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Equilíbrio neociássico de mercado

de fatores: um ponto de vista sraffiano

Frankiin Serrano*

O
o b j e t i v o d e s t e artigo é discutir c r i t i c a m e n t e a v i s ã o c r e s c e n t e m e n t e
p o p u l a r d e q u e o nível g l o b a l d e a t i v i d a d e e c o n ô m i c a n a s e c o n o m i a s
capitalistas é, n o r m a l m e n t e , restrito pelo lado d a oferta, e n ã o pelo d a
d e m a n d a , e a n o ç ã o n e o c l á s s i c a d e equilíbrio d e m e r c a d o d e f a t o r e s n a q u a l
essa visão está baseada.
O a r g u m e n t o é a p r e s e n t a d o e m t e r m o s d e u m a d i s c u s s ã o a respeito d a
e x p l i c a ç ã o t e ó r i c a d e d o i s fatos estilizados. O p r i m e i r o é u m a e v i d e n t e (apesar
d e l e n t a e c o m f r e q ü ê n c i a irregular) t e n d ê n c i a s e c u l a r n a d i r e ç ã o d e u m a igual-
dade aproximada entre oportunidades de emprego e o tamanho d a força de
t r a b a l h o . O s e g u n d o f a t o estilizado é a t e n d ê n c i a s e c u l a r ( q u e p a r e c e o p e r a r
b e m m a i s rápido e m a i s eficientemente) n a direção d e c e r t a c o n g r u ê n c i a entre a
d e m a n d a a g r e g a d a e o estoque d e capital d a e c o n o m i a , o u , e m outras palavras,
u m a t e n d ê n c i a d e a p r o x i m a ç ã o d o g r a u de utilização d o e q u i p a m e n t o de capital
a o s e u nível p l a n e j a d o o u n o r m a l .
P a r a o s a u t o r e s n e o c l á s s i c o s , e s s e s f a t o s e s t i l i z a d o s s ã o vistos c o m o
u m a clara confirmação de sua visão de que, no longo prazo, o produto tende a
s e ajustar à c a p a c i d a d e produtiva disponível (ou, m a i s g e r a l m e n t e , à s d o t a ç õ e s
d e "fatores d e p r o d u ç ã o " ) . C o m o K. A r r o w a r g u m e n t o u e m s u a palestra d o Prê-
mio Nobel de 1972:

'The balancing of suppiy and demand is far from perfect. (...) the
system has been marked by recurring periods In which the suppiy of
available labor and ofproductive equipment for the production ofgoods
has been in excess of their utilization (...) Nevertheless, when due

* Professor Adjunto do Instituto de Economia da UFRJ.


O autor agradece (mas evidentemente sem responsabilizar) a Carlos Medeiros, Ricardo
Henriques e F Petri, por comentários a versões anteriores deste artigo, a Romulo Tavares
Ribeiro, Maria Malta e Luiz Daniel Wilicox de Souza, pela assistência de pesquisa, e ao CNPq
pelo apoio financeiro.
allowances are made, the coherence (...) is remarkable"' {Arrow,
r e i m p r e s s ã o d é 1 9 8 3 , p.200).2

Alguns anos mais tarde, e m u m a entrevista d a d a a G. Feiwel, Arrow d e u


u m e x e m p l o mais concreto do que ele tinha e m m e n t e ;

'The US (...) created many more jobs in the last ten or fifteen years
than Europe has. (...) the US labor force has during these years grown
a lot more than the European has. And that is not a coincidence! If
the Europeans had a lot more people looking for jobs, there wòuld be
more/oòs"3 (Arrow, 1989, p.175-176;.

Vamos argumentar, seguindo a a b o r d a g e m Sraffiana (Garegnani, 1990a), que,


ao contrário do que c o m u m e n t e se acredita, aceitar esses dois f a t o s estilizados d e
f o r m a a l g u m a significa q u e t e n h a m o s q u e aceitar a t e o r i a neoclássica específica
p r o p o s t a para explicar a q u e l e s fatos, o u a direção d e c a u s a l i d a d e p r o p o s t a , q u e
implica que as dotações de fatores são as variáveis independentes.
A explicação neoclássica desses dois fatos requer que os processos de
equilíbrio de mercado o p e r e m nos mercados dós assim c h a m a d o s fatores de
p r o d u ç ã o . Equilíbrio d e m e r c a d o d e f a t o r e s , e n t r e t a n t o , s ó s e r á p o s s í v e l s e f o -
r e m satisfeitos dois c o n j u n t o s d e c o n d i ç õ e s c o m r e s p e i t o a: (i) flexibilidade d o s
p r e ç o s d o s fatores; e (ii) f u n ç õ e s d e ( e x c e s s o ) d e m a n d a " b e m - c o m p o r t a d a s " por
f a t o r e s d e p r o d u ç ã o , e m g e r a l , e por " c a p i t a l " e m particular. A m b a s as c o n d i -
ç õ e s a c i m a , c o n t u d o , estão e x p o s t a s a u m n ú m e r o d e sérias o b j e ç õ e s empíricas
e t e ó r i c a s , e, p o r t a n t o , a e x p l i c a ç ã o n e o c l á s s i c a d e s s e s d o i s f a t o s e s t i l i z a d o s
mostra-se completamente inadequada.

' "O equilíbrio de oferta e demanda está longe de ser perfeito (...) o sistema tem sido marcado
por períodos recorrentes nos quais a oferta de trabalho disponível e de equipamento produ-
tivo para a produção de bens têm estado em excesso sobre Sua utilização (...) No entanto,
quando os devidos descontos são feitos, a coerência (...) é notável."
2 Note-se o uso inconsistente de Arrow de um modelo de equilíbrio intertemporal, no qual não se
pode permitir que transações sejam feitas em desequilíbrio, para descrever as tendências
efetivas de longo prazo de economias nas quais situações de desequilíbrio podem não apenas
existir, mas também exibir certo grau de persistência. Para uma crítica de um exemplo recente
da inconsistência de Arrow, ver Petri (1994b). Dada a nossa orientação crítica, ao longo deste
artigo interpretaremos a teoria neoclássica mais generosamente em termos de sua versão
tradicional de longo prazo. Sempre que a adoção da versão de longo prazo pareça não
oferecer a mais forte linha de defesa neoclássica (como na seção 7), apontaremos as
diferenças relevantes entre as versões de longo prazo e intertemporal, nas notas de rodapé
^"Os EUA ( ) criaram muito mais empregos nos últimos dez ou quinze anos do que a Europa.
(,.-) a força de trabalho dos EUA durante estes anos cresceu bem mais do que a européia.
E isto não é uma coincidência! Se os europeus tivessem bem mais gente procurando empre-
go, haveria mais empregos,"
O restante d o a r t i g o e s t á dividido e m 8 s e ç õ e s . N a s e ç ã o 1 , d i s c u t i m o s a
n o ç ã o n e o c l á s s i c a d e equilíbrio de m e r c a d o n o s m e r c a d o s d e fatores d e p r o d u -
ç ã o . N a s e ç ã o 2, a p l i c a m o s a q u e l a n o ç ã o a o m e r c a d o d e t r a b a l h o e m o s t r a m o s
c o m o a teoria n e o c l á s s i c a e x p l i c a o n o s s o p r i m e i r o f a t o e s t i l i z a d o . N a s e ç ã o 3,
d e s t a c a m o s a p e c u l i a r i d a d e d o p a p e l d o equilíbrio d e m e r c a d o n o m e r c a d o d e
poupança-investimento, o qual d e v e , n u m a e c o n o m i a m o n e t á r i a , a s s e g u r a r t a m -
b é m o a j u s t a m e n t o d a d e m a n d a a g r e g a d a à o f e r t a a g r e g a d a e, daí, p r o v e r a
e x p l i c a ç ã o n e o c l á s s i c a p a r a o n o s s o s e g u n d o f a t o e s t i l i z a d o . N a s e ç ã o 4 , dis-
c u t i m o s a r e l e v â n c i a d a h i p ó t e s e n e o c l á s s i c a d e flexibilidade d o s salários reais
e n o m i n a i s . N a s e ç ã o 5, f a z e m o s o m e s m o p a r a a n o ç ã o d e flexibilidade real e
n o m i n a l d a t a x a d e j u r o s . N a s e ç ã o 6, lidamos b r e v e m e n t e ( s e g u i n d o G a r e g n a n i
(1990b)) c o m as i n c o n s i s t ê n c i a s teóricas d o c o n c e i t o d e u m a f u n ç ã o d e d e m a n -
d a por fatores " b e m - c o m p o r t a d a s " n u m a e c o n o m i a c o m c a p i t a l h e t e r o g ê n e o . N a
s e ç ã o 7, discutimos a c u r i o s a tentativa neoclássica d e dar u m a resposta empírica
a u m a crítica t e ó r i c a . N a s e ç ã o 8, c o n c l u í m o s o a r t i g o , e x a m i n a n d o a b a s e d e
u m a e x p l i c a ç ã o alternativa d e n o s s o s dois fatos estilizados, e n c o n t r a d a n a abor-
d a g e m c l á s s i c a d o e x c e d e n t e , revivida e m o d e r n i z a d a por Sraffa (1960), de for-
m a a incorporar t a m b é m a s c o n t r i b u i ç õ e s positivas d e K e y n e s e K a l e c k i s o b r e
a d e m a n d a efetiva.

1 - Equilíbrio de mercado nos mercados


de fatores
C o m o se s a b e , u m a d a s p r o p o s i ç õ e s centrais d a a b o r d a g e m n e o c l á s s i c a
(ou marginalista) é q u e , e m e c o n o m i a s livremente (ou "perfeitamente") c o m p e t i -
tivas, h á u m a t e n d ê n c i a d e longo p r a z o d e t o d o s o s m e r c a d o s , e, e m jaarticular,
dos m e r c a d o s d o s a s s i m c h a m a d o s fatores d e p r o d u ç ã o , s e equiilibrarem. E s s a
noção d e equilíbrio d e m e r c a d o nos m e r c a d o s d e fatores t e m d u a s d i m e n s õ e s . A
primeira é p u r a m e n t e descritiva. Equilíbrio d e m e r c a d o significa q u e oferta e d e -
m a n d a se i g u a l a m . " A s e g u n d a d i m e n s ã o , q u e infelizmente r a r a m e n t e r e c e b e a
a t e n ç ã o q u e m e r e c e , é d e natureza teórica e está r e l a c i o n a d a a o r n e c a n i s m o
causai que s u p o m o s gerar aquele equilíbrio. Isto porque, na abordagem neoclássica,
equilíbrio de m e r c a d o significa, t a m b é m , q u e a oferta d e e a d e m a n d a por fatores

'Para ser mais preciso, equilíbrio de mercado não descarta situações nas quais prevaleça
excesso de oferta crônico,. Nesse caso, porém, o bem ou o serviço de fator que está em
excesso de oferta não é escasso, e seu preço cairá a zero. Dai, por exemplo, uma situação
de permanente desemprego involuntário de trabalho deveria implicar salários nulos.
s e equilibram n o longo p r a z o , p o r q u e a d e m a n d a por fatores de p r o d u ç ã o vai s e
adaptar à d o t a ç ã o d e recursos p r o d u t i v o s . A c a u s a l i d a d e , c l a r a m e n t e , vai d o s
recursos produtivos (a d o t a ç ã o d e fatores d e produção), c o m o a variável i n d e p e n -
dente, à d e m a n d a por eles, c o m o a variável d e ajuste o u dependente.^ A p r e s e n ç a
d e s s a s e g u n d a d i m e n s ã o t e m i m p l i c a ç õ e s i m p o r t a n t e s . Por e x e m p l o , ela n o s
permite v e r q u e a m e r a o b s e r v a ç ã o d e q u e oferta e d e m a n d a v e n h a m a estar e m
a l g u m sentido equilibradas não é suficiente (ao contrário d o q u e f r e q ü e n t e m e n t e
s e afirma) p a r a caracterizar a s i t u a ç ã o c o m o s e n d o d e equilíbrio d e m e r c a d o , n o
sentido neoclássico preciso do t e r m o . Evidência adicional d e v e s e r f o r n e c i d a p a r a
mostrar q u e o m e c a n i s m o pelo q u a l e s s e equilíbrio foi g e r a d o é tal q u e se p o s s a
dizer q u e foi a d a d a d o t a ç ã o d e fatores q u e g e r o u o u induziu a d e m a n d a necessá-
ria. A o longo d e s s e trabalho, a n o ç ã o d e equilíbrio d e m e r c a d o s e r á interpretada
c o m o e n g l o b a n d o : (a) o sentido p u r a m e n t e descritivo d e " d e m a n d a igual à oferta
(ou dotação)"; e (b) a d i m e n s ã o e s p e c i f i c a m e n t e n e o c l á s s i c a (e d a í teórica) q u e
significa "a d o t a ç ã o (ou oferta) e x ó g e n a d e t e r m i n a a d e m a n d a (endógena)".
No a p a r a t o n e o c l á s s i c o , o m e c a n i s m o b á s i c o q u e é visto c o m o o p e r a n d o
e m e c o n o m i a s c o m p e t i t i v a s e q u e s u p õ e - s e g e r a r equilíbrio d e m e r c a d o n o s
m e r c a d o s d e f a t o r e s é o a s s i m c h a m a d o princípio d a s u b s t i t u i ç ã o (tanto n a
p r o d u ç ã o q u a n t o n o c o n s u m o ) . A idéia b á s i c a é a d e q u e , s o b c o n d i ç õ e s c o m -
petitivas, q u a l q u e r a u m e n t o e x ó g e n o na d o t a ç ã o disponível d e qualquer fator d e
p r o d u ç ã o vai levar, n o longo p r a z o , a u m a u m e n t o n a d e m a n d a p o r e s s e fator.
Isto vai o c o r r e r p o r q u e a m a i o r d i s p o n i b i l i d a d e d a q u e l e fator e m r e l a ç ã o à d e -
m a n d a inicial por ele v a i reduzir s e u p r e ç o e m r e l a ç ã o a o s p r e ç o s d o s d e m a i s
fatores d e p r o d u ç ã o . A q u e d a resultante no p r e ç o relativo d a q u e l e fator terá e n -
t ã o o d u p l o efeito d e :
- b a r a t e a r os m é t o d o s d e p r o d u ç ã o q u e u s a m a q u e l e fator m a i s intensiva-
m e n t e ( l e v a n d o à substituição n a p r o d u ç ã o ) ; e

- baratear o p r e ç o final d e b e n s e serviços e m c u j a p r o d u ç ã o a q u e l e fator é


u s a d o e m alta p r o p o r ç ã o ( l e v a n d o à s u b s t i t u i ç ã o n o c o n s u m o ) .

A c o n s e q ü ê n c i a d e s s e s efeitos s u b s t i t u i ç ã o p o r u m a o u p o r a m b a s a s
rotas a n t e s m e n c i o n a d a s é a u m e n t a r a d e m a n d a pelo fator d e p r o d u ç ã o c u j a
d o t a ç ã o t e n h a a u m e n t a d o , u m a vez q u e m u d a n ç a s apropriadas nos preços rela-
tivos de fator e p r o d u t o v ã o tornar lucrativo usar e s s e fator m a i s i n t e n s i v a m e n t e

' E a respeito da oferta de fatores (em contraste com sua dotação)? A "oferta" de fatores de
produção é meltior tratada como a demanda privada por eles vinda de seus próprios deten-
tores. Ao longo deste artigo, a menos que seja estabelecido de outra forma, nós assumire-
mos que a oferta de fatores é totalmente inelástica (alternativamente, o leitor pode pensar
que estamos falando de funções de excesso de demanda pelos fatores de produção).
n a p r o d u ç ã o tanto pela via d a s u b s t i t u i ç ã o d i r e t a (na p r o d u ç ã o ) q u a n t o pela v i a
d a s u b s t i t u i ç ã o i n d i r e t a d e f a t o r e s , pois a s u b s t i t u i ç ã o n o c o n s u m o , l e v a n d o a
u m a u m e n t o n a d e m a n d a por b e n s m a i s intensivos n o fator q u e f i c o u m a i s bara-
to, g e r a u m a u m e n t o n a d e m a n d a d e r i v a d a p o r e s s e fator.
Contudo, para q u e o m e c a n i s m o acima opere no sentido postulado pelos
n e o c l á s s i c o s , dois c o n j u n t o s d e c o n d i ç õ e s t ê m d e ser a t e n d i d o s :
i) o s p r e ç o s r e l a t i v o s d e t o d o s o s b e n s e f a t o r e s ( t a n t o r e a i s q u a n t o n o m i -
nais) d e v e m s e r "flexíveis", n o s e n t i d o particular d e q u e t e n d e r ã o a cair
sempre que fiouver u m a situação d e excesso de oferta e a aumentar
s e m p r e q u e f i o u v e r e x c e s s o d e d e m a n d a (isto é, m u d a n ç a s d e p r e ç o s
s e g u e m a "lei d e o f e r t a e d e m a n d a " ) ; e

ii) o efeito s u b s t i t u i ç ã o d e f a t o r e s t a n t o p e l a v i a d i r e t a q u a n t o p e l a indireta


t e m d e ser a c o n s e q ü ê n c i a d o m i n a n t e d e s s a s m u d a n ç a s d e p r e ç o s d e
fatores (e de m e r c a d o r i a s ) . E m outras palavras, as f u n ç õ e s d e d e m a n d a
por fatores t ê m d e ser " b e m - c o m p o r t a d a s " ( n e g a t i v a m e n t e inclinadas).®

Portanto, a p e n a s s e t o d o s o s p r e ç o s , e e s p e c i a l m e n t e o s p r e ç o s de fator,
s ã o , n e s s e s e n t i d o , f l e x í v e i s e a s f u n ç õ e s d e d e m a n d a p o r fator s ã o " b e m - c o m -
p o r t a d a s " , p o d e m o s e s p e r a r u m a t e n d ê n c i a d e longo p r a z o d e o s m e r c a d o s d e
f a t o r e s s e e q u i l i b r a r e m . S e u m a o u a m b a s as c o n d i ç õ e s (i) e (ii) n ã o f o r e m
satisfeitas, n ã o s e o b t e r á equilíbrio d e m e r c a d o .

2 - Equilíbrio de mercado no mercado


de trabalho e o primeiro fato estilizado
U m a ilustração d a o p e r a ç ã o d a t e n d ê n c i a ao equilíbrio d e m e r c a d o de fato-
res p o d e ser e n c o n t r a d a n a a n á l i s e n e o c l á s s i c a d o m e r c a d o d e t r a b a l h o d e u m
t i p o particular d e t r a b a l h o , n u m a e c o n o m i a d e e s c a m b o q u e n ã o u s a m o e d a .
N ó s t e m o s , por u m l a d o , a d o t a ç ã o d a q u e l e tipo d e t r a b a l h o , a q u a l , por s i m p l i -
f i c a ç ã o , s u p o r e m o s c o m o s e n d o i n e l a s t i c a m e n t e o f e r t a d a . Isto n o s d á a c u r v a
d e oferta (dotação) d a q u e l e tipo d e t r a b a l h o .
Do o u t r o lado, p a r a q u a i s q u e r d a d a s q u a n t i d a d e s utilizadas d e t o d o s o s
outros fatores d e p r o d u ç ã o (incluindo outros tipos de trabalho), p o d e m o s derivar
u m a c u n / a d e d e m a n d a p o r t r a b a l h o d a q u e l e tipo. O p a p e l d o princípio d a s u b s -
tituição a p a r e c e , a q u i , n o f a t o d e q u e a c u r v a d e d e m a n d a por t r a b a l h o d a q u e l e

= Note-se que estamos nos referindo a funções (excesso) de demanda por fatores de equili-
brio geral. Sobre a natureza dessas funções, ver Garegnani ( 2 0 0 0 ) .
tipo particular é n e g a t i v a m e n t e i n c l i n a d a . E a h i p ó t e s e d e flexibilidade d e p r e ç o
a p a r e c e , a q u i , c o m o os s a l á r i o s reais d e s s e tipo d e t r a b a l h a d o r e s c a i n d o inde-
f i n i d a m e n t e , e n q u a n t o a d e m a n d a por t r a b a l h o for m e n o r d o q u e a oferta d i s p o -
nível, e s u b i n d o c o n t i n u a m e n t e , e n q u a n t o a d e m a n d a p o r t r a b a l h o for m a i o r d o
q u e a q u e l a m e s m a oferta (ou d o t a ç ã o ) .
N e s s e c a s o , é plausível q u e a e c o n o m i a e s t a r á c o n t i n u a m e n t e g r a v i t a n d o
e m t o r n o e na d i r e ç ã o d a p o s i ç ã o n a qual o m e r c a d o d e t r a b a l h o s e equilibra. D e
fato, s e houver, por e x e m p l o , u m a e l e v a ç ã o e x ó g e n a n o n ú m e r o d e t r a b a l h a d o -
res d a q u e l e t i p o ( o f e r t a d o i n e l a s t i c a m e n t e ) , n ó s s a b e m o s , p o r c a u s a d a h i p ó t e -
se d e flexibilidade d e p r e ç o s d e f a t o r e s , q u e os salários reais d a q u e l e s t r a b a l h a -
dores estarão caindo. Do princípio d a substituição t a m b é m s a b e m o s q u e essa
q u e d a no s e u salário real irá elevar a d e m a n d a por t r a b a l h o d a q u e l e tipo e s p e c í -
fico, t a n t o por f a z e r as f i r m a s p a s s a r e m a m é t o d o s d e p r o d u ç ã o q u e u s a m mais
i n t e n s i v a m e n t e a q u e l e tipo d e t r a b a l h o (substituição indireta), q u a n t o p o r q u e os
b e n s d e c o n s u m o q u e u s a m c o e f i c i e n t e s m a i s altos d a q u e l e t i p o d e t r a b a l h o
s e r ã o c r e s c e n t e m e n t e d e m a n d a d o s pelos c o n s u m i d o r e s (substituição indireta).
N o t e - s e q u e o m e s m o p r o c e s s o s e aplica s i m u l t a n e a m e n t e a o m e r c a d o
de t r a b a l h o de t o d o outro tipo particular d e trabalhadores. D a í haver u m a t e n d ê n -
cia c o n t í n u a , s o b e s s a s h i p ó t e s e s , e m d i r e ç ã o a o e q u i l í b r i o d e m e r c a d o p a r a
toda a força de trabalho.
E s s a é, d e f a t o , a b a s e p a r a a e x p l i c a ç ã o n e o c l á s s i c a d e n o s s o p r i m e i r o
fato estilizado. É o n ú m e r o d e o p o r t u n i d a d e s de e m p r e g o q u e s e ajusta à oferta
disponível de trabalho, através d a operação desse m e c a n i s m o d e equilíbrio de
m e r c a d o nos m e r c a d o s d e t r a b a l h o .
S o b a q u e l a s h i p ó t e s e s , a m e s m a t e n d ê n c i a n a d i r e ç ã o d o equilíbrio d e
mercado estará ocorrendo e m todo e e m cada mercado de fatores primários ou
não r e p r o d u t í v e i s , tais c o m o a terra.
N o t e - s e q u e o fato d e q u e n ó s p o d e m o s derivar u m a dennanda n e g a t i v a -
mente inclinada por c a d a fator não reprodutível, dadas as quantidades efetivamente
utilizadas d e t o d o s os o u t r o s f a t o r e s , significa q u e s e , por a l g u m a r a z ã o , o
m e r c a d o d e u m fator particular n ã o s e equilibra, d i g a m o s p o r c a u s a d e u m a
rigidez n o p r e ç o d a q u e l e fator, isso, d e f o r m a a l g u m a , p õ e e m risco o equilíbrio
de m e r c a d o d o s o u t r o s m e r c a d o s o n d e p r e ç o s de f a t o r e s t e n h a m p e r m a n e c i d o
completamente flexíveis. O que aconteceria é que, dado o fato de estar sendo
u s a d o m e n o s d e u m fator particular d o q u e se p o d e r i a , isto s e r á e q u i v a l e n t e a
u m d e s l o c a m e n t o p a r a a e s q u e r d a d a s c u r v a s d e d e m a n d a por t o d o s o s outros
fatores, o q u e vai, p r o v a v e l m e n t e , implicar que seus preços d e equilíbrio termina-
rão m e n o r e s d o q u e t e r i a m s i d o d e o u t r a f o r m a . Por isso, rigidez d e p r e ç o e m
u m m e r c a d o irá n o r m a l m e n t e significar falta de equilíbrio d e m e r c a d o a p e n a s
naquele mercado.
3 - Equilíbrio de mercado no mercado
de poupança e investimento e o segundo
fato estilizado
No sentido d e examinar a explicação neoclássica para o nosso s e g u n d o
fato estilizado, t e m o s d e c o m e ç a r por a s s u m i r p r o v i s o r i a m e n t e q u e a e c o n o m i a
e m c o n s i d e r a ç ã o p r o d u z u m ú n i c o b e m d e capital c i r c u l a n t e , o q u a l p o d e s e r
u s a d o t a n t o p a r a c o n s u m o q u a n t o p a r a i n v e s t i m e n t o , isto é, v a m o s a s s u m i r o
c a s o no qual o capital é h o m o g ê n e o e m relação a o produto. E s s a h i p ó t e s e s e r á
r e m o v i d a na s e ç ã o 6.
V a m o s , t a m b é m , admitir q u e a e c o n o m i a e m c o n s i d e r a ç ã o é u m a e c o n o -
mia monetária. Nesse caso, q u a n d o o l h a m o s para o mercado de capitai, nota-
m o s u m a p e c u l i a r i d a d e no m e s m o , a q u a l n ã o a p a r e c e no m e r c a d o d o s o u t r o s
fatores (não reprodutíveis). E s s a peculiaridade é q u e equilíbrio d e m e r c a d o , nes-
s e m e r c a d o particular, r e s o l v e t a m b é m u m p r o b l e m a m a c r o e c o n ô m i c o .
V a m o s , e n t ã o , olhar p a r a o m e r c a d o d e capital "na m a r g e m " n ã o c o m o u m
m e r c a d o d o e s t o q u e existente d e capital, m a s c o m o o m e r c a d o d e capital " n o v o "
c o m o fluxo de i n v e s t i m e n t o e p o u p a n ç a brutos.^
N e s s e contexto, a o c o r r ê n c i a d e p o u p a n ç a líquida significaria u m a u m e n t o
n a o f e r t a d e e s t o q u e d e c a p i t a l , e n q u a n t o i n v e s t i m e n t o líquido ( i g u a l , n e s s a
e c o n o m i a d e capital c i r c u l a n t e , a u m a u m e n t o no investimento bruto) r e p r e s e n -
taria o a u m e n t o n a d e m a n d a por a q u e l e e s t o q u e .
N u m e s q u e m a neoclássico, a d e m a n d a por investimento bruto t e m d e ser
derivada da d e m a n d a pelo estoque de capital. Entretanto, nossa hipótese
s i m p l i f i c a d o r a d a e c o n o m i a , u s a n d o a p e n a s capital c i r c u l a n t e , s i g n i f i c a q u e a
c u r v a d e d e m a n d a por i n v e s t i m e n t o b r u t o (capital c o m o u m fluxo) é i d ê n t i c a à
d e m a n d a por c a p i t a l c o m o u m e s t o q u e d a d o q u e t o d o o e s t o q u e d e c a p i t a l é
u s a d o por inteiro e m c a d a período.''
A q u i v e m o s q u e a i n c l i n a ç ã o d a d e m a n d a por i n v e s t i m e n t o bruto,
c o r r e s p o n d e n d o a u m d a d o m o n t a n t e d o s outros fatores e m p r e g a d o s , s e r á n e -
c e s s a r i a m e n t e n e g a t i v a inclinada, visto q u e a d e m a n d a por q u a l q u e r fator é u m a
f u n ç ã o negativa de s e u p r e ç o . Isto, m a i s a flexibilidade d o preço d e fator r e l e v a n -

' Supomos, aqui, que os organizadores da produção são os proprietários do capital existente.
" Observa-se que estamos assumindo, por simplificação, que a força de trabalho permanece
constante e que não há progresso técnico. Crescimento dé oferta de trabalho ou de produ-
tividade deslocaria a demanda por investimento para a direita: Para a relação entre a deman-
da por capital como um estoque e como um fluxo, ver Garegnani (1978-1979) e Petri (1997).
t e , n e s s e c a s o a t a x a d e j u r o s , p r o v e a b a s e p a r a a idéia d e q u e q u a l q u e r m o n t a n -
te d e p o u p a n ç a ofertado (seja líquido o u bruto) s e m p r e s e r á a b s o r v i d o por níveis
a u m e n t a d o s d e investimento (líquido o u bruto), através d o equilíbrio d e m e r c a d o
n o m e r c a d o d e investimento e p o u p a n ç a .
Note-se que, a l é m d e determinar a taxa d e juros d e equilíbrio, o equilíbrio
d e m e r c a d o no mercado de capital (de investimento e poupança) deveria resol-
ver o problema que preocupava Keynes (1936). Keynes, e m sua Teoria Geral,
a p o n t o u q u e , m e s m o s e o s a l á r i o real n ã o é "alto d e m a i s " (no s e n t i d o d e estar
a c i m a d o produto marginal d a dotação d e trabalho), e m u m a e c o n o m i a monetá-
ria a p e n a s s e r i a r e a l m e n t e lucrativo e m p r e g a r tal m o n t a n t e d e t r a b a l h o s e a
p r o d u ç ã o d e s s e s t r a b a l h a d o r e s p u d e s s e ser v e n d i d a , isto é, s e h o u v e s s e u m a
" d e m a n d a efetiva" para o nível d e produto ofertado q u a n d o eles s ã o e m p r e g a d o s .
S e h o u v e r equilíbrio d e m e r c a d o n o m e r c a d o d e i n v e s t i m e n t o e p o u p a n ç a ,
isto n ã o s e constitui n u m p r o b l e m a s é r i o . Q u a l q u e r a u m e n t o n o p r o d u t o a c i m a
d o q u e estiver s e n d o c o r r e n t e m e n t e g a s t o e m c o n s u m o d e f a t o a c a r r e t a u m
a u m e n t o n a p o u p a n ç a p o t e n c i a l . P o r é m , s e a t a x a d e j u r o s é i n t e i r a m e n t e flexí-
vel e a d e m a n d a por investimento é elástica e m relação à taxa d e juros, o equi-
líbrio d e m e r c a d o d o m e r c a d o d e capital g a r a n t e q u e t o d a e s s a p o u p a n ç a e x t r a
s e r á a b s o r v i d a pelo investimento a u m e n t a d o .
Por isso, há essa importante assimetria e m u m a e c o n o m i a monetária, na
qual, para o mercado de trabalho funcionar apropriadamente, o mercado de ca-
pital d e v e t a m b é m f u n c i o n a r a p r o p r i a d a m e n t e , j á q u e o equilíbrio d e i n v e s t i m e n -
t o e p o u p a n ç a é, t a m b é m , o e q u i l í b r i o e n t r e a o f e r t a a g r e g a d a e a d e m a n d a
agregada da economia.
E s s a a s s i m e t r i a é r e l e v a n t e a p e n a s p a r a u m a e c o n o m i a m o n e t á r i a , por-
q u e , a p e n a s n u m a e c o n o m i a q u e u s a m o e d a , o s atos d e v e n d e r e d e c o m p r a r
p o d e m ser logicamente separados c o m o duas transações distintas, daí u m a
d i s c r e p â n c i a geral e n t r e d e m a n d a a g r e g a d a e o f e r t a a g r e g a d a , e, p o r isso, a
p o s s i b i l i d a d e d e p r o b l e m a s d e d e m a n d a efetiva p o d e aparecer. E m u m a e c o n o -
m i a d e e s c a m b o , u m a d e c i s ã o d e ofertar u m certo m o n t a n t e d e p r o d u t o s n e c e s -
s a r i a m e n t e implica t a m b é m u m a d e c i s ã o d e aceitar c o m o p a g a m e n t o e, p o r t a n -
to, d e d e m a n d a r u m a quantidade d e produtos d o m e s m o valor. A s s i m , logicamente,
n ã o é p o s s í v e l a o valor total d a o f e r t a a g r e g a d a s e r diferente d o v a l o r d a d e m a n -
d a a g r e g a d a , n ã o importa q u ã o diferentes a oferta e a d e m a n d a por b e n s particu-
l a r e s p o s s a m ser u m a d a o u t r a .
N ó s p o d e m o s ver, c l a r a m e n t e , q u e e s s a c a r a c t e r í s t i c a peculiar d o m e r c a -
d o d e investimento e p o u p a n ç a , n u m a e c o n o m i a monetária, cria tal assimetria
q u a n d o r e c o r d a m o s q u e , s e , por e x e m p l o , o salário real f o s s e rígido, isso n ã o
c a u s a r i a qualquer p r o b l e m a p a r a o equilíbrio d e m e r c a d o no m e r c a d o d e capital
( c o m o v i m o s n a s e ç ã o anterior). A p e s a r d e o nível d e equilíbrio d e e m p r e g o e
p r o d u t o vir a s e r m e n o r d o que n o c a s o d e p l e n o e m p r e g o , a p r o d u ç ã o d e t o d o s
os trabalhadores empregados poderá ser vendida, se o mercado d e capital se
equilibrar. E s t a seria u m a s i t u a ç ã o n a q u a l o p r o d u t o potencial s e r i a m e n o r d o
q u e a q u e l e c o r r e s p o n d e n t e ao p l e n o e m p r e g o . ^
Por o u t r o lado, f o s s e a taxa d e juros rígida por a l g u m motivo ( c o m o K e y n e s
p e n s a v a q u e e r a — v e r e m o s m a i s s o b r e e s s e a s s u n t o a seguir), o i n v e s t i m e n t o
n ã o p o d e r i a ajustar-se à p o u p a n ç a d e p l e n o e m p r e g o e, d e s s a f o r m a , n ã o p o d e -
ria h a v e r q u a l q u e r equilíbrio d e m e r c a d o n o m e r c a d o d e t r a b a l h o , m e s m o c o m
salários reais flexíveis (e " d e s e m p r e g o involuntário" ocorreria).
N o c a s o d e salários reais rígidos, a t a x a d e j u r o s rígida e a r e s u l t a n t e f a l t a
d e d e m a n d a efetiva g e r a r i a m d e s e m p r e g o " k e y n e s i a n o " , e m a d i ç ã o a o d e s e m -
p r e g o "estrutural" c a u s a d o pelo salário real alto.
P o r t a n t o , o equilíbrio d e m e r c a d o n o m e r c a d o d e investimento e p o u p a n ç a
é, d e fato, o q u e prove o e q u i v a l e n t e n e o c l á s s i c o d a Lei d e Say, u s a d a d e f o r m a
b a s t a n t e arbitrária por Ricardo e por a l g u n s o u t r o s e c o n o m i s t a s c l á s s i c o s . E s s e
a r g u m e n t o n e o c l á s s i c o a o m e n o s p r o v e u m m e c a n i s m o particular, q u e , s e f u n -
cionar, g a r a n t i r á a d e t e r m i n a ç ã o d o i n v e s t i m e n t o pela p o u p a n ç a p o t e n c i a l ( s e j a
d e p l e n o e m p r e g o , s e j a d e plena c a p a c i d a d e ) .
E s t a é, e n t ã o , a e x p l i c a ç ã o n e o c l á s s i c a d o n o s s o s e g u n d o f a t o e s t i l i z a d o .
H á u m a t e n d ê n c i a à p l e n a utilização d a c a p a c i d a d e , isto é, t o d o p r o d u t o p o t e n -
cial p o d e s e r v e n d i d o p o r q u e h á e q u i l í b r i o d e m e r c a d o n o m e r c a d o d e i n v e s t i -
m e n t o e p o u p a n ç a ( m e r c a d o de capital " n o v o " ) .

4 - Sobre a flexibilidade de salários reais


e nominais
P a r a validar a interpretação n e o c l á s s i c a d o s n o s s o s dois f a t o s e s t i l i z a d o s ,
é necessário demonstrar que as condições q u e permitiriam ocorrer o resultado
d e equilíbrio d e m e r c a d o estão p r e s e n t e s n a realidade. Isto significa q u e , p a r a o
c a s o d e o equilíbrio d e m e r c a d o s e s u s t e n t a r , o s p r e ç o s d e f a t o r e s t ê m d e s e r
"flexíveis", t a n t o e m t e r m o s n o m i n a i s q u a n t o reais, e t o d a s a s f u n ç õ e s d e d e -

' Em teorias neoclássicas, o produto de plena capacidade, tal como determinado pelo estoque
de capital disponível, só é distinto do produto de pleno emprego se o salário real é rígido. Do
contrário, virtualmente, qualquer montante de trabaltio poderia ser empregado com um dado
montante de "capital" pela operação do principio da substituição.
m a n d a por fator t ê m de ser " b e m - c o m p o r t a d a s " ( e m t e r m o s d a n o s s a d i s c u s s ã o
n a s e ç ã o 1 , p a r a a p r e s e n t a r e q u i l í b r i o d e m e r c a d o n o s e n t i d o d e (b), t e m o s d e
p r o v e r e v i d ê n c i a p a r a a s hiipóteses (i) s o b r e p r e ç o s f l e x í v e i s e (ii) s o b r e " b o m
comportamento").
O p r o b l e m a é que h á fortes razões e m p í r i c a s e teóricas p a r a rejeitar a m b a s
as hipóteses. Vamos olhar brevemente algumas d e s s a s razões, c o m e ç a n d o
c o m a q u e l a s r e l a c i o n a d a s a h i p ó t e s e s d e ' f l e x i b i l i d a d e " d e p r e ç o d e fator.
O principal p r o b l e m a c o m a h i p ó t e s e d e flexibilidade g e n e r a l i z a d a d e p r e -
ço d e fator no longo prazo é que ela parece ser inteiramente d e s p r o v i d a d e
c o n t e ú d o e m p í r i c o , e s p e c i a l m e n t e n o q u e diz r e s p e i t o a p r e ç o s ( s a l á r i o s e
juros), tanto reais quanto n o m i n a i s , dos dois principais fatores d e p r o d u ç ã o
(trabalho e capital).
N o caso de flexibilidade a longo prazo de salários reais, u m a das
pouquíssimas coisas c o m que economistas do trabalho de convicções muito
diferentes parecem concordar é q u e , e m geral, m e s m o na ausência d e fortes
s i n d i c a t o s o u d e r e g u l a ç ã o salarial e s p e c í f i c a , s a l á r i o s n ã o t e n d e m a cair in-
d e f i n i d a m e n t e e m situações d e d e s e m p r e g o involuntário, n e m t e n d e m a c r e s c e r
s e m limite q u a n d o o m e r c a d o d e t r a b a l h o e s t á r e l a t i v a m e n t e a q u e c i d o .
P a r e c e claro q u e a d e t e r m i n a ç ã o d e salários é s e m p r e f o r t e m e n t e influen-
c i a d a por forças institucionais, políticas e culturais. Esta p a r e c e ser u m a c a r a c t e -
rística f u n d a m e n t a l d a o p e r a ç ã o d e m e r c a d o s d e t r a b a l h o . A q u e l a s i n f l u ê n c i a s
sócio-políticas s e fazem presentes e m todos os aspectos do processo d e deter-
m i n a ç ã o d e s a l á r i o , t a n t o s e e s t a m o s c o n s i d e r a n d o salários e m t e r m o s n o m i -
nais q u a n t o reais, lidando c o m níveis a b s o l u t o s d e salário o u diferenciais relati-
v o s d e salário, e t a n t o n o q u e diz respeito a t e n d ê n c i a s d e longo p r a z o q u a n t o a
flutuações de curto prazo.
S a l á r i o s , portanto, n ã o s e g u e m n a prática a "lei d e oferta e d e m a n d a " (isto
é, o m e r c a d o de trabalho n ã o é u m m e r c a d o de leilão) e, daí, não s ã o flexíveis n o
s e n t i d o e s p e c í f i c o e m q u e e s s e t e r m o é e n t e n d i d o n a teoria n e o c l á s s i c a . N o t e -
- s e , e n t r e t a n t o , q u e isto n ã o significa q u e o s salários s ã o r i g i d a m e n t e " f i x o s " o u
c o n s t a n t e s a o l o n g o do t e m p o e n e m q u e os s a l á r i o s s ã o c o m p l e t a m e n t e i n d e -
pendentes das condições do mercado de trabalho. U m a coisa é reconhecer o
i m p a c t o d a s c o n d i ç õ e s d o m e r c a d o d e t r a b a l h o (tal c o m o u m a larga r e s e r v a d e
t r a b a l h a d o r e s d e s e m p r e g a d o s ) c o m o u m d o s vários fatores q u e afetam no longo
p r a z o o p o d e r d e b a r g a n h a d o s a s s a l a r i a d o s e, d a í , o nível d e s a l á r i o s . A l g o
c o m p l e t a m e n t e diferente é r e p r e s e n t a r a influência d e l o n g o p r a z o d a s c o n d i -
ç õ e s d o m e r c a d o d e t r a b a l h o s o b r e salários c o m o u m p r o c e s s o no q u a l o ú n i c o
nível d e salário s u s t e n t á v e l é a q u e l e q u e s a t i s f a z a c o n d i ç ã o d e e q u i l í b r i o d e
m e r c a d o e q u e i m p l i c a , por e x e m p l o , q u e o s s a l á r i o s ficarão c a i n d o e n q u a n t o
h o u v e r qualquer g r a u d e d e s e m p r e g o involuntário, não importa q u ã o p e q u e n o J °
É claro, s o m e n t e a última c a r a c t e r i z a ç ã o significa v e r d a d e i r a flexibilidade
s a l a r i a l no s e n t i d o n e o c l á s s i c o . E é e s s e tipo d e flexibilidade q u e n ã o é fácil d e
achar n o s mercados d e trabalho de e c o n o m i a s capitalistas.
Porém, c o m freqüência, no m e s m o livro o u artigo (por exemplo, e m Blanchard
e Fischer, (1989; c a p . 1 ) e t a m b é m e m L a y a r d , Nickel e J a c k m a n ( 1 9 9 1 , c a p . 1),
o n d e e s s a falta d e flexibilidade d o salário real e s t á d o c u m e n t a d a , é feita referência
a o n o s s o primeiro fato estilizado (isto é, a o a j u s t a m e n t o a p r o x i m a d o a longo p r a -
z o e n t r e as o p o r t u n i d a d e s d e e m p r e g o e o t a m a n h o d a f o r ç a d e t r a b a l h o ) , c o m o
d a n d o suporte a u m a visão neoclássica do m e r c a d o d e trabalho, esquecendo o
f a t o ó b v i o d e q u e , s e s a l á r i o s reais s ã o r í g i d o s , n a r e a l i d a d e isso significa q u e
e s s e f a t o estilizado s i m p l e s m e n t e n ã o p o d e s e r e x p l i c a d o n a linha d o m e c a n i s -
m o neoclássico d e equilíbrio de mercado, e daí a explicação ser b u s c a d a e m
o u t r o l u g a r " (ver s e ç ã o 8).
P o r outro l a d o , a a c e i t a ç ã o d e q u e s a l á r i o s n o m i n a i s t a m b é m n ã o s e -
g u e m , n a realidade, a "lei d e oferta e d e m a n d a " t e m i m p l i c a ç õ e s p a r a a s c o n d i -
ç õ e s d e equilíbrio d e m e r c a d o n o m e r c a d o d e c a p i t a l .
C o m o nós v i m o s a n t e r i o r m e n t e , equilíbrio d e m e r c a d o no m e r c a d o d e in-
vestimento e poupança, e daí a explicação neoclássica para o nosso segundo
fato estilizado (sobre u m a t e n d ê n c i a à utilização n o r m a l d a c a p a c i d a d e ) , d e p e n -
d e , p o r s e u t u r n o , d a flexibilidade d a t a x a real d e j u r o s . A l é m d i s s o , c o m o t a m -
b é m vimos, através d a assimetria ligando os m e r c a d o s de investimento e p o u -
p a n ç a e d e t r a b a l h o n u m a e c o n o m i a m o n e t á r i a , a flexibilidade d a t a x a de j u r o s
é igualmente um requerimento para o equilíbrio de mercado no mercado de
trabalho, b e m c o m o para a explicação neoclássica d o primeiro fato estilizado.

"Sobre essa natureza dos salários, ver Garegnani (1990b) e mesmo Solow (1991).
' Por isso, os teóricos neoclássicos têm sido forçados pelos fatos a assumirem uma entre duas
posições insatisfatórias. A primeira é sugerir, tal como os assim chamados Novos Keynesianos
fazem, que salários reais são, de fato, flexíveis, mas apenas num muito vago longo prazo
(definido, quase tautologicamente, como o tempo que leva para o desemprego curar a si
mesmo — ver Layard, Nickel e Jackman (1991)). A segunda posição, assumida pelos assim
chamados Novos Clássicos, alega que, em verdade, salários reais são muito flexíveis, tão
flexíveis que se movem instantaneamente para equilibrar o mercado de trabalho, o qual nunca
está, na realidade, em desequilíbrio. Por isso, os salários reais de mercado observados são
(distijrbios aleatórios à parte), em verdade, salários de equilíbrio de mercado, e o desemprego
realmente nunca acontece. Note-se que, em ambos os casos, a flexibilidade dos salários reais
não pode ser observada, uma vez que ela ou opera tão devagar que é dificilmente perceptível
(versão Novo-Keynesiana — ver Mankiw e Romer (1991)) ou é tão rápida que não pode ser
vista (visão Novo-Clássica), Parece mesmo não ocorrer a eles que essa flexibilidade não pode
ser vista, talvez simplesmente, porque ela não existe.
A q u e l a flexibilidade, e m u m a e c o n o m i a m o n e t á r i a , d e p e n d e d e s e r e m t a m -
b é m suficientemente flexíveis tanto salários nominais e preços, de um lado,
quanto a taxa nominal de juros, de outro.
P o r isso, o equilíbrio d e m e r c a d o n o m e r c a d o d e investimento e p o u p a n ç a
p o d e s e r i m p e d i d o pela falta d e flexibilidade d o s salários n o m i n a i s . P o r q u e , s o b
c o n d i ç õ e s c o m p e t i t i v a s , os p r e ç o s d e p r o d u t o s s ã o p r o p o r c i o n a i s a e s s e s s a l á -
rios n o m i n a i s , e, p a r a u m d a d o n í v e l e x ó g e n o d a o f e r t a m o n e t á r i a n o m i n a l , d e -
t e r m i n a m , j u n t o c o m a d e m a n d a p o r m o e d a , u m a t a x a n o m i n a l (e real) d e j u r o s
q u e p o d e facilmente ser "alta d e m a i s " p a r a o i n v e s t i m e n t o a b s o r v e r a p o u p a n ç a
d e p l e n a c a p a c i d a d e (ou pleno e m p r e g o ) .
E s s a t a x a d e j u r o s alta, c o m o v i m o s , c r i a r á u m a restrição d e d e m a n d a
e f e t i v a , q u e n ã o irá permitir q u e o c o r r a p l e n o e m p r e g o n o m e r c a d o d e t r a b a l f i o ,
m e s m o s e s u p o n d o o s salários reais f l e x í v e i s .

5 - A flexibilidade das taxas nominal


e real de juros
o p r o b l e m a aqui é q u e n ã o a p e n a s o s s a l á r i o s n o m i n a i s n ã o s ã o f l e x í v e i s
n a realidade, m a s t a m b é m q u e , s e fosse para s e r e m flexíveis no sentido
n e o c i á s s i c o , eles p o d e r i a m , n a v e r d a d e , criar p r o b l e m a s por a f e t a r e m a d v e r s a -
m e n t e a f l e x i b i l i d a d e d a t a x a real d e j u r o s .
M a n t e n d o p r o v i s o r i a m e n t e a h i p ó t e s e irrealista d e u m a o f e r t a n o m i n a l d e
m o e d a exógena, v a m o s assumir agora que há algum desemprego e que salá-
rios n o m i n a i s são flexíveis, m a s n ã o infinita e i n s t a n t a n e a m e n t e flexíveis. A lenta
q u e d a n o salário n o m i n a l vai levar n ã o a p e n a s a u m a q u e d a corrente no nível d e
p r e ç o s , a u m a u m e n t o n a oferta real d e m o e d a e a u m a q u e d a c o r r e s p o n d e n t e
n a taxa nominal d e juros, mas vai, t a m b é m , quase certamente, acarretar u m
processo de deflação. Essa deflação significará q u e , a despeito d a q u e d a d a
t a x a n o m i n a l d e j u r o s , a t a x a real d e j u r o s p o d e m e s m o estar a u m e n t a n d o c o m
e f e i t o s a d v e r s o s s o b r e o i n v e s t i m e n t o (e d e v e d o r e s e m geral). Por isso, c o m o
K e y n e s ( 1 9 3 6 , c a p . 1 9 ) n o t o u , flexibilidade d o s a l á r i o n o m i n a l , a n ã o s e r q u e
s e j a i n s t a n t â n e a , p o d e , e f e t i v a m e n t e , f a z e r o equilíbrio d e m e r c a d o no m e r c a -

2 Esta é claramente a visão da assim chamada "síntese neoclássica". Ver Tobin (1980).
d o d e i n v e s t i m e n t o e p o u p a n ç a m a i s difícil e, d a í , p o d e levar a e c o n o m i a p a r a
l o n g e d o pleno e m p r e g o .
N o entanto, no m u n d o real, a t a x a n o m i n a l d e juros é d e t e r m i n a d a
e x o g e n a m e n t e p e l a s a u t o r i d a d e s m o n e t á r i a s e e s t á s u j e i t a a restrições políti-
c a s , institucionais, internacionais e d e c o n v e n ç õ e s ( c o m o m o s t r a d o por Kalecki
e Kaldor; ver Pivetti (1991) e M o o r e (1988)), e n q u a n t o a oferta nominal d e m o e d a
é, e m g r a n d e p a r t e , e n d ó g e n a . Isso significa q u e a t a x a n o m i n a l d e j u r o s n ã o é,
d e f o r m a a l g u m a , flexível n o m u n d o real.
S e n d o e s s e o c a s o , salários nominais flexíveis c e r t a m e n t e criariam proble-
m a s . A e x o g e n e i d a d e d a t a x a n o m i n a l d e j u r o s leva a oferta n o m i n a l d e m o e d a
a se tornar endógena,^* contraindo-se junto c o m a folha de salários nominais e
c o m o nível d e p r e ç o s d a e c o n o m i a e evitando q u a l q u e r m u d a n ç a significativa n a
oferta real d e moeda.^^
P o r é m a q u e d a nos salários nominais, no c a s o d e d e s e m p r e g o , s e g u r a m e n -
te a u m e n t a r i a a t a x a r e a l d e juros, u m a vez q u e a d e f l a ç ã o d e salários e preços
o c o r r e r i a t e n d o c o m o p a n o d e fundo u m a t a x a n o m i n a l d e j u r o s fixa, c a u s a n d o
u m a q u e d a no i n v e s t i m e n t o e m o v e n d o a e c o n o m i a c e r t a m e n t e para longe d o
equilíbrio d e m e r c a d o n o m e r c a d o d e investimento e p o u p a n ç a ( M o o r e , 1997).
N e s s e c a s o , a c o m b i n a ç ã o d e taxa d e juros n o m i n a i s e x ó g e n a c o m flexibilidade
d e salários nominais e de p r e ç o s criaria u m p r o c e s s o c u m u l a t i v o de deflação (ou
inflação)^^, pois faria a t a x a real d e juros m o v e r - s e n a d i r e ç ã o errada.

'^Esse argumento tem sido ressuscitado recentemente por autores neoclássicos mais velhos,
aparentemente preocupados com os excessos de seus alunos. Ver Hahn (1984), Hahn e
Solow (1995) e Tobin (1993).
" Note-se que a oferta monetária endógena, por deixar a oferta monetária real inalterada,
elimina a possibilidade do efeito encaixes reais, ou efeito Pigou, que, supostamente, faz o
consumo aumentar com o aumento no valor real da base monetária, a qual constitui parte da
riqueza do setor privado (Kalecki, 1944).
Note-se, entretanto, que, mesmo no caso implausivel de a oferta monetária nominal ser
mantida exógena, o total do aumento da riqueza privada advindo da deflação ocorreria,
necessariamente, às expensas do governo, uma vez que o que está mudando em valor é um
ativo do público, mas um passivo do governo. O assim chamado efeito encaixes reais é, por
isso, apenas possível, mesmo sob as mais favoráveis condições, na medida em que o
governo aceite o que, no fim das contas, é igual a um aumento no déficit público real
inteiramente financiado por moeda. Do contrário, impostos podem ser elevados pelo mesmo
exato montante em que a base monetária real (e a riqueza privada) tiver aumentado. É
irônico que esse efeito pôde estar sendo usado para argumentar a favor das propriedades,
últimas auto-reguladoras de mercados livres sem intervenção do governo.
"^Note-se que, se os preços, por algum motivo, não caíssem tanto quanto os salários nominais,
como Kalecki (1971) apontou, a situação ficaria até pior, com a decorrente redistribuição de
renda contra os trabalhadores com uma alta propensão a consumir, que aumentaria a
propensão marginal a poupar da economia, diminuindo a demanda agregada.
Por isso, flexibilidade d a t a x a real d e j u r o s , n o s e n t i d o n e o c i á s s i c o , n ã o
a p e n a s n ã o é o b s e r v a d a n a realidade, c o m o t a m b é m , de qualquer f o r m a , reque-
reria a c o m b i n a ç ã o , e m p i r i c a m e n t e i m p l a u s í v e l , d e flexibilidade i n s t a n t â n e a d e
salário n o m i n a l c o m a e x o g e n e i d a d e d a oferta m o n e t á r i a n o m i n a l .
i s s o significa q u e equilíbrio d e m e r c a d o n o m e r c a d o d e i n v e s t i m e n t o e
p o u p a n ç a não ocorre, e daí a explicação neoclássica do nosso segundo fato
estilizado é falha. Além disso, c o m o mencionado anteriormente, os efeitos-re-
p e r c u s s ã o d a falta de equilíbrio d e m e r c a d o n o m e r c a d o d e i n v e s t i m e n t o e p o u -
p a n ç a s o b r e o m e r c a d o d e t r a b a l h o i m p e d i r i a m o equilíbrio de m e r c a d o no mer-
c a d o d e t r a b a l h o , m e s m o s e o s salários reais p u d e s s e m ser c o n s i d e r a d o s flexí-
v e i s (o q u e , aliás, eles n ã o s ã o n a prática).

6 - Capital heterogêneo e funções de demanda


por fatores "bem-comportadas"
Sérias dificuldades adicionais a p a r e c e m q u a n d o nós passamos a exami-
nar a s e g u n d a h i p ó t e s e s o b r e a q u a l os r e s u l t a d o s d e equilíbrio d e m e r c a d o
n e o c i á s s i c o s ã o b a s e a d o s : a h i p ó t e s e d e q u e a s f u n ç õ e s d e d e m a n d a por fator
s ã o " b e m - c o m p o r t a d a s " ( c o n d i ç ã o ii, na s e ç ã o 1).
Nós devemos começar nossa discussão relembrando que o conceito de
u m a c u r v a d e d e m a n d a por u m fator d e p r o d u ç ã o , c e r t a m e n t e , não s e origina d e
g e n e r a l i z a ç õ e s indutivas d e r e g u l a r i d a d e s e m p í r i c a s o b s e r v a d a s . C o m o é b e m
s a b i d o , f u n ç õ e s d e d e m a n d a p o r f a t o r e s s ã o c o n c e i t o s d e r i v a d o s d a teoria
neoclássica. Isto significa supor-se que essas funções são logicamente dedutíveis
d a s h i p ó t e s e s m a i s "primitivas" s o b r e p r e f e r ê n c i a s , d o t a ç õ e s e t e c n o l o g i a .
U m a f u n ç ã o de d e m a n d a por u m fator d e p r o d u ç ã o é dita " b e m - c o m p o r t a -
da" quando acaba tendo a propriedade de que sua d e m a n d a geralmente cresce
( e m r e l a ç ã o à d e m a n d a pelos o u t r o s f a t o r e s ) c o m u m a q u e d a e m s e u p r e ç o
relativo. Teóricos n e o c l á s s i c o s s e m p r e se a p o i a r a m n e s s a n o ç ã o d e f u n ç õ e s d e
d e m a n d a por fator " b e m - c o m p o r t a d a s " , o u n e g a t i v a m e n t e inclinadas p a r a g a r a n -
tir a u n i c i d a d e e a e s t a b i l i d a d e (global) de s u a s p o s i ç õ e s d e equilíbrio.
É t a m b é m e s s a p r o p r i e d a d e d e " b o m c o m p o r t a m e n t o " q u e , no f i m , f o r n e c e
plausibilidade teórica à hipótese d e q u e p r e ç o s d e fator s ã o flexíveis (de outra
f o r m a , não faria sentido esperar q u e o s preços d o s fatores s e g u i s s e m a "lei d e
oferta e d e m a n d a " ) . Flexibilidade de preço d e fatores e as associadas funções d e
d e m a n d a " b e m - c o m p o r t a d a s " por eles são, por isso, d u a s noções q u e se comple-
m e n t a m e, j u n t a s , p r o v ê e m c o n d i ç õ e s suficientes p a r a s e obter o resultado
n e o c i á s s i c o de equilíbrio d e m e r c a d o generalizado nos m e r c a d o s d e fatores.
T o d a v i a o f a t o d e q u e f u n ç õ e s d e d e m a n d a p o r fator " b e m - c o m p o r t a d a s "
são de importância crucial para garantir os resultados neoclássicos tradicio-
n a i s n ã o s i g n i f i c a q u e s e j a fácil d e d u z i r f u n ç õ e s c o m e s s a s p r o p r i e d a d e s d e -
s e j á v e i s partindo d a s h i p ó t e s e s n e o c l á s s i c a s . E x a t a m e n t e o c o n t r á r i o é q u e é
averdadeJ^
A rigor, p a r a v e r isto, n ó s d e v e m o s a g o r a relaxar a h i p ó t e s e f e i t a n o c o m e -
ç o d a s e ç ã o 3 d e q u e a e c o n o m i a u s a u m único b e m d e capital h o m o g ê n e o e m
relação a o produto.
S e a o capital é a s s i m p e r m i t i d o ser h e t e r o g ê n e o , d i g a m o s , p e r m i t i n d o a
e x i s t ê n c i a d e muitos t i p o s d e b e n s d e capital, e n t ã o é inevitável q u e m u d a n ç a s
n a t a x a ( u n i f o r m e ) d e j u r o s ( o u a l t e r n a t i v a m e n t e n o s a l á r i o real) d e v a m ter u m
i m p a c t o direto s o b r e p r e ç o s relativos. C o m o é b e m s a b i d o d e s d e Sraffa ( 1 9 6 0 ) ,
e s s e s efeitos p o d e m s e r b e m c o m p l e x o s e irregulares e a f e t a m significativa-
m e n t e t a n t o o valor relativo d e c o n j u n t o s d e b e n s d e capital h e t e r o g ê n e o s c o m o
a o r d e n a ç ã o d e rentabilidade d e m é t o d o s d e p r o d u ç ã o a l t e r n a t i v o s , p o d e n d o ir,
virtualmente, e m qualquer direção.
C o m o c o n s e q ü ê n c i a , f e n ô m e n o s c o m o a reversão d a i n t e n s i d a d e d e c a p i -
tal (reverso capital deepening) e o retorno d a s t é c n i c a s (reswitching) podem

' À parte os problemas teóricos do capital discutidos nesta seção, há também os problemas
adicionais, que podem advir tanto dos efeitos-renda "perversos" de equilíbrio parcial quanto
geral. Estes podem aparecer, no contexto parcial, como a possibilidade de funções de oferta
de fator "maicomportadas" tanto de trabalho quanto de poupança (um problema que ex-
cluímos por nossa suposição de ofertas de fator inelásticas). No contexto de equilíbrio geral,
mudanças nos preços de fator mudam a distribuição de renda. E a composição da demanda,
se 08 agentes não são semelhantes, pode se mover de tal maneira que a queda no preço de
um fator pode, no fim, reduzir ao invés de aumentar sua demanda (se esse efeito-renda
negativo for maior do que o efeito-substituição). Nós abstrairemos esse problema, assumin-
do que todos os agentes nessa economia são perfeitamente idênticos. Isto é feito para
permitir que nos concentremos no problema mais fundamental da quebra do efeito-substitui-
ção, uma vez que teóricos neoclássicos sempre argumentam que suficiente substitutibilidade
resolveria tais dificuldades. Ver Kirman (1989) e Petri (1989).
ocorrerJ^ A r e v e r s ã o d a i n t e n s i d a d e de capital ocorre q u a n d o u m a t a x a d e j u r o s
m e n o r (e d a í u m a t a x a d e s a l á r i o maior) l e v a a u m a q u e d a , a o i n v é s d e a u m
a u m e n t o , n a " q u a n t i d a d e d e c a p i t a i " d e m a n d a d a ( e m r e l a ç ã o a o t r a b a l h o ) . Por
outro lado, o retorno das técnicas acontece quando u m m é t o d o de produção
q u e e r a o m a i s lucrativo e n t r e o s d i s p o n í v e i s a u m a t a x a d e lucro particular é
s u b s t i t u í d o por u m o u t r o m é t o d o à u m a ( d i g a m o s ) m a i o r t a x a d e lucro, m a s
r e e m e r g e c o m o o m a i s lucrativo a u m a t a x a d e lucro a i n d a maior. A r e v e r s ã o d a
intensidade de capital contradiz, se o capital é medido c o m o u m a magnitude
e m valor, a idéia c e n t r a l p o r t r á s d o princípio d a s u b s t i t u i ç ã o , q u e é a r e l a ç ã o
inversa entre preços relativos d e fatores d e p r o d u ç ã o e a d e m a n d a por eles ( u m a
v e z q u e n ã o a p e n a s a r a z ã o capital/trabalho é r e d u z i d a c o m u m a m e n o r t a x a d e
lucro, m a s t a m b é m o s a l á r i o real c o r r e s p o n d e n t e m e n t e m a i o r e s t á a s s o c i a d o
c o m a a d o ç ã o d e t é c n i c a s q u e u s a m m a i o r e s c o e f i c i e n t e s d e t r a b a l h o ) . O retor-
n o d a s t é c n i c a s , p o r o u t r o l a d o , m o s t r a q u e n ã o h á m a n e i r a d e o r d e n á - l a s ine-
q u i v o c a m e n t e e m t e r m o s d e s u a s i n t e n s i d a d e s e m c a p i t a l , e , d a í , n e n h u m índi-
c e d e intensidade e m capital p o d e ser u s a d o p a r a substituir a m e d i ç ã o e m valor
e c o n t o r n a r a s d i f i c u l d a d e s , tais c o m o a r e v e r s ã o d a i n t e n s i d a d e d e c a p i t a l .
A possibilidade generalizada da ocorrência desses tipos de fenômenos
significa q u e f u n ç õ e s d e d e m a n d a p o r fator " b e m - c o m p o r t a d a s " n ã o p o d e m s e r
derivadas das hipóteses neoclássicas usuais.

' Nas versões tradicionais de longo prazo da teoria neoclássica, que tomavam um valor dado
do estoque de capital como representando a dotação de capital da economia, a mera
dependência, por menor que seja, entre preços relativos e distribuição torna imediatamente
inconsistente a oferta de capital (pois esta vai variar drasticamente, por exemplo, com uma
mera mudança de numerário) e, por conseqüência, as curvas de demanda de todos os
demais fatores de produção, que são calculadas para dada quantidade de capital. As
versões intertemporais da teoria neoclássica escapam dessa inconsistência ao tomar a
dotação de capital enquanto um vetor de bens de capital específicos: não escapam dos
problemas de reversão das técnicas e de reversão da intensidade de capital. Note-se que,
ao longo deste texto, estamos sendo particularmente generosos com os neoclássicos e
aceitando a sua inconsistência metodológica mencionada na nota 2, a partir da qual a teoria
explicaria a realidade usando os resultados das versões antigas de longo prazo, e, ao
mesmo tempo, incoerentemente, a defesa teórica da abordagem neoclássica se faz utilizan-
do a versão intertemporal que se admite ser inaplicável à realidade. A versão da teoria
neoclássica que de fato é usada para explicar a realidade ainda é a versão marginalista
intertemporal, que se torna logicamente inconsistente assim que se introduz capital hetero-
gêneo.
A base para a relação inversa entre a taxa de juros e o investimento, o
p r i n c í p i o d a s u b s t i t u i ç ã o , não p o d e ser d e d u z i d o , l o g i c a m e n t e , d a s d o t a ç õ e s ,
t é c n i c a s e p r e f e r ê n c i a s n o c a s o d e capital hieterogêneoJ^
U m a v e z q u e u m a f u n ç ã o d e d e m a n d a por investimento " b e m - c o m p o r t a d a "
não pode ser derivada, a o contrário do que usualmente se pensa, não há sim-
p l e s m e n t e q u a l q u e r b a s e lógica p a r a a idéia n e o c l á s s i c a d e equilíbrio d e m e r c a -
d o no mercado de capital, m e s m o se as taxas de juros forem inteiramente
flexíveis.20
Portanto, e m u m a economia monetária, não há t a m b é m qualquer base
p a r a a idéia d e q u e o i n v e s t i m e n t o t e n d e r á a a b s o r v e r a p o u p a n ç a d e p l e n a
c a p a c i d a d e . Por isso, a e x p l i c a ç ã o n e o c l á s s i c a p a r a o n o s s o s e g u n d o f a t o
estilizado é desprovida de suas fundamentações.
Por outro lado, e s s a s dificuldades c o m o capital t ê m duas implicações
n e g a t i v a s no q u e diz respeito à f u n ç ã o de d e m a n d a por trabalho (e outros fatores
n ã o reprodutíveis). A p r i m e i r a é q u e a d e m a n d a por i n v e s t i m e n t o , p o s i t i v a o u d e
f o r m a t o irregular, r e f l e t i n d o , c o m o e l a o f a z , c o m o a r a z ã o c a p i t a l / t r a b a l h o d a
e c o n o m i a se m o v e , enquanto a distribuição se altera, implica que a função de
d e m a n d a por trabalho t a m b é m não será "bem-comportada", já que, por e x e m -
plo, o fato d e q u e mais capital é usado q u a n d o a taxa d e juros cresce pode
significar q u e t é c n i c a s m e n o s i n t e n s i v a s e m t r a b a l h o e s t ã o s e n d o e s c o l h i d a s ,
e n q u a n t o o salário real cai.^^

"Para uma análise completa dessas dificuldades, ver Garegnani (1990b).


^° Note-se que, ao invés de usar a versão tradicional de longo prazo da teoria neoclássica,
alguém poderia alternativamente considerar a moderna versão intertemporal dessa teoria.
Isso complicaria a análise, mas não afetaria nossas conclusões. Se a economia intertemporal
é tal que inclui um steady state terminal, reswitching e reverso capital deepening, podem
ocorrer ao longo da seqüência de equilíbrios (Schefold, 2000). Em condições mais gerais,
com mudança de preços relativos através da trajetória inteira de equilíbrio intertemporal, a
condição de lucro zero para todos os bens de capital que são produzidos irá acarretar uma
taxa efetiva de juros uniforme (a qual será igual à taxa própria de juros do numerário
escolhido) sobre o investimento bruto, mas simplesmente não há razão para supor que o
valor do investimento bruto será uma função inversa "bem-comportada" daquela taxa de
juros (Garegnani, 1990b; 2000). Para uma crítica de outras versões, tais como a array of
opportunities e a "custos de ajuste" de funções investimento elásticas à taxa de juros, ver
Petri (1997)).
Isto tem sido demonstrado para a versão tradicional de longo prazo da teoria neoclássica.
Para a forma diferente, na qual o problema da quebra da substituição pode afetar a seqijên-
cia de equilíbrios no mercado de trabalho nas versões intertemporais, ver Schefold (2000)
e Garegnani (1990b).
P o r outro l a d o , n o c o n t e x t o d e u m a e c o n o m i a m o n e t á r i a , a a u s ê n c i a d e
u m m e c a n i s m o q u e p o s s a garantir equilíbrio d e m e r c a d o n o m e r c a d o d e capital
(investimento e p o u p a n ç a ) faz o f o r m a t o (tanto a inclinação q u a n t o a posição) d a
c u r v a d e d e m a n d a por t r a b a l h o ser v i r t u a l m e n t e irrelevante, j á q u e , c o m o v i m o s
a c i m a , a falta d e equilíbrio d e m e r c a d o no m e r c a d o d e c a p i t a l , pela i n t r o d u ç ã o
d e u m a restrição d e d e m a n d a efetiva, t a m b é m evita a ocorrência d e equilíbrio d e
m e r c a d o no m e r c a d o d e t r a b a l h o .
A s s i m , os p r o b l e m a s c o m c a p i t a l h e t e r o g ê n e o m o s t r a m q u e , f o r a d o c o n -
texto d e u m único b e m d e capital h o m o g ê n e o e m relação ao produto, n ã o h á
base teórica para u m a função investimento elástica e m relação à taxa de juros
e, c o n s e q ü e n t e m e n t e , n e n h u m a f u n d a m e n t a ç ã o t e ó r i c a p a r a a e x p l i c a ç ã o
n e o c l á s s i c a d e q u a l q u e r u m d o s n o s s o s dois f a t o s e s t i l i z a d o s .

7 - A teoria neoclássica e os fatos estilizados


P o d e ser útil, n e s t e p o n t o , citar u m a v e z m a i s a e x p l i c a ç ã o d e A r r o w p a r a
s u a c r e n ç a n a e x p l i c a ç ã o n e o c l á s s i c a d e n o s s o s dois f a t o s e s t i l i z a d o s . N a
m e s m a palestra m e n c i o n a d a n a i n t r o d u ç ã o , A r r o w r e l e m b r a u m d e b a t e c o m
J o a n R o b i n s o n n o s s e g u i n t e s t e r m o s : "She wouldsay'well,whenyou are out of
equilibrium , you say the real wage ought to be out, but ifyou do that you cut
demandandmake matters worse' ".^^ A r r o w r e l e m b r a q u e R o b i n s o n diria q u e ,
e m s e g u i d a à q u e d a d o salário real, a s firmas n ã o contratariam mais t r a b a l h a d o -
res " p o r q u e elas n ã o p o d e m v e n d e r o s b e n s " . S u a r e s p o s t a f o i : 'The thing is,
however, if they did hire the workers they would sell the goods ("grifos d o a u -
torr3(Arrow, Í 9 8 9 , p . 182).
É evidente q u e , n a p a s s a g e m a c i m a , A r r o w está s u p o n d o q u e : (a) c o m u m
s a l á r i o real m e n o r s e r á lucrativo e m p r e g a r t é c n i c a s q u e s ã o m a i s i n t e n s i v a s e m
t r a b a l h o ; e (b) o i n v e s t i m e n t o é l e v a d o à i g u a l d a d e c o m a p o u p a n ç a d e p l e n o
e m p r e g o . Á d i s c u s s ã o anterior m o s t r o u q u e n ã o h á n e n h u m b o m m o t i v o , teórico
o u e m p í r i c o , p a r a s u a c r e n ç a e m (a) o u e m (b).
De fato, o resultado d e toda a discussão das seções precedentes é que,
s i m p l e s m e n t e , n ã o h á q u a l q u e r a r g u m e n t o teórico e m a p o i o à h i p ó t e s e d e f u n -

22 "Ela diria: 'bem, quando você está fora do equilíbrio, você diz: o salário real deveria ser
reduzido, mas se você faz isso você reduz a demanda e torna as coisas piores'."
"O ponto é, entretanto, se eles contratassem mesmo os trabalhadores eles iriam vender
os bens,"
ç õ e s d e d e m a n d a por fator " b e m - c o m p o r t a d a s " e, e m particular, p a r a u m a f u n -
ção investimento elástica e m relação à taxa de juros.
A n t e s d i s s o , j á t í n h a m o s a r g u m e n t a d o q u e p a r e c e n ã o h a v e r q u a l q u e r ra-
z ã o empírica convincente para pensar e m preços de fator (ou variáveis distributivas)
c o m o s e n d o f l e x í v e i s , no s e n t i d o n e o c i á s s i c o , s e j a e m t e r m o s reais, s e j a e m
n o m i n a i s (monetários).
Parece então que n e n h u m a das duas condições requeridas para garantir
o s r e s u l t a d o s n e o c l á s s i c o s d e equilíbrio d e m e r c a d o , a saber, f u n ç õ e s d e d e -
m a n d a por fator " b e m - c o m p o r t a d a s " (condição ii) e flexibilidade d e preço d e fator
( c o n d i ç ã o i), p o d e , d e f o r m a p l a u s í v e l , s e r u m a c a r a c t e r í s t i c a g e r a l d e e c o n o -
mias capitalistas competitivas. Portanto, parece haver fortes razões teóricas e
e m p í r i c a s para rejeitar a e x p l i c a ç ã o n e o c l á s s i c a d e n o s s o s dois fatos estilizados
e a n o ç ã o a s s o c i a d a d e equilíbrio d e m e r c a d o n o s m e r c a d o s d e f a t o r e s d e
produção.
A q u e l e s que privilegiam a explicação neoclássica, contudo, tentam d e f e n d ê -
-la a p e l a n d o para dois argumentos conectados: u m deles lógico e o outro empírico.
S e u p r i m e i r o a r g u m e n t o é o s e g u i n t e : eles c o n c o r d a m t a n t o q u e f u n ç õ e s
d e d e m a n d a por fator " b e m - c o m p o r t a d a s " r e q u e r e m m e s m o u m n ú m e r o d e s u -
p o s i ç õ e s arbitrárias e artificiais, q u a n t o q u e a q u e l a s f u n ç õ e s " b e m - c o m p o r t a -
d a s " p r o v ê e m c o n d i ç õ e s suficientes p a r a a u n i c i d a d e e a estabilidade d a s p o s i -
ç õ e s d e equilíbrio (o q u e , j u n t o c o m p r e ç o s d e fator flexíveis, g a r a n t e o s resulta-
d o s d e equilíbrio d e m e r c a d o ) . E s s e s t e ó r i c o s n e o c l á s s i c o s , p o r é m , a p o n t a m
q u e , e n q u a n t o f u n ç õ e s de d e m a n d a por fator " b e m - c o m p o r t a d a s " p r o v ê e m m e s -
m o c o n d i ç õ e s s u f i c i e n t e s p a r a e q u i l í b r i o s ú n i c o s e e s t á v e i s , eles n ã o c o n s t i -
tuem condições necessárias para esses resultados. Em outras palavras,
l o g i c a m e n t e , equilíbrios ú n i c o s e e s t á v e i s p o d e m a i n d a ocorrer, m e s m o s e m
f u n ç õ e s d e d e m a n d a por fator " b e m - c o m p o r t a d a s " (e as hipóteses artificiais u s a -
d a s p a r a gerá-los), p a r a certo c o n j u n t o o u c o n j u n t o s d e valores d o s p a r â m e t r o s ,
e n q u a n t o é v e r d a d e q u e , p a r a o u t r o c o n j u n t o e m particular, e l e s p o d e m n ã o
ocorrer.
A s s i m , uma vez que unicidade e estabilidade não são desconsiderados
c o m o u m a p o s s i b i l i d a d e lógica e q u e s u a ocorl-ência, o u n ã o , d e p e n d e d e v a l o -
res e s p e c í f i c o s d o s p a r â m e t r o s , a q u e s t ã o d a v a l i d a d e d o s resultados d e equilí-
brio d e m e r c a d o t o r n a - s e e s t r i t a m e n t e e m p í r i c a ( M a l i n v a u d , 1981).
P r e c i s a m e n t e neste ponto, s e u s e g u n d o a r g u m e n t o v e m à t o n a . E s s e s a u -
tores a l e g a m que, se funções de d e m a n d a por fator viessem a ser "maicomportadas"
na p r á t i c a , na f o r m a e na e x t e n s ã o q u e l e v a s s e m a equilíbrios m ú l t i p l o s e i n s t á -
veis, o sistema econômico, necessariamente, estaria exibindo violentas flutuações
de preços e quantidades de bens e u m e n o r m e grau de instabilidade. O m e c a -
n i s m o d e m e r c a d o e s t a r i a , e n t ã o , p e r m a n e n t e m e n t e p r o d u z i n d o r e s u l t a d o s in-
c o e r e n t e s , c o m as d e m a n d a s e a s ofertas d e b e n s e fatores s e m p r e t e n d e n d o a
e x p l o d i r o u divergir a o invés d e s e equilibrar.
D a d o o f a t o d e q u e tal e s t a d o p e r m a n e n t e o u c r ô n i c o d e i n c o e r ê n c i a o u
e x t r e m a instabilidade j a m a i s foi o b s e r v a d o n a s e c o n o m i a s capitalistas e x i s t e n -
t e s , o s dois a r g u m e n t o s u n i d o s n o s l e v a m à c o n c l u s ã o d e q u e , d e a l g u m a for-
m a , a s f u n ç õ e s d e d e m a n d a por fator e f e t i v a s s ã o , d e f a t o , " b e m - c o m p o r t a d a s "
( o u , s e n ã o e s t r i t a m e n t e " b e m - c o m p o r t a d a s " , por s o r t e o a f a s t a m e n t o d e s s e
ideal não t e m n e m a f o r m a n e m a magnitude que causaria problemas). A d e -
m a i s , s e g u e o a r g u m e n t o , no l o n g o p r a z o , m e r c a d o s d e fator t e n d e m m e s m o a
( a p r o x i m a d a m e n t e ) s e equilibrar, a l g o q u e e s t a r i a p r ó x i m o d o i m p o s s í v e l c o m
f u n ç õ e s d e d e m a n d a p o r fator s e r i a m e n t e " m a l c o m p o r t a d a s " . D a í o s t e ó r i c o s
n e o c l á s s i c o s t o m a r e m o equilíbrio a p r o x i m a d o a l o n g o p r a z o e n t r e d e m a n d a e
oferta d e trabalho e de capital (o q u e t o m a m o s c o m o nossos dois fatos estilizados)
c o m o e v i d ê n c i a indireta d e q u e p r e ç o s reais e n o m i n a i s d e fator s ã o s u f i c i e n t e -
m e n t e flexíveis, d e q u e efeitos-renda s ã o , n a prática, s u f i c i e n t e m e n t e p e q u e n o s
e d e q u e " p a r a d o x o s " t e ó r i c o s d o c a p i t a l (tais c o m o retorno d a s t é c n i c a s e
r e v e r s ã o d o capital), e n q u a n t o p o s s í v e i s n a teoria, por sorte t a m b é m n ã o a c o n -
t e c e m n a prática (que e r a t a m b é m c l a r a m e n t e a posição d e A r r o w ) — v e r A r r o w
(1983).

A linha a c i m a d e d e f e s a d a v i s ã o neoclássica, apesar d e e n g e n h o s a , n ã o s e


s u s t e n t a frente a u m escrutínio m a i s d e t a l h a d o . A n t e s d e mais n a d a , c o m o v i m o s
n a s s e ç õ e s 4 e 5, p a r e c e haver suficiente e v i d ê n c i a direta de q u e p r e ç o s reais e
n o m i n a i s d e fator não s ã o flexíveis n a realidade. N e s s e c a s o , a teoria n e o c l á s s i c a
d e v e r i a prever desequilíbrio p e r m a n e n t e n o s m e r c a d o s d e fatores, e n o s s o s dois
f a t o s estilizados s i m p l e s m e n t e n ã o p o d e r i a m ser explicados por e l a .
A l é m d i s s o , s e f u n ç õ e s d e d e m a n d a p o r fator s ã o , n a p r á t i c a , m u i t o " m a l -
c o m p o r t a d a s " ( c o m o elas p r o v a v e l m e n t e s e r i a m ) , n ã o h á r a z ã o p a r a o b s e r v a r -
m o s a q u e l a violenta instabilidade n o v a m e n t e , pela m e r a razão d e q u e , n a reali-
d a d e , p r e ç o s d e fator s i m p l e s m e n t e n ã o s ã o flexíveis no s e n t i d o n e o c l á s s i c o .
De fato, é altamente provável q u e u m a das principais causas d e s s a aparente
rigidez é a c o r r e t a p e r c e p ç ã o g e n e r a l i z a d a , t a n t o d e a g e n t e s e c o n ô m i c o s priva-
d o s q u a n t o d e g o v e r n o s , d e q u e , s e p r e ç o s d e fator f o s s e m f l e x í v e i s , a s c o i s a s
p o d e r i a m facilmente s e tornar muito piores (sobre isso, ver Petri (1994a) e Kalecki
(1944)).
V a m o s , c o n t u d o , abstrair e s s a e v i d ê n c i a direta p a r a olhar p a r a a l ó g i c a d o
a r g u m e n t o s o b r e c o n d i ç õ e s s u f i c i e n t e s versus c o n d i ç õ e s n e c e s s á r i a s . Teóri-
c o s n e o c l á s s i c o s , hoje e m d i a , t e n d e m a s u b e s t i m a r a i m p o r t â n c i a d e c o n d i -
ç õ e s suficientes e m relação à de condições necessárias. U m a coisa simples,
m a s c r u c i a l , q u e os d e f e n s o r e s d a v i s ã o n e o c l á s s i c a t e n d e m a n ã o m e n c i o n a r
n e s s a c o n e x ã o é q u e q u a l q u e r teoria q u e p r e t e n d a e x p l i c a r u m f e n ô m e n o parti-
cular n a t u r a l m e n t e d e v e especificar a s c o n d i ç õ e s s u f i c i e n t e s p a r a tal f e n ô m e n o
o c o r r e r ( r e a l m e n t e , isto é o q u e significa ter u m a t e o r i a d o f e n ô m e n o ) . S e a
t e o r i a p r o p o s t a n ã o f o r n e c e a s c o n d i ç õ e s s u f i c i e n t e s , o u , a t é pior, s e o s p r o p o -
n e n t e s d a teoria n ã o a c r e d i t a m na r e l e v â n c i a d a s s u p o s i ç õ e s q u e eles próprios
t ê m d e f a z e r p a r a o b t e r o s r e s u l t a d o s d e s e j a d o s , a t e o r i a e m q u e s t ã o é, p a r a
dizer o m í n i m o , i n c o m p l e t a . No q u e diz respeito a o f e n ô m e n o e m q u e s t ã o , s i m -
p l e s m e n t e n ã o p o d e s e r d e q u a l q u e r r e l e v â n c i a p a r a s u a e x p l i c a ç ã o (rigorosa-
m e n t e n ã o é r e a l m e n t e u m a teoria p a r a e s s e f e n ô m e n o ) . S e m c o n d i ç õ e s sufici-
e n t e s , s i m p l e s m e n t e n ã o fiá q u a l q u e r c o n e x ã o l ó g i c a e n t r e a o c o r r ê n c i a d a s
h i p ó t e s e s d a teoria e a o c o r r ê n c i a d o f e n ô m e n o q u e d e v e s e r e x p l i c a d o . P o r t a n -
to, não há qualquer explicação do fenômeno e m m ã o s . Contrariamente ao que
o s n e o c l á s s i c o s d i z e m , a falta d e c o n d i ç õ e s s u f i c i e n t e s a c e i t á v e i s n ã o é u m a
v i r t u d e d a s u a teoria q u e m o s t r a s u a "flexibilidade" e " a b e r t u r a " e m p í r i c a ( c o m o
M a l i n v a u d (1981) a l e g a ) . É, d e f a t o , u m sinal d e u m a s é r i a d e f i c i ê n c i a e m s e u
a r g u m e n t o . O que pode ser corretamente deduzido d a ausência de condições
s u f i c i e n t e s a c e i t á v e i s é, s i m p l e s m e n t e , q u e n ã o h á q u a l q u e r r a z ã o teórica p a r a
e s p e r a r m o s q u e a s p r e m i s s a s n e o c l á s s i c a s u s u a i s l e v e m a u m equilíbrio d e
m e r c a d o g e n e r a l i z a d o n o s m e r c a d o s d e fatores.
P a r a dar s e n t i d o à s e g u n d a parte d o a r g u m e n t o a f a v o r d a e x p l i c a ç ã o
n e o c l á s s i c a , t e m o s d e n o s referir d e n o v o à d i s t i n ç ã o q u e e s t i v e m o s f a z e n d o
entre os fatos estilizados — mostrando u m a certa igualação entre as oportuni-
d a d e s d e e m p r e g o e o t a m a n h o d a f o r ç a d e t r a b a l h o e a d e m a n d a por m e r c a d o -
rias e o e s t o q u e d e c a p i t a l — e a t e o r i a n e o c l á s s i c a d e equilíbrio d e m e r c a d o
particular, n a q u a l as d o t a ç õ e s s ã o as variáveis i n d e p e n d e n t e s , e n q u a n t o a d e -
m a n d a por eles é, e n d o g e n a m e n t e , d e t e r m i n a d a a t r a v é s d a o p e r a ç ã o d o princí-
pio d a s u b s t i t u i ç ã o .
Q u a n d o a d i s t i n ç ã o a c i m a é feita, t o r n a - s e c l a r o q u e a o b s e r v a ç ã o d o s
f a t o s e s t i l i z a d o s por si p r ó p r i o s n ã o d á s u p o r t e a l g u m , n e m direto n e m indireto,
à teoria neoclássica proposta para explicá-los.
D e f a t o , h á a p e n a s u m a m a n e i r a d e c o n s i d e r a r q u e e s s e s fatos estilizados
p o d e r i a m estar f o r n e c e n d o e v i d ê n c i a indireta e m f a v o r d a t e o r i a n e o c l á s s i c a .
Isso ocorreria s e a teoria n e o c l á s s i c a f o s s e a única m a n e i r a c o n c e b í v e l d e expli-
car aqueles fatos estilizados.
O m o d o de pensar neociássico tornou-se tão dominante que este autor
está certo de que muitos teóricos acreditam que este seja o caso, mas eles
nunca estabeleceram essa importante suposição adicional explicitamente.
E n t r e t a n t o a idéia d e q u e a e x p l i c a ç ã o n e o c l á s s i c a é a ú n i c a c o n c e b í v e l é
c o m p l e t a m e n t e i n f u n d a d a . N e n h u m a r g u m e n t o racional foi j a m a i s a p r e s e n t a d o
a s e u favor, e não é fácil c o n c e b e r a l g u m . E m v e r d a d e , o próprio A r r o w foi h o n e s -
to o s u f i c i e n t e p a r a admitir, e m u m a o u t r a o c a s i ã o , q u e t e o r i a s n ã o b a s e a d a s
e m p r i n c í p i o s n e o c l á s s i c o s p o d e r i a m f a c i l m e n t e s e r c o n c e b i d a s e q u e "(...) any
coherent theory of reactions to the stimuli appropriate in an economia context
(...) could in principie lead to a theory of the economy"^^ (Arrow, 1 9 8 7 , p.198-
-199)25.

8 - A abordagem clássica do excedente


e os fatos estilizados
V a m o s e n t ã o finalizar, a p r e s e n t a n d o , m u i t o b r e v e m e n t e , u m a e x p l i c a ç ã o
t e ó r i c a a l t e r n a t i v a p o s s í v e l p a r a a m b o s o s f a t o s e s t i l i z a d o s , q u e p o d e ser e n -
contrada na m o d e r n a a b o r d a g e m clássica d o excedente, a qual é (contraria-
m e n t e às e x p l i c a ç õ e s n e o c l á s s i c a s ) t a n t o e m p i r i c a m e n t e p l a u s í v e l q u a n t o t e o -
ricamente consistente.
E s s a a b o r d a g e m é b a s e a d a e m d u a s idéias c e n t r a i s , a s a b e r : (a) os salá-
rios reais e a distribuição d a renda, e m u m a e c o n o m i a capitalista, s ã o f o r t e m e n t e
i n f l u e n c i a d o s por fatores institucionais e sócio-políticos, e (b) a f o r ç a d a c o n c o r -
r ê n c i a d e p e n d e d á m o b i l i d a d e d o c a p i t a l . N o q u e t a n g e a o s d e t e r m i n a n t e s do
p r o d u t o potencial no longo prazo, teóricos d o e x c e d e n t e s e m p r e e n t e n d e r a m q u e
a c a p a c i d a d e produtiva d e p e n d i a d o e s t á g i o atingido pelo p r o c e s s o d e a c u m u l a -
ç ã o d e capital e a t e c n o l o g i a . Isto significa dizer q u e , n e s s a v i s ã o , o c r e s c i m e n t o
a l o n g o prazo é u s u a l m e n t e restrito p e l a d i s p o n i b i l i d a d e d e c a p i t a l ( e m v e z d e
trabalho ou recursos naturais).
Nas teorias clássicas do excedente, a capacidade produtiva da economia
d e p e n d e do estoque de capital e das condições técnicas de produção (repre-
s e n t a d a s pelas r a z õ e s c a p i t a l - p r o d u t o r e l e v a n t e s ) .
A idéia c l á s s i c a d e q u e a a c u m u l a ç ã o d e c a p i t a l é a r e s t r i ç ã o r e l e v a n t e a
longo prazo tem sido c o m u m e n t e interpretada pelos neoclássicos c o m o basea-
d a n a s u p o s i ç ã o c o m b i n a d a d e u m a oferta ilimitada d e t r a b a l h o e d a hipótese d e
t e c n o l o g i a d e p r o p o r ç õ e s fixas. A ú l t i m a s u p o s i ç ã o t e m o p a p e l d e f a z e r capital
e t r a b a l h o s e t o r n a r e m c o m p l e m e n t a r e s e m v e z d e s u b s t i t u t o s , d e tal m a n e i r a

""(...) qualquer teoria coerente de reações aos estímulos apropriados em um contexto econô-
mico (...) poderia, a princípio, levar a uma teoria da economia".
^Como exemplos, ele menciona a possibilidade de basear uma teoria do comportamento do
consumidor no "hábito", e argumenta que essa teoria seria tanto "plausível" quanto "capaz
de ser testada" (Arrow, 1987, p, 199), e a teoria keynesiana do multiplicador.
q u e é o fator de p r o d u ç ã o q u e e s t á d i s p o n í v e l e m m e n o r o f e r t a (e s e u p r ó p r i o
coeficiente técnico) q u e d e t e r m i n a a plena capacidade. A primeira hipótese (oferta
ilimitada d e trabalho) garantiria q u e é o capital, e n ã o o t r a b a l h o , o fator limitante.
D e a c o r d o c o m e s s a interpretação, a visão clássica seria relevante a p e n a s
no c a s o especial de e c o n o m i a s s u b d e s e n v o l v i d a s e s u p e r p o p u l o s a s q u e sofres-
s e m d e drástica rigidez tecnológica.^®
Essa difundida interpretação (neoclássica) das teorias clássicas do exce-
d e n t e é totalmente incorreta. A teoria clássica é perfeitamente c o m p a t í v e l c o m a
e x i s t ê n c i a d e t é c n i c a s a l t e r n a t i v a s ( m e s m o u m a infinidade d e l a s ) e n ã o t e m d e
n e g a r a influência p o s s í v e l d e p r e ç o s relativos s o b r e a d e m a n d a p o r m e r c a d o -
rias. A r a z ã o por q u e c a p i t a l e t r a b a l h o s ã o c o m p l e m e n t a r e s s e e n c o n t r a na
hipótese, básica para a a b o r d a g e m d o e x c e d e n t e , d e q u e a distribuição é deter-
minada exogenamente c o m o já mencionamos antes.
Portanto, nesta a b o r d a g e m , a t é c n i c a e s c o l h i d a n ã o é n e c e s s a r i a m e n t e a
ú n i c a disponível p a r a p r o d u z i r o nível d e p l e n a c a p a c i d a d e , m a s , e m v e r d a d e ,
a q u e l a m i n i m i z a d o r a d e c u s t o / m a x i m i z a d o r a de lucro e m r e l a ç ã o a u m a d a d a
variável distributiva e x ó g e n a (aos d a d o s "preços de fatores"). O princípio d a s u b s -
tituição, c e r t a m e n t e , n ã o e s t á e m o p e r a ç ã o . M a s isto n ã o a c o n t e c e , n e c e s s a -
riamente, porque não há m é t o d o s alternativos de produção disponíveis, m a s
p o r q u e o s "preços d e f a t o r e s " n ã o m u d a m .
N e m é a visão c l á s s i c a d o e x c e d e n t e b a s e a d a n a s u p o s i ç ã o d e q u e a f o r ç a
d e trabalho é i n d e f i n i d a m e n t e g r a n d e . A idéia é a de q u e h á ( c o m o n ó s v e r e m o s
aqui e m mais detalhe) u m n ú m e r o de mecanismos sociais e econômicos e m
o p e r a ç ã o e m e c o n o m i a s capitalistas q u e p e r m i t e m a o s i s t e m a elevar a d i s p o n i -
bilidade de t r a b a l h o e m c o m p a s s o c o m o s r e q u e r i m e n t o s d o p r o c e s s o d e a c u -
mulação.
C o m e s s a s i n c o m p r e e n s õ e s c o m u n s fora d o c a m i n h o , p o d e m o s a g o r a
olhar c o m o a visão clássica do e x c e d e n t e explicaria n o s s o s dois fatos estilizados.

" Note-se, porém, que a existência de proporções fixas, isto é, um único método para produzir
cada mercadoria, não é suficiente para fazer capital e trabalho complementares no niVel
agregado. Se as proporções nas quais capital e trabalho são usados são diferentes para
cada mercadoria, uma substituição de fator, enquanto os preços de fator mudam, irá ainda
ocorrer, não através da substituição direta na produção, mas pela substituição indireta, na
medida em que a demanda dos consumidores se volta para bens que usam mais intensiva-
mente os fatores mais baratos.
' Note-se que o bem-conhecido argumento de acordo com o qual a visão clássica sobre a
exogeneidade da distribuição é exatamente a rigidez — que, evitando que a substituição
aconteça, interfere na operação normal do mecanismo de mercado e é a causa do desem-
prego aparentemente "estrutural" — está inteiramente baseado na suposição insustentável
de que funções de demanda por fator são, de fato, "bem-comportadas". . . .
V a m o s c o m e ç a r c o m o p r i m e i r o d e s s e s , a q u e l e r e l a c i o n a d o a o s ajustes e n t r e a
f o r ç a d e trabalho e a d e m a n d a por e m p r e g o a s s a l a r i a d o .
A explicação d a a b o r d a g e m clássica do excedente para esse fato é q u e ,
n o limite estreito e m q u e a s o p o r t u n i d a d e s d e e m p r e g o e o t a m a n h o d a f o r ç a d e
trabalho em uma economia são e m algum sentido compatibilizados, o processo
é caracterizado pelo t a m a n h o d a força d e trabalho, a d a p t a n d o - s e às o p o r t u n i d a -
d e s d e e m p r e g o (ao i n v é s d e v i c e - v e r s a , c o m o n a t e o r i a n e o c l á s s i c a ) .
G p o n t o central é s i m p l e s m e n t e q u e , d a d o q u e e m e c o n o m i a s capitalistas
m u i t a s p e s s o a s (a m a i o r i a ) simplesmente têm de trabalhar para sobreviver,
s e m p r e q u e o d e s e m p r e g o alcança níveis muito altos por períodos considerá-
veis de tempo, u m número de processos é posto e m ação, o que, automatica-
m e n t e , t e n d e a reduzir a d i s c r e p â n c i a original entre oferta e d e m a n d a por t r a b a -
lho. M u i t o s d e s s e s q u e f i c a m p a r a t r á s s ã o , m a i s c e d o o u m a i s t a r d e , f o r ç a d o s
a se juntar ao contingente de "autônomos" no setor informal d a economia. Es-
s e s p r o c e s s o s (e a l g u n s outros similares) t e n d e m a diminuir as taxas registradas
d e d e s e m p r e g o a b e r t o s e m gerar quaisquer n o v o s e m p r e g o s no setor capitalista
formal.^^
Por o u t r o l a d o , s i t u a ç õ e s p e r s i s t e n t e s d e e s c a s s e z d e t r a b a l h o t ê m s i d o
n o r m a l m e n t e evitadas, u m a vez q u e o t a m a n h o efetivo d a força d e trabalho p o d e
f a c i l m e n t e ser (e h i s t o r i c a m e n t e t e m sido) a u m e n t a d o , e l e v a n d o - s e o n ú m e r o
m é d i o d e h o r a s t r a b a l h a d a s ( e l e v a n d o - s e a d e m a n d a por h o r a s - e x t r a s ) , a s t a -
x a s d e participação d e c e r t o s g r u p o s d e m o g r á f i c o s (por e x e m p l o , m u l h e r e s c a -
sadas, pessoas jovens), as migrações regional e internacional de trabalho, e
trazendo trabalho do setor informal. Estas são as fontes que, junto c o m o pro-
gresso técnico, continuamente reabastecem a reserva de pessoas potencial-
m e n t e e m p r e g á v e i s e m e c o n o m i a s capitalistas.
Isto significa q u e , no l o n g o p r a z o , a t a x a d e d e s e m p r e g o c e r t a m e n t e s e r á
p o s i t i v a e p o s s i v e l m e n t e a t é r e l a t i v a m e n t e alta, m a s q u e , a o m e s m o t e m p o .

'Como Garegnani (1990a, p. 116) apontou, tal "(.,.) coincidência aproximada a longo prazo
entre emprego de trabalho e trabalho buscando emprego (...) é apenas para ser esperada,
na extensão em que trabalhadores não podem viver de ar. Essa coincidência aproximada
pode, em verdade, resultar de trabalho procurando emprego ajustando-se a oportunidades
de emprego, ao invés do contrário" (Garegnani, 1990a, p.116), através de imigração, mu-
danças nas taxas de participação e "desemprego disfarçado" no setor informal.
I FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA - FEE

I Núcleo de Documentação/Biblioteca

Ensaios FEE, Porto Alegre, v.22, n. 1, p.7-34,2001

a j u s t a m e n t o s e n d ó g e n o s n o t a m a n h o d a f o r ç a d e t r a b a l h o n ã o v ã o permitir q u e
o d e s e m p r e g o a b e r t o c r e s ç a a l é m d e c e r t o s limites.^^
A explicação d a abordagem clássica d o excedente para o nosso segundo
fato estilizado, aquele que s e refere à congruência d e longo prazo entre os
t a m a n h o s relativos d o e s t o q u e d e c a p i t a l e a d e m a n d a p e l o s p r o d u t o s p r o d u z i -
dos c o m ele, está b a s e a d a na e x t e n s ã o para o longo prazo d o princípio d a
d e m a n d a efetiva d e K e y n e s e Kalecki.3°
N e s s a visão, o segundo fato estilizado é explicado c o m o o resultado d a
operação d e uma tendência da capacidade produtiva a ajustar-se à tendência
s e c u l a r d a d e m a n d a efetiva.^^
Isto s i g n i f i c a q u e e s s a t e o r i a l e v a e m c o n t a n ã o a p e n a s o s e f e i t o s
multiplicadores usualmente contemplados t a m b é m nas teorias d e curto prazo
de utilização de capacidade, m a s ainda os efeitos aceleradores pelos quais o
c r e s c i m e n t o s u s t e n t a d o d a d e m a n d a e f e t i v a vai i n d u z i n d o a c r i a ç ã o d e c a p a c i -
d a d e produtiva d a economia.^^

A amplitude desses limites dependerá do tamanho do setor informal, das características


sociológicas da força de trabalho, do aparato institucional acerca do seguro-desemprego,
dos sindicatos e da mobilidade internacional de trabalho. Note-se que, fora os ajustes
"automáticos" derivados das decisões e das estratégias de sobrevivência dos indivíduos
discutidos no texto, existe, também, a pressão social e política para que os governos
busquem políticas expansionistas em época de grande desemprego (por exemplo, frentes
de trabalho no nordeste brasileiro, ou políticas keynesianas de pleno emprego na Inglaterra
do pós-guerra) e pressões para que os governos incentivem, por exemplo, a imigração em
períodos de relativa escassez de mão-de-obra.
^° É verdade que alguns dos antigos economistas clássicos, como Ricardo, acreditaram um
tanto arbitrariamente na Lei de Say. Entretanto, como Garegnani (1978-1979) mostrou, a Lei
de Say não é uma característica necessária da teoria do valor e da distribuição clássica do
excedente e pode e deve ser substituída por uma teoria de longo prazo do produto, baseada
no principio da demanda efetiva.
^' "Agora, o tamanho da dotação de capital parece, quando nada, até mais suscetível de
adaptação ao seu emprego do que é o tamanho da força de trabalho (...) é o nível da
demanda agregada e do produto que determina o nível de estoque de capital." (Garegnani,
1990a, p.116-117).
=•2 Para a versão do autor sobre esta visão, onde a tendência da demanda efetiva vai depender
da evolução dos gastos autônomos e das mudanças de longo prazo nos determinantes do
multiplicador (por exemplo a distribuição de tenda) e do acelerador (o viés prevalecente na
mudança técnica), ver Serrano (1995; 1996).
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Abstract
This paper presents a Sraffian criticism of Kenneth Arrow's defence
of the etnpirical relevance of neoclássica! general equilibrium theory. The
neoclassical explanation would only make empirical sense if market
clearing really happens in the markets for factors of production. This in
turn depends on two things: (a) nominal and real "flexibility" of factor
prices; and (b) on the (direct and indirect) substitution effects being the
dominant effect of factor price changes. However: 1. nominal factor price
flexibility is both empirically implausible and anyway tends to be
destabilizing (and cause a lack of real flexibility) 2. Sraffa's capital critique
shows that in any case the substitution effect may break down completely
in the real-world case of heterogeneous capital. An alternative (and more
consistent) Sraffa-based explanation of the facts is aiso briefly sketched.

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