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A Organização Mundial da Saúde decretou o estado de pandemia do Covid-19 no dia 11

de março de 2020, o que significa que o novo Coronavírus se espalhou globalmente, fato

que vem causando enorme impacto social e econômico em todo o mundo.

O risco de uma recessão global já é uma realidade, o que gerará profundas

consequências jurídicas.

Diante desse cenário, o governo brasileiro preparou um pacote de medidas que visam

a mitigar os impactos negativos do Coronavírus na economia. Algumas dessas medidas

ainda dependem de regulamentação, de continuidade do processo legislativo e de

consolidação jurisprudencial.

Neste primeiro boletim relacionado com a crise causada pela pandemia, vamos tratar

dos impactos imediatos

(i) nos contratos comerciais, em razão, principalmente, da qualificação da

pandemia como um evento de força maior, e

(ii) sobre processos de reestruturação de dívidas e procedimentos de

insolvência.
A estratégia de combate à epidemia que vem sendo adotada em quase todo o
mundo prevê o confinamento e o isolamento social, com o fechamento de
empresas e indústrias. Alguns setores ainda possibilitam que o trabalho seja feito
na modalidade home office, porém indústrias não tem essa opção.

Ainda, a China é um dos principais parceiros comerciais do Brasil (em 2019, 20%
das importações realizadas pelo Brasil vieram da China). Isso significa que os
setores que dependem de componentes chineses em sua linha de produção, como
o de eletroeletrônicos, aparelhos de rádio, televisão e telefonia, indústria têxtil,
automobilístico, podem sofrer um desabastecimento no futuro próximo,
acarretando uma interrupção ou desaceleração na produção.

As pequenas e médias empresas, elos cruciais na cadeia produtiva, serão as mais


afetadas pela recessão que se antevê. Se esses elos forem quebrados, teremos
um efeito cascata, o que tornará muito mais difícil a saída da recessão.

As perdas no comércio global de bens e serviços podem chegar a € 530 bilhões


por trimestre, ameaça de insolvência cerca de 13 mil empresas na Europa e pode
elevar a taxa de falência global para 13% neste ano, segundo levantamento da
Allianz Euler Hermes1.

Ou seja, a epidemia do Coronavírus está gerando uma enorme insegurança


mundial, levando países financeiramente saudáveis a um patamar de crise e
países ditos “emergentes” a um cenário de recessão. Neste contexto, a
recuperação da economia brasileira poderá demorar muito mais tempo do que o
previsto.

1 https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/03/17/comercio-mundial-deve-perder-euro-530-bi-por-trimestre-de-crise.ghtml
As relações comerciais sofrerão um impacto direto desta crise, com a necessidade
de renegociação, suspensão e até o cancelamento de contratos, e provável
prorrogação nas negociações de novos acordos comerciais.

O ordenamento jurídico brasileiro possui mecanismos que possibilitam a revisão


ou resolução contratual em razão de eventos decorrentes de caso fortuito e/ou
de força maior (Art. 393 do Código Civil) 1 ou de eventos que gerem onerosidade
excessiva a uma das partes com extremo benefício à parte contrária (Art. 478 do
Código Civil), 2 ou, ainda, com embasamento na teoria da imprevisão (Art. 317
do Código Civil). 3

No entanto, na atual conjuntura, parece-nos muito mais importante a


conscientização das partes quanto à necessidade de readequação das bases
contratuais de forma amigável, em razão das imensas incertezas com relação à
situação econômica futura. Neste momento, é necessário preservar a integridade
de toda a cadeia produtiva, de relações de confiança construídas ao longo de
décadas, e que serão necessárias para um processo de rápida retomada
econômica com o abrandamento da crise de saúde pública. Em tal situação, a
solução mais adequada é a renegociação de contratos, evitando disputas judiciais
que poderão ser muito custosas para ambas as partes. Mecanismos de mediação,
por exemplo, podem garantir soluções mais rápidas, particularmente em
situações que demandam respostas imediatas as quais não poderão ser obtidas
por meios judiciais ou arbitrais.

1 “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles
responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
2“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema
vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. (...)”
3 “Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua

execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”
A consultoria Alvarez & Marsal avalia que o impacto econômico sem precedentes da
crise do Coronavírus tem potencial para gerar uma nova onda de recuperações
judiciais e extrajudiciais em patamares semelhantes aos observados no Brasil entre
2015 e 2017, quando grandes grupos sofreram com as consequências da Lava-Jato. 1

Isso porque, muitas empresas estavam concluindo a reestruturação de suas dívidas e


voltando a operar, mas ainda sem um fluxo de caixa muito forte, ou seja, ainda
precisavam tomar fôlego para decolar. Em vez disso, vão enfrentar um cenário de
paralisação da economia, o que implicará na necessidade tanto de dinheiro novo a
curto prazo, quanto de alongamento dos pagamentos previstos.

Em alguma medida, todos os empresários sofrerão os impactos do Coronavírus em


sua atividade. O fechamento do comércio e a determinação de confinamento da
população, levará a uma drástica redução no volume de vendas - no setor de
vestuário, por exemplo, esta redução já atingiu 80% -, tornando impossível manter a
atividade. Uma onda brutal de demissões é esperada diante da paralisação da
indústria e varejo por um período ainda incerto.

Um setor que merece atenção é o agronegócio, fortemente afetado pela variação


cambial. Em particular o ramo sucroalcooleiro, que sequer se recuperou da crise de
2014, havendo dezenas de usinas que já estão em recuperação judicial. Também o
setor de turismo, praticamente paralisado pela crise, com cancelamentos de eventos,
feiras, shows (até os espetáculos da Broadway foram suspensos!), determinação de
fechamento de fronteira por alguns países etc.

Para Georges Dib, economista da Euler Hermes, é provável que o impacto econômico
na China seja sentido com maior intensidade durante o primeiro trimestre, dado o

1 https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/03/18/alvarez-and-marsal-preve-nova-onda-de-recuperacao-judicial.ghtml
fechamento provisório de fábricas e o isolamento de pessoas infectadas. Já na Europa,
nos Estados Unidos e no Brasil, as cadeias produtivas devem ser realmente afetadas
a partir do segundo trimestre, quando os produtos e insumos estocados devem
acabar.

As medidas apresentadas até o momento pelo governo brasileiro não parecem fazer
frente à gravidade da situação que estamos passando. A Alvares & Marsal destacou
que, diante da demora do governo brasileiro na percepção da gravidade da situação
que essa crise trará para as empresas, as próprias entidades setoriais estão se
movimentando para alinhar iniciativas e buscar soluções coordenadas, incluindo aí os
grandes bancos, cientes da gravidade da situação.

Contudo, hoje ainda vivemos um cenário de grande incerteza, o que leva à paralisação
dos entes econômicos, pois, para que haja crédito, a situação deve estar minimamente
sob controle.

Se em 2019 houve uma queda de 1,5% nos pedidos de recuperação judicial no Brasil,
o que refletiria a melhora da economia brasileira no período, reforçada pelas
consecutivas reduções nas taxas de juros, 2 o mesmo não se pode esperar parar 2020:
a expectativa inicial era que houvesse aumento de 6% de insolvência de companhias
em 2020, mas depois do Coronavírus esse número subiu para 7,5%. 3

Diante deste cenário de incertezas, aconselhamos nossos clientes e parceiros que


organizem internamente sua gestão, seus departamentos contábeis, suas assessorias
econômico-financeiras e revisem seus contratos na medida do possível, diminuindo
gastos e custos desnecessários, a fim de passar esse período de crise com
tranquilidade.

A equipe do PGLAW está preparada para auxiliá-los tanto nas renegociações


contratuais amigáveis, como em eventuais mediações e litígios judiciais e arbitrais
envolvendo operações contratuais, societárias, financeiras, além de possuir uma
equipe altamente especializada em reestruturação de dívidas e processos de
insolvência.

2 https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/pedidos-de-recuperacao-judicial-caem-15-em-2019-revela-serasa-experian
3https://exame.abril.com.br/negocios/coronavirus-como-ficam-contratos-comerciais-que-nao-foram-cumpridos

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