime militar, eram normas


baixadas pelo poder executivo que tinham o poder de revogar os
dispositivos da Constituição Federal que a eles fossem contrários.

Em seguida, a Constituição Federal de 1967 também previu a proibição da


greve para os servidores públicos e serviços essenciais, enquanto o Decreto-
-Lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978, definiu quais serviços eram considerados
essenciais. A Lei nº 6.620, de 17 de dezembro de 1978, determinou a pena de
1 a 3 anos de reclusão para os casos de realização de greves proibidas; ainda
assim, os trabalhadores não deixaram de reivindicar por melhores condições
de trabalho, e várias greves e manifestações ocorreram durante o período.
Após o fim do regime militar e a democratização do país, foi criada, em
1988, a chamada Constituição Cidadã, responsável por positivar vários direitos
fundamentais e sociais, entre eles, o direito de greve, garantido a todos os
trabalhadores, inclusive os servidores públicos (exceto os militares). A Cons-
tituição Federal de 1988 (CF), no entanto, estabeleceu algumas limitações ao
exercício desse direito; no art. 9º, caput, e seus parágrafos, atribuiu à lei a
competência para regulamentar o exercício do direito de greve nos casos de
serviços considerados essenciais e inadiáveis. Além disso, determinou que
os abusos serão punidos pela lei penal (BRASIL, 1988).
Em 28 de junho de 1989 foi criada a Lei nº 7.783, que regulamentou a greve
para os casos de serviços essenciais, criando mecanismos de manutenção
das necessidades mínimas e inadiáveis da comunidade. O direito de greve
firma-se, assim, como “[...] um direito constitucional e com limitações que
visem a coibir os abusos do direito” (SIQUEIRA, 2016, p. 128).
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No entanto, esses avanços, representados pela constitucionalização e


regulamentação do direito de greve no Brasil, não impedem que os movi-
mentos paredistas continuem sendo vistos com desconfiança. Nas palavras
de Rodriguez (2003, p. 501):

Apesar da tutela constitucional do direito de greve, e talvez por isso mesmo, a greve
permanece como um elemento desconfortável no interior do ordenamento jurídico,
marcado pela contradição de permitir o descumprimento do dever de trabalhar, que
compõe o contrato de trabalho, com o objetivo de reivindicar melhores condições
de trabalho. A maioria das interpretações sobre o direito de greve, quando não
lamentam sua existência, ao menos apontam seu caráter conflitivo indesejável,
advogando pela harmonia das relações entre capital e trabalho que implica no
abandono deste instrumento primitivo de solução de conflitos. A greve seria a
perturbação de origem ilícita, que atenta contra o bem e seguro desenvolvimento
das instituições e do processo produtivo. O reconhecimento legal do direito de
greve não é capaz de incorporá-lo ao normal funcionamento das instituições.

Parcela considerável da população, em razão do histórico de repres-


sões aos movimentos paredistas e do reconhecimento tardio dessas
manifestações como direitos constitucionalmente garantidos, ainda enxerga a
greve não como mobilização coletiva de uma categoria por melhores condições
de trabalho, mas como um conjunto de atitudes capazes de gerar desordem e
desestabilizar a economia do país.

As manifestações coletivas por melhores condições de trabalho, portanto,


existem desde a Antiguidade, pois é da natureza humana lutar por dignidade e
por melhores condições de trabalho. Contudo, o momento histórico que marca
a origem do direito de greve, para a maioria dos doutrinadores, é a Revolução
Francesa, caracterizada pela mão de obra assalariada e pela substituição de
postos de trabalho pelo uso de máquinas.
No Brasil, o processo de reconhecimento constitucional e legal das greves
foi lento e passou por avanços e retrocessos, sendo marcantemente atrelado
ao momento histórico atravessado pelo país. De início, os movimentos pare-
distas eram reconhecidos como ilícitos penais, sendo duramente reprimidos
pelo Estado. Após intensos conflitos que marcaram as tensões entre capital
e trabalho, e como forma de legitimação popular, o direito de greve chegou a
ser previsto na Constituição de 1946, no governo de Getúlio Vargas, voltando
a ser proibido para os serviços públicos e essenciais, na Constituição de 1967.
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A partir do processo de democratização do país e do reconhecimento de


vários direitos fundamentais sociais aos trabalhadores, o direito de greve
passou a ser previsto pela Constituição Federal de 1988, sendo, porém, limi-
tado nos casos de serviços essenciais, os quais foram regulamentados pela
Lei nº 7.783/1989. O direito de greve também passou a ser garantido para os
servidores públicos, com exceção dos militares.
Apesar desses avanços com relação à regulamentação do direito de greve
no Brasil, o histórico de proibições e repressões aos movimentos paredistas
ainda exerce forte influência na maneira como a sociedade enxerga esses
movimentos, mesmo nos casos em que as paralisações ocorrem de modo
pacífico.
Muitas vezes, essas manifestações coletivas são encaradas não como
reivindicações legítimas por melhores condições de trabalho, mas como ações
que prejudicam a economia e estimulam a desordem e o caos na sociedade.

Direito de greve e lockout


A greve, diferentemente do lockout, está prevista na CF, no capítulo que
trata dos direitos fundamentais sociais. Ela é uma decorrência do Estado
Democrático de Direito, o qual busca não apenas a proteção dos direitos
de liberdade e de propriedade, mas também a proteção de direitos sociais
ligados ao princípio maior da dignidade da pessoa humana.
Nesta seção, você vai estudar os conceitos, principais características e
diferenças entre greve e lockout.

Direito de greve: conceito e principais características


O direito de greve conforme destaca Saraiva e Souto (2018, p. 354), “[...] é a
paralisação coletiva e temporária do trabalho a fim de obter, pela pressão
exercida em função do movimento, as reivindicações da categoria, ou mesmo
a fixação de melhores condições de trabalho”. Barros (2011, p. 1033) destaca
que a greve “[...] não é simplesmente uma paralisação do trabalho, mas uma
cessação temporária do trabalho, com o objetivo de impor a vontade dos
trabalhadores ao empregador sobre determinados pontos”. No mesmo sentido,
o art. 2º da Lei nº 7.783/1989 dispõe que “[...] considera-se legítimo exercício do
direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial,
de prestação pessoal de serviços a empregador” (BRASIL, 1989).
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Com relação à natureza jurídica do direito de greve, há divergências entre


os doutrinadores brasileiros. Russomano (2005) compreende a greve como
um fato jurídico. A Constituição Federal de 1988, no entanto, ao inseri-la em
seu texto, no capítulo que trata dos direitos fundamentais sociais dos traba-
lhadores, não deixa dúvidas de que o direito de greve é direito fundamental
de segunda dimensão.
Cassar (2020), por sua vez, compreende o direito de greve como um direito
potestativo fundamental coletivo. Potestativo porque depende da conveni-
ência do grupo com relação à oportunidade de exercê-lo e aos interesses que
devam defender. Coletivo porque exercido por meio de um grupo orientado a
finalidades comuns. Direito fundamental em decorrência do reconhecimento
como tal pela Constituição Federal de 1988. De forma semelhante, Delgado
(2017) caracteriza a greve como um direito fundamental de caráter coletivo
que resulta da autonomia privada coletiva decorrente das sociedades demo-
cráticas, ou seja, é um direito que deriva, ao mesmo tempo, da liberdade de
trabalho e da liberdade associativa e sindical.
O art. 9º, caput, da CF e o art. 1º da Lei nº 7.783/1989 atualmente dispõem
que compete aos trabalhadores, e não ao Estado ou ao Poder Judiciário, decidir
sobre o melhor momento para deflagrar o movimento paredista e sobre os
interesses que serão defendidos. Isso demonstra que o Estado Democrático
de Direito procurou positivar a greve, não mais como um fato social, mas
como um direito fundamental dos trabalhadores.
A greve no ordenamento jurídico brasileiro, portanto, é considerada um
direito fundamental coletivo e uma suspensão coletiva, temporária e pacífica
do trabalho, com a consequente suspensão do pagamento de salários, salvo
acordo ou convenção coletiva de trabalho em sentido diverso. A titularidade
do direito é dos trabalhadores, os quais decidirão a respeito dos interesses
que serão defendidos, por meio da representação do sindicato da categoria
profissional.

Lockout: conceito e principais características


O lockout é um instrumento de pressão do empregador sobre os empre-
gados para que aceitem determinadas condições, por meio do fechamento
da empresa, impedindo que os trabalhadores exerçam normalmente suas
atribuições. Trata-se de prática proibida por lei, quando tem como finalidade
dificultar as negociações coletivas ou atrapalhar ou diminuir a capacidade
de mobilização e reivindicação dos trabalhadores. De acordo com o caput
do art. 17 da Lei nº 7.783/1989, “Fica vedada a paralisação das atividades, por
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iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar


o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout)”
(BRASIL, 1989, documento on-line).
A prática do lockout é, portanto, considerada ilícita, sujeitando o emprega-
dor, inclusive, ao pagamento dos salários que os trabalhadores teriam direito
durante o período em que a empresa estava com suas portas fechadas proposi-
talmente. Nesse sentido, o parágrafo único do art. 17 da Lei nº 7.783/1989 assim
dispõe: “A prática referida no caput assegura aos trabalhadores o direito aos
salários durante o período da paralisação” (BRASIL, 1989, documento on-line).
No mesmo sentido, o § 3º do art. 722 da Consolidação das Leis do Tra-
balho (CLT, Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943) determina que:
“[...] sem prejuízo das sanções cominadas neste artigo, os empregadores
ficarão obrigados a pagar os salários devidos aos seus empregados, durante
o tempo de suspensão do trabalho” (BRASIL, 1943, documento on-line).

Para que os empregadores possam suspender suas atividades, deve


haver autorização prévia do Tribunal competente. Por essa razão,
caso resolvam fechar as portas sem essa autorização, ou se houver recusa
no cumprimento de decisão proferida em dissídio coletivo, os empregadores
incorrerão nas penalidades previstas no caput do art. 722 da CLT.
Nos casos em que o empregador for pessoa jurídica, as penas de multa e
perda do cargo de representação profissional incidirão sobre os administradores
responsáveis. Se o empregador for concessionário de serviço público, as penas
incidirão em dobro e, no caso de pessoas jurídicas, os administradores respon-
sáveis devem ser afastados, sob pena de ser cassada a concessão, conforme
§§1º e 2º do art. 722 da CLT.

A lei veda, portanto, a prática do lockout, pois o ato do empregador de


paralisar suas atividades como forma de pressionar os trabalhadores a aderir a
determinadas condições ou com o intuito de dificultar a negociação é contrário
ao princípio da proteção, que orienta as relações de trabalho. Diante disso,
qualquer manifestação do empregador nesse sentido é sujeita a sanções.

Principais diferenças entre greve e lockout


Tanto a greve quanto o lockout envolvem a paralisação dos serviços, o que
gera consequências não apenas para os envolvidos, como também para a
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economia e para a sociedade. Entretanto, enquanto a greve é a paralisação


dos serviços por iniciativa dos trabalhadores, com o objetivo de reivindicar
por melhores condições de trabalho, o lockout é a paralisação dos serviços
pela iniciativa do próprio empregador, como meio de exercer pressão sobre
os empregados para que aceitem determinadas condições ou para dificultar
qualquer tipo de negociação.
Enquanto a greve é um direito fundamental social, previsto no art. 9º da
Constituição Federal de 1988, caracterizando-se como um direito fundamental
de segunda dimensão, o lockout é vedado por lei, nos termos do art. 722 da
CLT, pois o objetivo primordial é a proteção da dignidade humana dos traba-
lhadores por meio da manutenção dos empregos e da garantia do direito de
reivindicar por melhores condições de trabalho.
Os grevistas têm a liberdade de decidir a respeito do momento de de-
flagrar a greve e sobre os direitos a serem defendidos. Já os empregadores
precisam de autorização prévia do Tribunal competente para suspender os
trabalhos dos seus estabelecimentos, sob pena de sofrer penalidades como
multa, perda de cargo ou suspensão do direito de serem eleitos para cargos
de representação profissional pelo prazo de 2 a 5 anos, conforme o caput do
art. 722, a, b e c da CLT. Além disso, enquanto a greve é um caso de suspensão
dos contratos de trabalho, nos termos do art. 2º da Lei nº 7.783/1989 — razão
pela qual o empregador pode fazer o desconto dos dias em que os traba-
lhadores permaneceram paralisados—, nos casos de lockout, o empregador
permanecerá obrigado a pagar os salários dos empregados, durante o período
de paralisação, nos termos do § 3º do art. 722 da CLT.
O direito de greve, portanto, é um direito fundamental de segunda dimen-
são previsto constitucionalmente. Por essa razão, compete ao Estado atuar
positivamente para garantir seu exercício, com o objetivo de buscar a justiça
social. A proteção aos movimentos paredistas, portanto, é uma decorrência
do Estado Democrático de Direito, o qual reconhece a legitimidade do direito
do trabalhador de reivindicar melhores condições de trabalho.
Já o lockout visa o oposto, ou seja, atrapalhar o legitimo exercício do
direito dos trabalhadores de lutar por melhores condições de trabalho.
No momento em que o empregador paralisa deliberadamente suas atividades,
impede qualquer tipo de diálogo e deixa o trabalhador acuado, retirando dele,
de forma repentina, a fonte de subsistência e de resistência. Por essa razão,
a Lei nº 7.783/1989 tipificou esse ato como ilícito e previu sanções para coibi-lo.
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A negociação coletiva pode ser tanto um acordo coletivo, envolvendo


uma negociação entre o empregador e o sindicato dos trabalhadores,
como as convenções coletivas de trabalho, que envolvem as negociações entre
o sindicato dos trabalhadores e o sindicato dos empregadores.

Modalidades, limites, direitos e deveres


dos grevistas
O direito de greve é um direito fundamental assegurado pela CF e pela legis-
lação; no entanto está sujeito a limitações, e os grevistas têm alguns deveres,
sob pena de ser declarada a ilicitude ou abusividade da greve. Nesta seção
você vai estudar as modalidades de greve, os limites ao seu exercício e os
direitos e deveres dos grevistas.

Modalidades de greve
Os movimentos paredistas são classificados em diversas modalidades,
a depender de vários fatores, como os objetivos que os grevistas pretendem
atingir, a forma como os grevistas a exercem e sua legalidade.
Com relação aos objetivos a serem atingidos pelos grevistas, Manus (2015)
divide as greves em profissionais, de solidariedade e políticas. As greves
profissionais são as mais comuns, realizadas entre profissionais de uma
mesma categoria que têm interesses comuns. As greves de solidariedade
ocorrem quando trabalhadores de empresas ou segmentos diversos aderem
ao movimento paredista por solidariedade aos grevistas.

Nos casos de greves de solidariedade, se o movimento for poste-


riormente considerado ilegal, aqueles que aderiram, ainda que por
solidariedade, estarão sujeitos a sanções.
Noções gerais da greve 11

As greves políticas podem ser de dois tipos, a depender dos interesses


defendidos pelos grevistas:

„„ greves deflagradas por interesses político-trabalhistas;


„„ greves por interesses puramente políticos, sem qualquer relação com
direitos trabalhistas.

Há duas teorias a respeito da abusividade das greves políticas. A primeira,


mais restritiva, defende que a greve política é sempre abusiva, ainda que
os interesses por ela defendidos sejam políticos e também relacionados às
relações de trabalho. A segunda teoria, mais ampla, entende que a greve com
dimensões político-trabalhistas é lícita, pois o interesse de protestar é em
decorrência de atos que têm impacto nas relações de trabalho.
Atualmente, o posicionamento adotado pela maioria dos ministros da Seção
de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é no sentido de
considerar a greve política ilegal, mesmo nos casos de interesses político-
-trabalhistas. Trata-se de entendimento que, segundo a maioria da doutrina
brasileira, é mais restritivo do que o art. 9º da Constituição Federal de 1988
e está em desacordo com os §§ 779 a 782 do Comitê de Liberdade Sindical.
Com relação à forma como as greves são exercidas, Cassar (2020) as clas-
sifica em greve branca, greve tartaruga e greve padrão ou zelo. A greve branca
é aquela em que há a suspensão dos serviços, enquanto, no caso da greve
tartaruga, o trabalhador reduz a produção. Já no caso da greve padrão ou
zelo, os empregados trabalham de forma tão minuciosa que causam prejuízos
ao empregador.
Finalmente, com relação à legalidade, de acordo com Martins (2017), as greves
podem ser lícitas, ilícitas ou abusivas. As greves lícitas são aquelas permitidas
pela CF e pela legislação que as regulamenta. As greves ilícitas, por sua vez, são
aquelas que ocorrem em desobediência aos limites legais; já as greves abusivas
são aquelas em que ocorrem abusos que extrapolam as determinações legais
e dão origem a responsabilidade trabalhista, civil ou penal.

Como exemplos de greves ilícitas, Cassar (2020) destaca a greve


selvagem — deflagrada de forma repentina, sem a representação
do sindicato e sem a observância dos requisitos formais exigidos pela CF e pela
lei — e a greve de ocupação, caracterizada pela invasão do estabelecimento para
impedir que os trabalhadores que não aderiram à greve trabalhem normalmente.
12 Noções gerais da greve

Limites, direitos e deveres dos grevistas


A greve é um direito fundamental social previsto expressamente na Constitui-
ção Federal de 1988; contudo, o exercício desse direito não é ilimitado, pois
o § 1º do art. 9º dispõe que “A lei definirá os serviços essenciais e disporá
sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” (BRASIL,
1988, documento on-line). O § 2ª do mesmo artigo, por sua vez, dispõe que
“Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei”.
A “lei” referida nesses parágrafos, também chamada de Lei de Greve, é a
Lei nº 7.783/1989, que define as atividades essenciais e dispõe sobre o aten-
dimento das necessidades inadiáveis da comunidade, além de tratar sobre
outros assuntos relacionados ao movimento paredista. Essa lei, portanto,
busca instrumentalizar a forma de exercício do direito de greve, para que esta
não se sobreponha às necessidades inadiáveis da coletividade.
Para que o movimento paredista seja considerado lícito, portanto, é ne-
cessário atender algumas condições. A primeira delas é que seja pacífico, nos
termos do art. 6º da Lei nº 7.783/1989, não podendo, portanto, violar direitos
fundamentais de terceiros, como o direito de propriedade e o direito de livre
locomoção, previstos respectivamente nos incisos XXII e XV do art. 5º da CF.
No mesmo sentido, o §3º do art. 6º da Lei nº 7.783/1989 determina que as
manifestações “[...] não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar
ameaça ou dano à propriedade ou pessoa” (BRASIL, 1989, documento on-line).
Além disso, para que a greve seja considerada legitima, deve ser precedida
de tentativa de negociação coletiva e arbitragem, somente podendo se con-
cretizar nos casos em que esses instrumentos são inefetivos, conforme o art.
3º da Lei nº 7.783/1989. Ou seja, a greve deve ser pensada como último recurso.
O sindicato deve ficar responsável pela representação dos trabalhadores
e pela convocação de assembleia-geral para definir as reivindicações da
categoria profissional (art. 4º da Lei nº 7.783/1989). Deve, ainda, avisar o
empregador e o sindicato patronal a respeito da greve com antecedência
mínima de 48 horas, nos serviços comuns (parágrafo único do art. 3º da Lei
nº 7.783/1989), e com antecedência mínima de 72 horas, nos casos de serviços
essenciais (art. 13 da Lei nº 7.783/1989).
Compete, ainda, ao sindicato ou à comissão de negociação garantir equipes
de trabalho para evitar que a paralização resulte em prejuízos irreparáveis ao
empregador (art. 9º da Lei nº 7.783/1989). A rescisão dos contratos de trabalho
durante a paralização do trabalho é vedada (art. 7º, parágrafo único da Lei
nº 7.783/1989). No entanto, no caso de abuso de direito de greve, em razão da
violação das normas contidas na Lei de Greve, ou no caso de descumprimento
Noções gerais da greve 13

de negociação coletiva, os responsáveis estarão sujeitos à responsabilização


civil, penal ou trabalhista, conforme o caso (arts. 14 e 15 da Lei nº 7.783/1989).
A greve é uma suspensão temporária e coletiva dos contratos de trabalho,
conforme dispõe o art. 2º e parágrafo único do art. 7º da Lei nº 7.783/1989.
Diante disso, o empregador pode efetuar o desconto dos salários referentes
aos dias parados, ou pode ser feita uma negociação coletiva em relação aos
valores do respectivo período.
Além disso, importante salientar que, de acordo com o parágrafo único do
art. 14 da Lei nº 7.783/1989, caso haja acordo, convenção ou sentença normativa
em vigor, a paralisação com o objetivo de exigir o cumprimento de cláusula
ou condição, bem como a greve motivada pela superveniência de fatos no-
vos ou acontecimentos imprevistos que modifiquem, de forma substancial,
as relações de trabalho não são consideradas abusivas.
O direito de greve, portanto, apesar de ser previsto na CF como um direito
fundamental de segunda dimensão, que merece proteção do Estado para que
possa efetivamente se concretizar, também está sujeito a limites, pois o seu
exercício impacta não apenas as partes envolvidas, mas também a coletividade.

O TST, no julgamento do Recurso de Revista TST-RR: 487003920095020057,


publicado no DEJT em 19/05/2017, condenou um trabalhador à pena
de suspensão em razão de adesão solidária a greve considerada ilegal, devido a
não comunicação ao empregador, dentro do prazo devido, da greve em serviço
essencial.

Referências
BARROS, A. M. de. Curso do direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011.
BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 14 nov. 2020.
BRASIL. Decreto-lei nº 5,452 de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do
Trabalho. Brasília: Presidência da República, 1943. Disponível em: http://www.planalto.
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Disponível em: https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=7783&
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14 Noções gerais da greve

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Leituras recomendadas
ALMEIDA, A. P. de. CLT Comentada: legislação, doutrina, jurisprudência. 9. ed. São
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dias%20n%C3%A3o%20trabalhados%20-%201. Acesso em: 14 nov. 2020.
GOMES, A. V. M.; PINTO, F. A. C. F.; PINTO, C. E. F. O direito de greve como manifestação
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