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24/07/2017 Há lógica no aumento dos impostos sobre combustíveis?

– Le Monde Diplomatique

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Há lógica no aumento dos impostos sobre combustíveis?
O mito das “contas que não fecham”, sem dizer por quê, ou colocando a culpa em uma irresponsabilidade abstrata de governos anteriores, é o instrumento subjetivo
que paci ca o povo diante de tamanha extorsão em favor de poucos privilegiados que já detém fortunas inimagináveis.
22 de julho de 2017 Por: Maurício Abdalla

O Governo anunciou o aumento de impostos sobre combustíveis sob o pretexto de que essa medida tinha como objetivo o
“equilíbrio das contas públicas”. O discurso foi repetido insistentemente pela mídia. Inclusive pela Globo, que resolveu fazer
oposição ao Governo que ela mesma ajudou a chegar ao poder sem o voto popular. O conteúdo opinativo e jornalístico da
emissora, apesar de rompido com o atual mandatário do Executivo, continua perfeitamente afinado com os interesses dos que
promoveram o impeachment.
Ninguém gosta de ter as contas desequilibradas. Por isso, muitos aceitam o que é mostrado como um “remédio amargo” para
curar a doença que os fizeram acreditar acometidos. Reclamam, mas não se revoltam.
Poucos, porém, se perguntam que contas são essas e por que estão desequilibradas. Não porque não queiram saber. Mas
porque o braço educativo e formador de opiniões dos que realmente governam o mundo (as corporações de mídia) já construiu
e disseminou a resposta: o Governo deposto gastou demais e gerou um rombo que precisa ser compensado com austeridade
fiscal e aumento de receita. Em outras palavras, criou-se a ideia (quase uma verdade absoluta) de que o governo anterior
gastou mais do que arrecadou e levou o país para o buraco. Uns culparam até os programas sociais pelos “gastos excessivos”.
Se o governo Dilma soube ou não administrar as contas do Estado, não é caso para se discutir aqui. Essencial é saber quem
realmente está por trás do rombo nas contas públicas, quem o Governo atual deseja sacrificar para tapá-lo e em nome de que
tipo de interesses se pretende fazer o equilíbrio fiscal.
Ladislau Dowbor, em seu artigo Quem quebrou o Estado brasileiro (http://outraspalavras.net/brasil/ladislau-quem-quebrou-
o-estado-brasileiro/ (http://outraspalavras.net/brasil/ladislau-quem-quebrou-o-estado-brasileiro/)), revela os verdadeiros
responsáveis pela crise fiscal brasileira com dados do próprio Banco Central. A tabela abaixo, copiada de seu texto, mostra que
de 2010 a 2013, os gastos primários do Governo (que não inclui o serviço da dívida) foram menores do que a arrecadação. Ou
seja, se não se contabiliza o dinheiro gasto com juros para pagar bancos e detentores de títulos públicos (os agiotas legais que
vivem da usura), os resultados mostram superávit nas contas públicas.

IX Resultado Primário do Governo Central

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2010 2011 2012 2013 2014 2015

78.723,3 93.035,5 86.086,0 75.290,7 -20.471,7 -116.655,6

2% 2,1% 1,8% 1,4% -0,4% -2%

www.tesouro.fazenda.gov.br/pt_PT/resultado-do-tesouro-nacional (http://www.tesouro.fazenda.gov.br/pt_PT/resultado-do-
tesouro-nacional)
Programas sociais, previdência, gastos com a máquina administrativa ou investimentos não pesaram negativamente no
equilíbrio das contas. Se foram bem feitos ou não é outra história. Só não foram a causa do problema.
Em 2014 houve um pequeno déficit e em 2015 ele chega a 2% do PIB. Não se trata de nenhum rombo. Dowbor nos esclarece
que para a União Europeia um déficit de até 3% é considerado normal.
Mas isso não significa que as contas públicas estiveram equilibradas. Pois o rombo existe. Só não dissemos ainda sua origem.
Importou até aqui apenas desfazer a ideia de que os gastos do Governo com a sua manutenção (a história repetida dos “muitos
ministérios”), com programas sociais, previdência e diferentes investimentos constituíram-se uma “farra com dinheiro
público” ou uma “gastança irresponsável”. Os números do Banco Central provam que todos foram feitos dentro do que era
possível no orçamento e com sobra (até 2013) ou com um déficit tolerável.
Quando, porém, se contabilizam os gastos com os juros da dívida com o setor financeiro (que agigantou-se desde o plano Real
e a política econômica financista que o sustentou, mantida por todos os governos até o presente), o verdadeiro rombo aparece.
A outra tabela exposta no artigo de Dowbor, com dados do Banco Central, mostra o quanto foi transferido de nossas riquezas
para o setor financeiro apenas com o pagamento de juros e o que isso representa de déficit nas contas públicas.

X Juros nominais

2010 2011 2012 2013 2014 2015

-124.508,7 -180.533,1 -147.267,6 -185.845,7 -251.070,2 -397.240,4

-3,2% -4,1% -3,1% -3,5% -4,4% -6,7%

www.tesouro.fazenda.gov.br/pt_PT/resultado-do-tesouro-nacional
O aumento ou diminuição dos montantes pagos com juros estão diretamente relacionados às variações da taxa de juros para
cima ou para baixo. Sob pressão do setor financeiro e com representantes dos banqueiros cuidando da economia a partir de
2014 (com a ida de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda), o Governo Dilma permitiu o aumento do rombo ao elevar a
taxa de juros e tentou saciar a fome voraz de banqueiros e especuladores no período de crise. O resultado aparece na tabela.
A pressão das finanças sobre os governos, por todos os meios possíveis, que vão desde a cooptação dos eleitos a ameaças à
governabilidade (pelo controle dos parlamentos e dos judiciários), é o que caracteriza o exercício real do poder. Não é por
acaso que os bancos e agentes financeiros continuam lucrando bilhões mesmo em períodos de retração da economia, queda do
PIB e aumento da pobreza da população.
Somente com essa (aí, sim) “farra” dos bancos e agentes financeiros com a riqueza gerada pelos que trabalham e produzem é
que o rombo aparece, ou seja, que a “gastança” do governo se revela em forma de déficit. No resultado final das contas, soma-
se o resultado primário com o resultado dos juros. O superávit primário é engolido pelos juros e vira déficit nominal

IX – Resultado Nominal do Governo Central

2010 2011 2012 2013 2014 2015

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-45.785,5 -87.517,6 -61.181,7 -110.554,9 -271.541,9 -513.896,0

-1,2% -2% -1,3% -2,1% -4,8% -8,7%

www.tesouro.fazenda.gov.br/pt_PT/resultado-do-tesouro-nacional
A causa do rombo, portanto, não foi aumento de gastos, mas aumento de juros para aplacar a ganância dos bancos e
compradores de títulos públicos. Ou seja, a crise fiscal não é causa, mas consequência da política econômica financista mantida
pelos Governos FHC, Lula e Dilma.
Contudo, não se sacia uma fome insaciável. Apenas o aumento das taxas de juros, o corte de alguns gastos e o anúncio de
“austeridade” do Governo Dilma não servia a mesa da banca. Com a economia mundial em crise, a expectativa de lucro do
setor financeiro, para concretizar-se, depende da mobilização de todos os recursos do país, ou seja, precisa sugar a maior parte
da riqueza dos que realmente participam das atividades fins da economia (trabalhadores e empresários). Depende de que toda
a arrecadação feita sobre os produtores de riqueza seja transferida para seus cofres, sob a forma de pagamento de juros, e não
para os programas sociais ou áreas como previdência social, saúde, educação, reforma agrária, habitação, etc. Depende,
inclusive, de que não exista mais programas sociais ou aposentadorias.
Para isso, um outro governo era necessário. Menos escrupuloso e com menos sensibilidade social. Dilma não servia mais.
Com o novo Governo, o dreno que transferiria todos os recursos da produção para a remuneração do capital financeiro deveria
ser colocado nos que, de uma forma ou de outra, tocam a economia produtiva, ou seja, empresários e trabalhadores. Para
servir à banca, o governo poderia, além de congelar o orçamento, acabar com programas sociais e destruir a previdência,
aumentar a arrecadação com o aumento de impostos sobre o setor produtivo.
O problema é que grandes empresários desse setor (organizados em entidades como CNI, FIESP, etc.) também participaram
da conspiração que destituiu o Governo eleito. Além de conseguirem o fim da CLT e anistia de dívidas milionárias, também
querem que não haja aumento de tributos que possam reduzir sua participação no butim, ou seja, de impostos que possam
incidir sobre o lucro, herança, grandes fortunas, etc.
A solução, então, é o aumento de impostos que são repassados aos preços, transferindo os impactos, mais uma vez, para a
população, como é o caso do aumento do imposto sobre os combustíveis. Esse tipo de imposto não é pago por produtores e
comerciantes, mas pelos consumidores, pois são embutidos nos preços. Inclusive, até antes de impactarem realmente os custos
de comerciantes e produtores. Certamente outros virão.
Esse tipo de medida que aumenta o volume de recursos a serem transferidos para o setor financeiro na forma do pagamento de
juros também não é o ideal para o setor produtivo, pois faz cair o consumo, dificulta o crédito e estanca a produção. Mas quem
manda de verdade na conjuntura atual do capitalismo são as finanças. Então, a batalha é para ver como se perde menos para se
continuar ricos. Por isso eles se unem em um complexo financeiro-empresarial, em nome do capital.
O mito das “contas que não fecham”, sem dizer por quê, ou colocando a culpa em uma irresponsabilidade abstrata de governos
anteriores, é o instrumento subjetivo que pacifica o povo diante de tamanha extorsão em favor de poucos privilegiados que já
detêm fortunas inimagináveis.
Conhecer as raízes das medidas e divulgá-las é tarefa que pode gerar a indignação e resistência necessárias para o
enfrentamento da poderosa banca que domina o mundo por meio de seus representantes na política local.

Maurício Abdalla é professor de filosofia na Universidade Federal do Espírito Santo

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http://diplomatique.org.br/ha-logica-no-aumento-dos-impostos-sobre-combustiveis/ 3/6
24/07/2017 Há lógica no aumento dos impostos sobre combustíveis? – Le Monde Diplomatique

A exaustão da Nova República É chegada a hora de pressionar por uma A deriva brasileira no cenário UERJ não está normal, não é por acaso
(http://diplomatique.org.br/a-exaustao- política de economia solidária internacional e tem algo a dizer
da-nova-republica/) (http://diplomatique.org.br/39732-2/) (http://diplomatique.org.br/a-deriva- (http://diplomatique.org.br/uerj-nao-
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2 COMMENTS

Cláudio Amorim (http://www.claudioamorim.wordpress.com)


22 de julho de 2017 às 19:21 (http://diplomatique.org.br/ha-logica-no-aumento-dos-impostos-sobre-combustiveis/#comment-10064)

Explicação clara e sucinta.


Tenho 50 anos e, desde que me entendo por gente, vejo o noticiário conclamar pobres e remediados a “apertar os cintos”, em nome de “ajustes” que nunca
terminam. Nesse meio tempo, os cintos dos mais ricos só se alargaram, no Brasil e no mundo todo.
Aos donos do capital importa arrancar, por todos os meios imagináveis, o máximo de dinheiro dos que não podem se defender. E ainda, imaginar meios novos,
para arrancar cada vez mais. O Prêmio Nobel Joseph Stiglitz, ex economista-chefe do Banco Mundial, afirma, peremptoriamente: “Those at the top have learned
how to suck out money from the rest in ways that the rest are hardly aware of” (The Price of Inequality, 2012, p.32).
O governo brasileiro pós-golpe vai aprofundando o papel do Estado como vaca leiteira das elites transnacionais, mesmo que para isso falte leite a milhões de
crianças nativas. O resto são penduricalhos políticos e jurídicos, com verniz de legalidade.

 RESPONDER (HTTP://DIPLOMATIQUE.ORG.BR/HA-LOGICA-NO-AUMENTO-DOS-IMPOSTOS-SOBRE-COMBUSTIVEIS/?REPLYTOCOM=10064#RESPOND)

Sonia Queiroz
23 de julho de 2017 às 21:17 (http://diplomatique.org.br/ha-logica-no-aumento-dos-impostos-sobre-combustiveis/#comment-10180)

Minha opinião: muito palavreado, pouca ação. Discordo de um ponto: quem votou em Dilma votou em Temer, sim. É a lei eleitoral que aliás tem que ser destruida
e refeita. Nao vi nenhuma novidade no que li. É assim há muitos anos. No que me diz respeito só quero um pais novo, realmente democrático, justo e honesto. Nao
sou economista mas sei exatamente de onde vem o rombo e
por favor pode recuar além de governo FHC, Lula e Dilma. A coisa é bem mais antiga. Resumindo : sei qual é o problema . ME DÊ A SOLUÇÃO.

 RESPONDER (HTTP://DIPLOMATIQUE.ORG.BR/HA-LOGICA-NO-AUMENTO-DOS-IMPOSTOS-SOBRE-COMBUSTIVEIS/?REPLYTOCOM=10180#RESPOND)

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