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17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais

INEXISTÊNCIA DO PODER DISCIPLINAR DO


EMPREGADOR

INEXISTÊNCIA DO PODER DISCIPLINAR DO EMPREGADOR


Revista de Direito do Trabalho | vol. 10 | p. 19 | Set / 1977
Revista de Direito do Trabalho | vol. 9 | p. 19 | Set / 1977
Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social | vol. 1 | p. 951 | Set /
2012DTR\1977\185
Antonio Lamarca
Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região

Área do Direito: Trabalho

Sumário:

O juslaboralista Antônio Lamarca, que é Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região,
publicou recentemente, pela Ed. Revista dos Tribunais, o livro Manual das Justas Causas, obra
singular" e relevante na bibliografia a respeito do tema. Estudando em profundidade e erudição a
matéria sobre que versa a obra, não se limita o jurista a focalizar as justas causas sobre os seus
vários aspectos. Mais do que isso, focaliza questões básicas do próprio Direito do Trabalho, de
modo a formular tese fundamental e renovadora sobre a própria concepção do contrato de
trabalho: afirma ele inexistir o poder disciplinar do empregador.
A importância da tese levantada é evidente e se contrapõe à concepção dominante entre os
estudiosos da matéria. Reveste-se, pois, de caráter polêmico. Daí por que a Revista de Direito do
Trabalho publica nesta seção de debates artigo em que o ilustre jurista apresenta suas
afirmações básicas sobre assunto de tal relevância.

Base fiduciária do contrato. * O C. I. de T. não apresenta a apregoada base fiduciária. Para


Ghidini, é relativamente fiduciário. Para D'Eufemia, o é apenas em alguns casos ( intuitu
personae). As causas do desaparecimento da base fiduciária: a despersonalização do empregador,
a separação entre "empresário" e "organização empresarial", a produção em massa. As operações
ou prestações são cada vez menos autônomas e diferenciadas (planificação e automoção). Há
também o regime de colocações: requisição numérica (Itália). Ver, também, a troca de titularidade
da empresa (art. 2.112 do Código Civil (LGL\2002\400) italiano). Há base fiduciária no trabalho
doméstico e no contrato de aprendizagem. Ver, também, a fungibilidade das prestações: a
possibilidade de substituição do empregado por terceiro. Ver, arts. 10 e 448, da CLT
(LGL\1943\5); a rotatividade da mão-de-obra por ação do FGTS. Exceções: art. 483, § 2.º, CLT
(LGL\1943\5). Apenas na legislação italiana se fala ainda em dever de fidelidade e de colaboração.
Conceito de subordinação. Os que desdenham a subordinação: Manoel Alonso Olea e Garcia;
Nestor de Bueno.
Para eles, são suficientes: a voluntariedade do trabalho, a alienação do produto do trabalho e a
pessoalidade da prestação. Segundo Passarelli, com vistas aos arts. 2.086 e 2.094 do CCI, o
empresário é o chefe da empresa; os empregados devem-lhe colaboração e direção. A
subordinação seria necessidade técnica da organização da empresa; ela é técnica e funcional,
determinada pela prestação de trabalho e a ele dirigida. Para Ghidini, o empregador dita as
modalidades da prestação: onde, como e quando, em suma, exerce controle. O empregado, seg.
Ghidini, agit sub aliena voluntate. A subordinação não é um estado, eis que fica à livre escolha do
sujeito, que permanece num facere perseverante. Mazzoni, dá os elementos da subordinação:
caráter pessoal, o conteúdo das prestações singulares é determinado de forma genérica, a
iniciativa, a direção e as limitações são do empregador; o empregado está sujeito a sanções
disciplinares. Sego Mazzoni, não há predeterminação do conteúdo das prestações singulares (ele é
determinado de forma, genérica); há obrigação de fazer, de obediência e de diligência (é "o poder
de conformação" do empregador que determina as prestações singulares). Há que distinguir o
poder de conformação do "poder de direção": o poder de conformação distingue-se do "poder de
direção". O poder de direção é relativo às modalidades da execução do trabalho: tempo, lugar e
método; pressupõe autonomia de iniciativa e competência técnica do patrão; e obrigação de
executar, por parte do obreiro. A obrigação (do trabalhador) é de fazer, mas com diligência e
obediência (este é o "poder de conformação"). Para Corrado, é essencial o seguinte: o
empregador indica através de ordens, as operações singulares a realizar e controla os resultados
obtidos. A subordinação é apenas um dado fático. Lamarca conjuga os critérios: o costureiro ou o

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alfaiate, como autônomos, podem estar sujeitos ao "poder de conformação" como qualquer
trabalhador subordinado; mas fica sujeito à iniciativa, limitação e direção do empregador (obra e
obrar). Na obra, não se fala em salário, mas em preço não se admite interferência, o que ocorre
no Código Italiano de Trabalho; o empreiteiro pode interromper o seu trabalho, cuja execução é
livre. No Código Italiano de Trabalho, o que interessa o resultado, como na obra, mas a execução
nem sempre é livre. Em suma, o empreiteiro não está à disposição do empregador; o empregado
está. Segundo Lamarca, a subordinação é funcional, embora nem sempre seja técnica. O critério
deve ser objetivo.
Poder disciplinar do empregador, Constitui o aspecto mais impressionante da argumentação dos
institucionalistas, que falam em "poder-função", "interesse coletivo", "comunidade de trabalho";
seria atribuição do chefe, implicitamente delegada pela totalidade da corporação; de nada valeria
o "poder hierárquico" ou "de direção" sem meios com que fazê-lo atuante. Teríamos, então, "o
direito disciplinar do trabalho", direito penal interno do organismo empresarial, e que existe para
que o poder hierárquico, por meio de sanções, chamadas "disciplinares", mantenha a empresa com
ordem interna, aplicando penas aos membros da comunidade de trabalho que ferirem a ordem
grupal, social e coletiva da instituição, prejudicando os interesses comuns. Atentam para o direito
comum, que não oferece meios adequados para reprimir as violações disciplinares: a resolução do
contrato nem sempre é interessante e a responsabilidade do obreiro por danos, na maioria das
vezes, é quimérica. Em resumo, o direito comum seria absolutamente insuficiente para servir aos
fins disciplinares da empresa. Esse poder disciplinar se justifica afim de coibir abusos e manter a
ordem dentro da empresa; ele resulta do simples fato de o colaborador se inserir na instituição
(está obrigado aos deveres de colaboração social). Não apenas os institucionalistas assim
procedem; também os contratualistas admitem o poder disciplinar: as sanções disciplinares são
indispensáveis para assegurar a continuidade da atividade da empresa; são, outrossim, adequadas
às exigências desta, pela natureza das infrações, pela rapidez da sua ,aplicação, presteza e
segurança de sua execução. As soluções do direito comum, aplicáveis somente às infrações mais
graves, irreparáveis nas suas conseqüências, como a resolução e a condenação do empregado,
talvez inexeqüível, ao ressarcimento de danos por si só não seriam suficientes" (Passarelli, Barassi,
Mesquita). O poder disciplinar encontra-se intimamente ligado ao poder diretivo (Barassi). O
"estado de subordinação" e as exigências particulares de uma organização, que pode abranger um
grande número de dependentes, cuja colaboração harmônica deve ser rigorosamente pontual,
justifica a possibilidade de aplicar sanções especiais ao obreiro e exclui, ao mesmo tempo, tal
necessidade com respeito às obrigações do empregador (Barassi). O logro dos fins que se, propõe
a empresa pressupõe o máximo rendimento do trabalho, assim como a melhor utilização dos demais
atores de que se serve o empresário. O trabalho concorre para este fim somente com a harmônica
coordenação de todos aqueles elementos e, em particular dos trabalhadores. A realização desta
organização ordenada e fecunda do trabalho é o que se chama "disciplina" (disciplina interna do
pessoal (Barassi). Na verdade, Barassi ainda, o poder disciplinar em sentido amplo seria o poder de
ditar normas concedido a quem se encontre à frente de um ordenamento social para uso interno,
sem que se cuide de normas jurídicas; compreenderia, assim, os poderes diretivo e disciplinar; e,
em sentido mais restrito, embora juridicamente menos preciso, seria apenas o poder diretivo
(Barassi).
Ramirez Gronda era contra o poder disciplinar. Se não podemos aceitar a fundamentação
institucional do poder disciplinar, e o contrato não o explica, a conclusão a que se chega é de que
ele não existe. Mas, objeta-se, temos a lei e o costume. Seria?
Segundo Mesquita, o poder disciplinar visaria, quanto à finalidade, manter a ordem no serviço e
restaurar a disciplina, quando violada, tutelando, assim, o bem comum do grupo, que seria sua
finalidade última (Mesquita). Lembrar que há empregadores que não são empresas "v.g.", o
trabalho doméstico). Por que haja direção e hierarquia, não se concluirá, "ipso facto", que haja um
poder disciplinar. O poder disciplinar atende aos interesses dos empregadores, nunca aos dos
empregados. Finalidade: onde está o trombeteado bem comum, a que tanta ênfase dão os
institucionalistas?
Seria, o poder disciplinar, um direito penal para uso interno dos grupos sociais ou instituições,
constituídas dentro da sociedade política (Mesquita); semelhante ao que o Estado exerce sobre
seus funcionários? Haveria uma analogia entre Direito Penal e direito disciplinar: ambos punem
faltas, porém, em sociedades que diferem uma da outra pela sua natureza. Mas - aduzem - a
sociedade política é perfeita, enquanto a empresa não o é. Do ponto de vista da punibilidade, as
dessemelhanças são grandes, seja quanto à matéria de prova, seja no que respeita às fontes de
incriminação, seja no que respeita à cominação de penas; mas aproximam-se no que toca às
finalidades (repressiva e preventiva) das penas. O empregado despedido por falta grave sofre uma
espécie de pena de morte; é excluído do grupo social. A multa encontra-se em várias legislações;
a suspensão disciplinar corresponderia à pena de reclusão... (Mesquita).

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O caso do funcionário é diferente, embora ele também se coloque numa situação de subordinação.
Barassi afirma que o poder de punir, reconhecido ao empregador, não constitui delegação da
capacidade punitiva do Estado, por que o interesse protegido, nesse caso, é privado, do
empregador, não público. As sanções disciplinares nada têm que ver com o poder punitivo do
Estado (Barassi). Só o Estado pode punir. A responsabilidade do funcionário, do ponto de vista
disciplinar, não é civil nem penal: é que o fundamento da responsabilidade criminal é a proteção de
bens fundamentais do indivíduo e da sociedade, como a vida, a liberdade, a incolumidade, a honra,
a propriedade, a organização política etc.; muito mais modesto é o fundamento da
responsabilidade disciplinar, eis que consiste na tutela do bom funcionamento do serviço público e
dos fins por ele visados. Qualquer crime funcional constitui também falta disciplinar, mas a
recíproca não é verdadeira: ninguém pode ser punido pela prática de ato que não tenha sido
anteriormente definido na lei como crime. Mas todos os atos contrários aos deveres do funcionário
dão azo a penalidades disciplinares, independentemente de especial definição anterior da lei. Salvo
os casos excepcionais de ação privada, os crimes desencadeiam ação penal, desde que cheguem
ao conhecimento da autoridade; ao contrário, a falta disciplinar pode ser reprimida ou não,
conforme convenha aos interesses do serviço, cabendo aos superiores hierárquicos larga margem
disciplinária no assunto (Barassi, Masagão). Lamarca: o trabalhador, quando em juízo, numa
questão em que se argúi justa causa, não pode ser tratado como um criminoso senão como um
infrator a um dever jurídico. O Direito Penal não é fonte subsidiária do Direito do Trabalho (CLT
(LGL\1943\5), art. 8.º, parágrafo único).
O poder disciplinar seria parte do Direito Institucional da Empresa e pertenceria a um ramo do
Direito Social do Trabalho, ou seja, o Direito Disciplinar do Trabalho (Mesquita). Esse direito se
funda na teoria da instituição. A sujeição da atividade produtiva da pessoa humana à empresa,
realizada através do poder hierárquico, não pode ser explicada pelos poderes que surgem do
contrato de trabalho, nem muito menos pelos poderes derivados do instituto da propriedade
privada. A teoria institucionalista fundamenta o poder disciplinar e o direito de punir
disciplinarmente, na empresa econômica, em face da necessidade da conservação da empresa e
direção dela para a sua finalidade econômico-social (Mesquita).
Mas, diz Lamarca, a empresa não é uma instituição. Um direito não se cria com duas ou três
regras jurídicas. As chamadas instituições (escolas, clubes etc.) na verdade, exercem o poder
disciplinar contra os seus associados, não contra os seus empregados. O Estatuto nunca diz nada
sobre as penas disciplinares, que podem ser aplicadas aos seus dependentes (só aos sócios).
Mesmo em relação aos sócios, esse poder seria discutível (direito social etc.). Segundo Santi
Romano, toda legislação do direito privado se inspira no princípio d igualdade; assim, pessoa
alguma poderia exercer um poder de supremacia sobre outra. Mais tarde, aceitou a possibilidade
contratual do exercício do poder disciplinar. Mesmo assim, não podemos aceitar a última posição
de Santi Romano, por que a cláusula penal é inapropriada para fundamentar o poder disciplinar.
O trabalhador nada tem que ver com a finalidade econômico-social da empresa: ele vai a empresa
para ganhar o seu salário. Ver a opinião de Krotoschin: há legislações que admitem o poder
disciplinar; em outros casos, ele deriva de fontes convencionais (contrato coletivo, regulamento
interno) ou do costume. Segundo Krotoschin, não tem interesse nenhum o presumido caráter
institucional do poder disciplinar. Esse poder disciplinar somente se sustentaria se conferido por
lei, convenção coletiva etc., ou no costume (Stefanelli) a em pregador necessita de uma fonte de
direito que lhe faculte agir dessa maneira (Krotoschin): a objeção de quem pode o mais, pode o
menos, não é decisiva. A relação não é de sujeição, mas de coordenação no plano do direito
contratual, que só confere ao empregador determinados direitos exatamente perfilhados, este (o
empregador) apenas dispõe dos meios legais ou convencionais para exigir o cumprimento do
contrato. Mesmo entre os funcionários, o poder disciplinar dos chefes se limita às sanções e
procedimentos previstos taxativamente nos regulamentos (Krotoschin).
O poder diretivo não se funda, por outro lado, no direito de propriedade; logo, não poderia nele
fundar-se o poder disciplinar. O direito de propriedade não confere a ninguém o direito de punir.
Aliás, essa a posição de Mesquita: se pela propriedade, enquanto fruto de seu trabalho, tem o
empregador o direito de dirigir, também o teriam os que fornecessem a mesma força-trabalho,
uma das componentes da empresa. Como aquele trabalho do empregador, já convertido em
propriedade ou capital, se associa ao trabalho alheio, deve este, igualmente, pelo menos pelo
mesmo título, ter também aquele direito. Portanto, em sua origem, o capital ou propriedade, que é
trabalho convertido em valor patrimonial, deveria, democraticamente, repartir com o trabalho
ainda não convertido em dinheiro, as vantagens e ônus do direito de dirigir, e conseqüentemente,
do direito de punir, na empresa econômica (Mesquita).
O poder diretivo se funda no contrato (Lamarca). Quem adote a tese da contratualidade da
inserção e da direção, não necessita, obrigatoriamente, aceitar a mesma tese para o poder
disciplinar, se não o reconhece. Krotoschin e Barassi aceitam o poder disciplinar contratual. Mas

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segundo Barassi, seu exercício se contém dentro de certos limites: antes de tudo, a subsistência
real do fato imputado ao trabalhador e, em segundo lugar, a proporção que deve existir entre
sanção e culpa. Os convênios coletivos prevêem, com detalhes, a proporcionalidade das medidas
disciplinares em face da culpa do trabalhador (Barassi).
Mas, para Lamarca, os contratualistas não sabem como fundamentar o poder disciplinar. Na
verdade, o contrato não explica o poder disciplinar. A ordem constitucional (Itália, Corrado) nega
a supremacia do empregador sobre o empregado, sob o aspecto jurídico-formal, 'mesmo se admitir
que a organização produtiva nos induza a reconhecer uma realidade econômico-social diferente
(Corrado): a paridade de posições formais induz a reconhecer ao mesmo sistema disciplinar um
fundamento igualitário e portanto contratual.
A cláusula penal autorizaria o exercício do poder disciplinar (Corrado, Vasco de Andrade). Seria um
pacto acessório, em que se estipulam penas ou multas, contra aquele que deixar de cumprir ato
ou fato, a que se obrigou, ou o retardar. A pena disciplinar é aposta ao contrato através de um
pacto adjeto (Vasco, contrato-tipo, de adesão), norma individual do regulamento de empresa,
conforme art. 916 do CCB. É que a cláusula penal pode ser estipulada conjuntamente com a
obrigação ou em ato posterior. Não é também novidade, criada pelo Direito do Trabalho, aquela
outra regra, a que se referiu Vasco, de que a sanção disciplinar, por inobservância de cláusula da
relação laboral, acompanhe indefectivelmente a infração, independentemente da lesão patrimonial
do dador, pois já o art. 927 do Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro esclarece que, para exigir a
pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo (Vasco).
Objeta Passarelli: as sanções disciplinares são penas privadas características da organização e da
relação de trabalho, nada tendo que ver com a cláusula penal (art. 1.382 e segs. do Código Civil
(LGL\2002\400) italiano) e não cumprem função de ressarcimento, pois o dano pode inexistir ou a
sanção pode não ter em mira, pela sua natureza não pecuniária ou pela destinação de acumular
através da sanção pecuniária recursos para obras de assistência e de previdência, compensar os
prejuízos advinhos ao empresário (Passarelli). Mazzoni recorda que os escritores hoje em dia já
não falam mais em responsabilidade contratual, desviando-se para um outro plano: as sanções
disciplinares, embora possam apresentar conseqüências de ordem patrimonial, têm, sem dúvida,
um caráter de defesa daquela organização particular, que é a empresa. Segundo Mazzoni, o poder
disciplinar existe como correlativo do poder diretivo e destina-se a garantir a regularidade do
adimplemento das prestações.
O Código Italiano de Trabalho apresenta natureza especial: de direito privado, mas "sui generis
(Mazzoni). Nas omissões da lei especial, o direito das obrigações não pode, assim, ser invocado
por subsidiariedade, apenas por analogia. Atendendo à igualdade jurídico-formal das partes
contratantes. causa espécie a adoção de uma cláusula penal "unilateral", Não é esse o espírito
dos arts. 916 e 927, do CC, forma cômoda mas injurídica de tentar justificar, contratualmente, a
pena disciplinar. O trabalhador não pode punir o patrão: deve resolver o contrato ... Há uma
total incompatibilidade entre a cláusula penal e as sanções disciplinares. Qual a finalidade das
sanções civis? Indenizar, resguardar um patrimônio, mas as penas disciplinares colimam outras
finalidades (Mesquita). Veja-se Paolo Greco: enquanto na cláusula penal o credor, de regra, não
pode ao mesmo tempo pedir a coisa principal e a pena, no contrato de trabalho o empregador,
ainda aplicando a sanção disciplinar, pela falta cometida pelo empregado, tem, normalmente, o
direito de obter a prestação ou a conduta cuja inobservância deu lugar à sanção e também o
ressarcimento do dano patrimonial na medida em que este exista. O expediente da pena
convencional não é satisfatório para resolver o grave problema do fundamento das penas
disciplinares, que são privadas e unilaterais (Lamarca).
O poder disciplinar, sendo punitivo, somente cabe ao Estado. É indelegado e indelegável. A lei lhes
faculta, às empresas, resolver; não punir. Todos são iguais perante a lei (art. 153, § 1.º):
deixarão de sê-lo ante medidas unilaterais punitivas. Essa unilateralidade desobedece ao preceito
máximo da isonomia. E o contrato deixa de ser ato jurídico perfeito. As penas ferem a harmonia e
a solidariedade entre as categorias de produção (160, IV). Não há harmonia quando alguém sofre
redução em seus galhos e privação do convívio. Não contribui para a valorização do trabalho
humano (160, II) e pela integração na vida e no desenvolvimento das empresas (art. 165, V); é
matriz de ressentimentos, produz chagas que não cicatrizam. A eiva de inconstitucionalidade é
manifesta.
Camerlynck-Caen: na França, precisaram de fundamentação institucionalista para justificar o
poder disciplinar (Cassação). Na França, a legislação é carente: nada há. A despedida pode ser
interpretada como falta disciplinar mais grave (art. 23, Livro I, do Código de Trabalho). Ao atuar
como parte contratante e não como chefe de empresa, o empregador desfruta a qualquer
momento do direito de despedir, mesmo em se tratando de uma falta leve, toda vez que o obreiro
não demonstre de modo positivo a ocorrência do "abuso de direito". Não pode existir um direito
disciplinar a não ser que cesse o direito de resolução unilateral (Camerlynck-Caen). A doutrina
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(Durand, Rivero, Savatier), dão-lhe fundamento institucional. Na Itália, são as convenções


coletivas, que dão força e vivência às sanções disciplinares. O art. 2.106, do Código Civil
(LGL\2002\400) Italiano dispõe: a inobservância das disposições contidas nos dois artigos
precedentes pode dar lugar à aplicação de sanções disciplinares, segundo a gravidade da infração
e na conformidade das normas corporativas". Na Argentina, a suspensão disciplinar por causas
econômicas e disciplinares foi prevista na Lei 20.744, de setembro de 1974.
No Brasil, há o art. 474, da CLT (LGL\1943\5). Não há convenções coletivas nem regulamentos
internos. Segundo Mesquita, a legislação não precisaria cuidar das sanções disciplinares, mas fê-
lo: a multa proibida no art. 462; mas a suspensão, no art. 474 e no art. 723, da CLT
(LGL\1943\5); art. 88 da Lei 4.124, de 02.03.1963 e art. 27 da Lei 4.330, de 1964 (sanções
disciplinares e enumerando advertência, suspensão até 30 dias e rescisão).
Mas a despedida não é pena. A advertência não é pena. O direito brasileiro não regula as
chamadas sanções disciplinares. O art. 474, se se refere à suspensão disciplinar, é
inconstitucional, Mas ele não faz alusão à suspensão disciplinar (o capítulo trata de interrupção e
suspensão a favor do empregado).
Se se referiu à suspensão, deu carta branca ao patrão todo-poderoso, castigando com pena anti-
social o dependente faltoso. Nem o costume poderia ser invocado (se não pode inovar a lei, não
pode também invocar o costume). O empregador não pode suspender a execução do contrato, por
sua vontade. Os casos de suspensão são imperativos que se encontram acima e além das forças
do empregado: suspende-se por que é preciso, não por que se quer. Se assim não fosse, ficaria
na dependência da vontade das partes. A suspensão priva o homem de trabalhar, que é obrigação
social. Privá-lo do trabalho é tirar-lhe a dignidade humana. Seu fundamento, segundo Sebastião
Machado Filho, está no arbítrio do poder e na estupidez jurídica.

* Resumo retirado de Manual das Justas Causas e tema da conferência realizada em Limeira
(05.08.1977) em comemoração ao Sesquicentenário da fundação dos cursos jurídicos no Brasil.
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