Você está na página 1de 7

17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais

REPERCUSSÃO DAS REFORMAS CONSTITUCIONAIS


NO DIREITO ADQUIRIDO DO TRABALHADOR1

REPERCUSSÃO DAS REFORMAS CONSTITUCIONAIS NO DIREITO


ADQUIRIDO DO TRABALHADOR1
Revista de Direito do Trabalho | vol. 95 | p. 196 | Jul / 1996
Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social | vol. 3 | p. 1395 | Set /
2012DTR\1996\606
Uadi Lammêgo Bulos

Área do Direito: Geral

Sumário:

1.Colocação da matéria - 2.Direito adquirido e situações individuais já consolidadas - 3.Direito


adquirido e reforma. da previdência - 4.Conclusão

1. Colocação da matéria
Esta é uma comunicação de lege ferenda,pois envolve tópicos de política legislativa. Tem por
objetivo tecer breves comentários às prováveis mudanças que advirão na ordem constitucional
brasileira. Por isso, a rigor, o título deveria ser "repercussão das reformas constitucionais futuras
no direito adquirido do trabalhador".
É bem certo que nada fica imune à ação do tempo. Com o passar dos anos, dos meses, dos dias,
dos minutos e até dos segundos as coisas e os homens mudam. Não é diferente com a
Constituição. Como organismo vivo que é, a Constituição tem de adaptar-se à temporalidade do
mundo, para não ficar desatualizada, ultrapassada, em desacordo com o fato social cambiante.
As constituições, portanto, por estarem sujeitas ao influxo do tempo, precisam acompanhar a
evolução social, de modo que o seu texto judicioso mantenha compatibilidade com as
transformações e com o progresso.

O caminho para atualizar a Constituição é a reforma.2 Através deste recurso instituído,


secundário, derivado, procura-se mudar as normas supremas do Estado, dentro dos limites e
pressupostos adrede traçados pelo Poder Constituinte de primeiro grau. Deste modo, o legislador
reformador nem tudo pode, nem todas as solicitações manifestadas poderá satisfazer, porque a
árdua tarefa de modificar a Constituição encontra limitações em seu mister, jamais sendo ilimitada
ou irrestrita. Devem ser observadas certas vedações expressas3 que logram a natureza formal,
material, circunstancial e, em alguns casos, até temporal, porquanto o constituinte originário
assim dispôs quando elaborou a Constituição.
As repercussões das reformas constitucionais no direito adquirido do trabalhador submetem-se a
esse contexto.
Deveras, a Constituição promulgada em 05.10.1988 tem sofrido modificações formais ao longo dos
seus quase oito anos de vida. Outras mudanças de índole formal certamente advirão.
Até o momento já temos dezesseis emendas, as quais podem ser agrupadas em três fases. A
primeira fase engloba emendas constitucionais anteriores à previsão do art. 3.º do ADCT
(LGL\1988\31), quais sejam a EC 1/92, a EC 2/92, a EC 3/93 e a EC 4/93. Já a segunda fase vai
do começo da revisão constitucional, prevista no aludido art. 3.º das Disposições Transitórias -
que previa a realização da reforma contados cinco anos, após a promulgação da Constituição pelo
voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral - até a
edição de apenas seis modificações, as quais foram denominadas de Emendas Constitucionais de
Revisão (ECR), isto é, a ECR 1/94, a ECR 2/94, a ECR 3/94, a ECR 4/94, a ECR 5/94 e a ECR 6/94.
A terceira fase marca o retorno das emendas constitucionais (EC) demandantes de três quintos
dos votos de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos. São elas: EC 5/95, EC 6/95, EC
7/95, EC 8/95, EC 9/95, EC 10/96. Certamente, essas mudanças na Constituição de 1988 não
influenciaram de modo direto e imediato no direito adquirido do trabalhador.
Acontece, porém, que já estavam previstas outras tentativas de se reformular a Constituição de
1988, dentre as quais a Proposta de Emenda à Constituição 33, de 1996, que pretende modificar o
atual sistema da Previdência Social, alterando determinados dispositivos constitucionais.
Se não bastasse isso, é comum encontrarmos a afirmação de que os depositários do instituído

www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 1/7
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais

poder reformador tudo podem, inclusive suprimir garantias depositadas no art. 7.º da CF/1988
(LGL\1988\3), que enuncia inúmeros direitos trabalhistas.
Diante desse quadro, explode a pergunta central desta exposição: Como fica o direito adquirido do
trabalhador em frente a tantas alterações constitucionais? O princípio implícito da segurança
jurídica nas relações intersubjetivas estaria conservado perante reformas constitucionais futuras?
Existe direito adquirido em face da manifestação constituinte derivada?
Noutros termos, poderá uma reforma constitucional, através do recurso à emenda, suprimir as
garantias previstas no art. 7.º, da Constituição, afetando direitos adquiridos do trabalhador, tais
como a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, o seguro-desemprego, o fundo
de garantia por tempo de serviço, o salário mínimo para atender as necessidades vitais básicas, o
direito a férias, o repouso semanal, a redução da jornada de trabalho, o direito ao salário-família, a
retenção dolosa do salário, a disciplina do trabalho noturno, a aposentadoria, o direito ao aviso
prévio, a licença-paternidade, a assistência aos filhos dos empregados, o adicional de
remuneração para atividades penosas, insalubres e perigosas, o reconhecimento das convenções
e acordos coletivos de trabalho etc.?
O mais interessante de tudo é que vários dispositivos da Constituição de 1988 sequer chegaram a
ser regulamentados, ou seja, pretendem emendar um texto que nem chegou a ser experimentado
na prática. Para se ter uma pálida idéia, basta ver a participação dos lucros desvinculada do
salário, o aviso prévio proporcional, o adicional de atividades penosas, a proteção em face da
automação e os novos critérios de cálculo do salário mínimo, que são assuntos que precisam de
providência legislativa ulterior para serem imediatamente aplicados.
Sem embargo, é fácil perceber a complexidade e a amplitude da matéria relacionada ao direito
adquirido do trabalhador em face da "onda reformista" que assola o Brasil.
Levando-se em conta a extensão do problema e as reformas que os parlamentares pretenderão
fazer em nosso Texto Constitucional, limitaremos a nossa abordagem a dois aspectos:
1.º) a proteção dos direitos adquiridos do trabalhador e as reformas constitucionais que alterem
situações individuais já constituídas nos termos do art. 7.º, da Constituição;
2.º) a supressão, através da reforma da Previdência Social, de direitos concedidos aos seus
segurados.
2. Direito adquirido e situações individuais já consolidadas
É inegável que o homem, ao longo da sua existência, procura amealhar algo, buscando a
estabilidade econômica e patrimonial. Para tanto, trabalha, se esforça, procura dar o melhor de si
com o intuito de crescer e prosperar materialmente.
Muitos conseguem alcançar a tão almejada segurança financeira, tendo uma vida estável e
equilibrada. Procuram até vivenciar aquela conhecida assertiva de Rui, segundo a qual o "indivíduo
que trabalha acerca-se continuamente do autor de todas as coisas, tomando na sua obra uma
parte, de que depende também a dele. O Criador começa, e a criatura acaba a criação de si
própria".4
Nesse desiderato, poderá uma norma jurídica ferir e atentar contra tudo aquilo que o homem
conseguiu ao longo dos seus anos de vida? De nada valerá o esforço, a luta, o desgaste, o
trabalho incansável daqueles que se sacrificaram ao máximo para terem alguma coisa?
Estamos diante de um dos tópicos mais fascinantes e fecundos da Ciência Jurídica: a problemática
do direito adquirido.
O assunto é tormentoso, polêmico e de difícil consenso. Numerosíssimos são os trabalhos, na
literatura jurídica mundial, que se dedicaram ao exame do direito intertemporal e, em especial, do
direito adquirido. Desde os pós-glosadores, passando pela obra de Gabba5 e chegando ao
magistério de Paul Roubier,6 o assunto tem motivado duelo de idéias em todo o mundo, donde
insurge a sua grande importância.
No ordenamento constitucional brasileiro o direito adquirido veio a consagrar-se a partir da
Constituição de 1934, sendo omitido na Carta de 1937, retornando na Constituição de 1946 e
ficando até os nossos dias.
Daí o constituinte de 1988 ter enunciado que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato
jurídico perfeito e a coisa julgada" (art. 5.º, XXXVI, da CF/1988 (LGL\1988\3)). Inspirou-se,
certamente, na doutrina italiana, preconizada por Gabba, para quem "é adquirido todo direito que
é conseqüência de fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo em que o fato foi
realizado, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tivesse apresentado antes da atuação da lei

www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 2/7
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais

nova relativa ao mesmo e que nos termos da lei sob o império da qual ocorreu o fato do qual se
originou passou imediatamente a integrar o patrimônio de quem o adquiriu".7 Ressalte-se ainda que
a Lei de Introdução ao Código Civil (LGL\2002\400) - a qual contém normas de superdireito, isto é,
normas que são aplicadas em todos os domínios do fenômeno jurídico, inclusive o constitucional -,
disciplinou o respeito que se deve ter ao direito adquirido (art. 6.º), considerado inalterável por
arbítrio de outrem (art. 6.º, § 2.º).8
Da noção proposta por Gabba, a qual refletiu na manifestação originária que criou a Constituição
de 1988, podem ser extraídos dois elementos principais: 1.º) a aquisição do direito com
fundamento em lei ou norma jurídica vigente no momento em que o fato se consumou e; 2.º) o
ingresso definitivo do direito no patrimônio do indivíduo.
Sendo assim, podemos compreender o direito adquirido como aquele que já se incorporou
definitivamente no patrimônio do seu titular, sem que a lei nova possa atingi-lo.
Assentes tais noções, cumpre saber se o poder constituinte derivado poderá alterar direitos
adquiridos e como fica a proteção constitucional de situações individuais já consolidadas durante
os quase oito anos de vigência da Constituição Federal de 1988.
Como dissemos, logo no início deste estudo, o poder reformador logra a índole instituída,
secundária, derivada. Através deste poder restrito ou de segundo grau, procura-se mudar normas
constitucionais, sendo observados limites e pressupostos, os quais vêm insculpidos na própria
Constituição. Nesse ínterim, o legislador reformador nem tudo pode, nem todas as solicitações
manifestadas poderá satisfazer, porque a árdua tarefa de modificar a Constituição encontra
limitações em seu mister, jamais sendo ilimitada ou irrestrita. Devem ser observadas certas
vedações e, algumas delas, expressas no próprio Texto Constitucional.
É precisamente aí que encontramos o critério a ser seguido para que se procedam as reformas da
Constituição de 1988. Ela própria estabelece limites ao poder destinado a reformá-la, dentre os
quais a impossibilidade de qualquer emenda violar direitos e garantias individuais. Trata-se daquela
cláusula inamovível, prevista no art. 60, § 4.º, IV, da CF/1988 (LGL\1988\3) que faz parte do seu
cerne imodificável. Disso resulta que a ação do constituinte derivado não poderá revogar qualquer
daqueles preceitos relacionados aos direitos e garantias do indivíduo, principalmente aqueles
espraiados no art. 7.º, da CLT (LGL\1943\5), que traz normas relativas aos direitos trabalhistas.
Ademais, "qualquer norma constitucional derivada, ainda que não revogadora de quaisquer
daqueles preceitos, e ainda que tenha aplicação imediata, deverá necessariamente ceder espaço
ao direito adquirido. Em outras palavras, tal emenda será aplicável aos que não adquiriram
determinado direito em face do ordenamento jurídico anterior; quanto aos que já adquiriram o
direito (leia-se: os que já preencheram todos os requisitos legais exigidos pela ordem jurídica
anterior à emenda), ficam a salvo da incidência do novo preceito".9
Na esteira desse raciocínio, as reformas constitucionais jamais deverão repercutir negativamente
sobre direitos adquiridos já incorporados definitivamente no patrimônio do trabalhador. Urge repelir
mudanças formais na Constituição que atentem contra direitos adquiridos do trabalhador, venham
de onde vierem, seja qual for a fonte, porque seria uma contradição suprimir uma garantia antes
assegurada constitucionalmente e já integrada no patrimônio jurídico de todos que gozavam do
benefício. A supressão de tais direitos adquiridos, através de reformas constitucionais ilimitadas,
reclamam a adoção de um sério e rígido controle de constitucionalidade. É de se esperar,
inclusive, na via concentrada de controle de constitucionalidade, que o STF, uma vez provocado
por via de ação direta de inconstitucionalidade, atue como oráculo da Constituição (art. 102,
caput, da CF/1988 (LGL\1988\3)), mormente quando se trata de preservar aqueles direitos já
incorporados em definitivo ao patrimônio do indivíduo.
Por isso, manifestações legiferantes contrárias a direitos adquiridos reclamam a adoção de um
sério e rígido controle de constitucionalidade. Na ordem jurídica brasileira, a produção de atos
legislativos ou administrativos contrários à Constituição, tanto formal (emitidos por autoridades
incompetentes ou em desconformidade com procedimentos constitucionais), como materialmente
(o conteúdo desses atos contrariam normas e princípios constitucionais), servem de apanágio para
o controle jurisdicional de constitucionalidade, que se exerce nas vias de ação (controle
concentrado, deferido ao órgão de cúpula do Judiciário ou a uma corte especial) e de exceção,
incidental ou de defesa (controle difuso, exercido no caso concreto por todos os componentes do
Judiciário). Vale lembrar que a inação por parte dos Poderes Públicos, tornando inexeqüíveis
preceptivos constitucionais, dentre eles os que envolvem a proteção ao direito adquirido,
reclamam a utilização do controle de inconstitucionalidade por omissão, visando obter do legislador
a elaboração de lei em causa, para que os direitos ou situações nela previstos se efetivem
concretamente (art. 103, § 2.º, da CF/1988 (LGL\1988\3)).
Logo, normas constitucionais sujeitas à incidência do poder reformador não possuem o condão de
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 3/7
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais

privar o sujeito daquele bem já integrado ao seu patrimônio, sob pena de violação do direito
adquirido e, obviamente, de infração à ordem jurídica que o consagra. No ordenamento brasileiro,
por exemplo, a matéria vem expressa no retrocitado art. 5.º, XXXVI, da CF/1988 (LGL\1988\3).
Este dispositivo, obviamente, é dirigido ao legislador constitucional derivado e não apenas ao
legislador ordinário.
Para ilustrar, um trabalhador preenche todas as condições legais para aposentar-se por tempo de
serviço. Entretanto ele não requereu a aposentadoria. Mas como a Súmula 359 do Supremo
Tribunal Federal reconhece que "Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade
regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou servidor civil, reuniu os requisitos
necessários", aquele trabalhador conclui que possui o direito adquirido e, por isso, pleiteia à
aposentadoria por tempo de serviço. Diante deste exemplo, indagamos: poderá uma reforma
constitucional mudar a situação jurídica definitivamente constituída, impedindo o trabalhador de
aposentar-se? Como já dissemos acima, afigura-se-nos que não. Admitir a onipotência e o caráter
ilimitado do poder reformador é comprometer a segurança e a estabilidade das relações jurídicas.
Em suma, o mecanismo de reforma à Constituição não é meio idôneo para que sejam modificados
direitos adquiridos do trabalhador, mormente aqueles elencados no art. 7.º, da Constituição,
dentre os quais, vale repetir, a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, o
seguro-desemprego, o fundo de garantia por tempo de serviço, o salário mínimo para atender as
necessidades vitais básicas, o direito a férias, o repouso semanal, a redução da jornada de
trabalho, o direito ao salário-família, a retenção dolosa do salário, a disciplina do trabalho noturno,
a aposentadoria, o direito ao aviso prévio, a licença-paternidade, a assistência aos filhos dos
empregados, o adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres e perigosas, o
reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.
3. Direito adquirido e reforma. da previdência
Está tramitando no Senado Federal a Proposta de Emenda à Constituição 33, de 1996, que
pretende modificar o sistema brasileiro de Previdência Social.
Através de alterações formais, querem mudar substancialmente preceitos da Constituição, com o
escopo de eliminar o ônus do Tesouro Nacional bem como diminuir a pletora excessiva de
demandas judiciais.
Assim, advogam a tese de que é necessário reformular a disciplina constitucional da Previdência,
porque as prestações por ela prodigalizadas geram despesas superiores às possibilidades de
receita. Entenda-se por prestações prodigalizadas, a aposentadoria por invalidez, a aposentadoria
por idade, a aposentadoria por tempo de serviço, a aposentadoria especial, o auxílio-doença, o
salário-família, o salário-maternidade, o auxílio-acidente, o abono de serviço (quanto ao
dependente), a pensão por morte, o auxílio-reclusão (quanto ao segurado e dependente), os
pecúlios, o serviço social e a reabilitação profissional. Na atualidade, vale lembrar, a Previdência
conta com as seguintes receitas: as provenientes de empresas, incidentes sobre a remuneração
paga ou creditada aos segurados a seu serviço e sobre seu faturamento e lucro; a dos
empregados domésticos; a dos trabalhadores, incidentes sobre o seu salário de contribuição e; as
incidentes sobre a receita de concursos de prognósticos.
Argumentam, ainda, que existem prestações que nem possuem a índole previdenciária, como, por
exemplo, a aposentadoria por tempo de serviço ou por tempo de contribuição. Estas prestações
não teriam tal natureza porque não se enquadrariam na própria finalidade e noção da Previdência
Social, ou seja, "instituição que, fundada na solidariedade humana, tem em vista assegurar a
renda do trabalhador, quando esta for suprimida, ou ficar diminuída, em virtude de contingências
sociais, tais como a doença, o acidente, a idade avançada".1 0 E mais, sustentam que o tempo de
serviço ou de contribuição não se acopla ao conceito de contingência social, porquanto o
indivíduo que começa a trabalhar com 14 anos de idade pode aposentar-se, se homem, com 44
anos, se mulher, com 39, ambos no pleno gozo de suas potencialidades. Não faz sentido que a
população ativa tenha de sustentar pessoas com capacidade de ganho mas diminuída por qualquer
das já referidas contingências sociais".1 1
Parece-nos, salvo melhor juízo, que a reforma constitucional previdenciária não poderá perder de
vista o caráter limitado a que está sujeita. O órgão reformador deve considerar as garantias
alcançadas pelo cidadão e convertidas na cláusula inamovível do art. 60, § 4.º, IV, da CF/1988
(LGL\1988\3).
Órgãos da imprensa vêm noticiando a intenção do Governo de não ferir direitos adquiridos dos
segurados na Proposta de Emenda à Constituição sob comento. Na verdade, afigura-se-nos, num
exame minucioso da matéria, que a aludida Proposta, em sua grande parte, se aprovada, irá
atentar contra direitos adquiridos dos trabalhadores e dos servidores públicos. Veja-se, para
esclarecer, o caso dos empregados. A partir do instante em que eles passaram a contribuir com a
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 4/7
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais

Previdência Social, tomando por base os seus respectivos contratos de trabalho, passaram a ser
titulares do direito adquirido de usufruírem de todos os benefícios ligados ao Sistema Previdenciário
vigorante naquela data. No momento em que passaram a contribuir como segurados da
Previdência Social, automaticamente incorporaram, em seu patrimônio, todos os direitos a que
fazem jus.
Percebeu bem esta realidade Eugênio Roberto Haddock Lobo, em argumentação bem urdida, ao
explicar que a situação desses empregados "é análoga a dos trabalhadores que, ao ingressarem na
empresa, aderiram aos Planos de Assistência e Previdência Social instituídos por empresa coligada,
que lhes asseguravam, na época, complementação de aposentadoria mais benéfica do que as
alterações neles posteriormente introduzidas mediante normas regulamentares. No que se refere a
esse tema, dominante é o entendimento da jurisprudência dos Tribunais Trabalhistas, condensado
nos Enunciados 92, 97 e 288 das Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho".1 2
O importante é frisar que as tentativas de reforma da Previdência Social parecem esquecer o
importante tópico dos direitos adquiridos. Todavia, não faltarão argumentos para se justificar o
ingresso em juízo contra manifestações atentatórias a direitos que já se incluíram definitivamente
no patrimônio individual dos cidadãos. Dessa forma, torna-se notória a timidez e a fragilidade de
que se reveste esse Projeto de Reforma à Previdência Social, mesmo porque o Poder Judiciário não
cruzará os braços diante de possíveis despautérios à Constituição de 1988. Aliás, a própria
independência entre os três Poderes, disciplinada constitucionalmente, requer esta postura do
Judiciário. Esta "exortação é oportuna, pois a todo instante congressistas dirigem bravatas contra
o Judiciário, ameaçando retaliações contra julgamentos relativos a interesses escusos do
Legislativo. Permitir que tais bravatas se concretizem (o que pode ocorrer com a supressão do
Judiciário e do Ministério Público na Carta atual) é renunciar a um dever constitucional".1 3
4. Conclusão
A matéria relacionada ao direito adquirido sempre foi objeto de numerosas discussões. Não é
diferente em sede constitucional. Várias são as controvérsias a respeito do problema.
Mas aquilo que o trabalhador conseguiu a duras penas não deve servir de fundamento para que
sejam defendidas medidas de ordem legislativa supridoras de conquistas alcançadas. Empreender
reformas constitucionais abusivas e afrontadoras das garantias inseridas pela manifestação
constituinte originária é insurgir-se contra todo o ordenamento jurídico, desestruturando o primado
da segurança e da estabilidade, além de comprometer a certeza do direito.1 4
Lembrando as lúcidas palavras de Emmanuel Matta, em um dos nossos últimos encontros, "nem
mesmo o direito pode molestar o passado das pessoas. O que ele pode é prover para o presente e
o futuro delas, jamais violando o que já se constituiu sob o amparo da ordem jurídica. Por isso,
não há direito adquirido contra a Constituição, mas direito adquirido com a Constituição e em
razão dela". Deveras, como ainda proclama aquele Professor, nos "sistemas de Direito Escrito,
Legislado e Codificado, torna-se juridicamente impossível a interpretação contra legem,porque, se
ocorrente, produziria uma violação dos princípios fundamentais da certeza e segurança da ordem
jurídica, que têm na lei a sua fonte de maior expressão e hierarquia, só devendo obediência à
Constituição - sua Lei Maior".1 5
E se o legislador ou a autoridade jurisdicional interpretar, retroativamente, atentando contra
direito adquirido do trabalhador, como fica a questão da eficácia da sentença ou lei
inconstitucional diante da Constituição?
A eficácia da sentença ou lei inconst itucional, nesta hipótese, apresenta-se-nos como nula. Isto
porque nulo é o sem valor, sem efeito, e esta realidade só é percebida com a manifestação judicial
sancionadora. Desta forma, as nulidades só existem quando pronunciadas pelo juiz. Cabe-lhe
retirar os efeitos do ato defeituoso, ou então o ato continuará eficaz, produzindo as mesmas
conseqüências do ato perfeito, isento de todo e qualquer vício. Portanto, a nulidade é uma
sanção. Sanção, porque o ato defeituoso é praticado contra o ordenamento jurídico, havendo uma
violação a preceitos constitucionais e, então, é acionado este instrumento para garantir a
obediência por parte dos Poderes Constituídos. Ora, enquanto não for proferida a decisão que
declare o ato jurisdicional violador do princípio da irretroatividade, a sentença ou a lei
inconstitucional continuará produzindo efeitos, mesmo que, do ponto de vista ontológico, haja um
atentado contra o direito adquirido. Para exemplificar, basta ver o caso dos bloqueios dos
cruzados no Plano Collor, onde a eficácia perdurou, mesmo diante de um atentado explícito à
Constituição.
De qualquer forma, recomenda-se que o magistrado ou o legislador, por imposição constitucional,
devem resguardar o direito adquirido, que constitui elemento axiológico, incumbido da segurança e
certeza das relações sociais. Fazer retroagir normas, através de interpretações deturpadoras

www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 5/7
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais

deste princípio, é contribuir para a desarmonia e o atraso, além de comprometer a estabilidade da


ordem constitucional.
Finalmente, conforme disse Portalis, "o homem, que não ocupa senão um ponto no tempo e no
espaço, seria o mais infeliz dos seres, se não se pudesse julgar seguro nem sequer quanto à sua
vida passada. Por essa parte de sua existência, já não carregou todo o peso do seu destino? O
passado pode deixar dissabores, mas põe termo a todas as incertezas. Na ordem do universo e da
natureza, só o futuro é incerto e esta própria incerteza é suavizada pela esperança, a fiel
companheira da nossa fraqueza. Seria agravar a triste condição da humanidade querer mudar,
através do sistema da legislação, o sistema da natureza, procurando, para o tempo que já se foi,
fazer reviver as nossas dores, sem nos restituir as nossas esperanças".1 6
(1) Palestra proferida em 09.08.1996, na cidade de Vitória da Conquista-BA, quando foi realizado o
II Congresso Baiano de Direito do Trabalho.

(2) Referimo-nos ao processo formal de mudança das constituições, qual seja a reforma, gênero
que comporta as espécies revisão e emenda. Contudo, existem os processos informais de
alteração constitucional. Trata-se do fenômeno da "mutação constitucional". Sobre este assunto,
compulsar: Uadi Lamêgo Bulos, "Da reforma à mutação constitucional". Revista de Informação
Legislativa,Brasília, a. 33, n. 129, jan./mar. 1996, p. 25-43.

(3) A respeito da matéria conferir a argumentação de Nelson de Sousa Sampaio, em O Poder de


Reforma Constitucional,3.ª ed. rev. e atual, por Uadi Lamêgo Bulos, Belo Horizonte, Nova
Alvorada, 1995. Para este Autor, ao lado dos limites expressos, existem os implícitos que também
devem ser reconhecidos.

(4) Rui Barbosa, Oração aos Moços. Ed. do Tribunal de Justiça da Bahia, 1992, p. 11.

(5) Cf. Gabba. Teoria della Retroatività delle Leggi, 3.ª ed., Turim, Unione Tipografica Editrice,
1891. Nesta obra, Gabba defende o pensamento subjetivista, considerando o único capaz de
explicar a verdadeira ratio essendi do direito adquirido. Defende, em suma, que a lei nova não
possui o condão de violar direitos precedentemente adquiridos, porém se tais direitos não forem
feridos a lei deve receber a mais ampla aplicação, quer se trate de fatos ou vínculos jurídicos
absolutamente novos, quer se trate da conseqüência de fatos ou vínculos anteriores. Por isso, é
que Gabba faz a distinção entre direito adquirido - o que já se integrou no patrimônio do sujeito -
e direito consumado, aquele que já produziu todos os seus efeitos. Diferencia, ainda, expectativa
de direito de meras faculdades legais. A expectativa de direito traduz-se numa simples esperança,
sem qualquer certeza de consumação, resultando de um fato aquisitivo incompleto, porque não
integrou, em definitivo, o patrimônio do sujeito. Já as meras faculdades legais revelam o simples
poder concedido pela lei ao sujeito, sem que ele, ainda, o tenha utilizado.

(6) Paul Roubier. Les Conflits de Lois dans te Temps. Paris, Sirey, 1929. Este autor procura firmar
a linha objetivista de pensamento, com base na tese das situações jurídicas, que seria o complexo
de direitos e deveres. Propõe, assim, a distinção entre efeito imediato - aquele que se reporta a
situações em curso (facta pendentia)e efeito retroativo da lei - se se aplicar aos fatos já
consumados (facta praeterita).Propõe, finalmente, o abandono da idéia de direito adquirido e de
relação jurídica, pois entende que a noção de situação jurídica, a qual deve ser examinada em
seus aspectos dinâmicos (de constituição ou extinção) e estático (de produção de efeitos),
aplica-se a toda a espécie de condição individual, sem referência ao caráter subjetivo, englobando
todas as condições unilaterais ou bilaterais, oponíveis a qualquer pessoa. Paul Roubier publicou
ainda um importante ensaio que serve de substrato para a compreensão de seu pensamento,
intitulado: Droits subjectifs et situations juridiques, Paris, Dalloz, 1963.

(7) Cf. Gabba, Teoria delta Retroatività..., op. cit., vol. I, p. 191.

(8) Parece-nos oportuno lembrar com Caio Mário da Silva Pereira que a Lei de Introdução ao
Código Civil Brasileiro (LGL\1942\3), instituída pelo Dec.-lei 4.657/1942, antes de ser modificada
pela Lei 3.238, de 01.08.1957, seguiu a corrente objetivista de Paul Roubier, virando de pólo a
doutrina legal, que antes tomava rumo francamente subjetivista. Enfatiza Caio Mário que, mesmo
o legislador tendo adotado uma postura de cunho objetivista, "a jurisprudência não conseguiu
desvencilhar-se dos princípios assentados, e não obstante o direito positivo ter adotado
fundamento diferente, permaneceu fiel aos velhos conceitos, procurando dar solução aos conflitos
intertemporais de leis com as noções subjetivas de direito adquirido e expectativa de direito.

www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 6/7
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais

Tendo formado o seu espírito sob a inspiração das teorias tradicionais, os juízes não conseguiram
desvencilhar-se de seus cânones, e não puderam afeiçoar-se às concepções modernas. E isso
levou o legislador a um retorno, com a votação da Lei 3.238, de 01.08.1957, alterando a redação
do art. 6.º da LICC (LGL\1942\3)" (Instituições de Direito Civil,v. 1, Rio de Janeiro, Forense, 1989,
p. 114).

(9) Orlando de Abreu. Revisão constitucional e direitos adquiridos precedentes do Supremo


Tribunal Federal, Revista LTr,v. 59, n. 02, fev. 1995, p. 192.

(10) Otávio Bueno Magano. "Reforma da Previdência Social". Ciência Jurídica Fatos, Ano III, n. 17,
fev. 1996, p. 3.

(11) Otávio Bueno Magano. "Reforma...", op. cit., p. 3.

(12) Eugênio Roberto Haddock Lobo. "A reforma da previdência, o direito do trabalho e o direito
administrativo". Revista Trabalho & Processo. Coord. Valentin Carrion, n. 5, jun. 1995, p. 87.

(13) Orlando de Abreu. "Revisão constitucional...", op. cit., p. 192.

(14) Em sentido comum, a certeza do direito consiste na previsibilidade das conseqüências


jurídicas do comportamento dos homens, que desejam saber como serão qualificadas suas ações,
prevendo o que poderá ocorrer. Sobre o tema: Lopes Oñate. La certezza del diritto,Milano,
Giuffrè, 1968, p. 47. Aliter:Mario Longo. Certezza del diritto. Novissimo Digesto Italiano,Torino,
UTET, v. 3, s/d. Massimo Corsale. La certezza del diritto. Milano, Giuffrè, 1970.

(15) Emmanuel Matta. O Realismo da Teoria Pura do Direito,Belo Horizonte, Nova Alvorada, 1994,
p. 19.

(16) Portalis, apud:Vicente Ráo, O direito e a vida dos direitos,vol. II, São Paulo, Max Limonad,
1952, p. 428.
Página 1

www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 7/7

Você também pode gostar