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Rodrigo Constantino
Doutorando em Economia (UNESP/FCLAr). E-mail: rodrigo.jeronimo@unesp.br.
Osvaldo Ujikawa
Mestrando em Economia (UNESP/FCLAr). E-mail: osvaldo.ujikawa@unesp.br.
Paulo Caprara
Mestrando em Economia (UNESP/FCLAr). E-mail: paulo.caprara@hotmail.com.
Resumo: Lançando mão de uma leitura crítica sobre a figura da “austeridade” na condução de políticas
econômicas contemporâneas, bem como da discussão sobre o conceito de ativismo e passivismo
judiciais, o artigo apresenta uma análise dos limites impostos pelo teto dos gastos à capacidade
do Poder Judiciário de atuar na garantia de direitos fundamentais definidos na Constituição Federal.
A primazia do corte de gastos públicos na condução de políticas econômicas e o papel performativo
do argumento pela austeridade no senso comum resultou na adoção de regras fiscais que impactam
diretamente na capacidade estatal de garantir os direitos básicos definidos na Constituição de 1988
e, consequentemente, têm efeitos sobre o ativismo ou passivismo judicial.
Palavras-chave: Austeridade; ativismo judicial; direitos fundamentais; separação dos poderes; teto de
gastos
1 Introdução
A Constituição Federal de 1988 representou um marco na construção social
do país, definindo, de maneira precisa, os direitos a garantias fundamentais.
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Convergindo com essa análise, Paiva et al. elaboraram estudo para o Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), prevendo que, logo no primeiro ano, a
opção pela austeridade eliminaria recursos significativos referentes à assistência
social. Segundo as projeções dos autores, até o último ano de vigência da política
fiscal (2036), as perdas para programas de caráter social poderiam chegar ao
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nível de R$ 868 bilhões, o que faria os gastos sociais comparados com o PIB re-
troceder ao patamar de 2006 (PAIVA et al. 2016, p. 13).
Estudos mais recentes conseguem identificar com maior profundidade as
consequências da Emenda Constitucional nº 95, corroborando as críticas anterio-
res. David (2019) lembrou que, ao adotar a austeridade, o Brasil contraria trata-
dos internacionais, notadamente o Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais. Essa Emenda é um típico caso de “retrocesso social”, dimi-
nuindo propositalmente o grau de satisfação dos direitos sociais além de repre-
sentar uma série de prejuízos econômicos e ao desenvolvimento como demonstram
outros estudos (GOMES et al., 2020).
Um modelo fiscal restritivo como o consolidado no país em 2016 talvez pu-
desse ser justificado como medida temporária contra a crise, promovida apenas
quando todas as alternativas fossem descartadas. Isso não é o caso com a polí-
tica econômica expressa na Emenda do Teto de Gastos. Funcia e Ocké-Reis (2019)
indicam que a EC 95 agravou a situação do SUS com cortes de R$ 6 bilhões para
o período de 2016 a 2018, comparado aos investimentos anteriores. Além disso,
em termos federativos, a austeridade prejudica desproporcionalmente os municí-
pios mais pobres.
Para o sistema educacional, os efeitos da política de austeridade também
são negativos, tornando praticamente inalcançáveis metas estabelecidas e indis-
pensáveis ao desenvolvimento como as diretrizes do Plano Nacional de Educação
(PNE) (CARA, PELLANDA, 2019).
Ocorrendo concomitantemente uma crise política e econômica sem preceden-
tes no período pós-redemocratização, o argumento do corte de gastos se confunde
com a negação do papel social do Estado como agente propulsor do desenvolvimen-
to, conforme o projeto constitucional transformador. Tal fato tem impactos importan-
tes sobre a sociedade, uma vez que, sendo regido por uma Constituição
transformadora e garantidora de direitos, o Brasil conhece a reação de quem nega
direitos fundamentais e o papel do Estado em sua implementação.
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3 “O vice-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, criticou
decisões recentes do STF: ‘Antes, havia uma deferência à Justiça do Trabalho por parte do Supremo, no
sentido de uma limitação na apreciação das matérias trabalhistas, o que hoje já não mais ocorre (…)
os fundamentos expostos nas decisões majoritariamente proferidas no Supremo Tribunal Federal têm o
viés neoliberal de redução do Estado e do direito de proteção aos vulneráveis’” Disponível em: https://
monitormercantil.com.br/vice-do-tst-diz-que-supremo-tem-vies-neoliberal. Acesso em: 2 jun. 2022.
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Receitas Percentual
EC Vigência Denominação ADCT
desvinculadas desvinculado
ECR Impostos e Fundo Social de
1994-1995 20% arts. 71-72
1/94 contribuições Emergência
Fundo de
EC Impostos e
1996-1997 20% Estabilização arts. 71-72
10/96 contribuições
Fiscal
Fundo de
EC Impostos e
1997-1999 20% Estabilização arts. 71-72
17/97 contribuições
Fiscal
Impostos e Desvinculação
EC
2000-2003 contribuições 20% de Receitas da art. 76
27/00
sociais União
Impostos, Desvinculação
EC
2003-2007 contribuições 20% de Receitas da art. 76
42/03
sociais e CIDE União
Impostos, Desvinculação
EC
2008-2011 contribuições 20% de Receitas da art. 76
56/07
sociais e CIDE União
Impostos, Desvinculação
EC
2012-2015 contribuições 20% de Receitas da art. 76
68/01
sociais e CIDE União
Contribuições Desvinculação
EC
2016-2023 sociais, CIDE e 30% de Receitas da art. 76
93/16
taxas União
EC Impostos, taxas e Estados, DF e arts. 76-A
2016-2023 30%
93/16 multas Municípios e 76-B
Fonte: Elaboração própria a partir de dados das Emendas Constitucionais.
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4 “Educação e saúde são direitos fundamentais, ínsitos à liberdade real que as pessoas devem ter, e que
estão protegidos como cláusula pétrea pela Constituição. De que adianta consagrar um direito como
fundamental e não dar os meios para sua execução?” (SCAFF, 2016). Detalhadamente a favor da tese da
inconstitucionalidade das desvinculações: KOSSMANN e BUFFON, 2021.
5 Medida cautelar na ADIn 5.595, decisão monocrática do Relator Min Ricardo Lewandowski, julgamento
31-8-2017.
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Conclusão
Verificamos que a reforma fiscal representada pela EC 95/2016 teve como
finalidade melhorar a gestão fiscal via redução da relação dívida/PIB, congelando
gastos do governo. Isso ocorreu sem análise profunda do impacto dessas
6 ADIn 6.254, decisão monocrática do Min. Roberto Barroso, julgamento em 28-11-2019; ADIn 6.279,
decisão monocrática do Min. Roberto Barroso, julgamento em 17-12-2019.
7 Exemplo: 5.766, relator Min. Alexandre de Morais, julgamento em 20-10-2021.
8 ADIn 5.938, relator Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 29-5-2019.
9 Cf. o andamento processual das ações em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=
5612680; http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5731024; http://portal.stf.jus.br/
processos/detalhe.asp?incidente=5530775.
10 Cf. o andamento processual das ações em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=
5317595.
11 http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5537399
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Keywords: Austerity; Brazilian Fiscal Spending Limit; Fundamental Rights; Judicial Activism; Separation
of powers
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