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ENTIDADES QUE

APOIAM ESTA
PUBLICAÇÃO
SERVIDORES PÚBLICOS
CIVIS COLABORADORES

ORGANIZADORES: Bráulio
Santiago Cerqueira e José Celso
Cardoso Jr.

COLABORADORES: Cleandro
Krause, Emílio Chernavsky,
Eugênio Santos, Félix Lopez,
Fernando Gaiger, Jorge
Abrahão de Castro, José Carlos
dos Santos, Otávio Ventura,
Wilnês Henrique.

As opiniões aqui emitidas são de


responsabilidade dos autores e
colaboradores.

EDITORIAL APD
Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia

PROJETO GRÁFICO,
DIAGRAMAÇÃO, GRÁFICOS
E TABELAS: Lucivam Queiroz e padrão cromático #be1622 #432918 #575756

Marcelo Rubartelly

R: 189 R: 66 R: 87
AGRADECIMENTOS: Humberto G: 22 G: 41 G: 87
B: 44 B: 24 B: 86
Leite e Matheus Dutra
C: 15 C: 50 C: 0
M: 100 M:70 M: 0
Y: 90 Y: 80 Y: 0
K: 10 K: 70 K: 80
SUMÁRIO
1 Introdução 7
Contornos da Reforma Administrativa Bolsonaro

2 Mitos liberais sobre o Estado brasileiro 11


mito 1 O Estado é muito grande e a máquina pública
está inchada 11

mito 2 As despesas com pessoal da União são muito


altas e estão descontroladas 14

mito 3 O RPPS Federal é insustentável 16

mito 4 O Estado é intrinsecamente ineficiente 17

mito 5 A estabilidade do funcionalismo é um


privilégio e é absoluta 20

mito 6 O dinheiro do governo acabou 21

mito 7 As reformas da previdência, administrativa


e microeconômicas vão recuperar a confiança dos
investidores privados, o crescimento e o emprego 22

3 Bases para um serviço público de qualidade 25

4 Diretrizes para uma Reforma Administrativa


republicana e democrática 29

5
1 INTRODUÇÃO
Contornos da Reforma
Administrativa Bolsonaro

E
stá em curso o anúncio e desdobramen- timento social. Tudo, inclusive estatais lucra-
to da chamada Reforma Administrativa. tivas, está ou será posto à venda. Já o teto de
Seu contexto mais amplo remete à crise gastos primários constitucional (juros e dívida
econômica-fiscal-política-institucional pela excluídos) implantado em 2017 por 20 anos,
qual passa o país desde 2015 e às tentativas que desestrutura a máquina pública e impede
de respostas dos governos que se sucederam os investimentos sociais de acompanharem
orientadas por: o crescimento da população e das receitas,
A redução do tamanho/papel do Estado deverá ser mantido a qualquer custo por meio
na economia e na proteção social; e da quebra do piso das despesas obrigatórias2.
B compressão do gasto público.
A Reforma da Previdência, PEC 6/2019, cen-
No discurso oficial, a melhoria do ambiente trada na postergação da aposentação e na
de negócios e o ajuste fiscal resgatariam a redução de benefícios, que no Regime Geral
confiança e o investimento privado, nacional alcançam em média R$ 1.280,003, responde
e estrangeiro, recolocando a economia bra- a esta lógica. Isoladamente o maior item de
sileira na trilha da eficiência, produtividade e despesa do Governo Federal, a previdência
crescimento.1 pública, como outras políticas sociais previs-
tas na Constituição de 1988, “não cabe mais
Insensível aos efeitos reais de tal estratégia, no orçamento”, de acordo com o discurso
dentre os quais a estagnação econômica, o conservador. O governo atual, aliás, com a
desemprego elevado, o aumento da pobreza proposta de capitalização, pretendia privatizar
e a volta do país ao mapa da fome, além dos a Seguridade Social, no que foi impedido pelo
próprios resultados fiscais que não melho- Congresso. O achatamento dos benefícios, no
ram, a política econômica hoje dobra a aposta entanto, passou na Câmara e no Senado.
na agenda de venda/entrega do patrimônio
público e de contenção do gasto e do inves- E agora a Reforma Administrativa. Depois do

1 Esta ideia do ajuste fiscal expansionista ecoa na cartilha Uma Ponte para o Futuro do MDB elaborada em 2015 e no
Programa de Governo do PSL vencedor das eleições presidenciais de 2018. Para uma reatualização da ideia em um
contexto em que já surgem dúvidas sobre a viabilidade do teto de gastos, Por que o governo deve cortar gastos para
o Brasil crescer, de Marcos Lisboa, Marcos Mendes e Marcelo Gazzano, Folha de São Paulo, 08/09/2019.

2 Para críticas recentes à visão oficial da política fiscal orientada pela austeridade ver Por que cortar gastos não é a
solução para o Brasil ter crescimento vigoroso de Esther Dweck, Fernando Maccari Lara, Guilherme Mello, Julia Braga
e Pedro Rossi, Folha de São Paulo, 14/09/2019, e O dinheiro não acabou nem irá acabar, mas a democracia corre
riscos de Bráulio Santiago Cerqueira, Congresso em Foco, 08/09/2019.

3 Boletins Estatísticos da Previdência Social, vários números.

7
Reforma Administrativa do Governo Federal

Regime Geral de Previdência Social, o segun- pacote de medidas sobre o tema. No entanto,
do maior item de gasto primário do Gover- suas linhas mestras foram explicitadas em uma
no Federal são as despesas com pessoal e série de entrevistas de autoridades, artigos de
encargos, que englobam salários de civis e opinião, documentos oficiais e até mesmo por
militares dos três Poderes, incluindo ativos, meio de publicações de órgãos multilaterais
aposentados e pensionistas. Como frear ou propagadores das reformas para o mercado7.
reduzir o gasto com pessoal, em torno de R$ Quatro eixos podem ser delineados:
300 bilhões anuais4, se atualmente vigora a
estabilidade no funcionalismo e a irreduti- i reduzir despesas com o funcionalis-
bilidade salarial? Esta é a questão central a mo civil, o que envolve: adiamento por
orientar as propostas de Reforma Adminis- tempo indefinido de concursos; prio-
trativa desde o início da crise e, em particular, rização de formas de contratação via
nos governos Temer e Bolsonaro. terceirização e contratos temporários
(Decreto 9.507/2018); rebaixamento
Uma primeira parte da resposta é encontra- dos salários de entrada com alinha-
da na própria Reforma da Previdência (PEC mento em relação ao setor privado;
6/2019) que atinge duramente os servido- revisão das tabelas de progressão no
res civis federais do Regime Próprio (RPPS). sentido se estendê-las no tempo e im-
Primeiro com a elevação da contribuição pedir que todos os servidores cheguem
previdenciária, que na margem, para maiores ao topo remuneratório; possibilidade de
remunerações, chega a 22% do salário. De- redução forçada de jornada com dimi-
pois com regras de transição que, em alguns nuição proporcional de salários (PEC
casos, amplia em 10 vezes o tempo faltante 438/2018);
para se aposentar. Finalmente, com o rebai-
xamento dos benefícios dos que ingressaram ii flexibilizar a estabilidade: nova regula-
entre 2004 e 2013 no serviço público. So- mentação da demissão por insuficiência
mando-se tudo, as perdas na aposentadoria de desempenho (PLS 116/2017);
futura irão variar entre 10% e 50%5. O curioso
é que, como veremos adiante, as necessida- iii enxugar radicalmente o número de
des de financiamento do RPPS Civil Federal carreiras: reduzir o número de carreiras
já foram equacionadas no médio prazo pela do Executivo das cerca de 310 atuais
introdução da Previdência Complementar em para 20 ou 30; centralizar a gestão do
2013. Enquanto isso, as reservas remuneradas RH ampliando a disciplina sobre a força
e pensões militares, pela proposta do governo, de trabalho; facilitar a mobilidade entre
passarão por ajuste brando, mais do que com- órgãos;
pensado pelos benefícios advindos de nova
estrutura remuneratória a ser implantada6. iv obstaculizar a organização e a atua-
ção sindical: proibição do desconto em
Já os detalhes específicos da Reforma Ad- folha da contribuição voluntária sin-
ministrativa ainda não são conhecidos – o dical e associativa dos servidores (MP
Executivo promete o envio ao Congresso de um 873/2019, que não prosperou no Con-

4 Resultado do Tesouro Nacional, set 2019

5 A reforma da previdência e os servidores, FONACATE, 2019.

6 PL de reestruturação das Forças Armadas, Governo Federal, 2019.

7 Ver, por exemplo: i. MPDG, Transição de Governo 2018-2019; ii. A Reforma do RH do Governo Federal, de Ana Carla
Abrão Costa, Armínio Fraga e Carlos Ari Sundfeld, Série Panorama Brasil, Oliver Wyman, 2018; iii. Ofício Circular
2/2019 SGDP/ME.; iv. Gestão de pessoas e folha de pagamentos no setor público brasileiro: o que os dados dizem,
Banco Mundial, 2019.

8
Contornos, mitos e alternativas

gresso, mas que ensejou a apresentação pelas políticas de austeridade centradas nos
do PL 3.814/2019 no mesmo sentido); cortes de despesa que dificultam a retomada
exigência de compensação do ponto em dos investimentos e do crescimento, des-
caso de ausência motivada por ativida- protegem quem mais precisa dos serviços
de sindical (Instrução Normativa 2 SGP/ públicos de saúde, educação e assistência,
MPDG/2018). e desorganizam, ao invés de aperfeiçoar, a
administração governamental.
A nova orientação do RH do serviço público,
afirma-se, visa incrementar a produtividade (Des)informada por mitos, a profecia liberal
por meio de estímulos individuais à concor- parece se confirmar: Estado e servidores não
rência no interior da máquina, e ao mesmo cuidam do que fazem ou fazem mal o que se
tempo combater supostos privilégios, tais propõem. Oculta-se, assim, a contribuição
como a estabilidade no emprego. das próprias reformas liberais e da auste-
ridade para a desestruturação das políticas
Na prática, a Reforma Administrativa é con- públicas por elas combatidas.
dicionada pela ideologia do Estado mínimo e

9
2 MITOS LIBERAIS SOBRE
O ESTADO BRASILEIRO

A
s respostas governamentais à crise a Reforma Administrativa em curso, quais
brasileira bem como as linhas mestras sejam:
da Reforma Administrativa se apoiam,
implícita ou explicitamente, em visão distor- •• o Estado é muito grande e a máquina
cida do Estado brasileiro, da máquina pública pública está inchada;
e dos servidores. •• as despesas com pessoal na União são
muito altas e estão descontroladas;
É imperioso, por conseguinte, apresentar ao •• o Regime Próprio de Previdência dos Ser-
conjunto da sociedade – que é quem usufrui vidores (RPPS) federal é insustentável;
serviços públicos e se beneficia ou sofre com •• o Estado é intrinsecamente ineficiente;
as falhas de desenho, implementação e ava- •• a estabilidade do funcionalismo é um
liação das políticas públicas – informações e privilégio e é absoluta;
dados qualificados sobre o tamanho, funcio- •• o dinheiro do governo acabou;
namento e produção da máquina pública. •• as reformas da previdência, administra-
tiva e microeconômicas vão recuperar a
Na sequência, tratamos dos mitos mais confiança dos investidores privados, o
frequentes sobre o setor público e a econo- crescimento e o emprego.
mia que, das mais variadas formas, orientam

O Estado é muito grande e a

MITO 1 máquina pública está inchada

MEDIR E AVALIAR O TAMANHO DO ESTADO chamada “questão social” era tratada como
requer, antes de tudo, considerar o projeto de caso de polícia na República Velha. Nessas
desenvolvimento pretendido e a sociedade e o condições, a tributação concentrava-se sobre
país que se almeja construir. Afinal, o Estado importações, não chegando a 10% do PIB, e
é grande em relação a quê? o principal corpo burocrático no interior do
Estado dizia respeito ao Exército. Educação,
No séc. XIX e princípios do século XX, o Brasil saúde, assistência e previdência públicas não
era uma economia primário-exportadora vol- compunham a agenda de governo.
tada à produção de poucos produtos agrícolas
e minerais para os países industrializados. Ao longo do processo de industrialização no
A população concentrava-se no campo e a século XX, a estrutura produtiva se diversifi-

11
Reforma Administrativa do Governo Federal

cou, o país se urbanizou e o papel do Estado EUA e Japão no pós-II Guerra Mundial.
na economia e sociedade se complexificou,
seja na coordenação dos investimentos, na Tomando por referência estes países, grosso
provisão de infraestrutura, na regulação do modo o núcleo da Organização para Coopera-
trabalho etc. Com avanços e retrocessos, à ção e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e
consolidação das leis do trabalho em pleno mesmo em meio ao declínio das políticas do
Estado Novo nos anos 1940, seguiram-se o Estado de Bem-Estar Social praticadas nas dé-
restabelecimento dos direitos civis e políti- cadas anteriores, o Estado brasileiro tributa e
cos entre 1945 e 1964, novo fechamento do emprega menos do que a média internacional:
regime entre 1964 e 1985, e finalmente a A em 2015, a carga tributária bruta no
redemocratização daí em diante. Brasil, três níveis de governo, chegou a
35,6% do PIB contra 42,4% da média
Foi somente com a volta da democracia e com da OCDE;
a Constituição Federal de 1988 que se incor- B enquanto isso, os empregados no setor
porou explícita e tardiamente entre os direitos público brasileiro, novamente nos três
fundamentais brasileiros o conjunto dos di- níveis da federação, somaram 12,1% da
reitos sociais, na linha dos direitos de segunda população ocupada contra uma média
geração consolidados nos países europeus, de 21,3% na OCDE.

// GRÁFICO 1: ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA COMO % PIB –


PAÍSES SELECIONADOS X BRASIL EM 2015
56,0

49,6
55,4
55,2
53,0
51,9
51,5

48,0
47,8
47,3
45,2
45,2
44,5
44,5
44,4
43,3
42,4
42,0
41,2
40,7
39,8

38,4
38,2
39,7
38,5

38,0
37,5
37,2
35,6
35,3
34,9
34,4
34,0
33,9
33,6
33,1
33,1
24,5
19,8
MÉDIA DA OCDE
REPÚBLICA TCHECA

INDONÉSIA
GRÃ-BRETANHA
MÉDIA DA OCDE

CORÉIA DO SUL
LUXEMBURGO
DINAMARCA

FINLÂNDIA

HOLANDA

ESPANHA

IRLANDA
POLÔNIA
ÁUSTRIA

ÁUSTRIA
ESTÔNIA
GRÉCIA
SUÉCIA

BRASIL

CHILE
PRT

Fonte: OCDE / Elaboração própria

// GRÁFICO 2: EMPREGADOS NO SETOR PÚBLICO COMO % TOTAL


DA OCUPAÇÃO – PAÍSES SELECIONADOS X BRASIL EM 2015
34,9
34,6
34,0
31,2
28,1
27,2
26,8
26,1
23,1
25,2

12,1
11,8
24,7
23,5
22,9
22,6
21,7
21,5
21,3
20,4
19,8
18,4
17,3

12,4
17,1
16,4
15,4
12,9

10,7
7,9
7,6
NOVA ZELÂNDIA

CORÉIA DO SUL

MÉDIA DA OCDE
REPÚBLICA TCHECA

GRÃ-BRETANHA

MÉDIA DA OCDE
LUXEMBURGO
ESLOVÁQUIA
DINAMARCA

ALEMANHA
ESLOVÊNIA

AUSTRÁLIA

PORTUGAL
NORUEGA

ESPANHA
HUNGRIA

UCRÂNIA
IRLANDA
POLÔNIA

TURQUIA
BÉLGICA
ESTÔNIA

CANADÁ
FRANÇA

MÉXICO
GRÉCIA
SUÉCIA

BRASIL
LÁTVIA

JAPÃO
ITÁLIA

CHILE

Fonte: OCDE / Elaboração própria

12
Contornos, mitos e alternativas

Em estudos publicados desde o início dos suficiente para repor o mesmo esto-
anos 2000 no Brasil, vários deles pelo IPEA e que e percentual de servidores ativos
listados na Plataforma Atlas do Estado Bra- existentes em meados da década de
sileiro8, uma gama atualizada de informações 1990. Seja sobre a população residente,
sobre pessoal empregado, remunerações, população em idade ativa ou sobre a
diferenças territoriais e de gênero, despe- população ocupada, o crescimento do
sa global de pessoal no setor público, etc. percentual de servidores dos três entes
para os três níveis federativos e para os três até 2018 é leve. Na verdade, ocorreu
poderes da República, vem destacando alguns um crescimento mais que proporcional
fatos empíricos relevantes, tais como: do emprego no setor privado do que no
setor público. No caso dos servidores
i O movimento de recomposição de federais ativos, o quantitativo total em
pessoal no setor público brasileiro, ob- 2018 (655 mil) é inferior ao quantitati-
servado desde o início dos anos 2000, vo observado em 1991.
não foi explosivo e se mostrou apenas

// GRÁFICO 3: VÍNCULOS NO SETOR PÚBLICO E SETOR PRIVADO (1995-2016)


2001
2002
1995
1996
1997
1998
1999
2000

2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
70.000.000 4.0

Taxa de crescimento médio anual


Vínculos Privados 3.8
60.000.000
Vínculos Públicos 3.6

50.000.000 3.4
Crescimento Privado
3.2
40.000.000
3.0

30.000.000 Crescimento Público 2.8

2.6
20.000.000
2.4

10.000.000 2.2

2.0

Fonte: Atlas do Estado Brasileiro, Ipea. Elaboração própria

// GRÁFICO 4: TOTAL DE SERVIDORES FEDERAIS CIVIS ATIVOS (1991-2018)


750.000

700.000

650.000

600.000

550.000

500.000

450.000

400.000
1991
1992
1993
1994

2001
2002

2004

2008
1995
1996
1997
1998
1999
2000

2003

2005
2006
2007

2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018

Fonte: Atlas do Estado Brasileiro, Ipea. Elaboração própria

8 http://www.ipea.gov.br/atlasestado/

13
Reforma Administrativa do Governo Federal

ii Ao longo deste período de recomposi- escolarização, indicando a possibi-


ção de pessoal na primeira década do lidade de maiores impactos sobre
século, houve, em particular no Go- a produtividade agregada do setor
verno Federal, reforço de carreiras em público;
áreas estratégicas, tais como: ensino b são, em média, como a população
técnico-profissionalizante e superior, brasileira, mais escolarizados do
advocacia pública, arrecadação e finan- que no passado;
ças, controle administrativo, planeja- c foram contratados predominante-
mento e regulação. mente com vinculação estatutária
em detrimento do padrão celetista
iii Do ponto de vista qualitativo, as evidên- ou de outras formas de contratação
cias indicam que o movimento recente de precária, o que os coloca sob direitos
recomposição de pessoal no setor público e deveres comuns e estáveis, po-
deve trazer melhorias gradativas ao de- dendo com isso gerar maior coesão
sempenho institucional, uma vez que os e homogeneidade no interior da ad-
novos servidores: ministração, aspecto essencial para
a foram selecionados por concurso cooperação no trabalho e desempe-
público e mais para atividades- nho satisfatório a longo prazo.
-fim, que exigem nível superior de

// GRÁFICO 5: TOTAL DE SERVIDORES FEDERAIS ATIVOS,


POR AGRUPAMENTOS DE CARREIRA (2004-2017)

600.000 Sem Classificação


Regulação Auditoria,
500.000 Fiscalização e Controle
Apoio Técnico
400.000 e Administrativo
Jurídico e Policial
300.000 Infraestrutura,
Desenvolvimento
200.000 e Pesquisa
Economia, finanças
100.000 e gestão
Social
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Fonte: Atlas do Estado Brasileiro, Ipea. Elaboração própria

As despesas com pessoal da União são

MITO 2 muito altas e estão descontroladas

É LUGAR COMUM REFERIR-SE AOS GASTOS tivos e remunerações respondem a lógicas e


com servidores como o segundo maior item trajetórias distintas no tempo.
isolado de despesas da União. A constatação,
no entanto, é indevida e descontextualizada. Ainda indevida porque nem sempre se toma
o cuidado de esclarecer tratar-se do segundo
Indevida porque trata igualmente e de forma maior item da despesa primária, isto é, descon-
aglutinada servidores civis, militares, ativos, siderando-se o volume de juros da dívida públi-
aposentados e pensionistas, cujos quantita- ca. Em 2018, incluindo-se os juros, as despesas

14
Contornos, mitos e alternativas

com pessoal caem para terceiro lugar entre as nor ritmo de contratação, o percentual da folha
maiores do Governo Central: Benefícios do RGPS, em relação ao PIB caiu para 3,8% em 2014,
R$ 586 bilhões; Juros Nominais, R$ 310 bilhões; voltando a subir no período recente em razão:
e Pessoal e Encargos Sociais, R$ 298 bilhões9. a do desempenho sofrível do PIB en-
tre 2015 e 2018; e
A descontextualização reside na apresenta- b da recomposição parcial de remu-
ção do número sem qualquer parâmetro de nerações entre 2016 e 2019.
referência. “Gasta-se cerca de R$ 300 bilhões
com pessoal e isto é muito”. Novamente cabe Tampouco se deduz dos dados analisados que
a pergunta: muito em relação ao quê? Ou os gastos com pessoal ativo da União tenham
muito em relação a quem? saído do controle. Também aí, em termos de
participação no PIB, essa rubrica permaneceu
// GRÁFICO 6: EVOLUÇÃO DAS DESPESAS praticamente constante ao longo da primeira
COM PESSOAL E ENCARGOS NA UNIÃO década de 2000, em um contexto de reto-
(% PIB) mada do crescimento econômico e também
da arrecadação tributária. Mesmo depois de
2014, já em um cenário de estagnação eco-
4,4%
4,5%
4,8%
4,8%
4,5%
4,3%
4,3%
4,4%
4,3%
4,3%
4,6%
4,3%
4,1%
3,9%
3,8%
3,8%
4,0%
4,1%
4,3%
4,4%

nômica e perda de receitas, não houve ex-


plosão de gastos com ativos relativamente ao
PIB ou à receita corrente líquida.

// GRÁFICO 7: DESPESA COM


SERVIDORES FEDERAIS ATIVOS EM
RELAÇÃO À RECEITA CORRENTE
LÍQUIDA E AO PIB (2004-2017)

20% 3,0%
2001
2002

2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2000

2003

2015
2016
2017
2018
1999

% do PIB 2,5%
Fonte: STN/Resultado do Tesouro
15%
2,0%
Observando-se a trajetória do gasto global
com pessoal na União, chega-se à conclusão
de que, em relação ao passado, o gasto atual, 10% 1,5%
medido em proporção do PIB, está próximo
da média histórica sem apresentar tendência PODER EXECUTIVO
1,0%
alguma à explosão ou descontrole. Em 2018
as despesas com pessoal e encargos na União, 5%
incluindo-se civis, militares, ativos, aposen- 0,5%
tados e pensionistas, somaram 4,4% do PIB,
PODER JUDICIÁRIO
o mesmo percentual verificado duas décadas
atrás e menor do que a cifra alcançada em 0% OUTROS 0,0%
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017

2000, 2001, 2002, 2003, ou 2009. Diante das


perdas reais acumuladas nas remunerações do
funcionalismo entre 2010 e 2015 e de um me- Fonte: Atlas do Estado Brasileiro, Ipea. Elaboração própria

9 Resultado do Tesouro Nacional, set 2019

15
Reforma Administrativa do Governo Federal

O RPPS Federal é insustentável


MITO 3
SE HÁ UMA CONSTANTE NAS INÚMERAS abaixo extraídos de documentos oficiais, as
reformas previdenciárias pelas quais o país necessidades de financiamento do Regime
passou desde a promulgação da Constituição Próprio Civil tendem a zero no longo prazo,
em 1988, é que todas elas estiveram focadas isto com as regras hoje vigentes, portanto
ou afetaram profundamente a aposentadoria sem a aplicação das novas regras propostas
dos servidores federais, que desde 2013, para pela PEC 6/2019.
todos os efeitos, foi igualada a dos trabalha-
dores do setor privado. // GRÁFICO 8: RPPS FEDERAL CIVIL
projeção das necessidades de
A lógica administrativa das aposentadorias e financiamento para grupo fechado de
pensões no serviço público deu lugar, já em servidores (% PIB)
1993, à lógica contributiva com a obriga-
toriedade da contribuição previdenciária do
1%
servidor (EC 03/1993). Depois disso, com a EC 0,95%

20/1998, o requisito de tempo para aquisi-


ção da aposentadoria passou do tempo de 0,8% 0,75%

serviço para tempo de contribuição. Já a EC 0,77%

41/2003 pôs fim à integralidade e paridade 0,6%

além de instituir a contribuição de inativos


e pensionistas. Por fim, a Lei 12.618/2012 0,4% 0,32%
regulamentou dispositivo da EC 41/2003
que estabeleceu, a partir de 2013, teto para
0,2%
aposentadorias e pensões igual ao do RGPS e
0,01%
criou a previdência complementar do servidor
0%
público federal10.
2018

2024

2030

2036

2042

2048

2054

2060

2066

2072

2078

2084

2090

Desse modo, em termos de necessidade de


financiamento, o gasto previdenciário liga- Fonte: STN/Relatório Resumido de Execução
do ao RPPS civil foi equacionado no longo Orçamentária, projeções de mar. 2018
prazo. Tal como demonstram os gráficos

10 Para uma análise em detalhes destas mutações, ver Nota Técnica Dieese n. 181/2017

16
Contornos, mitos e alternativas

// GRÁFICO 9: RPPS FEDERAL – PROJEÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES E DAS NECESSIDADES DE


FINANCIAMENTO DOS BENEFÍCIOS PARA GRUPO FECHADO DE SERVIDORES (R$ BILHÕES)*
300
Contribuições totais
250 Necessidade de financiamento
200

150

100

50

2106
2018
2110
2058

2070

2078
2080
2082
2084
2086
2088
2090
2092
2094
2096
2098
2100
2102
2104
2018
2020
2022
2024
2026
2028
2030
2032
2034
2036
2038
2040
2042
2044
2046
2048
2050
2052
2054
2056

2060
2062
2064
2066
2068

2072
2074
2076
Fonte: MF/Relatório da Avaliação Atuarial do RPPS da União, 2018. // * Sem reposição de servidores. Em valores correntes
projetados de acordo com a grade de parâmetros da SPE/ME. Sem desconto de taxas de juros.

O Estado é intrinsecamente ineficiente


MITO 4
OUTRO LUGAR COMUM NA DISCUSSÃO SO- públicos no total da ocupação no Brasil é bem
bre o Estado brasileiro diz respeito à eficiên- inferior à média da OCDE, enquanto que em
cia de suas políticas, normalmente apresen- nível federal o gasto com pessoal, incluindo
tada como muito baixa, ou seja, entrega-se aposentados e pensionistas, não é explosivo
pouco à população enquanto se arrecada muito menos excessivo em relação à média
muito e se desperdiça com a máquina: “te- dos últimos 20 anos.
mos uma carga tributária sueca para entre-
gar serviços públicos de terceiro mundo”. A Os problemas não param por aí. A simples
afirmação seduz, especialmente quando nos transposição das métricas de eficiência em-
deparamos com as carências nas prestações presarial para o setor público desconsidera
de serviços públicos no país, mas peca pelo as diferenças qualitativas entre funções de
oportunismo e falsidade. natureza pública, cuja índole é sócio-política,
das motivações privadas, cuja razão última é
Em primeiro lugar, como visto no gráfico 1, o lucro. Assim, no Estado, mais do que fazer
a carga tributária brasileira é 15 p.p. do PIB da melhor forma possível, o que está em dis-
menor que a sueca. Em segundo lugar, a puta é o próprio sentido de sua atuação.
renda per capita brasileira, por paridade de
poder de compra, equivale a 30% da renda De todo modo, como visto, temos hoje menos
per capita sueca11. Isto significa que, com uma servidores civis ativos federais do que em
carga tributária 40% maior que a brasilei- 1991 (gráfico 4). Somando-se os militares, o
ra e num país 3 vezes mais rico, o Estado na contingente de servidores federais na ativa
Suécia conta com 4,5 vezes mais recursos por chegou a 1.174.945 em 2018 contra 912.739
habitante que o Estado brasileiro. Além disso, em 1988, quando a Constituição foi promul-
também vimos que a proporção de servidores gada, um avanço de 28% vis a vis 45% de

11 FMI, World Economic Outlook Database, abr 2019

17
Reforma Administrativa do Governo Federal

crescimento populacional no período12. En- passou para 30,3 milhões em 2018; o BPC sal-
quanto isso, desde então, foram ampliadas a tou de 2,3 milhões para 4,6 milhões no período;
cobertura e o acesso da população a inúmeras os procedimentos ambulatoriais do SUS chega-
políticas públicas de âmbito federal. ram a 3,8 bilhões em 2013 contra 1,8 bilhão em
2002; as matrículas na educação profissional
Por exemplo: a previdência pública, que conta- de nível médio saltaram de 279 mil em 2002
va com 18,9 milhões de beneficiários em 2002, para 1,8 milhão em 2018, e assim por diante.

// QUADRO 1: BENEFÍCIOS E SERVIÇOS SOCIAIS PÚBLICOS OFERTADOS


ASSISTÊNCIA SOCIAL 2002 2013 2018

Famílias beneficiárias do Bolsa Família 3,6 milhões 2003 14,1 milhões 13,9 milhões

Beneficiários do BPC e RMV 2,3 milhões 4,2 milhões 4,6 milhões

PREVIDÊNCIA 2002 2013 2018

Beneficiários do RGPS 18,9 milhões 27,0 milhões 30,3 milhões

TRABALHO E RENDA 2002 2013 2018

Beneficiários do Seguro Desemprego 4,8 milhões 8,6 milhões 6,2 milhões

Beneficiários do Abono Salarial 6,5 milhões 21,4 milhões 2012 22,4 milhões

SAÚDE 2002 2013

Procedimentos Ambulatoriais 1,9 bilhões 3,8 bilhões

Atendimentos na Atenção Básica 868 milhões 1.200 milhões

Atendimentos na Atenção Especializada 146 milhões 447 milhões

EDUCAÇÃO 2002 2013 2018

PNLD - Livros Didáticos Adquiridos 96 milhões 2005 133 milhões 144 milhões

Matrículas na Educação
279.143 749.675 1.791.806
Profissional de Nível Médio

Matrículas no Ensino Superior 1,1 milhão 1,9 milhão 2012

Prouni - Bolsas Ocupadas 95.612 2005 177.284 329.180 2016

DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO 2002 2013 2018

Contratos realizados no Pronaf 0,9 milhão 2,2 milhões 1,7 milhão

Fonte: Ministério da Economia, Relatório Anual de Avaliação do PPA, vários anos.

Para essa expansão da prestação de serviços e o aperfeiçoamento da participação e do


públicos contribuíram o incremento do uso de controle social das políticas.
tecnologias inovadoras (TICs), o aumento da
arrecadação no período, seguido de reforço Em paralelo, a expansão das redes de in-
do orçamento e melhoria da execução físico- fraestrutura logística, de energia e comu-
-financeira, a presença crescente de recursos nicação contou com apoio estatal seja dire-
humanos mais escolarizados e mais concen- tamente, seja via modernização de marcos
trados em áreas finalísticas da ação estatal regulatórios, parcerias, concessões e cré-

12 IBGE

18
Contornos, mitos e alternativas

dito público. Insuficientes para a resolução acesso à banda larga, de 21 mil em 2002
dos gargalos da área, os investimentos em para 62 mil em 2013.
infraestrutura ainda assim adquirem elo-
quência neste século quando observamos Dessa discussão não se depreende que fazer
o salto da movimentação de passageiros mais com menos não seja importante – como
nos aeroportos brasileiros, de 71 milhões vimos, aliás, em várias áreas faz-se mais
em 2002 para 215 milhões em 2018; ou atualmente do que no passado com a mesma
da movimentação de carga nos portos, de quantidade de servidores públicos. Não obs-
529 milhões de toneladas para 1,1 bilhão no tante, a crise atual das políticas públicas, em
mesmo intervalo; ou da capacidade instala- sua essência, não é de eficiência, que sempre
da de geração de energia, que variou de 82 deve ser buscada, mas remonta à crise eco-
mil MW em 2002 para 127 mil em 2013; ou nômica-fiscal-política-institucional porque
do número de escolas públicas urbanas com passa a sociedade brasileira desde 2015

// QUADRO 2: UTILIZAÇÃO DA REDE DE INFRAESTRUTURA


TRANSPORTES 2002 2013 2018
Movimentação de passageiros
71,2 milhões 2003 193,1 milhões 215,2 milhões
nos aeroportos

Frota de veículos 39 milhões 2004 82 milhões 101 milhões

Movimentação de carga nos


529 milhões 931 milhões 1.121 milhões
portos e Terminais (ton)

Carga transportada em ferrovias (tu) 389 mil 2006 463 mil 570 mil

ENERGIA 2002 2013

Número de unidades consumidoras 52,8 milhões 2003 74,6 milhões

COMUNICAÇÕES 2002 2013

Telefones móveis ativos 35 milhões 271 milhões

Telefones fixos ativos 38,7 milhões 2006 44,3 milhões

Assinantes de TV 3,5 milhões 18,0 milhões

Domicílios com acesso à internet 13% 2005 40%

Fonte: Ministério da Economia, Relatório Anual de Avaliação do PPA, vários anos

// QUADRO 3: AMPLIAÇÃO DA REDE DE INFRAESTRUTURA.


TRANSPORTES 2002 2013 2018

Extensão da malha rodoviária pavimentada (km) 156,4 mil 202,6 mil 213,452 2017

Extensão concedida (km) 11,96 mil 2008 15,4 mil 20,7 mil

Extensão da malha ferroviária (km) 28,8 mil 2004 29,6 mil 30,5 2015

ENERGIA 2002 2013

Capacidade instalada de geração (MW) 82,5 mil 126,7 mil

Extensão de linhas de transmissão (km) 72,5 mil 116,8 mil

Capacidade de transformação (MVA) 166,2 mil 278,3 mil

COMUNICAÇÕES 2002 2013

Escolas públicas urbanas com banda larga 21,3 mil 2008 62,5 mil

Fonte: Ministério da Economia, Relatório Anual de Avaliação do PPA, vários anos

19
Reforma Administrativa do Governo Federal

A estabilidade do funcionalismo é

MITO 5 um privilégio e é absoluta

O REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚ- Por meio do Cadastro de Expulsões da Ad-
blicos civis (RJU) consiste em um conjunto de ministração Federal (CEAF), a Controladoria
regras de direito público que trata dos meios Geral da União (CGU) organiza e disponibiliza
de acessibilidade aos cargos públicos, da dados mantidos desde 2004 sobre os servi-
investidura em cargo efetivo e em comissão, dores civis do Poder Executivo Federal, que
das nomeações para funções de confiança, dos são considerados “expulsos”, ou seja, puni-
deveres e direitos dos servidores, da promoção dos com demissão, destituição ou cassação
e respectivos critérios, do sistema remune- de aposentadoria. Entre 2003 e 2019 (da-
ratório, das penalidades e sua aplicação, do dos consolidados até o mês de julho) foram
processo administrativo e da aposentadoria. contabilizadas 7.588 punições expulsivas
aplicadas a servidores estatutários do Poder
A estabilidade do servidor no cargo para o Executivo Federal, cerca de 500 ao ano. 66%
qual ingressou via concurso público é um dessas expulsões deveram-se a atos rela-
direito fixado no arranjo jurídico brasileiro. cionados a corrupção; 24% por abandono de
Um direito, uma prerrogativa que busca a cargo, inassiduidade ou acumulação ilícita de
preservação no tempo das próprias funções cargos; os demais 10% dividiram-se entre
de Estado e a proteção do servidor contra o desídia (3%), participação em gerência ou ad-
arbítrio político indevido. A estabilidade visa ministração de empresas (1%) e ainda outras
antes de tudo o interesse público13. razões e motivos variados (6%).

De toda forma, nos regramentos existentes


// GRÁFICO 10: PUNIÇÕES EXPULSIVAS
do RJU já estão previstas possibilidades de
APLICADAS A ESTATUTÁRIOS NO
avaliação e de monitoramento da atividade
ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
do agente público, além da aplicação de um FEDERAL ENTRE 2003 E JUN/2019 (%)
amplo rol de sanções administrativo-disci-
plinares, que podem culminar com a expulsão
participação em
de servidores estatutários da administração 1% gerência, administração
ou sociedade privada
pública federal.
outros proceder de
6% 3% forma desidiosa
A Lei nº 8.112/1990 define em seu art. 3º o
termo “cargo público”: trata-se do conjunto
de atribuições e responsabilidades previstas
abandono,
na estrutura organizacional a que está cir- 24% inassiduidade
cunscrito e que devem ser observadas pelo ou acumulação
de cargos
servidor. As penas administrativas previstas
na mesma Lei nº 8.112/1990 são as seguintes:
ato relacionado 66%
a corrupção
advertência; suspensão; demissão; cassação
de aposentadoria ou de disponibilidade; e
destituição de cargo em comissão ou de fun-
ção comissionada.
Fonte: CGU/Cadastro de Expulsões da Administração Federal (CEAF)
// Base: total de expulsados 7.588

13 Ver seção 3 deste documento.

20
Contornos, mitos e alternativas

Ademais, a Administração Pública Federal •• Decreto n° 6.029/2007 - Sistema de


reúne um outro abrangente leque de legis- Gestão da Ética do Poder Executivo;
lações adicionais e auxiliares para questões •• Lei nº 12.813/2013 - Lei de Conflito de
relacionadas à ética, à conduta e ao conflito Interesses.
de interesses no âmbito público, tais como:
Em suma, uma coisa é aperfeiçoar instru-
•• Lei nº 8.429/1992 - Lei de Improbidade mentos existentes de avaliação, ética, con-
Administrativa; duta, desempenho, o que sempre é e será
•• Decreto nº 1.171/1994 - Código de Ética bem-vindo; outra bem diferente, e que deve
Profissional do Servidor Público Civil do ser evitada, é sob os mantras do ajuste fiscal
Poder Executivo Federal; a qualquer preço e da produtividade sujeitar
•• Código de Conduta da Alta Administra- o servidor à demissão por subjetividade das
ção Federal, de 18/08/2000; chefias e arbítrio dos governantes.

O dinheiro do governo acabou


MITO 6
AS POLÍTICAS DE AUSTERIDADE TRATAM pria base arrecadatória. Famílias e empresas,
as finanças públicas e o orçamento público por fim, ao contrário do governo, não emitem
como sendo similares às finanças domésticas moeda e nem títulos públicos, bem como não
e ao orçamento familiar, de modo que am- controlam a taxa de juros sobre suas dívidas,
bos, setor público e cidadão, devem operar como faz o Banco Central.
segundo o preceito de orçamento sempre
equilibrado ou superavitário. Se não agirem A equiparação entre o setor público e o in-
assim, governo e famílias, em algum mo- divíduo é, portanto, falaciosa, mas sua con-
mento “o dinheiro acaba”. sequência é apresentar como inescapáveis as
políticas que se pretende defender, que em
Considerar que o orçamento público funciona verdade de inevitáveis não possuem nada.
como o doméstico é uma abordagem não só
simplista como também equivocada, ao não Como pode o dinheiro do governo ter acabado
considerar que o governo, diferentemente se o Tesouro conta em caixa com cerca de R$
de famílias e empresas, pode, por exemplo, 1,2 trilhão de reais? O Governo Central, por seu
incrementar/reduzir suas receitas por meio turno, que inclui o Banco Central, além de mais
de alterações nos tributos. Ademais, não leva de R$ 1 trilhão em caixa, ainda possui mais de
em conta que uma parte dos gastos públicos US$ 380 bilhões em reservas internacionais, o
retorna para o governo sob a forma de impos- equivalente a outros R$ 1,5 trilhão em direi-
tos, e que estes mesmos gastos, pelo volume e tos a receber da maior economia do mundo,
qualidade, podem agir favoravelmente sobre a os EUA, ou seja, o Governo Central brasileiro é
atividade econômica de modo a ampliar a pró- credor do governo norte-americano.

21
Reforma Administrativa do Governo Federal

// GRÁFICO 11: CONTA ÚNICA DO // GRÁFICO 12:RESERVAS


GOVERNO FEDERAL (SALDO MÉDIO EM INTERNACIONAIS (US$ BILHÕES)
12 MESES, EM R$ BILHÕES)
400

379
1.201 386
350

1.010 336

870
300

261

250
549

200
2014

2015

2016

2017

2018

2019

190

Fonte: BCB 150

É importante fixar: as restrições ao gasto no


DEZ
AGO
ABR
DEZ
AGO
ABR
DEZ
AGO
ABR
DEZ
AGO
ABR
DEZ
AGO
ABR
AGO
Brasil, um país que emite sua própria moe- 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
da e cujo governo é credor internacional, são
auto-impostas pela legislação que sempre se Fonte: BCB
pode alterar, como no caso da LDO, que fixa
a meta de primário anualmente, ou do teto O dinheiro do governo, portanto, não acabou
constitucional de gastos que precisará ser nem acabará, mas as regras fiscais brasileiras
flexibilizado sob pena de deixarmos de pagar excessivamente rígidas o impedem de gastar
aposentadorias e paralisarmos completamen- num momento em que a economia, depois de
te a máquina, ou da chamada “regra de ouro” 5 anos de crise, ainda não logrou recuperar o
que, a propósito, já foi alterada em 2019 para nível de renda de 2014.
que o “dinheiro não acabasse” para o Bolsa
Família, benefícios aos idosos e outras despe-
sas correntes.

As reformas da previdência,
administrativa e microeconômicas vão
recuperar a confiança dos investidores
MITO 7 privados, o crescimento e o emprego

DESDE A ECLOSÃO DA CRISE EM 2015, AS zir juros, estimular o investimento privado e


reformas da previdência e administrativa restaurar o crescimento. A reforma trabalhista
centradas na redução de despesas vêm sen- aprovada em 2017, as privatizações, a aber-
do consideradas fundamentais, ao lado da tura do pré-sal a investidores estrangeiros e
implantação do teto de gastos, para reduzir outras iniciativas market friendly melhorariam o
despesas públicas, aumentar a confiança do ambiente de negócios reforçando a retomada
mercado na solvência da dívida pública, redu- da produção, da renda e do emprego.

22
Contornos, mitos e alternativas

A proposição de uma relação positiva entre // QUADRO 4: RELAÇÃO ENTRE


austeridade nas finanças públicas, confiança AJUSTE FISCAL (CONTRACIONISTA
dos investidores e crescimento econômi- X EXPANSIONISTA) E CRESCIMENTO
co não é exclusiva da experiência brasileira ECONÔMICO APÓS AJUSTE
recente. Boa parte da Europa na sequência
Grécia 1976
da crise do euro no início da década imple-
Irlanda 1976, 1988, 1989
mentou reformas orientadas para o mercado Espanha 1986, 1987
e políticas contracionistas. A diferença em Portugal 1986, 1988, 1995
Noruega 1983
Finlândia 1996, 1998

econômico após ajuste


relação ao Brasil é que por lá a austeridade Irlanda 1987
N. Zelândia 1993, 1994, 2000

CRESCIMENTO
foi imposta de fora para dentro, uma vez que Holanda 1996
Noruega 1996
na união monetária os países abrem mão Suécia 2004
da gestão da moeda e da dívida tornando-
-se dependentes de decisões do bloco. Por Noruega 1979 Finlândia 1973
aqui, onde temos moeda própria e reservas Finlândia 2000 Irlanda 2000
Grécia 2005, 2006 Noruega 1980
internacionais em abundância, caminhamos
por decisão própria na direção dos cortes de
direitos sociais e de despesas. AUSTERIDADE
Política fiscal Política fiscal
contracionista expansionista
Em verdade, cada vez mais vão se avoluman- retração, esterilização expansão, reorientação
do gasto real do gasto real
do opiniões e evidências contrárias à ideia de
que cortes de despesas públicas num contex- Fonte: Alesina e Ardagna (2010), apud “Economia polí-

to recessivo gerem recuperação14. Na teoria, tica da Austeridade”, Pedro Rossi, Esther Dweck e Flávio

questiona-se, cortes de gastos públicos em Arantes, 2018: 23. Elaboração própria

momentos depressivos podem muito bem


aprofundar a crise ao prejudicarem o emprego, No Brasil, os resultados da austeridade e
a renda das famílias e a demanda das empre- redução de direitos praticados desde 2015
sas. E as estatísticas disponíveis (ver quadro não são nada auspiciosos. À semiestagnação
4) mostram que, em geral, os países que da economia brasileira em curso, soma-se
seguiram o receituário da austeridade cres- o aumento da desigualdade da renda por 17
ceram menos e/ou saíram mais tardiamente trimestres consecutivos15 e a iminente volta
das situações de crise. Já na direção oposta, do país ao mapa global da fome.
países que adotaram políticas econômicas que
combinaram virtuosamente o gasto público Como se vê no gráfico 13, apesar do índice de
(gastos correntes e investimentos) com incen- confiança empresarial ter crescido no Brasil
tivos corretos, segurança jurídica e perspectiva desde o afastamento da presidente Dilma
econômica positiva, conseguiram mobilizar Roussef, da aprovação da EC 95/2016 refe-
complementarmente os investimentos priva- rente ao teto de gastos, da reforma traba-
dos no sentido do crescimento mais elevado e lhista e da eleição de Jair Bolsonaro à Pre-
sustentável. sidência, o fato concreto é que os índices de
atividade econômica e da produção industrial
permanecem estagnados desde então.

14 No Brasil, ver “Economia para poucos: impactos sociais da austeridade e alternativas para o Brasil”, Pedro Rossi,
Esther Dweck e Ana Luíza Matos de Oliveira (org.), São Paulo: Autonomia Literária, 2018

15 Escalada da Desigualdade, FGV, ago. 2019

23
Reforma Administrativa do Governo Federal

Nada assegura que Reformas da Previdên- vem agravá-lo, ou na melhor das hipóteses
cia e Administrativa centradas na redução instaurar a estagnação com retrocesso social
de direitos, arrocho salarial e em demissões como o novo normal brasileiro.
melhorem este quadro. Pelo contrário, de-

// GRÁFICO 13: ÍNDICE DE CONFIANÇA EMPRESARIAL, ÍNDICE DE ATIVIDADE ECONÔMICA


E PRODUÇÃO INDUSTRIAL (SÉRIES COM AJUSTE SAZONAL)
AFASTAMENTO APROVAÇÃO APROVAÇÃO ELEIÇÃO PRESIDENTE
PRESIDENTE EC TETO DE REFORMA JAIR BOLSONARO
DILMA ROUSSEF GASTOS TRABALHISTA

ATIVIDADE
ECONÔMICA
90

PRODUÇÃO
INDUSTRIAL
80

70 CONFIANÇA
EMPRESARIAL

60
JAN
FEV
MAR
ABR
MAI
JUN
JUL
AGO
SET
OUT
NOV
DEZ
JAN
FEV
MAR
ABR

JAN
FEV
MAR
ABR
MAI

MAI
JUN
JUL
AGO
SET
OUT
NOV
DEZ
JAN
FEV
MAR
ABR
MAI
JUN
JUL
AGO
SET
OUT
NOV
DEZ

JUN
2016 2017 2018 2019

Fonte: ICE/FGV, IBC-Br e PIA/IBGE

24
3 BASES PARA UM SERVIÇO
PÚBLICO DE QUALIDADE

A
Reforma Administrativa do Governo b carece de compreensão sistêmica sobre
Federal, como visto nas partes 1 e 2 os condicionantes e determinantes do
deste documento: desempenho estatal no campo das po-
líticas públicas.
a centra-se fundamentalmente na redu-
ção do tamanho do Estado e na com- Em linha oposta, é necessário um contra-
pressão do gasto público, daí derivando ponto de índole republicano e democrático,
as medidas de congelamento/redução voltado tanto para um serviço público de
da remuneração, avaliação do desem- qualidade como ao próprio desenvolvimen-
penho individual para demissão de to nacional em suas múltiplas dimensões
servidores, redução radical do número (geopolítica, econômica, social, ambiental e
de carreiras e cerceamento da atividade institucional).
sindical no serviço público; e

3.1 PONTO DE PARTIDA: A PRIORIZAÇÃO DA PROVISÃO DE BENS E SERVIÇOS PÚBLICOS DE


QUALIDADE À POPULAÇÃO E O CUIDADO COM AS ATIVIDADES TÍPICAS DE ESTADO

DE QUE É COMPOSTO O ESTADO? O QUE agente indutor de) mudanças geopolíticas,


explica sua formação e composição em ter- econômicas, sociais e ambientais.
mos de recursos humanos, físicos, tecnológi-
cos, normativos etc.? O que explica as mu- Tomando-se a república e a democracia
danças nas formas de atuação e nas próprias simultaneamente como pontos de partida
áreas de atuação dos Estados modernos? O e ideais a serem perseguidos, as políticas
que deve fazer o Estado? públicas, a estrutura burocrática estatal e o
corpo de servidores devem refletir o interesse
Essas e outras questões não possuem res- público a serviço do bem comum.
postas simples nem muito menos únicas.
Em termos gerais, seria possível dizer que Nesse registro, torna-se imprescindível a
o “tamanho” do Estado, em cada momento existência de contingentes de trabalhadores
histórico e lugar específico, responde a uma inseridos em atividades relacionadas à pro-
somatória ampla e contraditória de processos visão de bens e serviços públicos à população
sociopolíticos simultâneos, destinados a ali- em áreas que são, por sua própria natureza,
nhar (e/ou capacitar) o Estado às (e/ou como intensivas em pessoas, tais como: saúde,

25
Reforma Administrativa do Governo Federal

educação, assistência social, segurança públi- requer a consideração cuidadosa das áreas
ca, transporte público, dentre outras. indelegáveis de atuação do governo, ou seja,
das atividades típicas de Estado relacionadas
Além disso, a conformação de capacidades ao desempenho das seguintes funções discri-
estatais orientadas pelo interesse público minadas no quadro abaixo:

// QUADRO 5: FUNÇÕES TÍPICAS DO ESTADO


FUNDAMENTOS HISTÓRICOS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS
DOS ESTADOS NACIONAIS DAS ECONOMIAS DE MERCADO

Monopólio da representação externa Soberania do território nacional

Monopólio do uso da violência Garantia da propriedade privada

Monopólio da formulação e Confiança na validade e


implementação das leis cumprimento dos contratos

Monopólio da emissão (poder de Estabilidade do valor real e do


senhoriagem) e gestão da moeda poder de compra da moeda

Regulação do conflito distributivo e garantia de


Monopólio da tributação
previsibilidade e rentabilidade para o cálculo empresarial

Fonte: Elaboração própria

3.2 FUNDAMENTOS DA OCUPAÇÃO NO SETOR PÚBLICO

Tanto na Declaração Universal dos Direitos puas dos respectivos cargos e organiza-
Humanos (1948) quanto na Constituição ções; e
Federal Brasileira (1988), o direito ao tra- 4 cooperação interpessoal e intra/inter
balho digno aparece como elemento central organizacional como critério de atua-
e estruturante da sociedade. Neste sentido, ção e método primordial de trabalho no
ao falarmos do emprego público, estamos setor público.
na realidade falando de parcela significati-
va de postos de trabalho criados por decisão O reforço destes fundamentos deve consti-
e demanda da sociedade e do Estado com tuir as bases de uma Reforma Administrativa
vistas tanto à gestão dos monopólios estatais republicana e democrática.
quanto à oferta de bens e serviços públicos à
população. A estabilidade na ocupação remonta a uma
época na qual os Estados nacionais, ainda em
Historicamente, o emprego público nos Es- formação, precisaram, para sua própria exis-
tados Modernos, em oposição aos Estados tência e perpetuação, transitar da situação de
absolutistas e totalitários, apresenta quatro recrutamento mercenário e esporádico para
fundamentos presentes em maior ou menor uma situação de recrutamento, remuneração,
medida nos Estados Nacionais contemporâ- capacitação e cooperação impessoal/profis-
neos, a saber: sional. Assim, o corpo funcional foi deixando
1 estabilidade na ocupação, conquistada de estar submetido exclusivamente às ordens
por critérios impessoais e meritocráti- feudais e reais para assumir, crescentemente,
cos para a proteção contra arbitrarie- funções estatais permanentes e previsíveis.
dades cometidas pelo Estado-empre-
gador; Na direção inversa, como visto, a Reforma
2 remuneração adequada e previsível ao Administrativa do Governo Federal propõe a
longo do ciclo laboral; flexibilidade quantitativa como norma geral,
3 qualificação elevada e capacitação per- por meio da possibilidade de contratações e
manente no âmbito das funções precí- demissões rápidas e fáceis no setor público,

26
Contornos, mitos e alternativas

inserindo os princípios da rotatividade e da bens e serviços públicos necessários à sua


insegurança não apenas junto aos servidores manutenção e reprodução. Permanência e
que pessoalmente apostaram no emprego previsibilidade, portanto, são duas caracte-
público como estratégia e trajetória de reali- rísticas fundamentais das políticas públicas e
zação profissional, mas sobretudo, conside- da própria razão de existência e legitimação
rando-se também a política permanente de política do Estado, algo que se beneficia da
austeridade, insegurança na própria sociedade prática da estabilidade e da proteção do corpo
(e no mercado) quanto à provisão futura de funcional estatal.

// QUADRO 6: REFORMA ADMINISTRATIVA REPUBLICANA E DEMOCRÁTICA X REFORMA


ADMINISTRATIVA DO GOVERNO FEDERAL
REFORMA REPUBLICANA E DEMOCRÁTICA REFORMA DO GOVERNO FEDERAL

Estabilidade funcional e proteção Flexibilidade quantitativa por meio da


contra arbitrariedades. expansão das possibilidades de demissão.

Remuneração adequada e previsível Flexibilização remuneratória e redução


ao longo do ciclo laboral. das despesas com funcionalismo.

Qualificação elevada e capacitação permanente atrelada à Responsabilização individual pela


progressão e interesse público. capacitação e pela progressão funcional.

Cooperação interpessoal e intra/inter organizacional como Promoção da competição interpessoal e da concorrência


fundamento do processo de trabalho no setor público. intra/inter organizacional.

Liberdade de organização e Obstaculização da organização


autonomia de atuação sindical e da atuação sindical

Fonte: Elaboração própria.

Além dos fatores históricos mencionados, As demais linhas mestras de uma reforma
outra razão para a estabilidade relativa dos centrada na republicanização e democrati-
servidores reside na preocupação em se evitar zação do Estado derivam das considerações
o comando tirânico e o patrimonialismo na anteriores.
administração em detrimento do interes-
se público. Ou seja, a estabilidade funcional A remuneração adequada e previsível no
dos servidores está atrelada à distinção entre tempo é condição de segurança financeira e
público e privado e à separação do adminis- emocional dos servidores, fatores necessários
trador do político. a qualquer pessoa inserida em uma relação
de trabalho que apenas existe e se realiza em
No caso brasileiro, a Constituição Federal de função do Estado, em favor da coletividade e
1988 promoveu significativo avanço com o in- em caráter permanente. Remuneração ade-
gresso exclusivo via concurso no serviço públi- quada e previsível também para dificultar ao
co, estabilidade funcional, garantia de plurali- máximo qualquer tipo de assédio moral, cap-
dade de formações, vocações e de preferências tura externa, tentativa de extorsão ou outro
ideológicas dentro do Estado, bem como pro- tipo de corrupção.
teção plena do exercício de funções movidas
pelo interesse público universal e sob controle Por seu turno, a qualificação elevada desde o
tanto estatal-burocrático (Lei nº 8.112/1990 início da carreira e o processo contínuo de ca-
e controles interno e externo) como contro- pacitação pessoal e organizacional se impõem
le social direto por meio da Lei de Acesso a no serviço público, devido tanto à amplitude
Informações (LAI), entre outros mecanismos. dos temas abarcados pelas políticas públicas,
À sociedade e à democracia seguramente não como à sua complexidade em contextos onde
interessam a fragilização desse arcabouço. heterogeneidade e mudanças são as normas.
Ambas as exigências colocam grandes desa-

27
Reforma Administrativa do Governo Federal

fios às políticas públicas de pessoal e sugerem invés da competição – como critério subs-
atrelamento de fases e tratamento orgâni- tancial de atuação da administração pública e
co dos novos servidores desde a seleção por método primordial de gestão do trabalho no
concurso, passando por trilhas de capacitação setor público. No setor privado, a competi-
e alocação funcional que combinem as voca- ção, disfarçada de cooperação, é incentivada
ções e interesses individuais com as exigên- por meio de penalidades e estímulos indivi-
cias organizacionais de profissionalização da duais pecuniários (mas não só) no ambiente
função pública, além do estabelecimento de de trabalho, em função da facilidade relativa
critérios objetivos de avaliação e desempe- com a qual se pode individualizar o cálcu-
nho tanto dos servidores quanto das chefias e lo privado da produtividade, dos custos e
dos órgãos e repartições. A complexidade da ganhos monetários por trabalhador. No setor
gestão de pessoal no serviço público, portan- público, ao contrário, a operação de indi-
to, não se presta ao simplismo da proposta vidualização das entregas (bens e serviços)
governamental de reforma do RH centrada na voltadas direta e indiretamente para a cole-
oferta de incentivos individuais, induzindo o tividade é tarefa metodologicamente difícil,
servidor a um processo de especialização des- ao mesmo tempo controversa, pelo fato de
contextualizado e a uma concorrência nefasta que a função-objetivo do setor público não é
à cooperação e ao interesse público. gerar lucro, mas sim valor social, cidadania e
bem-estar para o conjunto da população. Por
Por fim, a cooperação interpessoal e intra/in- esta e outras razões, a cooperação (ao invés
ter organizacional emerge como corolário dos da competição) é que precisa ser incentivada
fundamentos anteriores, colocando-se – ao e valorizada no setor público.

28
4 DIRETRIZES PARA UMA
REFORMA ADMINISTRATIVA
REPUBLICANA E DEMOCRÁTICA

D
iante do exposto, e visando alargar o conselhos e outras instâncias de com-
horizonte de discussões e de proposi- partilhamento de poder no âmbito dos
ções sobre o tema, indicamos abaixo três poderes constitucionais (e Minis-
algumas diretrizes gerais para uma Reforma tério Público) é condição fundamental
Administrativa de índole republicana e de- para o reequilíbrio de poder e valoriza-
mocrática, voltada para um serviço público ção da esfera pública no país.
efetivo e de qualidade, condição sine qua non
para o próprio desenvolvimento nacional, •• Medidas de recuperação e ativação das
soberano, includente e sustentável. capacidades estatais de planejamen-
to governamental e de coordenação
•• Medidas para conferir mais e melhor estratégica dos investimentos e demais
transparência dos processos decisórios decisões das empresas estatais. Neste
intragovernamentais e nas relações en- particular, é preciso compatibilizar a
tre entes estatais e privados, bem como sustentabilidade empresarial de longo
sobre resultados intermediários e finais prazo com a função social pública das
dos atos de governo e das políticas estatais, já que a eficiência microeco-
públicas de modo geral. Este é um dos nômica de curto prazo não pode estar
principais campos de atuação republi- acima da eficácia macroeconômica e
cana contra a visão moralista e puniti- da efetividade social no médio e longo
vista de combate à corrupção no país. prazos.

•• Medidas para democratização da gestão •• Medidas de profissionalização e valo-


pública: reforço dos princípios e meca- rização da ocupação no (e do) serviço
nismos ligados ao mérito, à transpa- público, tais que uma verdadeira polí-
rência, à autonomia, à mobilidade e à tica de recursos humanos para o setor
responsabilidade, tanto em nível indivi- público brasileiro – que leve em consi-
dual como organizacional. deração de modo articulado e orgânico
as etapas de seleção, capacitação, alo-
•• Medidas para aperfeiçoamento cotidia- cação, remuneração, progressão e apo-
no da gestão pública: instauração e di- sentação – esteja ancorada e inspirada
fusão de novas tecnologias de informa- pelos valores e princípios da república,
ção, gestão e comunicação intra e inter da democracia e do desenvolvimento
pessoais e organizacionais no âmbito do nacional.
setor público e em suas relações com o
mercado e a sociedade. Uma refundação democrática do Estado deve
ancorar a Administração Pública em novas
•• Medidas para estimular mais partici- bases, assentadas no aprofundamento per-
pação social e melhor controle público manente da soberania popular, na defesa
sobre os poderes da União (Executi- diuturna da vontade geral da população, no
vo, Legislativo, Judiciário) e Ministério combate sem tréguas às desigualdades de
Público, nos três níveis da federação. toda ordem e na busca incessante pela for-
O empoderamento social no âmbito de mação de uma opinião pública livre e plural.

29
Reforma Administrativa do Governo Federal

ENTIDADES QUE APOIAM


ESTA PUBLICAÇÃO

APD
Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia CONTRAF, CTB, CUT, FENAE,
FNP, FUP, NCST, e UGT.

mático #be1622 #432918 #575756

AACE,
R: 189ADB, R:
ADPF,
66 AFIPEA-SINDICAL,
R: 87 Fundação Cláudio Campos (PPL),
G: 22 G: 41 G: 87 ANAPE,
ANADEF, ANADEP, ANAFE, Fundação Lauro Campos e Marielle
B: 44 B: 24 B: 86
ANESP, ANFFA SINDICAL, ANFIP, ANPM, Franco (PSOL), Fundação João
C: 15
ANPPREV, C: 50 APCF,
AOFI, C:ASSECOR,
0 Mangabeira (PSB), Fundação Leonel
M: 100 M:70 M: 0
AUDITAR,
Y: 90 CONAMP,
Y: 80
FEBRAFITE, Brizola – Alberto Pasqualini (PDT),
Y: 0
FENAFIM,
K: 10 FENAFISCO,
K: 70 K:SINAGÊNCIAS,
80 Fundação Maurício Grabois (PCdoB),
SINAIT, SINAL, SINDCVM, SINDIFISCO Fundação da Ordem Social (PROS) e
NACIONAL, SINDILEGIS, SINDPFA, Fundação Perseu Abramo (PT).
SINDSUSEP, SINPROFAZ, UNACON
SINDICAL e UNAFISCO NACIONAL.

AFBNDES, AFIPEA-SINDICAL, AJT,


ANDEPS, ASCEMA, ASCON, ASCT,
ASFOC, ASMINC, ASSECOR, COIAB,
INDIGENISTAS ASSOCIADOS E
UNACON SINDICAL

30
FRENTE PARLAMENTAR
MISTA EM DEFESA
DO SERVIÇO PÚBLICO

APD
Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia

padrão cromático #be1622 #432918 #575756

R: 189 R: 66 R: 87
G: 22 G: 41 G: 87
B: 44 B: 24 B: 86

C: 15 C: 50 C: 0
M: 100 M:70 M: 0
Y: 90 Y: 80 Y: 0
K: 10 K: 70 K: 80

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