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DIREITO CONSTITUCIONAL II

Professor: Fernando Guimarães


1. INTERVENÇÃO FEDERAL
1.1. Introdução
Excepcionalidade da intervenção: A intervenção federal é uma medida excepcional de
proteção à federação. O art. 34/CF assinala que a “União não intervirá nos Estados
nem no Distrito Federal, exceto para...”. A intervenção federal integra, junto ao Estado
de Defesa e ao Estado de Sítio, o Sistema Constitucional de Crises.
A intervenção federal é um mecanismo que restringe à autonomia política do ente
federativo para preservar a própria federação. Ademais, as hipóteses ali contidas são
taxativas.
Requisitos da intervenção federal: a) competência: Presidente da República; b)
instrumento: decreto
Intervenção per saltum: o Direito Constitucional brasileiro não admite a chamada
intervenção per saltum. Ou seja, a União não pode intervir diretamente sobre os
municípios, “saltando” os estados. A União tem a prerrogativa de intervir nos estados
e os estados nos municípios.
A única possibilidade de intervenção federal em Município se dá nos casos em que
este esteja situado dentro de Território Federal.
Sobre o tema, convém destacar a requisição de hospitais municipais do Rio de Janeiro
efetuada pela União no ano de 2005. Naquela oportunidade, em face ao estado de
grave crise por qual atravessava o sistema de saúde municipal do Rio de Janeiro,
decidiu o Governo Federal, decretar estado de calamidade pública e requisitar os
hospitais municipais, com fundamento no art. 5º, XXV, da Constituição.
XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente
poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário
indenização ulterior, se houver dano;
O Município do Rio de Janeiro conseguiu anular o decreto e, com efeito, a requisição
efetuada pela União, sob o argumento de que se tratava de um caso de intervenção
per saltum dissimulada. Não poderia o Governo Federal assumir a gestão a hospitais
municipais sem que isto se configurasse como uma intervenção federal em hipótese
vedada pela própria Constituição.
1.2. Hipóteses de intervenção federal

 I - manter a integridade nacional: hipótese vinculada à vedação ao direito de


secessão na federação.
 II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra:
uma decorrência da hipótese de manter a integridade nacional. Ressalte-se que
esse dever de integridade impede que um estado invada o território de outro.
Essa invasão pode ser tanto consumada como iminente para justificar a
intervenção.
 III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública: hipótese mais
recorrente. Nesse caso, as instituições estaduais não se provam aptas a sanar
uma crise que vulnere a ordem pública. Foi a hipótese autorizativa a que a
União recorreu para decretar a intervenção federal na segurança pública do Rio
de Janeiro.
 IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da
Federação: almeja-se evitar a coação de um poder sobre o outro, de modo a
prejudicar a independência e harmonia que devem nortear as relações entre
eles.
 V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos
consecutivos, salvo motivo de força maior: dívida fundada
correspondem aos débitos devidos pelo ente federativo que superem
um exercício financeiro ou dívidas de alto vulto.
b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta
Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei: mecanismo de
proteção ao autofinanciamento, elemento inerente à autonomia
federativa dos estados. Nesses casos, o Município é o titular da receita,
ao passo que o Estado apenas é o mero ente repassador daqueles
recursos. Portanto, em regra, não pode o Estado retê-los. O art. 160/CF
reitera esse preceito. Contudo, o art. 160, § único admite que o Estados
e a União podem condicionar a entrega dos recursos em duas
hipóteses: a) pagamentos de seus créditos, inclusive de suas autarquias;
b) ao cumprimento dos percentuais mínimos de aplicação dos recursos
públicos na saúde que lhe são repassados.
Em relação ao art. 34, V, b, I, devem-se ser feitos alguns
esclarecimentos:
- A dívida deve ser líquida, certa e exigível
- Deve haver uma relação de proporcionalidade entre os valores a
serem repassados e o valor da dívida.
 VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial: nesta
hipótese alberga-se uma situação importante que pode vir a dar azo à
intervenção federal, o não pagamento de precatórios no prazo estabelecido na
Constituição (art. 100/CF). Foram, com efeito, reiterados os pedidos de
intervenção federal com fundamento no atraso no pagamento de precatórios.
Contudo, o STF restringiu de forma substancial essa hipótese ao preceituar que
não basta apenas a demonstração do requisito objetivo (o atraso em si no
pagamento), mas, igualmente, de um requisito subjetivo (a deliberada intenção
do ente federativo em não pagar nos prazos estabelecidos pela Constituição). A
impossibilidade econômica de o estado pagar em dia os precatórios não
autorizaria assim a intervenção federal.
 VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos
estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na
manutenção e desenvolvimento do ensino. (Incluída pela Emenda
Constitucional nº 14, de 1996)
f) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos
estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na
manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços
públicos de saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 29, de 2000)
1.3. Procedimento de intervenção federal
O procedimento de intervenção federal variará de acordo com a hipótese autorizativa
suscitada, conforme dispõe o art. 36/CF. Em regra, caberá ao Poder Executivo da
União, por iniciativa exclusiva do Presidente da República, decretar a intervenção
federal. É uma competência política e discricionária. Ou seja, caberá a ele exercer o
juízo sobre a conveniência e oportunidade de decretar a intervenção federal. Contudo,
haverá hipóteses que essa iniciativa estará condicionada ou mesmo subordinada a
atuação de outros poderes.

 Garantir o livre exercício de quaisquer dos poderes nas unidades da


federação (art. 34, IV): a) coação ao Poder Legislativo: solicitação do órgão do
Poder Legislativo coato; b) coação ao Poder Executivo: solicitação do órgão do
Poder Executivo coato; c) coação ao Poder Judiciário: requisição do Supremo
Tribunal Federal. Solicitação x requisição: em ambas as hipóteses a inciativa
para a decretação da intervenção federal estará condicionada a um pedido.
Contudo, enquanto a iniciativa para decretar a intervenção federal remanesce
discricionária em relação à coação relatada pelo Poder Legislativo ou pelo
Poder Executivo (solicitação), no caso de requisição do STF o Presidente da
República está obrigado a decretar a intervenção federal.
 Desobediência a ordem ou decisão do STF, do STJ e do TSE (art. 34, VI):
também neste caso a iniciativa da intervenção federal está vinculada à
requisição desses respectivos tribunais. Convém salientar, todavia, que apenas
nos casos de requisições formuladas por estes órgãos não haverá
discricionariedade ao Presidente da República. Eventuais pedidos de
intervenção federal em razão de desobediência a ordem ou decisão judicial de
outros tribunais podem dar causa à intervenção federal, mas não vinculam o
Presidente da República.
 Representação interventiva (art. 34, VII ou recusa à execução de lei federal):
no caso de violação a princípio constitucional sensível (art. 34, VII) ou recursa à
execução de lei federal (art. 34, VI), haverá outro procedimento para a
decretação da intervenção federal. Nesses casos, o Procurador-Geral da
República deflagrará perante o STF a representação interventiva, uma ação de
controle de constitucionalidade que tem por objetivo verificar a
inconstitucionalidade de um ato impugnado a fim de autorizar a intervenção
federal. Se o STF julgar procedente tal ação, entende-se que a Corte também
fará uma requisição, de caráter vinculante, ao Presidente da República.
Controle do Congresso Nacional:
Art. 34, § 1º. O decreto de intervenção, que especificará a amplitude,
o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o
interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou
da Assembléia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro
horas.
São três, portanto, os requisitos que especificam o conteúdo necessário de decretação
da intervenção federal.

 Amplitude: o decreto deve especificar qual a extensão da intervenção. Isto é,


sobre quais áreas recairá, o grau de intensidade das restrições à autonomia
federativa etc. No caso do Rio de Janeiro, em 2018 se teve uma hipótese de
intervenção parcial, que recaiu exclusivamente sobre a área da segurança
pública.
 Prazo: portanto, resta vedada a intervenção sine die, isto é, sem prazo
determinado.
 Condições da execução: o modo como se implementará as medidas assinaladas
no decreto interventivo.
Assinale-se que a nomeação de interventor não é uma medida necessária à
intervenção federal. No caso do Rio de Janeiro, todavia, a União nomeou o General
Braga Netto para assumir o comando da segurança pública no Estado. Tampouco é
obrigatória a substituição do chefe de Estado do ente sob intervenção, como ficou
consolidado na intervenção efetuada no Rio de Janeiro.
Por mim, uma vez expedido o decreto, ele será submetido à apreciação do Congresso
Nacional no prazo de 24 horas. É um controle político a posteriori do Poder Legislativo.
Pode assim o Congresso Nacional sustar o decreto de intervenção federal, devendo
essa decisão ser observada pelo Presidente da República.
O art. 36, § 3º contém, todavia, hipóteses em que a apreciação do decreto pelo Poder
Legislativo é dispensada. São elas as seguintes: a) VI - prover a execução de lei federal,
ordem ou decisão judicial; b) VII – assegurar a observância dos princípios sensíveis; c)
Art. 35, IV – prover execução da Constituição estadual, lei, ordem ou de decisão judicial
do Tribunal de Justiça pelos Municípios
São hipóteses em que a Constituição dispensa a necessidade de instalação da
intervenção caso se prove que a mera suspensão da eficácia do ato impugnado seja
medida proporcional e razoável para debelar a crise federativa.
Consulta aos Conselhos: a decretação da intervenção federal depende de prévia oitiva
do Conselho da República (art. 90, I) e do Conselho de Defesa Nacional (art. 91, § 1º, I).
Embora o presidente da República não esteja vinculado a atuação desses conselhos,
ele não pode deixar de ouvi-los, sob pena de nulidade do decreto interventivo. A
questão suscitou alguma polêmica em relação à intervenção federal no Rio de Janeiro.
Isto porque a oitiva apenas veio a ser posteriormente a decretação da intervenção. E,
no entanto, o decreto foi reputado por válido.

 O caso da intervenção federal no Rio de Janeiro (2018) se deu em razão da crise


na segurança pública, em que os policiais militares não conseguiram conter a
violência que se instalou;
 Foi o primeiro caso de intervenção federal desde a promulgação da
Constituição de 1988;
 Foi uma intervenção segmentada a segurança pública (parcial), não foi uma
intervenção federal em todo o estado;
 A principal característica foi uma integração entre polícia militar e civil e as
forças armadas;
 Houve uma “suspensão episódica” no caso da suspensão da emenda a
constituição, de maneira que a Reforma Trabalhista se deu nesse período;

 Garantia da lei e ordem (GLO): fez muito as vezes daquilo que poderia ser uma
intervenção federal;
 Esse é um instrumento muito mais flexível;
 Não é uma forma de fugir da intervenção, está sujeita a outras formas de
controle, que apesar mais flexível, existe e é muito relevante.

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