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É um facto assente, que a crise económica que graça em Angola desde 2014, causou um
impacto muito forte nos contratos privados – especialmente - e em todos os seguimentos da vida
da sociedade angolana. Assim, com o presente trabalho procuraremos indagar sobre: Em que
medida terá causado desequilíbrios financeiros nos contratos privados em Angola? Quais
contratos privados mais atingidos pela crise económica angolana? Que soluções legais o
ordenamento jurídico aponta para que se reponha o equilíbrio financeiro dos contratos em causa?
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INTRODUÇÃO
A problemática das crises económica e financeira, remonta há vários anos na história
universal. Curiosamente, as maiores de que se tem registo histórico têm a mesma conexão
geográfica: os Estados Unidos da América (EUA). Referimo-nos concretamente às crises de
1929 (chamada de grande depressão) e de 2007-2010 (chamada crise dos subprimes), e esta
última, “ainda não superada inteiramente”, sendo designada por crise mundial.
Sublinhe-se que, sucederam-se outras crises, designadamente: crise asiática de 1997
(Coreia, Indonésia e Tailândia), Russa, de 1998 (crise do Rublo), tecnológica, de 2000 (crise das
pontocom), o crash, de 2001/2002 (com os ataques terroristas às torres gémeas world trade
center e ao pentágono), e por último, a crise do petróleo, de 2014, afectando
Bem sabemos que, nos contratos, “a própria decisão de contratar e a conduta assumida
nas negociações baseia-se, na generalidade dos casos, numa projecção de custos, dispêndios e
riscos. Deste modo, entre o momento dessa projecção e exoneração do devedor, através do
cumprimento, podem ocorrer variadas perturbações” sobre a base do negócio. A ser assim,
podemos afirmar com alguma segurança, que a crise económica angolana, afectou gravemente os
contratos privados. Vários são os casos problemáticos de que nos podemos socorrer para
demonstrar o impacto causado por ela.
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CAPITULO I
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1.1 – Impacto sobre as empresas privadas e sobre os contratos de trabalho:
Um dos efeitos gerais da crise económica nas empresas e nos contratos de trabalho
consistiu sem sombras de dúvidas na substituição da antiga Lei Geral do Trabalho (LGT), Lei
02/00 de 11 de Fevereiro, pela Lei 07/15, de 15 de Julho, aprovada pela Assembleia Nacional,
medida que, a nosso ver, visou atenuar ou amortecer os impactos gravosos da crise neste sector
do Direito do trabalho. Como medida de flexibilização, o legislador na nova Lei Geral do
Trabalho, salvaguardando a protecção do empregador, proibiu a modalidade de contratação por
toda a vida do trabalhador, substituindo-a pela modalidade de contratação por tempo
determinado e certo, tal como dispõe o art.º 16.º da nova LGT. As empresas adoptaram, desde
então, a modalidade de contratos a termo certo, devido à escassez de meios de pagamentos para
fazer face aos desafios que o novo contexto impôs. Mas ainda assim, o impacto foi tão pesado
quer para elas próprias, quer para os funcionários.
Redução de salários:
As poucas empresas que mantiveram os funcionários até à data presente, tiveram de fazer
um exercício aturado de negociação com os trabalhadores a fim de manter os postos de trabalhos
e, consequentemente, reduzir os seus rendimentos salariais. Dependendo da dimensão da
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empresa, a redução do salário para muitos casos oscilou entre os 40 a 60%. Parece-nos que
seguiu-se a lógica natural de que mais vale ganhar pouco e sempre, do que não ganhar nada. As
pequenas e médias empresas (PEM´s), mesmo estando contaminadas pelo fenómeno da crise
económica, ainda assim, adoptaram um regime menos gravoso (despedimentos) com os
trabalhadores. Tiveram de seguir o mesmo caminho da negociação da redução do salário,
pagando abaixo do salário mínimo nacional estipulado legalmente no Decreto Presidencial n.º
91/17, de 07 de Junho, que cifra-se entre 16.500 e 24.754 kwanzas (kz) (62,33 a 93,51 Euros no
câmbio oficial). Julgamos que, este critério constitui a manifestação clara da modificação dos
contratos de trabalho por força da crise, visando reposicionar o lugar das partes na relação
contratual. Este reposicionamento persegue sem sombras de dúvidas a realização concreta da
justiça contratual ante ao surgimento de eventos extraordinários e imprevisíveis.
Falência e insolvência:
Crédito malparado:
Dívida fiscal:
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Dívida Pública
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representava o verdadeiro Estado social, que é o programa de merenda escolar. Este programa
envolvia uma cadeia de contratos entre os governos locais e empresas privadas que por sua vez
forneciam bens “alimentares” aos alunos do ensino primário com vista a combater a fome e
promover a aceleração escolar. Na medida em que tais contratos vigoravam, proporcionava-se
um clima de solvabilidade, empregabilidade e de potenciação do poder de compra do cidadão e
geral, o que gerou a celebração de vários contratos privados. No sector minério e industrial,
assistiu-se à paralisação da construção de indústrias chaves (cimento, materiais de construção) e
os negócios a eles conexos. Ainda forçou a paralisação do mega projecto industrial do país
chamado Zona Económica Exclusiva (ZEE), na província de Luanda.
Os consumidores têm vindo a lutar e a debater-se nestes quatro anos de crise com o
fenómeno do aumento do custo de vida gritante que em contrapartida gerou a diminuição do
poder de compra das famílias.
Cesta básica:
Apesar de ser a primeira medida do Estado, durante estes anos, dar alta prioridade a
importação dos produtos da cesta básica, ainda assim, verifica-se ano após ano, mês a mês, o
aumento exponencial dos preços dos produtos da cesta básica e das taxas de consumo.
Em termos gerais, após o conflito armado que assolou o país por mais de 30 anos, em 2002
Angola nasceu para uma nova era da sua história, configurada pela abertura de uma nova página
do livro, que tem vindo a ser escrito, até então. O novo capítulo, se eternizou com a assinatura
dos acordos de paz de 4 de Abril de 2002. Nos anos subsequentes, começou a corrida para
transformar Angola num “canteiro de obras”. A imensidão das obras, estendiase desde as
públicas às obras privadas ou civis: novas centralidades nas principais sedes provinciais,
surgimento de novos bairros no âmbito do programa da autoconstrução dirigida, nascimento de
várias actividades de prestação de serviço, entre outros. O movimento fértil nesta área específica
fez com que nascessem várias empresas de construção civil, que infelizmente, desde 2014.
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CONCLUSÃO
Ficou assente que, desde a antiguidade (quer seja na doutrina ou na lei), a influência do
tempo nas relações obrigacionais foi motivo de grande preocupação, mormente quando surgem
eventos ou circunstâncias imprevistas pelas partes e que, porém, põem em causa a estabilidade
dos negócios jurídicos, tornando desequilibradas e desproporcionais as prestações de um dos
sujeitos contratuais. Tal é que, o mundo está cheio de exemplos de consequências que as crises
económicas causaram tanto nos contratos internacionais como nos contratos internos.
Face a isso, facilmente chegamos a perceber o impacto grave que a crise económica
angolana, que surgiu em 2014, causou nas relações contratuais privadas e não só. Facto é que,
ela provocou a desvalorização abrupta da moeda, a inflação gritante, a escassez de divisas, as
limitações de importação, a perda dos postos de trabalho, a falta de meios de pagamentos para
prosseguir com a realização das prestações e fazer face aos compromissos contratuais, a queda e
o agravamento abrupto dos preços das matérias-primas essenciais aos contratos de prestação de
serviços e de empreitada, agravou e generalizou os inadimplementos das obrigações creditícias,
especialmente o crédito mal parado, causou a insolvência de devedores e falência das empresas,
aumentou o desemprego, impôs ainda um sacrifício elevado aos consumidores (famílias),
piorando a sua condição de parte mais fraca nas relações de consumo, diminuindo, com efeito, o
seu poder de compra.
Por isso, por força da boa-fé, enquanto princípio que serve de prumo da conduta das
partes nas relações contratuais, não será lícito a um dos contraentes obrigar ao outro a realização
das suas obrigações sempre que um evento anormal e externo ao momento posterior à celebração
do contrato leve a um desequilíbrio das prestações que lese de forma grave essa parte. Neste
sentido, o desequilíbrio só pode ser entendido sempre que o risco do contrato se tenha alterado
gravemente.
Todavia, o recurso aos efeitos consagrados na lei, só terá a eficácia desejada, se houver
uma relação de causalidade entre o evento imprevisível e anormal e o desequilíbrio grave
causado por ele na esfera jurídica da parte lesada. Para o nosso caso, exige-se que se verifique
uma conexão causal entre a crise económica e a desproporção das prestações. De outro modo,
tratar-se-á de uma crise em abstracto.
É bem verdade, que não se trata de um exercício fácil, mas é um exercício possível tendo
em conta as exigências da boa fé. Por outro lado, sempre que não seja possível o
restabelecimento do equilíbrio contratual, por meio da adaptação do contrato ao novo contexto,
deverão as partes ou tribunal minimizar ao máximo os prejuízos que a resolução ou extinção da
relação obrigacional venha gerar.
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BIBLIOGRAFIA GERAL
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AMARAL, Francisco, Direito Civil. Introdução, 3ª ed. (Resvista, aumentada e actualizada), edit.
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