Você está na página 1de 34

XVIII ENDIPE

Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

POLÍTICAS DE CURRÍCULO: LEITURAS PÓS-ESTRUTURAIS DA


CENTRALIDADE DO CONHECIMENTO

Em uma leitura pós-estrutural do currículo, o painel focaliza a centralidade do


conhecimento no pensamento teórico e nas políticas, investindo em possibilidades de
desconstruir estruturações metafísicas de leitura curricular. Objetiva marcar a
irrecuperável distância entre o conhecimento como salvação e a educação como leitura e
produção de contextos. Na costura que o compõe, Oliveira percorre diferentes teorias
curriculares destacando deslizamentos na significação do conhecimento. Realça a
organização disciplinar e a sequência lógica dos conteúdos em textos curriculares
recentes, explicitando como a centralidade do conhecimento se apresenta como tradição
e exerce um papel estruturante nas políticas. Considera que na luta política por
significação do conhecimento a ser selecionado, não são as bases epistemológicas desse
conhecimento que serão defendidas e sim demandas alicerçadas na manutenção de
determinadas tradições, que serão hibridizadas e expressas em novas reconfigurações.
Costa pontua as noções de contexto, différance, escrita e disseminação, de Jacques
Derrida, para discutir o quanto uma visão estrutural de contexto tende a dar sustentação
a enfoques sobre o conhecimento como estruturante da prática. Na abordagem a
correntes tradicionais e críticas do currículo e em fragmentos de documentos
curriculares oficiais foca nuanças de leituras pautadas no cálculo sobre o que se supõe
ser a prática, o contexto e em como o conhecimento o estrutura e norteia, pontuando que
toda tentativa de cálculo está em um movimento de falência ante ao potencial
generativo da significação. Cunha se volta à produção de uma Base Nacional Comum
Curricular no Brasil, entendendo-a como uma simplificação mistificadora da educação,
que tem desqualificado a escola pública ao investir numa relação com o conhecimento
caracterizada como faltosa. As noções derridianas de nome, texto, contexto e
disseminação, operam na discussão de documentos curriculares e ações institucionais
pró-base, avivando a impossibilidade de essência e de interdição da disseminação de
sentidos de uma BNCC.

Palavras-chave: Políticas de Currículo. Pós-Estruturalismo. Conhecimento.

ISSN 2177-336X 8318


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
2

A CENTRALIDADE DO CONHECIMENTO NAS POLÍTICAS


CURRICULARES
Ana de Oliveira (UERJ/CPII)

Resumo
Neste texto apresento minha compreensão do papel que o conhecimento ocupa na
proposição de políticas curriculares. Na primeira parte, percorrendo diferentes teorias do
campo do Currículo, destaco o quanto cada uma delas traz de ressignificações, de
deslizamentos e de compartilhamento de sentidos, sempre parciais e localizadas
historicamente, no processo de significação de conhecimento. Na segunda seção
apresento minha compreensão dos sentidos a ele atribuídos em documentos curriculares
recentes que retomam a concepção da importância do conhecimento, da organização
disciplinar e da centralidade na sequência lógica dos conteúdos. Nesse movimento
teórico-metodológico, destaco a centralidade do conhecimento como tradição,
exercendo um papel estruturante das políticas. Operando na desconstrução da
possibilidade de o conhecimento desempenhar esse papel, defendo que as tradições são
produzidas por diferentes articulações entre demandas em disputa e não têm um caráter
racional capaz de, por si só, orientar as políticas curriculares no sentido da consecução
de certas finalidades educacionais. Na luta política por significação do conhecimento a
ser selecionado, não são as bases epistemológicas desse conhecimento que serão
defendidas, e sim demandas alicerçadas na manutenção de determinadas tradições, que
se articulam a outras tradições – sociais, científicas, pedagógicas, psicológicas – que
serão hibridizadas e expressas em novas reconfigurações. Entendendo currículo como
espaço de produção de significado, defendo a significação de conhecimento como
construção sócio-histórica que faz parte dessa produção. Por fim, a título de
considerações finais, argumento pela não intenção de me opor à tradição curricular da
centralidade do conhecimento, mas operar na desconstrução de suas bases e pôr em
marcha a disputa, razão da política.

Palavras-chave: teorias curriculares – conhecimento – políticas curriculares

A CENTRALIDADE DO CONHECIMENTO NAS POLÍTICAS


CURRICULARES
Ana de Oliveira (UERJ/CPII)

Abordo neste trabalho a centralidade conferida ao conhecimento na proposição


de políticas orientadas por diferentes perspectivas teóricas curriculares. Interesso-me
pela compreensão de como diferentes teorias disputam a significação de conhecimento,
considerando o quanto cada uma delas traz de ressignificações, de deslizamentos e de
compartilhamento de sentidos e “os acordos sobre as significações, sempre parciais e
localizadas historicamente” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 19-20). Essa é a temática da
primeira seção deste texto. Chamo atenção para a possibilidade de sua leitura apontar

ISSN 2177-336X 8319


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
3

alguma linearidade. Creditada aos processos constantes de tradução que as escritas e


leituras dão margem, busquei diminuir essa possibilidade usando os verbos no tempo
presente e/ou pretérito imperfeito por considerá-los mais apropriados em virtude de
expressarem acontecimentos ocorridos num momento anterior, mas que não foram –
nem são – completamente terminados.
Na segunda seção, apresento como compreendi os sentidos atribuídos à noção
conhecimento em documentos curriculares recentes. Destaco como a centralidade do
conhecimento nas políticas curriculares se apresenta como tradição e exerce um papel
de intimação, não no sentido de uma ordem, mas no sentido de indicações, como sugere
a palavra em inglês intimation que, derivada de intimate, pode ser traduzida por tornar
próximo, familiar, conhecido. Assim, se por um lado a tradição dessa centralidade
permite compreender como, nas articulações que resultam no estabelecimento das
políticas, os sujeitos que nelas se constituem buscam o atendimento do que lhes é
intimado, me foi possível também compreender como essa mesma tradição adquire um
caráter fluido, não racional, não determinado, transformando o fechamento da
significação em um horizonte constantemente adiado.
Nesse movimento teórico-metodológico, e a título de considerações finais, em
uma perspectiva pós-fundacional discursiva, apresento, inserindo-me na disputa por
significação, pontos que problematizo na centralidade conferida ao conhecimento em
políticas curriculares.

Significações de conhecimento em diferentes teorias curriculares

Até os anos de 1960, predominavam, no Brasil, teorias que enfatizavam o caráter


prescritivo do currículo. Com vistas (a) à prescrição e à intervenção; (b) à seleção e à
ordenação dos conteúdos em cada uma das disciplinas escolares e acadêmicas; (c) à sua
adequação aos diferentes níveis de escolarização; e (d) à indicação de métodos
considerados os mais favoráveis à transmissão dos conhecimentos selecionados, o
conhecimento adquire um papel central. Ele é significado como “um conjunto de
concepções, ideias, teorias, fatos e conceitos submetidos às regras e aos métodos
consensuais de comunidades intelectuais específicas” (LOPES; MACEDO, 2011, p.
71).
Na década de 1970, as teorias da correspondência ou da reprodução, de viés
marxista, tensionavam a concepção curricular como aparato de controle social. Embora

ISSN 2177-336X 8320


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4

não se possa afirmar uma homogeneidade de concepções, as teorias críticas, como são
designadas correntemente, questionavam a concepção de conhecimento referendada por
“regras e métodos previamente definidos nos campos disciplinares acadêmicos”
(LOPES; MACEDO, 2011, p.77). Presentes, ainda hoje, de forma significativa, as
teorias críticas colocam em pauta outras possibilidades de significação do
conhecimento, questionando as marcas das teorias curriculares instrumentais.
Princípios da Sociologia são incorporados ao campo curricular, disputando o espaço que
têm a Filosofia e a Psicologia. E o conhecimento, até então hegemônico na sua
perspectiva acadêmica, passava a ser entendido em uma associação direta ao poder
político-econômico.
No campo teórico dessa perspectiva, dois conjuntos de autores merecem
destaque. O primeiro deles, na perspectiva da educação popular, é Paulo Freire. Para
Freire, o conhecimento não possui um significado em si, sendo contextualmente
produzido nas lutas contra a opressão. Questionando métodos e possíveis
hierarquizações do conhecimento, o educador pernambucano não nega o diálogo com a
cultura acumulada historicamente que precisa ser devolvida de forma organizada e
sistematizada, como meio de garantir a reconquista do direito à palavra daqueles que a
possuem de forma não estruturada (FREIRE, 1983).
O segundo conjunto é formado por autores da perspectiva histórico-crítica.
Demerval Saviani e José Carlos Libâneo figuram com destaque, no Brasil, nessa
concepção na qual a centralidade dos conteúdos na escola permanece e os critérios de
seleção é que precisam ser questionados. Para Saviani e Libâneo, entre outros, os
conteúdos “incluem os conhecimentos sistematizados, as habilidades e hábitos
cognitivos de pesquisa e estudo, mas também atitudes, convicções e valores” (LOPES;
MACEDO, 2011, p. 88) selecionados nos limites de uma cultura essencializada. O
conhecimento, nessa perspectiva, é capaz de propiciar aos estudantes o acesso a
esquemas conceituais que são considerados imprescindíveis para o entendimento e
modificação da sociedade. Mesmo indicando uma superação de neutralidade do
conhecimento em função da sua construção sócio-histórica, o caráter de conhecimento
objetivo; a oposição entre conhecimentos acadêmicos, historicamente construídos e
legitimados e os conhecimentos de senso comum, não legitimados, são marcas que
permanecem como intimação no estabelecimento das políticas curriculares.
No caso brasileiro, o embate entre os educadores que defendem a educação
popular, apoiados na perspectiva freiriana, e os teóricos da pedagogia histórico-crítica

ISSN 2177-336X 8321


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
5

dos conteúdos ganha espaço. Desenvolvem-se estudos que enfatizam (a) a prática nas
escolas como particularidades, evidenciando uma cultura da escola; (b) a concepção de
professor reflexivo, defendendo a ressignificação do currículo formal pelo professor, na
intenção de anular os efeitos do currículo prescrito; (c) as histórias de vida dos
professores, defendidas por Ivor Goodson (1997), que precisam considerar os contextos
em que estão inseridas essas histórias; e (d) as pesquisas nos/dos/com os cotidianos, que
defendem as redes de conhecimento, argumentando que “os conhecimentos, em sentido
amplo, são tecidos em redes constituídas na inter-relação complexa de diferentes
contextos” (LOPES; MACEDO, 2011, p.161).
As concepções de cultura da escola, de professor reflexivo, de história de
vida dos professores e, de cotidiano, questionam a concepção de conhecimento como
valorização do “discurso do passado, dos valores nacionais e dos saberes acadêmicos,
entendidos como uma cultura comum” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 239). Grosso
modo, torna-se central a crítica à ideia de universalismo do conhecimento, e o currículo
é entendido como um conjunto não só de conhecimentos científicos, mas de práticas, de
crenças e de saberes que são trazidos para a escola pelos sujeitos que nela se constituem.
Os estudos de Michael Apple, que marcavam junto com Pinar (1989), o que se
convencionou chamar reconceptualização do campo do Currículo, pela primeira vez,
dirigem críticas ao entendimento de currículo baseado em critérios de seleção e às
teorias curriculares instrumentais, que enfatizam o planejamento curricular com vistas a
orientar a seleção e a ordem dos conteúdos em cada uma das disciplinas escolares e
acadêmicas. Problematizam, também, teorias curriculares de perspectiva crítica,
hegemônica à época, que colocavam em xeque a forma de organização curricular
disciplinar do conhecimento, entendida como “uma patologia do conhecimento”
(VEIGA-NETO, 1994) e responsável pela manutenção das desigualdades sociais
(GOODSON, 1997). Essas problematizações apresentam-se na forma de teorias que,
marcadas pelo hibridismo, abrem o caminho para a concepção de currículo como espaço
de produção de sentidos.
Designadas correntemente como teorias pós-críticas – hibridizadas em processos
constantes de reinterpretação e enunciadas muitas vezes de forma dicotômica –,
colocam sob suspeita a centralidade conferida ao conhecimento na proposição de
políticas curriculares. Nesse sentido, questionando a possibilidade de um repertório
partilhado integralmente a partir de um processo de reprodução, entendem o currículo
como espaço de produção de significado e o conhecimento, como construção sócio-

ISSN 2177-336X 8322


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
6

histórica que faz parte dessa produção. Tensionam dessa forma, o entendimento de
currículo como conteúdo e o de cultura como repertório de conhecimentos e valores a
partir do qual alguns itens são selecionados.
Vários autores de diferentes linhas de pesquisa vêm nos ajudando a entender
porque as questões culturais ocupam, cada vez mais frequentemente, o centro dos
debates curriculares. No Brasil, essa centralidade vem sendo defendida por Macedo
(2004, 2006), por Lopes (2005, 2009) e, por Veiga-Neto (2002, 2007), dentre outros
pesquisadores que entendem cultura como um processo contínuo de criação e não mais
como um produto que se possa essencializar. Nesse processo de criação, torna-se
necessário considerar (a) as relações de poder em uma perspectiva não verticalizada,
mas que, em diferentes arenas políticas, sujeitos se constituem na luta por tornar
hegemônica determinada concepção – a de conhecimento inclusive – dependente de
fechamentos contingentes e provisórios; (b) as identidades como não fixas, ou seja,
como processos de identificação, na medida em que qualquer fechamento das
identidades significa tentativas de apagamento das diferenças em troca da constituição
de um atributo universal: e (c) “o caráter construído e interpretativo” do conhecimento
(SILVA, 2000).
As teorias pós-críticas apontam a necessidade de questionar a ideia de
epistemologia de um campo disciplinar específico, argumentando que a definição de
conhecimento legítimo é parte de uma luta dentro e fora da escola e não uma parte
legitimada da cultura que é transportada para a escola.

A centralidade do conhecimento nas políticas curriculares

Considero importante destacar que, mesmo quando as pesquisas curriculares


passaram a conferir centralidade à cultura, ainda há uma tendência a considerá-la como
letrada, privilégio do escrito, civilizada e “a escola [como] o espaço reservado à
transmissão da cultura erudita, cujos produtores e detentores fazem parte da elite
política, econômica e cultural e têm acesso ao saber através da escrita, dos estudos, dos
livros” (COLÉGIO PEDRO II, 2002, p.67). Reforça-se, desse modo, a centralidade do
conhecimento, e a cultura é significada em termos de classificações de categorias,
identitariamente definidas por relações de poder (LOPES, 2005, p.57).
Nos anos finais do século XX uma avalanche de documentos curriculares é
editada e nela se evidenciam as ideias de currículo nacional e de políticas centralizadas

ISSN 2177-336X 8323


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
7

dirigidas à avaliação e distribuição de livros didáticos. O eixo organizativo do currículo,


em torno do qual se busca diluir a centralidade do conhecimento se expressa na
proposição de uma organização curricular tendo como base as competências. De um
modo geral, essa organização se inseria em um panorama de crise do cientificismo,
questionando os elementos legitimadores do conhecimento. O conhecimento válido
passou a ser aquele que gera uma ação, e sua importância residiria na sua possibilidade
performática. A organização curricular em torno das competências – cuja análise não
cabe nos limites deste texto – não se constituiu, entretanto, em um significante vazio,
para usar os termos da Teoria do Discurso (LACLAU, 1993,2002, 2006), capaz de
aglutinar as diferenças em torno da luta pela significação de conhecimento.
A primeira dificuldade que se apresentou no sentido de sua hegemonização diz
respeito à necessidade de relacionar em torno de competências o que se entende por
conhecimento performático. Sua significação esbarra na tensão entre a tradição, que
tende a aceitar aqueles considerados válidos cientificamente, e entre aqueles
considerados desejados pela sociedade, que naquele momento elencava como válidos os
conhecimentos capazes de atender às exigências do mercado.
Em trabalho recente, Oliveira (2006), analisando a ressignificação dessa
proposição em uma escola do sistema federal de ensino no Rio de Janeiro, chama
atenção, na análise do Projeto Político Pedagógico (INEP, 2002), a permanência dos
conteúdos disciplinares como eixo organizativo do currículo. As competências são
apostas ao texto curricular na forma de anexos à listagem de conteúdos. De igual modo,
teóricos do currículo dirigem críticas à concepção de conhecimento presente nos
documentos curriculares dos anos finais de 1990, apontando “a naturalização dos
conteúdos tradicionais, a pretensão de um consenso em relação a eles, visando a uma
cultura comum e, em contrapartida, o silêncio sobre os conflitos entre saberes na
sociedade” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 242). Identificam, enfim, nessas proposições,
a prescrição de um modelo que as aproxima do que comumente se designa por reformas
neoliberais, atacando-as duramente.
Recentemente, desenhos curriculares, na perspectiva de currículo como arena de
lutas, hibridizam-se às teorias críticas. Da mesma forma, novos documentos curriculares
editados pelo Ministério de Educação e, tendo pesquisadores do campo curricular como
autores, buscam reconfigurar a centralidade do conhecimento (MEC-SEB, 2008), com o
argumento de que são “os conhecimentos escolares básicos que permitem a formação

ISSN 2177-336X 8324


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
8

dos sujeitos como cidadãos ativos” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 191) e que supor o
contrário do que essa concepção sugere é uma atitude minimamente ingênua.
O processo de revisão por que passam as concepções de conhecimento na
significação do currículo expressos em Diretrizes e outros documentos curriculares,
ainda hoje em vigor, retomam a concepção da importância do conhecimento, da
organização disciplinar e da centralidade na sequência lógica dos conteúdos. Criticando
o que designam por medo dos conteúdos, buscam “prescrever” um projeto de fixação de
identidade do aluno por meio do conhecimento.
Mais recentemente, a tradição da centralidade do conhecimento vem orientando,
por exemplo, a proposição de Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que remete ao
registro do conhecimento/saber como um objeto que pode ser transmitido ou distribuído
igualmente a todos. Na proposição desse documento curricular, planejada sua conclusão
para junho de 2016, há a pretensão de uniformização curricular e de valorização da
testagem em larga escala como estratégia de controle. Enfatiza-se, assim, a concepção
de que, uma vez feita a seleção dos conhecimentos a serem ensinados, é possível
verificar, via avaliações centralizadas, o que efetivamente foi ensinado e aprendido,
pressupondo que a seleção, por si só, seja capaz de dar conta do planejamento curricular
e orientar os descritores da avaliação. O conhecimento é significado, ratifico, como um
objeto, um dado, uma informação, selecionado em uma cultura reificada. A tradição
curricular da centralidade do conhecimento surge como intimação capaz de garantir o
direito ao aprendizado e se apresenta como uma relação lógica clara, objetivada,
pressupondo um caráter racional e determinante na proposição de políticas curriculares.

Problematizando a tradição da centralidade do conhecimento nas políticas

A título de considerações finais, problematizo a tradição da centralidade do


conhecimento na proposição de políticas curriculares, defendendo a significação de
currículo como produção de sentidos. Nessa produção não há um repertório a ser
partilhado integralmente, mas um processo contínuo de recriação; não há uma
essencialização da cultura a ser reproduzida, mas um processo de (re)significação por
hibridismo de marcas culturais; não há privilegiamento da noção de causa e efeito, mas
relações políticas fluidas; não há identidades fixas, mas processos de identificação
dependentes de fechamentos discursivos. Defendo a significação de conhecimento não
como um dado, uma informação, mas como um jogo incessante de criação. O currículo

ISSN 2177-336X 8325


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
9

na escola, como produção entre sujeitos em dadas relações de poder contextuais, leva à
produção de saberes/conhecimentos. Sujeitos diferentes, em contextos diferentes,
(re)interpretam, (re)significam os conhecimentos/saberes de formas diferentes, em
função de existências diferentes e, em múltiplos conflitos, disputam “a própria fixação
discursiva do que vem a ser conhecimento” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 244).
Essas considerações, que reúnem, em uma espécie de linhas gerais, as defesas
que sustento, levam-me, em primeiro lugar, a problematizar o caráter racional e
determinante da tradição da centralidade do conhecimento na proposição de políticas.
Nessa proposição, diferentes articulações entre demandas de comunidades disciplinares,
das equipes técnicas de governo, do empresariado, partidos políticos, associações,
instituições e movimentos sociais os mais diversos, impossibilitam que a tradição, por si
só, adquira um caráter racional e determinante, tornando-a dependente dessas disputas
que, em processos articulatórios (LACLAU, 2006), buscam orientar as políticas
curriculares no sentido da consecução de certas finalidades educacionais. Na luta
política por significação do conhecimento a ser selecionado, não são as bases
epistemológicas desse conhecimento que serão defendidas por sujeitos constituídos
antes da luta política, a partir dos conhecimentos que dominam ou da trajetória
profissional que defendem. Ao se constituírem como sujeitos na luta política, defendem
demandas alicerçadas na manutenção de determinadas tradições, mas essas vão se
articular a outras tradições – sociais, científicas, pedagógicas, psicológicas – que serão
hibridizadas e expressas em novas reconfigurações.
Em segundo lugar, ao entender essa tradição em seu caráter fluido, não racional,
não determinado, aceito a impossibilidade do fechamento da significação de
conhecimento e transformo sua significação em um horizonte constantemente adiado.
Entretanto, isso não significa diminuir a importância do conhecimento a ser
aprendido/ensinado nas escolas. Significa desconstruir a ideia de que qualquer seleção
pressupõe a existência de um conjunto de conteúdos do qual extraímos os legítimos.
Significa desconstruir a ideia de que o conhecimento está nos livros, nos planos de
ensino, na nossa formação acadêmica, nos programas dos vestibulares. O conhecimento
depende de uma reconfiguração a posteriori, considerando concepções de mundo, de
currículo, de política, de educação, enfim. O fechamento da sua significação, sempre
adiado, impede que se possa extrair algo para sempre fixado.
Essa concepção não diminui a importância do conhecimento a ser ensinado. O
que ela busca diminuir é a centralidade conferida à lógica do ensino de conteúdos que

ISSN 2177-336X 8326


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10

desconsidera as lutas que se travam entre diferentes significados que a eles conferimos,
não apenas nas escolas, mas em diferentes contextos sociais. O que ela busca diminuir é
a ideia de que a seleção de conteúdos por si só possa dar conta do planejamento
curricular, desconsiderando que essa seleção é arbitrária e produzida em meio a relações
de poder que dela excluem tantos outros conhecimentos possíveis de serem ditos. O
que ela busca diminuir é a possibilidade de que, a partir dessa seleção de conhecimentos
disciplinares, se possa defender a ideia de um currículo nacional, desconsiderando a
pluralidade de saberes decorrente da pluralidade de desejos e intenções de uma
pluralidade também de atores sociais, na escola e fora dela. O que ela procura diminuir
é a ideia de saberes disciplinares desconectados de outras demandas sociais, em
permanente modificação. O que ela busca diminuir é a certeza de que essa seleção, por
si, só seja capaz de garantir o alcance de finalidades educacionais, como o direito de
aprender, no caso da BNCC, mas cumpre apenas o papel de transformar esse direito
legítimo em dever de aprender um determinado conhecimento.
A promessa de que o conhecimento selecionado possa vir a dar conta do alcance
dessas finalidades é uma promessa sem nenhuma garantia de ser cumprida porque não
está em nenhum lugar do presente, também não se encontra no futuro e nem depende de
um sujeito epistemologicamente capaz de ensinar e aprender esses conteúdos. Não
diminui, portanto, a importância do conhecimento, apenas se propõe a pensá-lo em
outras bases e a pôr em marcha essa disputa.

Referências Bibliográficas
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
GOODSON, Ivor F. A construção Social do Currículo. Lisboa: Educa, 1997.
LACLAU, Ernesto. Inclusão, exclusão e a construção de identidades. In: AMARAL JR.
Alberto; BURITY, Joanildo Albuquerque. Inclusão social, identidade e diferença:
perspectivas pós-estruturalistas de análise social. São Paulo: Annablume, 2006.
______. Misticismo, Retorica y Politica. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2002.
______. Poder y representación. In: ______. Politics, theory and contemporary culture.
Nova York: Columbia University Press. 1993.
LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Teorias de currículo. São Paulo: Cortez,
2011.

ISSN 2177-336X 8327


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
11

LOPES, Alice Casimiro. Política de currículo: Recontextualização e Hibridismo.


Currículo sem Fronteiras, v.5, n.2, p.50-64, Jul/Dez 2005. Disponível em:
<www.curriculosemfronteiras.org>. Acesso em: 15 mar. 2010.
______. Nota introdutória – cultura e política: implicações para o currículo. Currículo
sem Fronteiras, v.9, n.2, p.5-10, Jul/Dez 2009.
MACEDO, Elizabeth. Ciência, tecnologia e desenvolvimento: uma visão cultural do
currículo de Ciências. In: LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. (org)
Currículo de Ciências em debate. Campinas: Papirus, 2004.
______. Currículo: Política, Cultura e Poder. Currículo sem Fronteiras, v.6, n.2, p.98-
113, Jul/Dez 2006.
OLIVEIRA, Ana. A disciplina escolar História no Colégio Pedro II: reinterpretações
curriculares dos anos de 1980 aos primeiros anos do século XXI. 2006. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação/PROPEd-UERJ. Rio de Janeiro,
2006. Disponível em <www.proped.pro.br>.
PINAR, William. La reconceptualizacion en los estúdios del curriculum. In: GIMENO
SACRISTAN, José; PÉREZ GOMEZ, Ángel. La enseñanza: su teoria y su práctica.
Madrid: Akal, 1989. p. 231-240.
SILVA, Tomaz Tadeu. Pedagogia dos monstros. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
VEIGA-NETO, Alfredo. As duas faces da moeda: heterotopias e emplazamientos
curriculares. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 45, p. 249-264, jun.2007.
______. Das geometrias, currículo e diferenças. Educação & Sociedade, ano XXIII,
n.79, p. 163-186, ago.2002.
______. Disciplinaridade versus interdisciplinaridade: uma tensão produtiva. Anais do
VII ENDIPE. Goiânia: UFGO, 1994. p. 145-157.

ISSN 2177-336X 8328


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
12

BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC): REGULARIDADE NA


DISPERSÃO

Érika Virgílio Rodrigues da Cunha


Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
Campus de Rondonópolis
Grupo de Pesquisa Políticas de Currículo e Cultura (PROPEd/UERJ)

Resumo

A partir de um enfoque pós-estrutural das políticas de currículo, discuto a produção de


uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no Brasil como uma simplificação
mistificadora da educação orientada pela noção de sociedade como totalidade na relação
transparente com a linguagem, que tem desqualificado a escola pública ao investir numa
relação com o conhecimento caracterizada como faltosa. Objetivo evidenciar a BNCC
como objeto falido de equidade social empenhado em controlar a educação pela
exclusão da diferença. A articulação discursiva pró BNCC é explicitada como uma
reconfiguração das políticas educativas atuais via associação de agentes públicos e
privados visando hegemonizar um projeto unificado de currículo através da vinculação
entre conhecimento-avaliação-equidade, reduzindo os sentidos de educação ao que se
supõe que uma BNCC pode definir. Focando documentos curriculares produzidos mais
recentemente no Brasil em nível federal e ações institucionais pró-base, assumo a noção
derridiana de nome como um operador teórico-estratégico para pensar a BNCC como o
que não comporta qualquer essência. Inicialmente, sublinho em tais textos curriculares o
privilégio do significante conhecimento edificando a compreensão de falta de precisão
nos textos curriculares anteriores à BNCC como impeditiva de uma de „boa‟ qualidade
da educação. Em seguida, discuto o nome BNCC como promessa falida de assegurar
conhecimento comum a todos, enfatizando que a unidade requerida a um objeto (base)
nunca é mais que o efeito retroativo de se nomear a si mesmo, a construção discursiva
do objeto em si, que não passa pela positividade de uma descrição. Na última seção
valho-me das noções derridiana de texto, contexto e disseminação para assinalar a
BNCC como uma regularidade na dispersão, que é interditória de um “frente a frente”
com um querer-dizer puro e simples de algo, remessa à instabilidade e a todo tipo de
rearticulação hegemônica, inconsistência radical em responder ao imponderável.

Palavras-chave: Política de currículo. BNCC. Disseminação.

Introdução

A defesa de uma base comum para o currículo foi reativada pelo Ministério da
Educação (MEC), em 2009, com o Programa Currículo em Movimento (BRASIL,
2009). Projetou-se como uma interpretação mais restritiva de currículo e de educação
com o envio do documento Subsídios para Diretrizes Curriculares Nacionais

ISSN 2177-336X 8329


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
13

Específicas da Educação Básica (BRASIL, 2009) pelo MEC ao Conselho Nacional de


Educação (CNE) no mesmo ano e com a homologação, pelo CNE, da Resolução Nº 4,
de 13 de julho de 2010 (BRASIL, 2010), que instituiu as Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais para a Educação Básica. Nestas determinações ou no que tem
circulado com a atual construção da Base Nacional Curricular Comum (BNCC)
(BRASIL, 2015)i, em diferentes ações institucionais (ou não) realizadas para tal,
Macedo (2014, p. 1545) ressalta a percepção de quatro sentidos mais frequentes:
“conteúdos [poderosos, socialmente elaborados]; direitos de aprendizagem [direitos e
objetivos de aprendizagem e desenvolvimento]; expectativa de aprendizagem; e padrões
de avaliação”.
Sob o nome BNCC tais sentidos vêm projetando a vinculação entre educação-
conhecimento-equidade, numa concepção que é assumida por uns como democracia
(democratização), por outros como direito, por outros, ainda, como distribuição de bens.
Diferentemente destas postulações, considero que o nome BNCC vem edificando a
política de currículo num arrefecimento de discussões assinaladas pela pluralidade
atinente à educação. Sobretudo ao sustentar um projeto unificador baseado na relação
centralização curricular-avaliação-responsabilização dos professores, demandas
curriculares distintas vêm sendo condensadas sob o nome BNCC, seguindo a tendências
internacionais duramente criticadas por professores e pesquisadores de países que
enfrentaram políticas curriculares análogas.
Com base nas discussões de Ernesto Laclau (2006), julgo estar em curso neste
processo uma simplificação mistificadora fundada no entendimento de que as
orientações curriculares anteriores, como os Parâmetros Curriculares Nacionais
(BRASIL, 1998), as Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL,1998a) e a Resolução
Nº 2/Câmera de Educação Básica/CNE, de 7 de abril de 1998 (BRASIL, 1998b) não
foram claras a ponto de definirem aos sistemas de ensino o quê ensinar? e como
ensinar?, atualizando, nesta via, o tecnicismo tyleriano na disputa entre teorias
educativas defendidas como capazes de responderem a estas questões. Uma das crenças
sustentadas por esta lógica é a de que maior detalhamento das definições curriculares
pode garantir que uma educação de “boa” qualidade se realize. Maior detalhamento
curricular, a meu ver, afirma o currículo como guia, constrangendo o ato educativo ao
trabalho de conformação das relações e dos sujeitos dos diferentes espaços-tempos
educativos ao que está previamente determinado pelas epistemologias e pela experiência
avalizada como „mais adequada‟. Vale-nos, aqui, a ponderação de Macedo (2012) de

ISSN 2177-336X 8330


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
14

que a amplificação (descritivamente falando) do entendimento das “diretrizes


curriculares nacionais” nos documentos mais recentes assinados pelo CNE afiança uma
maior intervenção federal nos sistemas educativos, o que tende a ser feito via
apagamento das diferenças constitutivas dos contextos por algo que venha a ser tratado,
em uma concepção limitada de currículo, como comum.
Na produção deste cenário avaliar que “o nível de especificação dessa „base
comum‟, explicitado nas DCNs [1998], é muito baixo quando comparado com outros
países (mesmo com aqueles que atribuem grande autonomia às suas escolas, como
Finlândia e Nova Zelândia)”ii, torna necessário “[...] normatizar questões de natureza
curricular [...] que permanecem ambíguas, exigindo ordenamento claro dos órgãos
competentes” (BRASIL, 2014, p. 15) (grifos meus). Afiança-se que „boa‟ qualidade da
educação resultará de se “[...] estabelecer e implantar, mediante pactuação
interfederativa, diretrizes pedagógicas para a educação básica” (BRASIL, 2014),
traduzidas, por sua vez, como a descrição de uma “base nacional comum dos currículos,
com direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos(as) alunos(as) para
cada ano do ensino fundamental e médio, respeitada a diversidade regional, estadual e
local.” (BRASIL, 2014).
Não obstante, o texto apresentado pela SEB/MEC como BNCC em setembro de
2015 (revisto em outubro de 2015e, desde então, aberto à consulta pública) vem sendo
esteado como “[...] a base para a renovação e o aprimoramento da educação básica
como um todo” (BRASIL, 2015, p. 02). Essa relação mistificadora com a educação
também tem possibilitado, a meu ver, a reconfiguração de um novo tipo de rede política
de atuação que, na análise de Macedo (2014), tem incidido na produção de novas
formas de sociabilidade nas políticas públicas criando novas formas de
governamentabilidade, a partir da articulação entre diferentes agentes civis, públicos e
privados. Para a autora, o caráter público da educação, e sua ineficiência, funciona
como algo contra o qual demandas se articulam em uma rede em torno de reformas
marcadas pela lógica do mercado (MACEDO, 2014). De tal modo, se caracterizar o
público como „o de qualidade ruim‟ na base de entendê-lo como incapaz de produzir
orientação precisa às escolas sequer representa tocar em problemas que afligem a escola
brasileira, essa investida, contudo, implica um tipo de relação com os objetos (a
educação pública, gratuita, em sua complexidade inominável) na qual “A hegemonia da
nova forma de sociabilidade é garantida pela expulsão das antigas formas de gestão da
educação como bem público” (Idem). Neste processo, como explica Lopes (2015),

ISSN 2177-336X 8331


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
15

investimentos financeiros pesados, subsidiados por acordos internacionais, demarcam


compromissos mais amplos de uma agenda educativa ditada por interesses que
descaracterizam a educação pública. Trata-se, segundo Macedo (2014), de imprimir na
educação a regulação baseada na avaliação, seguindo a modelos privados, na direção de
expulsar aquilo que não pode ser racionalizado: “o imponderável”.
As incursões na política de currículo trazidas até aqui resultam de parte de minha
atual investigaçãoiii, vinculada ao grupo de pesquisa Políticas de Currículo e Culturaiv e
desenvolvida com base na leitura pós-estrutural de currículo. A partir destas incursões,
trago à discussão neste texto dois aspectos mais pontuais da pesquisa: inicialmente,
apresento a ideia de que a BNCC se interpõe como um nome sob o qual o privilégio do
significante conhecimento visa excluir da política de currículo o adverso, o imprevisto,
a diferença. Focando documentos curriculares produzidos mais recentemente no Brasil
em nível federal e ações institucionais pró-base, assumo a noção derridiana de nome
como um operador teórico-estratégico para pensar a BNCC como o que não comporta
qualquer essência e como promessa falida de assegurar conhecimento comum a todos.
Em seguida, valho-me das noções derridiana de texto, contexto e disseminação para
assinalar a BNCC como uma regularidade na dispersão, que é interditória de um “frente
a frente” com um querer-dizer puro e simples de algo, remessa à instabilidade e a todo
tipo de rearticulação hegemônica, inconsistência radical em responder ao imponderável.
Assumo, para tanto, a política como produção discursiva da realidade que não se resume
ao investigado, tampouco se abrevia ao texto da BNCC ou aos documentos curriculares
vigentes.

Sob o nome BNCC

Entidades como a União de Dirigentes Municipais da Educação (UNDIME), o


Fórum Nacional dos Diretores/as de Faculdades (FORUMDIR), a União Nacional dos
Conselhos Municipais de Educação/UNCME, a Associação Nacional pela Formação
dos Profissionais da Educação/ANFOPE, a Confederação Nacional dos Trabalhadores
da Educação/CNTE, dentre outras, juntamente com organizações não governamentais
de grupos civis, como o Movimento pela Base Nacional Comumv, ou sustentadas por
grandes conglomerados financeiros, como a Fundação Lemannvi, o grupo Roberto
Marinho e o Itaú (para citar alguns), constituem um apoio à produção de uma BNCC ou
um contexto interpretativo (DERRIDA, 1991) pelo qual se pode ler a base como o que

ISSN 2177-336X 8332


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
16

falta à educação de “boa” qualidade. Pode-se dizer que a força da articulação política
(que condensa distintos projetos societários, diferentes demandas educativas não
atendidas) em torno da BNCC se assenta na crença da educação como totalidade ou na
leitura estrutural da sociedade como totalidade fechada, na qual a educação desempenha
a tarefa de salvação.
A noção de totalidade, para Laclau (2000, p. 104), “opera como princípio
subjacente de inteligibilidade da ordem social”, sendo seu status o de uma essência de
tal ordem que é preciso reconhecer por traz de variações empíricas suscitadas na vida
social, pois se trata de uma totalidade fundante, “que se apresenta a si mesma como um
objeto inteligível de „conhecimento‟, concebido, este último, como processo de
re/conhecimento” (Idem) (grifos do autor). De modo tal, no campo educativo, para esta
chave de leitura estrutural (ou da totalidade do social) haveria uma positividade própria
nos objetos e estes seriam passíveis de definição e descrição. Construir uma BNCC
incidiria em explicitar os objetos educativos (direitos de
aprendizagem/objetivos/expectativas/habilidades/conhecimentos, conteúdos), julgando-
se, com isso, poder reparar os problemas educacionais, àquilo que é vivido como uma
falta a fissurar o social, a impedir que outra educação e outra sociedade se realizem. O
nome BNCC perfaz, não obstante, um suplemento do que falta à educação atual e do
que (supõe-se) será garantido pela definição de expectativas de aprendizagem, que
Indicam que o/s estudante tem o direito de aprender determinados
conhecimentos em cada etapa. Isso não impede que os/as
professores/as antecipem, ou aprofundem posteriormente, as
aprendizagens previstas para determinada fase; apenas se está
sinalizando claramente a necessidade que estes conhecimentos sejam
efetivamente trabalhados até o final do ciclo indicado. (BRASIL,
2015, p. 98)

Inserindo a discussão do direito à aprendizagem, o nome BNCC precipita a ideia


de que assegurar macro direitos “apresentados como balizadores para as propostas
curriculares a serem produzidas pelas escolas” (BRASIL, 2014, p. 09), compreende
eleger “os conhecimentos que contribuem para a realização do direito de aprender e
desenvolver-se nas etapas da Educação Básica” (Idem). Nestes termos, mesmo que a
articulação política em torno da BNCC permita considerar outras bandeiras de luta pela
„boa‟ qualidade da educação, o privilégio do significante conhecimento logra tornar-se
“en la expresión de algo más amplio que sí mismo: es decir, que pase a ser el punto de
convergencia de una multiplicidad de otras demandas sociales” (LACLAU, 2011a, p.
05). Identificado como objeto faltoso no social, impedimento à educação de “boa”

ISSN 2177-336X 8333


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
17

qualidade, o significante conhecimento opera um corte na significação, configurando


um momento no qual uma formação discursiva – sob o nome BNCC – impõe-se como o
sentido que regra uma totalidade. Todos os problemas relativos à educação são
percebidos como problema de falta de conhecimento, num gesto que torna equivalente
demandas diferenciais vinculadas a lutas específicas (LACLAU, 2011b). Há, assim,
subversão de diferentes bandeiras de luta (demandas educacionais distintas) sob a ideia
de uma base comum. Este é o momento no qual subjetividades são produzidas sob a
promessa “de oferecer uma base nacional comum, que contribua para a Formação de
uma identidade nacional, suficientemente inclusiva e democrática, de modo a garantir o
respeito aos direitos humanos para todos os grupos, bem como a abrigar as distintas
identidades culturais (Giroux, 1996). ” (BRASIL, 2009, p. 14). Em nome de uma
equidade que seria possibilitada via garantia do conhecimento, exclui-se qualquer
diferença possível em nome de uma identidade nacional, pois, ante à BNCC,
[...] todos os alunos do país aprenderão o que é essencial. Para os
professores, ela servirá como um norte, um guia para suas aulas. Ela
irá, ainda, reorganizar todo o sistema educacional. Materiais didáticos,
formação de professores, avaliações terão a Base como referência.
Adotar uma base curricular comum é fundamental para reduzir as
desigualdades educacionais de uma nação. Ao definir o que é
essencial ao ensino de todos os alunos em cada uma das etapas da vida
escolar, as expectativas de aprendizado e critérios de qualidade
ganham transparência e podem ser aplicadas e cobradas com maior
eficiência.vii

Assim, a articulação pela BNCC produz-se no entendimento comum de que “A


escola, face às atuais exigências da Educação Básica, precisa ser reinventada para
reconhecer os educandos como produtores de conhecimento, priorizando processos
capazes de gerar sujeitos criativos, autônomos, participativos, cooperativos. ” (BRASIL,
2014, p. 14) (Grifos meus). O nome BNCC interpõe-se como a busca do conforto que a
promessa de uma educação plena (a produção de uma identidade nacional idealizada,
consequente à garantia dos conhecimentos) diz poder realizar.
Ao conceber a BNCC como um nome, busco demarcar, todavia, a compreensão
derridiana de que um nome não comporta qualquer essência, mas unifica um sistema de
predicados ou uma estrutura conceitual centrada em tal ou qual predicado (DERRIDA,
2001). Nestes termos, entendo a nomeação BNCC (na predileção ao significante
conhecimento) como que entregue à instabilidade e a todo tipo de rearticulação
hegemônica, o que, de saída, configura a base como algo que jamais será consolidado
como um querer-dizer puro e simples. Se esta articulação discursiva gravita em torno da

ISSN 2177-336X 8334


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
18

ideia de se assegurar o conhecimento comum a todos, a unidade requerida ao objeto


(base), por sua vez, nunca é mais que o efeito retroativo de se nomear a si mesmo, “a
construção discursiva do objeto em si” (LACLAU, 1985), que não tem que passar pela
positividade de uma descrição. Não havendo fixação definitiva entre significante e
significado, a ideia de base é falível conceitualmente como tentativa de estabilização de
alguma determinação (BEARDSWORTH, 2008) na educação. Conhecimento é, assim,
conhecimentos essenciais, conhecimentos relevantes, conteúdos, direitos de
aprendizagem e desenvolvimento, objetivos de aprendizagem, experiências etc. Assim
pontuo que nossa relação com o mundo é uma relação de representação na qual a
nomeação, operando retroativamente, cria uma ilusão de unidade, pois apaga, ela
mesma, seu próprio trabalho (CUNHA, 2015). Se essa unidade requerida jamais se
realiza em tudo o que se possa nomear, não se realiza a identidade.

BNCC: a regularidade na dispersão

Concordo com Lopes (2015) ao considerar que a unificação de um projeto


curricular comum pressupõe fundamentos inviabilizadores de projetos voltados a
ampliar sentidos democráticos para a educação. Além disso, tratar os estudantes como
merecedores ou necessitados de conteúdos e/ou conhecimentos iguais implica uma
homogeneização que, pondera a autora (Idem), ignora o diferir que nos constitui como
leitores de textos abertos em contextos nunca repetíveis, em que a possibilidade de ser
jamais se apresenta dada. Se pensamos a educação nesta perspectiva, temos a considerar
que é ela não é o resultado de uma previsão calculada, de uma essência transferida.
Nestes termos, embora venha sendo afirmado que a BNCC não é um instrumento de
prescrição ou hegemonização (BRASIL, 2014), a elaboração de um texto suposto como
livre de ambiguidades denuncia a presunçosa fé no controle de sua leitura, bem como a
certeza de imposição de suas prerrogativas, tal qual encontrar-se-iam definidas para as
salas de aulas das escolas brasileiras. Para essa lógica as práticas pedagógicas nas
escolas são controláveis (a realidade é controlável, o especialista em currículo sabe) a
partir de uma definição de uma BNCC. A BNCC é a afirmação da objetividade do
conhecimento, como o que se processa fora dos sujeitos, pode ser distribuído pelo MEC
e pela escola, igualmente, a todas as crianças e jovens, ser mensurado e avaliado,
tomado como indicador da „boa‟ qualidade da educação.

ISSN 2177-336X 8335


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
19

Como tentativa de conter a tradução (o fracasso!) inerente a todo texto


(DERRIDA, 2006), única forma de lidar com o texto, o nome BNCC faz supor haver
“um selo oficial de verdade” (LOPES, 2015, p. 12) para “um conjunto de conteúdos que
adquire o poder de conhecimento essencial a ser ensinado e aprendido” (Idem), ao fazer
o que está se chamando de direitos de aprendizagem e desenvolvimento, objetivos de
aprendizagem, conhecimentos, figurar (DERRIDA, 1991) como o resultado de um
consciencioso trabalho de especialistas de instituições brasileiras e internacionais, de
um conjunto de pesquisas, de consulta pública, de prazos, critérios e de uma
metodologia de sua escrita. O equívoco e a dubiedade já estão, no entanto, desde sempre
imersos nesse texto. Ele fracassa(rá) (parcialmente) pela simples condição de que, para
ser instituído, ter que ser lido (LOPES, 2015). Textos escritos ou não
(discursos/práticas) “não são fechados nem têm sentidos fixos e claros” (LOPES, 2006,
p. 112), subvertem-se em meio à sucessão e simultaneidade dos acontecimentos a
compor a textualidade geral (DERRIDA, 2008). Poderíamos nos perguntar, destarte, se
„a plena instituição da BNCC‟ não depende, simplesmente, de contar com o esforço dos
envolvidos, pois se pensa que ela “assume um forte sentido estratégico nas ações de
todos os educadores, bem como gestores da educação, do Brasil. ” (BRASIL, 2015, p.
02). Se considero, contudo, que o fracasso é sempre parcial não é por julgar faltar
vontade a quem deve interessar, mas, simplesmente, porque o fracasso total incidiria em
o texto deixar de ser texto, deixar de produzir sentidos (LOPES, 2015), jamais ser lido.
De tal forma, conectar „boa‟ qualidade da educação à BNCC como promessa de que os
educandos serão sujeitos criativos, autônomos, participativos, cooperativos é não
somente ilusório como é perverso (Idem), por se privilegiar interesses não vinculados
diretamente aos estudantes.
O fracasso do texto é sua condição mesma de seguir no movimento linguageiro,
seguir na textualidade geral e não limitada ao impresso numa página de papel
(DERRIDA, 2011). Ante ao texto (escrito ou não) há um texto em geral jamais
comandável por um referente no sentido clássico (DERRIDA, 2001). É o imponderável
(MACEDO, 2014), o insondável, o incontrolável, o texto como excesso (escritura geral,
como insiste Derrida, 2008) compondo a tudo como disseminação que explode todo
horizonte semântico como horizonte implícito de requisição da unidade do sentido, de
uma dialética teleológica e totalizante (DERRIDA, 2001). Nunca há, portanto, um
„frente a frente‟ com uma base curricular comum, com o sentido, o referente, a essência,
a unidade. A enunciação de um significante dispara a “multiplicidade irredutível e

ISSN 2177-336X 8336


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
20

gerativa” da différance, do diferir, (DERRIDA, 1991), por lançá-lo à textualidade geral,


condensando sob o nome BNCC aquilo o que não pode contar com um significado
repousando em algum lugar à espera de ser chamado.
A dispersão do que quer ser a BNCC se mostra, assim, pelo trabalho da
iterabilidade (DERRIDA, 1991), a possibilidade de repetição em uma pluralidade de
instâncias, como algo que pertence à estrutura mesma do signo que, “para continuar
sendo signo, deve converter-se em algo constantemente diferente de si mesmo”
(LACLAU, 1985, p. 26). A não determinação do significado põe em curso a iteração
como liberação do significante e abertura a outros contextos interpretativos (DERRIDA,
1991), embora esta aparente regularidade do significante não se institua como o
movimento do mesmo. De tal modo, seja a leitura da BNCC pelos professores seja um
dado conhecimento sendo aprendido pelos alunos numa classe, a iterabilidade do
significante o conecta à alteridade, ao Outro, à diferença (DERRIDA, 1991). De tal
modo, o momento de lidar com um texto tal produz um contexto interpretativo, uma
ilusão de sentido resultante de um conjunto de presenças encadeadas precária,
provisória e contingencialmente, como o momento de uma inscrição (DERRIDA,
1991). Nestes termos, o que quer ser (enclausurar) uma BNCC, na inscrição contextual
não se furtará a seguir na “deriva essencial referente à escrita como estrutura iterativa,
isenta de qualquer responsabilidade absoluta, da consciência como autoridade em
última instância, órfã e separada a partir do seu nascimento da assistência do seu pai
(...)” (DERRIDA, 1991, p. 357), restando apenas, a situação permanente de ter que
produzir a negociação, os sentidos no espaço-tempo específico em que a educação se
processa como invenção.
Não é, no entanto, porque advogo tais questões que o nome BNCC deixa de ser
violento (DERRIDA, 2001). Ainda que a educação jamais se produza teleologicamente
por um fundamento pré-estabelecido e o ensejo por instituir uma base comum nacional
nunca se realize (LOPES, 2015), as investidas de controle tendem a bloquear
percepções distintas de uma identidade idealizada (normalizada e fixa), inibindo as
possibilidades de ser abertas por aquilo (o não sabido) que os contextos hão de
(invariavelmente) gerar. Nesta via reitero que o que de mais consistente tem a BNCC é
a imposição do controle ante à impossibilidade mesma em responder ao imponderável.
Em tempos de intensa reivindicação por controle e desqualificação da educação,
quero continuar apostando que vale a pena lutar contra uma compreensão não
teleológica de currículo que retira da educação sua condição inventiva e plural e este

ISSN 2177-336X 8337


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
21

texto se produz nesta direção, na direção de uma educação sem fundamento, sem um
universal. Isso, a meu ver, significa lutar contra a concepção teleológica, rasa e neutra
de política curricular implicada no projeto societário comum sustentado por grupos
privados e agentes públicos ao clamarem pela garantia de conhecimentos essências a
todos através de uma base comum. Conectar educação e BNCC como garantia de
equidade é uma simplificação mistificadora desejosa de excluir da educação o que não
se pode controlar ou enclausurar, não se pode sequer saber. Desejosa de apagar a radical
diferença constitutiva da educação, que jamais cessa de comparecer nos contextos
educativos. É, sobretudo, uma tentativa de calar a multiplicidade de demandas em curso
a favor da escola como bem público objetivando legitimar uma intervenção não estatal.
Diferença, contexto e disseminação constituem radicalmente a possibilidade
mesma do viver e, quer gostemos ou não, a tarefa (impossível, diria Freud) de educar. A
BNCC, como projeto de equidade (de garantia de direitos à), é uma empreitada falida,
pois se há tentativa de controle e violência, há o texto em excesso que nenhuma base
pode fazer sucumbir plenamente, há différance desde sempre (e infinitamente) lá (numa
BNCC, numa sala de aula, numa escola), em qualquer lugar que possamos fantasiar o
controle.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros


curriculares nacionais – Introdução aos parâmetros curriculares nacionais (1ª a 4ª
séries). Brasília: MEC/SEF, novembro. 1997. 126p.
______. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Parecer Nº
04/CEB/CNE de 29 de janeiro, 1998a.
______. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução Nº
2/CEB/CNE, de 7 de abril, 1998b.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação, CEB. Resolução N. 4. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, 9 jul. 2010b.
______. Subsídios para diretrizes curriculares nacionais específicas da educação
básica. Brasília, MEC, 2009.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Currículo em
movimento: o compromisso com a qualidade da Educação Básica. Apresentação
realizada pela Diretoria de Concepções e Orientações Curriculares para a Educação
Básica. Brasília, 2009. Disponível em:
<http://www.gper.com.br/newsletter/463a8adcb22c12fd999053e09f34ccfc.pdf>.
Acesso em: 9 nov. 2012.

ISSN 2177-336X 8338


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
22

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de


Currículos e Educação Integral. Por uma política curricular para a educação básica:
contribuições ao debate da base nacional comum a partir do direito à aprendizagem e ao
desenvolvimento. (Versão preliminar). Brasília – DF, julho de 2014.
______. Ministério da Educação do Brasil. Secretaria de Educação Básica. Base
Nacional Comum Curricular. (Versão Preliminar), setembro de 2015. Disponível em:
http://www.ceale.fae.ufmg.br/pages/view/esta-no-ar-a-proposta-da-base-nacional-
comum-curricular.html, acesso em 16 de setembro de 2015.
BEARDSWORTH, Richard. Derrida y lo político. Buenos Aires: Prometeo, 2008.
220p.
CUNHA, Érika Virgílio Rodrigues da. Cultura, contexto e a impossibilidade de uma
unidade essencial para o currículo. Revista Currículo sem Fronteiras, v. 15, n. 3, p.
575-587, set./dez. 2015.
DERRIDA, Jacques. Margens da filosofia. Trad. Joaquim Torres Costa e Antonio
Magalhães. Campinas: Papirus, 1991b.
______. Posições. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
______Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2008.
______. Torres de Babel. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006a.
______. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 2011.
LACLAU, Ernesto. Nuevas reflexiones sobre la revolucion de nuestro tiempo.
Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 2000.
______. Misticismo, retórica y política. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica,
2006a. 129 p.
______. La función retórica de las categorías psicoanalíticas. Revista eletrônica
Diecisete: teoría crítica, psicanálisis, acontecimientos. 2011a. Disponível em:
<http://www.diecisiete.mx/expedientes/psicoanalisis-y-politica/50-la-funcion-retorica-
de-las-categorias-psicoanaliticas.html>. Acesso em: nov. 2011a.
______. Emancipação e diferença. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011b.
______; Judith Butler. Los usos de la igualdad. Trans, V. 1, N. 1, Novembro de 1985.
LOPES, Alice Casimiro. Discursos nas políticas de currículo. Currículo sem
Fronteiras, v.6, n.2, p.33-52, Jul/Dez, 2006.
______. Por um currículo sem fundamentos. Linhas Críticas, Brasília, DF, v.21, n.45,
p. 445-466, mai./ago. 2015.
MACEDO, Elizabeth F.. Currículo e conhecimento: aproximações entre educação e
ensino. Cadernos de Pesquisa. v.42, n.147, p.716-737, set./dez. 2012.
______. MACEDO, Elizabeth. Base nacional curricular comum: novas formas de
sociabilidade produzindo sentidos para educação. Revista e-Curriculum, São Paulo, v.
12, n. 03, out./dez., 2014 p.1530 – 1555. Disponível em:
http://revistas.pucsp.br/index.php/curriculum

ISSN 2177-336X 8339


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
23

CURRÍCULO, CONTEXTO E CONHECIMENTO

Hugo Heleno Camilo Costa


ProPEd/UERJ
Bolsista Faperj

Resumo: Neste trabalho, pautado em uma leitura pós-estrutural do currículo, discuto a


ideia de contexto, proposta por Jacques Derrida, com vistas a pensá-la em sua potência
desconstrucionista no âmbito dos estudos curriculares, particularmente atentando para a
discussão sobre conhecimento. O trabalho consiste em um exercício de desconstrução
de horizontes que caracterizam o pensamento curricular no registro metafísico. Situo,
em uma primeira seção do texto, a perspectiva de contexto na obra do filósofo franco-
argelino, mantendo-a associada às ideias de différance, escrita e disseminação. Focalizo,
na segunda seção, o quanto uma visão estrutural de contexto tende a dar sustentação a
enfoques sobre o conhecimento como estruturante da prática, entendendo-a como
passível de apreensão e coordenação. Para isto, focalizo, nas correntes tradicionais e
críticas do currículo, bem como em fragmentos de documentos curriculares oficiais,
nuanças de leituras pautadas no cálculo sobre o que se supõe ser a prática, o contexto e
como o conhecimento o estrutura e norteia. Pontuo que toda tentativa de cálculo sobre o
conhecimento, devir de um fazer curricular, de orientação/controle de práticas de
professores e alunos, bem como de qualquer outra identificação envolvida com o campo
da educação, está em um movimento de falência ante ao potencial generativo de toda
significação. Igualmente, em um terceiro momento do texto, coloco em perspectiva a
ideia de que a prática como produção de conhecimento, no âmbito de uma abordagem
discursiva, não pode ser lida como circunscrita a determinada instituição ou momento
privilegiado, a idealidades e teleologias. Concluo ponderando que toda produção
sentido já é uma prática de leitura do mundo, de produção de sentidos, um movimento
em favor da hegemonização de determinado enfoque, já é produção de um contexto, que
se sustenta na tentativa de menção, de referência ao outro que se quer controlar,
responder.
Palavras-chave: Teoria do Currículo. Desconstrução. Conhecimento.

Acontecimento no Contexto
Em diferentes empreendimentos filosóficos Derrida discute a desconstrução de
marcadores do logocentrismo/metafísica ocidental, buscando atentar para o caráter
estabilizador, e de aspiração a verdades absolutas, de distintas formas de pensar o
mundo, a vida. Dentre seus argumentos, aborda à leitura do mundo por meio do que
chama de “texto em geral” (Derrida, 2001), uma textualização do mundo, que ultrapassa
limites de bibliotecas e livros, que não se permite conter ou coordenar por uma verdade
ou significado transcendental. Um todo texto dinamizado pela diferença, pela traição
interpretativa, pela impossibilidade de acesso ao mesmo. Neste texto, especificamente,
atento para a perspectiva de contexto, que Derrida (1991) já argumentava ser uma
questão pouco tratada, mantendo em mente sua articulação com as discussões de escrita

ISSN 2177-336X 8340


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
24

e, portanto, différance (Derrida, 1991). Faço isso com vistas a acionar a discussão de
conhecimento, que argumento ser estruturado em diferentes correntes do pensamento
curricular como via de constituição de sujeitos hábeis a decidir conscientemente em
contextos previamente concebidos.
Derrida (1991) pondera que um contexto é uma construção interpretativa,
baseada na suposição de um consenso implícito, mas estruturalmente vago, que visa à
coordenação do que se deve tratar entre seus limites e/ou a “prosseguir os diálogos no
horizonte de uma inteligibilidade e de uma verdade do sentido” (Derrida, 1991, p.350),
de modo que regras ou acordos gerais possam se instaurar. Para ele, um contexto nunca
é absolutamente delimitável, não podendo, portanto, ser saturado por qualquer
conhecimento ou cálculo anteriores. Esta não-saturação estrutural decorre, segundo o
filósofo (Derrida, 1991), da dinâmica de ruptura do próprio contexto. Isto ocorre uma
vez que a iterabilidade - repetição e citação daquilo a que se supõe referir - leva a que,
por mais que se busque fidelizar e contextualizar a citação, jamais se consiga manter
intacta a significação daquilo que se pretende reproduzir. Nessa perspectiva, destaca-se
o caráter inconsciente, singular e intenso da tradução como iteração/escrita, tendo em
vista seu dinamismo produtivo e, simultaneamente, sua capacidade de fender aspirações
homogeneizantes de escrita/textualização, de partir pretensões contextuais plenas.
Entender a iteração/tradução como um meio de articulação e traição irresistível e
permanente é pontuar que os contextos são (in)fundados fragilmente, porque
constituídos por uma fé (Derrida, 2007) de se estar tratando da mesma coisa na relação
com dado significante. E, ainda, concebê-los como fraturados em sua estrutura, pois, a
repetição aditiva da différance leva à falência os intentos de menção ao referencial, ao
que se supõe como origem ou espaço comum do próprio contexto, que é dilacerado pelo
caráter diferencial dos sentidos articulados sob um mesmo nome/contexto/significante.
Dessa forma, ao mencionar o contexto já não estamos nele ou o acessando, mas estamos
adulterando a ideia daquilo que mencionamos, traindo, engendrando outros contextos,
vivendo noutra contextualização.
A menção é, por conseguinte, ruptura, diferimento, iteração no sentido mesmo
da alteridade como irrupção, é outro contexto. Para Derrida (1991), a iteração, marcada
pela différance, altera e faz com que algo novo aconteça, contamina a intenção e faz
com que todo ato performático/de fala/escrita/tradução expresse algo diverso do que se
pretendia dizer. Nessa perspectiva, sustenta-se que todo enunciado está exposto à
ruptura contextual. Derrida (1991) pontua que a iterabilidade, ao mesmo tempo em que

ISSN 2177-336X 8341


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
25

autoriza, corrompendo as regras e códigos que constitui, difunde a alteração na


repetição, a disseminação do sentido na citação.
Por esta leitura, Derrida (1991) concebe o contexto como de impossível
saturação e controle, haja vista que na iterabilidade/escrita/tradução já existe um jogo,
um espaçamento, uma independência em relação ao que se tem por origem ou intenção
viva. Marca, com isso, a indeterminação do contexto de produção de algo, sobre a
intenção de significação e o enunciado, dada a operação suplementar da iterabilidade
que, desde já, adultera a intenção plena e presente, acontece como alteridade.
Ainda que a delimitação do contexto seja necessária, esta já sofre interdição pela
différance, enfatizando a flutuação fundamental que motiva todo signo. Derrida (1991)
argumenta que qualquer marca, pensada como escrita, e esta como possibilidade de
funcionamento separado, como capaz de operar para além de seu suposto querer-dizer e
sendo, prioritariamente, concebida como disrupção da presença na marca, pode ser
mencionada, citada, colocada entre aspas.
Ao fazê-lo, dinamiza-se a ruptura com todo contexto determinado, gerando
infinitamente outros contextos que, por sua vez, também são absolutamente não
saturáveis. Tal capacidade de ser citada e/ou duplicada, enfim, a iterabilidade de uma
marca, um termo, uma ideia, não é um acidente, mas aquilo que uma marca não pode
prescindir para ter sua operação considerada “normal” (Derrida, 1991). A partir desta
asserção, Derrida questiona, então: “O que é que poderia ser uma marca que não se
pudesse citar?” (Derrida, 1991, p.362).
A escrita como iteração, que intervém na comunicação excedendo-a, que se
desdobra em uma disseminação que jamais se reduz à polissemia, de modo algum pode
ser pensada como objeto da decodificação hermenêutica ou desvelamento de uma
verdade ou sentido original. A traição, tal como concebida por Derrida, encerrada
na/pela escrita não quer, por outro lado, negligenciar a existência da intenção ou da
consciência. A intenção pode ter seu lugar, mas deste lugar já não é capaz de coordenar
toda a significação.
A intenção, de acordo com Derrida (1991), não pode jamais estar presente a si
mesma e a seu conteúdo. É a esta “ausência essencial da intenção na atualidade do
enunciado, esta inconsciência estrutural” (Derrida, 1991, p.369) que o filósofo franco-
argelino vai colocar como o que impossibilita a saturação, ou apreensão totalizada, de
um contexto. Derrida (1991) considera que para que um contexto seja saturável,
determinável, a intenção precisaria atuar como sua diretriz dominante, o que lhe

ISSN 2177-336X 8342


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
26

colocaria frente à necessidade de ser absolutamente presente e transparente a si mesma e


aos outros.
Nessa perspectiva, Derrida (2001) coloca que não há conhecimento ou
consciência transcendental, controle absoluto do sentido e, portanto, saber sobre os
limites e propriedades do contexto, mas somente um movimento de disseminação
generativo de novos sentidos. É a este movimento que o filósofo atribui a
impossibilidade de prevalência de uma dialética teleológica e totalizante que possibilite
a que determinada ocasião, momento, independente de sua distância/proximidade, possa
ser reconciliado em uma totalidade textual que garanta uma suposta verdade do sentido.
O que a disseminação, inerente a todo envolvimento com a/na linguagem,
proporciona é tão somente a produção de efeitos semânticos infinitos e o bloqueio à
recondução a uma origem simples. Ela é o “suplemento e a turbulência de uma certa
falta” (Derrida, 2001, p. 52) que fratura os limites do texto, da significação do mundo,
de um querer-dizer. Com isto não defendo que a ruptura contextual, por meio da
disseminação/différance, seja uma expressão destoante, mas que julgando tratar do
mesmo, do próprio, já estamos suplementando, traindo, produzindo outros sentidos na
relação com aquilo que se julga tratar. É reconhecer, de acordo com Derrida (2001), que
estamos jogando com a semelhança, com o parentesco, com a simulação, a ficção de
uma presença que é pura ausência, com o acontecimento.
Com esta leitura passo a focalizar marcadores do pensamento curricular que
tendem a projetar contextos como passíveis a um conhecimento, acesso, controle,
análise, continentes de verdades. Contextos entendidos como limitados e precisos em
significação, transparência e orientação. Contextos passíveis de contextualização, de
ação calculada, de intervenção consciente em supostas práticas/contextos.

Pensamento/política curricular e o contexto do conhecimento


Com Lopes e Macedo (2011) e Macedo (2006), atento para perspectivas do
pensamento curricular que, embora possuam distinções, como tradições, tendem a se
manter sob a lógica logocêntrica de controle e cálculo sobre o conhecimento e o sujeito
produzido a partir dele, sobre o devir de distintos contextos de práticas. Estas, por sua
vez, supostas como aquilo que está restrito aos fazeres de professores e alunos no
ambiente escolar. Leitura que, a meu ver, negligencia a perspectiva de que toda
enunciação sobre as práticas contextuais também são práticas contextuais, que toda
produção de conhecimento, em dado contexto, é um acontecimento que, revolvendo

ISSN 2177-336X 8343


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
27

interpretativamente registros possíveis, busca responder àquilo desafiador que questiona


a identidade.
Para as autoras, desde o início do século XX, os estudos curriculares têm
buscado a definição de seu objeto por diferentes vias, indo da aspiração à precisão sobre
a melhor proposição de guias curriculares para redes de ensino até a compreensão do
que ocorre no cotidiano de cada escola. Lopes e Macedo (2011) pontuam que a tradição
curricular possui, como um centro reconhecível, a busca pela organização e condução
dos processos entendidos como atinentes ao fazer educacional e, portanto, ao controle
da experiência, da prática de professores e alunos.
Seguindo a organização conceitual proposta por Lopes e Macedo (2011), inicio
esta discussão, focalizando o que se poder ler como um primeiro momento do
pensamento curricular mais organizado, pelo comportamentalismo/eficientismo de
Bobbitt e sua rivalização contemporânea pelo progressivismo de Dewey. O primeiro
tende a ser associado a abordagens mais restritivas e diretivas sobre o currículo,
entendendo-o como controle e administração social a partir de matrizes cientificistas.
Possui como perspectiva o foco no conhecimento e aprendizado para a resolução de
tarefas e o alcance de objetivos estabelecidos como comuns e desejáveis à educação. O
segundo, também baseado na resolução de problemas sociais, é lido pelas autoras como
menos coercitivo do ponto de vista do controle do conhecimento, sendo vinculado à
defesa de uma educação mais democrática, sustentada na crítica à desigualdade, e à
valorização da experiência da criança como forma de superação da distância entre os
pressupostos educacionais formais e o interesse dos alunos.
Entre estas visões de mundo, destaca-se a diferença no modo como pensam a
orientação da prática escolar, da produção e dos fins do conhecimento, sendo, para o
eficientismo, primordial a preparação da criança para o mundo produtivo, para a vida
adulta. Já o progressivismo se apoiaria na defesa da aprendizagem como processo
continuado de produção do conhecimento e não como etapa de formação de adultos,
ainda que uma projeção de sujeito a ser constituído via conhecimento, nesta infância, já
estruture a produção curricular. Segundo Lopes e Macedo (2011), o progressivismo se
organiza, como crítica social, de modo a que o conhecimento da criança oportunize a
reflexão sobre os problemas sociais com vistas à intervenção para uma sociedade mais
democrática.
Para isto, o progressivismo lança mão de um conjunto de proposições voltadas a
garantir que se desenvolva nas escolas uma formação articulada com a experiência

ISSN 2177-336X 8344


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
28

social comum. A partir da tensão entre perspectivas técnicas e a experiência social,


Tyler propõe um modelo eclético que, embora pretenda articular as duas visões, tende
mais à perspectiva eficientista do que ao progressivismo. Segundo Lopes e Macedo
(2011), Tyler defende um modelo baseado em um vínculo preciso entre currículo e
avaliação, reduzindo o currículo a um conjunto de proposições e a avaliação ao
mecanismo de aferição da efetividade curricular. Para as autoras, o caráter prescritivo
do currículo é o que há em comum entre o eficientismo, o progressivismo e a
racionalidade tyleriana.
Embora pautados em finalidades sociais distintas, comungam do senso de que a
escola é um contexto de aplicação de conhecimentos pressupostos e, portanto, passível
de controle e arrazoamento. A leitura da escola, do conhecimento, da experiência e de
“fazeres práticos” como controle racional do contexto (esteja imbuída dessa ou daquela
intenção) não é privilégio das correntes ditas tradicionais, mencionadas acima.
Respondendo às leituras tradicionais, o movimento crítico também recorre à
interpretação de tais contextos como passivos ao que se tem por externo, superior,
hegemônico: a ideologia e o poder.
Os movimentos teóricos alinhavados pelo que se pode chamar de corrente
crítico-reprodutivista, em seu movimento de crítica à escola e ao currículo como
mecanismos de controle, alienação e reprodução social, se sustentam em leituras
macroeconômicas pautadas no pensamento marxista, na relação entre base econômica e
superestrutura (Lopes e Macedo, 2011). Apesar de suas distintas preocupações e
diferenças, mais ou menos deterministas, autores como Althusser, Baudelot e Establet,
Bowles e Gintis, Bourdieu, Young e Apple têm suas produções voltadas à visão de que
a escola e, por conseguinte, o conhecimento são mecanismos de reprodução da
sociedade de classes, de formas de conhecer alienantes. Esta visão crítica, tendo sido
considerada também alienante por reafirmar aquilo que criticava, passou a sofrer duras
críticas de movimentos ensejados pela influência dos estudos culturais e de demais
abordagens microestruturais no campo do currículo.
Como resposta à abordagem crítico-reprodutivista, o movimento de
emancipação e resistência (Lopes e Macedo, 2011) se opõe à visão de que a escola é um
espaço de reprodução social. Influenciado também pela fenomenologia, hermenêutica e
existencialismo, este movimento, que é mobilizado também pelos pensamentos de
Freire, Pinar, Giroux, McLaren e Willis, dentre outros, preconiza a experiência, a
prática de produção de conhecimento, a realidade vivida nas escolas, em detrimento de

ISSN 2177-336X 8345


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
29

visões macro, entendidas como capazes de eufemizar a vida, a natureza e o caráter


produtivo do contexto escolar em termos de conhecimento, a partir e na relação com a
expressão do mundo-da-vida dos sujeitos (Lopes e Macedo, 2011).
Concordo com Lopes e Macedo (2011) em ler que o conflito projetado entre o
pensamento tradicional e crítico e, no âmbito do próprio movimento crítico, entre os
enfoques reprodutivista e de emancipação e resistência, sintomatiza a busca pela
superação de uma racionalidade técnica, em um primeiro momento, e a distensão de
uma visão de currículo formal, lido como insuficiente para lidar com a dimensão vivida,
para uma perspectiva de valorização da experiência cotidiana como produção de
conhecimentos pelos sujeitos.
Sem assumir que tais perspectivas teóricas são transferidas aos documentos
curriculares diretamente, mas interpretando que, em uma leitura textual discursiva, são
momentos de um texto geral da política de currículo, focalizo fragmentos dos textos de
textos envolvidos com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio –
DCNEM (Brasil, 1998; 2012), que iteram o que tenho chamado aqui de uma perspectiva
de estruturação do currículo via controle do conhecimento e do contexto.
Produzidos em diferentes e momentos e governos, os referidos textos envolvidos
no movimento de elaboração de diretrizes, são mencionados aqui não a esmo, mas por
serem considerados textos de grande repercussão no debate público e acadêmico, além
de serem momentos de tentativas de representação de uma textualidade mais ampla da
política e assumirem um caráter de obrigatoriedade e base à produção e proposição de
mudanças curriculares nos mais distintos níveis de governo e espaços de poder. Como
plano de fundo, o texto das DCNEM (Brasil, 1998) projeta como contextos específicos
as transformações científicas, comportamentais e sociais contemporâneas como forma
de respaldar uma visão de mundo dada, com a qual temos de lidar transparente e
diretamente, e que é suposta como impondo à sociedade uma visão de sociedade
desconhecida, mas que será apropriada através de um conhecimento integrado, via
interdisciplinaridade, capaz de realizar a inclusão social, a preparação para o mundo do
trabalho, a formação ética, flexível, autônoma e crítica do sujeito produzido pelo ensino
médio, para que possa atuar e se adaptar aos mais distintos contextos sociais.
O conhecimento, projetado ao centro do que vem a ser a função da
educação/currículo, carrega a oportunidade para a formação de competências e
habilidades capazes de produzir subjetividades incluídas socialmente, produtoras de
conhecimento e cidadãs (Brasil, 1998, p.16). A cidadania e a competência para um todo

ISSN 2177-336X 8346


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
30

fazer potencial, nesse caso, seriam legadas pelo conhecimento. Tal leitura possibilita a
conjectura de que a cidadania, a subjetividade e as formas de conceber o mundo estão
condicionadas a um conhecimento não obtido, mas virtualmente proposto pelas
DCNEM. Um conhecimento capaz de detonar a precipitação de um sujeito polivalente e
portador de uma potencialidade crítica definida pelo que é definido como crítica.
Sob a perspectiva das DCNEM (1998), um conhecimento específico é capaz de
produzir determinado sujeito ajustado para agir em todos os contextos supostos como
garantidos. Tal conhecimento é assumido como aquele encarregado de viabilizar o
acesso a supostos “significados verdadeiros sobre o mundo físico e social” (Brasil,
1998, p. 27), conhecimentos considerados competentes à formação de sujeitos capazes
de analisar e produzir soluções, de orientar à decisão correta frente aos desafios, de
proporcionar adaptabilidade a situações novas (Brasil, 1998, p.27). A aquisição de tal
conhecimento é defendida como fundamental à produção de sujeitos, pela escola e
através dos conhecimentos disciplinares. É justamente pela falta de um tal sujeito que se
afirma a importância de que tal conhecimento seja aprendido.
O trabalho e o emprego, como possuidores de significados fixos, são assumidos
como contextos prioritários para o trabalho curricular, sendo entendidos como contextos
nos quais o conhecimento deve desdobrar competências com potencial preparatório para
que o sujeito em diferentes situações no “mundo das ocupações” (Brasil, 1998). Desta
forma, é defendido que o conhecimento não pode ser fragmentado, como em um
modelo disciplinar tradicional, mas deve ser interdisciplinar e contextualizado (Brasil,
1998, p.37), apropriando-se dos conhecimentos das diferentes disciplinas para a
formação de sujeitos competentes para atuar em mais distintos contextos.
Nas DCNEM de 2012, ainda que mobilizadas pela missão de atender as
necessidades não atendidas pelas DCNEM de 1998, é defendida a necessidade por
maior qualificação de sujeitos para o desenvolvimento industrial do país. Nesse sentido,
a formação do sujeito ideal para o contexto privilegiado do trabalho e das mudanças
contínuas deste trabalho, é congregada nas missões de oportunizar a inclusão social e a
cidadania, o que possibilita a leitura de que a produção de sujeitos para o acertado
mundo do trabalho é, necessariamente, formar cidadãos/trabalhadores autônomos,
críticos e reflexivos, que saibam lidar com os desafios vindouros de mundo que é
assumidamente dinâmico.
Para dar conta de constituir condições ideais, a escola passa a ser lida como
contexto primordial de difusão “sistemática dos conhecimentos científicos construídos

ISSN 2177-336X 8347


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
31

pela humanidade” (Brasil, 2012, p. 150). Apesar disso, ao longo do texto é defendida a
necessidade de que o sucesso da educação, da produção do conhecimento, diz respeito à
relação que a escola precisa estabelecer com o projeto de vida dos estudantes (Brasil,
2012, p.155). Assim como nas DCNEM de 1998, as de 2012 partem dos princípios da
interdisciplinaridade e contextualização como forma de assegurar que não só o
conhecimento científico, aos quais estariam relacionadas as disciplinas escolares, é
fundamental à produção de sujeitos competentes, como a produção de sentidos em
contextos privilegiados controla as formas de operação de tais conhecimentos com os
sentidos/significados adequados, supostos como ideais para a sociedade atual.
Uma visão de conhecimento científicoviii integrado, nesse caso, é tomada como
pressuposto fundante das formas de conhecer circulantes no currículo. A aplicação
contextual deste conhecimento asseguraria o fechamento do hiato entre a teoria e a
prática, produzindo sujeitos conhecedores daquilo que é desejado contextualmente
(sociedade, trabalho).
A apropriação de conhecimentos científicos se efetiva (...) com
contextualização que relacione os conhecimentos com a vida, em
oposição a metodologias pouco ou nada ativas e sem significado para
os estudantes. Estas metodologias estabelecem relação expositiva e
transmissivista que não coloca os estudantes em situação de vida real,
de fazer, de elaborar. (Brasil, 2012, p. 167)
O conhecimento científico interdisciplinarizado em sua contextualização, ao
longo dos textos das DCNEM (Brasil, 1998; 2012), sinaliza a expectativa de um
conhecimento capaz de constituir subjetividades para operar contextualmente. Uma
perspectiva de conhecimento limitante (não só ao conhecimento científico, como a uma
de suas versões) e a contextos considerados garantidos, ou mesmo passíveis de serem
saturados em termos de possibilidades de acontecimento, à experiência do sujeito em
questão.
Penso tais perspectivas como passíveis de aproximação às leituras de mundo
recuperadas da teorização curricular, uma vez que também focalizam um conhecimento
prioritário como forma de projeção subjetiva contextual. Argumentos que, a meu ver,
posicionam o debate curricular sobre conhecimento no âmbito do controle do sujeito e
das formas de ler o mundo na escola, e para alem dela. Abordagens que restringem
mesmo aquele conhecimento suposto como básico às formas de aplicação em contextos
desejáveis, ideais para o sujeito forjado na idealidade de um currículo que não pode não
ser calculado (de cima para baixo ou de baixo para cima; interdisciplinar, mas
contextualizado adequadamente).

ISSN 2177-336X 8348


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
32

Considerações finais
Supor um dado conhecimento como onipotência funcional para todo contexto
(da escola, do trabalho, da família, da sociedade etc) incide em um sintoma de tentativa
de cálculo (e, portanto, exclusão) sobre as formas de conhecer o mundo, de lidar com o
outro desconhecido, de aplacar o questionamento desconhecido de uma alteridade “toda
outra” (Derrida, 2006) que impõe, continuamente, a necessidade de revolvermos nossas
formas de conhecimento, sejam elas quais forem, para “dar conta” da resposta aquilo
que se supõe, em uma linguagem opaca, como a inquisição a que não se pode escapar.
Isto é dizer que não só o contexto não é algo calculável, como o conhecimento possível
e passível a operação nele não é uma propriedade carregada por um sujeito de
razão/consciência transcendental. Uma vez que o contexto não pode ser saturado por
razão alguma, não pode ser recuperado, o conhecimento só pode ser considerado como
aquilo que resulta da decisão de resposta de uma subjetivação (Derrida, 2006). Ou seja,
apesar de toda tentativa de controle, o que é reunido e tomado como conhecimento
plausível para que se responda ao que se impõe como questionamento (não se sabe,
nunca, onde e como) reside no momento da loucura, na decisão em resposta, ocasião em
que supomos ser precipitada a subjetivação, o sujeito.
Apoiando-me na incitação pós-estrutural de Lopes e Macedo (2011) em pensar o
currículo como “simplesmente um texto” e, nesse sentido, retomando a preocupação
derridiana que mobiliza estas linhas, argumento que tanto perspectivas tradicionais
quanto críticas tendem a supor o conhecimento e o contexto como passíveis de controle
e racionalização. Enfatizo esta leitura tendo em conta o caráter estadocêntrico que
marca visões macroestruturais, defensoras da verticalização do poder, de cima para
baixo, em termos de controle sobre o contexto da prática escolar, sobre a produção de
conhecimento. E, também, as perspectivas de emancipação e resistência, que, em defesa
ao caráter vívido e latente da experiência subjetiva no contexto da prática escolar,
reiteram a verticalidade do currículo ao conceber a prática como capaz de se impor
como resistência, de baixo para cima, como contra-hegemonia (Giroux, 1997), também
através de um conhecimento definido como possuidor de propriedade capaz de produzir
determinado sujeito apto, capaz, constituído para contextos pré-estabelecidos, pautados
em visões de sociedade, trabalho, comunidade, emancipação, mundo. Uma visão de
conhecimento suposta como capaz de transcender singularidades, saturar contextos
(des)conhecidos com dada potência à resolução de problemas, afirmar competências ou

ISSN 2177-336X 8349


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
33

habilidades adequadas para o enfrentamento do que quer que seja a alteridade do


acontecimento da escola, do currículo, da vida.
Minha inquietação, aqui, se volta à suposição comum, nas diferentes
perspectivas e fragmentos de textos curriculares brevemente aludidos, de que o contexto
da prática é algo apreensível e racionalizável, seja por uma lógica tradicional ou crítica,
para lê-lo como passivo ou ativo no que toca ao dinamismo do poder. Além disso, o
contexto tende a ser visto como aquilo objetivado a que se pode referir e inferir em sua
plenitude, sua estrutura e funcionamento, assim como é um espaço-tempo aberto ao
olhar pleno e perscruta de um analista, interventor.
Operar uma perspectiva do currículo como texto (Lopes e Macedo, 2011),
enfatizando o caráter textual do mundo, como defendido por Derrida (1991; 2001), é
supor que toda significação do currículo é, tão somente, uma forma de envolvimento, de
efeito de poder. É compreender toda prática como prática de significação, de produção
de sentidos, de conhecimento, de hegemonização de determinada enunciação,
desdobrada em um contexto ao qual já não é possível retornar, acessar. É entender que
toda performance de menção a determinado contexto, em nome de algo, em defesa de
uma perspectiva, é, desde já, uma fundação contextual tramada na menção às tradições,
às formas de conhecimento, uma interpretação provisória, uma iteração (Derrida, 1991)
daquilo a que se julga referir, mas não se pode tangenciar, reprisar, represar na tentativa
de conter o sentido do (con)texto curricular.
Por meio desta visão, todo fazer, toda produção de conhecimento é uma prática
contextual traidora, não sendo viável, portanto, a distinção entre um contexto formal e
um contexto da prática curricular, pois toda pretensão de significação só é possível se
praticada contextualmente, num “aqui e agora” (Derrida, 1994) (con)textual. Pontuo,
nesse sentido, que toda tentativa de cálculo sobre o devir de um fazer curricular, de uma
visão de prática de professores e alunos, bem como de qualquer outra identificação
envolvida com o campo da educação, está em um movimento de falência ante ao
potencial generativo de toda significação.
Apoiar essa argumentação é conceber que não só o que se tem por contexto da
prática não pode ser reduzido à performance diferencial de professores e alunos nas
escolas, como, uma vez não restrito a práticas limitadas a instâncias físicas, o fazer
conhecimento contextual, no contexto deste texto, como um exemplo, é toda
possibilidade de produção de sentidos, de defesa de perspectivas que, certamente, já
estão em um trabalho de falência ante à alteridade. É interpretar que estas palavras,

ISSN 2177-336X 8350


XVIII ENDIPE
Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
34

como todas as disseminadas em distintos outros espaços-tempos, vivem a ambivalência


de poder influenciar a produção de novos contextos e perecer como verdade
transcendental. Para além das distinções e qualificações, no registro das discussões aqui
propostas, só há práticas (de significação) contextuais.

Referências
BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Parecer n. 15, de 1 de junho de 1998.
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília, DF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio. Brasilia, 2012.
DERRIDA, J. Margens da Filosofia. Campinas, São Paulo: Papirus, 1991.
DERRIDA, J. Espectros de Marx. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
DERRIDA, J. Posições. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
DERRIDA, J. Dar La muerte. Barcelona: Paidós, 2006.
DERRIDA, J. Força de Lei: o fundamento místico da autoridade. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2007.
GIROUX, H. Os Professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da
aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
LOPES, A. C.; MACEDO, E. F. Teorias de Currículo. São Paulo: Cortez, 2011.
LOPES, Alice Casimiro. Normatividade e intervenção política: em defesa de um
investimento radical. In: Alice Casimiro Lopes; Daniel de Mendonça. (Org.). A Teoria
do Discurso de Ernesto Laclau: ensaios críticos e entrevistas. 1ed.São Paulo:
Annablume, 2015, v. 1, p. 117-147.
MACEDO, E. Currículo como espaço-tempo de fronteira cultural. Revista Brasileira de
Educação, v. 11, n. 32, p. 285-296, 2006.
i
Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio
ii
Em http://www.consed.org.br/index.php/comunicacao/noticias/726-con…o-lemann-realizam-
seminario-construindo-uma-base-nacional-comum. Acessado em novembro de 2014. Refere-se à
palestra de Paula Louzano no Seminário Base Nacional Comum em debate: desafios, perspectivas e
expectativas, no dia 9 de outubro de 2014, em Brasília/ DF
iii
Desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) da Universidade Federal de
Mato Grosso (UFMT), Câmpus de Rondonópolis (MT), intitulada Articulações discursivas por uma BNCC:
a nomeação do currículo como tentativa de estabilidade e controle na educação.
iv
Sob coordenação da Prof.ª Dra. Alice Casimiro Lopes, no Programa de Pós-Graduação (PROPED) da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), endereço eletrônico: www.curriculo-uerj.pro.br
v
Ver: http://movimentopelabase.org.br/
vi
http://www.fundacaolemann.org.br/
vii
Vide nota número 6.
viii
Para além de discordar de um conhecimento pressuposto ao currículo, à decisão, minha referencia à
defesa de “um” tipo de conhecimento científico, defendido sem críticas pelas DCNEM (Brasil, 2012), está
apoiada, em concordância com Lopes (2015), no argumento bachelardiano de que sequer o que
chamamos por ciência pode ser tomado como uno, haja vista a ciência viver seu próprio processo de
crítica e construção. Igualmente, é criticável a expectativa realista de ciência. Para maior
aprofundamento na discussão, ver Lopes (2015).

ISSN 2177-336X 8351

Você também pode gostar