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17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais

LINHAS MESTRAS E PRINCIPAIS INOVAÇÕES DA


NOVA CLT

LINHAS MESTRAS E PRINCIPAIS INOVAÇÕES DA NOVA CLT


Revista de Direito do Trabalho | vol. 22 | p. 9 | Nov / 1979
Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social | vol. 1 | p. 83 | Set /
2012DTR\1979\153
Arnaldo Sussekind
Ministro do TST

Área do Direito: Trabalho

Sumário:

SUMARIO: I - Introdução. II - O advento do sindicato e as primeiras leis trabalhistas. III - O


retardamento da organização sindical brasileira. IV - Os diversos graus de intervenção do Estado
nas relações de trabalho. V - A arbitragem e a greve. VI - A inviabilidade de reservar-se a
estipulação das condições de trabalho à atuação dos sindicatos brasileiros. VII - Suplementação
das normas legais imperativas. VIII - O princípio da unidade sindical. IX - A contribuição sindical
compulsória. X - Autonomia sindical: penalidade e intervenção no sindicato. XI - A política salarial.
XII - O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. XIII - Outras alterações e inovações de relevo.
XIV - Considerações finais.
I - Introdução
1. Em decorrência da Exposição de Motivos 72-B/75, dos Ministros da Justiça e do Trabalho,
aprovada pelo Presidente da República, foi instituída, em 19.9.1975, a Comissão Interministerial de
Atualização da CLT (LGL\1943\5), que tive a honra de presidir.
2. A Comissão recebeu um mandato estrito: ordenar, num texto único, todas as leis e decretos
normativos concernentes à legislação do trabalho, preservando, tanto quanto possível, o sistema
da CLT (LGL\1943\5) em vigor. Coube-lhe ainda aprimorar conceitos, clarificar normas e solucionar
dúvidas surgidas na aplicação das disposições legais vigentes; mas as modificações de caráter
substancial deveriam ser previamente autorizadas pelo Governo Federal. Muitas o foram; nem
todas, porém.
3. Como se infere, o Governo Federal pretendeu uma nova Consolidação e não a reformulação do
sistema legal vigente. E, dentro desses parâmetros, a Comissão conseguiu inserir no anteprojeto
alterações necessárias e de inquestionável relevância, sobretudo na revisão do texto inicial,
empreendida nos últimos meses da gestão do Presidente Geisel.
4. Ordenando a publicação do anteprojeto (Suplemento ao Diário Oficial de 2.5.79), visou o
Presidente João Baptista de Figueiredo propiciar um debate nacional sobre o tema. Verifica-se, no
entanto, que muitos críticos não analisam o texto elaborado, advogando simplesmente a radical
reformulação das diretrizes fundamentais do sistema; outros, negando a evidência, numa atitude
incompreensível e até estranha, chegam a afirmar que as alterações propostas pela Comissão em
benefício dos trabalhadores, lhes são prejudiciais.
5. Para focalizar as linhas mestras do anteprojeto parece-me adequado que se tenha em vista as
condições sócio-econômicas determinantes das diretrizes doutrinárias da nossa legislação
trabalhista e do seu posicionamento na classificação geral dos sistemas de proteção ao trabalho.
II - O advento do sindicato e as primeiras leis trabalhistas
6. O Sindicato que, durante o século XIX, constituiu a arma com a qual os trabalhadores lutaram
pelo advento das leis de proteção ao trabalho, resultou da união daqueles que sofriam, na relação
de emprego, condições subumanas de trabalho. Essa exploração do homem pelo homem se tornou
possível em virtude do postulado da Revolução Francesa proclamando a liberdade de contratar,
sem a intervenção do Estado, que reconhecia a igualdade jurídica dos cidadãos. Recorde-se que
uma lei de 17.3.1791, decretara, na França, a extinção das corporações e proclamara a liberdade
do trabalho, enquanto que, a 14 de junho do mesmo ano, outra lei proibira qualquer forma de
coalizão, tanto para os trabalhadores como para os produtores. E essas normas, que passaram a
integrar o Código Penal (LGL\1940\2) francês, foram seguidamente adotadas por diversos países
europeus.
7. Apesar da proibição, surgiram nos locais de grande densidade operária, com formação
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espontânea - natural e extrajurídica - as uniões ou sindicatos de trabalhadores, que lutaram na


Inglaterra, na França, na Alemanha, na Itália, nos EUA etc. pela adoção de leis com as quais o
Estado, intervindo nas relações contratuais, passasse a prescrever, com caráter imperativo,
condições mínimas de proteção ao trabalho.
8. Cedendo à força da realidade social, o delito de coalizão foi suprimido na Inglaterra em 1824, na
França em 1864, na Bélgica em 1866, na Alemanha do Norte em 1869 etc. A primeira lei regulando
os sindicatos profissionais surgiu na Inglaterra em 1871. Mas, já em 1802, uma lei inglesa proibiu o
trabalho das crianças, seja à noite, seja em jornadas superiores a 12 horas; na França, em 1841,
foi proibido o trabalho dos menores de 8 anos, fixada em 8 horas a jornada dos menores de 12
anos e em 12 horas a dos de 16 anos; na Itália, em 1843, foram vedados o emprego aos menores
de 9 anos e o trabalho noturno aos menores de 12 anos.
9. Em 1830 as trade unions inglesas, organizadas por influência de Robert Owen, iniciaram
poderosa ação reivindicatória em favor da limitação da jornada de trabalho, que foi coroada de
êxito dezessete anos depois, com a lei que fixou em dez horas a duração do trabalho diário. No
ano seguinte, com a lei de 2.5.1848, a França seguia o exemplo inglês, determinando que a
jornada de trabalho não poderia ultrapassar a dez horas, na capital, e a onze horas, nas
províncias.
10. Estava quebrado um dos princípios cardeais da Revolução Francesa: o Estado cedia à pressão
dos grupos de trabalhadores organizados e intervinha nas relações contratuais de trabalho.
Sindicatos fortes, no entanto, se constituíram apenas nas zonas industriais e portuárias, de
grande densidade operária, porque somente nelas surgia espontaneamente o espírito sindical. Daí
a verificação sociológica de que só há sindicatos poderosos de trabalhadores onde se generaliza o
espírito sindical e este surge, naturalmente, nas zonas de acentuada densidade operária.
III - O retardamento da organização sindical brasileira
11. Examinando-se a posição do Brasil frente ao mesmo fato social, fácil será verificar-se que, até
1930, poucos trabalhadores haviam se organizado em sindicatos, os quais, embora tivessem lutado
por justas reivindicações, tinham expressão limitada e circunscricional.
12. A ausência de unia organização sindical capaz de conquistar, em nosso país, a legislação de
proteção ao trabalho e da previdência social, que se universalizara na última quadra do século XIX
e fora consagrada em 1919, pelo Tratado de Versailles, é facilmente explicável: contando, até
1888, com o trabalho escravo, numa economia preponderantemente rural, impossível se tornara a
agremiação de trabalhadores e sua coalizão visando a campanhas reivindicatórias para a conquista
de direitos sociais. E na primeira parte do século em curso, o nascimento de uma indústria
incipiente, incapaz de formar grandes aglomerados de trabalhadores urbanos, bem como o
isolamento das raras comunidades operárias na imensidade do nosso território, dificultavam, senão
impossibilitavam, o nascimento do espírito sindical, que é o esteio da associação e do êxito dos
movimentos reivindicatórios.
13. Como se infere, as normas de proteção ao trabalho e de previdência social não poderiam,
como em alguns países, ser conquistadas peles próprios trabalhadores, nem sua aplicação
depender, preponderantemente, da ação sindical.
14. Fundamentos históricos e sociológicos explicam, destarte, porque a legislação social-
trabalhista brasileira foi outorgada pelo Estado, após a vitória da Revolução de 1930, como
reconhecimento aos direitos naturais do trabalhador, tal como advogara o Papa Leão XIII, em
1891, na famosa encíclica Dererum novarum. E desse fato resultou que o sindicato, que em
outros países se constituiu em causa dessa legislação, só apareceu no Brasil, com características
de organicidade e expressão nacional, como efeito do sistema jurídico decretado pelo Estado para
regulamentar e proteger o trabalho humano.
15. Foi o próprio Governo, por intermédio do Ministério do Trabalho, que resolveu incrementar a
organização sindical, seja motivando e auxiliando a formação de associações, seja estimulando a
sindicalização, seja conferindo às entidades sindicais prerrogativas e recursos financeiros. O
princípio da unidadesindical, com a conseqüente representação legal da categoria pelo respectivo
sindicato, e o exercício de funções delegadas do Poder Público, entre as quais a de se beneficiar
de contribuição compulsória anual de todos os integrantes da categoria representada - são os
exemplos mais eloqüentes da política sindical iniciada com o Decreto-lei 1.402, de 5.6.1939. E
essas circunstâncias levaram a maioria dos sindicatos a aceitar a orientação, e até o comando, do
Ministério do Trabalho. Só na medida em que se tornaram efetivamente representativos, os
sindicatos foram conquistando sua autonomia.
IV - Os diversos graus de intervenção do Estado nas relações de trabalho
16. A legislação de proteção ao trabalho, como já foi dito, configura nítida intervenção do Estado
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nas relações contratuais entre empregadores e empregados, posto que esses não podem ajustar
condições de trabalho abaixo dos níveis estabelecidos pelas normas cogentes. Entre essas
normas, algumas decorrem de instrumentos peculiares ao Direito do Trabalho: a convenção
coletiva firmada entre sindicatos de trabalhadores e de empregadores ou entre aqueles e
determinada ou determinadas empresas (no Brasil a convenção assinada com empresas tem o
nome de "acordo coletivo") e os laudos arbitrais ou, em alguns países, as sentenças dos Tribunais
do Trabalho, que põem fim aos conflitos coletivos de trabalho. Esses instrumentos possuem
efeitos normativos, aplicando-se, assim, aos contratos de trabalho celebrados nas
correspondentes categorias ou empresas.
17. A intervenção do Estado nas relações de trabalho apresenta, no direito comparado, diferentes
graus, dependendo do poder alcançado pela organização sindical do respectivo país e do sistema
econômico adotado pelo regime jurídico-político. Os extremos dessa escala são:
a) os EUA, cujo sistema se baseia preponderantemente na negociação coletiva impulsionada pelos
poderosos sindicatos. A intervenção estatal é tão limitada, que o salário-mínimo, instituído pela
"Lei de normas eqüitativas do trabalho", só se aplica às empresas urbanas cujos produtos,
matérias-primas ou serviços cruzem fronteiras ou o volume de vendas anual exceda um milhão de
dólares;
b) a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (obviamente também os de mais países
comunistas do leste europeu), onde o dirigismo integral da economia pelo Estado não deixa
margem para a suplementação das condições de trabalho que resultam da planificação
periodicamente adotada pelo Poder Público. Os sindicatos são, na verdade, órgãos para-estatais,
sujeitos, em rígida hierarquia, ao Conselho Central dos Sindicatos, que substituiu, em 1933, o
Comissariado do Povo para o Trabalho. Os sindicatos participam da administração da previdência
social, cuidam da recreação dos trabalhadores, mas não podem suplementar as condições de
trabalho estabelecidas nos planos estatais. As convenções coletivas são obrigadas a reproduzir as
taxas de salário aprovadas pela "planificação do fundo nacional de salários" (art. 6º do Decreto de
4.2.47) e procuram transformar o salário-tempo em salário-rendimento, para estimular a
produtividade do trabalhador. Não há greves (cf. OIT - Los Derechos Sindicales en la URSS,
Genebra, 1957, pp. 59 e 60, 63-67). No preâmbulo do estatuto único dos sindicatos figura a
declaração de que "os sindicatos soviéticos cumprirão suas funções sob a direção do Partido
Comunista da União Soviética, que é a força organizadora e dirigente da sociedade soviética"
(idem, ibidem, p. 45).
18. Entre esses dois pólos se situam os sistemas dos demais países, variando o grau de
intervencionismo estatal, sobretudo nos conflitos coletivos do trabalho. Os direitos dos
trabalhadores são, porém, impostos por lei (p. ex.: Alemanha, França, Itália, toda América Latina
etc.), o que não impede os sindicatos de ampliá-los, por meio de negociação coletiva, com apelo,
em caso de insucesso e conforme o sistema nacional, à arbitragem ou aos tribunais do trabalho.
V - A arbitragem e a greve
19. Com efeito, malogrando a negociação coletiva, alguns países prevêem a arbitragem
facultativa, com pequenas restrições ao direito de greve; outros determinam a arbitragem
compulsória, com certa limitação ao exercício da greve, sendo que, em determinados Estados, a
solução compulsória do conflito coletivo é atribuída a órgãos públicos especiais ou a tribunais do
trabalho. No Brasil, como se sabe, compete à Justiça do Trabalho, por provocação de qualquer
das partes ou do Ministério Público da União, solucionar esses conflitos de interesse, podendo,
consoante preceitua o art. 142, § 1º, da Constituição, "estabelecer normas e condições de
trabalho" nas hipóteses especificadas em lei ( poder normativo).
20. A greve é quase que universalmente reconhecida como instrumento de pressão visando à
composição de interesses entre os respectivos empregados e seus empregadores. Mas não se
trata de um direito absoluto e ilimitado, como querem alguns em nosso país. Como direito de um
grupo, não pode afrontar o direito da comunidade local ou da própria Nação. Por isso mesmo, deve
ser regulado por lei, a qual, num estado de direito, obriga a todas as pessoas físicas e jurídicas,
inclusive as autoridades públicas. E essa regulamentação deve prever - até por uma questão de
senso jurídico - a solução do conflito, seja por arbitragem, seja por decisão judicial, cessando a
greve com o laudo ou a sentença.
21. Vale recordar, neste passo, que o "Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais", adotado pela Assembléia Geral da ONU em 16.12.1966, dispõe:
.......................................................
"Art. 8º. Os Estados que são partes neste Pacto se obrigam a assegurar:
c) o direito que têm os sindicatos de exercerem livremente sua atividade sem outras limitações
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previstas em lei e que constituem medidas necessárias numa sociedade democrática, no


interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as
liberdades de outrem;
d) o direito de greve, exercido conforme as leis de cada país" (grifei).
22. Por outro lado, no estudo de direito comparado sobre a liberdade sindical e a negociação
coletiva, do qual tive a honra de participar, a Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e
Recomendações da OIT acentuou: "O direito de greve é recusado a certas categorias de
trabalhadores, sobretudo os funcionários públicos e os trabalhadores em serviços essenciais. No
que concerne aos funcionários públicos, pode-se estimar que o reconhecimento do princípio da
liberdade sindical não implica necessariamente também o direito de greve. Esse direito é negado
em numerosos países, embora seja reconhecido em outros. Muitos países interditam a greve nos
serviços essenciais... A noção de serviços essenciais pode variar segundo a legislação nacional e
esse termo compreende, lato sensu, atividades tais como a produção, o fornecimento e a
distribuição de combustíveis, os trabalhos portuários, os transportes públicos, os mercados, a
agricultura e outras que o governo julgue apropriadas. Em certos países, as greves podem ser
interditadas se as autoridades consideram que elas são suscetíveis de afetar a ordem pública, o
interesse geral ou o desenvolvimento econômico" ( OIT - Liberte syndicale et négociation
collective, Genebra, 1973, p. 46).
23. Por outro lado, o Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OIT, ao
apreciar queixas de violações de direitos sindicais, firmou jurisprudência, que se encontra
sumulada em verbetes numerados, no sentido de que:
"96. Para colocar os sindicatos ao abrigo das vicissitudes políticas e para subtraí-los à
dependência dos poderes públicos, o Comitê considera desejável que as organizações profissionais
limitem sua atividade - sem prejuízo da liberdade de opinião: dos seus membros - às questões
profissionais e sindicais e que o Governo, por outra parte, se abstenha de intervir no
funcionamento dos sindicatos" ( OIT - La Liberdad Sindical, Genebra, 1972, p. 38);
"131. A dissolução (do sindicato) pronunciada pelo Poder Executivo no exercício de funções
legislativas, do mesmo modo que uma dissolução por via administrativa, não permite assegurar os
direitos de defesa, que só podem ser garantidos por um processo judicial normal, procedimento
que o Comitê considera de primordial importância" (ob. cit., p. 51);
"256. Em vários casos, o Comitê reconheceu que a notificação prévia às autoridades
administrativas e a obrigação de recorrer a procedimentos de conciliação e arbitragem nos
conflitos coletivos, antes de declarar uma greve, figuram na legislação de muitos países, e as
disposições desta índole não podem ser consideradas como atentatórias da liberdade sindical" (ob.
cit., p. 104);
"258. O Comitê aceita como restrição temporária da greve as disposições que a proíbem quando
implica a ruptura de uma convenção coletiva" (ob. cit., p. 104);
"264. O reconhecimento do princípio da liberdade sindical aos funcionários públicos não implica,
necessariamente, o direito de greve" (ob. cit., p. 106);
"269. As restrições impostas às greves em certos setores, com o fim de fazer respeitar os
regulamentos de segurança, constituem restrições normais" (ob. cit., p. 109);
"284. O Comitê considera legítima a disposição legal que proíbe aos piquetes de greve perturbar a
ordem pública e ameaçar os trabalhadores que continuam trabalhando" (ob. cit., p. 116).
24. Inadequada, portanto, a tese, presentemente sustentada por alguns dirigentes sindicais e
advogados, no sentido de que a legislação brasileira, no campo das relações coletivas de trabalho,
deveria simplesmente:
a) garantir o direito dos trabalhadores e dos empregadores de se organizar em sindicatos;
b) assegurar plena autonomia a essas entidades, com a estrutura e o funcionamento regulados
pelos respectivos estatutos;
c) proclamar a eficácia normativa das convenções coletivas de trabalho;
d) reconhecer o direito de greve, sem qualquer restrição.
Esquecem eles, certamente, que isso não existe em nenhum país e que, se adotado, transformaria
a organização num quarto poder.
VI - A inviabilidade de reservar-se a estipulação das condições de trabalho à atuação dos
sindicatos brasileiros

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25. Ainda que a Comissão elaboradora do anteprojeto da nova CLT (LGL\1943\5) estivesse
autorizada a transmudar as linhas mestras da legislação vigente, seria conveniente e oportuno
"americanizar" o sistema brasileiro?
26. Para alguns críticos do anteprojeto, a lei deveria estatuir apenas algumas regras gerais,
deixando aos sindicatos, por meio da negociação coletiva, o encargo de estabelecer as condições
de trabalho que devem reger a relação de emprego.
27. As condições sócio-econômicas já mencionadas determinaram os princípios que regem a
organização sindical brasileira e, ao mesmo tempo, ditaram o intervencionismo básico da nossa
legislação no tocante à formação, à execução e à terminação do contrato de trabalho. Certo é
que, hoje, alguns desses princípios podem ser revistos, assim como certas normas atinentes à
relação de emprego. Mas nada justifica que se elimine ou se restrinja ao mínimo a intervenção do
Estado nas relações contratuais do trabalho.
28. Em 31.12.1976 apenas 31,09% dos trabalhadores urbanos estavam sindicalizados. E esse
percentual corresponde à média nacional, para cujo cálculo são computados os índices maiores
verificados em cidades de grande densidade operária e, bem assim, a sindicalização, praticamente
absoluta, nas atividades portuárias, onde a mão-de-obra é requisitada aos respectivos sindicatos.
Assim, por exemplo, na data aludida, que serviu de base ao inquérito estatístico sindical realizado
pelo Centro de Documentação e Informática do Ministério do Trabalho, foram registrados os
seguintes percentuais de sindicalização de empregados urbanos nos Estados abaixo relacionados:

29. Esse quadro evidencia que não se pode comparar a força de pressão de sindicatos de certas
categorias profissionais, em algumas cidades brasileiras, com o que ocorre na grande maioria das
comunidades urbanas e rurais, onde o baixo nível de sindicalização impede que as condições de
trabalho dependam preponderantemente da ação sindical.
30. De conseguinte, tal como se verifica em quase todos os países, o Estado não pode deixar de
intervir, com normas imperativas, nas relações de trabalho para assegurar aos empregados amplo
elenco de direitos, em nome da Justiça Social. A passividade estatal, nesse setor, propiciaria a
adoção de condições subumanas de trabalho, que não podem ser desejadas pelos que querem a
generalização dos princípios da Justiça Social.
VII - Suplementação das normas legais imperativas
31. Releva ponderar, neste passo, que as normas cogentes configuradoras do intervencionismo
básico da nossa legislação do trabalho não excluem a possibilidade de que sejam suplementadas,
quer pelo contrato individual de trabalho ou pelo regulamento da empresa, quer por convenção ou
acordo coletivo. Neste sentido dispõem tanto a CLT (LGL\1943\5) em vigor (arts. 444 e 611) como
o anteprojeto da sua atualização (arts. 14 e 596). E esse anteprojeto restaura o poder normativo
da Justiça do Trabalho, cujas decisões, nos dissídios coletivos, poderão atender aos justos
interesses de todas as categorias profissionais, ainda que estejam representadas por sindicatos
sem força de pressão. O que é saudável para evitar um acentuado descompasso, sobretudo em
matéria de salários, entre os diferentes grupos de trabalhadores.
32. É certo que o art. 623 da CLT (LGL\1943\5) vigente, introduzido pelo Decreto-lei 229 de
28.2.1967, considera nula a cláusula de convenção ou acordo coletivo que "contrarie proibição ou
norma disciplinadora da política econômico-financeira do Governo ou concernente à política
salarial". Mas essa criticável disposição, que opõe barreiras à negociação coletiva, não foi repetida
no anteprojeto da nova CLT (LGL\1943\5). Portanto, vigente a nova Consolidação, ampliar-se-á a
possibilidade dos sindicatos mais expressivos, em negociação coletiva com as entidades patronais
ou com os próprios empregadores, ampliarem os níveis básicos de proteção garantidos pela lei.

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VIII - O princípio da unidade sindical


33. Os mesmos dados referidos justificam a manutenção do princípio da unidade sindical, em
virtude do qual não pode haver mais de um sindicato para cada categoria ou profissão na mesma
base territorial. Permitir a pluralidade sindical num país onde não há espírito sindical generalizado e
que, por isso, apresenta níveis baixos de sindicalização, seria permitir a divisão e o conseqüente
enfraquecimento dos sindicatos. Em vários países que facultam a pluralidade, é comum a
organização de sindicatos segundo as conotações político-filosóficas ou religiosas dos respectivos
trabalhadores. E no Brasil, não seria difícil prever-se que, em alguns casos, os candidatos
derrotados nas eleições abandonariam, com os seus adeptos, o correspondente sindicato, a fim de
constituírem nova entidade... Por seu turno, foi desastrosa a experiência colhida cm nosso país,
durante a vigência da Constituição de 1934: surgiram inúmeros sindicatos sem qualquer expressão,
conhecidos como "sindicatos de carimbo", enquanto que algumas poderosas empresas
incentivaram a criação de sindicatos "dóceis", a quem cediam campos de futebol, doavam
bibliotecas etc., para enfraquecer a representação dos que procuravam defender os interesses
dos empregados.
34. Tornou-se moda dizer-se que a unidade sindical, que acarreta a representação legal da
categoria pelo sindicato único e que deve ter como corolário o dimensionamento das atividades e
profissões numa relação previamente aprovada ou cadastrada, constitui um princípio fascista. É
verdade que a Carta del Lavoro, da Itália de Mussolini, consagrou esse princípio. Não menos
verdade é, porém, que a Rússia comunista também o adotou, constituindo, ainda hoje, um dos
pontos cardeais da legislação sindical da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Cumpre,
pois, indagar: trata-se de um princípio fascista ou comunista?
35. A verdade é que corresponde apenas a um princípio de direito sindical, consagrado por
inúmeros países, quando indicado pelas respectivas condições sócio-econômicas. Assim, por
exemplo, impõem a unidade sindical (alguns exigindo que o sindicato reúna 50% dos participantes
da categoria, profissão ou empresa representada) os seguintes países: Argélia, Bielorrúsia, Bolívia,
Brasil, Checoslováquia, Chile, Colômbia, Congo, Cuba, Egito, Etiópia, Filipinas, Honduras, Iraque,
Jordânia, Kuwait, Líbia, Mauritânia, México, Nicarágua, Panamá, Peru, Polônia, Salvador, Síria,
Sudão, Ucrânia, URSS, Tanzânia e Zâmbia. Por sua vez, é facultado ao Governo negar autorização
para a constituição de um segundo sindicato ou para indeferir-lhe o registro, nos Estados que se
seguem: Austrália, Guatemala, Kênia, Malásia, Nigéria, Cingapura e Nova Zelândia (cf. OIT -
Liberte Syndicale et négociation collective, Genebra, 1973; e Jay Erstling, El derecho de
sindicación, Genebra 1978).
36. Conforme elucidou o douto e insuspeito Georges Scelle, "Há uma contradição fundamental
entre o fato de se dar ao sindicato a incumbência de representar e defender o interesse
profissional e a liberdade concedida aos membros de uma profissão de formar sindicatos
antagônicos...
O interesse profissional é um - e é um interesse coletivo - que não se confunde com a soma dos
interesses de cada um dos membros da profissão...
Os interesses da comuna, das províncias, do país, são confiados, cada um deles, aos cuidados de
uma administração única. Aí, a pluralidade seria a anarquia. Não pode deixar de acontecer o
mesmo com os interesses da profissão: o sindicato, para administrá-los, deve possuir um
monopólio" ( Législation Industrielle, Paris, 1927, p. 319).
37. O anteprojeto de atualização da CLT (LGL\1943\5) manteve o princípio da unidade sindical.
Mas, para assegurar a autenticidade da representação, já que pode haver pluralidade de
associações de classe, prescreveu que a investidura sindical será conferida à associação mais
representativa; e, se esta não conservar essa condição, perderá a investidura em favor da que
reunir os requisitos de representatividade (número de associados, serviços sociais e patrimônio -
art. 519).
IX - A contribuição sindical compulsória
38. Quanto à contribuição sindical compulsória de todos os participantes da categoria ou
profissão representada, instituída em 1940 com o nome de imposto sindical, corresponde, de fato,
a uma invenção do direito fascista italiano. O legislador brasileiro a adotou pelas razões históricas
já assinaladas. Não sendo possível impor a sindicalização compulsória, por violar o preceito
constitucional da liberdade sindical, o Estado procurou motivar e fortalecer a associação sindical,
aproximando, por uma vinculação indireta, todos os integrantes da categoria ou profissão: os
direitos e vantagens que o sindicato obtém para o grupo representado, constituído de associados
ou não, é o primeiro elo dessa vinculação; o segundo, que é a contraprestação do primeiro,
corresponde à contribuição anual obrigatória. Com o fortalecimento econômico do sindicato, pode
ele prestar maiores benefícios e assistência à classe, livre de ajuda financeira espúria.
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39. Em todos os congressos sindicais brasileiros, que abordaram a questão, realizados nos últimos
anos, os pronunciamentos foram no sentido da manutenção desse tributo, como condição de
sobrevivência da maioria das entidades. Aliás, em recente entrevista, o advogado dos poderosos
sindicatos dos metalúrgicos do ABC e de outras associações sindicais do Estado de S. Paulo, Dr.
Almir Pazzianotto, mostrou-se desfavorável à extinção da contribuição compulsória, tal como o
fez, há dias, o ex-Ministro do Trabalho Almino Afonso, a quem ninguém, de boa fé, poderia imputar
a pecha de fascista.
40. Quando Ministro do Trabalho e Previdência Social, elaborei projeto, que se transformou na Lei
4.589, de 11.12.1964, extinguindo o "Fundo Social Sindical" - o fundo que atrelava sindicatos ao
comando do Ministério. E no art. 16 foi determinada a constituição de uma comissão para realizar
inquérito e estudos com o fim de ensejar decisão sobre a extinção do então denominado imposto
sindical. Pois bem, o inquérito revelou que 83% das entidades não teriam condições de
sobrevivência se fosse extinto o tributo. Hoje a situação talvez seja um pouco diferente; mas não
muito.
41. O anteprojeto da nova CLT (LGL\1943\5) manteve a contribuição anual obrigatória. Entendo,
contudo, que já se pode pensar, com as devidas cautelas, na progressiva extinção do tributo
sindical. Pessoalmente, adotaria parte das proposições a respeito consignadas no anteprojeto de
Código do Trabalho (1963) do Prof. Evaristo de Moraes Filho:
a) os associados dos sindicatos ficariam isentos do tributo, visto que já contribuem com as
mensalidades;
b) por deliberação da assembléia geral, o sindicato que reunisse, como associados, mais de um
terço (1/3) dos integrantes da correspondente categoria ou profissão, poderia renunciar à
contribuição compulsória, caso em que o tributo deixaria de ser devido pelos respectivos
trabalhadores ou empregadores;
c) seria facultado ao sindicato de trabalhadores, na hipótese da alínea anterior, incluir nos
instrumentos de negociação coletiva, ou, havendo dissídio, pleitear da Justiça do Trabalho,
cláusula de desconto, na remuneração dos não associados, de um percentual da elevação salarial
obtida, no primeiro mês de pagamento, cujo produto lhe seria destinado pelos respectivos
empregadores.
X - Autonomia sindical: penalidade e intervenção no sindicato
42. Relativamente à autonomia sindical, o anteprojeto divulgado contém modificações de relevo.
Dentro das finalidades para as quais o sindicato é instituído, reservou-se à assembléia geral a
aprovação dos respectivos estatutos, que não terão de se amoldar a qualquer modelo
previamente elaborado pelo Ministério do Trabalho.
43. Além de outras medidas que visam a preservar a autonomia sindical, merecem destaque as que
eliminaram a ampla faculdade atribuída ao Ministro do Trabalho para intervir nos sindicatos,
federações e confederações, suspender ou destituir seus administradores, fechar temporariamente
essas entidades e cassar a respectiva carta de reconhecimento:
a) os estatutos da entidade sindical deverão dispor sobre a suspensão ou a destituição dos
membros da diretoria e dos Conselhos, cabendo à assembléia geral, ou ao Conselho de
Representantes nas associações de grau superior, aplicar a penalidade, assegurada sempre a
plena defesa ao acusado;
b) se ocorrer denúncia fundamentada de malversação dos recursos do sindicato ou federação
estadual ou de circunstâncias que perturbem o seu normal funcionamento, e desde que a
assembléia, ou o Conselho de Representantes, não se manifeste no prazo de trinta dias, o Ministro
do Trabalho constituirá comissão de investigação integrada por dois representantes do Ministério e
dois da classe, indicados pela Confederação respectiva, sob a presidência de um membro da
Procuradoria Regional do Trabalho. Tratando-se de confederação ou de federação nacional ou
interestadual, os dois membros classistas deverão integrar o Conselho de Representantes de
Confederações de outro ramo econômico ou profissional, cabendo a presidência da Comissão a um
membro da Procuradoria Geral da Justiça do Trabalho. Com base no relatório da Comissão, que
deverá ser acompanhado das razões de defesa dos implicados, o Ministro do Trabalho poderá
aplicar as penalidades cabíveis;
c) quando a entidade sindical violar norma fundamental concernente às suas finalidades e ao seu
funcionamento, de modo a conturbar a ordem pública, o Ministro do Trabalho representará ao
Ministério Público da União, encaminhando-lhe as provas a respeito colhidas, para que ajuíze ação
na Justiça Federal visando à suspensão temporária das atividades da associação ou à destituição
dos seus diretores. Caberá, assim, ao Poder Judiciário aplicar as sanções previstas em lei, podendo
o juiz, em casos de inquestionável gravidade, conceder medida liminar requerida pelo Ministério
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Público.
44. Nos casos do Estado de Sítio e do Estado de Emergência e, bem assim, quando forem
determinadas medidas de emergência, o Presidente da República poderá intervir nas entidades
sindicais, nos termos do art. 156, § 2º, e, da Constituição ( Emenda Constitucional 11, de
13.10.78).
XI - A política salarial
45. Afigura-se-me que as modificações mais importantes inseridas no anteprojeto da nova CLT
(LGL\1943\5) concernem às majorações salariais. O salário é, sem dúvida, a matéria-prima mais
relevante da negociação coletiva, da greve e dos dissídios coletivos submetidos à Justiça do
Trabalho.
46. A Comissão Interministerial de Atualização da CLT (LGL\1943\5) resolveu distinguir o
reajustamento, que visa a restabelecer o valor real da prestação pecuniária estipulada no
contrato de trabalho, corroído pela perda continuada do poder aquisitivo num lapso de tempo, do
aumento real dos salários. Este deve ter por base o crescimento da taxa de produtividade ou dos
lucros da empresa; aquele deve estear-se, simplesmente, na elevação do custo de vida. E
enquanto a inflação superar 15%, no período de seis meses, o reajuste deve ser semestral.
47. O aumento real dos salários, que não deve ter reflexos no preço dos produtos ou serviços,
poderá ser determinado por ato do empregador, por negociação coletiva entre as partes interessa
das e, malogrando esta, pela Justiça do Trabalho, observados sempre os critérios e limitações
estabelecidas em lei. Nas categorias constituídas por empresas de diferentes portes, poderão ser
fixados níveis diversos para o aumento real dos salários ou excluídas as que comprovarem sua
incapacidade econômica para suportar o aumento. Demais disto, a empresa não excluída poderá,
na ação de cumprimento, provar sua incapacidade econômica para efeito de sua exclusão ou
colocação em nível compatível com suas possibilidades. Estas regras, no entanto, não se aplicam
aos reajustamentos baseados na majoração do custo de vida.
48. No relatório que acompanhou o anteprojeto, salientei, a propósito: "Entende a Comissão que
esse sistema não incrementará a inflação, pois nada justifica que os preços sejam majorados em
virtude da redistribuição dos lucros de correntes do crescimento da taxa de produtividade. Antes,
impõe a Justiça Social que os frutos desse crescimento sejam divididos entre os que, num esforço
comum, o determinaram: empregadores e empregados" (§ 100).
49. Conforme amplamente noticiado, o Governo Federal acaba de preparar Projeto de Lei sobre o
assunto, adotando, com algumas modificações, as proposições fundamentais do anteprojeto da
nova CLT (LGL\1943\5).
50. Entretanto, o anteprojeto da nova CLT (LGL\1943\5), com a finalidade de desestimular a alta
rotatividade no emprego, ao ensejo dos reajustamentos salariais, sobretudo entre os
trabalhadores sem qualificação profissional e os semiqualificados:
a) enfatizou que o salário do empregado admitido na empresa terá como limite mínimo o daquele
que, contratado antes da vigência do instrumento normativo, exercer função idêntica, observadas
as regras sobre a isonomia salarial;
b) facultou à convenção ou ao acordo coletivo e à sentença normativa da Justiça do Trabalho
fixar níveis salariais mínimos, seja para todos os empregados da categoria ou da empresa, seja
para exercentes de determinadas funções.
51. O sistema proposto, motivando a negociação coletiva e, se fracassada esta, o apelo à Justiça
do Trabalho, importará em desestímulo à greve. Hoje, por não poder a Magistratura do Trabalho
conceder aumentos efetivos de salário, os trabalhadores organizados em sindicatos expressivos
vêem no exercício da greve o único caminho capaz de proporcionar-lhes a majoração real dos seus
proventos. Restaurado o poder normativo que a Constituição Federal (LGL\1988\3) (art. 142, §
2º) confere à Justiça do Trabalho, com os limites adequados prescritos no anteprojeto, a grande
maioria dos trabalhadores há de preferir o procedimento que poderá, sem conflitos coletivos
abertos, melhorar sua participação nos frutos do desenvolvimento econômico nacional.
XII - O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
52. O regime do FGTS, instituído pela Lei 5.107, de 13.9.1966, foi objeto de algumas modificações
substanciais. A opção entre esse regime e o previsto na CLT (LGL\1943\5) a respeito da
indenização de antigüidade, com a possibilidade de adquirir a estabilidade no emprego, foi atribuída
ao empregado. Contudo, é o empregador quem impõe essa opção no momento da contratação do
trabalhador. Atualmente, 97% dos empregados urbanos são optantes do FGTS.
53. Não pode ser negado que o regime do FGTS, a par das vantagens individualmente

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proporcionadas ao optante, tem incrementado a rotatividade da mão-de-obra. Consoante


estatística que me foi fornecida pelo Coordenador-Geral do FGTS, os saques dos depósitos
efetuados em nome dos empregados registraram, nos últimos três anos, os seguintes números: a)
1976 - 4.806.861; b) 1977 - 5.345.766; c) 1978 - 5.513.633.
54. Esses dados requerem, no entanto, análise criteriosa, para evitar soluções distorcidas. Para
esse fim, cabe distinguir as causas normais do levantamento dos depósitos daquelas que podem
ser consideradas anormais ou anti-sociais. Infelizmente o BNH, que é o gestor do Fundo, ainda não
dispõe dessa análise. Mas é óbvio que uma parcela ponderável desses saques correspondem às
seguintes causas normais:
a) extinção de contrato de trabalho a prazo, inclusive contrato por obra (na construção civil, que
emprega mais de dois milhões de trabalhadores, a rotatividade decorre da própria natureza do
empreendimento econômico);
b) extinção do contrato de trabalho em virtude de aposentadoria ou morte do trabalhador;
c) cessação do contrato de trabalho resultante da extinção da empresa, fechamento de qualquer
dos seus estabelecimentos ou supressão de atividade;
d) resilição do contrato de trabalho, quando o empregado se estabelecer, individualmente ou em
sociedade, para empreender atividade industrial, comercial ou agropecuária;
e) aquisição de casa própria;
f) atendimento de necessidade grave e premente, pessoal ou familiar, nos casos de desemprego
ou doença;
g) aquisição de equipamento destinado a atividade como trabalhador autônomo;
h) resilição do contrato de trabalho em razão de casamento da mulher;
i) contas inativas durante dois anos.
55. Ainda que se reduza à metade o número de saques anuais referentes às despesas sem justa
causa (muitas vezes acordada entre as partes, em indisfarçável simulação), forçoso é concluir
que, num total de 22 milhões de trabalhadores optantes, em 1978, quase 3 milhões de rescisões
injustificadas do contrato de trabalho configuram excessiva rotatividade no emprego.
56. Essa rotatividade não atende, sob o prisma da macroeconomia, nem aos interesses do
trabalhador, nem aos interesses da empresa. Demais disto, torna inexpressivos os fundos a serem
levantados na aposentadoria ou na morte do trabalhador, impõe a redução dos planos sociais a
cargo do Banco Nacional de Habitação e impede a integração do trabalhador na empresa,
preconizada pela Constituição (art. 165, V).
57. Não tendo sido a Comissão autorizada a acabar com a mencionada opção e reformular o
conceito da estabilidade, à fim de adotar a teoria da nulidade da despedida arbitrária (nas
empresas com mais de cem empregados e depois de doze meses de serviço, a despedida só seria
válida quando baseada em causa disciplinar, técnica, econômica ou financeira), considerou
imprescindível adotar medidas tendentes a refrear a alta rotatividade no emprego. Duas delas, já
referidas, foram inseridas no capítulo sobre o salário; a outra, incluída no título alusivo ao FGTS,
consiste em aplicar pesada multa ao empregador que, em qualquer dos seus estabelecimentos com
mais de 50 empregados, despedir, sem justa causa ou sem motivo de ordem técnica, econômica
ou financeira, mais de 12% dos trabalhadores contratados por prazo indeterminado, num período
de doze meses. Esse percentual foi fixado com base em dados revelados pela Coordenadoria Geral
do FGTS. Sempre que for ultrapassado esse limite, caberá ao empregador comunicar o fato à
Delegacia Regional do Trabalho e justificar as despedidas. O agente da inspeção do trabalho
investigará as causas determinantes das despedidas e apresentará relatório conclusivo ao
Delegado. À falta de comunicação do empregador, o excesso de despedidas desmotivadas poderá
ser revelado pela fiscalização do trabalho, por subsídios fornecidos pelo BNH ao IAPAS, e, ainda,
por denúncia do correspondente sindicato. Nesta hipótese, a investigação das causas será
procedida por uma Comissão de Inspeção, constituída de um Inspetor do Trabalho, um
representante do sindicato dos trabalhadores e um representante da empresa. Em qualquer caso,
a empresa poderá apresentar suas razões de defesa, sendo-lhe facultado recorrer da decisão
impositória da multa.
58. Outra modificação de relevo no regime do FGTS visou a garantir a compensação do tempo de
serviço do empregado, independentemente dos riscos e insucessos a que estão sujeitas as
empresas. Para melhor atender a essa finalidade, estabeleceu o anteprojeto que, sendo
reconhecidas como devidas ao empregado, em juízo, importâncias referentes ao FGTS, não
recolhidas pelo empregador, e este, apesar de intimado, não efetuar o respectivo depósito em 48

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horas, o BNH efetuará o pagamento, sub-rogando-se no crédito do reclamante a fim de prosseguir


na execução do julgado, para reembolso da quantia despendida. O Banco será representado em
juízo pelo IAPAS. O empregador que não efetuar o pagamento no aludido prazo ficará sujeito às
restrições e penalidades previstas para os casos de mora contumaz.
XIII - Outras alterações e inovações de relevo
59. Tantas são as alterações e inovações consubstanciadas no anteprojeto de atualização da CLT
(LGL\1943\5), que os objetivos desta dissertação não permitem descrevê-las e justificá-las. Não
quero, entretanto, terminar este trabalho sem, pelo menos, enunciar algumas delas:
a) prevê o regulamento de empresa, distinguindo as normas alusivas a condições de trabalho e
vantagens decorrentes da relação de emprego, que se incorporam aos contratos de trabalho, das
disposições técnico-administrativas de organização e execução dos serviços;
b) dispõe sobre os conflitos de leis no tempo e no espaço;
c) regula os efeitos, na legislação brasileira, da ratificação de tratados alusivos ao Direito do
Trabalho;
d) presume realizada em virtude de contrato de trabalho a prestação pessoal e continuada de
serviços;
e) proíbe a contratação de empresas prestadoras de serviços para a execução das atividades
normais da empresa, excetuando, desde logo, os serviços de vigilância, limpeza, conservação e
custódia;
f) restringe a interinidade a 90 dias;
g) impõe ao empregador, no caso de despedida sob alegação de justa causa, a obrigação de
comunicar por escrito ao empregado, dentro de 10 dias, os fatos que a motivaram;
h) limita a 15 dias a suspensão disciplinar do empregado, devendo a pena ser proporcional à falta;
i) possibilita a alteração de condições de trabalho em virtude da modernização do equipamento
tecnológico, mediante acordo sindical, sem prejuízo para o empregado, suprido pela Justiça do
Trabalho;
j) admite a resolução do contrato de experiência por imperícia ou inabilitação do empregado ou,
ainda, com aviso prévio de cinco dias;
k) determina o pagamento dos salários pertinentes ao aviso prévio, na despedida indireta;
l) assegura aos herdeiros civis o recebimento dos depósitos do FGTS do empregado falecido, na
falta de dependentes inscritos no INPS;
m) faculta o levantamento dos depósitos do FGTS, até 20 Valores de Referência, por ocasião do
casamento, tanto ao homem como à mulher;
n) ordena o cômputo da contribuição previdenciária no cálculo do salário-mínimo;
o) reduz a 50% o limite para descontos de utilidades de natureza salarial;
p) fixa em 8 horas a jornada normal dos vigias;
q) restringe o trabalho extraordinário a 90 dias em cada ano civil, salvo acordo com o sindicato ou
em se tratando de serviço público, atividades rurais ou categorias com jornada de trabalho até 6
horas;
r) conceitua o trabalho noturno como o executado entre as 22 horas de um dia e as 6 horas do
dia seguinte;
s) estabelece que o adicional de insalubridade seja calculado sobre o salário básico e não sobre o
mínimo;
t) regulamenta o trabalho do menor de 12 anos a 14 anos, previsto na Constituição, proibindo-o
na indústria e no transporte, sujeitando-o a prévia autorização do Juiz de Menores ou do Delegado
Regional do Trabalho e limitando a jornada a 6 horas;
u) atenua, quando possível, a super-proteção ao trabalho feminino, geradora de discriminação
indesejável. Assim, a mulher ficará sujeita às normas gerais sobre o trabalho extraordinário, que foi
limitado, e poderá trabalhar à noite, salvo na indústria, quando a empresa terá de obter
permissão, conforme o caso, do Ministro do Trabalho ou do Presidente da República;
v) garante a estabilidade no emprego à gestante, desde a data do atestado médico até 60 dias
após o parto;
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x) impõe ao SESI, ao SESC e à LBA a obrigação de manterem ou subvencionarem creches


distritais;
y) procura motivar a negociação coletiva, cujos instrumentos poderão dispor sobre qualquer
condição de trabalho ou direito decorrente da relação de emprego e, inclusive, regular a
conciliação das controvérsias em sua aplicação, criar comissões mistas de conciliação e
colaboração no plano da empresa ou disciplinar a participação dos trabalhadores nos lucros ou no
capital da empresa;
z) não podendo modificar os preceitos constitucionais relativos à greve, limita-se a atenuar as
regras de procedimento para o exercício desse direito, reduzir o quorum da assembléia para a
respectiva deliberação e o intervalo entre a 1ª e a 2ª convocações, que passará a ser de 24
horas;
w) cria, no Tribunal Superior do Trabalho, o Conselho da Magistratura da Justiça do Trabalho, que
substituirá a Corregedoria Geral;
a') confere aos Tribunais Regionais do Trabalho a organização das listas tríplices de advogados
para o provimento de cargo de juiz destinado à respectiva classe;
b') no processo do trabalho, dá ênfase à oralidade e à concentração dos atos, atribuindo ao juiz
maior liberdade na direção e no impulso do processo;
c') determina que o Juiz do Trabalho, após a contestação, defina os pontos sobre os quais
incidirão a conciliação e a prova;
d') prescreve que a condenação, sempre que possível, deve ser em valor líquido, inclusive quando
a sentença for reformada em grau de recurso;
e') torna obrigatória a argüição na defesa, quando for o caso, da compensação, retenção ou
prescrição;
f') fixa em 4 vezes o Valor de Referência o limite para os processos de alçada exclusiva das Juntas
de Conciliação e Julgamento, de cujas sentenças só será admissível recurso por violação de norma
constitucional ou de Súmula do TST;
g') torna incabíveis os embargos por violação de lei dos acórdãos unânimes de Turmas do TST;
h') eleva para 20 vezes o Valor de Referência o depósito para a formalização do recurso;
i') determina o pagamento de honorários dos advogados, pelo vencido, com as necessárias
cautelas quando este for o trabalhador;
j') nos 24 anexos ao texto consolidado, dispôs sobre as condições especiais de trabalho em razão
da atividade profissional, refundindo, ordenando e atualizando a esparsa legislação pertinente e
acrescentando a regulamentação, que se impõe, do trabalho em transportes rodoviários.
XIV - Considerações finais
60. Como se pode inferir, não se trata de um simples "remendo" à CLT (LGL\1943\5), mas de um
novo texto, sistematizado, que corrige falhas, omissões e imprecisões revelados na aplicação do
sistema legal vigente, além de consubstanciar importantes inovações em benefício dos
trabalhadores. Por isso mesmo, chegam a ser grotescos alguns pronunciamentos no sentido de
que as modificações inseridas são prejudiciais aos trabalhadores. Compreende-se que sejam
reivindicadas outras inovações, que não puderam ser examinadas ou adotadas pela Comissão
Interministerial, em face das limitações estabelecidas no mandato recebido do Governo Federal.
Nada justifica, porém, a atitude ridícula e ate suspeita dos que pretendem negar a evidência
decorrente da simples leitura do anteprojeto.
61. Ressalte-se, finalmente, o procedimento democrático adotado pelo Governo Federal, visando à
elaboração do anteprojeto e ao seu aperfeiçoamento: antes da Comissão iniciar os seus trabalhos,
foi aberto prazo para sugestões, que foram enviadas por 1064 pessoas físicas e jurídicas, inclusive
Tribunais, Faculdades de Direito, Instituto dos Advogados Brasileiros, algumas Seções da Ordem
dos Advogados do Brasil, entidades sindicais etc.; depois de concluído o anteprojeto foi o mesmo
publicado e entregue ao Congresso Nacional, para um largo debate, o qual ensejará, certamente,
diversas modificações no projeto final.
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