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1 Introdução
O presente artigo analisará a importância do modelo do
Super Nacional em meio à complexidade e onerosidade do sistema
tributário brasileiro. Para tanto, este trabalho abordará os fundamentos
constitucionais e as disciplinas infraconstitucionais do regime simplificado
e seu impacto positivo no desenvolvimento econômico nacional. Feito
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2 Desenvolvimento
O tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas encontra
previsão normativa no artigo 179 da Constituição Federal de 1988, que
impõe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o dever
de criar um tratamento jurídico especial às microempresas e às empresas
de pequeno porte “visando incentivá-las pela simplificação de suas
obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias e pela
eliminação e redução destas por meio de lei”.1 A clareza da determinação
constituinte corrobora a tese de Geraldo Ataliba sobre o status acabado
da matéria tributária na ordem constitucional: o legislador constituinte
aperfeiçoou totalmente o regime constitucional, entregando-o pronto ao
legislador ordinário, “a quem cabe somente obedecê-lo”.2
Nesses termos, é dever constitucional a elaboração de tratamento
diferenciado a micro e pequenas empresas tanto no aspecto formal quanto
no aspecto material – respectivamente, a redução de entraves burocráticos
às atividades e a redução de custos ficais ao funcionamento. Cuida-se de
previdência fundamental à criação e à sobrevivência de empresas em um
país cuja legislação tributária é complexa a ponto que, fossem reunidas
todas as leis em vigor em um único livro, resultaria em um de 7,5 toneladas,
41 mil páginas e 2,10 metros de altura.3
O que parece exagero deixa de sê-lo se considerado que, durante os
25 (vinte e cinto) anos de vigência da Constituição Federal de 1988,4 foram
editadas 309.174 normas de matéria tributária – são aproximadamente
1
Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e
às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando
a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e
creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
2
ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário constitucional brasileiro. São Paulo: RT, 1968. p.
21.
3
Disponível em: <http://exame.abril.com.br/economia/noticias/brasil-tem-maior-carga-tributaria-da-
america-latina>. Acesso em: 03 jul. 2016.
4
AMARAL, Gilberto Luiz do; OLENIKE, João Eloi; AMARAL, Letícia Mary Fernandes. Quantidade de
normas editadas no Brasil: 25 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Instituto Brasileiro
de Planejamento e Tributação, 2013. p. 1.
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2 (duas) normas tributárias a cada hora por dia útil. Além da complexidade,
os benefícios fazem-se indispensáveis em uma nação que possui, de acordo
com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico,
a mais elevada carga tributária da América Latina, com seus cidadãos
pagando o equivalente a 33,4% do Produto Interno Bruto em impostos.
A extremidade desses números contrasta com a aparente
simplicidade da Constituição Federal de 1988 ao fundar as bases do sistema
tributário nacional em somente 17 (dezessete) artigos. Em realidade, a
elevada quantidade de normas tributárias é resultado direto do modelo
não só tributário, mas também institucional desenhado pelo legislador
constituinte em 1988.
Herdeira da tradição nacional de sistemas constitucionais rígidos,
a Constituição prevê no Capítulo I do seu Título VI – Da Tributação e do
Orçamento um rol taxativo de impostos, taxas, contribuições de melhoria,
contribuições e de empréstimos compulsórios para além de consagrar os
princípios gerais da tributação e a repartição das receitas arrecadadas.5
Enquanto os demais países se limitam a anunciar o princípio da legalidade
tributária, quando não apenas o princípio da legalidade ou nem isso,
o Brasil determina à exaustão todos os tributos a serem instituídos e as
respectivas competências tributárias.
O ministro Nelson Jobim, presidente do Supremo Tribunal
Federal e membro titular da Comissão de Sistematização da Assembleia
Nacional Constituinte de 1988, sustenta que o ideal seria a disciplina
tributária constitucional esgotar-se nas cláusulas gerais, não devendo o
texto constitucional debruçar-se nos detalhes de Imposto sobre Circulação
de Mercadoria e de Serviços, de substituição tributária e créditos, por
exemplo.6
Mesmo limitando o número dos impostos e formalizando o pacto
federativo, passados mais de 25 (vinte e cinto) anos da sua entrada em
vigência, a Constituição Federal não logrou obstar o recrudescimento
do ônus tributário, o surgimento de guerras fiscais e a ampliação da
complexidade do sistema. Dentre as 74 (setenta e quatro) emendas
constitucionais promulgadas até 2016, 33 (trinta e três) destinaram-se à
5
FUCK, Luciano Felício. Sistema constitucional tributário exige atenção do STF. Disponível em: <http://
www.conjur.com.br/2012-dez-08/observatorio-constitucional-sistema-tributario-exige-atencao-
stf>. Acesso em: 29 jun. 2016.
6
CANÁRIO, Pedro. Separação de poderes: “STF não pode criar mecanismos interpretativos e dar
solução fora da lei”. Revista Consultor Jurídico, 18 de abril de 2018. Disponível em: <https://www.
conjur.com.br/2018-abr-18/entrevista-nelson-jobim-ex-presidente-supremo-tribunal-federal>.
Acesso em: 02 maio 2018.
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7
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Análise: democracia fiscal. Disponível em: <http://m.politica.estadao.
com.br/noticias/geral,analise-democracia-fiscal,1082169>. Acesso em: 05 jul. 2016.
8
DALL’ACQUA, Fernando Maida. Uma análise das propostas de reforma tributária recentes. Disponível
em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2969>. Acesso em: 29 jun. 2016.
9
VIOL, Andréa Emgruber. O processo de Reforma Tributária no Brasil: mitos e verdades. Disponível
em: <http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/Premio_TN/vpremio/financas/2tefpVPTN/VIOL_Andrea.
pdf>. Acesso em: 29 jun. 2016. p. 31.
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Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (...);
11
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.
205.
12
DALL’ACQUA, Fernando Maida. Uma análise das propostas de reforma tributária recentes. p. 22.
13
DALL’ACQUA, Fernando Maida. Uma análise das propostas de reforma tributária recentes. p. 23.
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14
CASTRO, Carlos José Figueirêdo. Reforma Tributária e o Federalismo. Disponível em: <http://www.
infoescola.com/direito/reforma-tributaria-e-o-federalismo/>. Acesso em: 05 jul. 2016.
15
MARINS, James; BERTOLDI, Marcelo M. Simples Nacional: Estatuto da microempresa e da empresa
de pequeno porte comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
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ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
17
CAMPOS, Giovanni Christian Nunes. O ônus tributário das ME e EPP brasileiras: evolução e
comparação com as empresas tributadas pelo regime ordinário. Disponível em: <http://www8.
receita.fazenda.gov.br/SimplesNacional/Arquivos/noticias/monografia_da_segunda_colocada.pdf>.
Acesso em: 28 jun. 2016. p. 11.
18
MARINS, James. Simples Nacional. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/
entrevistas/simples-nacional/1101>. Acesso em: 28 jun. 2016.
19
SILVEIRA, Daniel. Pequenos negócios já empregam mais da metade dos trabalhadores no país, diz
IBGE. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/pequenos-negocios-ja-empregam-
mais-da-metade-dos-trabalhadores-no-pais-diz-ibge.ghtml>. Acesso em: 02 maio 2018.
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AGÊNCIA SEBRAE DE NOTÍCIAS. Em cinco anos, número de pequenos negócios crescerá 43%.
Disponível em: <http://www.agenciasebrae.com.br/sites/asn/uf/NA/em-cinco-anos-numero-de-
pequenos-negocios-crescera-43,608b10f0fc10f510VgnVCM1000004c00210aRCRD>. Acesso em:
02 maio 2018.
21
GRAU, Eros. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 13. ed. rev. atual.
São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 173.
22
PAES, Nelson Leitão. Simples Nacional no Brasil: o difícil balanço entre estímulos às pequenas
empresas e aos gastos tributários. Nova economia, Belo Horizonte, n. 24, v. 3, set./dez. 2014. p. 542.
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23
Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime
único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, observado que:
I - será opcional para o contribuinte;
II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado;
III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes
aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento;
IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados,
adotado cadastro nacional único de contribuintes.
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3 Conclusão
Os dados comprovam o sucesso do Simples Nacional em
proporcionar às empresas de pequeno porte e às microempresas em
reduzir e desenredar encargos tributários, atribuindo concretude ao artigo
179 da Constituição Federal de 1988. A cota-parte de empreendimentos
24
Cf. MARTINS, Marcelo Guerra. Democracia fiscal e seus fundamentos à luz do direito & economia.
399 p. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 05 abr. 2010.
25
MARTINS, Marcelo Guerra. Democracia fiscal e seus fundamentos à luz do direito & economia. p.
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Referências
Int. Públ. – IP, Belo Horizonte, ano 20, n. 110, p. 15-28, jul./ago. 2018
28 Marcus Vinicius Furtado Coêlho, Eduardo Borges Espínola Araújo
DALL’ACQUA, Fernando Maida. Uma análise das propostas de reforma tributária recentes.
Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2969>. Acesso
em: 29 jun. 2016.
GRAU, Eros. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 13. ed.
rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
FUCK, Luciano Felício. Sistema constitucional tributário exige atenção do STF. Disponível
em: <http://www.conjur.com.br/2012-dez-08/observatorio-constitucional-sistema-
tributario-exige-atencao-stf>. Acesso em: 29 jun. 2016.
MARINS, James. Simples Nacional. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/
conteudo/entrevistas/simples-nacional/1101>. Acesso em: 28 jun. 2016.
MARINS, James; BERTOLDI, Marcelo M. Simples Nacional: estatuto da microempresa
e da empresa de pequeno porte comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2007.
MARTINS, Marcelo Guerra. Democracia fiscal e seus fundamentos à luz do direito & economia.
399 p. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 05 abr. 2010.
PAES, Nelson Leitão. Simples Nacional no Brasil: o difícil balanço entre estímulos às
pequenas empresas e aos gastos tributários. Nova economia, Belo Horizonte, n. 24, v. 3,
set./dez. 2014.
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Análise: democracia fiscal. Disponível em: <http://m.
politica.estadao.com.br/noticias/geral,analise-democracia-fiscal,1082169>. Acesso em:
05 jul. 2016.
SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS. Participação
das Micro e Pequenas Empresas na Economia Brasileira. Brasília: SEBRAE, 2014.
SILVEIRA, Daniel. Pequenos negócios já empregam mais da metade dos trabalhadores no país,
diz IBGE. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/pequenos-negocios-
ja-empregam-mais-da-metade-dos-trabalhadores-no-pais-diz-ibge.ghtml>. Acesso em:
02 maio 2018.
VIOL, Andréa Emgruber. O processo de Reforma Tributária no Brasil: mitos e verdades.
Disponível em: <http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/Premio_TN/vpremio/
financas/2tefpVPTN/VIOL_Andrea.pdf>. Acesso em: 29 jun. 2016.
Int. Públ. – IP, Belo Horizonte, ano 20, n. 110, p. 15-28, jul./ago. 2018