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Sumário:
"... o art. 6.º da LICC ... só tem relevo em se tratando de aplicá-lo em relação jurídica em que
se discute questão de direito intertemporal, para se impedir, se for o caso, que a lei nova
prejudique direito que se adquiriu com base na lei anterior. O mesmo se dá com o direito
adquirido sob condição ou a termo que só se configura quando a condição ou o termo é
inalterável ao arbítrio de outrem, requisito este indispensável para tê-lo como direito adquirido.
Por isso mesmo, em se tratando de direito público com referência a regime jurídico estatutário,
não há direito adquirido a esse regime jurídico, como sempre sustentou esta Corte, e isso porque
pode ele ser alterado ao arbítrio do legislador."
Min. Moreira Alves
"É fundamental que o Estado zele pelo equilíbrio atual dos fundos de pensão."
Mailson da Nóbrega
<d4>SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Do regime jurídico da previdência complementar: 2.1 As
normas constitucionais - 3. A jurisprudência dos tribunais superiores: 3.1 A prevalência da norma
de ordem pública; 3.2 A inexistência de direito a regime jurídico determinado - 4. A posição da
doutrina quanto à aplicação intertemporal de normas legais e regulamentares à previdência
privada - 5. Análise da Lei 6.435/77 - 6. O equilíbrio econômico-financeiro (ou financeiro e
atuarial) - 7. Conclusões.</d4>
1. INTRODUÇÃO
O problema da adequada garantia das aposentadorias pela previdência complementar existe em
todos os países. À medida que a duração da vida aumentou, o tempo de trabalho foi diminuindo e
se reduziu o crescimento da população, uma nova realidade social e econômica foi obrigando o
legislador a intervir para assegurar os pagamentos futuros devidos pelo sistema. No Brasil, a
reformulação da previdência, pela EC 20, abrangeu também a fixação de teto para a contribuição
do empregador no setor público, não mais permitindo que fosse superior a do segurado, o que
também repercutiu na estrutura financeira dos fundos de pensão.
Compreende-se, assim, que, diante de dificuldades crescentes surgidas no setor, era dever do
Poder Público restabelecer um novo equilíbrio entre as contribuições e os benefícios da previdência
complementar, tendo em vista os direitos tanto dos atuais contribuintes como dos futuros
beneficiários, o que foi feito com o recente Dec. 3.721, cuja constitucionalidade ora se discute
nos tribunais, alegando-se direito adquirido do segurado ao regime vigente na data do seu
ingresso no plano.
Ocorre que a vida não é estática e que não é possível estratificar as condições estabelecidas para
a evolução do plano de um grupo de pessoas, não havendo como fazer sobreviver um contexto
passado que já não existe, especialmente, quando se trata do regime jurídico de caráter
institucional que complementa a previdência social.
De um lado, o Estado e, em particular, as empresas estatais ou suas sucessoras privatizadas não
mais podem arcar com o maior peso das contribuições aos fundos, devendo estabelecer-se um
justo equilíbrio entre as contribuições de todas as partes interessadas. De outro, idade mínima
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para a aposentadoria deve ser modificada num momento em que a medicina tem aumentado não
só o prazo de vida do homem, mas também a sua qualidade de vida quando mais idoso e a sua
possibilidade de continuar trabalhando. Tais modificações devem ter, necessariamente, reflexos no
direito para que a previdência seja economicamente viável e as contribuições e aposentadorias
representem valores eqüitativos.
Esclarece a este respeito o Min. Mailson da Nóbrega que:
"Os investidores institucionais dos EUA mobilizam estonteantes US$ 20 trilhões de poupança
financeira (mais de 200% do PIB). Os fundos de pensão, que constituem a parte mais importante,
nasceram há mais de um século e experimentaram grande desenvolvimento no pós-guerra. Hoje,
existem mais de 800 mil planos com cerca de 75 milhões de participantes ou 40% da população
economicamente ativa. Nos anos 80, surgiram os fundos 401 (k), cujo saldo pode ser sacado na
aposentadoria. São mais de 300 mil planos com 35 milhões de participantes ou 80% dos
trabalhadores elegíveis para o programa.
Essa revolução está chegando no Brasil. Os nossos fundos começaram a se expandir depois da Lei
6.435, de 1977, que dispõe sobre as Entidades Fechadas e Abertas de Previdência Privada (as
EFPP e as EAPP). Mais recentemente, foi criado mecanismo semelhante ao 401 (k), isto é, o Plano
Gerador de Benefícios Livres - PGBL. Ao final de 2000, o patrimônio das entidades de previdência
privada era de cerca de R$ 145 bilhões, sendo R$ 128 bilhões nos fundos de pensão e R$ 17
bilhões nas entidades abertas. Isso corresponde a cerca de 14% do PIB, em comparação com
apenas 3% do PIB em 1985.
A importância desse conjunto exige regulação e supervisão adequadas para evitar desequilíbrios.
Afinal, os fundos de pensão já envolvem o interesse de 6,3 milhões de brasileiros: 1,6 milhão de
ativos e 4,7 milhões de dependentes e assistidos, o que realça a sua importância social e
econômica. É fundamental, assim, que o Estado promova incentivos ao seu desenvolvimento e
zele por seu equilíbrio atuarial". 1
Por sua vez, a jornalista Miriam Leitão lembra que:
"Um levantamento feito pela Secretaria de Previdência Complementar mostrou que, ao todo, de
1995 a 2000 as empresas públicas federais estaduais e municipais transferiram aos fundos R$ 22
bilhões. Nos últimos cinco anos, o Estado poderia ter economizado no mínimo R$ 2,2 bilhões se
estivesse em vigor a norma da paridade". 2
Justifica-se, assim, a posição do Estado de estabelecer na matéria uma nova regulamentação, que
consta no Dec. 3.721, de 08.01.2001, que tem a seguinte redação:
Decreta:
"Art. 1.º O inc. II do art. 20 e os incisos IV e V do art. 31 do Dec. 81.240, de 20.01.1978, passam
a vigorar com a seguinte redação:
'Art. 20. (...)
(...)
II - período de carência e idade mínima, quando exigidos, para concessão de benefício;
(...)' (NR)
'Art. 31. (...)
(...)
IV - na aposentadoria por tempo de contribuição prevalecerá a idade mínima de 55 (cinqüenta e
cinco) anos, sendo acrescido, no mês de julho de cada ano, a contar de 2001:
a) 6 (seis) meses até 2010, nos planos de contribuição definida; ou
b) 6 (seis) meses até 2020, para os demais planos;
V - exclusivamente, para os planos de benefícios de contribuição definida, quando da concessão
de aposentadoria especial, a idade mínima será de 53 (cinqüenta e três), 51 (cinqüenta e um) ou
49 (quarenta e nove) anos, conforme o tempo de contribuição exigido pela Previdência Social, de
25 (vinte e cinco), 20 (vinte) ou 15 (quinze) anos;
(...)' (NR)
Art. 2.º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação".
Foi suscitada a inconstitucionalidade do mencionado decreto pelo Partido Socialista Brasileiro na
Argüição (ADIn 2.387), no STF, que dela não conheceu em 21.02.2001, por se tratar de matéria
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regulamentar, que, no máximo, poderia ensejar a ilegalidade, a matéria que não era da
competência da Corte Suprema.
Atualmente, estão em curso vários processos em primeira instância, tendo sido até concedida
medida liminar num deles, recentemente.
A constitucionalidade e a legalidade do mencionado diploma legal, que já foram defendidas, em
artigo, pelo eminente Prof. Octávio Bueno Magano ( Folha de S. Paulo, de 19.12.2001), e em
parecer e artigo nosso (Valor, de 01.03.2001), constituindo o objeto do presente estudo.
2. DO REGIME JURÍDICO DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR
2.1 As normas constitucionais
O art. 202 da CF, com a redação que lhe deu a EC 20, esclarece que:
"Art. 202. O regime de Previdência Privada, de caráter complementar e organizado de forma
autônoma em relação ao regime geral de Previdência Social, será facultativo, baseado na
constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar"
(grifos nossos).
O mencionado artigo integra a Seção III (Da Previdência Social), do Capítulo II (Da Seguridade
Social), do Título VIII (Da Ordem Social), da Constituição Federal, concebendo-se, pois, a
previdência privada como forma de complementar a previdência social a fim de garantir a
seguridade social. Esta, por sua vez, é definida no art. 194, cuja redação atual é a seguinte:
"Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos
Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à
previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com
base nos seguintes objetivos:
I - universalidade da cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - eqüidade na forma de participação no custeio;
VI - diversidade da base de financiamento;
VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com
participação dos trabalhadores, dos empregados, dos aposentados e do Governo nos órgãos
colegiados" (grifos nossos).
Resumindo o regime legal das entidades fechadas de previdência, o então ilustre advogado e hoje
Min. Nelson Jobim teve o ensejo de expor que:
"Os programas de Previdência Social, no Brasil, são subdivididos em:
a) Previdência Social básica, financiada por recursos provenientes dos orçamentos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e, ainda, de contribuições sociais dos empregadores
e dos trabalhadores, além de receita oriunda de concursos de prognósticos;
b) Previdência Complementar, com adesão voluntária a planos, através do aporte regular de
contribuições e que se subdivide em:
I) Previdência Complementar aberta, destinada a uma clientela de caráter geral;
II) Previdência Complementar fechada, destinada somente a grupos restritos de empregados de
empresas, estas denominadas patrocinadoras.
A Previdência Complementar é regida pela Lei 6.435, de 15.07.1977, a qual determina que as
entidades que operam na Previdência Complementar fechada não possam ter fins lucrativos (art.
4.º, § 1.º).
Enquanto as entidades que operam na Previdência Complementar aberta integram o Sistema
Nacional de Seguros Privados (art. 7.º), as entidades da Previdência Complementar fechada
'consideram-se complementares do sistema oficial de previdência e assistência social,
enquadrando-se suas atividades na área de competência do Ministério de Previdência e
Assistência Social' (art. 34).
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Além do mais, estas últimas entidades 'são reguladas pela legislação geral e pela legislação de
Previdência e Assistência Social' (art. 36).
A autorização para o seu funcionamento é concedida mediante Port aria do Ministério da
Previdência e Assistência Social (art. 37), e têm elas 'como finalidade básica a execução e
operação de planos de benefícios para os quais tenham autorização específica, segundo normas
gerais e técnicas aprovadas pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e Assistência
Social' (art. 39)". 3
Tanto a doutrina como a jurisprudência caracterizaram a adesão a um plano de benefícios na
esfera da previdência complementar, como um contrato associativo, plurilateral, aberto e
evolutivo, de cooperação, pelo qual o interessado aceita os deveres e direitos de um determinado
regime legal de caráter dinâmico, baseado no equilíbrio econômico-financeiro da entidade, que é a
garantia de todos os seus participantes. Existe, no caso, a liberdade de contratar ou não
contratar, mas, uma vez feita a adesão ao plano, o participante deve aceitar as transformações
que vierem a ser introduzidas, vinculando-se, pois, a um regime jurídico de caráter estatutário
essencialmente dinâmico.
A doutrina salienta a analogia entre as cooperativas e as entidades de previdência privada,
destacando, por outro lado, a relação desta com a previdência social, a cujo regime se subordina,
inclusive por determinação constitucional e legal.
Assim, esclarece Orlando Gomes:
"A primeira qualificação a ser feita concerne à obrigação de pagar o benefício e sua fonte ou
causa geradora.
Origina-se, sem qualquer dúvida, do vínculo contratual que se estabelece entre o simples
participante e a entidade. Aquele ingressa nesta, ligando-se a um dos seus planos, precisamente
para obter o benefício nele assegurado, em contraprestação às contribuições periódicas que paga.
(...)
(a adesão) tem semelhanças com o fato gerador da Previdência Social, com a diferença
fundamental de que é voluntária enquanto esta é obrigatória. Observe-se que a causa dos dois
negócios jurídicos - a se entender a filiação na Previdência Social como contrato coativo - é
assegurar ao beneficiário uma pensão ou um pecúlio em 'eventual e futura situação de
necessidade'. Observe-se, ainda, que, nas duas relações de previdência, há vínculos sucessivos, o
de constituição e o de execução". 4
Assim, reconheceu-se que, embora decorrente de um contrato plurilateral, os benefícios da
previdência privada tinham um regime institucional, como as próprias cooperativas e as sociedades
anônimas, de conteúdo variável e evolutivo, aplicando-se de imediato a lei nova. Não haveria,
assim, direito adquirido a um regime jurídico determinado, vigente no momento da adesão do
participante.
A jurisprudência foi uniforme, mansa e pacífica nas suas conclusões, coincidindo com as da
doutrina, embora tivesse havido, no tempo, variação quanto aos fundamentos das decisões.
3. A JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
3.1 A PREVALÊNCIA DA NORMA DE ORDEM PÚBLICA
Inicialmente, a jurisprudência do STF e do STJ teve o ensejo de examinar os casos dos planos,
nos quais se assegurava a correção dos benefícios em percentuais superiores à inflação,
garantindo a majoração dos mesmos pelo salário mínimo.
As decisões então proferidas entenderam que a lei nova de ordem pública, que modificava o
regime legal da correção dos benefícios, se aplicava imediatamente.
Embora existissem alguns acórdãos anteriores sobre a matéria, faremos o levantamento sumário da
jurisprudência do STF que, nas décadas de 89 e 90, e, especialmente, a partir de 1985,
sedimentou-se no sentido da inexistência de direito adquirido a um determinado padrão monetário,
abrangendo tanto a moeda de pagamento (cruzeiro, cruzeiro novo, cruzado antigo e novo) como a
moeda de conta (salário mínimo, ORTN, OTN, UPC, URV, UFIR etc.).
Efetivamente, a E. 2.ª T. do STF, julgando, em 31.05.1985, o RE 105.137 (JRP\1986\1446), sendo
recorrente a Aplub e relator o Min. Cordeiro Guerra, decidiu, conforme se verifica na respectiva
ementa do acórdão que:
"A moeda do pagamento das contribuições e dos benefícios da Previdência Privada tem o seu valor
definido pela Lei 6.435/77, segundo os índices das ORTN, para todas as partes.
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Não há direito adquirido a um determinado padrão monetário pretérito, seja ele o mil réis, o
cruzeiro velho ou a indexação pelo salário mínimo. O pagamento se fará sempre pela moeda
definida pela lei do dia do pagamento". 5
No seu voto, após tecer considerações sobre a retroatividade das leis e o direito adquirido, o
relator salientou que:
"Não há, porém, direito adquirido à percepção de benefícios com base em unidade de valor extinta
por força de leis de ordem pública". 6
Transcreveu, ainda, a lição do eminente Des. e Prof. Galeno Lacerda, em voto proferido no TJRS,
no qual afirmou:
"Tenho opinião firmada a respeito do assunto. Entendo que os contratos em exame possuem
prazo indeterminado e que as Leis 6.205 (LGL\1975\15) e 6.423 (LGL\1977\6) são de Direito
Público e de natureza monetária. Na verdade, elas atribuíram poder liberatório à indexação legal
fixada nos padrões de variações das ORTNs. Nessas condições, incidem sobre os contratos em
curso..." (grifos nossos).
Em outro voto, também transcrito no mesmo acórdão do STF, examinando as Leis 6.205 e 6.423,
que modificaram as unidades de moeda de conta e o regime de indexação, concluiu Galeno
Lacerda que:
"Dispôs o art. 1.º da Lei 6.205:
'Os valores monetários fixados com base no salário mínimo não serão considerados para quaisquer
fins de direito'. E o art. 1.º da Lei 6.423 completou: 'A correção, em virtude de disposição legal ou
estipulação de negócio jurídico, da expressão monetária de obrigação pecuniária somente poderá
ter a base a variação nominal da Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN)'.
É evidente que essas leis possuem natureza monetária. O fato econômico-político mais grave, que
corrói há décadas a vida do País, é sem dúvida a inflação. Nada mais natural, portanto, que o
Governo cumpra o dever elementar de ditar normas de indexação monetária, no desesperado afã
de disciplinar o mal, já que não pode extirpá-lo de vez.
As leis monetárias, pela própria transcendência de Direito Público de que se revestem, são de
aplicação imediata, segundo o consenso dos mestres de Direito transitório, sobre os contratos em
curso, e, bem assim, sobre qualquer relação jurídica de outra natureza, pública ou privada, não
ressalvada pelo novo texto".
Finalmente, o acórdão do RE 105.137 invoca a lição de Georges Ripert:
"Como disse Ripert, com absoluta propriedade, 'a nova lei, que estabelece uma regra de ordem
pública, pode tolerar que algumas convenções antigas continuem a aplicar-se, ainda que
contrárias à regra, mas pode julgar, pelo contrário, que toda a derrogação à ordem estabelecida é
suscetível de comprometê-la, e torna-se então necessário anular cláusulas cuja regularidade era
incontestável na época em que foram aceitas pelas partes'.
'Quando a anulação é motivada pelo estabelecimento legal de um novo regime econômico, trata-
se de uma nova aplicação da idéia de ordem pública' ( O regime democrático e o direito civil
moderno, trad. bras., 1937, p. 312)". 7
Posição idêntica também foi adotada pela 1.ª T. do STF, pouco tempo depois, como se verifica
pelo acórdão referente ao RE 107.763, j. em 30.06.1987, que tem a seguinte ementa:
"Previdência Privada (plano de pensão reajustável).
É válida a substituição do valor do salário mínimo como fator contratual de reajustamento do
benefício, pelo índice de variação das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (Leis 6.205/
75, 6.423/77 e 6.435/77).
Recurso extraordinário conhecido e provido para se julgar improcedente a ação.
8
Precedentes do STF".
Na referida decisão, o eminente relator, Min. Sydney Sanches, resumiu a jurisprudência, que se
tornara mansa e pacífica, em ambas as Turmas, nos seguintes termos:
"O recurso extraordinário, interposto pelas letras a e d, merece ser conhecido e provido, ante a
jurisprudência pacífica de ambas as Turmas do STF, com orientação oposta à do 105.322 (RTJ
118/70); Recursos Extraordinários 110.321, 107.512, 111.558, 110.930 (apenas para lembrar
alguns julgados).
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restrições. Elas cumprem antes relevante e indispensável função como normas de concretização
ou de conformação desses direitos". 1 5
Daí decorre, teoricamente, a franquia propiciada pela Constituição ao legislador de redesenhar o
instituto sujeito à regulação ou conformação, ainda que, em determinadas situações, modificando
a posição do titular do direito. Essa possibilidade de mudanças decorre do caráter institucional e
do conteúdo normativo da proteção ao direito de propriedade. Por isso que não se atribui natureza
expropriatória às leis que estabelecem ou alteram a regulação e a conformação do direito de
propriedade.
Um dos precedentes mais importantes do STF ocorreu no julgamento em que se decidiu pela
constitucionalidade do Dec.-lei 25/1937 (LGL\1937\1), que regulou o tombamento de bens de valor
histórico e artístico, representando, inclusive, uma restrição ao poder de disposição sobre esses
bens. Vale registrar uma passagem notável do voto do Min. Orozimbo Nonato:
"É impossível reconhecer na propriedade moderna aqueles traços, por exemplo, que aparecem na
definição do Código do Consulado e em que Josserand encontra puro valor legendário ou simbólico.
Aliás, nunca foi a propriedade, no próprio direito romano, um poder sem contraste; um direito
absoluto, o que seria incompatível com as condições de existência do consórcio civil. Não foi dos
menores méritos de Jhering mostrá-lo e evidenciá-lo.
O direito brasileiro não podia ser insensível a esse movimento que, às vezes, assume aspectos
excessivos e condenáveis, mas que, em linha geral, tende a fazer do direito o que ele deve ser -
um instrumento da felicidade humana.
As limitações da propriedade - já não se falando das de origem contratual e das que derivam dos
iura vicinitatis - aparecem em número crescente.
A Constituição de 1891 falava nas garantias da propriedades 'em toda a sua plenitude'. Já na
Constituição de 1934 a linguagem é menos expressiva e enfática. E a de 1937, resolutamente,
admite restrições maiores, pois defere às leis ordinárias não só a regulamentação de seu exercício
como a própria definição de seu conteúdo.
Dir-se-á, e é verdade, que o domínio, assim reduzido, já não apresenta os traços de sua feição
primitiva, como na revelação quiritária. Mas, ainda assim, é propriedade. Não se trata aqui de
apoiar ou aplaudir a transformação, mas apenas de verificar-lhe a existência e reconhecer-lhe os
efeitos.
É à luz da concepção constitucional da propriedade - direito relativo que vive muito daquilo que
Duguit chamou dever social - que, a meu ver, deve a questão dos autos ser solvida.
(...)
O que, a meu ver, retira ao decreto a balda de inconstitucional é a própria concepção da
propriedade na Constituição, que proclama a possibilidade de se dar ao conteúdo desse direito
definição, e, pois, limitação ...". 1 6
Vê-se, com clareza, que o voto consagrou o caráter institucional do direito de propriedade,
reconhecendo ao legislador a possibilidade de definir o próprio conteúdo desse direito.
Em outra ocasião, o STF voltou a pronunciar-se sobre o tema, a propósito da argüição de
inconstitucionalidade do art. 125 do CPI, que sujeitava o titular de privilégio concedido
anteriormente à obrigação de manter procurador domiciliado no Brasil. Dizia-se que, configurando o
registro anterior direito adquirido, não podia a lei nova impor obrigação antes inexistente (RE
94.020, j. em 04.11.1981). Adotando a orientação do relator, Min. Moreira Alves, o Excelso
Pretório decidiu que se a lei nova modifica o regime jurídico de determinado instituto (como é a
propriedade), essa alteração aplica-se de imediato (RTJ 104/269).
No mesmo teor as decisões referentes à mudança de legislação sobre vencimentos de funcionários
públicos, entre as quais se destacam os acórdãos dos Recursos Extraordinários 148.137-4-DF e
164.855-4-DF (ambos publicados no DJU de 1.º.10.1995), dos quais foi relator o eminente Min.
Celso de Mello. Poder-se-ia também citar, entre outros, as decisões referentes à enfiteuse e à
aposentadoria, para só mencionar os casos mais importantes.
Mais recentemente, a matéria tem sido objeto de decisões do STF tanto em relação aos
vencimentos dos funcionários como no tocante ao FGTS.
No primeiro caso, decidiu o Excelso Pretório no RE 189.839, cuja ementa esclarece na sua parte
final:
"Reajuste trimestral de vencimentos pela variação do IPC (84,32%). Revogação por norma
superveniente, que precedeu a aquisição do direito e o exercício desse. Direito adquirido
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"Válidas são, desse modo, as leis que alteram, para o futuro, o exercício de direitos em atividade,
mas oriundos de negócio jurídico constituído sob o império de lei já substituída. Hoje se reconhece
tranqüilamente a inexistência de direitos adquiridos em plena propriedade nos contratos
sucessivos, como diz um escritor. Têm esta natureza tão-somente as prestações já esgotadas
antes da vigência da lei nova.
Afirma-se que, em tais contratos, o direito do credor 'não se adquire instantaneamente, mas à
medida que se vai tempestivamente exercendo. Seja esta a explicação correta ou não, o certo é
que, antes do seu exercício no tempo devido, o direito à prestação do devedor ainda não se
incorporou ao patrimônio do credor, o que ocorreria apenas se estivesse definitivamente adquirido
e já fosse uma 'propriedade' do credor. Direito adquirido só existe, na hipótese, quanto aos efeitos
já produzidos do contrato, não quanto às obrigações que ainda não tiveram ocasião de ser
cumpridas e muito menos quanto ao modo de adimplemento". 2 3
O Prof. Limongi França, na sua excelente monografia sobre direito intertemporal, faz interessante
distinção entre os direitos de aquisição imperfeita, entre os quais inclui os dependentes de termo
ou condição, e os direitos de aquisição sucessiva, nos quais a integração no patrimônio do titular
se obtém mediante o decurso do tempo, como acontece na aposentadoria.
Escreve a respeito o eminente professor paulista que:
"c) Direitos de Aquisição Sucessiva. Trata-se, como vimos, daqueles que se obtêm mediante o
decurso de um lapso de tempo. É o caso de prescrição, do direito à aposentadoria, da maioridade
etc.
Não se confundem com os direitos a termo. Nestes últimos, a perfeição depende da mera
incidência de um evento futuro e certo; naqueles, o direito se adquire dia a dia, com o correr
sucessivo do prazo.
A retroação total, conforme o preceito de Müller, incorreria em ignorar a patrimonialidade do prazo
já decorrido. Por outro lado, a aplicação integral da lei antiga (Código francês, art. 3.381)
implicaria em considerar adquirido um direito cuja perfeição estava na dependência de elementos
ainda não verificados.
A solução, pois, parece encontrar-se na aplicação imediata da lei, considerando-se válido o lapso
já decorrido, e computando-se o lapso, por escoar de acordo com a lei nova. Está isto não apenas
de acordo com a lógica jurídica, senão também com a regra do efeito imediato, a qual constitui
atualmente uma das vigas mestras do nosso sistema de Direito Intertemporal.
Assim, pedimos licença para discordar do Mestre Haroldo Valladão, quando no § 1.º do art. 82 do
seu Anteprojeto exige que, em relação ao lapso já escoado, se observem os requisitos da lei
nova". 2 4
Assim, quer se admita a existência de regime estatutário, quer se prefira entender que há no caso
um contrato de conteúdo dinâmico com aquisição sucessiva de direitos, a conclusão é idêntica.
Reconhecida a constitucionalidade das modificações legislativas ou regulamentares, cabe agora
analisar mais detidamente a Lei 6.435 e os seus efeitos, diante das alterações decorrentes da EC
20 (LGL\1998\68).
5. ANÁLISE DA LEI 6.435/77
A Lei 6.435, de 15.07.1977, surgiu para regulamentar a previdência privada, abrangendo tanto as
entidades abertas quanto as fechadas, constituindo um diploma sistemático e coerente, que veio
pôr fim à relativa insegurança que existia no setor por falta de legislação e regulamentação
adequadas.
Trata-se de lei que foi fruto da colaboração do Executivo (que mandou a mensagem) e do
Legislativo (que apresentou e votou as emendas), recebendo sugestões de todas as áreas
interessadas e dando soluções equilibradas e eficientes para alcançar as suas finalidades.
Na Mensagem 155/77 ao Congresso Nacional foi salientado pelo Governo que:
"(...)
12. Os objetivos fundamentais que se procura atingir podem ser assim sintetizados:
- adequação da ação das entidades aos interesses sociais e econômicos do país;
- proteção aos interesses dos participantes;
- ampla liberdade de atuação de quaisquer interessados, mas com uma definição de
responsabilidades tão clara quanto possível;
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- esquemas específicos para a fixação dos critérios gerais de atuação, a serem uniformemente
seguidos, com vistas à segurança das operações;
- adequado instrumental de fiscalização, que possibilite a identificação, em tempo útil, de
eventuais distorções, sua superação e efetiva punição dos responsáveis, quando caracterizada a
má-fé.
13. Considerando a importância do setor e as características peculiares de sua atuação, no
contexto da legislação até agora em vigor, o anteprojeto procura prevenir a possibilidade de
prejuízos à normal continuidade das operações de entidades já existentes, que sejam
criteriosamente organizadas e conduzidas.
(...)".
Verifica-se, assim, que as metas da legislação ordinária que constam no referido diploma se
coadunam plenamente com a nova redação dada ao art. 202 da Constituição, pela Emenda 20,
que também enfatiza a necessidade de formação de reservas "que garantam o benefício
contratado" e o pleno acesso às informações, adotando, ainda, outras medidas nas quais
estabelece limites para a contribuição das pessoas jurídicas de direito público às entidades de
previdência privada.
Não existindo conflitos entre o texto constitucional e a lei ordinária, não há revogação da mesma,
que permanecerá em vigor até a elaboração de nova lei complementar, nos moldes determinados
pela EC 20.
A regulamentação da lei pode ser baixada por decreto do Poder Executivo, nos precisos termos do
art. 84, IV, da Constituição, sem prejuízo da competência normativa prevista pelo art. 35, I, da
Lei, de acordo com o qual:
"Art. 35. Para os fins deste capítulo, compete ao Ministério da Previdência e Assistência Social:
I - através de órgão normativo a ser expressamente designado:
a) fixar as diretrizes e normas da política complementar de previdência a ser seguida pelas
entidades referidas no artigo anterior, em face da orientação da política de previdência e
assistência social do Governo Federal;
b) regular a constituição, organização, funcionamento e fiscalização dos que exercem atividades
subordinadas a este capítulo, bem como a aplicação das penalidades cabíveis;
c) estipular as condições técnicas sobre custeio, investimentos e outras relações patrimoniais;
d) estabelecer as características gerais para planos de benefícios, na conformidade do disposto na
alínea a, supra;
e) estabelecer as normas gerais de contabilidade, atuária e estatística a serem observadas;
f) conhecer dos recursos de decisões dos órgãos executivos da política traçada na forma da
alínea a deste inciso".
6. O EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO (OU FINANCEIRO E ATUARIAL)
No caso concreto, merece especial referência a necessidade de manter o equilíbrio econômico-
financeiro das instituições de previdência privada, garantido constitucionalmente (art. 202, caput)
e do qual tratam vários artigos da Lei 6.435, sendo da essência da entidade previdenciária, e
constituindo a sua manutenção a maior preocupação do Poder Público, a razão de sua intervenção
normativa e da sua fiscalização no setor.
Reconhece-se, assim, que houve, em relação à previdência privada, a passagem de um regime de
liberdade ampla para um relativo dirigismo, decorrente da necessidade de se instituir a adequada
regulamentação e fiscalização para dar a credibilidade ao novo mercado que se criou.
Em certo sentido, as mesmas razões que ensejaram a criação da Sumoc e, posteriormente, do
Banco Central, na área bancária, da CVM, no mercado de capitais, e da Susep, em relação às
seguradoras, justificaram a nova legislação e a criação de órgão próprio para regular, supervisionar
e fiscalizar as entidades da previdência privada, pelo fato de movimentarem recursos do público.
A dupla regulamentação pela Susep, em relação às entidades abertas, e pelo Ministério da
Previdência Social, no tocante às entidades fechadas, assim como a atribuição ao Conselho
Monetário Nacional da competência para baixar diretrizes referentes às aplicações de recursos
explicam-se, justamente, pela necessidade de garantir o equilíbrio entre as receitas, de um lado,
e, de outro , as obrigações efetivas ou virtuais assumidas pelas entidades previdenciárias, ou
seja, o quantum dos débitos e o correspondente aos riscos.
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revogou. A situação é mais ou menos análoga à existente, na área bancária, em relação à Lei
4.595, de 31.12.1964 (LGL\1964\14), que não foi alterada pelo art. 192 da Constituição de 1988 e
continua em vigor.
b) É válido, por ser constitucional, legal e ter fundamentos razoáveis e adequados, o Dec. 3.727,
de 08.01.2001, cuja Exposição de Motivos comprova que foi baixado no exercício do poder-dever
do Governo Federal de modificar a legislação anterior (Dec. 81.240/78), diante das modificações
ocorridas no contexto demográfico e econômico do país no decurso de mais de vinte anos.
c) Que a aplicação imediata do decreto aos participantes do fundo que ainda não se aposentaram
não constitui violação de direito adquirido pelo fato de se tratar de regime institucional e de não
ter sido incorporado ao patrimônio do titular o direito correspondente, existindo simples posição
jurídica ou expectativa de direito, que não goza de garantia constitucional.
d) No caso, não estão preenchidos os requisitos estabelecidos pelo legislador ordinário na Lei de
Introdução, pois de acordo com a melhor doutrina referida no presente estudo:
d.1) os contratos são de adesão e dirigidos;
d.2) não devem os mesmos ser considerados como de prazo determinado, mas de execução
sucessiva, ou de aquisição sucessiva de direito, tendo em vista, inclusive, a liberdade de entrar e
sair do plano;
d.3) a condição existente é alterável a critério das autoridades competentes.
(10) RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. Rio de Janeiro : Max Limonad, 1960. v. 1, t. III,
n. 303, p. 462.
(11) RE 105.322-4-RS, rel. Min. Francisco Rezek, j. 11.04.1986, DJU de 16.05.1986, Ementário
1.419-3.
(12) RE 107.720-4-RS, rel. Min. Djaci Falcão, j. 03.06.1986, acórdão publicado no DJU de
1.º.08.1986, p. 12.892.
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(19) LIMA, Ruy Cirne de. Princípios de direito administrativo. Porto Alegre : Sulina, 1964. p. 58.
(24) FRANÇA, R. Limongi. Direito intertemporal brasileiro. 2. ed. São Paulo : Ed. RT, 1968. p. 468.
(25) Art. 167, II, da Constituição de 1967 com a redação que lhe deu a EC 1, de 17.10.1969. No
mesmo sentido, o art. 37, XXI, da Constituição de 1988, conforme entendimento jurisprudencial,
que tivemos o ensejo de salientar (Arnoldo Wald, "O equilíbrio econômico e financeiro no direito
brasileiro". Estudos em homenagem ao Professor Caio Tácito, obra organizada pelo Min. Carlos
Alberto Menezes Direito . Rio de Janeiro, Renovar, 1997. p. 75 et seq.).
(27) DRÜCKER, Peter F. The unseen revolution - how pension fund socialism came to america
publicado no Brasil sob o título A revolução invisível - como o socialismo fundo de pensão invadiu
os Estados Unidos. São Paulo : Livraria Pioneira, 1977.
(28) WALD, Arnoldo. A imunidade dos fundos de pensão e o mercado de capitais, parecer, 1994.
(29) NÓBREGA, Mailson da, CAMARGO, José Marcio e GUEDES FILHO, Ernesto Moreira. Parecer
sobre a mudança da idade mínima nos planos de previdência complementar determinada pelo Dec.
3.721/2001, datado de 1.º.02.2001.
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