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Paulo Kliass*
O Banco Central (BC) divulgou recentemente a versão mais atualizada da situação das
contas fiscais do país. De acordo com a Nota sobre as Estatísticas Fiscais divulgada para
a imprensa em 8 de novembro, o resultado das contas públicas para o mês de setembro
registrou um déficit primário de R$ 102 bilhões para o total acumulado dos últimos 12
meses. Isso significa que o conjunto das despesas não financeiras superou o total das
receitas não financeiras em um valor equivalente a 1% do PIB para esse período.
Infelizmente não parece ser esta a opinião do nosso ministro da Fazenda. Afinal, ele tem
se revelado um entusiasta militante das causas austeras, como ficou bem evidenciado
com o desenho final do Novo Arcabouço Fiscal, que foi aprovado sob a forma da Lei
Complementar nº 200/23. Além disso, ele também sugeriu ao Presidente Lula o envio
ao Congresso Nacional de um Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2024 na
mesma direção. O texto contém um dispositivo que propõe exatamente o oposto daquilo
que o próprio Blanchard recomenda aos responsáveis pela política econômica dos países
desenvolvidos. Em seu injustificável afã de incorporar o espírito do bom mocismo na
condução da nossa política fiscal, Haddad incluiu no projeto encaminhado no mês de
abril um artigo que estabelece, literal e textualmente, que o resultado primário para o
ano que vem seja igual a zero. Uma loucura!
Os riscos para a economia e para a sociedade brasileiras podem ser enormes caso esta
estratégia para a política fiscal não seja alterada em sua essência. Aprofundar as
dificuldades para que o Estado consiga recuperar o seu protagonismo na atividade
econômica significa deixar apenas nas mãos das chamadas “soluções de mercado”
alguma possibilidade de superar a crise e a estagnação. Nesse caso, sim, podemos dizer
que as chances de se obter algum êxito estão zeradas.
Ao forçar o equilíbrio das contas primárias, o responsável pela Fazenda nada mais faz a
não ser apontar para a compressão das despesas da área social e dos investimentos.
Afinal, de acordo com esta abordagem restritiva das contas orçamentárias, as despesas
financeiras (exatamente aquelas que são classificadas como “não primárias”) não
merecem nenhum limite nem teto. Assim, insistir na busca irracional de resultados
equilibrados ou superavitários em momentos como o atual não contribui para que o
programa eleitoral de Lula possa ser cumprido a contento. Pior do que isso, a obstinação
com a eliminação do déficit primário deverá trazer perigosas consequências recessivas
para nossa economia.
Esse quadro ganha coloração ainda mais dramática se adicionarmos à política fiscal as
dificuldades na política monetária. Já faz mais de um ano que o resultado das eleições
presidenciais de 2022 passou a ser conhecido. Mas a independência do BC, aprovada
por Guedes e Bolsonaro ainda em 2021, manteve a composição majoritária do Comitê
de Política Monetária (Copom) com os diretores do órgão indicados pelo governo
anterior, ou seja, apoiadores entusiastas do financismo e do genocida. Assim, a Selic
ficou mantida em 13,75% por oito longos meses e só recentemente experimentou
reduções homeopáticas que não chegaram a alterar o juro real no Brasil.
Aliás, muito pelo contrário. Com a redução no ritmo de crescimento dos preços
observada desde o início do ano, o país volta a ocupar o primeiro lugar no pódio do
triste campeonato mundial de taxa real de juros. Essa medida é realizada subtraindo-se
do valor nominal da Selic a perda com a inflação. De acordo com o levantamento mais
recente elaborado pela página Moneyou, estamos com a maior taxa real de juros do
planeta. Além de realimentar a dinâmica de elevação de gastos públicos pelo pagamento
de juros da dívida pública, o custo financeiro elevado prejudica a atividade econômica
em todos os níveis e compromete os investimentos na ampliação da capacidade
produtiva de forma geral.
Despesas com juros chegam a R$ 700 bi: sem teto nem limite
A defesa aguerrida que Haddad faz de um resultado zero para as contas primárias no
ano que vem não se sustenta nem mesmo quando se verificam as publicações dos órgãos
oficias. Tanto que algumas lideranças do próprio governo já sugerem considerar a
hipótese de uma alteração cosmética, para um déficit de 0,5%. Porém, essa meta ainda é
insuficiente e só reflete a perpetuação do regime da desigualdade social e econômica
que nos acompanha desde sempre. Esse percentual corresponderia, segundo as
estimativas do PLDO, a R$ 55 bi. Ou seja, apenas no mês de setembro passado o
governo gastou com o pagamento de juros um valor 50% maior do que este percentual,
que alguns pretendem estabelecer como meta de resultado primário para todo o
exercício de 2024.