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Palavras-chave:
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“Não há alternativa”, em tradução literal. Um conhecido slogan político que advoga pela inevitabilidade dos
princípios econômicos e sociais neoliberais de livre-mercado e a não-intervenção. Se não há alternativa a estes
princípios, não há objeções racionais possíveis às políticas neoliberais.
2
Em 2017 o partido mudou de nome, passando a se chamar Movimento Democrático Brasileiro -MDB (sem o
P de Partido), assim como se chamava ainda durante a ditadura militar.
1
investimento privado” (PMDB, 2015, pg. 05). Neste sentido, o Estado é visto prioritariamente
como o regulador das relações econômicas e promotor da concorrência, e só deve ser
provedor de bens públicos única e exclusivamente enquanto for mais eficiente em prover
estes bens do que se fossem providos pela iniciativa privada:
Assim, segundo esta perspectiva, se o papel do Estado fosse o de promover a
estabilidade e a competitividade da economia, a origem da crise econômica pela qual o Brasil
estaria passando teria sido provocada, por um lado, na “insistência” do governo anterior em
promover políticas sociais “excessivamente caras e ineficientes”, expandindo o gasto público
de modo “irresponsável” e, por outro lado, na incapacidade do Estado em promover tais
benefícios frente a obstáculos promovidos por ele próprio, de tal modo que esta perspectiva
identifica na própria estrutura institucional do Estado os principais entraves à superação dos
problemas econômicos e sociais do país. Nessa visão, portanto, o papel do Estado deveria
ser o de eliminar “falhas de mercado” e oferecer um rol mínimo de direitos e diretrizes para a
negociação dos contratos de trabalho, além de garantir a execução e o respeito aos contratos
estabelecidos entre os atores econômicos.
Diante desse diagnóstico, em um contexto de crise política, econômica e social, e
ancoradas no princípio de “there is no alternative”, propostas conservadoras de reformas do
Estado e da sociedade ganharam força, de modo que as ideias expressas pelo documento
do PMDB acabaram por viabilizar, e até mesmo justificar, o golpe institucional ocorrido em
2016. As reformas engendradas pelo governo não teriam apenas como foco a situação fiscal
do Estado, mas também a promoção de um “ambiente de negócios estimulante” (PMDB,
2015, pg. 17), argumentando-se pela necessidade de ajuste econômico também na esfera
privada. Neste campo, a defesa do papel do Estado como promotor da concorrência e zelador
das regras de competição econômica torna-se mais acentuado. O conjunto das reformas
propostas pelos governos pós-golpe vão muito além dos gastos públicos, visando
especialmente o ajuste da economia pelo lado da oferta, ou seja, criando condições de
“competitividade” aos empresários brasileiros com vistas a superar a crise econômica. Não
por acaso, um dos principais focos dessas reformas é a regulação pública das relações
trabalhistas.
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verdadeiro custo do ajuste econômico e social proposto recaia sobre o trabalhador3. A defesa
dos princípios neoliberais que embasaram a Reforma Trabalhista do governo Temer e outras
reformas que se anunciavam já apareciam em publicações oficiais de organizações da
sociedade civil que tratavam das relações de trabalho no país, como sindicatos patronais e
partidos políticos. Elas partiam de uma visão de mundo e de sociedade em que deveriam
predominar a livre concorrência e o empreendedorismo de si mesmo (BARBOSA, 2011), além
de pregar a livre negociação entre as partes.
A proposta de reforma trabalhista feita pelo governo Temer, que resultou na Lei 13.467
de 13 de julho de 2017, também conhecida como Lei da Reforma Trabalhista, incorporou
uma série de propostas que já tramitavam isoladamente no Congresso e no Senado, muitas
delas propostas por parlamentares ligados aos interesses das principais entidades patronais,
como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação Nacional do Comércio de
Bens, Serviços e Turismo (CNC), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA),
a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), entre outras.
Segundo a visão expressa por estas entidades, a prevalência de negociações
coletivas sobre normas legais e institucionais, bem como a flexibilização das formas de
contratação e remuneração da força de trabalho, funcionariam como elemento chave de
ajuste do mercado de trabalho pela via da oferta, de modo que o mercado poderia se
“reequilibrar” rapidamente frente aos choques de oferta, bem como as empresas poderiam
ganhar competitividade frente às oscilações da demanda e à concorrência internacional.
Segundo documento da Confederação Nacional da Indústria (CNI):
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Atualmente, em conjunto com a Reforma da Previdência, estão em discussão medidas de aprofundamento da
Reforma Trabalhista, como a chamada “carteira de trabalho verde e amarela”, onde o trabalhador poderia optar
por um regime de trabalho regido pela CLT ou por um regime de trabalho totalmente desvinculado às leis do
trabalho. Até o momento, no entanto, ainda não há maiores detalhes sobre esta proposta.
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e aos encargos trabalhistas. Assim, mediante uma legislação assumida como arcaica e que
protegeria excessivamente o trabalhador, relações flexíveis de trabalho proporcionariam
maior produtividade e competitividade, gerando mais oportunidades de trabalho, ao permitir
que as empresas tivessem maior liberdade para adequar o nível de emprego da mão de obra
à demanda e à concorrência. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo (CNC):
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A respeito das tentativas europeias de conciliar proteção com flexibilidade, ver KALLABIS, 2009.
4
Essa visão pautada pela flexibilidade e pela livre negociação expressa pela Reforma
Trabalhista no Brasil não é nova. Ela se baseia em um conjunto de escolas de pensamento
econômico consolidadas na década de 1970 que procuravam explicar a crise do Estado de
bem-estar social, bem como da relação de trabalho fordista diante da estagnação econômica
e da alta inflação (estagflação) que assolaram os países industrializados naquele período.
Segundo estas escolas, as rígidas instituições do trabalho e as formas com que os benefícios
sociais eram ofertados e financiados criavam entraves à adaptação da economia a uma
situação de choque exógeno, de modo que estas estruturas rígidas apenas perpetuariam as
condições de crise, ao invés de deixa-las reorganizar o mercado por si próprio (LEAL FILHO,
1994). Estas teorias consolidaram uma nova forma de se ver o mundo, que questionava a
intervenção do Estado na vida social e o modelo fordista de relação de trabalho.
Esta visão de mercado de trabalho proposta pela Reforma Trabalhista, em associação
com as outras reformas propostas pelo documento “Uma ponte para o futuro”, apontam,
portanto, para uma visão de mundo neoliberal, onde a concorrência e o livre mercado são as
únicas instituições que poderiam promover o crescimento econômico e o desenvolvimento.
Nesta visão, o Estado teria um papel ativo tão somente na promoção e preservação destas
instituições. Partindo-se da premissa de que não há alternativa ao livre-mercado, sob pena
de estagnação econômica, inflação e desemprego, e que qualquer interferência que
“privilegiasse” quaisquer dos atores econômicos (como subsídios, auxílios ou direitos sociais)
poderiam gerar desequilíbrios no sistema econômico, impedindo o “auto ajustamento” do
mercado, as principais alterações na legislação impostas pela Reforma Trabalhista apontam
para um mercado de trabalho extremamente flexível como forma de manutenção das
condições de auto ajustamento esperado dos mercados pelo pensamento neoliberal.
Segundo esta nova forma de pensar o mundo e a relação dos indivíduos entre si, o
mercado de trabalho deveria ser livre de quaisquer “rigidezes”, e deveria ser caracterizado
pela concorrência e pela livre-negociação entre trabalhadores e empregadores, de modo a
oferecer uma legislação mínima que fosse capaz de balizar as negociações e garantir o
cumprimento dos contratos de trabalho celebrados. Ao contrário do pensamento liberal
clássico baseado no laissez-faire, no entanto, estas escolas de pensamento a que fizemos
referência não preconizavam a não intervenção do Estado na (auto) regulação dos mercados.
Pelo contrário, “caberia ao Estado o combate e saneamento de ‘imperfeições’ nos mercados
de bens e serviços, de capital e de trabalho”, de modo a “reservar à intervenção estatal a
função de assegurar a ação dos mecanismos concorrenciais, para que o mercado mantenha
sua eficiência (auto)-reguladora” (LEAL FILHO, 1994, pg. 51).
Ou seja, em oposição ao que propunha o pensamento liberal clássico, para estas
vertentes do pensamento econômico caberia ao Estado não apenas assegurar aos agentes
econômicos maior liberdade e flexibilidade de circulação e alocação dos fatores de produção,
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mas também promover ativamente um ambiente econômico e social marcado pela
concorrência através da regulação institucional da economia e da sociedade. Em suma, trata-
se de conferir ao Estado um papel que antes não lhe cabia, mesmo no âmbito do pensamento
liberal: o papel de promotor da generalização do mercado e da concorrência na vida social,
ou ainda, o de criar instituições que não apenas protegem a livre iniciativa e a propriedade
privada, mas promovem, ativamente, a concorrência e a competitividade dos agentes
econômicos (BELLUZZO E GALÍPOLO, 2017).
Esta concepção de economia constituiu-se como a face de um movimento mais amplo
que, impulsionado pela globalização, vem se reafirmando como o pensamento hegemônico
no mundo contemporâneo, o pensamento neoliberal. O pensamento neoliberal nasce
exatamente das consequências econômicas e sociais do laissez-faire, da crise do
pensamento liberal clássico e da necessidade de se repensar o papel do Estado diante das
alternativas “coletivistas” (comunismo, fascismo) que se puseram como alternativa à
sociedade liberal no século XX (DARDOT E LAVAL, 2016). Ou seja, o neoliberalismo, bem
antes dos anos 1970, nasce como uma forma de repensar o dogma da economia
autorregulada, como uma forma de regular a economia através de um Estado forte, capaz de
impor regras e normas que não apenas garantissem a livre concorrência, mas que também a
promovessem. O neoliberalismo surge então como uma visão de mundo, onde a sociedade
deve se autorregular baseada na competição individual, uma competição imposta e ordenada
por um Estado forte e impessoal, capaz de impor a lei e, especialmente, a ordem (mas
incapaz de ditar o quê e como os indivíduos devem ou não fazer).
A Reforma Trabalhista nasce, portanto, da concepção neoliberal de que o mercado
de trabalho deve ser determinado, em última instância, pelas necessidades do capital, e que
são os trabalhadores que devem ajustar-se às suas necessidades, pois somente através das
necessidades e dos interesses racionais dos indivíduos é que a economia e a sociedade
poderiam se autorregular eficientemente. Os argumentos que embasaram a Reforma
Trabalhista apontam, sistematicamente, para essa visão de mundo, deixando transparecer
um projeto de sociedade que nega o pacto social e o projeto civilizatório firmados pela
Constituição de 1988. A seguir, vamos dissecar os principais argumentos da Reforma
Trabalhista e demonstrar como estão alinhados com o pensamento neoliberal e com o projeto
de poder que foi imposto à sociedade brasileira desde o golpe jurídico-parlamentar de 2016.
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no substitutivo aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal já constavam
no documento “101 Propostas para modernização trabalhista”, da CNI (2012), mas foi durante
a sua rápida tramitação que os principais argumentos foram trazidos à opinião pública,
especialmente em vídeos e artigos na internet de professores e pensadores, bem como nos
relatórios das comissões designadas para analisar a proposta. A seguir, exploraremos os
principais argumentos político-ideológicos, que nos auxiliarão a demonstrar as origens
ideológicas da Reforma Trabalhista e seus nexos lógicos com as reformas que os governos
que se sucederam ao golpe de 2016 vêm implementando no Brasil.
Leis ultrapassadas
Um dos argumentos mais comuns utilizados para defender a Reforma Trabalhista seria a
“antiguidade” da Consolidação da Leis do Trabalho (CLT) e sua inadequação às relações de
trabalho “modernas”. Segundo o deputado Rogério Marinho, relator da Reforma Trabalhista
na Câmara dos Deputados (BRASIL, 2017b), a legislação trabalhista nascida nos anos 1940
refletiria as estruturas sociais do Brasil daquela época, de industrialização nascente e grande
contingente de trabalhadores rurais, de modo que a legislação precisou ser outorgada por um
governo ditatorial para que pudesse defender os trabalhadores, em sua maioria
hipossuficientes, e preparar o caminho para a industrialização do país5. Porém, seguindo o
argumento, a sociedade teria se transformado de lá para cá, e novas relações de trabalho
teriam surgido, especialmente com o avanço de novas tecnologias e novas formas de
organização da produção.
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O sistema de regulação pública do trabalho no Brasil e no mundo desenvolveu-se a partir das lutas dos
trabalhadores que foram, paulatinamente, traduzindo suas lutas e conquistas em termos de direitos,
constituindo um rol de direitos próprios, os direitos sociais. Mais especificamente, as lutas de trabalhadores
resultaram em um sistema legal próprio, o direito do trabalho, que a despeito do direito civil clássico que trata
a todos como iguais, tornou-se um direito especial, que reconhece a assimetria na relação capital x trabalho.
Para uma breve sistematização da história do direito do trabalho e suas instituições, ver CESIT, 2017, pgs. 29 a
40.
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Segundo essa lógica, as novas tecnologias e as novas formas de organização social
do trabalho permitiriam o surgimento de novas profissões e novas oportunidades,
especialmente para os trabalhadores, mas que para isso necessitariam de uma legislação
trabalhista mais flexível, que desse maior espaço para a liberdade dos indivíduos, sem a
“tutela estatal excessiva” do período do Estado Novo. As transformações do mundo do
trabalho que se deram desde os anos 1940 até os dias de hoje são consideradas como uma
“evolução” ou “modernização” do mercado de trabalho, e para tal deveria corresponder uma
“modernização” da legislação trabalhista, para que esta se adequasse às novas formas de
organização do trabalho.
As transformações que ocorreram no mundo do trabalho, no entanto, especialmente
após a década de 1970, estiveram em sua grande parte em consonância com os princípios
neoliberais de flexibilidade, reestruturação produtiva e acumulação flexível, exigindo novas
formas de organização do trabalho (ANTUNES, 2009). Na indústria, essas novas formas de
organização do trabalho primaram pela diminuição e especialização da mão de obra,
deslocando grandes massas de trabalhadores para o setor de serviços, muitas vezes com
grande precarização das atividades e das condições de trabalho. A transição do fordismo
para o toyotismo, bem como os processos de desindustrialização e de desconcentração
industrial exigiram das legislações trabalhistas mundo afora o crescimento da flexibilidade e
da precarização, de modo que a “modernização” trazida pela Reforma Trabalhista nada mais
é do que a flexibilização total de direitos trabalhistas e sociais, ensejando um mercado de
trabalho mais precário, com trabalhadores mais explorados e menos mobilizados.
Neste sentido, a “modernização” pressuposta pela Reforma Trabalhista na verdade
está eivada de sentido, longe de ser uma mera “atualização” das formas de organização do
trabalho na sociedade contemporânea; esta “modernização” trata de adequar as relações de
trabalho às necessidades de acumulação flexível e descompromisso social do capital. Em
uma sociedade caracterizada por grande desigualdade social e excedente estrutural de mão
de obra, essa “modernização” não significa mais do que crescimento da pobreza e da
precariedade.
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pois um empregador jamais saberia com certeza se estaria atendendo a todas as exigências
da lei.
Sob este argumento, é assentado um dos principais princípios da Reforma
Trabalhista, a prevalência do negociado sobre o legislado. Segundo este princípio, os
indivíduos devem ter liberdade para negociar entre si os termos de seus acordos e contratos,
de modo que cada um, usando de sua liberdade e racionalidade, possa buscar o que é melhor
para si, permitindo assim o equilíbrio entre ofertantes e demandantes de trabalho. Ao Estado,
caberia oferecer as normas mínimas de regulação do trabalho e garantir o respeito aos
contratos firmados, de modo que qualquer direito ou benefício negociado à parte entre
empregadores e empregados deveria prevalecer sobre a legislação.
A prevalência do negociado sobre o legislado se assenta, portanto, sobre a tese
da autonomia da vontade6. Segundo esta tese, os indivíduos têm a prerrogativa de fazer
valer suas vontades ao celebrarem contratos, sem que ocorra a ingerência de poderes
externos a eles, sendo seus contratos, portanto, válidos e legítimos perante o Estado e a
sociedade. Segundo os defensores da Reforma, a autonomia da vontade é um princípio
constitucional que garantiria a livre negociação entre partes iguais e esclarecidas,
pressuposto fundamental para a manutenção de uma ordem social pautada pelos princípios
liberais. Assumindo, portanto, que os trabalhadores, individualmente ou representados por
seus sindicatos, são racionais e podem livremente negociar seus contratos e condições de
trabalho, a autonomia da vontade garantiria a validade do negociado sobre o legislado, de
forma que a legislação apenas precisaria garantir patamares mínimos para esta negociação.
Assim, segundo Rogério Marinho:
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A autonomia da vontade é um princípio jurídico, aplicado especialmente no direito civil, que postula que os
contratos são válidos quando celebrados por livre iniciativa e livre negociação dos contratantes. É um princípio
que, ao ser aplicado ao direito civil, pressupõe a igualdade e o esclarecimento dos contratantes, de modo que o
Estado não deve intrometer-se no conteúdo do contrato (desde que não infrinja nenhuma lei), mas tão somente
garantir o seu cumprimento.
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trabalhador. A própria prática das negociações coletivas já é vista como uma forma de
negociar vários contratos simultaneamente, sem que haja a necessidade de se negociar os
contratos um a um, configurando-se como uma prática vantajosa para as empresas.
Do ponto de vista neoliberal, a prevalência do negociado sobre o legislado
corresponderia à liberdade dos indivíduos de decidirem quais os rumos de suas trajetórias
pessoais e profissionais, responsabilizando o próprio indivíduo pelo seu sucesso ou
insucesso. Neste sentido, o indivíduo, empreendedor de si mesmo, deve ser o único
responsável pela sua condição de vida, de modo que a livre negociação e a concorrência
entre os indivíduos levaria a economia e a sociedade a uma situação “ótima” de equilíbrio,
proporcionando oportunidades adequadas para todos. Se os trabalhadores pudessem se
responsabilizar pelas suas trajetórias profissionais e passassem a negociar diretamente com
seus empregadores, abrindo mão de direitos quando necessário, o mercado de trabalho
encontraria um equilíbrio entre demanda e oferta de trabalho, de modo o mercado geraria
mais empregos e maiores salários através da qualificação e disputa entre trabalhadores. Esta
visão pressupõe que os trabalhadores sejam hiperssuficientes (o que veremos mais a frente),
e que se responsabilizem pelas próprias escolhas, desconsiderando a assimetria natural
entre capital e trabalho.
A aplicação do princípio da autonomia da vontade ao direito do trabalho, no entanto,
subverte o princípio de proteção social a que os direitos sociais estão submetidos, pois ao se
considerar que os contratantes são iguais, ignora-se a assimetria natural da relação entre
capital e trabalho, de modo a impor aos trabalhadores os custos das oscilações conjunturais
da economia.
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elas ocorressem. Estas relações trabalhistas “flexíveis” ocorreriam de qualquer maneira, por
imposição das necessidades de mercado, mesmo que à margem da lei, “condenando” assim
muitos trabalhadores à informalidade. A precariedade do trabalho, sob o eufemismo de
“flexibilidade”, seria, sob este ponto de vista, uma necessidade “natural” em uma economia
moderna, e impor padrões rígidos para as relações de trabalho apenas condenaria uma
infinidade de pessoas à informalidade. Nas palavras de Rogério Marinho:
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Muitas vezes confunde-se a modernidade dos meios de informação e comunicação que subsidiam estas
modalidades de trabalho com a modernidade das relações em si. Quanto mais mediado por tecnologias
impessoais de controle do trabalho, como aplicativos de celular e plataformas de gestão do trabalho, ou mesmo
tecnologias que permitem o trabalho remoto, mais as relações de trabalho são consideradas “modernas”,
quando muitas vezes remontam à práticas antigas de exploração do trabalho, antes coibidas exatamente pelo
avanço das conquistas sociais, inscritas nas legislações sociais e trabalhistas de diversos países.
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pela impossibilidade de alcançar um emprego formal (argumento já explorado anteriormente),
fosse pela impossibilidade mesmo de conseguir um emprego. Segundo Rogério Marinho:
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Contratos flexíveis de trabalho: como o contrato de trabalho intermitente, o teletrabalho (homeoffice), o
trabalho autônomo exclusivo etc. Estas novas modalidades de contratação de trabalho atendem tão somente
às necessidades dos empregadores, que a partir delas podem melhor administrar o uso e a remuneração do
trabalho, de acordo com suas próprias demandas, a despeito das necessidades do trabalhador.
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Partindo-se desta premissa, os defensores da Reforma Trabalhista argumentaram
que a Consolidação das Leis do Trabalho havia sido criada para proteger o trabalhador
“hipossuficiente”, ou seja, aquele trabalhador que por não ter acesso à educação ou mesmo
por ser muito pobre, não teria condições de se defender sozinho na relação de trabalho,
dependendo, portanto, da tutela estatal. Essa tutela estatal, excessiva do ponto de vista dos
defensores da Reforma, teria criado então uma cultura “paternalista”, oriunda do populismo
getulista, que teria transformado os trabalhadores em “reféns” da tutela estatal (CAMARGO,
2017a).
Por outro lado, argumentam os defensores da Reforma, este excesso de proteção e
tutela estatal, associado a leis trabalhistas que estariam ultrapassadas frente às novas formas
de organização do trabalho, impediria os trabalhadores chamados de “autossuficientes” ou
“hiperssuficientes” de alcançarem salários e benefícios superiores e mais vantajosos. Ao
constituírem-se como uma casta privilegiada de trabalhadores com acesso a todos os
benefícios do emprego formal, os trabalhadores hiperssuficientes não apenas impediriam o
acesso de outros trabalhadores aos benefícios do emprego formal, mas também não
poderiam galgar benefícios superiores por não poderem negociar os próprios termos dos seus
contratos de trabalho.
Assim, segundo os defensores da Reforma Trabalhista, seria necessário criar
mecanismos de “permitir que os desiguais sejam tratados desigualmente”, de modo que
se eliminasse o “privilégio” criado pela tutela estatal e se incentivasse os trabalhadores a
buscarem por conta própria melhores condições de trabalho e salários mais elevados pela
via da qualificação e da negociação. Segundo Rogério Marinho:
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autonomia àqueles trabalhadores chamados de autossuficientes. Neste sentido, o Estado só
faria sentido também como mero protetor e balizador da concorrência e da livre-negociação,
ao permitir os autossuficientes que se desenvolvam como queiram através da livre-
negociação e da concorrência por um lado, e por outro, “protegendo” os hipossuficientes até
o ponto em que sejam capazes de concorrer por conta própria.
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TST para redução do tempo de tramitação dos processos. (BRASIL, 2017b,
pg. 22)
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poderia dar para uma norma trabalhista, antes de tomar uma decisão de investimento ou de
contratação de trabalhadores.
Esta forma de ver o papel da Justiça do Trabalho não apenas ignora a história e função
do direito do trabalho e todas as lutas sociais envolvidas, mas também impõe uma forma
peculiar de se ver o papel do Estado. Do ponto de vista neoliberal, a lei deve ser imposta por
um Estado forte, impermeável às pressões sociais e interesses particulares, para intermediar
as relações estabelecidas entre os indivíduos, de modo a trata-los de forma isonômica e
imparcial. Neste sentido, a lei deve ser aplicada igualmente para todos, pois todos seriam
iguais, com os mesmos direitos e deveres. Este princípio, traduzido na literatura pela
expressão “Império da Lei”9, expressa um ideal liberal, explorado na literatura clássica por
John Locke, resgatado pelo pensamento neoliberal moderno como o princípio de que a lei
deve ser imposta a todos, invariavelmente, e que o papel do Estado é tão somente garantir o
cumprimento da lei.
Apesar da visão liberal do papel da justiça em uma sociedade democrática, a Justiça
do Trabalho desenvolveu-se como uma justiça diferente, com o intuito de proteger o
trabalhador numa relação assimétrica com o capital, de modo a equilibrar a relação e proteger
o trabalhador dos abusos, garantindo assim as conquistas sociais duramente conquistadas
através de décadas de lutas. A visão dos defensores da Reforma Trabalhista, no entanto, é
diferente. Eles veem a Justiça do Trabalho como uma instituição permeada pelo ativismo
judicial, que segundo o princípio do “Império da Lei”, seria incompatível com o papel de um
Estado democrático. Neste sentido, os defensores da Reforma apontam para a instituição de
arbitragens, como maneira de se esvaziar a Justiça do Trabalho e “resolver os conflitos”. A
imposição de “riscos” aos trabalhadores ainda apelaria para uma visão de sujeito racional,
que mensuraria os riscos de ingressar com uma ação judicial contra o empregador, de modo
a responsabilizar o próprio trabalhador por uma eventual derrota judicial.
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Do inglês, “Rule of Law”.
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Estrutura sindical é enfraquecida pelo protecionismo do Estado
Do ponto de vista dos defensores da Reforma Trabalhista, os sindicatos brasileiros
não são eficientes no seu papel de representação dos trabalhadores, pois a estrutura sindical
estaria baseada em uma “tutela” do Estado, resquício do populismo e do Estado Novo, onde
eles dependeriam dos repasses do Imposto Sindical, uma fonte de renda cobrada de todos
os trabalhadores de uma mesma categoria econômica, independente de filiação ao sindicato.
Neste sentido, argumenta-se que muitos sindicatos não desempenhavam de modo fidedigno
seu papel de representar os trabalhadores frente ao empregador, com os quais ele poderia
negociar as condições de trabalho coletivamente, mas não tinham força e representatividade
graças a esta tutela estatal. Assim, muitos sindicatos seriam “sindicatos de fachada”, que não
teriam legitimidade para representar os trabalhadores.
Ignorando em sua argumentação a existência de categorias econômicas
extremamente desmobilizadas e precarizadas, com baixos níveis de organização e filiação
sindical, os defensores da Reforma apontoaram para a extinção do Imposto Sindical.
Argumenta-se que os sindicatos deveriam proporcionar resultados aos seus filiados, e assim
alcançar a legitimidade necessária para representa-los, de modo a fazer jus pela arrecadação
proporcionada pelas contribuições espontâneas de seus associados.
A ideia implícita nesta visão dos sindicatos é a de que estes deveriam se comportar
como um prestador de serviços que precisa apresentar resultados concretos ao seu “cliente”,
sob pena de perde-lo. É a ideia de que o sindicato não é, e nem deve ser, um instrumento de
organização e mobilização dos trabalhadores, mas tão somente um representante para a
negociação direta com vários trabalhadores ao mesmo tempo (ao invés de ter que negociar
o contrato de trabalho um a um, otimizando o processo de negociação), e somente daqueles
trabalhadores que assim o desejarem. Além disso, esta visão nega o papel do Estado de
mediador das relações de trabalho no capitalismo, reservando para ele apenas o papel de
árbitro mediante leis básicas que regem a relação de trabalho e a negociação entre indivíduos
livres e iguais. Para tanto, torna-se necessário que os sindicatos estejam “sob risco”, sob
concorrência, e que caso não desempenhem o resultado esperado de seus “clientes”, que
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sejam abandonados e que fechem, fadados ao esquecimento. Este argumento, portanto,
opera com a lógica da mercadoria: o trabalhador pagaria pelos resultados obtidos pelo
sindicato, ao passo que o sindicato deveria concorrer com outros sindicatos pela filiação do
trabalhador.
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perfeito funcionamento de mercados livres, onde cada indivíduo poderia perseguir seus
próprios interesses ao negociar livremente as melhores condições para se alcançar seus
objetivos. Dados os corretos incentivos, os indivíduos fariam as melhores escolhas e
ajustariam seus interesses aos dos outros indivíduos, fazendo com que chegassem a um
equilíbrio. Quanto ao Estado, nada mais deveria fazer do que preservar os contratos, ao invés
de interferir neles:
4. Conclusão
Os fundamentos da reforma trabalhista imposta pelo governo Temer e que está sendo
aprofundada pelo governo Bolsonaro estão assentados em uma visão de mundo neoliberal e
profundamente antidemocrática, em que prevalecem os imperativos do mercado globalizado
ao invés da proteção social. Não se trata do neoliberalismo entendido como a mera retirada
do Estado diante dos negócios privados, ou mera e simplesmente um retorno ao laissez-faire
do século XIX, mas sim o neoliberalismo ativo e portanto, autoritário, onde o papel do Estado
é convertido de promotor do desenvolvimento econômico e social a promotor da
competitividade e regulador da concorrência através de normas e instituições, “tecnicamente”
projetadas e instituídas pela teoria econômica ortodoxa e pelos ditames do mercado
globalizado e da concorrência internacional.
Longe do Estado “vigia noturno” do pensamento liberal clássico, este Estado neoliberal
deve ser um Estado forte e ativo, capaz de resistir às demandas “demagógicas” da sociedade
civil e de impor a ordem neoliberal através de regras e normas que impedem o
estabelecimento de desequilíbrios e das “rigidezes” institucionalizados (DARDOT E LAVAL,
2016). Este Estado forte, no entanto, guia suas políticas através de uma lógica supostamente
universal, a lógica da concorrência, onde os pressupostos teóricos de sua ação não podem
sequer ser questionados, dado o caráter “técnico” atribuído à realidade econômica e social
(there is no alternative).
Ou seja, a promoção da estabilidade econômica associada à promoção da
competitividade e da eficiência dos mercados seriam objetivos tecnicamente dados em um
mundo globalizado, que não poderiam estar ao alcance ou sob ameaça de “demandas sociais
populistas ou demagógicas”, como direitos sociais e trabalhistas. Neste sentido, a visão
neoliberal de como deveria se portar o Estado diante do mercado (especialmente do mercado
de trabalho) assemelha-o a uma empresa privada, que deve buscar a eficiência técnica e
administrativa ao se abster das influências negativas de demandas da sociedade civil
organizada e da democracia política. Segundo Dardot e Laval:
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de governo. Desde os anos 1980, o novo paradigma em todos os países da
OCDE determina que o Estado seja mais flexível, reativo, fundamentado no
mercado e orientado para o consumidor. O management apresenta-se como
modo de gestão ‘genérico’, válido para todos os domínios, como uma
atividade puramente instrumental e formal, transponível para todo o setor
público. Essa mutação empresarial não visa apenas a aumentar a
eficácia e a reduzir os custos da ação pública; ela subverte
radicalmente os fundamentos modernos da democracia, isto é, o
reconhecimento de direitos sociais ligados ao status de
cidadão.(DARDOT E LAVAL, 2016, pg. 274). Grifo nosso
A visão neoliberal preconiza um Estado que “paire” sob a sociedade civil, promovendo
ativamente a flexibilidade, a competitividade e a capacidade de inovação frente a
concorrência desenfreada de um mundo globalizado, mas sem se deixar influenciar por
demandas “populistas” ou interesses “corporativistas”. A democracia é vista apenas como
uma forma de não intervenção direta na vida econômica e social, de modo que cada indivíduo
possa ser livre para se “adaptar” e “concorrer” como bem achar melhor. O “excesso” de
democracia é visto como negativo, pois um Estado fraco, que sucumbisse às demandas
sociais, trabalhistas, sindicais e “corporativistas”, seria um Estado incapaz de promover a
concorrência e de melhorar a competitividade na sociedade. O indivíduo não é mais visto
como um cidadão, portador de direitos e sujeito da vida política e social da nação, mas sim
como um consumidor, que deve ser satisfeito por serviços públicos oferecidos por este
Estado, ou na melhor das hipóteses, como um “empreendedor de si mesmo”, que precisa
apenas da garantia de que seus contratos serão cumpridos e que haverá estabilidade
econômica para que ele possa realizar com segurança os cálculos dos riscos que corre.
Como afirmam Belluzzo e Galípolo:
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Referências bibliográficas
BELLUZZO, L. G.; GALÍPOLO, G. Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo. São
Paulo: Editora Contracorrente, 2017.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão Especial. Parecer ao Projeto de Lei no 6.787, de
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