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ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA ADJUNTA AO COMANDO DO EXÉRCITO
NÚCLEO DE ASSUNTOS MILITARES

PARECER n. 00731/2018/CONJUR-EB/CGU/AGU

NUP: 64536.015294/2018-46
INTERESSADOS: COMANDO DO EXÉRCITO - GABINETE DO COMANDANTE - A2 E O
DEPARTAMENTO-GERAL DO PESSOAL - DGP
ASSUNTOS: CONSULTA - ATIRADOR DE TIRO DE GUERRA - NATUREZA JURÍDICA

EMENTA: ANÁLISE ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DO ATIRADOR DO TIRO DE GUERRA.


1. Verificação sobre da natureza jurídica do Tiro de Guerra;
2. Observações acerca das disposições legais e regulamentares sobre o tema;
3. Estudo das decisões judiciais versando sobre o atirador do tiro de guerra.
4. Considerações

Excelentíssimo Senhor Consultor Jurídico,

I – RELATÓRIO

1. Vem ao exame desta Consultoria Jurídica, com base no inciso IV o artigo 11 da Lei
Complementar nº 73, de 1993, por proposição do Chefe do Gabinete do Comandante do Exército, os
autos do processo em epígrafe onde se buscam esclarecimentos acerca da natureza jurídica do atirador
do tiro de guerra, em face divergência de entendimento sobre o assunto, surgida por ocasião da
Reunião dos Grandes Comandos Administrativos de 2018, entre o Estado-Maior do Exército, o
Departamento-geral do Pessoal e o Gabinete.

2. Durante muitos anos foi pacífico o entendimento de que o Atirador do Tiro de Guerra é um
civil instruído militarmente, ocorre que em Parecer (fls 4/9-v), exarado em 21 de novembro de 2017, a
assessoria jurídica da Diretoria de Serviço Militar (DSM), que é um órgão de apoio do Departamento-
Geral do Pessoal cuja missão institucional é orientar, coordenar e avaliar as atividades relativas ao
Serviço Militar Inicial, passou a entender que o Atirador do Tiro de Guerra é, na verdade, um militar com
características sui generis equiparado ao Aluno de ORF.

3. Em consulta formulada, o Gabinete do Comando do Exército solicitou a manifestação dessa


Consultoria-Jurídica acerca sobre a natureza jurídica do atirador do Tiro de Guerra com vista a pacificar o
entendimento sobre o tema no âmbito do Comando do Exército.

4. Em síntese, é o relatório necessário.

II - ANÁLISE JURÍDICA

Da Natureza Jurídica do Tiro de Guerra

5. Antes de adentrar no mérito da natureza jurídica do atirador do tiro de guerra, é preciso


tecer algumas considerações acerca do Tiro de Guerra.

6. O Tiro de Guerra é um Órgão de Formação da Reserva, que conta com previsão expressa na
Lei n° 4.375, de 1964, a saber:

Art 56. Os Ministros Militares poderão criar órgãos para formação de Oficiais, Graduados e
Soldados a fim de satisfazer às necessidades da reserva.
(...).
Art 59. Os Órgãos de Formação de Vetado Reserva, Subunidades-quadros, Tiros-de-
Guerra e outros se destinam também, a atender à instrução militar dos convocados
não incorporados em organizações militares da ativa das Fôrças Armadas. Estes Órgãos
serão localizados de modo a satisfazer às exigências dos planos militares e, sempre que
possível, às conveniências dos municípios, quando se tratar de Tiros-de-Guerra.

7. No âmbito do Comando do Exército, a Portaria nº 001, de 2 de janeiro de 2002, do


Comandante do Exército, que aprova o Regulamento para os Tiro-de-Guerra e Escolas de Instrução
Militar (R-138), traz esclarecimento relevantes, senão vejamos:

Art. 1° Os Tiros de Guerra são uma experiência brasileira vigente desde 7 de setembro de
1902, quando Antônio Carlos Lopes fundou, na cidade de Rio Grande-RS, uma sociedade de
tiro ao alvo com finalidades militares e, depois de 1916, foram impulsionados pela
pregação patriótica de Olavo Bilac - Patrono do Serviço Militar -, sendo conseqüência,
sobretudo, de um esforço comunitário municipal.
Art. 2° Os Tiros de Guerra (TG) são Órgãos de Formação da Reserva (OFR), que possibilitam
a prestação do Serviço Militar Inicial, no município sede do TG, dos convocados não
incorporados em Organização Militar da Ativa (OMA), de molde a atender à instrução,
conciliando o trabalho e o estudo do cidadão.

8. De pronto, destaque-se que o Tiro de Guerra é um instituto centenário, que segundo


disposições regulamentares, vige no país desde 1900, não havendo, portanto, que se alegar a novidade
de tal instituto.

9. De acordo com os diplomas supratranscritos, os Tiros de Guerra são órgãos de formação de


reserva, voltados a prestação de serviço militar inicial, para aqueles convocados e não incorporados.

10. O art. 3º do Decreto nº57.654, que regulamenta a lei do Serviço Militar, assim define órgão
de formação de reserva:

Art. 3º Para os efeitos deste Regulamento são estabelecidos os seguintes conceitos e


definições:
(...)
30) organização militar da ativa - Corpos (Unidades) de Tropa, Repartições,
Estabelecimentos, Navios, Bases Navais ou Aéreas e qualquer outra unidade tática ou
administrativa, que faça parte do todo orgânico do Exército, Marinha ou Aeronáutica.
3 1 ) órgão de formação de reserva - Denominação genérica dada aos órgãos de
formação de oficiais, graduados, soldados e marinheiros para a reserva. Os órgãos de
Formação de Reserva, em alguns casos, poderão ser, também, Organizações Militares da
Ativa, desde que tenham as características dessas Organizações Militares e existência
permanente. Existem Órgãos de Formação de Reserva das Forças Armadas, que não são
constituídos de militares, mas apenas são orientados, instruídos ou fiscalizados por
elementos das citadas forças.

11. Observa-se que os órgãos de formação de reserva podem ter existência permanente, caso
em que terão como gestor um militar, ou provisória, como é o caso do Tiro de Guerra, que terão como
gestor um civil, em regra, conforme salienta o art. 28, do R-138, in verbis:

Art. 28. A direção do TG cabe, em princípio, ao prefeito municipal.


§ 1° Quando o prefeito municipal não puder exercer a direção do TG, cabe ao Comandante
da Região Militar a escolha do Diretor entre civis residentes no local, de reconhecida
idoneidade moral e intelectual e possuidores de capacidade de trabalho e de liderança.
§ 2° Eventualmente, tendo em vista as necessidades militares e as condições sócio-
políticas locais, o Chefe do DGP poderá atribuir, por proposta do Comandante Militar de
Área, a Direção do TG a oficial da ativa do Quadro Auxiliar de Oficiais ou a oficial da Reserva
de 1ª Classe.

12. O item 3 do art. 2º do Decreto-Lei nº728, de 1969, que trata sobre o vencimento dos
militares, define organização militar como “denominação genérica dada a corpo de tropa, repartição,
estabelecimento, navio, base arsenal ou a qualquer outra unidade administrativa tática ou operativa das
Forças Armadas”.

13. Conjugando a definição acima com o disposto no arts. 57 e 58, da R-138, forçoso concluir
que os Tiros de Guerra não estão sob a égide da administração militar e, portanto, não podem ser
considerados como uma organização militar, uma vez que a sua existência é vinculada à vigência do
Convênio que os criou, cabendo à Prefeitura Municipal interessada em subsidiá-los, à disponibilização e
manutenção de suas instalações físicas, inclusive, a responsabilidade pelo fornecimento de material de
expediente, despesas postarias, telegráficas e telefônicas, podendo disponibilizar de igual forma,
funcionários e moradia para os militares instrutores.
Do Parecer Nr 03/2017/SAAJ/SMS

14. O Parecer Nr 03/2017/SAAJ/SMS concluiu que o atirador do tiro de guerra, na verdade, seria
um militar sui generis, equiparado a um Aluno de OFR e não um civil como durante muitos anos se
entendeu pacificamente.

15. Em síntese os fundamentos trazidos pelo parecer para apoiar o seu entendimento foram os
seguintes:

- os atiradores se vinculam ao tiro de guerra através da matrícula, no entanto, a análise da


Lei nº 6.880, de 980, poderia levar ao entendimento de que, na verdade, a natureza jurídica do vínculo
seria de incorporação, o que os posicionaria como militares;
- o Estatuto do Militares seria omisso, já que ao relacionar, em seu art. 16, os círculos e a
escala de hierárquica das Forças Armadas e as suas correspondências com os postos e graduações da
Marinha do exército e da Aeronáutica, não incluiu os Atiradores do Tiro de Guerra, o que permitiria
classifica-los como civis;
- o Decreto nº4.346, de 2002, que aprova o regulamento Disciplinar do Exército, no que
concerne às situações disciplinares ali elencadas, pode ser aplicado ao Atirador do TG;
- os atiradores do Tiro de Guerra, embora se diferenciem dos soldados recrutas por não
permanecerem em sua Organização Militar, sob o regime de dedicação exclusiva, podem cometer
crimes militares próprios e impróprios, conforme tem entendido o Superior Tribunal Militar em seus
julgados;
- no que tange ao cometimento de crime de natureza comum pelo Atirador de um Tiro de
Guerra, apesar de inexistir legislação sobre a situação, defende o parecer analisado, que deve-se
entender que o atirador é um militar sui generis, razão pela qual caso o TG não possua instalações
prisionais, deve ser ele encaminhado a Região Militar ficando a disposição da Justiça Civil;
-sustenta ainda que os atiradores do tiro de guerra atendem todo os requisitos
internacionais, da Convenção de Genebra, que regulamenta o Tratamento dos Prisioneiros de Guerra,
pare serem considerados como integrantes das forças armadas.
- aplicar-se-ia aos atiradores, por força do disposto no art. 38, do R-138, e desde que
respeitadas as limitações próprias da finalidade do Tiro de Guerra, as prescrições do Estatuto dos
Militares, da LSM e do RLSM e demais regulamentados.

16. Ainda segundo o Parecer, os atiradores do tiro de guerra, por força do disposto no art. 38,
do R-138, poderiam fruir dos seguintes direitos:

a) uso de designações hierárquicas: embora não constem no art. 16, do Estatuto dos
Militares, eles poderiam ser considerados militares sui generis equiparados a Aluno de uma OFR
b) percepção de remuneração: em regra, os atiradores do TG não fariam jus a remuneração
dos militares das Forças Armadas, no entanto, caso sejam convocados para serem utilizados em
atividade de Garantira da Lei e da Ordem (GLO), por decisão do Comandante Militar de aérea, fariam jus
a remuneração recebida por um soldado conscrito
c) fardamento e alojamento em organização militar: faria jus ao fardamento e ao alojamento
para pernoite.
e) promoção: nos TG são realizados o Curso de Formação de Cabos Reservistas, onde os
atiradores aprovados são promovidos à graduação de Cabo Reservista de 2ª Categoria.
d ) funeral para si e seus dependentes: partindo da premissa de que os atiradores
seriam militares sui generis fariam eles jus ao benefício em questão.
e ) alimentação: hoje os atiradores não fazem jus a remuneração, nem ao auxílio-
alimentação ou ao auxílio-transporte, no entanto, a partir do momento que eles são vistos como
militares sui generis, equiparados aos Alunos da ORF, eles possuiriam tais direitos.
f) pensão: defende que os atiradores do tiro de guerra por analogia ao que dispõe o art. 1º,
da Lei 2.343, de 1954, que estabelece o posto a que devem ser promovidos os alunos dos Centros de
Preparação de Oficiais da Reserva vitimados por acidentes na instrução e no serviço, e dá outras
providências, fariam jus a pensão em caso de acidente de serviço; e
i) assistência médico hospitalar: com base no disposto no art. 1º, da Lei nº 4.571, de 1964,
combinado com o art. 30, d, da Lei 6.880, de 1980.

17. Ante o exposto, pode-se concluir, que a partir nova interpretação dada pelo Parecer Nr
03/2017/SAAJ/SMS, que entende ser o atirador do tiro de guerra um militar sui generis equiparado a um
Aluno de OFR, a União passará a ter uma série de novos encargos com os atiradores, na medida em que
eles passariam a fazer jus a um série de direitos, que não encontram previsão expressa na legislação
como, por exemplo, direito a funeral, alimentação, uso de designações hierárquicas, percepção de
remuneração e, até mesmo, assistência médico hospitalar mais ampla.

Da Natureza do Atirador do Tiro de Guerra

18. Aprioristicamente, é preciso observar que o Tiro de Guerra são, conforme já esclarecido,
órgãos de Formação de Reserva (OFR) que possibilitam a prestação de serviço Militar Inicial dos
convocados e não incorporados em Organização Militar da Ativa, de modo que eles possam ser
instruídos conciliando o trabalho e o estudo do cidadão.

19. Os tiros de guerra não são organizações militares, eles têm existência provisória, são
mantidos pela municipalidade e possuem, em regra, um gestor civil, sendo apenas orientados, instruídos
ou fiscalizados por um militar, não estando, em absoluto, submetidos a administração militar.

20. O atirador do Tiro de Guerra, por óbvio, é a figura que habita o Tiro de Guerra.

21. Postas estas premissas, passamos a analisar a legislação que trata sobre o tema.

22. O art. 3, §1º, alínea a, da Lei nº 6.880, de 1980 (Estatuto dos Militares), elenca quem são os
militares da ativa, senão vejamos:
Art. 3° Os membros das Forças Armadas, em razão de sua destinação constitucional,
formam uma categoria especial de servidores da Pátria e são denominados militares.
§ 1° Os militares encontram-se em uma das seguintes situações:
a) na ativa:
I - os de carreira;
II - os incorporados às Forças Armadas para prestação de serviço militar inicial, durante os
prazos previstos na legislação que trata do serviço militar, ou durante as prorrogações
daqueles prazos;
III - os componentes da reserva das Forças Armadas quando convocados, reincluídos,
designados ou mobilizados;
IV - os alunos de órgão de formação de militares da ativa e da reserva; e
V - em tempo de guerra, todo cidadão brasileiro mobilizado para o serviço ativo nas Forças
Armadas.

23. O art. 16, do Estatuto dos Militares, por sua vez, elucida quem são os militares de que trata
a legislação, elencando os círculos e escalas hierárquicas nas Forças Armadas, bem como a
correspondência entre os postos e as graduações do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, senão
vejamos:

Art . 16. Os círculos hierárquicos e a escala hierárquica nas Forças Armadas, bem como a
correspondência entre os postos e as graduações da Marinha, do Exército e da Aeronáutica,
são fixados nos parágrafos seguintes e no Quadro em anexo.
§ 1° Posto é o grau hierárquico do oficial, conferido por ato do Presidente da República ou
do Ministro de Força Singular e confirmado em Carta Patente.
§ 2º Os postos de Almirante, Marechal e Marechal-do-Ar somente serão providos em tempo
de guerra.
§ 3º Graduação é o grau hierárquico da praça, conferido pela autoridade militar
competente.
§ 4º Os Guardas-Marinha, os Aspirantes-a-Oficial e os alunos de órgãos específicos de
formação de militares são denominados praças especiais.
§ 5º Os graus hierárquicos inicial e final dos diversos Corpos, Quadros, Armas, Serviços,
Especialidades ou Subespecialidades são fixados, separadamente, para cada caso, na
Marinha, no Exército e na Aeronáutica.
§ 6º Os militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, cujos graus hierárquicos
tenham denominação comum, acrescentarão aos mesmos, quando julgado necessário, a
indicação do respectivo Corpo, Quadro, Arma ou Serviço e, se ainda necessário, a Força
Armada a que pertencerem, conforme os regulamentos ou normas em vigor.
§ 7º Sempre que o militar da reserva remunerada ou reformado fizer uso do posto ou
graduação, deverá fazê-lo com as abreviaturas respectivas de sua situação.

24. Observa-se que a despeito do fato da figura atirador do tiro de guerra não ser nova, eis que
o Tiro de Guerra existe desde 1902, sendo, portanto, plenamente conhecida pela instituição e pelos
poderes da república, quando da elaboração do Estatuto dos Militares, o atirador do TG não foi
contemplado pelo Estatuto, nem no art. 3º, nem pelo art. 16, o que nos força concluir que ele não é um
militar, mas, sim, um civil instruído militarmente.

25. Não se pode pretender, por meios interpretativos, equiparar o atirador do tiro de guerra ao
aluno de OFR, eis que este é considerado militar, recebe salário e fica em regime de internato, enquanto
o atirador recebe instrução de segunda à sábado, duas horas por dia, normalmente de 6h às 8h da
manhã, podendo conciliar a instrução com o estudo e o trabalho. Destaque-se, ainda os atiradores
recebem apenas a formação do período básico e são declarados reservistas de segundo categoria para
fins de mobilização.

26. Os direitos dos militares estão previstos em lei, mais especificamente, no Estatuto dos
Militares, os direitos do atirador, por outro lado, que são muito menores e geram pouquíssimas despesas
para União, estão elencados no art. 40 do Regulamento do Tiro de Guerra.

27. Enquanto os militares, dentre os quais se incluem os Aluno de OFR, têm direito a patente, a
proventos, a estabilidade (em determinadas situações), a percepção de remuneração, a assistência
médica hospitalar, a moradia, quando em atividade, a promoção, a porte de arma, entre outros direitos
que, muitas vezes, abrangem também as suas famílias; os atiradores possuem menos direitos, dentre os
quais se incluem: o direito a assistência médico-hospitalar, quando acidentados ou contraído moléstia
em serviço ou instrução; direito a transferência para outro TG, desde que sem ônus para a Fazenda
Nacional; recebimento de remuneração, apenas quando em serviços nas atividades de Garantia da Lei e
da Ordem.

28. Patente, portanto, a inúmeras diferenças que existem entre os direitos dos militares,
estabelecidos em lei, e os dos atiradores, elencados na Portaria.

29. No que tange especificamente a questão da remuneração, é preciso destacar que os


atiradores de guerra não fazem jus a ela e tal situação, segundo os tribunais, não afronta o
ordenamento. Nesse sentido foi o julgado da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, de
25.09.2017, a seguir transcrito:

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.


PRESTAÇÃO DE SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO JUNTO AO TIRO DE GUERRA. AUSÊNCIA DE
REMUNERAÇÃO. MÚNUS PÚBLICO. ÔNUS IMPOSTO À CIDADANIA. INEXISTÊNCIA DE
ILEGALIDADE OU DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL DA
ADMINISTRAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA.
I. Nos termos do art. 143 da Constituição Federal, o serviço militar prestado ao
Tiro de Guerra é obrigatório, constituindo múnus público, não se tratando de
trabalho remunerado, mas sim de ônus imposto à cidadania, a exemplo do
serviço de júri e do serviço eleitoral. Precedente do STF.
II. Ademais, tendo o Tiro de Guerra atribuição de formar atiradores para a Reserva, bem
como sendo suas ações programadas para não prejudicar as atividades civis dos que sejam
submetidos a tal prestação, não possuem natureza laboral, daí ser incabível sua
remuneração, exceção feita apenas se prestado sob a égide da Garantia da Lei e da Ordem,
situação que não restou demonstrada nos autos.
III. Conforme art. 37, § 6º, da Constituição Federal, para a configuração da responsabilidade
civil da Administração Pública, impende a demonstração da prática de ato ilícito, de dano e
de nexo de causalidade entre ambos, o que não restou comprovado no caso dos autos, não
havendo que se falar em dever de indenizar. Precedentes.
IV. Recurso de apelação do autor a que se nega provimento

30. O Supremo Tribunal Federal, embora não tenha enfrentado detidamente o tema, já
analisou, a questão da natureza do serviço militar prestado nos TG durante a época da 2ª Grande
Guerra, para o fim de verificar a procedência ou não daqueles que, almejando o recebimento de
vantagens instituídas por lei aos militares que houvessem servido em zona de guerra, tivessem essa
situação reconhecida em face dos TG, senão vejamos:

[...] o adestramento pré-militar ministrado pelos Cursos de


Instrução junto aos colégios nos quais os interessados estudavam à época da
guerra ou pelo Tiro de Guerra jamais terá como ser considerado para os efeitos
das vantagens que a lei instituiu em favor dos militares, ao pressuposto básico
que estes tenham servido em zona de guerra – Decreto nº 10.490-A/42.
Portanto, a essa exigência fundamental não atendem os requerentes, que
militares não eram àquela época, mas sim estudantes secundários, a quem
foi dispensada a efetiva prestação do serviço militar mediante frequência aos
cursos de instrução pré-militar [...]. A qualificação do serviço, agora mais
generalizada pela condição de sua prestação em zona de guerra e pela
indistinção de hierarquia, não há de ser confundida com a simples
instrução pré-militar recebida por civis nos pre-falados cursos de
treinamento. O tempo dessa instrução, embora considerado como suprimento
da obrigação militar imposta a todo o cidadão, e valorizado como serviço
público para alguns efeitos, não contém qualquer requisito que o possa
qualificar para efeito do discutido favor, que se prende, é certo, à presunção
legal de que o serviço militar, ao qual se endereça, tenha enfrentado os riscos
do profissionalismo exercido em tempo de guerra. (MS nº 19.849-GB, Pleno,
Rel. Min. ADAUCTO CARDOSO, julgado em 10.06.70.)
(Grifos nossos.)

31. Por oportuno, informe-se que a Suprema Corte, julgando posteriormente a pretensão de
contagem de tempo quando da passagem para a inatividade, assentou uma vez mais que os atiradores
do tiro de guerra não são militares, não fazendo jus a contagem de tempo para fins de aposentadoria:

MILITAR. TEMPO DE SERVIÇO. TIROS DE GUERRA. TRANSFERÊNCIA PARA A INATIVIDADE.


Não se considera,para os efeitos da Lei nº 1.156, de 1950, o período de aluno de Tiro de
Guerra, mesmo sediado em zona compreendida pelo Decreto nº 10.490-A, de 1942. Pedido
indeferido à unanimidade. (MS nº 20.304-DF, Pleno, Rel. Min. DÉCIO MIRANDA, julgado em
1º.04.82.)

32. O entendimento acima, inclusive, vem sendo reproduzido pelos tribunais nos dias atuais, a
saber:

RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO MILITAR. INSTRUÇÃO EM TIROS-DE-GUERRA.


IMPOSSIBILIDADE. FORMAÇÃO DE RESERVISATS DE 2ª CATEGORIA. 1. O tempo de serviço
militar, obrigatório ou facultativo, será considerado para fins previdenciários, conforme
previsão dos artigos 55, I da Lei de Benefícios e 60, IV, do Decreto 3.048/99. 2. O tempo
de instrução em tiros-de-guerra não foi prestigiado pelos diplomas legais
mencionados, porquanto busca tão-somente a formação de atiradores,
reservistas de 2ª categoria, não afastando a possibilidade de o convocado
trabalhar e estudar.
(TRF-4 - RCI: 000800 PR 2008.70.63.000800-1, Relator: LEDA DE OLIVEIRA PINHO, Data de
Julgamento: 16/06/2010, SEGUNDA TURMA RECURSAL DO PR)
(grifo nosso)

33. É certo que os julgados do STF não são vinculantes, no entanto, não podem ser
desprezados, mormente quando já tratar da questão posta, onde a legislação nem sempre é clara e
incisiva.

34. Ressalte-se ainda, que, ao contrário do faz crer o Parecer Nr 03/2017/SAAJ/SMS, o


entendimento de que o atirador do tiro de guerra é um civil instruído militarmente não afronta em
absoluto o disposto na Convenção de Genebra, que regulamenta o Tratamento dos Prisioneiros de
Guerra, uma vez que tal convenção não se aplica durante tempos de paz, conforme determina
expressamente o seu artigo 2º, in verbis:
Artigo 2º
Afora as disposições que devem vigorar em tempo de paz, a presente Convenção se
aplicará em caso de guerra declarada ou de qualquer outro conflito armado que
surja entre duas ou várias das Altas Partes Contratantes, mesmo que o estado de guerra
não seja reconhecido por uma delas.
A Convenção se aplicará igualmente, em todos os casos de ocupação da totalidade ou de
parte do território de uma Alta Parte Contratante, mesmo que essa ocupação não encontre
resistência militar.
Se uma das Potências em luta não fôr parte na presente Convenção, as Potências que nela
são partes permanecerão, não obstante, obrigadas por ela em suas relações recíprocas.
Elas ficarão, outrossim, obrigadas pela Convenção com relação a Potência em aprêço,
desde que esta aceite e aplique as disposições.
(grifo nosso)
35. Assim, conforme se depreende do que foi até o momento exposto, tem-se que não existe
qualquer óbice jurídico a ideia de ser o atirador do tiro de guerra um civil militarmente instruído.

36. Ainda sobre o tema, impõe-se destacar que a Constituição Federal, em seus art. 37, X,
combinado com o art. 169, §1º, veda a criação de qualquer vantagem, aumento de remuneração sem
que exista lei específica para tanto, devendo tais aumentos, caso aprovados por lei, observar os limites
estabelecidos em lei complementar.

37. Ora, impossível entender ser o atirador do tiro de guerra um militar equiparado ao Aluno de
ORF sem estender-lhe os direitos e garantias inerente a estes, o que implicaria necessariamente em
pagamento de remuneração e outros benefícios sem que houvesse lei específica nesse sentido e nem
observância aos limites com despesa de pessoal estabelecido em lei complementar.

38. Dito isto, passaremos a análise de outro aspecto do atirador do rito de guerra, qual seja, o
cometimento de crime militares.

39. Uma problemática que se coloca ao classificar o atirador do tiro de guerra como um civil
instruído militarmente, é a possibilidade destes indivíduos cometerem crimes militares.

40. Cabe a Justiça Militar da União, nos termos do art. 124, da CF, processar e julgar crimes
militares definidos em lei. Dito isto, tem-se que o atirador, que é um civil, pode, em tese, cometer, sim,
crime militar, eis que a lei abriga essa possibilidade.

41. A análise do art. 9º, III, do Código Penal Militar evidencia que os civis podem cometer crime
penal militar, em especial, quando ofendem as instituições militares. Logo, o fato de um atirador de tiro
de guerra cometer um crime penal militar impróprio, não conflitaria com a sua natureza de civil.

42. Problema maior se apresenta quando se trata do cometimento de crime penal militar
próprio por atirador de tiro de guerra. Tais crimes são definidos por Crysólito de Gusmão [1] (2006, p. 43
e 45), nos seguintes termos:

(...) o grupo especifico dos crimes propriamente militares é constituído por infrações que
prejudicam os alicerces básicos e específicos da ordem e disciplina militar, que esquecem e
apagam, com o seu implemento, um conjunto de obrigações e deveres específicos do
militar, que só como tal o pode infringir

43. O Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de se pronunciar sobre o tema, tendo
decidido, a partir da análise do caso concreto, que o atirador de Tiro de Guerra não pode cometer crime
de insubmissão, que é propriamente militar, senão vejamos:

[...] o art. 183 do Código Penal Militar, que tipifica o delito de insubmissão, está assim
redigido: “Deixar de apresentar-se o convocado à incorporação , dentro do prazo que lhe foi
marcado, ou apresentando-se, ausentar-se antes do ato oficial de incorporação” . Como se
vê, somente aquele que é convocado para incorporar, e não para matricular, é que, não o
fazendo, no prazo estipulado, estaria, em tese, praticado o fato típico de Insubmissão, isto
porque incorporação e matrícula são dois atos administrativos diferenciados, eis que este,
segundo o art. 22 da Lei nº 4.375/64 (Lei do Serviço Militar), é “ato de admissão do
convocado ou voluntário em qualquer Escola, Centro, Curso de Formação de Militar da
Ativa, ou órgão de Formação de Reserva ”, enquanto aquele, incorporação , segundo o
art.20 da mesma Lei, é “ ato de inclusão do convocado ou voluntário de uma Organização
Militar da Ativa das Forças Armadas” .Ora, está muito claro que o legislador só punibilizou
com o delito de insubmissão os convocados para serem militares (incorporados) em
Organização Militar da Ativa ou de Organização de Formação da Reserva das Forças
Armadas, e não os que foram convocados para serem alunos , como é o caso dos
atiradores(convocados para o Tiro de Guerra), que, segundo a interpretação autentica do
Código Penal Militar, nem militares são, para efeitos de sua aplicação.Por outro lado, os
atiradores não são militares para efeito e aplicação da Lei Penal Militar, de acordo com o
art. 22 do referido diploma legal, in verbis : “É considerado militar, para efeitos deste
Código, qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporado às Forças
Armadas, para nelas servir em posto, graduação ou sujeição à disciplina militar”. (RHC nº
77.272-5-MG, Primeira Turma, Rel. Min. MOREIRA ALVES, julgado em 22.09.98.)

44. A questão estava pacificada já que o julgado acima, proferido pelo Plenário, foi peremptório
ao afirmar que os atiradores não seriam militares para fins do Código Penal.

45. Ocorre que o Superior Tribunal Militar, em momento posterior, em sede de correição parcial,
analisando outro crime penal militar próprio, qual seja, o crime de deserção, entendeu que não haveria
óbice ao seu cometimento pelo atirador de tiro de guerra, o qual ostentaria qualidade de militar, senão
vejamos:

ARQUIVAMENTO DE IPD. ATIRADOR DO TIRO-DE- GUERRA. INDISPENSÁVEL MANIFESTAÇÃO


DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR. Não se vislumbra nenhuma irregularidade no fato de ser
um Atirador do Tiro-de- Guerra submetido a processo criminal pela prática de deserção, em
razão de ostentar a qualidade de militar, nos termos do Estatuto dos Militares e do
Regulamento para os Tiros-de-Guerra. O arquivamento de Instrução Provisória de Deserção,
sem a devida provocação do dominus litis, reveste-se de inequívoco error in procedendo,
passível de ser corrigido por meio de Correição Parcial para desconstituir-se a decisão a
quo e encaminhar os autos ao juízo de origem a fim de que se aguarde a captura ou
apresentação voluntária do desertor. Decisão por unanimidade.

46. Ao analisar o caso acima o STM, trazendo uma nova interpretação sobre o tema, entendeu
que o atirador do tiro de guerra seria militar por força do disposto no art. 3, §1º, alínea a combinado com
o art. 8º, II, ambos dos Estatuto dos Militares, razão pela qual poderia, em tese, cometer crime militar
próprio de deserção previsto no art. 187, do CPM (Art. 187. Ausentar-se o militar, sem licença, da
unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias).

47. É certo que a manifestação do STM, considerando o atirador do tiro de guerra um militar,
acaba por trazer uma nova discussão sobre o tema, que embora não deva ser ignorada, não deve, em
nosso entender, acarretar uma mudança imediata no posicionamento hoje vigente da instituição de que
o atirador do tiro de guerra é um civil instruído militarmente.

48. O entendimento ora defendido tem por fundamento não apenas a omissão da Lei nº6.880,
de 1980, que como explanado, não classifica os atiradores como militares, mas também no fato de que
eventual mudança de posicionamento da instituição, no sentido de classificar o atirador do tiro de
guerra como um militar sui generis equiparado ao Aluno de ORF, acabaria por estender a tais indivíduos
uma série de direitos e gerar uma série de gastos pra União, sem a devida observância ao disposto no
art. 37, X, combinado com o art. 169, §1º, da Constituição Federal.

49. Por fim, sugere-se que a discussão acerca da natureza jurídica do atirador do tiro de guerra,
bem como a regulação dos seus direitos, seja levada ao Poder Legislativo, de modo que se possa,
sopesando as consequências, tanto penais, quanto civis, classifica-los peremptoriamente como civis ou
como militares.

III - CONCLUSÃO

50. Ante todo o exposto, e a despeito da relevância dos argumentos suscitados no Parecer Nr
03/2017/SAAJ/SMS e da importância do entendimento exarado pelo Superior Tribunal Militar, em sede de
correição parcial, esta parecerista entende que o atirador do tiro de guerra possui natureza jurídica de
um civil instruído militarmente.

51. Tal conclusão toma por base não apenas a ausência de previsão legal expressa em sentido
contrário, mas também a análise dos direitos de tais indivíduos trazidos pela legislação, levando ainda
em conta que entendimento em sentido contrário acabaria por estender aos atiradores uma série de
direitos e gerar uma série de gastos pra União, sem a devida observância ao disposto no art. 37, X,
combinado com o art. 169, §1º, da Constituição Federal.

52. No mais sugere-se que a discussão acerca do tema seja levada ao Poder Legislativo, de
modo que se possa, sopesando as consequências, tanto penais, quanto civis, estabelecer critérios que
levem a um entendimento mais claro acerca da natureza jurídica dos atiradores do tiro de guerra e dos
seus direitos e deveres.

À consideração superior.

Brasília, 11 de julho de 2018.

NATHALIA KAROLINE CARVALHO MAIA VALE


Advogada da União
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br
mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 64536015294201846 e da chave de
acesso 2e716d1e

Notas

1. ^ LOBÃO. Célio. Direito Penal Militar. 3ª Ed., Brasília Jurídica ano 2006 ( Crysólito de Gusmão, Dir.
Pen.Mil., págs. 43 e 45)

Documento assinado eletronicamente por NATHALIA KAROLINE CARVALHO MAIA VALE, de acordo com
os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o
código 142699776 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário
(a): NATHALIA KAROLINE CARVALHO MAIA VALE. Data e Hora: 11-07-2018 13:54. Número de Série:
13813735. Emissor: Autoridade Certificadora SERPRORFBv4.
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA ADJUNTA AO COMANDO DO EXÉRCITO
GABINETE

DESPACHO n. 00651/2018/CONJUR-EB/CGU/AGU

NUP: 64536.015294/2018-46
INTERESSADOS: COMANDO DO EXÉRCITO - GABINETE DO COMANDANTE - A2 E OUTROS
ASSUNTOS: SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO

1. Aprovo o PARECER Nº 731/2018/CONJUR-EB/CGU/AGU, que concluiu que o atirator de guerra


possui natureza de um civil instruído militarmente.

2. À Secretaria para as anotações e providências de praxe, com imediata restituição à


autoridade demandante.

Brasília, 18 de julho de 2018.

[assinado por certificação digital]


MARIANE KÜSTER
Consultora Jurídica Substituta
Consultoria Jurídica Adjunta ao Comando do Exército

Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br


mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 64536015294201846 e da chave de
acesso 2e716d1e

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Data e Hora: 18-07-2018 11:10. Número de Série: 1828640321896102396. Emissor: AC CAIXA PF v2.

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