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UMA AVALIAÇÃO DAS “REFORMAS” RECENTES DO

REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA

Francisco E. B. de Oliveira*
Mônica Guerra Ferreira**
Fernando Porto Cardoso***

1 – Introdução

O processo de envelhecimento da população mundial faz surgir inúmeras


discussões sobre a forma de financiar os sistemas previdenciários. O aumento do fluxo
de pagamento de benefícios em proporção superior ao ingresso de recursos acarreta em
crescentes problemas financeiros aos diversos sistemas de previdência existentes no
mundo. Na tentativa de solucionar esses problemas, os países procuram realizar
mudanças estruturais em seus sistemas. Em todo o mundo, os governos têm examinado
formas alternativas de financiamento da previdência e o aumento das idades mínimas de
aposentadoria.
No Brasil, o processo de envelhecimento, provocado pela rápida queda da
fecundidade e pelo aumento da longevidade, afeta o financiamento do sistema de
previdência social, que funciona em regime de repartição simples1, que por sua vez é
sensível à mudanças demográficas. Em 1990, os maiores de 60 anos representavam,
apenas, 6,7% da população; para 2020, projeta-se que essa proporção atinja algo em
torno de 13,1%. Contudo, não podemos considerar esse fenômeno populacional como o
grande problema da previdência, pois o Brasil continuará sendo um país jovem por um
bom tempo. Na progressiva crise previdenciária, pesam, fortemente, fatores de natureza
econômica e de caráter conjuntural e estrutural, como o crescimento do desemprego, a
informalização do mercado de trabalho (do lado da receita) e a igualdade entre salário-

*
Técnico de Pesquisa e Planejamento da DIMAC/IPEA
**
Assistente de Pesquisa da DIMAC/IPEA e mestranda em demografia pela ENCE/IBGE
***
Estagiário da DIMAC/IPEA
1
Sistema de repartição simples é definido como aquele em que os “contribuintes ativos de hoje pagam
pelos inativos de hoje, na esperança de novas gerações de contribuintes venham a fazê-lo quando
passarem para a inatividade”.

1
mínimo e benefício mínimo (do lado da despesa). O fator demográfico tem a sua parcela
de responsabilidade, mas deve ser considerado como um fator secundário.
A Constituição de 1988, ao estabelecer como piso para todos os benefícios o
salário-mínimo, ocasionou um aumento nos gastos da previdência, pois essa medida
equiparou os benefícios dos trabalhadores urbanos e rurais (anteriormente fixados em
meio salário mínimo). Além disso, houve a redução de cinco anos para a obtenção de
aposentadoria por idade no setor rural. Fatores legais e institucionais, tais como a
oferta de aposentadorias por tempo de contribuição (sem idade mínima) e as especiais,
desempenham um papel crucial. Na realidade, permitem que indivíduos relativamente
jovens tenham acesso a uma aposentadoria e desfrutem da mesma por longos períodos
de recebimento dos benefícios sem que necessariamente tenham que se afastar do
mercado de trabalho (a média de idade de concessão de aposentadoria por tempo de
serviço é inferior aos 55 anos).
A importância do Regime Geral de Previdência Social – RGPS – se revela pelo
atendimento a aproximadamente 24 milhões de contribuintes e 18 milhões de
beneficiários diretos, fora seus dependentes. Na realidade, o sistema de previdência
social brasileiro não foi objeto de nenhuma “reforma”, mas sim de ajustes. Não houve
uma substituição do regime de previdência social, o que aconteceu foi uma redefinição
de alguns dos parâmetros do regime existente. Se no passado foi possível promover
ajustes para a promoção do equilíbrio financeiro através do aumento das alíquotas de
contribuição ou dos confiscos nos valores dos benefícios através da inflação (ou ainda
através de uma combinação destes mecanismos), com a implantação do Plano Real,
estas formas de ajustamento do sistema de previdência social tornaram-se inviáveis. A
drástica queda da taxa da inflação e, ao mesmo tempo, a correção de todos os salários de
contribuição para o cálculo do benefício e do valor dos benefícios em manutenção, por
força da Constituição de 1988, fizeram com que, praticamente, desaparecessem os
confiscos inflacionários. Por outro lado, as elevadíssimas alíquotas de contribuição
previdenciária e a pesada carga tributária tornaram desaconselhável qualquer tentativa
de resolver os desequilíbrios pelo lado da receita.
As questões políticas, aliadas à falta de consciência sobre o comportamento da
conta previdenciária no longo prazo, adiaram por muito tempo o processo de discussão
e reforma da previdência social brasileira. Com a existência da garantia de pagamento

2
dos benefícios por parte do Tesouro Nacional, ratificada pela Constituição, fez com que
somente diante de um gigantesco déficit no RGPS associado a um grave problema fiscal
nas contas públicas, a questão da necessidade do equilíbrio das contas previdenciárias
fosse realmente levada a sério.

2 - O Processo de Reforma Constitucional

A Constituição de 1988 cristalizou em seu próprio texto muitos dos dispositivos


que regem a seguridade social2, tornando bastante difícil qualquer mudança através do
processo de Emenda3. Ocorre, entretanto, que o próprio texto constitucional previu, em
seu Artigo 3o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, um processo de
revisão a se dar no prazo de 5 anos após a sua promulgação, onde qualquer emenda
poderia ser aprovada por maioria simples. Com base neste dispositivo, o Governo do
Presidente Itamar Franco esboçou uma ampla reforma em várias áreas, dentro da
estratégia de “desconstitucionalizar” e flexibilizar a seguridade social. Em última
análise, o que veio a ser conhecido como “Relatório Jobim” era constituído, no campo
da seguridade, quase que integralmente por emendas supressivas à Constituição de
1988. A idéia era que, eliminada a rigidez introduzida pelo texto constitucional e a
conseqüente dificuldade em modificá-lo, a discussão seria transferida para o nível da
legislação ordinária.
Uma vez que grande parte dos direitos relacionados a Seguridade Social
apresentam-se consagrados no próprio texto constitucional, a resistência política as
propostas de suprimi-los é enorme, somando-se a isso, o período estabelecido para a
revisão constitucional coincidiu com um momento de grande turbulência política e
econômica – pós-impeachment do Governo Fernando Collor e início do “Plano Real”.
De fato, muitos dos congressistas e grande parte da população em geral encarou a idéia
de desconstitucionalização como um autêntico “cheque em branco”. Como resultado, o
processo de revisão constitucional malogrou por inteiro.

2
Muitos atribuem este fato ao contexto de redemocratização do país, onde, como reação aos muitos anos
de arbítrio e de violação de direitos e regras, os constituintes tentaram salvaguardá-los no próprio texto
constitucional.
3
Uma emenda constitucional requer, para sua aprovação, maioria de 2/3 na Câmara e no Senado. Se
umas das Casas fizer qualquer modificação (que não seja supressiva), a emenda volta para Casa de
origem.

3
O Governo do Presidente Fernando Henrique, empossado em 1995, retomou a
bandeira de reformas constitucionais, como elemento vital do plano de estabilização
econômica (Plano Real). Assim, a chamada Reforma da Previdência (Mensagem 306)
integrava um conjunto maior de propostas de emendas constitucionais com o objetivo
de liberalizar a economia, aumentar a produtividade e conter o déficit público: o fim dos
monopólios explorados diretamente pelo Estado (cabotagem, petróleo,
telecomunicações, portos), programa de privatização, reforma tributária e reforma
administrativa. Embora a proposta de emenda constitucional, que tratava da
previdência, tenha sido uma das primeiras a ser remetida ao Congresso Nacional, a
verdade é que, até o segundo semestre de 1995, o Governo pouco fez para acelerar sua
tramitação. Finalmente, entusiasmados com as vitórias políticas obtidas no caso da
quebra dos monopólios, as lideranças governamentais deram curso à Proposta de
Emenda Constitucional 33 (PEC 33), que, já na Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara sofre o primeiro revés. A PEC 33 é desmembrada em quatro emendas
separadas, duas das quais são rejeitadas por tidas inconstitucionais. Em essência,
sobreviveu apenas a proposta que se denominou PEC 33 A-95, que passa então a ser
analisada, em termos de mérito, pela Comissão Especial criada para este fim no âmbito
da Câmara dos Deputados. O eixo desta proposta é, ainda, a desconstitucionalização.
Após meses de negociações com os parlamentares, representantes das centrais
sindicais e da sociedade em geral, a proposta original praticamente se “desintegrou”. As
mudanças que ainda subsistiram tinham muito mais “efeito moral” do que propriamente
relevância econômica. Um exemplo claro disto, foi a discussão sobre tempo de serviço
versus tempo de contribuição: à exceção dos funcionários públicos, onde há a chamada
“contagem de tempo fictício” (licença prêmio não gozada contada em dobro para fins de
aposentadoria) e de algumas outras pouquíssimas exceções, o tempo de serviço é igual
ao tempo de contribuição. Apesar deste fato, houve uma intensa luta entre
representantes do governo e representantes das centrais sindicais, com farta divulgação
pelos meios de comunicação.
Após longa e tumultuada tramitação na Câmara, a proposta acabou por ser quase
que completamente alterada. Segue-se então uma tentativa de reconstituí-la no Senado
Federal. O novo projeto tinha como peça central a imposição de limites etários de 60 e
55 anos para as aposentadorias por tempo de serviço para os que ingressassem no

4
mercado de trabalho após a promulgação da Emenda, tanto para o caso do RGPS como
para os regimes de funcionalismo público. Para aqueles já em atividade, previa-se uma
regra de transição, onde se estabelecia como requisitos para a aposentadoria por tempo
de serviço:

a) Mínimo de 53 anos para homens e 48 para mulheres, e

b) “Pedágio”, correspondente à um adicional de 20% do tempo ainda restante


para a aposentadoria integral na data da promulgação da Emenda, ou 40% no
caso da aposentadoria proporcional.

Dentre outros dispositivos, o substitutivo contemplava, em relação ao RGPS,


também outros itens originalmente integrantes da proposta governamental, dentre os
quais se destacam como mais importantes:

a) Desconstitucionalização da fórmula de cálculo dos benefícios;

b) Eliminação da aposentadoria especial dos professores universitários;

c) Eliminação da aposentadoria proporcional;

d) Substituição do critério de tempo de serviço pelo critério de tempo de


contribuição.;

A única medida relevante aprovada na Emenda Constitucional n.º 20 de 16 de


dezembro de 1998 – a chamada “Reforma da Previdência” – foi a eliminação das
aposentadorias por tempo de serviço proporcionais4. Tendo em vista que, no Brasil,
grande parte dos segurados optava pela aposentadoria proporcional, a medida tem como
resultado uma postergação, ou represamento dos benefícios por tempo de serviço por 5
anos. Ocorre, entretanto, que, findo este período, as pessoas vão se aposentar com
benefício integral, ao invés de 70% da média corrigida dos salários de contribuição,
como seria na aposentadoria proporcional. Em outras palavras, o valor médio dos
benefícios será algo como 42,8% maior quando comparado à situação anterior5,
implicando em um aumento dos gastos no médio e longo prazos. Como demonstra o
gráfico 1, as perspectivas de déficit no INSS seriam incompatíveis com qualquer

4
Em função do processo político que envolveu a votação da matéria, um Destaque de Votação em
Separado (DVS) logrou derrubar os limites definitivos de idade, para as aposentadorias por tempo de
serviço integral, no caso do RGPS, invalidando, portanto, também as regras de transição.
5
100/70=1,428

5
possibilidade de financiamento não inflacionário. Além disso, os cortes em outras áreas
do gasto público e a sucessiva elevação da carga tributária chegaram ao seu limite.

Gráfico 1

DÉFICIT (Benefícios - Receitas) do RGPS - % do PIB


(Taxa de Crescimento do PIB = 3% a.a.)

6,0%

5,0%

4,0%

3,0%

2,0%

1,0%

0,0%
1995 2000 2005 2010 2015 2020 2025 2030 2035

Pós EC 20 Pré EC 20

Novas iniciativas de ajustes para as regras de funcionamento do RGPS foram


introduzidas com a aprovação da Lei n.º 9.876, cujo dispositivo mais importante é a
criação do chamado Fator Previdenciário, além de contar com a eliminação da escala de
salário base para autônomos. A descontitucionalização da fórmula de cálculo dos
benefícios, com a adoção do fator previdenciário, principal instrumento defendido pelo
Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS – será objeto da próxima seção.

No que se refere as contribuições adicionais relativas a eliminação da escala de


salário base de contribuição para os autônomos, poderá implicar em um gasto adicional
com pagamento de benefícios, considerando-se que tanto as contribuições adicionais e o
gasto adicional com benefícios (que por conta da lei acima citada passará a ser
calculado com dados a partir de junho de 1994) são ambos funções lineares da soma dos

6
salários de contribuição6. Assim, o benefício médio cresce exatamente na mesma
proporção que a receita média de contribuições. Tudo depende, portanto, se o período
durante o qual as contribuições adicionais serão pagas é maior ou menor que o tempo
durante o qual o adicional do valor dos benefícios será pago. Como a escala de salário
base será extinta nos próximos 5 anos, o caso mais favorável é que alguém pague
contribuições adicionais durante este período. Ocorre, entretanto, que os benefícios
adicionais serão pagos durante um período substancialmente maior. Por exemplo, se
tomarmos as esperanças de sobrevida como uma aproximação da duração do benefício
médio e considerarmos a aposentadoria por idade como o benefício típico dos
autônomos, este período de pagamentos adicionais seria de 13 anos para homens e cerca
de 17 anos para mulheres. Além disso, a contribuição dos autônomos é 20% sobre o
salário de contribuição e o benefício é integral. Como conseqüência, poderá ocorrer um
acréscimo de receita no curto prazo, mas, no médio prazo se pagará um custo adicional
de benefícios, comparativamente a regra anterior, cerca de 3 vezes maior.

3 - A Lei n.º 9.876, de 26 de novembro de 1999 e o Fator Previdenciário.

A aprovação da Emenda Constitucional n.º 20 desconstitucionalizou a fórmula


de cálculo dos benefícios, que por sua vez permitiu que o Executivo enviasse para o
Congresso uma proposta de Lei ordinária alterando a sua fórmula de cálculo com a
introdução do Fator Previdenciário (projeto de Lei n.º 1527/1999). A fórmula anterior
(Artigo 202 da Constituição) consistia na média deflacionada dos últimos 36 meses do
salário de contribuição. O projeto de Lei alterando a fórmula de cálculo dos benefícios
foi aprovado em 26 de novembro de 1999 (Lei n.º 9.876). A nova fórmula de cálculo é
aplicável tanto aos benefícios de aposentadoria por idade como aos de aposentadoria por
tempo de contribuição. No entanto, o segurado, para o caso do benefício por idade, pode
optar pela não aplicação da nova regra, se julgar que a antiga lhe é mais favorável. O
cálculo do salário de benefício passa a ser feito utilizando-se a seguinte fórmula:

6
A contribuição média adicional é dada por ∆Cont=0,20( Σ S’ -Σ S)/n,
onde:
S’= média dos salários de contribuição após a eliminação da escala de salários base
S = média dos salários de contribuição antes da eliminação da escala de salários base
N = período de cálculo do benefício n = 1, 2.... 10
e o benefício adicional ∆ Benef = (Σ S’ -Σ S)/n

7
B =Y × f
onde:
B = Salário de Benefício
Y = Média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a
oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário7
f = Fator Previdenciário
e onde o fator previdenciário f é dado pela seguinte expressão:

Tc× a  (Id + Tc× a)


f= × 1+
Es  100 
onde:
Es = Expectativa de Sobrevida na data da aposentadoria;
Tc = Tempo de Contribuição até a data da aposentadoria;
Id = Idade no momento da aposentadoria;
a = Alíquota de contribuição (definida como 0,31).
Em alguns casos específicos, serão adicionados períodos fictícios de tempo de
contribuição para aplicação do fator previdenciário: cinco anos para a segurada mulher,
cinco anos para o segurado professor e dez anos para a professora que comprove tempo
exclusivo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e/ou no
ensino fundamental e médio. Para o já filiado à Previdência Social o fator
previdenciário será aplicado de forma progressiva para a obtenção do salário de
benefício, incidindo sobre um sessenta avos da média aritmética, por mês que seguir a
publicação da Lei, cumulativamente, até completar o período de transição da referida
média, sendo o complemento calculado pela forma vigente no período anterior a
promulgação da Lei.

7
Para os segurados filiados à Previdência Social, no cálculo do salário de benefício será considerada a
média aritmética simples dos maiores salários de contribuição, correspondentes a, no mínimo, 80% de
todo o período contribuitivo decorrido desde a competência de julho de 1994, observado o disposto nos
incisos I e II do caput do art. 29 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Essa média não poderá ser

8
3.1 - Aspetos Gerais

Apesar da veiculação da idéia de que os segurados postergariam a data da sua


aposentadoria, através do sistema de incentivos/desincentivos proporcionados,
embutidos na nova fórmula de cálculo, toda evidência empírica, no exterior e no Brasil,
aponta exatamente na direção contrária. De fato, levando-se em consideração a
elevadíssima taxa pela qual as pessoas descontam valores futuros (vide taxas de crédito
direto ao consumidor praticadas pelo mercado), os indivíduos tenderão a se aposentar
tão logo atinjam as condições mínimas de elegibilidade, mesmo com substanciais perdas
nos valores dos benefícios. Aliás, a intensa utilização da aposentadoria proporcional –
que acarretaria num aumento de 43% do valor do benefício potencial caso o indivíduo
postergasse o pedido por 5 anos – é evidência clara desta preferência pela liquidez
imediata. No Brasil, a própria mudança nas regras do jogo na Previdência Social,
provavelmente, constitui um fator adicional de estímulo para que os segurados exerçam
seus direitos assim que atinjam as condições mínimas de elegibilidade.
As economias proporcionadas pela introdução fator previdenciário, mesmo que
sejam substanciais, principalmente no médio e longo prazos, estaremos diante de uma
“quebra de contrato”, o que é extremamente deletério em se tratando de previdência
social. É claro que não se trata de violação de direitos adquiridos, visto que, segundo a
legislação brasileira, estes só ocorrem quando o segurado cumpre integralmente os
requisitos para o benefício. Deve-se ressaltar, ainda, que a proposta original não
contemplava qualquer transição entre a fórmula de cálculo antiga e a nova. Dois
indivíduos exatamente com o mesmo perfil contributivo, teriam benefícios muito
diversos, caso se aposentassem, respectivamente, um dia antes ou um dia depois da
promulgação da Lei. Além disso, muitas pessoas constituíram seus planos de vida
levando em conta as regras vigentes de aposentadoria e que uma mudança abrupta pode
significar consideráveis transtornos a estes – decisões previdenciárias são decisões de
toda uma vida. Para atenuar este “choque” da nova fórmula de cálculo, para os já
filiados à Previdência Social, foi introduzida uma regra de transição (como dito
anteriormente) embora relativamente curta, de 5 anos, na redação final do Projeto de.

calculada com número de meses inferior a 60% do período decorrido da competência de julho de 1994 até

9
3.2 - Aspectos Técnicos

Uma análise dos vários aspectos do fator previdenciário indica aspectos


positivos e negativos, a saber:
a) Positivos
• Ampliação o período de cálculo, reduzindo a discriminação contra aqueles que
não experimentam um perfil ascendente de salários, ainda que a argumentação do
Ministério da Previdência na Exposição de Motivos seja pobre, já que não desagrega
suficientemente as escolaridades (ver OLIVEIRA et al, 1997, “Alíquotas Equânimes”
com quatro níveis de escolaridade para homens). A afirmação baseada em estudos de
Scharzer sobre a curva de salários dos indivíduos e publicado no Informe de
Previdência Social e na Exposição de Motivos, incorre em erro primário (na verdade é
melhor que se considere toda a vida contributiva do indivíduo, mas não pelas razões
expostas). O gráfico 2 (reproduzido do material distribuído pelo MPAS quando da
divulgação do fator previdenciário e constante na Exposição de Motivos que
encaminhou a Lei e no Informe de Previdência Social de junho de 1999) parece ser um
ajuste polinomial em cima de dados tabulados da PNAD (e não os dados originais,
como o texto deixa supor), o que poderia explicar os valores negativos para as mulheres
de escolaridade média-alta a partir de 68 anos.

a data de início do benefício, limitado a 100% de todo o período contributivo.

10
Gráfico 2 - Brasil: Remuneração Média do Trabalho
por Idade, Gênero e Escolaridades, 1997
2000
Renum. Média mensal (R$), todos os trabalhos

1750

1500
Teto INSS
1250

1000

750

500

250

0
20 23 26 29 32 35 38 41 44 47 50 53 56 59 62 65 68
Idade
Mulheres, esc baixa Homens, esc baixa
Mulheres,esc media-alta Homens, esc media-alta
Fonte: Informe de Previdência Social, junho de 1999, vol. 11, N.º 06.

É sabido que os indivíduos de maior renda e com vida laboral mais regular
conseguem se aposentar com menor idade. Este comportamento é patente quando se
compara os valores médios de aposentadoria por tempo de serviço e os de aposentadoria
por idade (quase 3 vezes menor). Quando se utiliza um estudo num instante do tempo
para se tirar conclusões sobre o comportamento longitudinal, é necessário assumir
(hipótese mais do que heróica) que as pessoas que permanecem na força de trabalho têm
o mesmo perfil das que saíram. Considerando-se a taxa de saída destas pessoas (ver
gráfico 3 para o contingente de indivíduos na PEA por idade listados na PNAD 96), esta
hipótese necessitaria de uma comprovação externa.

11
Gráfico 3 - PEA - Brasil - 1996

500000

450000

400000

350000

300000

homens!
250000
mulheres

200000

150000

100000

50000

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80

Existem evidências empíricas de que isto não é verdade. Considerando-se o


salário médio por idade, sem nenhuma desagregação, obtém-se uma curva muito mais
côncava que se considerarmos algum tipo de desagregação por escolaridade (ou
qualquer proxy de aquisição de capital humano que propicie um potencial de gerar
renda). O gráfico 4 apresenta a distribuição de escolaridade para a PEA masculina em
1996 (PNAD) – o nível 1 corresponde a primário incompleto e o nível 6 ao superior
completo. Nota-se claramente que, nas maiores idades, os maiores níveis educacionais
tem uma presença menor com o aumento da idade e que o primário incompleto é o
grupo que tem a representatividade crescente. Se desagregássemos mais finamente, este
comportamento continuaria, e possivelmente os analfabetos é que seriam o grupo
dominante no final.

12
Gráfico 4 - Participação na PEA de Grupos Educacionais Selecionados

100%

80%

60% 6
5
4
3
2
40% 1

20%

0%
13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45 47 49 51 53 55 57 59

• Introduz a possibilidade de que o segurado opte pelas condições de


aposentadoria, conjugando idade, tempo de contribuição e valor.
• Penaliza severamente aposentadorias precoces e premia aposentadorias tardias.
b) Negativos
• Embora contenha elementos atuariais (expectativa de vida, tempo de
contribuição e idade da aposentadoria) o fator previdenciário não se baseia em critério
atuarial (valor presente esperado das contribuições = valor presente esperado do
benefício). Trata-se, portanto, de um fator totalmente arbitrário.
• A alíquota de 31% aplicada apenas para benefícios de cobertura de eventos
previsíveis ignora a cobertura dos eventos imprevisíveis (doença, invalidez e morte).
• A utilização da expectativa de vida da população em geral calculada pelo IBGE,
conforme parece ser a intenção (Art. 29 § 8º), apresenta problemas técnicos,
operacionais e legais, a saber:
- A população de beneficiários do INSS tem características biométricas bastante
distintas da população em geral e com expectativa de vida bem mais alta. Benefícios

13
calculados com a expectativa do Brasil como num todo teriam valores maiores do que
se fosse utilizado uma tábua específica para a população em questão.
- Existe, em média no Brasil, um sub-registro da mortalidade (óbitos não
reportados) da ordem de 26%, fazendo necessárias várias correções, sujeitas a algum
grau de arbítrio (e portanto, questionáveis na Justiça). Como exemplo extremo, no
Maranhão o IBGE estima uma correção de 400%, ou seja, somente 1 em cada 5 óbitos é
registrado. Como a correção diminui a expectativa de vida da tábua e aumenta o valor
do benefício achamos que o procedimento não seria questionado, mas o valor da
correção seria. Lembramos ainda que, o registro depende usualmente da vontade
individual da família do falecido, que pode não ter condições para pagar as taxas
requeridas ou, mesmo ignorar a necessidade legal de fazer o registro (sem mencionar
incentivos perversos de não declaração do óbito para não extinguir o benefício de
aposentadoria ou pensão).
- Assim, as tábuas, quando aplicadas ao cálculo do valor do benefício, podem ser
facilmente questionadas sob o ponto de vista técnico (já que existem vários métodos
para correção na literatura especializada e com resultados ligeiramente diferentes).
A dificuldade pode ser facilmente contornada, calculando-se uma tábua
específica para a população de beneficiários do INSS. Os dados publicados no Anuário
Estatístico da Previdência Social – AEPS, permitem a construção de uma tábua de vida
abreviada (por grupos qüinqüenais), que pode ser expandida para uma tábua completa, a
exemplo do que é feito para a população como um todo. Assumindo-se que as cessações
das aposentadorias por idade e tempo de serviço são exclusivamente por morte8, uma
tábua de vida foi calculada, e os valores obtidos e as diferenças vis a vis os valores para
a população em geral podem ser apreciados na tabela 1.

8
Dentro da lógica atuarial, eventuais fraudes pela não declaração do óbito encareceriam o custo do
benefício e devem, então, ser incorporadas aos cálculos.

14
Tabela 1 - Comparação das esperanças de sobrevida para a população em geral e
para os beneficiários do RGPS
Idade IBGE AEPS Diferença
60 17,29 21,94 27%
65 13,85 18,33 32%
70 10,70 15,32 43%
75 7,98 12,96 62%
80 5,80 11,27 94%

• Tendo-se em vista a baixa probabilidade de que alguém venha a postergar o


exercício de seus benefícios, as reduções de valor, com uma regra de transição de
período tão curto e consequentemente com um reconhecimento bem restrito de direitos
passados (bônus ou benefício compensatório) poderão ter efeitos extremamente nocivos
sobre os Fundos de Pensão que tenham planos de benefícios complementares ao do
INSS.
• Como as Tábuas de Mortalidade deverão ser calculadas periodicamente, poderá
haver contestação quanto a aplicabilidade de critérios diversos à pessoas do mesmo
coorte que se aposentem em datas diferentes.
• Como a legislação brasileira não proíbe a acumulação do trabalho com a
aposentadoria, num primeiro momento o baixo valor da aposentadoria não seria sentido
(já que é só um complemento/suplemento ao salário), ficando problemático somente no
momento de real incapacidade do trabalho.
• Inexistência de uma taxa de desconto pré-determinada e uniforme para as
diversas idades e tempos de contribuição. Ou seja, para cada idade conjugada a um
período de contribuição existe uma taxa de desconto específica.
Com os dispositivos embutidos na nova fórmula de cálculo, pensou-se que os
segurados postergariam a data da sua aposentadoria, mas em essência isso não ocorre,
pois sabemos da grande utilização da aposentadoria proporcional, e o grande motivo
pelo qual este fato ocorre, é a sensação de insegurança por parte da população a cada
novo governo.

15
As tabelas 2 e 3 apresentam, para homens e mulheres respectivamente, os
ganhos e perdas no valor médio do benefício decorrentes da nova fórmula9, em relação
a situação pré-existente.

Tabela 2 - Ganhos (+) e/ou Perdas (-) do Valor Médio do Benefício sob a Regra
Proposta vis a vis a Regra Pré - Existente – Homens
Tempo de Idade na Aposentadoria
Contribuição 45 50 55 60 65
30 -50,41% -40,41% -27,13% -8,94% 17,04%
31 -48,66% -38,30% -24,56% -5,73% 21,16%
32 -36,19% -21,98% -2,51% 25,29%
33 -34,06% -19,39% 0,72% 29,43%
34 -31,94% -16,80% 3,96% 33,59%
35 -29,80% -14,19% 7,21% 37,76%
36 -27,65% -11,57% 10,48% 41,95%
37 -8,95% 13,75% 46,15%
38 -6,31% 17,04% 50,36%
39 -3,67% 20,33% 54,59%
40 -1,01% 23,64% 58,83%
41 1,65% 26,96% 63,08%
42 30,29% 67,35%
43 33,63% 71,63%

9
Hipótese de que o salário é constante e que o benefício decorrente não é afetado pelo piso do salário
mínimo.

16
Tabela 3 - Ganhos (+) e/ou Perdas (-) do Valor Médio do Benefício sob a Regra
Proposta vis a vis a Regra Pré - Existente - Mulheres
Tempo de Idade na Aposentadoria
Contribuição 40 45 50 55 60 62
25 -67,37% -50,41% -40,41% -27,13% -8,94% 0,26%
26 -66,21% -48,66% -38,30% -24,56% -5,73% 3,79%
27 -46,90% -36,19% -21,98% -2,51% 7,33%
28 -45,13% -34,06% -19,39% 0,72% 10,88%
29 -43,35% -31,94% -16,80% 3,96% 14,45%
30 -41,57% -29,80% -14,19% 7,21% 18,03%
31 -39,78% -27,65% -11,57% 10,48% 21,62%
32 -25,50% -8,95% 13,75% 25,22%
33 -23,34% -6,31% 17,04% 28,83%
34 -21,17% -3,67% 20,33% 32,46%
35 -19,00% -1,01% 23,64% 36,10%
36 -16,81% 1,65% 26,96% 39,75%
37 4,32% 30,29% 43,41%
38 7,00% 33,63% 47,08%
39 9,69% 36,98% 50,77%
40 12,39% 40,35% 54,47%
41 15,10% 43,72% 58,18%
42 47,11% 61,90%
43 50,50% 65,64%

Ao analisar a tabela 2, pode-se perceber que se um homem ingressa no mercado


de trabalho formal aos 20 anos (como acontece com a maioria da população de baixa
renda), e dessa forma contribuindo durante 35 anos, a perda no valor médio do
benefício, vis a vis a fórmula antiga, seria de 14,19%. Além disso, percebe-se que
existem arbitrariedades na fórmula, que por coincidência, deixa sem perdas ou ganhos o
valor médio do benefício, quando conjugamos a idade e o tempo de contribuição, muito
perto da proposta derrotada em dezembro, a idade de 58,5 anos e tempo de contribuição
de 35 anos (basicamente perda/ganho igual a zero). A perda média no valor do
benefício, utilizando-se a distribuição de idade e tempo de contribuição dos benefícios

17
de 1997 (vis a vis a legislação vigente) para os homens sob a hipótese de que não haverá
postergação da aposentadoria, é de 33,93% (homens).
No caso das mulheres (tabela 3), as perdas médias no valor do benefício são
similares as sofridas pelos homens, considerando a condição de aumento em cinco anos
(fictícios) no tempo de contribuição para as mulheres para efeito de aplicação do fator
previdenciário. Uma mulher com 50 anos de idade e com um tempo de contribuição de
24 anos teria uma perda de 40,41% no valor médio do benefício, e uma mulher com a
mesma idade, mas com um tempo de contribuição de 30 anos teria uma perda de
29,80%. Um ponto que deixaria, aproximadamente, sem perdas ou ganhos o valor
médio do benefício seria 58,5 anos de idade combinada com um tempo de contribuição
de 30 anos, pois é justamente nesse ponto onde o ganho seria próximo de zero (valor de
benefício basicamente igual). Para as mulheres, a perda média no valor do benefício é
bem maior que para os homens: 43,92%.
Para as aposentadorias por idade, na hipótese mínima de elegibilidade (15 anos
de contribuição para homens e mulheres e, respectivamente 65 e 60 anos de idade), caso
o fator previdenciário fosse aplicado, as perdas seriam: 40,40% para as mulheres e
43,04% para os homens (ver tabela 4). Deve-se, porém, considerar que, como o valor
médio do salário de contribuição é bem baixo para os indivíduos elegíveis para este
benefício (67% dos benefícios concedidos em 1997 eram inferiores a 2 SM), a perda
não seria desta monta, pois esbarrar-se-ia no valor mínimo para os benefícios. Além
disso, o Art. 7º da Lei define que a aplicação ou não do fator depende da escolha do
segurado, o que por definição elimina as perdas e a descontinuidade. Podemos verificar,
então, que para os homens abaixo de 26 anos de contribuição e para mulheres abaixo de
28 anos, é mais vantajoso não aplicar o fator previdenciário. É óbvio também que se
houver algum impacto da Lei nos gastos por idade, este impacto será o de aumentar os
gastos referentes a este benefício. Como o AEPS não disponibiliza nenhuma tabela
cruzando tempo de serviço na data de aposentadoria por idade, não é possível
quantificar o montante da diferença (que deve ser pequena pois basicamente só inclui
homens aposentando-se por idade com mais de 26 anos de serviço na DIB10 e mulheres
com mais de 28 anos de serviço).

10
Data de Início do Benefício.

18
Tabela 4 - Ganhos (+) e/ou Perdas (-) do Valor Médio do Benefício sob a Regra
Proposta vis a vis a Regra Pré Existente– Homens e Mulheres
(aplicação do fator para aposentadoria por idade)
Tempo de Mulheres Homens
Contribuição 60 65
15 -40,40% -43,04%
16 -37,31% -39,13%
17 -34,20% -35,21%
18 -31,08% -31,28%
19 -27,95% -27,33%
20 -24,81% -23,36%
21 -21,66% -19,38%
22 -18,49% -15,39%
23 -15,32% -11,39%
24 -12,13% -7,37%
25 -8,94% -3,33%
26 -5,73% 0,71%
27 -2,51% 4,77%
28 0,72% 8,85%
29 3,96% 12,94%
30 7,21% 17,04%
31 10,48% 21,16%
32 13,75% 25,29%
33 17,04% 29,43%
34 20,33% 33,59%
35 23,64% 37,76%

Já as tabelas 5 e 6 apresentam a comparação entre os benefícios produzidos pela


nova fórmula e aqueles que seriam atuarialmente justos11.

11
Adotando-se as mesmas hipóteses quanto aos salários e, ainda:
a) Taxa de desconto/capitalização = 3% a.a. (real)
b) Alíquotas de contribuição = 26% descontando as provisões para contingências não
programáveis, como morte, doença e invalidez (5% sobre o salário).
c) Esperança de vida da população, utilizando a mesma tabela do exemplo distribuído pelo
MPAS.

19
Tabela 5 - Ganhos (+) e/ou Perdas (-) do Valor Médio do Benefício sob a Regra
Proposta vis a vis o Atuarialmente Justo - Homens
Tempo de Idade na Aposentadoria
Contribuição 45 50 55 60 65
30 -24,72% -18,10% -11,10% -3,77% 3,84%
31 -25,76% -19,24% -12,35% -5,12% 2,37%
32 -20,38% -13,59% -6,47% 0,91%
33 -21,51% -14,82% -7,81% -0,54%
34 -22,64% -16,05% -9,14% -1,98%
35 -23,76% -17,27% -10,47% -3,42%
36 -24,87% -18,48% -11,78% -4,84%
37 -19,68% -13,09% -6,26%
38 -20,88% -14,39% -7,66%
39 -22,06% -15,67% -9,05%
40 -23,23% -16,95% -10,43%
41 -24,40% -18,21% -11,80%
42 -19,46% -13,15%
43 -20,71% -14,50%

Tabela 6 - Ganhos (+) e/ou Perdas (-) do Valor Médio do Benefício sob a Regra
Proposta vis a vis o Atuarialmente Justo - Mulheres
Tempo de Idade na Aposentadoria
Contribuição 40 45 50 55 60 62
25 -11,78% -2,36% 6,23% 15,30% 24,81% 28,71%
26 -13,49% -4,26% 4,15% 13,04% 22,36% 26,18%
27 -6,10% 2,15% 10,86% 19,99% 23,73%
28 -7,88% 0,21% 8,74% 17,70% 21,36%
29 -9,61% -1,68% 6,69% 15,47% 19,06%
30 -11,29% -3,52% 4,69% 13,30% 16,82%
31 -12,93% -5,30% 2,75% 11,19% 14,64%
32 -7,05% 0,85% 9,13% 12,52%
33 -8,74% -1,00% 7,12% 10,45%
34 -10,40% -2,80% 5,16% 8,43%
35 -12,02% -4,57% 3,25% 6,45%
36 -13,61% -6,29% 1,38% 4,52%
37 -7,98% -0,45% 2,63%
38 -9,63% -2,25% 0,78%
39 -11,25% -4,00% -1,04%
40 -12,84% -5,73% -2,81%
41 -14,40% -7,41% -4,55%
42 -9,07% -6,26%
43 -10,69% -7,94%

20
Constata-se que, segundo uma conta atuarial razoável, as perdas do valor dos
benefícios em relação à regra anterior, seriam bastante menores quando comparadas
aquelas obtidas pela aplicação do fator previdenciário. Por exemplo, para os homens
com 50 anos de idade e 30 anos de contribuição a perda seria de 18,10% (para a regra
proposta a perda é de 40,41%). Com 35 anos de contribuição a perda seria de 23,76%
(regra proposta 29,80%). A perda média calculada para os homens seria de 21,09%.
A perda média no valor dos benefícios para as mulheres seria de 4,90%, bem
menor ao valor calculado para o caso de aplicação do Fator (43,92%). A definição de
atuarialmente justo, obviamente, não é feita com qualquer taxa de desconto para
equalizar os valores presentes das contribuições e dos benefícios. Qualquer que sejam
os períodos e os valores das contribuições e benefícios, existe sempre uma taxa de
retorno que torna os dois valores presentes iguais. Na aproximação utilizada, ao
considerar os pagamentos pelo período da sobrevida, basta que se determine a taxa i que
satisfaça a equação:
Id − 1 Id + Es

∑ c /( 1 + i ) ( j − Id + Tc ) = (1 + i ) ∑ b /( 1 + i )
− Tc ( j − Id )

j = Id − Tc j = Id

(c − c /( 1 + i ) ) = (1 + i ) (b − b /( 1 + i )
Tc
− Tc
( Es + 1 )
)
i i
onde, em ambos os termos da igualdade, a referência é a data (ou idade) de entrada no
mercado de trabalho. No termo da direita, o somatório calcula o valor dos benefícios na
data da concessão, que é então, trazido à data de entrada no mercado de trabalho. Os
termos na equação (seguindo a notação introduzida no fator previdenciário) são:
Tc = Tempo de Contribuição;
Id = Idade de aposentadoria;
Es = Esperança de Sobrevida à idade de aposentadoria;
c = Valor da Contribuição (igual ao produto do salário de contribuição e a alíquota); e
b = Valor do Benefício (calculado utilizando-se o fator previdenciário).
As tabelas 7 e 8 e os gráficos 5 e 6 apresentam os valores das taxas de retorno
implícitas com os benefícios calculados, utilizando-se o fator previdenciário e valores
constantes de contribuição e benefício, respectivamente para o sexo masculino e
feminino. Na região correspondente a aposentadoria proporcional12, as taxas de retorno

12
Somente os indivíduos já participando do mercado de trabalho à época da promulgação da emenda
constitucional podem ainda requerer este benefício, e mesmo assim com um pedágio de 40% no tempo

21
para os homens variam de 0,26% a 2,28%, dependendo da idade e do tempo de
contribuição, mas são crescentes com o tempo de contribuição (incentivo positivo para a
postergação). Para as mulheres, os valores variam de 0,78% a 3,34%. Estes valores
serão, obviamente, menores se considerarmos o pedágio de 40% definido nas
disposições transitórias da emenda constitucional, podendo inclusive chegar a valores
negativos. Na região correspondente a aposentadoria integral (tempo de contribuição
acima de 35 anos para os homens e de 30 anos para mulheres), para uma dada idade, as
taxas de retorno diminuem como função do tempo de contribuição o que caracteriza um
incentivo perverso (quanto menos tempo se trabalhou, maior a taxa de retorno dada a
sua contribuição). Dada uma idade de aposentadoria, ter trabalhado mais tempo não
implica numa taxa de desconto maior. É verdade que esta taxa de desconto aumenta
com a idade de aposentadoria, mas neste caso o incentivo seria apenas de entrar mais
tardiamente no mercado de trabalho. O incentivo/desincentivo de adiar a aposentadoria
funciona de maneira distinta para homens e mulheres. Enquanto que os homens têm um
incentivo (pelo menos teoricamente) de, uma vez elegível para o benefício integral,
adiar a sua aposentadoria (já que a taxa de retorno aumenta com a postergação), o
inverso acontece com as mulheres. Por exemplo uma mulher com 55 anos e 30 anos de
serviço tem uma taxa de retorno implícita de 2,56%. Adiando em cinco anos a entrada
em gozo de benefício diminui a sua taxa de retorno para 2,52%. Adiando mais cinco
anos a taxa cai para 2,49% e com a idade de 70 anos e 45 de contribuição, a taxa passa a
ser 2,45%. A variação è de pequena monta, mas caracteriza não só tratamento
diferenciado entre os sexos, como incentivos/desincentivos de sinais opostos.
Tabela 7 - Taxa de Retorno Implícita no Fator Previdenciário - Homens
Tempo de Idade na Aposentadoria
Contribuição 45 50 55 60 65 70
30 0,26% 0,39% 0,54% 0,71% 0,90% 1,10%
31 0,69% 0,85% 1,04% 1,24% 1,46%
32 0,95% 1,13% 1,33% 1,54% 1,77%
33 1,18% 1,37% 1,58% 1,81% 2,05%
34 1,39% 1,59% 1,80% 2,04% 2,28%
35 1,57% 1,78% 2,00% 2,24% 2,49%
40 1,65% 1,85% 2,05% 2,27%
45 1,72% 1,90% 2,08%

remanescente para a elegibilidade. Os cálculos foram feitos sem o dito pedágio, já que este deve variar,
dependendo do tempo de contribuição já decorrido para o indivíduo específico. Levando-se em conta o
pedágio as taxas de retorno deverão ser menores do que as calculadas.

22
Gráfico 5 - Taxa Implícita de Retorno do Benefício Utilizando o Fator Previdenciário - Por
Tempo de Contribuição para Diferentes Idades na Data da Aposentadoria - Homens

3,0%

aposentadoria por tempo de contribuição integral


2,5%

2,0%
Idade

70
1,5%
65
60
55
1,0%
50
45
0,5%

aposentadoria por tempo de contribuição proporcional


0,0%
25 30 35 40 45 50

Tempo de Contribuição

Tabela 8 - Taxa de Retorno Implícita no Fator Previdenciário - Mulheres


Tempo de Idade na Aposentadoria
Contribuição 40 45 50 55 60 65 70
25 0,78% 0,96% 1,17% 1,40% 1,65% 1,94% 2,25%
26 1,23% 1,45% 1,69% 1,96% 2,26% 2,59%
27 1,47% 1,70% 1,95% 2,24% 2,55% 2,88%
28 1,68% 1,92% 2,18% 2,47% 2,79% 3,13%
29 1,87% 2,11% 2,38% 2,68% 3,00% 3,34%
30 2,03% 2,29% 2,56% 2,86% 3,18% 3,52%
35 2,04% 2,27% 2,52% 2,79% 3,07%
40 2,05% 2,26% 2,49% 2,72%
45 2,06% 2,25% 2,45%

23
Gráfico 6 - Taxa Implícita de Retorno do Benefício Utilizando o Fator Previdenciário - Por
Tempo de Contribuição para Diferentes Idades na Data da Aposentadoria - Mulheres

4,0%

aposentadoria por tempo de contribuição


3,5% integral

3,0%
Idade
2,5%
70
65
2,0%
60
55
1,5%
50

1,0% 45
40
0,5%
aposentadoria por tempo de contribuição
proporcional
0,0%
20 25 30 35 40 45 50

Tempo deContribuição

Em resumo, dadas as substanciais perdas nos valores de benefícios, o fator


previdenciário poderá, de fato, produzir reduções importantes nos déficits do INSS.
Cabe, no entanto, ressaltar que, ao contrário do que se vem divulgando, não se trata de
uma fórmula atuarial, mas de algo bastante arbitrário e, portanto, passível de severos
questionamentos no campo técnico e jurídico. Aliás, neste sentido, contraria o disposto
pela Emenda Constitucional n.° 20 que determina critérios atuariais.
Por outro lado, a argumentação de que pertence ao segurado a escolha de uma
data posterior para sua aposentadoria, de modo a minimizar as perdas ou mesmo obter
um benefício maior, é bastante falacioso. Como já foi discutido, a enorme preferência
intertemporal pela liquidez, principalmente em um país com regras instáveis como o
Brasil, quase que certamente, fará com que todos os segurados optem por exercer o
direito à aposentadoria por tempo de contribuição assim que for possível. Por outro
lado, a decisão de permanecer ou não em atividade, não é uma decisão unilateral do
empregado, mas determinada pelo mercado de trabalho. Este último fato é ainda mais
crítico quando se considera que o conjunto de trabalhadores que será atingido é
exatamente aquele da faixa etária média, onde as condições de empregabilidade são
atualmente problemáticas. A introdução do fator previdenciário pode, no máximo, ser
considerada como um ajuste bastante questionável do atual sistema.

24
4. Comentários Finais

A definição do que deve ser um plano de previdência básica envolve,


necessariamente, algum grau de arbitrariedade. De fato, qualquer que seja a “solução
técnica” quanto a variáveis-chave, tais como teto de contribuições e de benefícios, taxa
de reposição salário/benefício, idades-limite de aposentadoria, tempo mínimo de
contribuição, fórmula de cálculo dos benefícios, haverá sempre alguma perda de
eficiência do sistema. A pergunta que se coloca é se decisões baseadas em padrões
médios são razoáveis; mais ainda, questiona-se a própria necessidade de se tomar
padrões médios em uma sociedade tão diversificada como a brasileira.
Os objetivos de qualquer reforma previdenciária devem, portanto, ser
direcionados para o aperfeiçoamento do sistema, atendendo aos critérios básicos de
eqüidade e de equilíbrio financeiro-atuarial. Se o processo de ajuste do RGPS avançou
substancialmente até o momento, também se pode dizer que o mesmo ainda está longe
de se completar. Isto significa que, durante os próximos anos, novas e vigorosas
medidas se farão necessárias para assegurar tanto a equidade quanto a viabilidade
atuarial-financeira do sistema.

25
5 - Bibliografia:

BELTRÃO, K. I.; OLIVEIRA, F. E. B. DE; MANIERO, L. V. F.; Alíquotas Equânimes para


um Sistema de Seguridade Social, Texto para Discussão n.º 524, IPEA, Outubro de
1997.
BELTRÃO, K. I., OLIVEIRA, F. E. B. DE; SOUZA, M. C. DE, GOMES, L. P. C. DA S;
MENDONÇA, J. L. de O.; MAPS – Uma Versão Amigável do Modelo Demográfico –
Atuarial de Projeções e Simulações de Reformas Previdenciárias IPEA/IBGE. - pacote
computacional.
BRUNETTI A.; KISUNKO, G.; WEDER, B.; Credibility of Rules and Economic Growth:
Evidence from a Worldwide Survey of the Private Sector. The World Bank Economic
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Emenda Constitucional n.º 20 de 16 de dezembro de 1998.
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MARTINEZ, Wladimir Novaes, "A Problemática em Matéria de Previdência Social:
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abr/1993.
Ministério da Previdência e Assistência Social - MPAS - Informe de Previdência Social,
Junho de 1999, vol. 11, n.º 06.
OLIVEIRA, Francisco E. B de, SOUZA, Mirian Carvalho de. O envelhecimento
populacional e a Previdência Social no Brasil. In: Como Vai? População Brasileira.
Brasília, DF: IPEA, 97. 28 p. p. 25-27

26

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