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Direito do trabalho, neoliberalismo e

austeridade: a reforma trabalhista no brasil


• Publicado em 16 de junho de 2020

Wilson Ramos Filho (1) e Nasser Ahmad Allan (2)


Advogados e doutores em direito pela Universidade Federal do Paraná
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I – INTRODUÇÃO

O Direito do Trabalho no Brasil sofreu grande modificação com a


edição da Lei 13.467, de 2017. A chamada reforma trabalhista produziu
alterações impactantes nas relações sociais de produção sob o
pretexto de modernizar a legislação e tornar o mercado de trabalho
mais atual e atrativo para os novos tempos.

Neste artigo pretende-se discorrer, brevemente, sobre os


fundamentos adotados pelos legisladores reformadores a fim de
justificar as alterações legislativas produzidas, confrontando-os com o
receituário neoliberal, aplicado em outras partes do mundo ocidental.
Além disso, intenciona-se indicar os principais pilares de sustentação
das modificações legais introduzidas e, ao final, verificar se os efeitos
econômicos e sociais ambicionados pelos legisladores – ao menos os
publicamente confessados – foram alcançados.

II – OS FUNDAMENTOS DA REFORMA TRABALHISTA NO BRASIL

Depois do final da Segunda Guerra Mundial o continente europeu


experimentou a consolidação de democracias constitucionais, com
predomínio político-ideológico da socialdemocracia, cujas políticas
econômicas baseavam-se, entre outras, na intervenção estatal no
mercado a fim de garantir taxas de juros e margens de lucros mais
baixas, pleno emprego, equilíbrio social e proteção da população
contra a instabilidade do mercado.

Pode-se afirmar que a primeira crise do Petróleo, de 1975, encerrou


um ciclo de quase trinta anos de prosperidade e crescimento
econômico nas principais economias ocidentais, inaugurando, a partir
de então, períodos de sucessivas crises no capitalismo (talvez, pareça
mais apropriado definir como uma longa e contínua crise, permeada
por alguns momentos de alívio, proporcionados por medidas
paliativas adotadas pelos Estados nacionais, sem atuar nas reais
origens dos problemas econômicos).

Com as dificuldades enfrentadas pelas economias nacionais, em


especial, após as duas crises do Petróleo (em 1979, houve a segunda) e
com o rompimento do grande capital com o pacto social keynesiano –
centrado na concordância com a intervenção estatal no mercado para
restringir lucros tendo por contrapartida a garantia de longos períodos
de crescimento econômico – constatou-se a estagnação econômica a
partir da desconfiança do capital para aportar investimentos e gerar
novas riquezas.[3]

Tal ruptura restou em evidência com a assimilação e difusão, por parte


dos capitalistas, dos postulados da racionalidade neoliberal[4]. Aos
poucos, formou-se uma hegemonia em torno da identificação da crise
do capitalismo como resultado de excessivos gastos dos Estados com
direitos sociais e a estagnação econômica como fruto da overdose de
direitos concedidos à classe trabalhadora.

Praticamente, de modo consentâneo, governos neoliberais foram se


constituindo e as políticas de austeridade[5] não tardaram a surgir,
trazendo consigo a subtração ou mitigação de direitos sociais. Aos
seus muitos entusiastas não haveria solução à crise, a não ser atacar as
suas supostas causas com medidas para conter as despesas estatais
com benefícios concedidos às classes mais pobres e com a redução do
custo da mão de obra como alternativa a incentivar o crescimento
econômico e enfrentar o desemprego.

No Brasil, durante a Assembleia Nacional Constituinte, havia quem


concebesse uma Constituição, inspirada nas europeias do pós-
guerras, a garantir direitos mínimos à população a fim de permitir a
diminuição das enormes distâncias que separam pobres de ricos. Mas,
também, não faltaram os defensores de medidas de austeridade, a
advogar por um mercado livre, sem as amarras estatais, e, pela
flexibilização negativa de direitos trabalhistas.

Da correlação entre as forças em ação na Constituinte resultou uma


Carta com viés socialdemocrata, porém, atenuado por muitos
dispositivos de índole neoliberal. Esse hibridismo, por assim dizer,
mostrou-se útil aos governantes do país, notadamente, Fernando
Collor de Mello (1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002),
que em seus governos adotaram uma série de medidas com forte
acento neoliberal, especialmente, no tocante ao mercado de trabalho
brasileiro.
As justificativas para as modificações legislativas que previam retirada
de direitos eram baseadas na necessidade de adequar a anacrônica
legislação trabalhista à nova realidade e, sempre, partindo-se da
premissa de que o Direito do Trabalho seria fator de entrave
econômico, sendo o principal responsável pelo desemprego.

Sob a perspectiva de privilegiar-se a liberdade e autonomia dos


sindicatos surgiu o Projeto de Lei n. 5.483, de 2001, prevendo a
modificação do artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
a fim de permitir a derrogação de normas trabalhistas pela
negociação coletiva. Não houve tempo hábil, no entanto, para
concretizar a guinada no caráter heterônomo e cogente da legislação
trabalhista, pois, no início do Governo de Luís Inácio Lula da Silva, em
2003, o projeto – que era de iniciativa do presidente da república
anterior – foi arquivado e, com ele, por treze anos foram suspensas
medidas de desregulamentação do mercado de trabalho no Brasil.[6]

A retomada neoliberal viabilizou-se com o golpe midiático-judicial-


parlamentar de 2016 que importou na deposição da Presidente Dilma
Rousseff e na tomada do poder por Michel Temer. Antes disso, porém,
no final de 2015, o partido do então vice-presidente divulgara um
documento intitulado “Uma ponte para o futuro”[7] onde foram
assinaladas premissas de caráter neoliberal como solução à crise
econômica, propondo equacionar o déficit fiscal do Estado com a
redução de gastos públicos em direitos sociais, com ênfase na reforma
da previdência social e em medidas para assegurar maior liberdade ao
mercado, dentre outras, mencionando modificar-se a legislação
trabalhista para contemplar a possibilidade de derrogar direitos
previstos em lei por acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Com o golpe de Estado, a análise da correlação de forças estava a


indicar inexistirem óbices reais à elaboração de uma completa
reforma na legislação do trabalho. Os capitalistas ansiavam por
recuperar as décadas de resignação à intervenção estatal na
economia e, por consequência, a imposição de amarras à acumulação
de lucros, mesmo estando a história econômica do país a relativizar a
capacidade e/ou interesse de o Estado opor tais limites ao capital. Não
tardaram a imprimir sua agenda reformadora.

Em pouco tempo de tramitação na Câmara dos Deputados um


comedido projeto de iniciativa do Poder Executivo tornara-se em uma
ambiciosa proposta de reforma da legislação, com a nítida intenção
de modificar as bases estruturantes do Direito do Trabalho no país. O
deputado relator do Projeto de Lei n. 6.787, de 2016, na apresentação
da justificativa das modificações pretendidas, deixava transparecer, de
maneira bem elucidativa, quais as razões a ensejar tamanhas
alterações:
Novas profissões surgiram e outras desapareceram, e as leis
trabalhistas permanecem as mesmas. Inspiradas no fascismo de
Mussolini, as regras da CLT foram pensadas para um Estado
hipertrofiado, intromissivo, que tinha como diretriz a tutela
exacerbada das pessoas e a invasão dos seus íntimos.

O respeito às escolhas individuais, aos desejos e anseios particulares é


garantido pela nossa Lei Maior. Não podemos mais negar liberdade às
pessoas, não podemos mais insistir nas teses de que o Estado deve
dizer o que é melhor para os brasileiros negando-os o seu direito de
escolher. Precisamos de um Brasil com mais liberdade.

Revela-se a importância concedida à liberdade de contratar das


partes, buscando retratar os limites impostos pela legislação estatal
como uma indevida e indesejada intromissão na esfera da autonomia
privada individual. Seria necessário garantir-se “um Brasil com mais
liberdade” contra o Estado opressor que, enfim, impedia trabalhadores
(as) de aceitarem condições menos favoráveis do que as previstas em
lei, como forma de manter ou criar empregos.

Tal preceito encontra-se ainda em consonância com a racionalidade


neoliberal de supervalorizar o individualismo em detrimento dos
espaços de construção de sujeitos coletivos e em prejuízo do princípio
de solidariedade, servindo também a deslegitimar os sindicatos como
interlocutores dos interesses da classe trabalhadora.

O discurso acentua o tom cínico quando aborda o combate ao


desemprego e ao mercado de trabalho informal. Resta evidente a
atribuição de responsabilidade pelas dificuldades econômicas, então
verificadas, ao excesso de direitos trabalhistas. Assim, a retirada de
direitos da classe trabalhadora mostrava-se imperativa à superação
daquela crise, pois, propiciaria a geração de empregos:

Essa modernização trabalhista deve então assumir o compromisso


não apenas de manter os direitos dos trabalhadores que possuam um
emprego formal, mas também de proporcionar o ingresso daqueles
que hoje não possuem direito algum. Esse desequilíbrio deve ser
combatido, pois, escudada no mantra da proteção do emprego, o que
vemos, na maioria das vezes, é a legislação trabalhista como geradora
de injustiças, estimulando o desemprego e a informalidade. Temos,
assim, plena convicção de que essa reforma contribuirá para gerar
mais empregos formais e para movimentar a economia, sem
comprometer os direitos tão duramente alcançados pela classe
trabalhadora.

Não resta dúvida de que, hoje, a legislação tem um viés de proteção


das pessoas que estão empregadas, mas a rigidez da CLT acaba por
deixar à margem da cobertura legal uma parcela imensa de
trabalhadores, em especial, os desempregados e o trabalhadores
submetidos ao trabalho informal.[8]

Assim, a retirada de direitos da classe trabalhadora mostrava-se


imperativa à superação daquela crise, pois, propiciaria a geração de
empregos e conduziria ao ingresso de milhões de pessoas ao mercado
formal de trabalho. Essa perspectiva – ao menos como externada –
torna-se ainda mais evidente na seguinte passagem em que são
referidos números de desempregados e desalentados, registrados na
época:

O compromisso que firmamos, ao aceitar esta tarefa, não foi com


empresas, com grupos econômicos, com entidades laborais,
sindicatos ou com qualquer outro setor. O nosso compromisso é com
o Brasil. É com os mais de 13 milhões de desempregados, 10 milhões
de desalentados e subempregados totalizando 23 milhões de
brasileiros e brasileiras que foram jogados nessa situação por culpa de
equívocos cometidos em governos anteriores.[9]

O número de trabalhadores (as) submetidos (as) ao mercado informal


de trabalho também foi mencionado no relatório, aludindo-se, em
2007, existirem cerca de 40% das pessoas economicamente ativas em
trabalhos sem vínculo formal de emprego.[10]

Aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado Federal em tempo


recorde, a Lei 13.467 entrou em vigência em 11 de novembro de 2017
promovendo mais de duas centenas de modificações na Consolidação
das Leis do Trabalho, buscando desregulamentar o mercado de
trabalho para torná-lo mais atrativo ao capital e com isso propiciar
crescimento econômico.

Com clara inspiração da racionalidade neoliberal, a reforma trabalhista


no Brasil produziu alterações em regras de direito material do
trabalho, de direito sindical e de direito processual do trabalho. Não se
pretende aqui – nem haveria espaço para tanto – adentrar nos
pormenores das mudanças, mas sim, procurar identificar seus fios
condutores.

III. OS PILARES DA REFORMA

As alterações legislativas trazidas com a Reforma Trabalhista no Brasil


assemelham-se em muitos pontos há processos de
desregulamentação das relações de trabalho verificados em outros
países. Nem sequer, portanto, mostra-se possível constatar alguma
criatividade ou inovação nas medidas adotadas no país. Tampouco se
pode atribuir algo de originalidade aos legisladores brasileiros, pois,
dedicaram-se a implantar as pautas exigidas há décadas pelo grande
capital.

Apesar de a Lei 13.467, de 2017, haver introduzido mais de uma


centena de modificações na CLT, parece viável identificarem-se
algumas áreas mais sensíveis relacionadas ao direito material do
trabalho e ao direito sindical como alvos de uma estratégia agressiva
de desconstrução dos marcos regulatórios então vigentes.

Segue sendo consenso entre autores e estudiosos de Direito do


Trabalho no Brasil que este ramo do direito estabeleceu-se a partir dos
alicerces do princípio da proteção, com influência da obra do jurista
uruguaio Américo Plá Rodriguez[11], partindo da premissa de existir
disparidade econômica entre os contratantes a tal ponto de retirar da
parte mais frágil a completa autonomia para pactuar.

A combinação do princípio da proteção com o da irrenunciabilidade


estruturou o Direito do Trabalho brasileiro com raízes na ideia de os
limites impostos pela legislação estatal permanecerem indisponíveis e
irrenunciáveis aos (às) trabalhadores (as). Assim, a autonomia privada
individual sempre foi compreendida com reservas ante o caráter
cogente e imperativo das normas trabalhistas.

Um dos eixos centrais da reforma trabalhista no Brasil repousou em


atribuir aos contratantes maior poder de negociação, conferindo em
algumas circunstâncias ao (à) trabalhador(a) a capacidade antes
vedada pela legislação, a de dispor de seus direitos. Nesse passo,
regras como a prevista no parágrafo único do artigo 444[12] da CLT
parecem apontar para a ruptura com os princípios estruturantes do
Direito do Trabalho, construindo-se a partir da falsa premissa de existir
igualdade entre empregado(a) e empregador.

Outro aspecto também merece menção em relação a este dispositivo


legal. O(a) empregado(a) “hipersuficiente”, como passou a ser
indevidamente chamada essa nova figura, artificialmente, criada pela
lei, também pode abdicar das conquistas obtidas por sua entidade
sindical por meio de negociação coletiva.

Parece acertado constatar a tentativa de criarem-se outras clivagens,


além das já existentes, dentro das categorias profissionais e com isso
instigar ainda mais a negociação individual em detrimento do agir
coletivo. Tal pretensão fez-se refletir igualmente nas regras atinentes
ao regime de trabalho de 12×36 horas[13] e ao Banco de Horas[14],
cujas disposições passaram a validar acordos individuais de trabalho.

Tais mudanças imbricam-se com as ampliações de contratos de


trabalho precário. Não se deve perder de vista que a Lei 13.467, de 2017,
como visto, com a intenção de tornar ainda mais flexível e inseguro o
mercado de trabalho no Brasil, majorou modalidades de contratação
atípica, distantes do contrato standard, por prazo indeterminado e por
tempo integral, além de criar outras.

Novas figuras jurídicas como os contratos de trabalho


intermitente[15], teletrabalho[16] e o regramento do autônomo
exclusivo[17] passaram a ser disciplinados pela legislação
infraconstitucional como forma de garantir mão de obra a custos
ainda mais baixos.

Já as modalidades de contratação atípica antes previstas receberam


atenção do legislador reformador, mediante a concessão de
ampliação de possibilidades e a facilitação aos empregadores para
contratar, o que se denota claramente em relação às alterações
praticadas nos contratos temporários e a tempo parcial[18].

Mais grave, contudo, foram as modificações intentadas no tocante à


possibilidade de terceirização de mão de obra. As barreiras legais e
jurisprudenciais a conferir validade a esta modalidade de contratação
foram retiradas, passando-se a permitir contratar-se mão de obra
terceirizada sem restrição, inclusive, para desenvolver atividades
econômicas em áreas centrais ao negócio do tomador dos serviços.[19]

Assim, chega-se a insensatez de reputar-se em conformidade com a


lei a terceirização integral de todas as atividades empresariais, a fim de
ser facultado aos empregadores não possuírem empregados por eles
contratados diretamente, o que induz ao esvaziamento de conteúdo
do próprio conceito de empregador, estabelecido no artigo 2º da CLT,
lá definido como aquele que contrata, assalaria e dirige a prestação
pessoal de serviços.

Tal flexibilização negativa de regras de proteção trabalhista não


alcançaria a plenitude dos efeitos desejados se fossem previstas
quaisquer garantias de isonomia aos(às) trabalhadores(as)
terceirizados(as). Portanto, sem prever igualdade de direitos entre
terceirizados(as) e contratados(as) diretamente pelo tomador dos
serviços, a legislação garantiu a maximização da precarização das
relações de trabalho.

Alterações em matérias nucleares do contrato individual de trabalho


como remuneração e jornada aparentam ser de menor importância
quando comparadas aquela promovida com a inclusão do artigo 611-A
à CLT e, com ela, a concretização do insistente desejo do patronato
brasileiro de sobreposição da negociação coletiva às regras
infraconstitucionais, mesmo que em prejuízo aos(às) empregados(as).

Antes, contudo, a concessão de tal autonomia negocial às entidades


sindicais fez-se acompanhar de importantes modificações nas regras
relativas a sua sustentação financeira, demonstrando existir uma
tentativa de enfraquece-las com asfixia econômica.

Os eixos parecem notórios.

Privilegia-se a autonomia individual aos(às) trabalhadores(as) e afasta-


se os sindicatos da cena negocial. Criam-se e ampliam-se
modalidades de contratação de emprego precário, fato que permite a
fragmentação maior da classe trabalhadora, criando clivagens no seio
das categorias profissionais e interprofissionais. Consentaneamente,
reduz-se a capacidade de arrecadação financeira das entidades
sindicais e, a elas – enfraquecidas pelos transtornos econômicos e
pelas dificuldades de representatividade criados pelas novas regras –
concede-se a autonomia para derrogar direitos previstos em lei.

Passados mais de dois anos da reforma trabalhista pode-se aludir


terem a insegurança e flexibilidade no mercado de trabalho sido
devidamente alcançadas. Resta saber, no entanto, se a precarização
das condições de trabalho traduziu-se em crescimento econômico e
em maior empregabilidade.

IV. AS CONSEQUÊNCIAS ECONÔMICAS E SOCIAIS DA REFORMA TRABALHISTA

Se as medidas para desregulamentar o mercado de trabalho no Brasil


não foram inéditas, mas, ao contrário, representaram a reedição de
um receituário neoliberal implantado a partir da agenda do grande
capital na maior parte do mundo ocidental, as consequências
econômicas e sociais decorrentes de tais políticas deveriam também
de se repetir.

Nos Estados Unidos da América pode-se constatar que entre 1983 e


2009, as políticas de austeridade permitiram ao segmento composto
pelos 5% mais ricos daquele país abocanhar quase 82% do
crescimento econômico obtido no período. Em contrapartida, o
contingente equivalente aos 60% mais pobres da população registrou
um decréscimo de 7,5% em sua renda.

Números também impactantes podem ser extraídos a partir do


exemplo português. Pesquisa realizada em 2011 apontou que a crise
econômica então vivida ocasionou perda na renda média de 4,5% a 6%
para os 20% mais pobres, mas somente da metade disso para os 20%
mais ricos.[20]

Na Espanha, onde desde 1984 uma série de iniciativas legislativas


tornou mais flexível a possibilidade de contratos temporários, essa
modalidade de contratação precária já ocupava 35%, em 1995, e 30%,
em 2006, do mercado de trabalho espanhol.[21]

Ao analisar os resultados das medidas neoliberais sobre o mercado de


trabalho europeu, o economista britânico Guy Standing concluiu
terem a facilitação de contratação temporária e a terceirização de
mão de obra produzido mais uma segmentação dentro da classe
trabalhadora, a partir de um novo contingente formado por pessoas
mal remuneradas, sujeitadas a trabalhos de curtas de duração e sem
segurança ou estabilidade.[22]

Decorridos mais de dois anos da reforma trabalhista no Brasil parece


perfeitamente viável analisar-se os efeitos econômicos e sociais
produzidos até o momento, em especial, sobre o mercado de trabalho
do país.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua,


divulgada trimestralmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), constitui-se em balizador confiável da situação do
mercado de trabalho no país.

De acordo com tal pesquisa, no trimestre imediatamente antecedente


ao início da vigência da reforma trabalhista, o Brasil apresentava uma
taxa de desemprego (desocupação) de 12,4%, o que indicava uma
melhora de 0,6% relativamente ao trimestre anterior. Já a taxa de
subtilização da força de trabalho, considerada por desempregados
(as), trabalhadores (as) em regimes parciais de jornada e por pessoas
que têm interesse em trabalhar, mas não procuraram trabalho ou não
estavam disponíveis a procurar (força de trabalho em potencial) foi
de 23,9% da população economicamente ativa, significando na época
cerca de 26,8 milhões de pessoas.

No trimestre seguinte, praticamente ainda sem sofrer influência das


modificações legislativas, a taxa de desemprego foi registrada
em 11,8% e em 23,6% a de subutilização da força de trabalho. A média
naquele ano foi de 23,8%.[23]

Dois anos depois, os números relativos ao terceiro e ao quarto


trimestres de 2019 já contemplavam os efeitos das medidas de
flexibilização das regras trabalhistas sobre o mercado de trabalho. O
terceiro trimestre apresentou taxa de desocupação de 11,8% e de
subutilização da força de trabalho de 24%. No trimestre seguinte
registraram-se 11% de desempregados e 23% de força de trabalho
subocupada, com média anual neste critério de 24,2%.

Outro ponto importante reside na avaliação das proporções do


mercado formal e informal de trabalho na população
economicamente ativa. No terceiro trimestre de 2017, anotava-se
existirem 48% de brasileiros (as) ocupando postos de trabalho com
vínculo formal de emprego, 25% declarando trabalharem por conta
própria e 21,9% de trabalhadores informais. Esses números foram
citados pelo deputado Rogério Marinho, relator do projeto, quando
asseverou que 40% de brasileiros estavam no mercado informal. O
número exato, em verdade, seria 46,9%.

Mesmo com todas as medidas de flexibilização de normas


trabalhistas, incluindo aquelas que facilitaram a utilização de
subempregos, a partir dos contratos de intermitentes, para dissimular
os índices de desemprego, não se verificou crescimento nos números
de contratos formais de trabalho. Ao contrário, no terceiro trimestre
de 2019, havia 26% de trabalhadores (as) por conta própria e 26,4% de
informais, o que representava 52,4%, para adotar os mesmos critérios
do Deputado Rogério Marinho. [24]

As estatísticas demonstram cabalmente que a reforma trabalhista não


produziu os efeitos propalados pelos defensores de medidas de
desregulamentação do mercado de trabalho.

As políticas de austeridade fiscal, incrementadas por onde a


racionalidade neoliberal tornou-se hegemônica, nada produziram se
não concentração de renda e desigualdade social.

CONCLUSÃO

Resultado da ação da racionalidade neoliberal sobre o Direito do


Trabalho, a reforma trabalhista no Brasil produziu profundas
mudanças nas regras atinentes ao mercado de trabalho. A propagada
intenção de modernizar a legislação trabalhista, tornando-a mais
flexível e, assim, mais atrativa aos capitalistas a fim de gerar
crescimento econômico e novas riquezas, não se concretizou,
constata-se. Nem se concretizará.

O receituário empregado – dissimulado em um discurso


modernizante e inovador – não detém condições de fazer-se cumprir
as promessas formuladas pelos ideólogos neoliberais, já tendo
demonstrado isso em todos os lugares por onde se buscou substituir
direitos por empregos.

A falácia do crescimento econômico propiciado pela retirada ou


redução de direitos sociais também se fez perceber no Brasil. Sob esse
pretexto produziu-se uma reforma na legislação trabalhista com a
finalidade de tornar o mercado de trabalho brasileiro mais inseguro,
menos estável, mais barato e, portanto, mais lucrativo ao capital.
A reforma trabalhista produziu a fragilização dos sindicatos
profissionais impondo-lhes uma base de representação mais fluida e
fragmentada, ocasionada pela ampliação das modalidades de
contratos de emprego precários, em especial, pela legalização da
terceirização de mão de obra sem restrições. Ao mesmo tempo,
interferiu severamente na capacidade de as entidades sindicais
sustentarem-se, deixando-as economicamente débeis.

À medida que enfraqueceu os sindicatos a nova legislação ampliou a


autonomia negocial, relativizando o caráter imperativo das normas
trabalhistas que passaram a poder ser derrogadas por intermédio da
negociação coletiva.

Longe de vislumbrar-se crescimento econômico e geração de riqueza


a ser desfrutada pela sociedade, o que se enxerga no horizonte é um
capitalismo triunfante com a reforma promovida e com a submissão
da classe trabalhadora a um novo arranjo institucional em que ele
recupera as concessões realizadas no passado e pretende resgatar o
tempo perdido maximizando a mais-valia e potencializando os lucros.

O direito do trabalho que havia no Brasil, como historiado


anteriormente, era fruto de seu contexto histórico. O direito do
trabalho atual, depois do golpe de 2016 e da reforma trabalhista que
propiciou também, é tributário da história das relações de classe que
se estabeleceram na sociedade. Assim como aquele direito do
trabalho que se conhecia já não subsiste, esse que tem na atualidade
não é definitivo. O direito sempre materializa, histórica e
concretamente, relações que se estabelecem na sociedade. Nenhuma
conquista é eterna. Nem para a classe trabalhadora, nem para o
patronato.

Depois das reformas austericidas neoliberais, desaparecendo o caráter


de amortecedor entre as classes sociais que caracterizava o direito do
trabalho do passado, outorgando alguns direitos para obter a
submissão da classe trabalhadora à maneira capitalista de viver em
sociedade, as condições objetivas para a crítica do capitalismo,
contraditoriamente, nunca estiveram tão evidentes. Destruíram as
mediações existentes na luta de classes. Acabaram com os direitos
sociais (reforma trabalhista), desmontaram as políticas públicas para
os pobres (teto nos gastos públicos), destruíram as promessas de uma
velhice assistida (reforma previdenciária), promovem a morte de
dezenas de milhares de pessoas (insistência patronal para a
reabertura dos negócios em plena pandemia), escancaram o ataque à
democracia formal (derretem as instituições). Fiquem esses exemplos.
O capitalismo brasileiro se mostra como realmente é, sem mediações,
sem véus ideológicos, a ocultar sua perversa natureza.
Como as relações sociais não são estáticas, e como o neoliberalismo
sucumbirá seguindo a trajetória de fracasso em todas as experiências
anteriores, certamente, as relações conflitivas entras as classes sociais
fundamentais engendrarão, cedo ou tarde, uma nova regulação do
trabalho no Brasil.

[1] Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Professor


adjunto aposentado de Direito do Trabalho da UFPR. Presidente do
Instituto de Defesa da Classe Trabalhadora (DECLATRA).

[2] Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Pós-


doutorando em Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Professor de Direito do Trabalho e Sindical em cursos de pós-
graduação em Direito. Advogado trabalhista em Curitiba. Diretor
Institucional do Instituto de Defesa da Classe Trabalhadora
(DECLATRA).

[3] STREECK, W. Tempo comprado: a crise adiada do capitalismo


democrático. Tradução Marian Toldy, Teresa Toldy. 1. ed. São Paulo:
Boitempo, 2018.

[4] Na esteira de LAVAL e DARDOT, compreende-se o neoliberalismo


como uma racionalidade, ou a “razão do capitalismo contemporâneo”,
definindo-o como o “conjunto dos discursos, das práticas, dos
dispositivos que determinam um novo modelo de governo dos
homens segundo o princípio universal da competição”, cuja pretensão
se constitui em triunfar sua racionalidade sobre governos, empresas e
indivíduos, induzindo a redução dos laços de solidariedade e impondo
a desregulação dos mercados de trabalho como forma de estimular
tal competição. (DARDOT, P; LAVAL, C. A nova razão do
mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução Mariana
Echalat. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016. p. 17)

[5] De acordo com o cientista político MarK Blyth, austeridade significa


“uma forma de deflação voluntária em que a economia se ajusta
através da redução de salários, preços e despesa pública para
restabelecer a competitividade, que (supostamente) se consegue
melhor cortando o orçamento do estado, as dívidas e o déficit”, com
vistas a recuperar a confiança empresarial. (BLYTH, M. Austeridade: a
história de uma ideia perigosa. Tradução de Freitas e Silva. São Paulo:
Autonomia Literária, 2017. p. 22).

[6] SILVA, S. G. C. L; ALLAN, N. A; TRIANI, V. A. Negociado sobre o


legislado em dois tempos: a Lei n. 13.467/2017 em diálogo com o PL n.
5.483/2001. In: SILVA, S. G. C. L; EMERIQUE, L. B; BARISON, T. Reformas
institucionais de austeridade, democracia e relações de
trabalho. São Paulo: LTr, 2018. p. 168-180.

[7] Disponível em: https://www.fundacaoulysses.org.br/wp-


content/uploads/2016/11/UMA-PONTE-PARA-O-FUTURO.pdf, acesso
em 27. Maio. 2020.

[8] Disponível
em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra
?codteor=1544961, acesso em: 27. Maio. 2020. p. 20.

[9] Ibidem, p. 18.

[10] Ibidem, p. 19.

[11] RODRIGUEZ, A. P. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução


Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978;

[12] Art. 444. (…)

Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste


artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação,
com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos
coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível
superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o
limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

[13] Art. 59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é


facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção
coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de
trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas
de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e
alimentação.

[14] Art. 59 (…)

§ 5º O banco de horas de que trata o § 2o deste artigo poderá ser


pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação
ocorra no período máximo de seis meses.

[15] Art. 443 (…)

§ 3o Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a


prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo
com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade,
determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo
de atividade do empregado e do empregador, exceto para os
aeronautas, regidos por legislação própria.
[16] Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho
deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que
especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado. §
1º Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de
teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado
em aditivo contratual. § 2º Poderá ser realizada a alteração
do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do
empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias,
com correspondente registro em aditivo contratual.

[17] Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas


as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua
ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta
Consolidação.

[18] Art. 58-A. Considera-se trabalho em regime de tempo parcial


aquele cuja duração não exceda a trinta horas semanais, sem a
possibilidade de horas suplementares semanais, ou, ainda, aquele cuja
duração não exceda a vinte e seis horas semanais, com a possibilidade
de acréscimo de até seis horas suplementares semanais.

[19] Art. 4o-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a


transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas
atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito
privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica
compatível com a sua execução. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de
2017)

[20] FERREIRA, A. C. Sociedade da austeridade: e direito do trabalho


de exceção. Vida Económica: Ebook.

[21] LÓPEZ, E. S.; PASCUAL, A. S. Precarización e individualización del


trabajo: claves para entender y transformar la realidad laboral.
Barcelona: Editorial UOC, 2016, p. 24-25.

[22] STANDING, G. The Precariat: The New Dangerous Class. London:


Bloomsbury, 2011, p. 5.

[23] Disponível em:

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/709e5e53abd490f9831bb6d4820
41106.pdf, acesso em 30. Maio. 2020.

[24]Disponível
em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/07182068b89dcffa9ffde7c6a
a5c18ff.pdf, acesso em 30. Maio. 2020.

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