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A UBERIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE: NOVOS DILEMAS

PARA VELHOS PROBLEMAS

Maura Jeisper Fernandes Vieira, UFRGS, maurajeisper@gmail.com1


Liara Saldanha Brites, UFRGS, liarabrites@yahoo.com.br2
Cristianne Maria Famer Rocha, UFRGS, rcristianne@gmail.com3

Resumo

A precarização do trabalho docente é uma recorrência histórica no Brasil e que se aprofunda


com o neoliberalismo instituído como uma racionalidade. O empresariamento de si, a perda de
direitos trabalhistas e os avanços tecnológicos estão gerando novas formas de organização do
trabalho consideradas uberizadas. O objetivo deste texto é analisar o processo de uberização no
trabalho docente, a partir de uma plataforma digital de contratação de professores (as) chamada
Superprof. O percurso teórico-metodológico é de inspiração pós-estruturalista e descreve como
se dá o funcionamento da plataforma. Espera-se contribuir para uma maior compreensão desse
fenômeno e antecipar algumas das preocupações que já deveriam estar sendo discutidas no
âmbito das relações do trabalho (uberizado) docente.
Palavras-chave: Uberização; Trabalho Docente; Neoliberalismo;

1. Considerações iniciais

A cultura da internet e o Neoliberalismo Tecnológico têm gerado uma expansão de


negócios em uma parcela considerável das sociedades contemporâneas no mundo. As formas
de empreendedorismo que se atualizaram nesse contexto têm produzido novas configurações

1
Mestranda em Educação (Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS) na linha de pesquisa Estudos
Culturais em Educação. Pedagoga no Senac Tech e discente de Licenciatura plena em Pedagogia (Instituto
Nacional da Educação de Surdos - INES).
2
Doutoranda em Educação e Mestra em Saúde Coletiva (UFRGS). Especialista em Micropolítica da Gestão e
Trabalho em Saúde (Universidade Federal Fluminense - UFF). Especialista em Saúde da Família e Graduada em
Fonoaudiologia (Universidade Federal de Santa Maria - UFSM). Servidora Pública da Secretaria da Saúde do Rio
Grande do Sul.
3
Doutora e Mestre em Educação (UFRGS). Professora Associada da Escola de Enfermagem. Departamento de
Saúde Coletiva, e Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem e do Programa de Pós-
Graduação em Educação (UFRGS). Líder do Grupo de Estudos em Promoção da Saúde (GEPS).
1
de organização e controle do trabalho, como as denominadas uberizadas, que abrangem
algumas ocupações, principalmente, no setor de serviços, mas possuem potencial universal para
reconfigurar todas as profissões (ABÍLIO, 2020a).
A uberização do trabalho é entendida como uma nova forma de precarização, a
partir de novos modos de organização e controle dos trabalhadores. Está baseado no modelo de
negócio intermediado por aplicativos ou plataformas online (ABÍLIO, 2020b). O termo remete
à empresa Uber, que foi uma das pioneiras nesse modelo de negócios e teve grande expressão
dentro do movimento denominado Economia do Compartilhamento (SLEE, 2017). Essa
corrente se desenvolveu no Vale do Silício, nos Estados Unidos da América, por empresas
conhecidas como startups que conectam clientes, mediam os pagamentos e preveem um sistema
de avaliação/reputação dos consumidores aos prestadores de serviços e vice-versa.

A partir dessas considerações, algumas problemáticas surgiram, dentre elas, pensar


como está se dando o processo de uberização do trabalho docente no Brasil. E esse foi o mote
disparador para as reflexões que serão abordadas nesse manuscrito4.

2. Trabalho docente na atualidade: Neoliberalismo e Uberização

Para Michel Foucault (2018), “cada sociedade tem seu regime de verdade” (p. 12). As
verdades são construídas e, por vezes, reconstruídas conforme a sociedade foi/vai se
modificando, o trabalho docente e suas condições também foram sofrendo alterações, inclusive,
adaptando-se aos sistemas econômicos vigentes A precarização do trabalho docente, no Brasil,
está amparada em um histórico de - muitas vezes, perversas - decisões políticas e mudanças
socioeconômicas, em um cenário, nacional e internacional, de aprofundamento neoliberal.
Para Maria das Mercês Ferreira Sampaio e Alda Junqueira Marin (2004), a precarização
do trabalho docente ocorre em esferas distintas como a defasagem na formação e qualificação
docente que, em função do crescimento acelerado de matrículas e os baixos salários, segundo
pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o salário

4
Esta pesquisa integra a Dissertação da autora principal.
2
dos(as) professores(as) do Ensino Médio é considerado um dos piores do mundo, “a média
salarial no Brasil é 13% inferior à média da América Latina e 50% menor do que a dos países
ricos” (ARAGÃO, 2020).
As más condições de trabalho são outra esfera da precarização, uma delas diz respeito à
carga horária trabalhada semanalmente que é considerada muito elevada, bem como a
rotatividade dos(as) professores(as), devido ao multiemprego e multijornada (SAMPAIO e
MARIN, 2004). Outro marcador, no trabalho docente, é o de gênero, pois o magistério se
constituiu, no Brasil, desde o fim do período imperial, como uma profissão feminina. Tal
constituição foi bem aceita na sociedade, uma vez que se entendia a profissão de professora
como uma extensão do papel de mãe (LOURO, 1986). Todavia, não podemos esquecer da
relação dessa abertura com a opressão feminina e o patriarcado, uma vez que, historicamente,
as mulheres têm ocupado as profissões relacionadas com o cuidado, na maioria das vezes,
mantendo-se uma relação de subalternação que reproduz o trabalho doméstico (LOURO, 1989).
Os(as) “professores(as) são os agentes históricos de mobilização cujas ações visaram,
em muitos momentos, a transformação da visão predominante sobre seu papel na sociedade”
(STOCKMANN, 2018, p.108). Eles foram ativos no processo de restabelecimento da
democracia no Brasil, no final da década de 1980 e a conquista do Estado democrático de direito
consolidado pela Constituição Federal, de 1988. Essas melhorias adquiridas através de muitas
lutas sociais, não impediram as transformações sociais/econômicas, uma vez que, com a
expansão do capitalismo em sua fase neoliberal, a exploração do trabalho aumentou e as
desigualdades se acentuaram, fazendo com que as relações e as condições de trabalho
caminhassem, cada vez mais, em direção a precarização (STOCKMANN, 2018).
Atualmente, vivemos sob a égide do Capitalismo Liberal desde a Revolução Industrial
no Ocidente e, a partir dos anos 1970 – mais fortemente dos anos 1990 em diante –, uma forma
muito particular de Liberalismo que foi chamada de Neoliberalismo. O termo surgiu em 1938,
no Colóquio Walter Lippmann, realizado em Paris, que reuniu acadêmicos e lançou as bases
político-intelectuais daquilo que conhecemos como Neoliberalismo:
(...) um conjunto de políticas que privatizam a propriedade e serviços públicos,
reduzem radicalmente o Estado social, amordaçam o trabalho, desregulam o capital e

3
produzem um clima de impostos e tarifas amigáveis para investidores estrangeiros.
(BROWN, 2019, p.29).
Neste contexto contemporâneo, o trabalho tem sofrido alterações substanciais, passando
a ser “definido como uma atividade abstrata ligada à subjetividade” (LAZZARATO e NEGRI,
2017, p. 49). Nessa racionalidade, o foco é a competição desenfreada e o excesso de atividades.
O ócio é visto de modo pejorativo, pois é preciso estar produzindo e inserido em uma lógica
“24/7” – 24 horas por dia durante sete dias na semana, inclusive tornando os momentos de sono
e/ou descanso do trabalhador como momentos produtivos (CRARY, 2016).
Dentro dessa lógica produtivista e do empresariamento de si, é que a precarização se
aprofunda, uma vez que o empreendedor que trabalha mediado pelos aplicativos ou plataformas
não é mais um empregado assegurado, no Brasil, pela Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT). Logo, não tem mais salário fixo, benefícios e seguridade social. Agora, ele é convencido
pelos discursos vigentes que ele é empreendedor e precisa fazer a autogestão do seu tempo de
trabalho e prover os recursos necessários para o desenvolvimento das suas atividades. Dentre
as consequências desse processo de transformação do sujeito trabalhador em empresário de si,
é possível constatar uma diminuição dos seus ganhos e um aumento das jornadas de trabalho
(ANTUNES, 2015).
Para Niels Van Doorn (2017), o trabalho de plataforma é toda atividade mediada e
controlada por plataformas digitais. Paulo Roberto Silva (2020, p.1) acrescenta que “trata-se de
um modelo de negócios baseado na intermediação massiva de produtos e serviços”. Essas
plataformas digitais, por consequência, têm gerado novas formas de trabalhos denominadas
plataformizadas (ou trabalho de plataforma) que têm seus específicos processos de controle
(GROHMANN, 2020).
No Brasil, a pesquisadora Ludmila Costhek Abílio (2020c) afirma que o termo
uberização é uma nova forma de organização e controle do trabalho que ganhou visibilidade
devido à propagação das plataformas digitais e aplicativos. Como marcadores do processo de
uberização das relações de trabalho no Brasil, estão a Nova Lei da Terceirização, de nº 13.429
(BRASIL, 2017a) e a Nova Lei (das regulações do trabalho, que instituiu a Reforma
Trabalhista) de nº 13.467 (BRASIL, 2017b), duas leis sancionadas pelo então Presidente Michel
Temer.
4
Ainda que o trabalho docente não esteja completamente imerso na uberização, é
possível observar que já existem movimentos crescentes e que tendem a aumentar. Conforme
reportagem do jornal Extra Classe5, a “contratação uberizada de professores(as) por aplicativos
já é uma realidade (...) [pois existem] plataformas de cadastramento de docentes para servir ao
processo contínuo de substituições tanto na educação básica quanto na superior” (FRAGA,
2020, p. 1, grifo das autoras).

3. Superprof: Uma plataforma para “encontrar o professor perfeito”

Começamos aqui a descrição do funcionamento da plataforma Superprof, para que o


leitor possa ter entendimento de alguns dos mecanismos e ferramenta disponíveis. Não
deixando de reconhecer que, quando a inspiração teórica é pós estruturalista, “a descrição que
fazemos dos textos e discursos é sempre analítica, a análise que fazemos das relações de poder
é sempre descritiva” (MEYER E PARAÍSO, 2012, p.38). Na esteira desse pensamento,
apoiamos-nos nas palavras de Jorge Larrosa, pois,

(...) considerar as palavras, criticar as palavras, eleger as palavras, cuidar das palavras,
inventar palavras, jogar com as palavras, impor palavras, proibir palavras, transformar
palavras, etc., não são atividades ocas ou vazias, não são mero palavrório. Quando
fazemos coisas com as palavras, do que se trata, é de como damos sentido ao que
somos e ao que nos acontece, de como relacionamos as palavras com as coisas, de
como nomeamos o que vemos, ou o que sentimos e de como vemos ou sentimos o que
nomeamos (2002, p. 21).

As estratégias de captação/contratação flexível do docente como trabalhador


plataformizado também podem ser vistas na Superprof que, segundo seu site oficial6, é uma
“plataforma de aulas particulares no Brasil com milhares de professores(as) e alunos(as)”
(SUPERPROF, 2021, p.1).

5
O jornal Extra Classe é uma publicação do Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS). Está
disponível em: https://www.extraclasse.org.br
6
Disponível em https://www.superprof.com.br/
5
A plataforma é global, segundo o seu site oficial, e está presente em inúmeros países e
tem mais de 15 milhões de professores(as) cadastrados(as). No site brasileiro da plataforma
(SUPERPROF, 2021), os serviços educacionais oferecidos estão divididos em cinco grandes
categorias: reforço escolar, idiomas, música, esportes e artes e lazer. O slogan da empresa
incentiva o(a) aluno(a) a encontrar um “professor(a) perfeito”.
A plataforma digital Superprof foi lançada em agosto de 2013 em Biarritz, na França e,
já em 2014, contava com cem mil professores(as) cadastrados naquele país. Em 2015, a empresa
se expandiu pela Europa, chegando à Bélgica, Suíça, Luxemburgo e Espanha. Em 2016, ganhou
o mundo, adentrando em dez diferentes países com seis idiomas distintos, dentre eles: Brasil,
Estados Unidos da América, Reino Unido e Alemanha. No ano de 2017, alcançou um milhão
de professores(as) cadastrados(as) na plataforma e chegou em novos países, como México,
Índia, Chile e Argentina. Em 2018, deu um salto para três milhões de docentes cadastrados e
chegou à Austrália, Colômbia, Indonésia, Japão e Países Baixos. No ano de 2019, a Superprof
chegou a dez milhões de professores(as) cadastrados(as) e alcançou Suécia, Polônia, Nigéria,
Coréia do Sul e Áustria. Em 2020, abriu seus negócios na África do Sul e completou vinte e
oito países com 14 idiomas diferentes. Em 2021, conta com mais de quinze milhões de docentes
cadastrados em 36 países (SUPERPROF, 2021). Um crescimento vertiginoso em apenas sete
anos de existência.
Ao abrir o site no Brasil, a imagem inicial para os usuários (sejam docentes ou discentes)
é a seguinte:

6
Figura 1: Página de abertura da Superprof no Brasil

Fonte: SUPERPROF (2021)

No Brasil, a plataforma tem professores(as) que atuam nos 26 estados e no Distrito


Federal. Segundo dados por estado, em maio de 2021, eram 303.384 docentes cadastrados na
plataforma. A Superprof é intuitiva, sendo de fácil compreensão, acesso, uso e cadastramento.
Na página inicial, o usuário clica no ícone “Trabalhe Conosco” e pode fazer o seu cadastro:

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Figura 2: Página para criação de perfil de professor na plataforma Superprof

Fonte: SUPERPROF (2021)

A plataforma fornece uma orientação, voltadas aos docentes, em formato de “três


passos” de como se tornar um Superprof:

1. Crie seu anúncio gratuitamente: Na Superprof não há nenhuma taxa de


inscrição a pagar para criar o seu anúncio e compartilhar seus conhecimentos.
2. Escolha suas condições: Você tem total controle sobre sua disponibilidade,
preços, metodologia e trabalho. Você organiza seus cursos em total liberdade.
3. Compartilhe sua paixão: Assim que seu anúncio for publicado, os(as)
alunos(as) poderão te contatar. E se tiver qualquer dúvida, nós estamos disponíveis
para respondê-la. (SUPERPROF, 2021)
Mesmo que o(a) professor(a) não tenha nenhum vínculo trabalhista celetista com a
plataforma, é disponibilizado atendentes em nove idiomas diferentes para dar suporte aos
docentes cadastrados, caso seja necessário. Também consta que os administradores se
preocupam com a proteção dos dados dos(as) professores(as) cadastrados e disponibilizam
perfis de alunos(as) “sérios e motivados” (SUPERPROF, 2021).
Em uma analogia simples, a Superprof funciona como uma vitrine virtual onde os(as)
professores(as) anunciam o tipo de serviço que prestam e as qualidades que os diferenciam,
com vistas à contratação. Todos os(as) docentes(as) têm um espaço para se apresentar, através

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da criação de um perfil, em que evidenciam as razões pelas quais é “o(a) super” professor(a)
que o aluno(a) necessita.
Figura 1: Apresentação de professor(a) na Superprof

Fonte: SUPERPROF (2021)

Cada apresentação é diferente, pois é por meio de uma narrativa autoral (apresentações
do próprio perfil) dos(as) professores(as) que são evidenciadas as características pessoais e
profissionais que justificam a sua contratação. Além dos textos de apresentação, outros aspectos
poderão compor as análises, como as avaliações que os docentes recebem dos alunos(as), a
formação informada pelo(a) docente, o valor hora/aula, a localização, entre outras informações
disponíveis a todo/qualquer usuário da plataforma. Importante informar que todos os dados
disponíveis na Superprof são abertos ao público em geral, acessíveis sem a necessidade de
login.
Abaixo apresentaremos usos e funcionalidades do buscador da plataforma:

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Figura 4: Buscador da Superprof

Fonte: SUPERPROF (2021)

Para exemplificar, fizemos uma busca por um(a) professor(a) de matemática no Brasil
e a Superprof nos direcionou para os perfis encontrados. Neste caso, a plataforma informa que
42.282 professores de matemática estão disponíveis para ministrar aulas. Os primeiros
professores que aparecem são os melhores avaliados pelos alunos ou denominados cinco
estrelas ou embaixadores.

Figura 2: Número de professores de matemática encontrados na plataforma

Fonte: SUPERPROF (2021)

É possível alterar o filtro para docentes geograficamente próximos de quem está fazendo
as buscas. Ao aplicar o filtro, o número de docentes diminui, mas de modo pouco expressivo.
A plataforma segue disponibilizando 39.599 perfis de docentes. Podemos verificar que nem

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todos esses docentes estão próximos geograficamente, contudo, em sua maioria, ofertam aulas
remotas/online.
Figura 6: Número de professores de matemática encontrados na plataforma com o filtro
"perto de você"

Fonte: SUPERPROF (2021)

Outro filtro possível de ser aplicado no buscador da Superprof é o de preço, adequando


o valor da hora-aula à possibilidade de pagamento do(a) aluno(a). A plataforma informa que o
valor mínimo é de R$ 1,00 (um real) a hora-aula e tem o valor máximo de R$ 130,00 (cento e
trinta reais), mas a média de preço das aulas é de R$ 40,00 (quarenta reais), como demonstrado
na figura abaixo:

Figura 3: Aplicação do filtro preço na plataforma Superprof

Fonte: SUPERPROF (2021)

Para trazer uma comparação, aplicamos um valor hora-aula de até R$ 29,00 (vinte e
nove reais) e o número de docentes disponíveis diminui expressivamente para 6.989.

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Figura 8: Docentes de matemática disponíveis no Brasil até R$ 29,00 a hora aula

Fonte: SUPERPROF (2021)

Outro filtro de aplicação é o tempo de resposta dos(as) docentes. A plataforma


disponibiliza um botão no qual é possível filtrar somente os(as) docentes que respondem em,
no máximo, 24 horas. O que evidencia a necessidade de retorno breve e um processo de conexão
24h por dia, sete dias por semana, tal como Jonathan Crary (2016) analisa em seu livro.

Figura 9: Filtro de tempo de resposta

Fonte: SUPERPROF (2021)

Ao selecionar o filtro de tempo de resposta, automaticamente a plataforma altera o valor


médio de orçamento para R$ 52,00 (cinquenta e dois reais). Entendemos que essa mudança
aconteça porque os docentes disponíveis na plataforma que cobram menos de R$ 52,00
(cinquenta e dois reais) a hora-aula não costumam responder os alunos em menos de 24 horas.

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Figura 104: Docentes de matemática disponíveis que respondem em até 24h

Fonte: SUPERPROF (2021)

Ao aplicar o botão “ainda hoje”, que filtra docentes que respondem em, no máximo, 24
horas, o número de docentes aumenta consideravelmente. Entendemos que esse aumento está
relacionado com o valor hora-aula que acaba sendo alterado automaticamente pela plataforma.
O último filtro aplicável é o de nível de ensino: a Superprof traz categorias do pré-escolar ao
Doutorado.

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Figura 115: Níveis de ensino que os professores atuam

Fonte: SUPERPROF (2021)

Os exemplos apresentados aqui são articulações de buscas possíveis de se fazer


dentro da plataforma. Contudo, as possibilidades são imensas, principalmente, se aplicarmos os
filtros possíveis de formas distintas.

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4. Considerações finais
A precarização do trabalho docente é uma recorrência histórica no Brasil, mesmo com
as tentativas de resistência, tornou-se cultural. O resultado disso são baixos salários, excesso de
alunos em salas de aula, necessidade de multijornadas, redução das horas de planejamento,
entre outras. Ao mesmo tempo, as mudanças nas concepções do trabalho sempre ocorreram,
mas sofreram alterações relevantes com o neoliberalismo instituído como uma racionalidade
vigente. O discurso neoliberal do empresariamento de si subjetiva os trabalhadores a tal ponto
de esses abrirem mão (quase que) voluntariamente de direitos importantes conquistados através
de muitas lutas. Essas ideias inovadoras e disruptivas necessitavam de investimento financeiro
e, pelo seu potencial de ganho monetário escalável, atraíram grandes investidores que
apostaram na criação de plataformas digitais e aplicativos. Essas inovações têm sido utilizadas
de forma exponencial, mas destaca-se o potencial de absorção das atividades de prestação de
serviços, como aquele da Educação.
As pesquisas sobre uberização do trabalho são recentes, tendo muito ainda a ser
investigado neste campo. Contudo, de modo generalizante (e não totalizante), a partir do que
temos visto no Brasil, é a máxima precarização e exploração do trabalho. A uberização tem
acontecido em detrimento do aumento do lucro das empresas detentoras das tecnologias e
gestoras das plataformas digitais. Espera-se, com estas reflexões, contribuir para uma maior
compreensão desse fenômeno e antecipar algumas das preocupações que já deveriam estar
sendo discutidas no âmbito das relações do trabalho (uberizado) docente.

Referências
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demanda e insubordinação. Blog da Boitempo, 30 jul. 2020a. Disponível em:
<https://blogdaboitempo. com. br/2020/07/30/breque-no-despotismo-algoritmico-uberizacao-
trabalho-sob-demanda-e-insubordinacao/>. Acesso em 20 jun 2022.

ABÍLIO, Ludmila Costhek. Plataformas digitais e uberização: a globalização de um Sul


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avançados, v. 34, p. 111-126, 2020c.

15
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