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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

DAVIDSON BENJAMIM LESSA MENDES

POLÍTICAS CONTRACÍCLICAS DE 2020 NO BRASIL PARA REDUÇÃO DO RISCO


DE INSTABILIDADE FINANCEIRA DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19
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1 INTRODUÇÃO

O ciclo governamental de 2019 a 2022 foi marcado pelo ambiente recessivo da


atividade econômica durante o complexo ano de 2020, em decorrência da pandemia
de COVID-19.
Devido à falta de tratamentos eficazes para conter o contágio pela doença, as
autoridades de saúde recorreram a medidas de distanciamento social para conter a
sua propagação. Isso resultou em um aprofundamento da recessão devido ao
fechamento de empresas e consequente aumento do desemprego.
Essas medidas afetaram tanto o setor produtivo, reduzindo a oferta devido à
limitação na mobilidade dos trabalhadores, quanto o setor de demanda, que foi
paralisado pelas restrições impostas pela crise sanitária. Além disso, tiveram impacto
no sistema financeiro, influenciando as decisões de investimento e a oferta de crédito
por parte das instituições financeiras, devido à preocupação com a possibilidade de
inadimplência.
Por um lado, a percepção de aumento do risco de crédito levou os bancos
privados a restringirem a oferta de crédito. Por outro lado, o governo teve que tomar
medidas anticíclicas para evitar a transformação de uma crise econômica, com origem
na produção, em uma crise financeira.
Isso envolveu o estabelecimento de políticas monetárias para apoiar a liquidez
das empresas e políticas fiscais destinadas a evitar a deflação da dívida e a queda na
demanda agregada do setor privado.
Conforme DE PAULA (2021, p.5, apud Minsky, 1996), a crise desencadeada
pela pandemia de COVID-19 não se enquadraria no conceito de uma "crise minskiana"
no sentido de uma crise financeira originada por uma tendência de fragilização
financeira que antecede a instabilidade, com uma deterioração das margens de
segurança mantidas por empresas e bancos. Isso ocorre porque a crise teve origem
no setor real da economia.
No entanto, a crise teve um forte impacto nos balanços das empresas e das
famílias, comprometendo suas receitas e levando esses agentes a enfrentar sérios
problemas de solvência. Além disso, como já externado, a crise afetou o mercado de
liquidez bancária, uma vez que os bancos se tornaram mais avessos ao risco e
buscaram manter mais liquidez devido à extrema incerteza do cenário.
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Em resumo, embora a crise não seja uma crise financeira "minskiana" clássica,
ela teve implicações significativas nos balanços financeiros dos agentes econômicos,
na solvência e na preferência dos bancos por liquidez.
Este estudo tem como propósito expor as políticas econômicas de destaque
adotadas no Brasil em 2020 em resposta à crise da COVID-19, com ênfase naquelas
direcionadas à mitigação do risco de instabilidade financeira.
O arcabouço analítico foi inspirado no artigo de Luiz Fernando de Paula (2021),
o qual analisou a economia brasileira durante a pandemia do coronavírus e as políticas
econômicas implementadas em 2020 para enfrentamento dos efeitos econômicos e
sociais dela decorrentes.
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2 FUNDAMENTAÇÃO

A crise do coronavírus apresentou características singulares. Devido à falta de


tratamentos eficazes para conter o contágio pela doença, as autoridades de saúde
recorreram a medidas de distanciamento social para conter a sua propagação. Isso
resultou em um aprofundamento da recessão devido ao fechamento de empresas e
consequente aumento do desemprego.
Conforme dados da Pesquisa Pulso Empresa COVID-19, realizada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na primeira quinzena de junho de
2020, observou-se que aproximadamente 1,3 milhão de empresas encerraram suas
atividades (definitivamente ou temporariamente), sendo que 39,4% dessas empresas
apontaram as restrições impostas pela pandemia como a causa principal desse
fechamento.
Esse impacto no encerramento das firmas foi disseminado em todos os setores
da economia, chegando a 40,9% entre as empresas do comércio, 39,4% dos serviços,
37,0% da construção e 35,1% da indústria.
Além disso, a taxa média anual de desemprego no Brasil foi de 13,5% em 2020.
Os quadros a seguir exemplificam essa conjuntura:

Figura 1: IBGE (2020)


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Figura 2: Taxa de Desocupação - IBGE (2023)

Outro destaque da crise residiu em seu substancial (e desfavorável) impacto


sobre os balanços dos agentes econômicos, tanto empresas como famílias,
resultando na deterioração de suas receitas e no aumento dos índices de
inadimplência.
A seguir, apresentam-se dados fornecidos pelo IBGE e pelo Serasa referentes
a esses agentes:

Figura 3: IBGE (2020)


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Figura 4: Inadimplência Pessoa Física - Serasa (2021)

Nesta situação, as empresas viram sua receita diminuir devido a lockdowns,


redução da demanda e interrupções na produção. Isso afetou seus balanços, tornando
difícil para muitas delas gerar receita suficiente para cobrir despesas e dívidas.
Da mesma forma, as famílias enfrentaram a perda de empregos, redução de
renda e incerteza econômica, o que comprometeu suas receitas e capacidade de
pagamento de dívidas.
A crescente incerteza econômica durante a crise levou os bancos e investidores
a preferirem manter ativos líquidos, como dinheiro ou títulos de curto prazo, em vez
de investir em ativos de maior risco, como empréstimos ou investimentos de longo
prazo. Isso é conhecido como "preferência pela liquidez". Em outras palavras, devido
a preocupações com a possível inadimplência em empréstimos, os bancos
restringiram o acesso ao crédito para empresas e famílias.
Essa situação resultou na necessidade de o governo tomar medidas anticíclicas
para evitar a transformação de uma crise econômica, que teve origem no setor
produtivo da economia, em uma crise financeira. Isso envolveu a implementação de
políticas monetárias voltadas para apoiar a liquidez das empresas e políticas fiscais
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destinadas a conter a tendência à deflação das dívidas1 que surgiu durante a crise,
bem como a redução da demanda agregada do setor privado
Sob uma perspectiva keynesiana, considerando que a crise teve origem no
setor real da economia (que lida com a produção de bens e serviços reais, emprego,
oferta e demanda), a resposta à contração da demanda agregada ocorreu por meio
da implementação de programas visando atenuar a perda de renda e emprego dos
trabalhadores. Isso implicou em um aumento nos gastos públicos.
De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Economia, em 2020, foi
registrado um esforço fiscal total de R$ 521,3 bilhões. A maior parcela desse
montante, equivalente a R$ 254,2 bilhões, foi alocada no pagamento do auxílio
financeiro emergencial de R$ 600 por mês, destinado aos cidadãos impactados pela
crise da COVID-19.
A segunda maior despesa, no valor de R$ 60,2 bilhões, foi direcionada ao
Auxílio Financeiro Emergencial Federativo, com o objetivo de oferecer apoio aos
estados, ao Distrito Federal e aos municípios. Por fim, o terceiro maior dispêndio
totalizou R$ 51,6 bilhões e se referiu ao Benefício Emergencial de Manutenção do
Emprego e da Renda.
No que diz respeito à receita, a principal redução ocorreu devido à diminuição
temporária da arrecadação, que resultou em um montante de R$ 7,1 bilhões. Essa
redução foi consequência da diminuição do Imposto sobre Operações Financeiras nas
operações de crédito durante o período da crise da COVID-19
Além disso, há de se enfatizar os esforços governamentais a fim de conter
possíveis choques no sistema financeiro.
Embora essa crise tenha sido causada por algo externo ao mercado financeiro,
ao contrário da crise de 2008, que teve origem nos próprios bancos e hipotecas, ainda
havia o risco de que os mercados onde as pessoas compravam e vendiam ativos
financeiros (chamados de mercados de liquidez) pudessem enfrentar problemas.
A preferência pela liquidez poderia encarecer a negociação dos ativos
financeiros. Quando isso acontece, as pessoas que gerenciam grandes somas de
dinheiro (como fundos de investimento) têm dificuldade em negociar esses ativos

1 Situação em que o valor real da dívida aumenta, uma vez que os preços caem ou a receita diminui,
tornando a dívida mais onerosa.
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rapidamente, especialmente quando precisam devolver o dinheiro aos investidores


em prazos curtos, como no mesmo dia ou no dia seguinte.
Se essa situação piorasse, o mercado poderia ter problemas para determinar o
valor correto desses ativos financeiros, o que poderia levar as pessoas ao pânico e
causar problemas no sistema financeiro.
De acordo com Martins, et al. (2020), para evitar problemas, o governo
brasileiro tomou duas medidas importantes em 2020: eles baixaram a taxa de juros
principal (conhecida como taxa Selic) e fizeram as regras bancárias ficarem mais
flexíveis.
O Comitê de Política Monetária (Copom), entidade vinculada ao BACEN,
promoveu três reduções na taxa de juros, levando-a a um patamar historicamente
baixo de 2,25% ao ano. Essa ação visou diminuir o custo do dinheiro emprestado para
bancos e empresas, contribuindo para o funcionamento mais eficaz da economia.
Adicionalmente, como parte das medidas para equilibrar os fluxos de caixa
previstos para empresas e famílias, o governo adotou ações de apoio ao crédito. Isso
envolveu três áreas principais de atuação: (i) a redução dos requisitos de capital; (ii)
a flexibilização de outros regulamentos relacionados a empréstimos; e (iii) o
estabelecimento de novas linhas ou métodos para direcionar o crédito.
Para atender às necessidades decorrentes das dificuldades no recebimento de
dinheiro por parte de empresas e famílias, foram implementados três programas de
garantias para empréstimos a pequenas e médias empresas. O primeiro deles foi o
Programa Emergencial de Suporte a Empregos (Pese), e os outros dois basearam-se
em mecanismos já existentes que foram criados durante a crise de 2008 e
posteriormente reativados: o Fundo Garantidor de Operações (FGO) e o Fundo
Garantidor de Investimentos (FGI), que são administrados, respectivamente, pelo
Banco do Brasil e pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES).
Abaixo quadro ilustrativo acerca desses programas:
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Figura 5: Ministério da Economia

Por fim, uma análise superficial acerca do acumulado anual de empresas


baixadas no estado do Paraná mostra um descasamento da curva de 2021 quando
comparada às curvas de 2015, 2017 e 2020, indicando uma “quebra” na tendência de
fechamento das empresas.

Figura 6: o autor (2023)

O resultado desta curva pode indicar que a ação do governo para evitar a
falência em massa de empresas e o desemprego em larga escala decorrentes da crise
do coronavírus teria sido bem sucedida.
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No entanto, também pode ter levado à “zombificação” de algumas empresas


que, em circunstâncias normais, não seriam viáveis a longo prazo.
A "zombificação" de empresas é um termo que se refere a uma situação em
que uma empresa em dificuldades financeiras continua a existir e operar, mas não é
capaz de se recuperar ou de gerar lucros consistentes. Essas empresas muitas vezes
sobrevivem graças a medidas de apoio governamentais, injeções de capital,
empréstimos ou outros tipos de intervenção financeira que evitam seu fechamento ou
falência imediata.
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3 CONCLUSÃO

Este estudo teve como propósito expor as políticas econômicas de destaque


adotadas no Brasil em 2020 em resposta à crise da COVID-19, com ênfase naquelas
direcionadas à mitigação do risco de instabilidade financeira.
O arcabouço analítico apresentado neste trabalho foi inspirado no artigo de Luiz
Fernando de Paula (2021), o qual analisou a economia brasileira durante a pandemia
do coronavírus e as políticas econômicas implementadas em 2020 para
enfrentamento dos efeitos econômicos e sociais dela decorrentes.
Embora essa crise tenha sido causada por algo externo ao mercado financeiro,
ao contrário da crise de 2008, que teve origem nos próprios bancos e hipotecas, ainda
havia o risco de que os mercados onde as pessoas compravam e vendiam ativos
financeiros (chamados de mercados de liquidez) pudessem enfrentar problemas.
Em síntese, procurou-se mostrar quais foram as ações contracíclicas, tanto
aquelas relacionadas à política fiscal, assim como aquelas voltadas para evitar um
racionamento no mercado de crédito.
Por fim, foi realizada uma análise superficial acerca do acumulado anual de
empresas baixadas no estado do Paraná, que identificou um descasamento da curva
de 2021 quando comparada às curvas de 2015, 2017 e 2020, indicando uma “quebra”
na tendência de fechamento das empresas. O resultado desta curva pode indicar que
a ação do governo para evitar a falência em massa de empresas e o desemprego em
larga escala decorrentes da crise do coronavírus teria sido bem sucedida.
No entanto, também pode ter levado à “zombificação” de algumas empresas
que, em circunstâncias normais, não seriam viáveis a longo prazo.
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REFERÊNCIAS

DE PAULA, LUIZ FERNANDO. A crise do coronavírus e as políticas contracíclicas


no Brasil: uma avaliação. Texto para Discussão IEUFRJ nº 016, mai. 2021.

Ministério da Economia (2021), http://www.portaltransparencia.gov.br/coronavírus,


acesso em 02/11/2023.

MARTINS, N. M.; TORRES FILHO, E. T.; MACAHYBA, L. Os aspectos financeiros


da crise do coronavírus no Brasil: uma análise minskyana. Texto para Discussão
IEUFRJ nº 013, ago. 2020.

MINSKY, H. P. Stabilizing an Unstable Economy. New York: McGraw Hill, 1986.

Indicadores Econômicos Serasa (2023), https://www.serasaexperian.com.br/conteud


os/indicadores-economicos, acesso em 02/11/2023.

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