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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE BIBLIOTECÁRIOS, ARQUIVISTAS E

DOCUMENTALISTAS

PROPOSTA DE REESTRUTURAÇÃO DAS CARREIRAS DAS ÁREAS FUNCIONAIS


DE ARQUIVO E DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO

LISBOA

JANEIRO DE 2001
1. PREÂMBULO

1.1. A identificação e subsequente autonomização das carreiras de pessoal específicas


das áreas funcionais de biblioteca e documentação e de arquivo operou-se com o
Decreto-Lei nº280/79, de 10 de Agosto, alterado pelo Decreto-Lei nº19/80, de 29 de
Fevereiro.

Todavia, o Decreto nº20 649, de 3 de Novembro de 1931, já reconhecia a


especificidade do conhecimento profissional detido pelos “diplomados com o curso
superior de bibliotecário-arquivista”, dando-lhes preferência no ingresso nas bibliotecas
e arquivos do Estado. Subjacente a este diploma estava, claramente, o entendimento
do pessoal dos arquivos e bibliotecas como um grupo profissional dotado de
qualificações específicas, que lhe conferiam a aptidão necessária ao desempenho das
funções especializadas que lhe eram cometidas. As características e o escasso número
das instituições então envolvidas permitiam, assim, o “encaixe” perfeito entre a
especialização própria “deste importante ramo de serviços”1, restrito a um número
definido de organizações que o disponibilizavam, e a qualificação profissional específica
necessária a todos aqueles que nele exerciam a sua actividade.

O Decreto-Lei nº280/79, de 10 de Agosto, mantendo o reconhecimento das “áreas


funcionais específicas dos serviços de biblioteca, de arquivo e de documentação”2
consagrou a distribuição do pessoal que lhes estava afecto por 3 grupos profissionais –
grupo do pessoal de investigação, grupo do pessoal técnico superior e grupo do pessoal
técnico-profissional – fazendo prevalecer, na sequência do regime consagrado no
Decreto-Lei nº191-C/79, de 25 de Junho, a lógica da titularidade da habilitação sobre a
especificidade das funções que, como tal, tinha até então caracterizado este grupo
profissional.

1
Parágrafo 6º do preâmbulo do Decreto nº22 014, de 21 de Dezembro de 1932.
2
Artigo 1º.

2
O Decreto-Lei nº247/91 de 10 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-
Lei nº276/95, de 25 de Outubro, retomando, ainda que com menor densidade, a
especificidade das funções desempenhadas, distinguiu duas áreas funcionais –
biblioteca e documentação e arquivo – e definiu o estatuto das respectivas carreiras
específicas, a saber, técnico superior de biblioteca e documentação, técnico-adjunto de
biblioteca e documentação, técnico superior de arquivo e técnico-adjunto de arquivo.

1.2. “(..) O pessoal a quem compete assegurar funções que, atenta a sua natureza e
especificidade, devam ser prosseguidas por um agrupamento de pessoal especializado e
inserido numa carreira criada para o efeito” está integrado em carreira de regime
especial.3 Neste sentido, o Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República
tem manifestado o entendimento pacífico de que são carreiras de regime especial
aquelas que pressupõem uma ordenação e um conteúdo funcional próprios e uma
especialização indispensável ao exercício das respectivas funções.

O Decreto-Lei nº247/91 estabelece inequivocamente uma ordenação e um conteúdo


funcional específicos das 4 carreiras supracitadas, complementados pela exigência de
uma qualificação profissional acrescida.4

De facto, o ingresso na categoria de técnico superior de 2ª classe de biblioteca e


documentação ou de técnico superior de 2ª classe de arquivo depende da verificação
cumulativa dos seguintes requisitos:

− Titularidade de uma licenciatura ou de habilitação legalmente equivalente;

− Titularidade de um curso de especialização com a duração mínima de 2 anos.

Esta situação só encontra paralelo no ordenamento jurídico da função pública


portuguesa em alguns (não todos) dos corpos especiais5 e fundamenta-se nas

3
Artigo 8º nº3 do Decreto-Lei nº248/85, de 15 de Julho.
4
Em sentido semelhante, com especificidade de conteúdo funcional e exigências próprias de qualificação
profissional, foi criada a carreira do técnicos superiores de saúde, regulada pelo Decreto-Lei nº414/91, de 22 de
Outubro, e por este diploma expressamente qualificada como corpo especial (artigo 2º nº2).
5
Nomeadamente, pessoal médico e pessoal docente do ensino superior (universitário e politécnico).

3
exigências específicas de conteúdo funcional das categorias das carreiras
correspondentes.

Todavia, as carreiras de biblioteca e documentação e de arquivo não apenas não


beneficiam de qualquer das adaptações de regime em matéria de gestão,
características dos corpos especiais6, como o seu estatuto não reflecte qualquer das
suas especificidades estruturantes7’8, sendo-lhes ainda aplicáveis as escalas salariais
das carreiras do regime geral da função pública. Situação a que não é estranho o facto
de estas carreiras estarem sujeitas a um duplo enquadramento – técnico-científico e
funcional –, exercido por entidades distintas.

1.3. No quadro das exigências de uma sociedade baseada na informação e no


conhecimento, na sequência da publicação do Decreto-Lei nº404-A/98, de 18 de
Dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº44/99, de 11 de Junho,
flexibilizando as carreiras do regime geral da função pública, e em conformidade com o
despacho de S.Exa. o Secretário de Estado da Administração Pública, de 26/02/99, a
Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas entende que se
torna indispensável a revisão do estatuto das carreiras de pessoal específicas
das áreas funcionais de biblioteca e documentação e arquivo, tendo em vista a
concretização dos seguintes princípios:

− Adequação dos conteúdos funcionais das carreiras às exigências da sociedade da


informação e do conhecimento;

− Reflexo das exigências de qualificação profissional acrescida e da valorização da


função no desenvolvimento das carreiras.

6
Artigo 43º nº2 do Decreto-Lei nº184/89, de 2 de Junho.
7
Contrariamente ao que sucede, por exemplo, com as carreiras de pessoal de informática ou com carreiras próprias
de alguns organismos da Administração Pública (v.g. carreiras dos funcionários da DGCI).
8
O Instituto de Gestão da Base de Dados de Recursos Humanos da Administração Pública qualificou as carreiras de
biblioteca e documentação e de arquivo como carreiras específicas (A Administração Pública em Números, Vol.I,
1999, pág. 67).

4
1.4. O modelo de sociedade contratualizada que progressivamente se vem
aprofundando, sociedade de informação e do conhecimento, exige como contrapartida
a capacidade para partilhar e difundir conhecimento, em contextos de interacção
múltipla, o que supõe, necessariamente, novas formas de organização do trabalho.

As Conclusões da Cimeira de Lisboa da Presidência Portuguesa da União Europeia (23 e


24 de Março de 2000) sublinham a imprescindibilidade de tornar a informação acessível
a todos, não apenas quanto às novas tecnologias, mas sobretudo no que se refere ao
acesso aos conteúdos da informação e do saber. Por esta razão, o Conselho Europeu
entendeu que, a par do reforço das infra-estruturas de comunicações, um outro pilar
essencial da construção de uma sociedade baseada na informação e no conhecimento
radica no combate à iliteracia e na educação e formação.

A vulgarização da utilização de tecnologias de informação e comunicação, as novas


características (em qualidade e quantidade) da informação disponível, as
potencialidades acrescidas decorrentes da digitalização de suportes escritos e
audiovisuais, a difusão da prestação de serviços telemáticos e a sucessiva integração de
e em redes de informação cada vez mais abrangentes impõem a reestruturação das
carreiras de biblioteca e de documentação e de arquivo, assumindo como ponto de
partida a flexibilização e o enriquecimento dos respectivos conteúdos funcionais.

2. CONTEÚDOS FUNCIONAIS

Neste sentido, a Associação propõe como orientação para a definição de novos


conteúdos funcionais:

2.1. Carreira de técnico superior de biblioteca e documentação

Aos técnicos superiores de biblioteca e documentação compete a concepção,


planeamento, implementação e desenvolvimento dos serviços de informação

5
documental, assegurando a coerência global dos conteúdos e da evolução da
arquitectura do sistema de informação.

Aos técnicos superiores de biblioteca e documentação deve caber, nomeadamente:

− Definir e elaborar os critérios de selecção, de aquisição e de eliminação de


documentos, sob qualquer suporte, que permitam constituir e organizar
colecções de qualquer natureza, conservá-los e torná-los acessíveis, mantendo-
os actualizados;

− Definir e controlar a aplicação dos métodos e das técnicas de armazenagem,


protecção, conservação e restauro de suportes documentais de qualquer
natureza;

− Seleccionar uma linguagem documental própria para representar o conteúdo de


um documento ou de um fundo documental;

− Gerir a informação, criando e explorando os instrumentos de acesso, distribuição


e partilha dos recursos informativos;

− Avaliar e validar a informação, os documentos e as fontes, tanto internas, como


externas;

− Analisar e interpretar as necessidades actuais e potenciais dos utilizadores para


promover a qualidade da informação;

− Gerir a aplicação e utilização das tecnologias de informação e comunicação.

2.2. Carreira de técnico superior de arquivo

Aos técnicos superiores de arquivo compete a concepção, planeamento, implementação


e desenvolvimento de sistemas de gestão integrada de arquivo, assegurando a
coerência global dos conteúdos e da evolução da arquitectura do sistema de
informação.

6
Aos técnicos superiores de arquivo deve caber, nomeadamente:

− Conceber, planear e implementar sistemas de gestão integrada de arquivos;

− Desenvolver sistemas de organização, classificação e avaliação dos documentos;

− Conceber instrumentos de pesquisa, tais como guias, inventários, catálogos,


índices e outros;

− Apoiar o utilizador, orientando-o na pesquisa documental;

− Coordenar trabalhos que tenham em vista a conservação e o restauro dos


documentos;

− Promover acções de difusão documental;

− Conceber e coordenar a produção editorial;

− Emitir certidões da documentação arquivada.

2.3. Carreira de assistente de biblioteca e documentação

Aos assistentes de biblioteca e documentação compete a execução, de acordo com as


políticas definidas e com elevado grau de autonomia, das operações inerentes aos
circuitos da informação, bem como a execução das operações de tratamento técnico,
segundo as normas em vigor, nomeadamente:

− Aplicar os critérios de selecção, de aquisição e de eliminação de documentos,


sob qualquer suporte, que permitam constituir e organizar colecções de qualquer
natureza, conservá-las e torná-las acessíveis, mantendo-as actualizadas;

− Aplicar os métodos e as técnicas de armazenagem, protecção, conservação e


restauro de suportes documentais de qualquer natureza;

7
− Descrever, segundo normas, os suportes e elementos identificadores dos
documentos;

− Utilizar a linguagem documental seleccionada para representar o conteúdo de


um documento;

− Organizar os dados relativos à descrição e representação dos documentos;

− Explorar os instrumentos de acesso àqueles dados;

− Pesquisar e recuperar a informação;

− Disponibilizar a informação através de produtos e serviços;

− Registar, cotar e armazenar os documentos;

− Assegurar a manutenção do sistema de representação dos dados;

− Assegurar os serviços de atendimento e guia do utilizador;

− Elaborar os produtos de informação.

2.4. Carreira de assistente de arquivo

Aos assistentes de arquivo compete a execução, de acordo com as políticas definidas e


com elevado grau de autonomia, das operações inerentes aos circuitos da informação,
bem como a execução das operações de tratamento técnico, segundo as normas em
vigor, nomeadamente:

− Aplicar métodos e processos previamente estabelecidos no que concerne à


gestão documental;

− Executar a descrição documental;

− Apoiar a produção editorial;

8
− Apoiar a elaboração dos instrumentos de descrição;

− Aplicar as normas de funcionamento do arquivo;

− Desenvolver a aplicação de métodos e processos de natureza técnica,


relacionados com a pesquisa documental e a emissão de certidões;

− Acompanhar as incorporações;

− Registar e cotar os documentos;

− Averbar os registos;

− Controlar as requisições;

− Elaborar pesquisas documentais;

− Executar a descrição documental;

− Acondicionar os documentos;

− Aplicar regulamentos e normas de funcionamento de arquivo, de acordo com os


métodos e procedimentos estabelecidos.

As carreiras de Assistente de Biblioteca e Documentação e de Assistente de Arquivo


compreendem dois graus distintos, diferenciados de acordo com os critérios definidos
no nº3 do artigo 7º do Decreto-Lei nº248/85, de 15 de Julho, isto é, em razão da
autonomia, da complexidade funcional e da responsabilidade das respectivas funções.

3. REGIME DE CARREIRAS

No quadro dos novos conteúdos funcionais enunciados e tendo em vista valorizar a


exigência de habilitação acrescida e qualificar a experiência profissional, reconhecendo-
lhe a importância que efectivamente detém, a Associação entende que as carreiras de

9
pessoal específicas das áreas funcionais de biblioteca e documentação e de arquivo
devem ser reordenadas no sentido da sua flexibilização e enriquecimento.

Assim, a par das carreiras técnicas superiores de biblioteca e documentação e de


arquivo devem ser criadas as carreiras de assistente de biblioteca e documentação e de
arquivo com um desenvolvimento próprio e diferenciadas em graus, acolhendo e
conjugando, em alternativa, a titularidade de um bacharelato adequado e uma
formação profissional específica. O objectivo prosseguido com a criação destas novas
carreiras é, simultaneamente, motivar e estimular a aquisição de formação acrescida e
manter em alto nível a qualificação do grupo profissional para o desempenho das suas
funções.

Neste contexto, as carreiras dever-se-ão desenvolver nos seguintes termos:

3.1. Carreira de técnico superior de biblioteca e documentação / de arquivo:

a) Técnico superior de biblioteca e documentação / de arquivo – habilitação


profissional adequada, constituída por licenciatura e titularidade de curso de
especialização não inferior a 2 anos;

b) Técnico superior principal de biblioteca e documentação / de arquivo – o acesso


far-se-á de entre técnicos superiores da respectiva área funcional, com pelo
menos 3 anos de efectivo serviço na categoria classificado de Muito Bom ou 5
anos classificados de Bom, mediante concurso de avaliação curricular;

c) Assessor de biblioteca e documentação / de arquivo – o acesso far-se-á de entre


técnicos superiores principais da respectiva área funcional, com pelo menos 4
anos de efectivo serviço na categoria classificado de Muito Bom ou 6 anos
classificados de Bom, mediante concurso de provas públicas, que consistirá na
apreciação e discussão do currículo profissional do candidato;

d) Assessor principal de biblioteca e documentação / de arquivo – o acesso far-se-á


de entre assessores da respectiva área funcional, com pelo menos 4 anos de
10
efectivo serviço na categoria classificado de Muito Bom ou 6 anos classificados
de Bom, mediante discussão pública de um trabalho no âmbito da respectiva
área técnico-científica sobre matéria de interesse para a realização dos
objectivos prosseguidos pelo serviço ou instituição;

e) O tempo legalmente exigido para a progressão nas carreiras é reduzido em 12 e


18 meses, respectivamente, aos titulares de mestrado e de doutoramento, cujo
conteúdo seja do interesse da instituição e releve directamente na área funcional
em que sejam exercidas funções.

3.2. Carreira de assistente de biblioteca e documentação / e de arquivo:

a) Assistente adjunto de 2ª classe de biblioteca e documentação / e de arquivo –


curso de formação técnico-profissional na área funcional respectiva de duração
não inferior a 3 anos, para além de 9 anos de escolaridade;

b) Assistente adjunto de 1ª classe de biblioteca e documentação / e de arquivo – o


acesso far-se-á de entre assistentes adjuntos de 2ª classe, com pelo menos 3
anos de efectivo serviço na categoria classificados de Muito Bom ou 5 anos
classificados de Bom;

c) Assistente de biblioteca e documentação / e de arquivo – o recrutamento para a


categoria far-se-á de entre indivíduos habilitados com curso superior específico
que não confira o grau de licenciado ou de assistentes adjuntos de 1ª classe,
com pelo menos 4 anos de efectivo serviço na categoria classificados de Muito
Bom ou 6 anos classificados de Bom e formação complementar na área funcional
respectiva;

d) Assistente principal de biblioteca e documentação / e de arquivo – o acesso far-


se-á de entre assistentes de biblioteca e documentação / e de arquivo, com pelo

11
menos 3 anos de efectivo serviço na categoria classificados de Muito Bom ou 5
anos classificados de Bom;

e) Assistente especialista de biblioteca e documentação / e de arquivo – o acesso


far-se-á de entre assistentes principais de biblioteca e documentação / e de
arquivo, com pelo menos 3 anos de efectivo serviço na categoria classificados de
Muito Bom ou 5 anos classificados de Bom.

As categorias de assistente adjunto de 2ª classe e de assistente adjunto de 1ª classe


são de grau 1, enquanto que as categorias de assistente, assistente principal e
assistente especialista correspondem ao grau 2.

3.3. Regime transitório de recrutamento para a categoria de assistente de biblioteca e


documentação/arquivo

Transitoriamente e até à criação de bacharelato específico, o recrutamento para a


categoria de assistente de biblioteca e documentação / arquivo far-se-á de entre
indivíduos habilitados com qualquer bacharelato e titulares de um curso de formação
profissional na respectiva área funcional com duração não inferior a 1 ano.

3.4. Situações residuais

A transição para as novas estruturas das carreiras deve, necessariamente, contemplar


as situações residuais ainda existentes, mediante a aplicação de mecanismos de
reconversão profissional.

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