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A PEC 32 : REFORMA ADMINISTRATIVA?

NÃO: O ESTADO À SERVIÇO DA


ACUMULAÇÃO DA RIQUEZA

SINDUFAPE –UFAPE-GARANHUNS
21/12/2021
Paulo Rubem Santiago – Professor da UFPE
A compreensão da totalidade para a compreensão da PEC 32 (1)

Há pelo menos duas décadas, o Brasil vive uma longa caminhada de


intervenções políticas, jurídicas, orçamentárias, fiscais e financeiras, que
atravessam diversos governos, sobretudo por meio de emendas constitucionais
e leis complementares,
Nesse contexto, todo o processo orçamentário, desde 2000, tem sido conduzido,
em primeiro plano, para garantir a formação de um saldo de receitas fiscais a
serem aplicadas visando a sustentabilidade da divida publica como proporção
do Produto Interno Bruto, via pagamento de juros e amortizações;
Por isso, os atuais mecanismos de gestão do tesouro nacional e dos orçamentos
públicos vem, pelo menos, desde os anos de 1999 e 2000, com a Lei
Complementar 101, atendendo àquele objetivo, sem nenhuma alteração
estrutural desde então;
A compreensão da totalidade para a compreensão da PEC 32 (2)

Receitas de impostos e contribuições: Arena de disputa para a acumulação de


capital, pautada por sua migração da esfera produtiva para a esfera financeira, com
negócios em ações, títulos públicos, moedas, derivativos e produtos no mercado
futuro (petróleo, minério de ferro, produtos agrícolas etc) (LOPREATO,2006).
A arrecadação total auferida pelo Tesouro Nacional de forma regressiva, indireta e
desigual, está próxima de 1/3 da riqueza que a sociedade produz, um expressivo
volume de recursos a serem disputados entre a maioria da sociedade e o capital
improdutivo, aplicado nos títulos do tesouro nacional, emitidos e leiloados pelo próprio
tesouro, como também leiloados pelo Banco Central.
Dessa forma se explica o constante ataque da mídia e dos interesses financeiros aos
direitos dos servidores públicos, aos serviços públicos e ao financiamento das políticas
sociais, com o congelamento e corte de gastos não-financeiros, como previsto na EC
95/2016.
Fontes interessantes para entendermos esse processo
Outro aspecto relevante

Seja na esfera pública ou privada, toda proposta de reforma pressupõe uma


diagnóstico preliminar assentado em categorias de análise
A partir desse diagnóstico apontam-se ações, iniciativas, reformas, alterações legais
e administrativas para a retomada das atividades do que se pretende reformar
Assim como na proposta do Programa FUTURE-SE, em 2019, não há diagnóstico, nem
são apresentadas categorias de análise
E o próprio governo quem transforma seu discurso em diagnóstico ou fundamento
para as “ reformas “ que sugere. Vejamos abaixo:
“Apesar de contar com uma força de trabalho profissional e altamente qualificada, a
percepção do cidadão, corroborada por indicadores diversos, é a de que o Estado
custa muito, mas entrega pouco.” ( Paulo Guedes, Exposição de Motivos da PEC 32).
Onde estão os indicadores? Nenhum relatório ou diagnostico é apresentado.
A PEC e o debate desonesto acerca da reforma administrativa
A quem deve atender a reforma?

Para Caio Mário Paes de Andrade, Secretário de Desburocratização


envolvidos na defesa da Reforma, a ideia “é sinalizar aos agentes
econômicos que o dever de casa está sendo feito”.

Segundo ele o cenário atual do orçamento, com aumento contínuo dos


gastos com pessoal e previdência é “insustentável”, e o investimento
público tende a zero.
( Desse modo, a “culpa “ pela incapacidade de investimento do Estado
e, assim, atribuída aos gastos com servidores públicos).
O governo, admitiu, se aproxima de “não conseguir pagar a folha”. Será
verdade isso?
Relatório resumido da execução orçamentária 2020
Que despesas comprometem o pagamento da folha? (2020)

Pessoal e Encargos Sociais - Liquidadas – R$ 316.805.616.000,00


Juros e Encargos da Dívida Pública – Liquidadas –R$ 346.683.921.000,00
AmortiZação da Dívida Pública – Liquidadas – R$ 311.531.191.000,00
Refinanciamento da Dívida Pública– Liquidadas – R$ 723.323.377.000,00

FUNÇÃO EDUCAÇÃO – Liquidadas – R$ 92.057.853.000,00


FUNÇÃO SAÚDE – Liquidadas – R$ 152.857.680.000,00
ENCARGOS ESPECIAIS – Liquidadas – R$ 1.161.431.809.000,00
Do que se constituem os Encargos Especiais?

 Refinanciamento da Dívida Interna (841),


 Refinanciamento da Dívida Externa (842),
 Serviços da Dívida Interna (843),
 Serviços da Dívida Externa (844),
 Transferências (845) e
 Outros Encargos Especiais (846).

Em 2020 : Função “Encargos Especiais” : R$ 1,161 trilhão de reais.


(https://siswameb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:37123.)
Quem compromete o equilíbrio entre receitas e despesas?
83,89% da NFSP vem da divida interna e externa.
A preocupação central não é com o serviço público, mas...
https://valor.globo.com/brasil/coluna/duvidas-sobre-a-solvencia-d
a-divida.ghtml
(*)
A saída para a economia, no período pós-pandemia, é retomar a agenda de reformas
com foco na solvência da dívida interna. A dívida bruta como % do PIB terá uma
escalada, saindo de 75,5% para casa dos 90% do PIB este ano.
Esta preocupação ficou clara, durante o debate ontem, na Câmara, entre os
economistas Armínio Fraga, Ilan Goldfajn, ex-presidentes do Banco Central, Ana Paula
Vescovi, ex-Secretária do Tesouro Nacional, e Edmar Bacha, um dos responsáveis
pelo Plano Real.
(*) Texto de Cláudia Safatle, 29 de maio de 2020.
A Reforma é mais uma peça nessa engrenagem que
vem desde a CF 1988, a LC 101/ 2000, as LDOs e LOAS
desde então, a EC 95, a Reforma da Previdência , a EC
106, a EC 109, a PEC 187, a PEC 188 ...

Porque a Proposta de Reforma Administrativa não visa aprimorar o serviço público,


posto que não parte de um diagnóstico de suas atuais condições de prestação,
quadros e pessoal, cobertura e qualidade do serviço oferecido à população
A proposta visa:
Reduzir o tamanho do Estado a partir de suas despesas com os servidores para dar
continuidade aos esforços do “Novo Regime Fiscal para a Sustentabilidade da Dívida
Pública” ( EC 95/2016) e a transformação da Dívida Pública em âncora fiscal do
Estado (PEC 188/2019).
Uma reforma desonesta, sem diagnóstico e caluniosa
Onde está o diagnóstico da situação atual do serviço público?
Novos “vínculos” para aumentar a fragilidade funcional, a
instabilidade do servidor e o poder de mando do executivo
Visa transformar a administração pública e alcançar altos índices de
produtividade, oferecendo serviços de qualidade aos cidadãos a
um custo mais baixo (Texto oficial)
“Serviço de qualidade (1) a um custo mais baixo (2)”

Nenhuma reforma séria começa sem um diagnóstico ( 1 + 2 )


Nenhum diagnóstico ocorre sem uma investigação
Nenhuma investigação começa sem a escolha de um método para tal
Quem define o método é a pergunta que faço para realizar uma
investigação
-Quais são as perguntas subjacentes à decisão de investigar?
-Que categorias de análise guiarão a investigação?
A “Reforma” proposta pela PEC 32/2020 não tem nenhuma relação com as
questões anteriores
Texto oficial de Paulo Guedes assinado na exposição
de motivos da PEC 32/2020

“ A proposta foi elaborada para viabilizar a prestação de serviço


público de qualidade para os cidadãos, especialmente para aqueles
que mais precisam, a partir de três grandes orientações: (a) modernizar
o Estado, conferindo maior dinamicidade, racionalidade e eficiência à
sua atuação; (b) aproximar o serviço público brasileiro da realidade do
país; e (c) garantir condições orçamentárias e financeiras para a
existência do Estado e para a prestação de serviços públicos de
qualidade.
O quer
compromete o
orçamento do
Estado?
PLOA 2022
O viés fiscalista (*) se impõe em
detrimento das perguntas essenciais
Para quê e para quem serve o serviço público?
Quais são suas metas?
- Em função disso, como deve ser estruturado o serviço público?
- Como deve ser estruturado o trabalho do servidor público?
• Admissão, Titulação e Desempenho no serviço público
• Salários, progressões e carreiras
• Afastamentos, licenças e aposentadorias
• Outros quesitos ( ocupação de cargos de direção, CCs e FGs)
(*) Preocupação exclusiva com o custo do serviço público para as
despesas do tesouro da União, Estados e Municípios
IPEA CARTA DE CONJUNTURA 48, 3o. TRIMESTRE 2020
PLOA 2021 : Quadro detalhado de despesas
Receita total com operações de refinanciamento - R$ 4,147 trilhões de reais
Orçamento fiscal - R$ 1,68 trilhão de reais
Orçamento da Seguridade Social - R$ 861,04 bilhões de reais
Operações de Crédito para refinanciamento - R$ 1,603 trilhão de reais
Juros e Amortizações: R$ 2,236 trilhões de reais ( Juros: R$ 362,618 bilhões)
Pessoal e Encargos Sociais: R$ 363,64 bilhões de reais (OF + OSS)
Orçamento de Investimento das Estatais : R$ 144,29 bilhões de reais
Orçamento de Investimento ( OF/OSS): R$ 23 bilhões de reais !!
Refinanciamento / Orçamento de Investimento (OF/OSS)= 70,8 vezes maior !!
Operações compromissadas do BC com os bancos (
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/593096/RAF56_SET2021.pdf )
Para quê e para quem serve o serviço público?

O serviço público é o meio primordial pelo qual o Estado atende aos


objetivos da República Federativa do Brasil
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A crise atual e as soluções do capital

1. Aprofundar as reformas neoliberais baseadas no ajuste fiscal e na reforma


administrativa do Estado, com o fim da estabilidade do servidor público. Para isso é vital
fortalecer o atual bloco hegemônico no poder ( ter o “Centrão” e demais partidos de
direita aliados ao atual governo)
2. Encerrar ou reduzir o impacto das vinculações orçamentárias obrigatórias para
Educação e Saúde. (PEC 188/2019)
3. Mudar a natureza da tributação aumentando seu percentual sobre o consumo, sob o
argumento da “simplificação tributária”
4. Consolidar a submissão do Estado à dívida pública (PEC 188/2019)
5. Entregar ativos ( Eletrobras,Petrobras, bancos públicos e empresas estaduais de
saneamento ) ao capital privado
6. Encerrar a correção real do salário mínimo
Consequências

Transferência ao setor privado, conveniado e organizações sociais do


planejamento, execução e avaliação de politicas públicas
Exemplos:
Novo marco regulatório do saneamento;
Aumento de concessões de serviços públicos;
Auxilio Brasil com vauchers para creches conveniadas;
Tentativa de aprovação do “Future-se”, vinculando o financiamento da C & T
aos fundos financeiros e contratos com OS na gestão das IFES;
Precarização do financiamento de Educação e Saúde com unificação de suas
vinculações orçamentarias constitucionais (PEC 188/2019)
Inversão de papéis
No Brasil, os relatórios da execução orçamentária do tesouro nacional comprovam que não
é mais o endividamento que ajuda o Estado a se financiar, além das receitas tributárias.
Pelo contrário, através das politicas monetária e cambial, da manipulação do diagnóstico
da inflação (“inflação de demanda”)e da taxa básica de juros, a SELIC, o Estado passou a ser
o maior agente de financiamento da acumulação do capital por meio dos juros e do
refinanciamento da dívida
Esse diagnóstico faz com que o Banco Central opere para retirar de circulação e oferta as
sobras de caixa dos bancos, entregando-lhes títulos públicos, remunerando-os com a taxa
SELIC
O estudo da composição e da variação do IPCA, índice oficial da inflação, com informações
disponíveis na pagina do IBGE, mostra isso com clareza. Nem todos os grupos de preços
( são nove) contidos no IPCA são reduzidos com a elevação da taxa de juros.
Um enfrentamento unitário

Os servidores públicos e demais trabalhadores devem analisar que as


reformas em pauta, amparadas nas que as antecederam, em especial na LC
101/2000, na EC 95/2016, na EC 106/2020 e 109/2021,reorientam o Estado
não para as funções distributiva e alocativa de riqueza, mas, sim, para a
função acumulativa, sobretudo na esfera financeira da divida pública;
Assim, é necessario unificarmos a análise e as ações , sobretudo nas áreas de
Educação, Saúde, Assistência Social, C & T, não apenas para resistirmos aos
cortes orçamentários, mas, sobretudo, para construirmos uma Universidade
Necessária, vinculada a um projeto de nação e soberania, e não a um modelo
dependente de internacionalização que perpetua a divisão internacional do
trabalho e do conhecimento, sob a direção da acumulação capitalista.
Sugestão de referências
Arrecadação, de onde vem? Gastos públicos, para onde vão? João Sicsu (Org.), São
Paulo, Boitempo, 2007.
Economia e Política das finanças públicas no Brasil, de Fabrício Antônio de Oliveira,
(Professor Titular Aposentado da Unicamp), São Paulo, HUCITEC, 2009.
O juro da notícia, de Paula Puliti, Florianópolis, Insular, 2013.
Economia, Dinheiro e Poder Político, de Gerson Lima (UFPR), Curitiba, Ibpex, 2008.
A finança mundializada, de François Chesnais (Org.), São Paulo, Boitempo, 2005.
Acumulação de capital, Rosa de Luxemburg, São Paulo, Nova Cultural, 1985
A era do capital improdutivo, Ladislau Dowbor, São Paulo, Autonomia Literária, 2017
Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo, Belluzo & Galípolo, Campinas,
Facamp, Contracorrente,2017.
Teses
Fábio Guedes Gomes – Acumulação de capital via Dívida Pública:
Contribuição para uma critica a razão da crise fiscal, UFBA, 2007.
Luiz Fernando Reis - Dívida Pública, Política Econômica e o
Financiamento das Universidades Federais nos Governos de Lula e
Dilma, Uerj, 2015,
José Carlos Braga – Temporalidade da Riqueza: teoria da dinâmica e
financeirização do capitalismo, Unicamp, 1985
Maurício Luperi – Três ensaios críticos sobre o processo de
matematização recente da economia no Brasil e no Mundo, FGV-SP,
2012.
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