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Em linhas gerais, as políticas sociais surgem, como instrumento do Estado, para

responder às manifestações da “questão social” devido a maior organização e pressão da


classe trabalhadora por melhores condições de vida e de trabalho. Podem também ser
consideradas uma antecipação da classe burguesa à crescente demanda direta ou indireta da
classe trabalhadora por mais diretos. Desde início do século passado, as expressões da
“questão social”, que anteriormente eram tratadas de forma pontual, tornam-se função do
Estado.
Ademais, vale observar que as políticas sociais são, fruto da correlação de forças no
interior das duas classes em uma época determinada, que se manifesta no cenário político.
Pereira (2011) mostra que a contradição existente nas políticas sociais é o que permite a classe
trabalhadora usá-la a seu favor.
Referenciadas por Silva (2018), observamos que a previdência social passou ao longo
dos anos por processos de reformas e “contrarreformas”, onde houve a ampliação e restrição
de direitos aos trabalhadores. A Constituição Federal de 1988 e a inclusão da Previdência
social como parte da Seguridade Social foram um dos grandes marcos de avanços, no sentido
de ampliação de direitos. Porém, diante da conjuntura econômica e política desde a década de
90, a política de saúde e de previdência públicas passam a ser vistas pelo capital privado como
áreas rentáveis. Tanto é assim que, logo após a criação da seguridade social como sistema
integrado, e especialmente, as áreas de saúde e previdência começam a ser “abatidas”.
Faz-se mister entender minimamente que um dos argumentos centrais para as
“contrarreformas” se sustenta nas crises econômicas que afetam o país e na necessidade que
elas geram de transformação.
O contexto de crise nas últimas quatro décadas, em que também houve a expansão
da questionável dívida pública dos Estados-nação e a afirmação das finanças no
comando da acumulação (Chesnais, 2001), é o pano de fundo estrutural comum a
esse movimento de contrarreforma da Previdência Social. A ele associam-se outros
elementos conjunturais. (Silva, 2018, p. 133).
A partir de 1998, no então Governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), inicia-se o
processo de “contrarreforma” na área do Estado e da Previdência Social, especialmente. A
“contrarreforma”, além de ser um instrumento político para efetivar as mudanças, é uma
estratégia que resulta na diminuição da quantidade, qualidade e aumenta a dificuldade de
acesso aos serviços. Desta forma, poderíamos dizer que começa o processo de precarização da
Previdência Social pública abrindo espaços rentáveis ao capital privado.
As chamadas “contrarreformas” da Previdência Social demonstram que, foi possível,
através das Emendas Constitucionais (EC), reduzir os benefícios, limitar ainda mais o acesso
alguns deles, o que tem como resultado, a diminuição de direitos. Vale ressaltar que o
processo de “contrarreforma” possui momentos mais sutis e momentos de maior retirada de
direitos, isso ocorre devido a correlação de forças existentes em cada momento e que envolve
maior ou menor grau de luta e mobilização da classe trabalhadora.
A idéia de uma “reforma previdenciária” tornou-se uma expressão cabalística ou um
artigo de fé, perante o qual todos têm que se curvar e prestar homenagem.
Intelectuais, políticos, a imprensa de modo geral, muitos sem o menor conhecimento
do assunto, proclamam a sua necessidade sem sequer discutir do que se trata.
Formou-se um consenso nacional quanto à importância de realizá-la, sob o pretexto
de que, sem ela, qualquer política voltada à retomada do crescimento econômico
estará fadada ao mais rotundo fracasso (Gentil, 2006, p.15)

A Emenda Constitucional (EC) número 20 de 1998 inicia o processo de


“contrarreforma” da previdência social. Ela atinge de forma mais enfática o Regime Geral de
Previdência Social (RGPS), houve a reconfiguração ou a retirada de benefícios, a redução de
valores e a ampliação do tempo de contribuição.
Luiz Inácio Lula da Silva assume o poder em 2003, e mesmo com um discurso voltado
para a defesa da classe trabalhadora, aprova a Emenda Constitucional número 41 de 2003, em
apenas sete meses. Demonstrando o poder político que possuía. E, em 2005, com sua
complementação através da Emenda Constitucional n° 41.
No governo de Dilma Rousseff, em 2014, o país sofria com o rebatimento da crise
internacional, e passava pela diminuição do PIB o aumento da dívida pública e das renuncias
tributarias.
Em dezembro de 2014 as Medidas Provisórias (MP) nºs 664 e 665, convertidas nas
leis nºs 13.135 e 13.134, respectivamente, de junho de 2015, geriu o que se chamou de
“Minirreforma da Previdência”, cujos objetivos são o aumento da arrecadação e o ajuste dos
“generosos” benefícios para diminuir o “déficit”.
Após o golpe sofrido pelo governo de Dilma Russeff, o impeachment da presidenta da
República, em 2016, agravou algumas dimensões da crise vivida pelo país. O governo de
Temer deixa claro que possuía como objetivo o alcance do superávit primário, para
pagamento da dívida pública e o corte de políticas públicas, que são tratadas como causadoras
do déficit e dos gastos do Estado. A Previdência se coloca mais uma vez como centro do
déficit público. Exemplo tal fato, foi a Emenda Constitucional n° 95/2016, que congela os
limites constitucionais para as despesas primárias da administração pública federal (aquelas
que não envolvem juros — Saúde, Educação, Assistência Social, Defensoria Pública etc.) por
vinte anos.
A proposta para a previdência social no governo Temer apresenta um caminho que
fortalece o capital financeiro. O desmonte começa com a extinção do ministério da
Previdência Social e Trabalho, que, segundo Silva (2018), muda os órgãos estratégicos de
formulação, gestão e controle da Previdência Social para a Fazenda e o órgão de execução
(Instituto Nacional do Seguro Social — INSS) para o Ministério Desenvolvimento Social e
Agrário. E apesar de manifestações contrarias não houve recuo do governo.
A “contrarreforma” pretendida pelo governo Temer se dá através da Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) n° 287, ao final de 2016, onde se reiteram as justificativas da
crise geral e o falso déficit do sistema.
. Com apenas onze meses de governo Bolsonaro aprova a Emenda
Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. A aprovação da mais atual
contrarreforma da Previdência contou com uma série de argumentos que foram sendo
disseminados e construídos ao longo dos anos para que ela tivesse êxito. Veremos a
seguir um conjunto desses elementos e traremos a mudanças feitas por Bolsonaro.
Diante dessa avalanche de avaliações sombrias massificadas pela mídia, não é de se
estranhar que pessoas comuns, políticos e até pessoas respeitáveis do meio
acadêmico acreditem que é preciso, urgentemente, fazer a reforma da previdência
para resolver um problema financeiro gravíssimo. O déficit, no entanto, não existe.
Se investigados mais detidamente, os dados estatísticos do Brasil revelam que não
há crise financeira na previdência social e, principalmente, não há crise no sistema
de seguridade social [...]. (Gentil, 2006, p. 28)

O governo Bolsonaro aprova a EC nº 103 com diversas modificações na Previdência


Social, muitas dessas modificações estão relacionadas aos argumentos utilizados e
apresentados nesse trabalho. O detalhamento e ênfase maior nessa contrarreforma se justifica
pelo fato dela ser a que mais retirou direitos e por ser a que está vigente no momento em que
esse trabalho é escrito.
Destacaremos algumas das principais modificações contidas nessa EC as quais
reduzem e ou dificultam o acesso aos direitos da classe trabalhadora. O primeiro ponto de
destaque para nós será na mudança da idade para aposentadoria, pois as mulheres passam a ter
como idade de aposentadoria 62 anos e homens 65. A aposentadoria por tempo de
contribuição não existirá mais para os novos segurados do INSS pois os cálculos de acesso se
alteram, os que já eram contribuintes terão regras de transição próprias. Além de aumentar o
tempo para se aposentar também haverá aumento nas alíquotas de contribuição para quem
ganha acima do teto do INSS.
O cálculo das aposentadorias também será modificado, anteriormente se descartava
20% das contribuições mais baixas, na nova regre, o somatório e cálculo será feito com todo
histórico. Para receber a aposentadoria integral, ou seja, 100% do valor, as mulheres terão que
contribuir por 35 anos e os homens por 40 anos; sabemos que dentro da realidade do país e do
mercado de trabalho cada vez mais precário será muito difícil para os trabalhadores
contribuírem tanto tempo de maneira ininterrupta. O tempo mínimo de contribuição, ou seja,
20 anos para os homens e 15 anos para as mulheres dão direito a 60% do valor do benefício.
Há ainda a instauração de seis opções possíveis para aposentadoria 1desde regras de
transição até as opções que para os trabalhadores que já estão inseridos ou que vão entrar no
sistema, porém observamos que cada fórmula utilizada para cálculo das aposentadorias apesar
de ter suas particularidades dificulta e afasta o trabalhador do direito à aposentadoria.
Outra mudança trazida pela nova contrarreforma diz respeito ao aumento das alíquotas
de contribuição pagos pelos trabalhadores do setor privado e também pelos servidores. A
aposentadoria por permanente incapacidade, ou como popularmente conhecida, aposentadoria
por invalidez também se altera com as novas regras, o valor a ser pago passa de 100% para
60% da média de salários de contribuição mais 2% por ano de contribuição que exceder os 20
anos, essa nova condição só não se aplica nos casos de acidente de trabalho, doenças
profissionais ou do trabalho, esses continuam a ter o direito de 100% garantido, é válido
ressaltarmos mais uma vez que as sucessivas mudanças reduzem cada vez mais os direitos dos
segurados.
A pensão por morte é ponto de mudança e de debate mais evidente desde a
minirreforma feita por Dilma, com a contrarreforma de Bolsonaro mais transformações são
feitas nessa regra, o valor da pensão ficará menor para trabalhadores do setor privado e
também para os servidores públicos. O benefício passa a ser de 50% do valor e mais 10% por
cada dependente, os 100% só serão atingidos se a família possuir cinco ou mais dependentes,
ou seja, se um trabalhador só tiver dois filhos por exemplo seu benefício jamais chegará aos
100%.
Esses são somente alguns dos exemplos de mudanças previstas na nova
contrarreforma, evidenciamos diante de exemplos concretos o quantos os trabalhadores
sofrem com a redução constante de seus direitos. Se formos pensar no cenário que vivemos
em relação a qualidade de vida e atualmente em um cenário de pandemia, a maioria dos
trabalhadores não conseguirão acessar a aposentadoria em nosso país, apesar da expectativa

1
Sistema de pontos (INSS) onde os pontos são o somatório do tempo de contribuição mias a idade, os
pontos vão aumentando a cada ano. Idade mínima mais tempo de contribuição INSS, transição que ocorre
entre de 8 a 12 anos. Pedágio 50%, é de direito do segurado que estiver a 2 anos de pedir sua
aposentadoria acrescenta tempo de aproximadamente mais um ano de trabalho. Aposentadoria por idade
das mulheres que precisam ter 62 anos e não mais 60. Pedágio de 100% (INSS e Servidores) sobre o
tempo que falta para ser cumprido o que também aumentará o tempo de trabalho dos segurados. E por
último, a transição exclusiva dos servidores que ocorre com somatório do tempo de contribuição com a
idade.
de vida aumentar no Brasil e no mundo, a qualidade e os serviço públicos não seguem o
mesmo padrão de crescimento.
Foi possível verificar como o processo de “contrarreforma” atinge de forma direta a
previdência social e como tal fato interfere na proteção social dos segurados. Pois dessa
forma, a previdência vai cada vez mais se distanciado de seus princípios e observa-se a busca
pelo favorecimento do capital, na busca por lucros.
Silva (2012 apud Silva, 2018) mostra que esse quadro explica por que nos últimos
vinte anos no Brasil “os direitos previdenciários foram duramente atacados [...] para dar lugar
à expansão da previdência dos fundos de pensão e das empresas de planos privados”
Além dos fundos de pensão, que assumem papel central na precarização da
previdência, no ataque aos princípios da seguridade social e por consequência na proteção
social, Boschetti (2003) ressalta o fato da seguridade ser reduzida a previdência social e desta
ter sempre muita visibilidade. Assim:
[...]. No caso da seguridade social brasileira, já apontamos em texto anterior que esta
raramente é tratada a partir de suas propriedades heurísticas ou analisada
empiricamente na sua totalidade. A maioria das produções teórico-acadêmicas sobre
a temática, e mesmo os planos e relatórios governamentais, restringe a seguridade
social ao seguro previdenciário, ou analisa cada uma das políticas que a compõe
isolada e autonomamente, tentando relacioná-las à uma suposta seguridade social
que, efetivamente, está longe de materializar-se no Brasil (BOSCHETTI, 2000).
Ainda que não seja um consolo, é importante considerar que esta não constitui uma
tendência exclusiva do Brasil. Em outros países da América Latina e da Europa
observa-se esta mesma tendência (MESA-LAGO, 1989 & 1996; DUMONT, 1995).
[...]. (Boschetti, 2003)

Portanto, ao se tratar dos rebatimentos das “contrarreformas” na política previdenciária


também precisamos lembrar como elucida Werneck Viana (1999, p. 93), que as
transformações na Seguridade Social ocorrem de maneira sutil através de sua despolitização.
E ao se tratar da Seguridade Social, colocam-na como uma matéria técnica que enfatiza
relações numéricas e simulações econômicas visando à eficiência, custo e rendimento. Perde-
se a noção de que realmente se associa à proteção dos cidadãos, a integração social,
solidariedade, bem-estar, direitos sociais e ampliação da cidadania. O que dificulta a maior
aproximação da população de tal temática e da luta pela manutenção de seus direitos
adquiridos.
É possível assim, verificar que as transformações ocorridas fazem parte de uma lógica
perversa que atinge diretamente a classe trabalhadora, há a precarização do sistema público e
a ampliação do setor privado que passa a vender uma nova mercadoria altamente lucrativa:
previdência privada, aqueles que possuem condições de pagar pela mesma.
REFERÊNCIAS
GENTIL, D. L. A Política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social. 2006. Tese
(Doutorado em Economia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

PEREIRA, Potyara A. P. Política Social: temas & questões. 3. Ed. São Paulo: Cortez, 2011.

SILVA, Maria Lucia Lopes da. Contrarreforma da Previdência Social sob o comando do
capital financeiro. Serv. Soc. Soc. [online]. 2018, n.131, pp.130-154. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/sssoc/n131/0101-6628-sssoc-131-0130.pdf>. Acesso em: 20 maio.
2022.

WERNECK VIANNA, M. L. T. As armas secretas que abateram a Seguridade Social. In:


LESBAUPIN, I. (Org.). O desmonte da nação: balanço do governo FHC. 2. ed. Petrópolis:
Vozes, 1999.

Boschetti, Ivanete. "Implicações da reforma da previdência na seguridade social


brasileira." Psicologia & Sociedade 15.1 (2003): 57-96. Disponível em: < revista psicologia.
p65 (scielo.br)> Acesso em: 19 maio. 2022.

BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de


2019 .

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