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ABSTRACT: This paper analyzes the labor law reform and its first impacts
on the labor market. The aim is to highlight it as an instrument of
deconstruction of social rights whose character reiterates the authoritarian
bias of the ultraneoliberal policies implemented in the country. It is argued
that labor law reform is based on a tripod (flexibilization of labor relations,
weakening of institutions of protection and individualization of risks) that
condemns workers to greater social vulnerability. The analysis of indicators
shows their failure by increasing unemployment and informality. It is
argued, in the end, that the purpose of the reform is to disseminate the
logic of employability and entrepreneurship to the detriment of social
protection linked to wage employment.
Keywords: Labor law reform. Unemployment. Flexibilization.
*O texto faz parte da pesquisa sobre os impactos da reforma trabalhista, com financiamento do
CNPq e do MPT da 15a.
1
Universidade Estadual de Campinas – Campinas (SP), Brasil. E-mail: darik@unicamp.br
2
Universidade Federal do Espírito Santo – Vitória (ES), Brasil. E-mail: anafcolombi@gmail.com
DOI: 10.1590/ES0101-73302019223441
Introdução
A
população brasileira assiste, desde 2015, à adoção de uma agenda radi-
calmente neoliberal que, em vez de cumprir a promessa de retomada do
crescimento econômico e geração de emprego, vem entregando recessão
econômica, desemprego e pobreza. A abertura desse novo ciclo de austeridade a partir
de 2015 e o golpe parlamentar que destituiu a presidenta Dilma Rousseff representam,
assim, um ponto de inflexão na trajetória política, econômica e social do país.
Desde então, o sentimento de insatisfação das classes médias e trabalha-
doras vem sendo somado a um discurso reacionário de corte autoritário que com-
bina a “intensificação de políticas neoliberais com o desejo de restaurar a ordem
moral mais tradicional e a ‘segurança nacional’” (LAVAL, 2018, p. 3). O alinha-
mento às políticas neoliberais, somado ao reacionarismo da pauta de valores, está
vivificando, com a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018, um modelo à
brasileira do neoliberalismo hiper-reacionário que vigora com Donald Trump nos
Estados Unidos (FRASER, 2018), com o agravante periférico de subordinação aos
interesses daquele país.
Nessa conjuntura de ameaça à democracia, um conjunto de altera-
ções legislativas de corte antipopular, aprovadas ou ainda em discussão, redire-
ciona a ação do Estado, colocando-o como guardião do mercado concorrencial
(DARDOT; LAVAL, 2016) em detrimento do papel compensatório e redutor de
riscos sociais que lhe fora atribuído na Constituição de 1988. Entre as medidas em
seu percurso profissional que se tornou descontínuo, fazer opções, operar a tempo
de reconversões necessárias” (CASTEL, 2005, p. 46).
A reforma é bastante ampla e baseia-se em um tripé que abrange: a am-
pliação de dispositivos que permitem flexibilizar a utilização do tempo de traba-
lho, das formas de contratação e de remuneração em favor do empregador; a fragi-
lização das instituições públicas e da organização sindical, estimulando a definição
das regras de forma decentralizada e até individualizada; e a individualização dos
riscos, avançando na lógica de incutir nos trabalhadores a noção de empregabili-
dade e responsabilização pelos riscos existentes na vida laboral. O Quadro 1 siste-
matiza as mudanças da lei de acordo com os objetivos nela contidos.
Com esses dispositivos, a reforma, por um lado, busca legalizar práti-
cas de flexibilização que já estavam vigentes no mercado de trabalho brasileiro,
a exemplo da terceirização, do incentivo à remuneração variável e da despadro-
nização da jornada de trabalho. Por outro lado, ela cria uma série de regras que
permitem aos empregadores ajustar com facilidade a demanda por mão de obra
de acordo com a necessidade das empresas e da dinâmica do mercado, haja vista a
criação de novas formas de contratação, como o trabalho intermitente.
Além disso, o ataque às organizações sindicais é evidente não somente
porque a reforma buscou fragilizar as fontes de financiamento dessas entidades
sindicais, assim como seu poder de negociação e de organização (CASTRO, 2017;
COLOMBI; LEMOS; KREIN, 2018), mas também porque alterações legislativas
posteriores continuam tentando minar fontes alternativas de sustentação finan-
ceira, como a contribuição negocial. Esse é o caso da Medida Provisória nº 873,
editada em fevereiro de 2019, que estabelece que toda forma de contribuição está
condicionada à autorização prévia e voluntária do empregado e precisa ser indi-
vidual, expressa e por escrito, além de tornar nula a contribuição referendada por
negociação coletiva ou assembleia e obrigar os sindicatos a efetuarem o desconto
via boleto bancário em vez do desconto em folha (BRASIL, 2019).
Com formas de contratação mais flexíveis, que tendem a reduzir o tem-
po de trabalho no emprego formal, com a despadronização da jornada de trabalho,
que visa ajustar o tempo de trabalho às necessidades da empresa (DAL ROSSO,
2017; GIBB, 2017), com a maior instabilidade no patamar de remuneração e,
por fim, com o ataque à capacidade de ação coletiva, as trabalhadoras e os traba-
lhadores brasileiros são expostos a uma situação de maior vulnerabilidade social.
Isso significa que os dispositivos mais flexíveis, aliados a uma representação sin-
dical fragilizada, joga sobre o indivíduo a responsabilidade de entrar, manter-se e
angariar renda suficiente num mercado de trabalho instável, hostil e escasso.
É a ameaça do desemprego que está no horizonte de todo assalariado em
mercados de trabalho desestruturados e flexíveis, como o brasileiro, que reforça a
noção de empregabilidade e o ethos do empreendedorismo, fazendo com que os
Quadro 1
Tripé de desconstrução de direitos nos dispositivos da reforma trabalhista.
Objetivo Mudanças
• Liberalização da terceirização
• Ampliação do contrato temporário
• Ampliação do contrato parcial
• Contrato intermitente
• Teletrabalho
• Estímulo à contração como autônomo e pessoa jurídica
• Redução dos gastos com a demissão
Flexibilidade
• Banco de horas
das modalidades
de contratação, • Compensação individual
da jornada de • Extensão para todos os setores da jornada 12x36
trabalho e da
• Redução do horário de almoço
remuneração
• Não pagamento das horas in itinere
• Não pagamento de horas extras no home office
• Remuneração variável
• Redução de salários por meio de negociação coletiva
• Pagamento como não salário
• Descaracterização do salário
• Parcelamento dos pagamentos
• Prevalência do negociado sobre o legislado
• Negociação individual sobrepõe-se à lei e aos contratos coletivos (com
renda superior a U$ 3.000)
• Regulamentação da representação sindical do local de trabalho
Fragilização • Fim das contribuições sindicais obrigatórias e resultantes da negociação coletiva
das instituições • Descentralização dos espaços de definição das regras
públicas e da
• Homologação deixa de ser assistida pelo sindicato
organização
sindical • Mecanismo de solução privada de conflitos
• Negociação direta da demissão
• Custos das perícias judiciais ao que propõe a ação
• Limites ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) para formular jurisprudências
• Fragilização da fiscalização
• Permissão que mulheres grávidas ou lactantes trabalhem em ambientes insalubres
• Formas de contratação mais precárias
• Instabilidade da remuneração e da jornada de trabalho
Individualização • Limpeza uniforme
dos riscos • Fim do auxílio sindical na homologação
• Individualização da negociação
• Negociação direta da demissão
• Fragilização da fiscalização
Fonte: com base em Krein (2018).
Gráfico 1
Crescimento econômico, taxa de desocupação e população desocupada.
Reforma
15.000.000 Trabalhista 15,0%
13,7%
11,8% 11,6%
13.000.000
9,0% 10,0%
7,9%
11.000.000 7,2%
6,5%
9.000.000 5,0%
3,47%
2,17%
7.000.000 1,71% 0,58% 1,08%
-0,23%
5.000.000 0,0%
-5,52%
3.000.000
-5,0%
1.000.000
1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º
-1.000.000 -10,0%
Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Gráfico 2
Taxa de formalidade x informalidade.
Reforma
Trabalhista
55,0% 54,3%
53,7%
53,0%
53,0% 52,5% 52,3% 52,3%
52,7% 51,3%
51,0% 50,4% 50,3%
49,6%
49,0% 48,7% 49,7%
47,5% 47,7% 47,7%
47,0%
47,0% 47,3% 46,3%
45,7%
45,0%
1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º
Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri
Gráfico 3
Subutilização da força de trabalho.
Reforma Trabalhista
24,1% 24,6%
30.000.000 25,0%
20.000.000
17,1% 15,0%
14,9% 14,8%
15.000.000
10,0%
10.000.000
5,0%
5.000.000
0 0,0%
1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º
Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri Tri
Considerações finais
Notas
1. “A trajetória profissional dos motoboys entrevistados deixa isso evidente. Hoje motoboy-celetista
e entregador de pizza, amanhã motofretista-MEI, ontem montador em fábrica de sapatos, ma-
nobrista, pizzaiolo, feirante, funileiro, funcionário de lava-rápido. Motogirl hoje, antes diarista,
copeira, coordenadora de clínica para viciados em drogas. Motofretista, serralheiro, repositor de
mercadorias; confeiteiro e também ajudante de pedreiro. Proprietário de loja de bebidas, traba-
lhador na roça, funcionário do Banco do Brasil e hoje motofretista autônomo. Motoboy hoje,
antes faxineiro, porteiro e cobrador de ônibus. Este é o movimento com que grande parte dos
brasileiros tecem o mundo do trabalho” (ABÍLIO, 2017).
3. “Se você quiser escolher os direitos atuais, você entra no sistema atual. Se quiser optar pelo sistema
novo, vai para a carteira verde e amarela, é um sistema de capitalização, os encargos são diferentes,
as empresas não têm o custo sobre a folha de pagamento, vamos financiar esse sistema de uma outra
forma”. Essa é uma fala do Ministro da Economia, Paulo Guedes, mostrando que o trabalhador
que optar pelo regime de trabalho com direitos flexíveis entra, automaticamente, no sistema de
capitalização. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/02/carteira-verde-e-
-amarela-vira-depois-da-reforma-da-previdencia-indica-guedes.shtml>. Acesso em: 20 mar. 2019.
4. “O governo federal acredita que a nova lei trabalhista, que começa a vigorar em 11 de novembro, vai
tornar viável a geração de mais de seis milhões de empregos no Brasil, afirmou o ministro da Fazenda,
Henrique Meirelles, durante entrevista à EBC nesta segunda-feira (30)” (MARTELLO, 2017).
6. A taxa engloba as pessoas que estão procurando trabalho e estão sem nenhuma ocupação.
8. Isso quer dizer: somadas as pessoas que trabalhavam menos de 40 horas semanais e gostariam de
trabalhar mais, as pessoas desocupadas que procuraram ocupação nos últimos 30 dias e estavam
aptas a começar uma ocupação imediatamente e as pessoas fora da força de trabalho, que gosta-
riam de trabalhar e que não procuraram ocupação nos últimos 30 dias ou não estavam disponí-
veis para trabalhar no momento da pesquisa.
Referências
SOBRE OS AUTORES