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Resumo
Este artigo aborda questões atinentes à história e à
contemporaneidade da questão social brasileira e de suas
políticas sociais. Mostra que a persistência da questão
social deriva da forma como foram tratados, historicamen-
te, os problemas de acesso à terra e ao trabalho regulado
no país. Com relação às políticas sociais, mostra que se
conformou uma intervenção de natureza institucional hí-
brida e capacidade operacional insuficiente para comba-
ter as desigualdades e a pobreza. Conclui afirmando que
o Estado é o ator central no processo de enfrentamento
da questão social, que a universalização das políticas
sociais é a estratégia mais adequada ao caso brasileiro e
que o impacto distributivo dos gastos sociais só pode ser
correto e plenamente avaliado em simultâneo ao padrão
de financiamento tributário das políticas setoriais.
Palavras-chave:
Nota do Editor:
Artigo apresentado no IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estado; Políticas Sociais – Universalização; Políticas
Estudos do Trabalho (ABET) em Recife, de 13 a 16 de novembro de 2005. Sociais – Brasil.
1 – INTRODUÇÃO nal e estrangeiro, do sindicalismo de resultados e tam-
Passados vinte anos (1984/2004) daquele que foi o bém do corpo parlamentar federal. Tais reformas, no en-
“lento”, “gradual” e “seguro” processo de redemocratiza- tanto, não só não vieram de uma só vez – afinal, já se vai
ção da sociedade brasileira, ainda não é possível afian- mais de uma década de “novos intentos reformistas” –
çar o sucesso nem a consolidação desta empreitada. como também se têm dado em ritmos diferenciados a
depender da área social em questão.4
Nesse período, tivemos um presidente eleito de
modo indireto por um Colégio Eleitoral;1 um presidente Pois bem, é em relação a este conjunto de questões
eleito, este sim, pelo voto direto em 1989, mas que, inun- que este ensaio procurará posicionar-se. E as justificati-
dado por denúncias de corrupção política e malversação vas para tanto são cada vez mais eloqüentes no seio da
do dinheiro público, acabou sendo vítima de um proces- sociedade brasileira. Não é preciso muito esforço para
so de impeachment apenas dois anos após sua posse; demonstrar, com base em uma infinidade de estatísticas
um governo de transição que conseguiu articular a su- e análises empíricas recentes, a “insuficiência” do apara-
cessão presidencial ancorado num exitoso plano de es- to nacional de proteção social frente ao tamanho das
tabilização em 1994; dois mandatos políticos regidos por mazelas enfrentadas por grande parte da população.5
eleições livres e diretas, mas cujo segundo foi obtido pelo Por isso, se de fato há uma quase que total concordância
mesmo presidente da gestão 1995/98, graças a uma com relação à necessidade de novas mudanças no cha-
emenda constitucional de última hora em prol da sua re- mado arcabouço institucional do sistema brasileiro de
eleição; finalmente, um governo de oposição eleito tam- proteção social, há, por outro lado, uma imensa discor-
bém a partir de eleições livres e diretas, mas que tem dância em relação ao tipo de mudança que precisaria ser
suscitado sentimentos e percepções contraditórias em feita. As forças sociais e políticas que conceberam a mai-
torno da estabilidade institucional democrática e de uma or parte das modificações inscritas na Constituição de
possível agenda de crescimento econômico com inclu- 1988 encontram-se, ainda hoje, atônitas frente à rapidez
são social. da desconstrução constitucional e avanço das reformas
de mercado. Por sua vez, o arco de interesses e alianças
Do ponto de vista macroeconômico, sabe-se que o que conseguiu deflagrar o processo atual de mudanças
período está marcado pela maior crise de crescimento da parece ter muita confiança e convicção no modelo a se-
história republicana brasileira, sendo sintomático deste guir, motivo pelo qual reclama mais pressa na condução
fato os sucessivos planos de estabilização monetária2 e política do processo.
a diminuição (ou mesmo reversão) da imensa mobilida-
de social que caracterizou o modelo nacional de incorpo- Em meio à torrente de debates (acadêmicos e políti-
ração social. cos), críticas e contracríticas ao modelo vigente, bem como
às reformas em curso, vemos o país mergulhado em um
No que tange às políticas públicas de bem-estar, ambiente político e macroeconômico grave (inflação do-
depois de terem fracassado os intentos reformistas do méstica acima da média mundial, vulnerabilidade exter-
primeiro governo da Nova República, o Estado brasileiro na, endividamento do setor público, baixas taxas de cres-
atravessou a década de 1990 tentando “reformar as re- cimento econômico anual), com conseqüências ainda
formas” introduzidas na Constituição de 1988.3 Para tan- incertas sobre as possibilidades futuras de desenvolvi-
to, construiu amplo apoio político junto a segmentos ex- mento social sustentado na região. Uma das formas de
pressivos da grande imprensa, do empresariado nacio- acompanhar o desenrolar de todo este processo é dedi-
1
Presidente este que, inclusive, negociou, em troca de favores políticos, 4
Ademais, esses “novos intentos reformistas” também não se têm dado
a prorrogação por um ano de seu próprio mandato. sem algumas resistências sociais e políticas, pressões e
2
Apenas para relembrar, os planos mais importantes foram o Plano contrapressões, acordos e lobbies , debates e publicações das mais
Cruzado em 1986, Plano Bresser em 1987, Plano Verão em 1989, Plano variadas formas e conteúdos, enfim, com muitas contradições no que
Collor em 1990, Plano Real em 1994. se refere ao sentido das novas mudanças.
3
A agenda política do período estava fortemente marcada pelas idéias 5
Existe uma infinidade de estudos empíricos que buscam dimensionar a
de democratização e descentralização da formulação, gestão, problemática social. A títitulo de exemplo, cite-se Henriques (2000) e
implementação e avaliação das políticas públicas, pelo desejo de Garcia (2003). Uma referência de acompanhamento sistemático das
mudanças no padrão de financiamento do gasto público social, pela condições sociais e das políticas sociais de âmbito federal é o Boletim
crença na universalização do atendimento e da cobertura, entre outros. de Políticas Sociais: Acompanhamento e Análise, produzido pelo Ipea.