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Nas páginas que se seguem, argumenta­ gem, da experiência e do poder, os educadores

remos que os esforços até agora feitos para a críticos têm fracassadona tentativa de desenvol­
criação de uma linguagem teórica que possa ver um discurso que vincule subjetividade,
examinar o processo de escolarização, que pedagogia e história com uma linguagem de
permita realizar pesquisas empíricas em contex­ visão e de vida pública.
tos educacionais e que nos possibilite ter uma Na primeira seção tentamos descrever a
cornpreensAo mais critica das dimensões s0- crise atual na pedagogia criica, a qual caracteri­
ciais, culturais e poIfticas da aprendizagem não zamos como incapacidade para ir além de uma
têm sido nada satisfatórios. Na verdade, seus linguagem de crítica.e dominação.. Na segunda
resultados têm sido bastante inadequados. seção tentamos traçar uma moldura teórica para
Existe, em nossa opinião, uma necessidade examinar a linguagem e sua relação com a
fundamental, na pesquisa educacional, de se formação da subjetividade e da práxis e tentar
encontrar um novo vocabulário teórico que convencer o leitor de que a escolha da lingua­
assuma seriamente o primado da linguagem e gem que fazemos como educac\ores,ao descre­
da experiência,e da construção social do signifi­ ver, interpretar e analisar a realidade sociaI,é um
cado e da subjetividade. A ausência de um tal fator crucial na mudança educacional e social.
vocabulário teórico é evidente não apenas no Após uma discussão de como a linguagem
Interior do dominlo da pesquisa convencionai funciona para construir e t'YlEdar socialmente a
sobre a escola, mas também na recusa dos realidade, passamos para o atual debate entre
teóricos crfticos em desenvolver uma compreen­ educadores críticos, quanto à questão de saber
são mais abrangente da relação entre a lingua­ se é verdade ou não que a linguagem da teoria
gem e a experiência do estudante, vista corno educacional crítica é demasiado confusa e
uma dinâmica lcentral na qual os estudantes pouco prática Por fim, oferecemos um esquema
vêm a experienciara si mesmos corno sujeitos; rudimentar de uma pedagogia critica para o uso
é também evidente na recusa dos teóricos na sala de aula que contém ao menos um
criticos em desenvolveruma teoria que desnude vocabulário mínimo de idéias para criar uma
a forma corno a cultura dominante produz em cidadania ativa e crítica.
suas representações e práticas sociais qualida­
des negativas que transformam o desvalorizadoncapa·
Outro não no sujeito, mas no objeto da História; A pedagogia critica • a crise no interior da
é também evidente na recusa dos educadores IIhguagem teórica
criticos em desenvolver formas de pechlgogia
nas quais a compreensAo histórica e a produção A pedagogia radical, tal corno se tem
da experiência funcione corno uma forma de desenvolvido na Inglaterra e nos Encapa¨ncapa· Uni­
contra-memória, isto é, como relatos de lutas dos, na última década, tem-se baseado forte­
que falem da nomeação de experiências nas mente em formas particulares da economia
quais os grupos subordinados operam de uma politica, da crítica ideológica e da critica cultural.
posição de poder e possibilidade ao invés de Sua principal tarefa e realização consistem em
uma posição de marginalidade e silêncio. Na ter servido à importante função de constestar o
verdade, ao subestimar a importância da lingua- que tem sido frouxamente chamado de ideologia

EDUCAÇÃO E REAUDADE, Porto Alegre, 1 8(2) :21 -35, juVdez. 1 993


da teoria e da prática educacional tradicional. A que em última análise ignora a criação de um
pesquisa educacional tradicional conseguiu o discurso teórico que transcenda os imperativos
feito paradoxal de despolitizar a linguagem da de possibilidade existentes no interior das
escolarização, ao mesmo tempo que reproduzia configurações capitalistas existentes de poder.
e legitimava ideologias capitalistas. Em oposição e principal defeito dessa posição consiste em
à tentativa dos tradicionalistas em suprimir impedir que os educadores de esquerda desen­
teoricamente importantes questões relativas às volvam uma linguagem programática na qual
relações que se dão entre conhecimento, poder eles possam teorizar para as escolas. Em vez
e dominação, os teóricos educacionais críticos disso, os equcadores radicais têm teorizado
foram capazes de desenvolver uma nova lingua­ primariamente sobre as escolas como agências
gem teórica e uma forma de crítica que sugeria de dominação, e, como tal, eles têm raramente
que as escolas eram amplamente (embora nãO se preocupado com a possibilidade de construir
exclusivamente) agências de produção econômi­ abordagens novas, alternativas, da organização
ca, social e cultural. Na melhor das hipóteses, escolar, dos currículos e das relações sociais da
as escolas ofereciam uma mobilidade limitada sala de aula.
aos membros das frações das classes subordi­ Ao ver as escolas como lugares primaria­
nadas mas, em última instância, elas serviam mente reprodutivos, os educadores radicais não
primariamente como poderosos instrumentos têm sido capazes de desenvolver uma teoria da
para a reprodução das relações sociais capitalis­ escolarização que ofereça uma possibilidade
tas e para as ideologias legitimadoras dos viável de luta contra-hegemônica e contestação
grupos dominantes. A despeito de seu êxito em ideológica. Dentro desse discurso, as escolas,
desenvolver lúcidas análises teóricas e políticas os professores e os estudantes são com fre­
da escola, a teoria educacional radical sofria de qüência de forma implícita vistos meramente
alguns sérios defeitos, o mais significativo sendo como extensões da lógica do capital. Em vez de
seu fracasso em ir além da linguagem da crítica lidar com as escolas como lugares de contesta­
e da dominação. Isto é, os educadores radicais ção, negociação e conflito, os educadores
continuaram atolados numa linguagem que radicais tendem a produzir uma versão excessi­
vinculava as escolas primariamente às ideolo­ vamente simplificada da dominação, a qual
gias e às práticas de dominação. Nessa visão, sugere que as escolas não podem ser vistas
as escolas eram vistas quase exclusivamente como lugares que oferecem a possibilidade de
como agências de reprodução social, produzin­ intervenção e mudança construtiva.
do trabalhadores obedientes para o capital Além de prejudicada pela linguagem da
industrial; o conhecimento escolar era geralmen­ crítica, a teoria educacional radical tem também
te descartado como uma forma de ideologia fracassado em explorar e desenvolver várias
burguesa, e os professores eram freqüentemen­ preocupações importantes que acreditamos
te retratados como estando enredados num serem centrais para uma teoria crítica da escola.
aparato de dominação que funcionava com uma Em primeiro lugar, ela tem fracassado em de­
precisão incessante e uma certeza marcial. senvolver uma filosofia pública que integre as
Naturalmente, é importante reconhecer questões de poder, política e possibilidade com
que o modelo reprodutivo da escola tornou-se respeito ao papel que as escolas possam exer­
cada vez mais sofisticado teoricamente à medi­ cer como esferas públicas democráticas. Os
da que os teóricos críticos usavam-no para teóricos educacionais radicais têm estado tão
explorar o papel que as escolas exerciam nos envolvidos em descrever a realidade das esca­
processos de acumulação de capital, de legiti­ las existentes que têm fracassado em levantar
mação ideológica e de produção de conheci­ questões de finalidade e significado com respei­
mento, necessários para levar a efeito as cres­ to àquilo que as escolas deveriam ser. Na falta
çentes exigências de uma sociedade capitalista de qualquer visão substantiva, os teóricos
em mudança. O que é notável aqui é que embo­ radicais têm ignorado a tarefa de desenvolver as
ra o leque do âmbito teórico se ampliasse para bases de uma filosofia pública progressista
preocupações mais amplas, a lógica subjacente como um quadro de referência para reconstruir
que inspirava essa posição não mudara. Este as escolas como esferas públicas democráticas.
modelo de análise ainda operava rigidamente Neste caso, esses educadores têm fracassado
dentro e em resposta à lógica do capital. Dito de em construir um discurso programático para
forma direta, a teoria reprodutiva da escola é fornecer aos estudantes o conhecimento, as
basicamente um modelo reativo de análise, um habilidades e os valores que eles necessitam
modelo que repetidamente simplifica em exces­ para exercer a compaixão e a liderança neces­
so a complexidade da vida social e cultural e sárias para encontrar suas próprias vozes,

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aprencapa|endoncapa·ao mesmo temponcapa·ancapa·compreenderncapa·encapa· Corriganncapa· (1987)ncapa· temncapa· obsencapa¦ado,ncapa· nãoncapa· existencapa·
ancapa·vincularncapa·essasvozesncapa·ao exercicioncapa·dancapa·responsa­ nenhumncapa· discursoncapa· moralncapa· encapa· ncapa–íticoncapa· nancapa· teoriancapa·
bilidadencapa· socialncapa·encapa· dancapa·coragemncapa· cívicancapa· Porncapa· exem­ educacionalncapa· radicalncapa· quencapa· tratencapa· como asncapa· fncapaŠncapa·
plo, osncapa·educadoresncapa· radicaisncapa·nãoncapa·têmncapa·sidoncapa·capa­ sociaisncapa· existentesncapa· encorajam,ncapa· destrncapa…m,ncapa· defor­
zesncapa·dencapa· propor urnancapa· visãoncapa· dancapa· escola quencapa·vinculencapa· mam'ncapa·diluem,ncapa· marginalizam,ncapa· tncapa‹mncapa·ncapa˜ncapa™ível,ncapa· ou
ancapa· edncapa¬ncapa· públicancapa· aos imperativosncapa· dancapa· demo­ sustentamncapa·capacidadesncapa·humanasncapa·diferenciadasncapa·
cracia, ao Incapa€ésncapa· dencapa· às estreitasncapa· demandasncapa· doncapa· quencapa· ampliamncapa· asncapa· possibilidadesncapa· quencapa· osncapa· iridivf­
mercado, ou ancapa· urnancapa·lógicancapa· culturalncapa· quencapa· váncapa· alémncapa· duosncapa· têmncapa· parancapa· viverncapa· numancapa· sociedadencapa· encapa· numncapa·
do etnocentrismo; istoncapa·é,ncapa·háncapa·umancapa· ausênciancapa· nestencapa· mundoncapa·verdadeiramentencapa·democráticoncapa·encapa·emncapa·favorncapa·
discuncapa¥ncapa· dencapa· umancapa· discussãoncapa· sncapaƒrencapa· comoncapa· oncapa· dancapa·vida.ncapa·
significadoncapa· encapa· ancapa· naturezancapa· dancapa· educaçãoncapa· públicancapa· Emncapa· quartoncapa· lugar,ncapa· ancapa· teoriancapa· educacionalncapa·
podem ser situados numncapa·contextoncapa·maisncapa·amplo.ncapa· radicalncapa· temncapa· amplamentencapa· subestimadoncapa· ancapa· imporncapa±
O contextoncapa· ao qualncapa· nosncapa· referimosncapa· incluincapa· umancapa· tncapaµnciancapa· dencapa· sencapa· redefinirncapa· osncapa· pancapa isncapa· reaisncapa· quencapa· osncapa·
visãoncapa· ncapaarticularncapa· dasncapa· escolasncapa· como lugaresncapa· professoresncapa· ncapa•eriamncapa· exercerncapa· como críticosncapa· encapa·
imncapa—antesncapa· parancapa· ancapa·formaçãoncapa·dencapa·umancapa·cidadaniancapa· intelectuaisncapa·engajadosncapa· tantoncapa· nasncapa· salasncapa· dencapa· aulancapa·
críticancapa·encapa· engajada,ncapa·cornoncapa·lugaresncapa·sociaisncapa· ancapa·partirncapa· quantoncapa· comoncapa· partencapa· dencapa· umncapa· movimentoncapa· maisncapa·
dos quais.ncapa·sencapa· podemncapa· organizarncapa· asncapa· energiasncapa· dencapa· amploncapa· emncapa· favorncapa· da mudancapaancapa· social.ncapa· Porncapa· umncapa·
urna visãoncapa·moralncapa· quencapa·ncapašncapa›ncapa· contestarncapa· oncapa· instru­ lado,ncapa· osncapa·professoresncapa·têmncapa· sidoncapa· tratadosncapa·encapa· reduzi­
mentalismoncapa· estéril,ncapa· oncapa·egoísmoncapa·encapa·oncapa· desprezoncapa· porncapa· dosncapa· aoncapa·statusncapa·dencapa·funcionáriosncapa·aoncapa·invésncapa·dencapa·seremncapa·
urnancapa· cncapa‡uncapa}ncapa· democráticancapa· quencapa· temncapa· sencapa· incluídosncapa· como agentesncapa· auto-determinadosncapa· da
tncapaˆoncapa·ancapa·marcancapa·dosncapa· anosncapa· oitenta.ncapa· mudançancapa· políticancapa· encapa· pedagógica;ncapa·porncapa· oncapa®roncapa· lado,ncapa·
Emncapa· segundoncapa· lugar,ncapa· osncapa· teóricosncapa· educacio­ pouconcapa·temncapa·sidoncapa·feitoncapa·pelosncapa·teóricosncapa·educacionaisncapa·
nais radicaisncapa·têmncapa·virtualmentencapa·ignoradoncapa·qualquerncapa· radicaisncapa·parancapa·tratarncapa·doncapa· papelncapa·quencapa· osncapa·professoresncapa·
tentativancapa· parancapa· desenvolverncapa· umncapa· teoriancapa· dancapa· éticancapa· ncapa”eriamncapa· exercerncapa· ancapa· fimncapa·dencapa·ncapa´bordarncapa· asncapa· questOesncapa·
quencapa· possa fncapancapa· umncapa· quadroncapa· dencapa· referênciancapa· dencapa· planejamentoncapa· dencapa· medidasncapa· políticasncapa· encapa· dencapa·
quencapa·ncapaœbilitencapa·
ncapa ncapa©ancapaoncapa·justificarncapa·suancapa·própriancapa·lingua­ mudançancapa·como partencapa· dencapa·umncapa· movimentoncapa· educa­
gemncapa·quantoncapa·legitimarncapa· asncapa· práticasncapa· sociaisncapa· neces­ cionalncapa· encapa· s6cio-políticoncapa· maisncapa· amplo.ncapa· Exemplosncapa·
sárias parancapa·defenderncapa·umancapa·visãoncapa·particularncapa·daqui­ dessasncapa· aliançasncapa· entrencapa· professoresncapa· encapa· paisncapa· dencapa·
lo que asncapa· escolas podemncapa· sencapa· tncapaŒ.ncapa· Presosncapa· no criançasncapa· negras,ncapa· latinasncapa· encapa· brancas dencapa· baixancapa·
paradoxoncapa· dencapa· mostrarncapa· incapa£dignaçãoncapa· moralncapa· sem oncapa· rendancapa· têm-sencapa· generalizadoncapa· durantencapa· ancapa· erancapa· Rea­
beneficio dencapa· urna teoriancapa·bemncapa·definidancapa· dencapa·éticancapa·encapa· ganncapa‚ncapa· Porncapa· exemplo,ncapa· emncapa· Chicagoncapa· osncapa· paisncapa· sencapa·uni­
dencapa·moralidade,ncapa·osncapa· educadoresncapa·radicaisncapa·têmncapa·sidoncapa· ramncapa·aosncapa·professoresncapa·parancapa·criarncapa· osncapa·Parent Encapa¡ncapaªi­
incapazesncapa·dencapa· passar dencapa· umancapa·posturancapa·dencapa·críticancapa· zers de Chicago,ncapa·lideradosncapa·porncapa·DorncapaŽhncapa¯ncapa·Tillrnan.ncapa·
parancapa· urnancapa·visãoncapa· substantivancapa· Existencapa·umancapa· hesita­ Comoncapa· resultadoncapa·dessemncapaimento,ncapa· centenasncapa·dencapa·
ção nessa visãoncapa· comncapa· respeitoncapa· ancapa·quaisncapa·seriamncapa· osncapa· paisncapa· aprenderamncapa· muitoncapa· sobrencapa· oncapa·funcionamentoncapa·
ncapažncapa“ncapa· éticosncapa· quencapa· inspirariamncapa·essencapa· discurso;ncapa· doncapa· sistemancapa· escolar,ncapa· comoncapa· sencapa· tornarncapa· realmentencapa·
há tambémncapa· pouca compreencapa~oncapa· ancapa· respeitoncapa· dencapa· envolvidosncapa· nasncapa· escolas,ncapa· encapa· comoncapa· conseguirncapa· sencapa·
quaisncapa· poderiamncapa· serncapa· osncapa· referentesncapa· moraisncapa· quencapa· elegerncapa· parancapa· váriosncapa· postosncapa· dosncapa· cncapa‰lhosncapa· dencapa·
baseariamncapa· urnancapa· defesa dencapa· práticasncapa· sociaisncapa· encapa· decisãoncapa·dasncapa·escolas.ncapa· Esses paisncapa·sencapa· livraramncapa·dencapa·
culturaisncapa· pancapa¢ticulares,ncapa· assimncapa· cornoncapa· nãoncapa· existencapa· umncapa· programancapa· dencapa· leiturancapa· incapa¤jncapa³el,ncapa· criaramncapa·
urna compreensãoncapa· dencapa· quaisncapa· valoresncapa· precisamncapa· conselhosncapa· locaisncapa· dencapa· melhoriancapa· dasncapa· escolasncapa· encapa·
ser defendidosncapa·no interessencapa·dencapa·urnancapa·visãoncapa·emanncapa° exerceramncapa·umncapa·papelncapa·ativoncapa·nancapa·críticancapa·encapa·nancapa·reformancapa·
cincapa‘óriancapa· dancapa· escola . educacional.ncapa· Queremosncapa· argumentarncapa· quencapa· umncapa·
Emncapa· terceironcapa· lugar,ncapa· ancapa· teoriancapa· educacionalncapa· fatorncapa·contribuintencapa·sérioncapa·parancapa·oncapa·fracasso dancapa·teoriancapa·
radicalncapa·temncapa·sido incapa{ncapa· dencapa· desenvncapa†erncapa· formasncapa· educacionalncapa· radicalncapa·talncapa·comoncapa·ancapa·estamosncapa·dincapa§utin­
dencapa·análisesncapa·quencapa·tratemncapa· asncapa·escolas como lugaresncapa· doncapa· deve-sencapa· às deficiênciasncapa· inerentesncapa· à suancapa·
quencapa· ativamentencapa· produzemncapa· encapa· legitimamncapa· formasncapa· linguagemncapa·dencapa· análise.ncapa·
ncapaŸilegiadasncapa· dencapa· subjetividadencapa· encapa· dencapa· vida.ncapa· Há,ncapa·
nessa linguagem,ncapa· urna ausênciancapa· dencapa· preocupa­
çãoncapa· comncapa· qncapa­Oesncapa· relacionadasncapa· ancapa· cornoncapa· asncapa· Unguagem e realidade: bases conceituais
subjetividadesncapa·sãoncapa·escolarizadas,ncapa· como oncapa·poderncapa·
organizancapa· oncapa· espaço,ncapa· oncapa·temponcapa· encapa·oncapa· corpo,ncapa· comoncapa· ancapa· A fimncapa· dencapa· tratarncapa· dencapa· algunsncapa·dosncapa· problemasncapa·
linguagemncapa·éncapa· usada tantoncapa· parancapa· legitimarncapa· quantoncapa· quencapa· levantamosncapa· nancapa· seçãoncapa· anterior,ncapa· queremosncapa·
parancapa·marginalizarncapa·diferentesncapa·posiçOes-de-sujeito,ncapa· nos centrarncapa·nancapa·necessidadencapa·dencapa·umancapa·linguagemncapa·
ou comoncapa·oncapa·conhecimentoncapa·nãoncapa·apenasncapa·mistifica,ncapa· teóricancapa· maisncapa· abrangentencapa· quencapa· sejancapa· capazncapa· dencapa·
masncapa·tambémncapa·funcionancapa·parancapa·produzirncapa·identidades,ncapa· conceberncapa· asncapa· escolasncapa· comoncapa· lugaresncapa· complexosncapa·
desejos encapa·necessidades.ncapa·Comncapa·efeito,ncapa·comoncapa·Philipncapa· quencapa·nncapa¶ncapa·podemncapa·ser compreerididosncapa·tão-somentencapa·

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com a utilização seja das teorias da reprodução da especifICidade histórica (McLaren,ncapa· 1 988,
seja das teorias da resistência. Parte do projeto 1 989). O que isto signifICa, de acordo com
de transformar nossa compreensão do processo Rlchard Brown (1 987), é que devemos renunciar
de escolarização reside na forma como falamos à bifurcação que separa o literal e o objetivo do
sobre o próprio processo de escolarização. Isso, metafórico, do simbólico e do subjetivo. Brown
por sua vez, envolve um esforço com relação ao enfatiza que -as realidades à qual os símbolos
vocabulário teórico e ético que empregamos ao se referem sãoncapa·também simbólicas isto é... elasncapa·
analisar como as escolas funcionam em nossa sãoncapa·planejadas por atores humanos e dentro de
sociedade. Queremos argumentar que o propó­ algumancapa· moldura comum de perspectlva-.- Parancapa·
sito de desenvolver uma linguagem crítica sobre Brown, como para nós, isto sugere que as
o processo de escolarização não é o de descre­ palavras não sãoncapa·signos para coisas, mas antes
ver o mundo mais objetivamente, mas de criar as coIsasncapa²sãoncapa·signos para as palavras, uma vez
um mundo mais eticamente capacitador, que que não existe nenhuma realidadeaocial que
encoraje uma maior consciência a respeito da nAo seja experienciada através de uma matriz
forma pela qual o poder pode ser mobilizado social de discurso. Embora a linguagem nAo
para a liberação humana. A teoria educacional seja a única fonte de realidade (claramente
crítica precisa de uma linguagem que faça da existe um mundo não-discurslvo fora da lingua­
compreensão da forma como a experiência é gem), é em geral através da linguagem que se
produzida, legitimada e organizada um aspecto cria significado.
central da pedagogia. Precisamos examinar a Isto significa que não existe �m
linguagem e sua produção como uma forma de mundo Ideal, monolitlco, autônomo ou pristi no,ncapa·
argumento histórico; além disso, precisamos de que possa ser compreendido fora da natureza
uma linguagem que seja crítica sobre seus sociaJ da linguagem e ao qual nossas constru­
próprios mecanismos de autoridade. A lingua­ ções sociais necessariamente correspondam.
gem educacional crítica que vislumbramos é ExIste sempre um campo referencial no qual 08
uma linguagem na qual a diferença é vista como sImboIos sãoncapa·situados e este campo referencial
um local tanto de afirmação quanto de reelabo­ particular (isto é, linguagem, cultura, local,
ração, como uma prática crítica na qual a possi­ tempo) Influenciará a forma como os sfmboIos
bilidade de vida pública democrática se torne geram significado. A linguagem marca o mundo
uma referência central tanto da crítica quanto da com uma presença social que não é nunca
possibilidade. neutra ou desproblematizada. A linguagem não
Entender melhor a escola como um reflete uma Imagem Imaculada da realidade -lá
empreendimento culturalmente complexo, políti­ for&-: seja lá que imagem ou objeto ou evento
co, significa reconhecer a natureza social da ela procure representar, ela o faz através de um
linguagem e sua relação com o poder e formas processo de refração e distorção. Isto equivale
de conhecimento. Esta relação é crítica para a dizer não que o conhecimento seja sempre
compreender as limitações da forma pela qual falso, mas antes que ele não é nunca completo.
atualmente interpretamos o papel da escola em Pncapa„ncapa· dizer, portanto, que a linguagem
nossa sociedade. Mas antes de explorar esta produz compreensOes psrticulares do mundo,
questão, é importante conhecer algo sobre a lato é, significados particulares. Quando o
forma pela qual a linguagem funciona como um significadoé produzido através da Unguagem de
fator mediador e constitutivo daquilo que toma­ forma não-refletida, ao ponto de 88 tomar sedI­
mos como sendo a realidade. O primeiro ponto mentado como conhecimento de senso comum
que queremos enfatizar é que a linguagem - aquilo que chamamos Ideologia -, ele tende a
constitui um meio simbólico que molda e trans­ se apresentarncapa· como -Verdades fixas- ou -tatos
forma ativamente o mundo. Isto é, a linguagem existentes- sobre o mundo social,. como se
é o meio primário através do qual os indivíduos essesfatos fossem imunes a relações particula­
constroem socialmente seu conhecimento do res de poder ou interesses materiais. A lingua­
real e o meio pelo qual eles são posicionados gem, entretanto, é sempre situada no interior da
numa rede de significados sociais. A linguagem Ideologia e de relações de poder/conhecimento
não é nenhum conduto que leve a uma imutável que governam e regulam o acesso de c0muni­
ordem de coerência e estabilidade, mas é dades Interpretativas particulares a práticae
gerativa da realidade que evoca e à qual se especfficas de linguagem. Encapa· isto não é menos
dirige. O conhecimento nesta visão é construído verdade a respeito da linguagem que nós, como
simbolicamente pela mente (e pelo corpo) educadores, empregamos a fim tanto de c0m­
através da interação social e é fortemente de­ preender teoricamente nosso próprio trabalho
pendente da cultura, do contexto, do costume e com os estudantes quanto de ensiná-Ios. Os

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signifICados de qualquer evento ou experiência interior dos processos políticos e lingüísticos
estão disponiveis apenas através da linguagem pelos quais ela é trazida à vida (Brown, 1 987). A
selecionada pela comunidade interpretativa linguagem que usamos para ler o mundo deter­
particular que deseja tomar esses eventos mina, em grande medida, a forma como pensa­
il)teligiveis. A linguagem está sempre localizada mos e agimos no e sobre o mundo.
em discursos ou familias de idéias e a gama de Se é verdade que fazemos sentido da
discursos disponiveis a qualquer comunidade realidade social através da linguagem, que está
interpretativa é sempre limitada ou ·seletiva·, sempre repleta com uma gama de discursos
uma vez que a cultura dominante legitimou e sustentados por interesses materiais e formas
tomou disponivel certos discursos ao mesmo de poder social, então segue-Se que através da
tempo que desacreditou e marginalizou outros. lingoogem somos produzidos como sujeitos (por
O espaço de signifICado é sempre um espaço exemplo, providos com posiçOes-de-sujeito ou
ooIonizado no qual a necessidade e o desejo já pontos de vista). Seguindo este raciocínio, pode
inscreveram através de códigos culturais as também ser dito que a linguagem ajuda a
regras ·anônimas· do discurso e o campo mais constituir a subjetividade (a qual é, com freqüên­
amplo das relações políticas, econômicas e cia, construida a partir de uma multiplicidade de
sociais. A linguagem pode, portanto, ser usada posiçOes-de-sujeito). (Veja a excelente discussão
para enquadrar e legitimar diferentes leituras do da constituição da subjetividade em Weedon,
mundo. É tanto um sintoma quanto uma causa 1 987). Usamos o termo ·subjetividade" aqui
de nosso conhecimento cultural e de nossas como sendo diferente de ·identidade", porque
práticas sociais. a ·subjetividade" nos permite reconhecer e
tratar das formas pelas quais os individuos dão
sentido a suas experiências, incluindo seus
Unguagem e subjetividade entendimentos conscientes e inconscientes e as
formas culturais disponiveis através das quais tal
Um Importante ponto sobre a linguagem, entendimento é ou reprimido ou permitido. O
enfatizado por Richard Brown e outros, é que a termo ·identidade·, por outro lado, implica que
linguagem que usamos sempre implica uma existe uma essência fixa, independentemente da
·avocaçAo de realidades·, que é politicamente gama de discursos tomados disponfveis aos
parcial; ela sempre age como uma forma de indivlduos. Isto é, o termo identidade sugere um
"simboIizaçAo persuasiva", isto é, ela sempre sujeito soberano, unitário, auto-constituido, cujas
age retoricamente (Brown, 1 987). A idéia que características autônomas, primordiais, são
Brown está enfatizando aqui pode ser remonta­ pré-discursivas por natureza, supostamente
da a Wtttgenstein e a Vico e a pensadores constituldas fora da linguagem, da história ou do
anteriores e sugere que a verdade não é inde­ poder. Kar! Racevskis enfatiza este ponto quan­
pendente dos processos e objetivos políticos e do escreve:
lingüisticosncapa· ncapa’ncapa·qual ela é evocada. Em outras
palavras, a verdade não pode ser nomeada fora A identidade é o que é naturslmente dado e é
de suas dimensões retóricas. Neste sentido portanto considerada uma possessão; contudo
concordamos com Robert SchoIes (1 985), é também aquilo que possui o indMduo. Se,
por um lado, a identidede é constitulda por
quando diz que a linguagem, em certo sentido,
uma experiência pessoal e uma história indivi­
sempre contém um aspecto de violência e
duai, é também inevitavelmente um produto da
alienação no fato de que, como parte do proces­ alteridade dos determinantes cultursls, sociais
so de nomear a realidade, separa os seres e lingl1fsticos. Como o indivfduo reconstrói e
humanos daquilo que é nomeado. Além disso, reflete sobre uma identidade imaginária, ele/ela
toda vez que usamos a linguagem, envolvemo­ cultiva uma ilusão de controle consciente que
-nos num ato sócio-político altamente parcial. apenas serve para obstruir a natureza aleatória
Usar a linguagem é parcial e político porque e contingente desta essência imaginária (1988,
cada vez que a usamos também permitimos que p.21).

processosculturais sejam inscritos em nós. Em


troca, nós 8SCf8'I8fTlO8 e produzimos nossos Neste contexto, a identidade é imaginária
próprios scripts para nomear e negociar a (no sentido lacaniano) e, de acordo com teóri­
realidade. Não podemos reivindicar nenhuma cas feministas tais como Luca lrigaray, uma tal
imunidade diplomática com relação às conse­ construção do eu é invariavel e inevitavelmente
qüências da linguagem que empregamos. A masculina (Whitford, 1988).
identidade reside amplamente no interior das A subjetividade, por outro lado, sugere
dimensOeS retóricas da linguagem, isto é, no uma presença individual sem essência e subli-

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nha a contingência da identidade e o fato de experiência Isto é importante não apenas para
que os Indivíduos consiStem de um tlw<o Otn;­ pesquisadores que estão tentando entender o
centrado de posiçOes de sujeito altamente processo da escolarização, mas também para
dependentes do discurso, da estrutura social, e estudantes que estão tentando analisar critica­
do Investimento afetivo para manter um senso mente sua experiência cotidiana. A luta em torno
de coerência num mundo de mudança constan­ da forma como nomeamos e transformamos a
te. Preferimos este termo porque enfatiza o fato experiência é uma das questões mais cruciais na
de que a posição-de-sujeito é um ponto de vista pedagogia critica e no embate pela mudança
adotado por um locutor no interior de um discur­ social. Esta luta é, em parte, influenciada pela
so que pode ser afirmado ou colocado em luta em torno da linguagem e da forma como ela
oposiçAo às posiçOes adotadas por outros é empregada Como uma prática humana social­
locutores. Os discursos são investidos de formas mente organizada e culturalmente produzida, a
materiais e institucionais e governados por linguagem nunca atua sozinha, mas em conjun­
práticas discursivas que, seguindo Foucault, ção com leitores, com suas localizações sociais,
referem-se a regras históricas anônimas que com suas histórias, e com suas necessidades e
governam o que pode ser dito e o que deve desejos subjetivos. Apenas quando podemos
permanecer não-dito, quem pode falar com nomear nossas experiências - dar voz a nosso
autoridade e quem deve escutar (McLaren, próprio mundo e afirmar a nós mesmos como
1 989). Da perspectiva da escolarização, um agentes sociais ativos, com uma vontade e um
discurso pode ser definido como um -sistema propósito - podemos começar a transformar o
regulado de asserções- que estabelecem dife­ signifICado daquelas experiências, ao examinar
renças entre campos e teorias de educação criticamente os pressupostos sobre os quais
(Smith & Zantiotis, 1 989). Uma vez que os aquelas experiências estão construidas. Usar a
discursos emergem, e são constituldos, de linguagem sob formas espêcfflCaS pode ajudar
configurações particulares de poder, eles estão a constranger ou a possibilitar formas particula­
necessariamente ligados a uma posição ideoló­ res de comportamento. Isto pode ser visto na
gica Os discursos são ideológicos não simples­ linguagem usada por etnógrafos criticas e
mente como reflexos de uma base econômica, praticantes da pesquisá-ação que, tendo teoriza­
mas em seus efeitos de poder. Como tal, eles do a cultura dominante corno constituída de
podem ser considerados em si mesmos corno constrangimentos opressivos e impostos sobre
préticas materiais Os discursos localizam a
. os sujeitos sob estudo, com freqOência trabalha­
história não apenas no registro de uma noção ram para mudar as caracterfsticas opressivas
universallzada de verdade, mas antes na noção em ação nos seus locais de pesquisa, em vez
de práticas significantes (KapIan, 1 987). de simplesmente descrevê-Ias. Sem uma teoria
Nós, usualmente, consentimos em assumir da dominação, os pesquisadotes com freqOên­
posIçOes-de-sujeito que nos são familiares e nas cia consideram seus locais como neutros em
quais nos sentimos confortáveis. É através da termos de valores e escolhem agir como obser­
gramática textual do discurso (isto é, das regras vadores desinteressados, -objetivos·.
pelas quais os significados são gerados) que Os pesquisádores educacionais que são
nos constituímos a nós mesmos como um ente capazes de nomear a injustiça social com fre­
poIftico e também observamos, com Richard qüência ampliam seu papel de pesquisadores
Brown (1 987), que a -transformação das gramá­ para o de ativistas sociais. Mas se 08 conceitos
ticas de um ente poIftico é uma definição de de dominação e opressão não fazem parte do
revolução". Argumentamos que os discursos vocabulário do pesquisador, então com freqOên­
não cimentam totalmente identidades ou subjeti­ cia segue-se que a análise do pesquisador
vidades mas produzem uma gama de posições­ tenderá a permanecerdesinteressada, neutra e
de-8ujeito em torno das quais as subjetividades vazia de critica social. A linguagem faz circular
tendem a se agrupar e/ou resistirem-se mutua­ póder através de sua capacidade para ac0mo­
mente (Donald, 1 985). dar, produzir, e historicamente resistir a configu­
rações especificas de poder. Como uma prática
dominante, o uso da linguagem comprornete-se
Unguagem, experiência, e pró" a si mesmo não simplesmente ao nomear o
mundo de forma a sustentar relações de opres­
A ImportAncia da linguagem está no fato são e exploração, mas também através de sua
de que li através da linguagem que ao mesmo recusa em questionar a natureza construk:la de
tempo nomeamos a experiência e agimos, corno suas próprias categorias e as visOes seletivas
resultado da forma como interpretamos aquela que corporifica em sua própria geografia social.

28
A linguagem da teoria educacional convencional radical e se envolver em práticas sociais inspira­
com freqOência torna-se em sua instância um das por um compromisso com o estabelecimen­
sistema totalizador e opressivo precisamente to de uma ordem social mais democrática.
porque é incapaz de questionar sua própria Os professores e estudantes recebem
produção discursiva do real e das relações posições-de-sujeito na linguagem, as quais
sociais que tanto constrói quanto sustenta, governam sua gama de perspectivas de inter­
relações que com freqüência negam, em vez de pretação do mundo. O acesso a formas particu­
tornarem posslvel, uma vida sem exploração e lares de subjetividade é também regulado pelo
sem sofrimento humano. próprio ato de ler, em adição às relações sociais
Krystyna Pomorska (1980) escreve que institucionalizadas e às relações de poder que
predicar ou nomear constitui o núcleo do poder com freqüência fornecem o contexto para privile­
criativo da linguagem e que ao "predicar ou giar certas leituras com base na raça, na classe
nomear, criamos a realidade". A natureza da e no gênero. Tomemos o exemplo das subjetivi­
linguagem que usamos determina, ao menos em dades construídas-com-base-no-gênero; come
parte, a forma como damos sentido a nossas observa Chris Weedon, os discursos dominantes
experiências e o tipo de ação social na qual sobre a sexualidade feminina definem a sexuali­
escolhemos nos envolver como resultado do ato dade entre as mulheres como naturalmente
. de interpretar nossas experiências. Ela também passivas e constroem definições do feminino
determina a gama de possibilidades que temos que privilegiam um papel subordinado da mu­
para organizar nosso mundo social, para desen­ lher na ordem social (Weedon, 1987). Os inte­
volver novas formas de sociabilidade, e, como resses das mulheres são subordinados aos
professores, novas formas de pedagogia. Se a interesses dos homens através do exercício de
experiência é, em geral, entendida através da discursos patriarcais. Sobre isto, Leslie W.
linguagem, e a linguagem molda a forma como Rabine (1987-88) observa que "as próprias
vemos e agimos com e sobre o mundo, então estruturas da linguagem ocidental excluem as
segue-se que a experiência em si mesma não mulheres e só funcionam apenas por causa do
garante a verdade, uma vez que ela está sem­ silenciamento das mulheres e da repressão dos
pre aberta a interpretações conflituosas e con­ desejos sexuais femininos" e que nossa futura
traditórias. Isto é, nossa experiência não é existência depende de "ultrapassarmos as
alguma essência fixa ou fluida, ou alguma estruturas sexistas da subjetividade" (p. 21). Se
realidade concreta que exista previamente à a subjetividade é estruturada pela linguagem,
linguagem, esperando para ser refletida pela então a luta se traduz em desenvolver novas
linguagem. Em vez disso, a experiência é consti­ formas de subjetividade e linguagem que pos­
tuída pela linguagem (Weedon, 1987). sam integrar-se em lutas sociais (Rabine, 1987-
A experiência - "eventos e comportamen­ 88). Esta opressão através da linguagem ocorre
tos que ocorrem em formações sociais" (DeLau­ tanto nos discursos encontrados nas salas de
retis, 1987) - é altamente constitutiva da subjeti­ aula quanto naqueles encontrados em consultó­
vidade. Uma vez que a linguagem nos permite rios médicos, cortes judiciais ou em teorias
interpretar nossa experiência, então se segue sobre a escola. Nossas subjetividades são
que a linguagem é constitutiva também da construídas na linguagem através do jogo dos
subjetividade. Tamos observado que a experiên­ discursos e de posições-de-sujeito que consenti­
cia não fala por si mesma, fora dos quadros de mos em assumir. Os discursos não podem ser
referência (discursos) associados com a lingua­ entendidos fora dos padrões institucionais, das
gem que selecionamos ou que sá<> dados, a fim formas de transmissão, das práticas sociais e
de dar sentido àquela experiência. A questão de interesses materiais que os inspiram e os
séria aqui diz respeito às formas pelas quais sustentam. A linguagem, em si mesma, não é
fomos inseridos na linguagem tanto como pro­ naturalmente exclusiva de um gênero, mas as
.tessores quanto como alunos. Situar refletiva­ posições de sujeito que assumimos no interior
mente a nós mesmos no discurso - na lingua­ de certos discursos são de fato moldadas pelo
gem - é historicizar nosso papel como agentes gênero e são sustentadas pelo poder social e
sociais. Se pensamos apenas aqueles pensa­ institucional patriarcal (Weedon, 1987).
mentos para os quais já temos as palavras para Os textos criam significados particulares e
expressá-los, entáo nossa presença na história modos de entendimento que precisam ser
permanece mais ou menos estática. Parte do investigados. Em nossas salas de aula, estamos
estado desta crise é refletida na indisponibilida­ começando a reconhecer a exigüidade dos
de de posições-de-sujeito nas quais seja permiti­ textos sobre a resistência histórica das mulheres
do aos estudantes praticar formas de crítica ao patriarcado (que chega mesmo ao silencia-

27
mento das mulheres), exigüidade que tem libertar da prisão da linguagem, tanto os estu­
privado os estudantes de conhecerem a história dantes quanto os professores e pesquisadores,
de posiç6es-de-sujeito resistentes e alternativas precisamos entender que a realidade não é
que ilustrem o status não-natural das normas idêntica às categorias do discurso, uma vez que
atuais de gênero (Weedon, 1 987, p. 170). A entender o contrário significaria limitar a mudan­
advertência de Weedon é importante: ça social às permutações de discurso no interior
do mesmo conjunto de categorias (Whitford,
Embora precisemos de textos que afirmem as 1988). Allan Megill nos faz lembrar que
posições marginalizadas de sujeito, é importan­
te, entretanto, termos constante cautela quanto se adotamos... a visão de que tudo é discurso
aos perigos de se fixar posições e significados ou texto ou ficção, os realia são realmente
de sujeito para além do momento em que são trivializados. As pessoas reais que realmente
politicamente produtivos (1�7, p. 1 72). morreram nas cêmaras de gás em Auschiwitz
ou Treblinka tornam-se apenas discurso (1985,
o que Weedon está enfatizando é que p.345)
todos os textos (e estamos usando o termo
"texto" para significar representações diversas Irigaray e Castoriadis nos convocam para
tais como instituições, salas de aula, comporta­ lutar pela mudança no interior da próprio incons­
mentos, e práticas sociais) precisam ser entendi­ ciente social ou da ordem simbólica; precisamos
dos em sua especificade histórica, política e acreditar que "transformações radicais do
cultural. Isto é, nenhum texto é entendido da imaginário social podem ocorrer, e uma configu­
mesma forma por leitores que ocupam contextos ração nova e antes inimaginável pode tomar
diferentes em cruzamentos históricos diferentes. forma (Whitford, 1988, p. 121). É nesta arena do
Por exemplo, é errado supor que as leituras imaginário social que a pedagogia crítica, como
feitas por homens e mulheres, ou pelos ricos e uma forma de política cultural, pode fazer uma
pelos pobres, sejam homogêneas. Tratando intervenção necessária. Ao reconhecer que os
desse tema, Tony Bennett (1986; Kaplan, 1987) indivíduos são produzidos através do choque de
reconhece o reiterativo e já codificado status da discursos e posições de sujeito conflitantes, a
produção de conhecimento. Bennett ataca a pedagogia crítica pode nos ajudar a criticamente
noção da experiência única, unitária, do signifi­ questionar aqueles discursos, permitindo-nos
cado de leitura, ao argumentar que os sujeitos desenvolver um senso de "agência crítica". A
abordam um texto com percepções já codifica­ agência, neste caso, refere-se à habilidade dos
das do que ele chama de "formações de leitu­ indivíduos em analisar a subjetividade, refletir
ra", constituídas de um conjunto de determina­ sobre as posições de sujeito que assumiram, e
ções discursivas e textuais que organizam e ou selecionar ou criar aquelas que têm a maior
animam a prática da leitura. Estas formações de capacidade para transformar a sociedade no
leitura podem, como observa Bennett. ser mol­ interesse da justiça social.
dadas pelos códigos dominantes que governam O que isto significa pedagogicamente
o texto popular ou por códigos subculturais tais para educadores críticos não é fácil de ser
como feminismo, sindicalismo, marxismo, o articulado. Sentimos que para os estudantes isto
pensamento da Maioria Moral, o pensamento significa ensiná-los a ler textos como linguagens
branco dominante, e assim por diante. Em construídas através da ordenação de códigos
alguns casos, o leitor recusa a posição oferecida particulares, que nomeiam e legitimam a realida­
e nega a interpolação e pode também haver de e identidades sociais de formas específicas.
uma discrepância ideológica co relação à raça.
� Os estudantes precisam aprender a ler não
A questão para os educadores pode ser sinteti­ como um processo de submissão à autoridade
zada desta forma: Em que médida as práticas do texto mas como um processo dialético de
de escolarização convenciónais duplicam as compreensão, crítica, e transformação. Eles
formações de leitura já construídas de professo­ precisam escrever e reescrever as histórias nos
res e estudantes? textos que eles lêem de forma a serem capazes
Até aqui, na nossadiscussão, parece que a mais prontamente identificar e desafiar, se
o molde está feito. que "o jogo da linguagem" necessário, como tais textos ativamente traba­
fixou-nos como estudantes, professores e pes­ lham para construir suas próprias histórias e
quisadores, como sujeitos "sempre já falados" vozes. Ler um texto deve ser uma forma de
pelo discurso em vez de nos permitir que nos aprender a como escolher, como construir uma
tornemos agentes sociais que ativamente con­ voz, e como localizar a si mesmo na história. Isto
testam a prisão da linguagem. A fim de nos significa intervir na formação do próprio eu e na

28
formação do eu de outros. Uma vez que os estudos literários, da teoria feminista, do pós-es­
discursos que trabalham através da linguagem truturalismo, do pós-modemismo, da teoria
levam a práticas sociais e institucionais particu­ democrática Teoricamente isolados das muitas
lares, um conhecimento dos discursos que inOvações que estão ocorrendo no mundo mais
Inspiram nossas subjetividades pode levar à amplo da teoria social, muitos teóricos educacio­
construção de novas formas de subjetividades, nais radicais deixaram de criticamente desafiar
de relações sociais, e de arranjos sociais mais as limitações dos projetos políticos implicitos em
receptivos à igualdade e à justiça social. Para os seu próprio trabalho e têm-se inclinado, em vez
professores e pesquisadores educacionais isto disso, a pregar a importância da linguagem do
significa ser capaz de reconhecer as limitações simplismo e a privilegiar a prática SObre a t�ria.
que a teoria social convencional tem imposto à O apelo para escrever numa linguagem que é
forma pela qual entendemos a escolarização e exaltada como clara e acesslvel cada vez mais
sua relação com a sociedade mais ampla e desmorona sob o peso de seu próprio anti-inte­
como isto tem moldado nossas subjetividades lectualismo. De forma similar, a teoria dissolve-se
como intelectuais envolvidos em nomear e agora na prática, sob o apelo angariador de
produzir uma visão particular do mundo. votos, para focalizar-se no concreto como a
Todos falamos de uma posição-de-sujeito esfera abrangente de estratégia e relevância
ou outra, o que significa dizer que não podemos educacional. O propósito de se argumentar
nunca escapar da ideologia ou dos efeitos do contra estas preocupações não é apenas o de
discurso. As posições de sujeito, como observa­ um engenhoso exercício dirigido a simplesmente
mos, dão-nos a üusâo de estarmos temporaria­ reverter a relevância das categorias, de forma
mente fixados como autores autônomos de que a teoria seja priorizada em detrimento da
significado e agentes de prática social. A ques­ prática, ou a linguagem abstrata em detrimento
tão não é lamentar nossa falta de autonomia da linguagem das metáforaS do senso comum.
total, mas ativamente envolvermo-nos em formas Nem estamos simplesmente sugerindo que os
de -agência crítica- através da compreensão educadores críticos elaborem um argumento
dos arranjos de poder e dos interesses que são igualmente reducionista contra o uso de uma
legitimados, ao assumirmos de forma não-crítica linguagem clara ou contra a importância da
posições particulares de sujeito. Estamos adver­ prática O que está em questão aqui é a neces­
tindo aqui contra a SObredeterminação da sidade tanto de questionar quanto de rejeitar o
linguagem na produção do sujeito social. Como reducionismo e as exclusões que caracterizam
Richard Johnson (1986/87) observa, devemos as oposições binárias que inspiram esses senti­
considerar seriamente a noção de vontade mentos abertamente pragmáticos.
política e a auto-produção discursiva de sujeitos. A linguagem é sempre construída com
A questão, naturalmente, é como através
, respeito à especifICidade da audiência à qual se
da linguagem da análise educacional, os profes­ dirige e deveria ser julgada não apenas em
sores tornaram-se produzidos como sujeitos termos pragmáticos mas tamQém com respeito
sociais e como isto afeta seus papéis como à viabilidade teórica e política do projeto que ela
pesquisadores e instrutores. Uma vez que os articula. Não é a complexidade da linguagem
educadores tenham reconhecido as múltiplas que está em questão aqui, mas a viabilidade do
formas pelas quais eles são produzidos através quadro teórico que ela constitui e promove.
da linguagem, eles podem começar a proporcio­ .Além disso, a relação entre teoria e prática é
nar a seus alunos uma linguagem crítica que os multifacetada e complexa. Colocado de forma
ajude a tornarem-se cônscios de sua própria simples, a teoria em algumas instâncias orienta
auto-formação. Na próxima seção descrevemos diretamente a prática, enquanto em outras, a
mais especifteamente alguns problemas centrais prática reestrutura a teoria como uma força
com a linguagem que atualmente constitui a primária de mudança Em alguns casos a teoria
.teoria educacional radical. (00 sentido mais limitado da prática de produ­
ção de narrativa e retórica) fornece o refúgio
para se pensar além das formas presentes da
A linguagem e a primazia do projeto poIftlco prática, de modo a vislumbrar aquilo que -ainda
não é-. Privilegiar a prática sem a devida consi­
A inadequação política e estratégica de deração das complexas interações que assina­
grande parte da linguagem que atualmente lam a totalidade daS' relações teoria/prática e
constitui a teoria educacional radical é evidente linguagem/significado não é apenas reducionis­
em sua recusa global em utilizar os ganhos ta, mas também uma forma de tirania a serviço
teóricos que têm caracterizado os campos dos da prática Desautorizar a teoria desta forma

29
equivale a ignorar o valor político do "discurso prática que tem mais a ver com uma defesa dO
teórico" no contexto de uma conjuntura histórica status quo que com uma política viável de teoria,
especifica Isto é, ao invés de examinar a lingua­ linguagem e escolarização.
gem da teoria como parte de um momento Além de argumentar contra a preocupa­
histórico mais amplo de auto-exame, a lingua­ ção com a clareza em detrimento do projeto
gem e a politica são simplesmente reduzidas a político que a linguagem busca iluminar, tam­
uma preocupação desproblematizada com a bém desconfiamos dos novos discursos pós-es­
clareza, ao invés de ser vista como um desafIO truturalistas que com freqüência fetichizam o
à própria certeza A intimidade da dialética entre texto às cust� daqueles para os quais a análise
teoria e prática é reduzida a uma oposição entre supostamente deve servir. 'Gostaríamos de
teoria e complexidade, por um lado, e entre deixar claro desde o início que o tipo de lingua­
prática e clareza por outro. Isto constitui a marca gem crítica que estamos advogando não endos­
de um anti-intelectualismo insfpido, pragmático, sa, como o fazem descontrucionistas como
cuja tendência niveladora obstrui o papel da Derrida, a posição de anti-refencialidade (a
linguagem na construção da teoria como uma negação da possibilidade da presença, da
prática histórica específica, que toma possiveis percepção e também da experiência, que acar­
a palitica e a préxis, como parte de um envolvi­ reta a afirmação de que nunca experienci amos
mento com as particularidades e os problemas qualquer coisa porque encontramos apenas
de um dado lugar e tempo. traços retardados de coisas, isto é, apenas uma
Na conjuntura histórica atual, com seu estrutura de recorrência infinita ou puras diferen­
apelo à universalidade, sua visão totalizante da ças nas quais há apenas traços previamente a
história, sua formulação etnocêntrica de cultura, qualquer entidade à qual eles se refiram). De
e sua celebração da ambição e do individualis­ forma similar, não queremos anular o mundo ao
mo, as questões a serem feitas sobre linguagem argumentar que a referên6ia é simplesmente
e teoria podem começar com as condições uma miragem da linguagem. Isto não é a mes­
necessáriaspara desenvolver formas de prática ma coisa que argumentar em favor da percep­
teórica capazes de recuperar a história como o ção sem mediação ou afirmar que o mundo não
discurso do Outro, advogando a democracia é textualizado por relações de poder e interesse;
como um local de luta dentro de uma visão em vez disso, significa, nas palavras de Robert
socialista mais ampla, e desenvolvendo uma Scholes (1 985), afirmar que a linguagem acomo­
ética radical que rejeite o finalismo e o consenso da a realidade tanto quanto a constrói, que "a
como a voz da diferença e do diálogo. No linguagem humana intervém num mundo que já
momento atncapa«,ncapa· a teoria oferece a oportunidade interveio na linguagem" (p. 1 1 2). Não estamos
para urna prática discursiva cuja identidade e de forma alguma sugerindo que a teoria social
valor poIftico podem ser entendidos apenas sob pós-estruturalista e desconstrllltivista deva ser
circunstâncias particulares, sob a inspiração da rejeitada Uma tal posição é ridícula e deixa de
conjuntura histórica que lhe dá seu significado. compreender muitos dos ganhos teóricos impor­
Como expressou Bruce Robbins (1 987/88), o tantes feitos pelos diversos proponentes a partir
debate real em tomo da teoria é tanto sobre o dessas perspectivas. Estamos particularmente
conteúdo ideológico específico dos vários convencidos pelo argumento pós-estruturalista
discursos teóricos quanto sobre as "circunstân­ que afirma que não existem grandes teorias com
cias que dAo a essas idéias seus limites e sua as quais justificar práticas sociais que sejam
força de convencimento" (p. 9). O que está em neutras e apolíticas - isto é, fora da ideolog� e
questão aqui é se a linguagem da teoria traba­ além da especificidade e da luta históricas. Alem
lha no interesse de tornar o familiar estranho, disso, endossamos plenamente aquelas aborda­
recon� a diferença como a base para gens desconstrutivistas e pós-estruturalistas que
uma filosofiapública que rejeite teorias totalizan­ sugerem que as concepçOes de conhecimento
tes que vêem o outro como déficit, e fazendo da Iluminismo, verdade, objetividade, e razão
questões que a cultura dominante acha muita são os efeitos de formas assimétricas de poder
perigosaspara levantar. O que muitos educado­ social.
res "radicais" esquecem é que a importância da Nossa preocupação principal com o
linguagem corno uma prática teórica vem de seu legado pós-estruturalista e suas várias manifes­
poder corno um discurse) critico e subversivo. tações na critica literária, na teoria dramática, e
Julgar a teoria com a simples medida da clareza em outros locais da academia é a forma com
muito fr�8t1'I8flIe representa um fracasso que ele nega a viabilidade do trabalho político
dos educadores em refletir sobre sua própria ao expressaro discurso do ceticismo profundo.
prática na conjuntura histórica presente, uma Sua carência total de uma filosofia pública, sua

30
carência de conexões orgânicas com uma mente quando a literatura das passoas de
esfera pública mais ampla, sua ênfase numa outras raças,. de mulheres negras, de latino-a­
noção estreita de textualidade, sua dominação mericanos, de africanos começou a se mover
por intelectuais de escolas de elite, e seu pe­ para o ·centro·.
dantismo quase ilegível convertem-no não numa
ameaça às configurações estabelecidas de
Desenvolvendo um discurso de pedagogia
poder, mas num aliado involuntário. Existe um
critica e de alfabetlsmo critico
elemento domesticador em sua prática, um
elitismo, que ameaça sufocar seus mais impor­
Nesta seção final tentamos oferecer um
tantes insights teóricos, ao isolá-lo daqueles que
esboço de uma abordagem educacional que
são mais oprimidos, e uma presunção que
leve a sério a questão da produção de conheci­
substitui a ação e a substância real pela conven­
mento através da tínguagem e da experiência. A
ção acadêmica. Existe uma certa polidez que
pedagogia crítica toma como um de seus objeti­
governa esse discurso, que o torna muito d0-
vos mais fundamentais uma compreensão de
mesticado para ser levado a sério, uma estreite­
como as experiências e necessidades construí­
za de visão, que alimenta a própria sociedade à
das e, com freqüência, contraditórias dos estu­
qual ele diz se opor. Robert Scholes se dirige a
dantes podem ser tornadas problemáticas de
algumas dessas questões:
forma a fornecer a base para explorar a interface
entre suas próprias vidas e os limites e possibili­
para a geração cujas sensibilidades foram
moldadas pelos anos sessenta, a irreverência
dades da ordem social mais ampla. Tradicional­
narcislstica da desconstrução exerce uma
mente, os educadores radicais têm enfatizado a
profunda atração. Para aqueles que ainda se natureza ideológica do conhecimento (seja
lembram dos s/ogans do passado o bastante como uma forma de ideologia-crítica, seja como
para pensar em si mesmos como tando se conteúdo ideologicamente correto a ser levado
rendido, como tendo sido cooptados pelO aos estudantes) como o foco primário para o
sistema, a postura verbal ou textual oferecida trabalho educacional crítico. É central a esta
pelo discurso desconstrutívista é quase irresis­ perspectíva uma visão do conhecimento que
tfve/. Seu apelo é tão forte porque ele permite sugere que ele é produzido na cabeça do
um deslocamento do ativismo polftico em
educador como professor/autoridade e não em
direção a um mundo textual onde a anarquia
um envolvimento interacional e primariamente
pode se tornar o sistema sem ameaçar as
sedes reais do poder econ6mico e poiftico. O
cultural, expresso através do processo de escre­
radicalismo polftico pode assim ser díluldo ou
ver, falar, debater e discutir sobre o que conta
sublimado num radicalismo textual que pode como conhecimento legítimo. Nesta perspectiva,
alegremente teorizar seu próprio desligamento a produção de conhecimento está limitada à
de realidedes desagradáveis (1988, p. 284). aquilo que se passa fora da sala de aula, e as
formas pelas quais professores, alunos e textos
No contexto da educação superior nos interagem para produzir leituras particulares e
Estados Unidos, a desconstrução tem estreitado formas de conhecimento são geralmente ignora­
o alcance e a substância da resistência, ao das. Uma teoria crítica da educação precisa
deslocar categorias mais antigas de opressão reconhecer que o próprio processo pedagógico
tais como classe, gênero e raça (Christian, representa um aspecto importante da produção
1987); ela tem solapado a noção de agência do conhecimento nas salas de aula. Isto é
numa época em que muitos grupos subordina­ crucial não apenas para se compreender como
dos estão tentando localizar-se como parte de os estudantes se baseiam ativamente em seus
um movimento social mais amplo por justiça recursos culturais para produzir significado, mas
cultural, econômica e política. É com este senti­ também porque teoricamente legitima as várias
mento em mente que Barbara Christian (1987, p. formas de investimentos que os estudantes
'55) escreve: fazem no próprio processo de aprendizagem. A
própria pedagogia não está meramente preocu­
a nova ênfase na teoria crftica literária é tão pada com transmitir conhecimento, ela está
hegem6nica quanto o mundo que ela ataca. primariamente preocupada com a forma como o
Vejo a linguagem que ela cria como uma conhecimento produz tanto significado quanto
linguagem que mistifica, em vez de clarificar
afeto, como ela vem a ser uma moeda cultural
nossa condição, tornando passlvel pera umas
que ressoa e amplia os interesses que tanto
poucas pessoas que conhecem aquela lingua­
professores quanto estudantes partilham no
gem particular controlar a cena crItica - aquela
linguagem emergiu, por coincidência, exata-
contexto da sala de aula.

31
o tipo de pedagogia crítica da linguagem tório. É portanto imperativo que os educadores
e da experiência que deriva dos processos críticos aprendam a compreender, afirmar, e
produtivos e interativos que formam o encontro analisar essa experiência. Isto significa não
de sala de aula está fundamentalmente preocu­ apenas reconhecer os limites e as possibilida­
pada com a experiência dos estudantes num des inerentes às formas culturais e sociais
sentido triplo. Primeiramente, o conceito de através das quais os estudantes aprendem
experiência do estudante é validado como uma como definir a si mesmos, mas também apren­
fonte primária de conhecimento e a subjetivida­ der como envolver a experiência dos estudantes
de do aluno é vista como um repositório multifa­ numa pedagogia que seja tanto afirmátiva
cetado, com freqüência contraditório, de signifi­ quanto crítica e que ofereça os meios para o eu
cados. Nesta perspectiva, a experiência e a e para a transformação social. (Estas questões
subjetividade não se confundem com a noção são plenamente desenvolvidas em Giroux,
humanista de um ego integrado como a fonte 1988).
de todas as açOes e comportamento (embora Em terceiro lugar, um discurso pedagógi­
esta posição tenha se inclinado a olhar para a co crítico precisa incorporar uma teoria viável de
forma como a memória e a história fornecem alfabetismo crítico, um discurso que neste caso
algum sentido de continuidade fluida .ao eu). De se centra nos interesses e pressupostos que
orientam a própria geração de conhecimento.
forma similar, se a experiência do estudante é
Isto é particularmente importante para desenvol­
vista como constituída a partir da diferença e
ver uma pedagogia, como o expressaria Paulo
como enraizada em práticas discursivas e
Freire, tanto para ler o mundo quanto para ler a
não-discursivas contraditórias, então tanto as
palavra (Freire & Macedo, 1988).
experiências que os estudantes trazem para as
Os textos escolares são, na maior parte,
escolas quanto as formas culturais a partir das
os produtos de interesses que inspiram os
quais elas são produzidas operam no interior de
grupos sociais e culturais dominantes. O alfabe­
tensões que não são nunca fechadas ou inex­ tismo crítico tenta desestabilizar as constelações
pugnáveis. O conceito do sujeito que emerge de fatos reificados e desfamiliarizar os mitos
desta nossa visão da experiência do estudante domesticantes que, com freqüência, servem
como um terreno de luta é articulado por Larry para legitimar relações de poder e privilégio
GroSsberg: entre grupos dominantes. Os textos são questio­
Este sujeito ·pós-humanístico· não existe com nados tanto pelo que não dizem - por seus
uma identidade unificada (mesmo se entendida ·silêncios estruturados' - quanto pelo que
como uma estrutura hierárquica articulada de dizem. Agir a partir de uma posição de alfabetis­
seus vários posicionamentos de sujeito) que de
mo crítico significa reconhecer que o conheci­
alguma forma se manifesta a si mesmo em
mento nunca fala por si mesmo (Giroux, 1 987).
todas as práticas. Em vez disso, é um sujeito
Mesmo as alegadas grandes obras de literatura
que é constantemente refeito, remoldado,
como um conjunto movelmente situado de
não transcendem a história ou a especificidade
relações, num contexto fluido. O sujeito nomá­ contextual dos discursos que as geram; argu­
dica é como uma ameba, lutando para ganhar mentar que essas obras merecem ser universal­
algum espaço para si mesmo na situação local. mente conservadas, independentemente das
O próprio sujeito tornou-se um campo de luta, formações de leitura particulares dos estudantes
um campo contfnuo de articulação, com seus aos quais o currículo pretende servir, é deixar de
próprios efeitos, determinações e história fazer este reconhecimento. Isto é, o conheci­
(Grossbarg, 1985, p. 197). mento não deve ser apresentado como inexora­
velmente dado e auto-justificado por sua valora­
Em segundo lugar, uma tal pedagogia
ção acadêmica através dos tempos, mas deve
tenta fornecer aos estudantes os meios críticos
ser abordado como uma forma de produção que
para examinar suas próprias experiências parti­
não perde de vista a natureza socialmente
culares vividas e as formas de conhecimento constitutiva tanto de leitores quanto de textos.
subordinadas. Isto significa ajudar os estudantes Desta forma, os educadores podem vir a com­
a analisar seus próprios significados culturais e
preender por que, por exemplo, o conhecimento
interpretações dos eventos, de forma a iluminar de alto status das obras literárias clássicas
e intervir nos processos pelos quais eles são
tornou-se o único tipo de conhecimento consi­
produzidos, legitimados ou desautorizados. A derado imutável e sagrado o suficiente para
experiência do estudante é o meio fundamental
garantir sua inclusão no proposto currículo
de cultura, agência, e formação de identidade e 'nacional' e por que os conhecimentos subju­
deve ganhar prioridade num currículo emancipa-
gados dos grupos economicamente em desvan-

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tagem, das mulheres, das minorias, são insisten­ criamos um texto sobre um texto; e ao criticar,
temente relegados. construímos um texto contra um texto. Ler o
Uma pedagogia voltada para alfabetismo mundo e a palavra significa compreender os
crítico deve fazer mais do que questionar e códigos culturais e genéricos que nos permitem
desmistificar os interesses que orientam as construir as palavras para formar uma história -
formas de conhecimento dominantes; ela deve história que podemos dizer em nossas próprias
também incluir e trazer para o centro do currícu­ palavras, e de diferentes pontos de vista. Inter­
lo aquelas formas de conhecimento que consti­ pretar significa ser capaz de tematizar e genera­
tuem as esferas do cotidiano e do popular. lizar sobre as llarrativas que constituem a expe­
Estas são formas de conhecimento que consti­ riência social. Em suma, significa ser capaz de
tuem a experiência dos estudantes; elas são revelar as pressuposições e motivos ocultos que
também parte daquelas formações culturais estruturam nosso sistema cotidiano de valores.
mais amplas que promovem formas de manipu­ Em outras palavras, refere-se a apreender os
lação historicamente sem precedentes neste elementos ideológicos de nosso mundo social.
país. O conhecimento de massa e popular é Criticar significa compreender a construção da
desconstruído como parte de uma teoria crítica vida social como um modo particular de produ­
de ensino e aprendizagem. Os educadores ção que pode ser analisado juntamente com
precisam adquirir mais conhecimento sobre a outros textos culturais que se referem a outros
fdrma como os estudantes se envolvem nessas modos de discurso ético e formas de sociabili­
formas de conhecimento popular e de massa; dade nos quais os estudantes podem basear
eles precisam compreender como essas formas sua ação social no mundo. (Estas categorias
de conhecimento operam através de diversos são extraídas de SCholes, 1 987).
circuitos de poder; sua produção na economia, Em suma, o que uma pedagogia crítica da
sua legitimação no mercado de massa, e sua linguagem e da experiêncía tenta fazer é prover
apropriação pelos estudantes. Para o alfabetis­ os estudantes com ·contra-discursos" ou ·posi­
mo crítico ser eficaz ele deve estar imerso nas ções-de-sujeito resistentes" - em suma, com
condições concretas de vida dos próprios uma nova linguagem de análise - através dos
estudantes. A este respeito, é especialmente quais eles possam adotar uma distância crítica
importante explorar a conexão entre a alienação de suas posições de sujeito mais familiares, a
dos estudantes e a resistência de sala de aula fim de se envolverem numa práxis cultural mais
com as novas formas de narrativa atualmente apta a fortalecer o projeto de transformação
sendo construídas no domínio do popular. Um social. Precisamos ajudar os estudantes a
alfabetismo crítico situa-se a si mesmo na inter­ problematizar a especificidade histórica da
secção da linguagem, da cultura, do poder, e da produção de suas próprias posições-de-sujeito
história - o nexo no qual as subjetividades dos e modos de sociabilidade e Seu lugar na rede
estudantes são formadas através de incorpora­ hegemõnica atual de poder social. O poder,
ção, aedÍllodação, e contestação. A luta é uma como vimos, é exercido através de formas de
luta que envolve sua história, sua linguagem, e subjetividade que significam que as posições­
sua cultura. O que faz com que o alfabetismo de-sujeito que adotamos de forma acrítica e sem
seja ·crítico" é sua capacidade para tornar o um conhecimento de alternativas mais progres­
aprendiz consciente de como as relações de sistas podem levar à produção de práticas
poder, as estruturas institucionais, e os modelos sociais opressivas. Naturalmente, desenvolver
de representação trabalham sobre e através da uma pedagogia crítica da linguagem e da expe­
mente e do corpo do aprendiz para mantê-lo riência para uso com os estudantes pode ape­
impotente, aprisionado numa cultura de silêncio. nas vir do desenvolvimento e da utilização de
Na verdade, uma perspectiva crítica exige que o uma nova linguagem teórica para os educado­
pnSprio processo ideológico da linguagem seja r� que desejam fortalecer sua compreensão
questionado. crítica de como as escolas funcionam no contex­
Uma pedagogia da linguagem e da expe­ to da sociedade mais ampla, e corno elas aju­
riência significa ensinar os estudantes a ler dam a influenciar a construção das subjetivida­
criticamente tanto a palavra quanto o mundo, des de seus estudantes.
com uma consciência da codificação cultural e Claramente, a pedagogia crítica prestou
da produção ideológica envolvida nas várias um importante serviço ao iluminar, através de
dimensões da vida social. Isto significa, como uma linguagem crítica, as condições que envol­
observa Robert Scholes, ensinar os estudantes vem as escolas, a sociedade mais ampla, e o
a ler, intepretar e a criticar. Ao ler, produzimos exercício do poder cultural que poderia, de outra
um texto dentro de um texto; ao interpretar, forma, permanecerobscuro e oculto. Sua utilida-

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de ideológica e política principal tem sido a de ao longo deste artigo que a rede hermenêutica
deslindar a forma pela qual as escolas reprodu­ a partir da qual nossas atuais compreensões da
zem a lógica do capital através de formas ideo­ escolarização são extraídas deve ser retecida a
lógicas e materiais que estruturam as vidas dos fim de capturar uma compreensão contextual
estudantes de grupos de classes, etnias e gêne­ mais ampla da relação entre escolarização e
ros diferentes. Mas, a fim de ir além de simples­ economias de privilégio e circuitos de poder em
mente mudar nossa opinião da escola através funcionamento na sociedade mais ampla. Nossa
da revelação das condições opressivas da esco­ posição tem sido a de que uma transformação
larização, é necessário adotar uma linguagem das dimensõ!3s opressivas da escolarização
diferente de análise teórica, que seja capaz de deve ser precedida por uma transformação da
remodelar radicalmente nossa própria compre­ lingu�gem que usamos para falar sobre, e
ensão da relação escola/sociedade. Para conse­ portanto compreender, interpretar, e criticar o
guir isto, temos consistentemente argumentado processo e o propósito da escola.

* * *

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Este texto foi originalmente publicado no livro Contem­ taff e publicado por Ablex Publishing Corporation.
por8/)' Issues in U.S. Education, organizado por Publicado aqui oom a autorização dos autores. Tradu­
Kathryn M. Borman, Piyush Swami e Lonnie P. Wags ção de Tomaz Tadeu da Silva.

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Henry A. Giroux e peter McLaren são professores da Miami University, Ohio, Estados U nidos da América.

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