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Compreender

os Meios de Comunicação
Extensões do Homem

Tradução de
Relógio D'Agua Editores José Mieuel Silva
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Published by arrangement with The Estate of Herbert Marshall Mcluhan
and Gingko Press, Coúe Madera, CA.
All rights reserved

Título: Compreender os Meios de Comunicação


Título original: Understanding Media
- Extensões do Homem
The Extensions of Man (1964)
-
Autor: Marshall Mcluhan
Tradução: José Miguel Silva
Revisão de texto: Alda Couto
Capa: Carlos César

@ Relógio D'Agua Editores, Maio de 2008

Se não encontrar nas livrarias o livro que procura da R. A., pode recorrer ao sítio
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Composição e paginação: Relógio D'Água Editores


Impressão: Guidé, Artes Gráficas, Lda.
Depósito Legal n.': 275738108 Antropos

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lo radar. o mesmo poderá perfeitamente acontecer com grandc pur.tc dos
nossos actuais programas escolares, jâ,paranão falar das artes em gcral.
Desses pÍogramas, só nos podemos permitir utilizar aquelas partes que
favorecem a percepção das nossas tecnologias e as suas consequências
psíquicas e sociais. A arte como ambiente-radar assume a funçãã de um
indispensável treino perceptual, mais do que o papel duma dieta privile-
giadapara as elites. Se as artes enquanto feedback de um radar fornecem
uma imagem corporativa, dinâmica e em mutação, o seu objectivo pode
ser, não o de nos prepaÍar para a mudança, mas antes o de nos manter
numa trajectória estável em direcção a objectivos permanentes, mesmo 1
por entre as inovações mais fracturantes. Nós descobrimos já a inutilida-
de de alterarmos os nossos objectivos tão frequentemente quanto revo- OMeioéaMensagem
lucionamos as nossas tecnolosias.

Numa cultura como a nossa, há muito habituada a fraccionar e dividir


todas as coisas para melhor as controlar, é por vezes chocante que nos
recordem que, em termos práticos e operativos, o meio é a mensagem'
Isto significa apenas que as consequências pessoais e sociais de qualquer
meio seja, de qualquer extensão de nós próprios - resultam da no-
- ouintroduzida nos assuntos humanos por cada extensão de nós
va escala
próprios, por qualqueÍ nova tecnologia. Assim, com a automatização,
por exemplo, os padrões da associação humana tendem a eliminar pos-
tos de trabalho. Este é o lado negativo. O lado positivo é que a automa-
tização cria papéis a desempenhar, o mesmo é dizer, intensifica o envol-
vimento na esfera do trabalho e das relações humanas, que a anterior
tecnologia mecânica havia destruído. Muita gente estaria disposta a afir-
maÍ que não é na máquina, mas no que fizemos com ela, que reside o seu
sentido ou mensagem. Relativamente aos modos como a máquina alte-
rou aS nossas relações com oS outros e com nós próprios, era irrelevante
se ela produzia flocos de milho ou Cadillacs. A reestruturação do traba-
lho e das relações humanas foi moldada pela técniça da fragmentação,
que constitui a essência da tecnologia mecânica. A essência da tecnolo-
gia da automatização representa o oposto. E profundamente integral c
descentralizadora, tal como a máquina era fraccionante, centralizadora c
superficial na sua estruturação das relações humanas.
O exemplo daluz eléctrica é, neste aspecto, elucidativo. A luz olú'c
tricaé informação pura. É um meio sem mensagem, por assim clizct', it
menos que seja utilizado para difundir um anúncio publicitirrio vc:tlritl
ou um nome. Este facto, característico de todos os meios <Jc coltttttttt'lt
sempro t)tltltr tltt'lo.
ção, significa que o <<conteúdo>> de qualquer meio é
O conteúdo da escrita é afala, tal como a palavra escrita é o contcúdo valioso exemplo de como se falha no estudo dos meios. Pois a luz r:lóc:
da tipografia, e a palavra impressa o conteúdo do telégrafo. Se pergun- trica só é vista como um meio quando usada para iluminar uma marcil
tarmos, <Qual o conteúdo da fala?>>, é necessário responder, oÉ u- pro- comercial. Mas aí, aquilo em que se repara não é na luz mas sim tttr
cesso de pensamento, que em si mesmo é não-verbal.> Uma pintura abs- <<conteúdo>> (que, na verdade, constitui outro meio). A mensagem da luz
tracta representa uma manifestação directa de processos de pensamento eléctrica, tal como a mensagem da energia eléct-rica na indústria, é totttl-
criativo, tal como poderiam aparecer nos desenhos de um computador. mente radical, ubíqua e descentralizada. Pois embora estejam separadas
No entanto, o que está aqui em consideração são as consequências psí- dô iôú uso, íanto a energia como a luz eléctrica eliminam factores tem-
quicas e sociais dos desenhos ou dos padrões enquanto ampliadores ou porais e espaciais no âmbito da associação humana, exactamente como
aceleradores dos processos existentes. Pois a <<mensagem>; de qualquer o fazem arádio,o telégrafo, o telefone e a televisão, criando um envol-
meio, ou tecnologia, é a mudança de escala, ou de ritmo, ou de estrutu- vimento em profundidade.
ra que ela introduz nos assuntos humanos. O caminho-de-ferro não in- Um manual bastante completo para o estudo das extensões do homem
troduziu a roda, nem o movimento, nem a ideia de transporte na socie- poderia ser criado a partir de extractos da obra de Shakespeare. Muitos
dade humana, mas acelerou e ampliou a escala de anteriores funções poderão objectar que talvez o autor não estivesse a referir-se à televisão
humanas, criando tipos de cidades inteiramente novos, assim como no- com estes conhecidos versos de Romeu e Julieta:
vas formas de trabalho e delazer.Isto aconteceu independentemente de
o caminho-de-ferro ser instalado num ambiente tropical ou setentrional, Mas, espera! Que luz irrompe por aquela janela?
e é um facto totalmente independente da carga ou conteúdo do meio fer- Ela fala, e contudo não diz nada,
roviário. O avião, por seu lado, ao acelerar a velocidade de transporte,
tende a dissolver a estrutura ferroviária das cidades, da vida política e Em Otelo onde, tanto como em Rei Lear, se nos apresentam os tor-
-
das associações humanas, independentemente daquilo para que seja mentos de personagens transformadas por ilusões - podemos ler os se-
usado. guintes versos, que revelam a intuição de Shakespeare relativamente ao
Voltemos à luz eléctrica. É indiferente que a luz seja usada para uma poder transformador dos novos media:
operação ao cérebro ou parajogar basebol à noite. Poder-se-ia argumen-
tar que essas actividades constituem, de certo modo, o <<conteúdo>> daluz Não há encantamentos
eléctrica, uma vez que sem ela não poderiam existir. Este facto náo faz Pelos quais aÍraïrrteza dos jovens e das donzelas
mais do que realçar que <<o meio é a mensagem>>, pois é o meio que con- Possa ser corrompida? Não leste já, Roderigo'
figura e controla a escala e a t'orma da acção e da associação humanas. Algo a este resPeito?
O conteúdo, ou os usos, de tais meios são tão diversos quanto incapazes
de moldar a forma das associações humanas. Na verdade, é até bastante F,mTroilus e Cressida,peça quase inteiramente devotada a um estudo
sintomático que o <<cq4tçúdo> de qualquer meio nos impeça de entrever ao mesmo tempo psíquico e social da comunicação, Shakespeare afirma
anattreza desse mesmo meio. Só agora as indústrias tomaram consciên- a sua consciência de que a verdadeira navegação política e social depen-
ciã dos-difeaentës tipos de negócios em que estão envolvidas. A IBM en- de da antecipação das consequências da inovação:
trou no rumo certo quando descobriu que não era no negócio de fabricar
material de escritório que havia que apostar, mas sim no de processar in- Vigilante, a providência tem contadas,
formação. Grande parte dos lucros da General Electric provém do fabri- Grão a grão, as riquezas do deus Pluto,
co de lâmpadas e de sistemas de iluminação. A empresa ainda não des- Acha fundo às profundezas insondáveis,
cobriu que a sua aposta devia incidir no transporte de informação, quase Acompanha o pensamento, e quase como os deuses
tanto como naAI&T. Revela os pensamentos em seus mudos berços.
Se a luz eléctrica passa despereebida como meio de comunicação, is-
so deve-se apenas ao facto de não ter <<conteúdo>>. O que a converte num
A consciência crescente da acção dos media, independentementc do o cluc determina o seu valor é o modo como são usadas.>> Ou seja, se os
seu <<conteúdo>> ou programação, transparece neste incómodo e anónimo pro.jécteis atingem as pessoas certas, as armas são boas. Se o tubo cató-
poema:
dico da televisão dispara as munições certas e atinge as pessoas certas, é
porque é bom. Não estou a ser maldoso. Simplesmente, não há nada na
No moderno pensamento (se não nos factos) liase de Sarnoff que resista à análise, pois ele ignora a verdadeira natu-
Só existe o actuante, de tal forma reza dos media, sejam eles quais forem, muito ao estilo narcísico de al-
que se tem por avisado descrever guém hipnotizado pela amputação e extensão do seu próprio ser me-
a coçadela, mas não a comichão. <Jiante uma nova tecnologia. O general Sarnoff prosseguiu com a
explanação do seu ponto de vista dizendo que se era verdade que a in-
O mesmo tipo de consciência total, configuracional, que revela por_ venção da imprensa possibilitara a circulação de muito lixo, também per-
que é que socialmente o meio é a mensagem comparece nas mais recen- mitira a disseminação da Bíblia ou os pensamentos dos visionários e dos
tes e radicais teorias clínicas. No seu The stress of Ltfe,Hans Selye des-
filósofos. Nunca ocoÍreu ao general Sarnoff que qualquer tecnologia não
cÍeve a consternação de um colega investigador quando ouviu a sua pode senão adicionar-se àquilo que somos já.
teoria: Economistas como Robert Theobald, W. W. Rostow e John Kenneth
Galbraith têm explicado, desde há anos, porque é que a <<economia clás-
Quando me viu assim lançado noutra extasiada descrição do que havia sica> não conseguia explicar a mudança ou o crescimento. E o paradoxo
observado em animais tratados com esta ou aquela substância tóxica e im-
damecanização é que embora a ela se deva o crescimento e as mudanças,
pura, ele olhou para mim com um olhar desesperadamente triste e disse,
o princípio da mecanização exclui a própria possibilidade de crescimento
com evidente desespero: <Mas, Seyle, tenta perceber o que estás a fazer, ou de compreensão da mudança. Pois a.p,neç,anieação é alcançada através
antes que seja tarde de mais! Decidiste dedicar toda a tua vida ao estudo
da fragmentação de um qualquer processo e pela seriação dos fragmentos
duma farmacologia imunda!>
assirn.obtidos. Contudo, como David Hume demonstrou no século XVIil,
(Hans Seyle, The Stress of Lfe) numa mera sequência não existe princípio de causalidade. O facto de uma
ceisa se seguir a outra não significa nada. Da simples sucessão nada re-
Assim como Seyle, na sua teoria da doença baseada no stress, lida sulta, a não ser a mudança. Assim, a maior de todas as revoluções foi a re-
com a totalidade da situação ambiental, também a mais recente aborda- volução criada pela electricidade, que acabou com as sequências aofazer
gem no estudo dos meios leva em conta não apenas o <<conteúdo>> mas
com que tudo ocorra instantaneamente. Com a velocidade instantânea, as
também o meio e a matriz cultural em que esse meio específico opera. A causas das coisas assomaram de novo à consciência, algo que não ocorria
antiga inconsciência dos efeitos psíquicos e sociais dos meios pode ser quando tudo se apresentava em sequência e consequentemente concate-
ilustrada com quase qualquer afirmação convencional. nado. Em vez de peÍguntarmos o que apareceu primeiro, se a galinha ou
Durante a cerimónia de recepção de um grau honorífico da universi- o ovo, começamos de súbito a achar que a galinha foi uma ideia do ovo
dade de Notre Dame, há uns anos, o general Davis Sarnoff afirmou o se- para obter mais ovos.
guinte: <Existe a tendência paÍa converter os instrumentos tecnológicos Antes de um avião ultrapassar a barreira do som, as ondas sonoras
no bode expiatório dos pecados cometidos por aqueles que os manipu- tornam-se visíveis nas suas asas. A súbita visibilidade do som no preci-
lam. Em si mesmos, os produtos da ciência moderna não são bons nem so momento em que o som termina é um bom exemplo desse vasto pa-
maus: o que determina o seu valor é o modo como são usados.>> Assim drão do ser que revela novas e contraditórias formas assim que as ante-
se exprime o habitual sonambulismo. Imagine-se que dizíamos: <<Em si
riores alcançam o seu máximo desempenho. Nunca a mec#Ljz.qg,ãp fo,i
mesma, a tarte de maçã não é boa nem má; o que determina o seu valor tão vividamente fragmentáfia ou seqìrg$çi.al como no nascimento do ç*i-
é o modo como é usada.>> ou então, <Em si mesmo, o vírus da varicela
não é bom nem mau; o que determina o seu valor é o modo como é usa-
nema
- o momento que nos transladou paralátdo mecanismo, p*u,ffi
rnïndo de crescimento e inter-relações orgânicas. At-1avés d3 pura acele-
do.> Ou ainda, <Em si mesmas, as armas de fogo não são boas nem más, ração do mecânico, o cinema transpoÍtou-nos do. mundq das sequências
e dos encadeamentos para um mundo de configurações e estruturas cria- vcz clc trabalhar com problemas <<especializados>> de aritmética, a actual
ri
tivas. A mensãgem dêssê meio que é o cinema é a da transição das co- ruborclagem estrutural segue as linhas de força do campo dos números c
nexões lineares paÍa as configurações. Foi esta transição que originou o incita os jovens alunos a meditarem sobre a teoria dos números e dos
dito, actualmente muito correcto, de que: <Se funciona, é porque está ob- con.iuntos.
soleto.>> A partir do momento em que a velocidade eléctrica leva ainda O cardeal Newman disse que Napoleão <<Compreendia a linguagem da
mais longe a sequencialidade mecânica do cinema, as linhas de força nas p(llvora.> Napoleão prestou também alguma atenção a outros meios, es-
estruturas e nos meios tornam-se claras e evidentes,..Estamos,,a.Íçgre!,_S..Ar pccialmente ao Telégrafo de Sinais, que lhe proporcionou uma grande
.. à'fprmE inclpsiva dq.fcone. vÍÌntagem sobre os seus inimigos. Atribui-se-lhe a seguinte declaração:
Para uma cultura altamente letrada e mecanizada, o filme aparecia co- <Três jornais hostis são mais temíveis do que mil baionetas.>
"-Al.o'41p;$-e;Tocqlrevjlle foi o primeiro a dorninat a
mo um mundo de sonhos triunfantes e de ilusões que o dinheiro podia gramática da im-
comprar. Foi nesse momento do desenvolvimento do cinema que apare- pressão e da tipografia. Conseguiu com isso interpretar a mensagem das
ceu o cubismo, que E. H. Gombrich descreveu (Art and lllusion) como mudanças que se avizinhavam em França e nos Estados Unidos, como se
<<a mais radical tentativa de extirpar a ambiguidade e reforçar uma de- cstivesse a ler em voz altaum texto que lhe tivesse sido entregue. Na ver-
terminada leitura do quadro clade, a França e os Estados Unidos do século XIX eram para Tocque-
- a de algo feito pelo homem, uma tela co-
lorido>. De facto, o cubismo substitui o <<ponto de visto> (ou a faceta da ville como um livro aberto porque ele aprendera a gramáúica da impres-
ilusão perspectivada) por uma apresentação simultânea de todas as face- são. Daí que ele soubesse, igualmente, em que circunstâncias essa
tas dum mesmo objecto. Em vez da ilusão especializada duma terceira gramáticanão se aplicava. Tendo-lhe sido perguntado porque não escre-
dimensão na tela, o cubismo instaura uma interacção de planos e contra- via um livro sobre a Inglaterra, uma vez que tanto admirava esse país,
dições, ou um dramático conflito de padrões, luzes e texturas, que Tocqueville respondeu:
<<transmitem a mensagem>> por meio de um envolvimento. Muitos con-
sideram isto um exercício de pintura, e não de ilusionismo. Só alguém afectado por um elevado grau de loucura filosófica poderia
Por outras palavras, ao mostrar-nos o interior e o exterior, o topo e a acreditar que é possível avaliar a Inglaterra em seis meses. Sempre achei
base, a frente e o reverso, etc., e ao fazê-lo em duas dimensões, q ç1ìhis- que um ano era pouco tempo para apreciar devidamente os Estados Unidos,

lgg.Jroca a ilusão da perspectiva por uma imediata percepção sensorial e é muito mais fácil adquirir noções claras e precisas sobre este país do que
do todo. Ao favorecer uma apreensão instantânea e total, o cubismo sobre a Grã-Bretanha. Nos Estados Unidos todas as leis derivam, de certo
anunCiou subitamente que o meio é a mensagen. Não é evidente que no modo, de uma mesma linha de pensamento. A sociedade inteira, por assim
momento em que a secluência dá lugar à simultaneidade nos encontra- dizer, está fundada sobre um facto único; tudo emerge de um mesmo prin-
mos já no mundo da estrutura e da configuração? E não foi isso o que cípio. Podemos comparar a América a uma floresta atravessada por uma
aconteceu na física, tal como na pintura, na poesia e na comunicação? A multidão de estradas rectas, convergindo todas para um mesmo ponto.
atenção anteriormente segmentada e especializada transferiu-se para o Basta-nos encontrar o centro para que tudo nos seja revelado num relance.
campo total, e é por isso que poclemos ho.je dizer com toda a naturalida- Mas na Inglaterra as estradas entrecruzam-se e só percorrendo-as todas po-
de que <<o meio é a mensagem>>. Antes da velocidade eléctrica e do cam- deíamos obter uma imagem do conjunto.
po total, não era evidente que o meio é a mensagem. A mensagem,
pensava-se, era o <<conteúdo>, tal como as pessoas costumam perguntar Numa obra anterior sobre a Revolução Francesa, Tgçquev-ille havia.iá
qual o assunto ou o significado de uma pintura. Contudo, nunca ninguém explicado de que modo a palavra impressa. ao atingir a sua saturaçlttl
se lembrou de perguntar qual o signifìcado de uma melodia, ou de uma cultura,l ao longo do século XVIII, lograra homogeneizar a nação fitlrì-
casa, ou de um vestido. Em tais assuntos, as pessoas conservavam uma cesa. De norte a sul do país, os franceses eram idênticos. Os princíllirts
certa noção do todo, da unidade de forma e função. Mas na era da elec- tipográficos de uniformidade, continuidade e linearidade recobriritttt its
tricidade esta percepção integrâl da estrutura e da configuração tornou- complexidades da antiga sociedade feudal, assente na oraliclatlc. A l{c
-se tão predominante que até as teorias pedagógicas recoÍïem a ela. E em volução foi levada a cabo pela nova classe dos letrados c dos ittlvtlp,tttltts.
tìosta crâ da electricidade, o homem paÍeça estar a tornar-se irracional'
Ntr
Em Inglaterra, contudo, tão forte era o poder das velhas tracliçiles orais
ron.ì!Ìnce de Forster, o momento da verdade e do afastamento do transe ti-
do direito comum, apoiadas na medieval instituição do Parlamento, que
a continuidade e a uniformidade da nova cultura impressa, de ordem vi- pográfico ocidental ocoffe nas cavernas de Marabar. os poderes racio-
nais de Adela Quested não conseguem lidar com esse campo de
resso-
sual, não se poderiam impor completamente. Daí resultou que o aconte-
Índia. Depois das Cavernas, <<A vida
cimento mais importante da história inglesa nunca teve lugar; nomeada- nância e de inclusão total que é a
mente, uma Revolução Inglesa à imagem da Revolução Francesa. prosseguiu como habitualmente, mas sem consequências, ou seja' os sons
cor-
Exceptuando a monarquia, a Revolução Americana não tinha atrás de careciam de eco e os pensamentos de desenvolvimento. Tudo parecia
si instituições legais medievais que tivesse de descartar ou erradicar. tado pela raiz e,como tal, infectado pela ilusão'>
Pàsrognm para a Índia (aexpressão é de Whitman, que via a
Améri-
E muitos têm afirmado que a presidência americana se tornou muito
na era da
mais pessoal e monárquica do que qualquer monarquia europeia. ca avançãndo puru leste) é uma parábola do homem ocidental
electricidade, e só casualmente se relaciona com a Europa ou com
o
O contraste que Tocqueville estabelece entÍe a Inglaterra e a América
con'flito entre a visão e o
baseia-se claramente no facto de a tipografia e a cultura impressa cria- Oriente. O. nosso tempO assiste ao derradeiro
e as formas orais de percepção e organiza-
Íem uma uniformidade e uma continuidade. A Inglaterra. afirma ele, re- .lp--gl, entre as formas escritas
Uma vez que a compreensão paralisa a acção' como
cusou este princípio, aferrando-se à dinâmica tradição oral do direito co- çàô Ou existência.
irbservou Nietzsche, nós podemos atenuaf a ferocidade deste conflito
mum. Daí a descontinuidade e imprevisibilidade da cultura inglesa,-$.
compreendendo os meios que nos prolongam e despertam, dentro e
fora
gramâÍica da tipografia é incapaz de contribuir para a construção da
mensagem numa sociedade onde tanto as instituições como a cultura são de nós, tais conf'litos.
orais e não-escritas. Matthew Arnold classificou acertadamente a aristo- A destribali zaçáo por meio da literacia e seus efeitos traumáticos no
homem primitivo constitui o tema da obra The African Mind in
Health
cracia inglesa como bárbara pelo facto de o seu poder e estatuto não de-
conteú-
penderem da alfabetização ou das formas culturais derivadas da tipogra- and Disìase, do psiquiatra J. C. Carothers. Grande parte do seu
fia. Após a edição de Declínio e Queda do Império Romano, de Edward do apareceu no artigo <The culture, Psychiatry, and the written word>'
Gibbon, o duque de Gloucester disse ao autor: <Mais um calhamaço, pubúcado em Novembro de 1959 na revista Psychiatry. Uma vez mais,
à a velocidade eléctrica que revela as linhas de força
que, a partir da cul-
hein, Sr. Gibbon? Sempre a rabiscar, hein, Sr. Gibbon?> Tocqueville era
e do
um aristocrata profundamente letrado e bastante capaz de se distanciar tura ocidental, operam nas mais remotas áreas do bosque, da savana
deserto. Um exemplo disso mesmo é o do beduíno que, montado
no seu
dos valores e pressupostos da cultura tipográfica. Razão pela qual foi o
os nativos em torrentes de
único a compreender a gramática da tipografia; e é só desta forma, camelo, ouve um rádio a pilhas. submergir
conceitos para os quais nada os preparou, é o normal procedimento
de
mantendo-nos ztÍustacJos <Íe qualclucr cstrutura ou meio, que podemos
toda a nossa tecnologia. Mas com os novos meios eléctricos de
comuni-
discernir os seus princípios c linhas de fbrça. Pois qualquer meio tem a
caçáo,o próprio homem ocidental experimenta uma submersão exacta-
capacidade de impor aos incautos os scus próprios pressupostos. A pre-
meio social alfabetizado' não
visão e o controlo visam cvitar cstc cstado subliminar de transe narcísi- mente igual à do remoto nativo. No nosso
estamos melhor preparados para enfrentar a rádio e a televisão
do que o
co. E o melhor auxílio nzì suiì prcvcnção é simplesmente saber que o fei-
nativo do Gana para lidar com a alfabetização, que o aÍranca ao seu
mun-
tiço pode ocoÍrer de fìrrma irnecliata, por contacto, como com os
do tribal e colectivo e o mergulha no isolamento individual- Nós estamos
primeiros compassos de uma moloclia.
tão entorpecidos pelo nosso novo mundo eléctrico como o nativo
imer-
O romance Passagem para (t Íntliu, de E. M. Forster, é um dramático
estudo acerca da incapacidacle das culturas orientais (fundadas na orali- so na nossa cultura letrada e mecanicista'
dade e na intuição) em compreenderem os padrões racionais, visuais, da A velocidade eléctrica funde as culturas pré-históricas com os detritos
experiência europeia. É claro que, para o Ocidente, <<racional>> tem desde do comércio industrial, o iletrado com o semi-letrado e o pós-letrado'
há muito o significado de <unifbrme, contínuo e sequencial>. Por gllfps colapsos mentais de vário grau de intensidade são uma das consequôtt-
c c:ltt
palavras, nós, ocidentais, confuhdimos razão com liter4çia, e racionalis- cias Àabituais do desenraizamenÍo e da imersão em novos génertls'
infindáveis padrões, de informação. wyndham Lewis fez disto o lcllìil
mo com uma única tecnologia. Daí que para o Ocidente convencional,
dum ciclo romanesco a que deu o título The HumanAge.o primciro clcs- Iri lrrlrrlnrcrrlc amcaçada pela tecnologia eléctrica. A ameaça de Hitler ou
ses romances,The childermass, trata precisamente da mudança acelera, ljstulinc vinha de fbra. A tecnologia eIéctrica está dentro de portas, e nós
da dos meios como uma espécie de massacre dos inocentes. No nosso estiìrìros paralisados, surdos, cegos e mudos face ao seu conflito com a
próprio mundo, à medida que nos tornamos mais conscientes dos efeitos tecnokrgia de Gutenberg, na qual e através da qual se formou o estilo de
da tecnologia na manifestação e formação psíquicas, estamos a perder vidt americano. Não é, contudo, o momento de sugerir estratégias, visto
toda a fé no nosso direito a atribuir culpas. As velhas sociedades pré- quo a cxistência da ameaça ainda não é sequer reconhecida. Eu e4po*gl1g-
-históricas vêem o crime violento como algo de patético. Encaram o as- -nìo na posição de Louis Fasteur quando diz aos médicos que o seu maior
sassino como nós encaramos uma vítima de cancro. <<Deve ser terrível inirnigo é invisível e eles não,o conseguern idontificar. Aquilo que con-
sentir-se assim>>, dizem eles. J. M. Synge desenvolveu com bastante vcncionalmente dizemos dos media, nomeadamente, que o que conta é o
acuidade esta ideia emThe Playboy of the WesternWorld. lÌrodo como são usados, é a atitude estupidificada do idiota tecnológico.
se o criminoso aparece como um inconformistaincapaz de lidar com lÌris o <conteúdo>> de um meio é como o suculento pedaço de carne que
a exigência da tecnologia de que nos comportemos segundo padrões uni- o la<Jrão leva consigo para distrair o cão de guarda da mente. O efeito de
formes e contínuos, o homem alfabetizado tende a encarar com patetis- um meio só se fortalece e intensifica porque se the oferece, como <<con-
mo aqueles que não conseguem acomodar-se. No mundo da tecnologia teúdo>, um outro meio. O conteúdo de um filme é um romance ou uma
visual e tipográfica, as crianças, os incapacitados, as mulheres e as pes- pcça de teatro ou uma ópera. Q çiqilgda forrna cinernatográfica não tem
soas de cor aparecem como vítimas duma injustiça. Por outro lado, nu- rclação c,on o $-e"ll"lÌg!Ípúdo. O <conteúdo>> da escrita ou da impressão é
ma cultura que atribui às pessoas papéis emvez de tarefas, o anão, o de- ru lala, mas o leitor permanece quase inteiramente inconsciente em rela-
formado e a criança criam os seus próprios espaços. Não se espera que çiul tanto à impressão como à fala.
eles encaixem em nichos uniformes e repetitivos, que aliás nem estão Arnold Toynbee ignora totalmente o modo como os meios moldaram
preparados paÍa a sua altura. Considere-se a frase, uÉ um mundo para tr história, mas apresenta inúmeros exemplos úteis para quem estuda es-
homens>>. Enquanto observação quantitativa interminavelmente repetida sc l'enómeno. A dado momento, Toynbee chega a sugerir, sem brincar,
no seio de uma cultura homogénea, esta frase refere-se a homens que quc a educação de adultos, como a que é proporcionada pela britânica
têm que ser Dagwoods homogeneizados,para se poderem encaixar. Com Workers Educational Association, poderia constituir um útil contrapeso
os nossos testes de Q.I, tudo o que conseguimos foi produzir uma vasta ò imprensa popular. Toynbee considera que apesar de todas as socieda-
enxurrada de bitolas absurdas. Inconscientes do nosso preconceito cul- des orientais terem hoje em dia adoptado a tecnologia industrial, <<no pla-
tural tipográfico, os criadores de testes assumem que os hábitos unifor- rro cultural, contudo, não há uma tendência uniforme coÍrespondente>>
mes e contínuos representam um sinal de inteligência, e com isso deixam (Sommervell,l.267).Isto faz lembrar o indivíduo alfabetizado que, ro-
de fora o homem auditivo e o homcrn táctil. tlcado de anúncios, se vangloria: <<Pessoalmente, não presto atenção a
Na sua resenha a um livro de A. L Rowse sobre a política de Apazi- tnúncios>>. As reservas espirituais e culturais que os orientais possam ter -
guamento e o caminho que levou a Munique (The New york rimes Book crn relação à nossa tecnologia não thes servem de nada. Ol
Review,24 deDez. de 1964), C. P. Snow descreve a experiênciae aca- ".teÀfgfudu l
!9.çIg.h,ffLa não ocorrem ao nível das opiniões ou dos co:tceitos, o que
pacidade intelectual da classe política inglesa dos anos 30. <os seus quo- eles fazem"é alterar,.de um modo çqnfínuo,e.irresisÍível,, os ritmos sen-
I

cientes de inteligência eram muito mais altos do que o habitual em diri- de pe1c,,9pgão. O artista sério é a única pessoa
$11!.{1, 911 og p.q{1õ-eq
gentes políticos. Assim sendo, porque falharam tão rotundamente?>> eupaz de enfrentar impunemente a tecnologia. e isso poÍ ser um perito,
Snow aprova o ponto de vista de Rowse: <Eles não escutavam as adver- nlguém consciente das alterações na forma como apreendemos senso-
tências de ninguém porque não queriam ouvir.>> o facto de serem anti- liulmente o mundo.
-comunistas impossibilitou-os de ler a mensagem de Hitler. Mas o seu A introdução do dinheiro como meio de troca no Japão do século xvlt
falhanço não é nada se comparado com o nosso, actualmente. A aposta lcvc el'eitos não muito diferentes dos da introdução da tipografia no Oci-
americana na alfabetização comouma tecnologia ou uniformização apli- rlontc. Segundo G.B. Sanson (em Japan, Cresset Press, Londres, 193 | ),
câvel a todos os níveis de educação, governo, indústria e vida social, es- tt pcrrctração da economia monetária no Japão <<provocou uma lcntit tttits
irreversível revolução, culminando no desmoronamento do governo l'eu- N9 scrr rclatírrio Communication in Africa, Leonard Doob conta o ca-
dal e na retoma das relações com os países estrangeiros, depois de mais so clc urrt aÍ'ricano que passava grandes trabalhos para conseguir todas as
de duzentos anos de isolamento.> O dinheiro só pode reorganizar a vida Iuldos ouvir as notícias da BBC, embora não entendesse nada do que ou-
sensorial dos povos porque é uma extensão da nossa vida sensível. Esta vi1. O simples facto de presenciar aqueles sons, todos os dias à sete da
transformação não depende, pois, da aprovação ou desaprovação dos lurdc, era já importante para ele. A sua atitude em relação à fala era a
membros da sociedade. nìosma que nós temos em relação a uma melodia - a ressoante entoa-
antepassados do sé-
Arnold Toynbee abordou a questão do poder transformador dos meios çã() cra já suficientemente significativa. Os nossos
através do conceito de <<eterrzação>>, por ele considerado como a regra da cukl xvtt partilhavam ainda a atitude deste nativo em relação às formas
simplificação e eficiência progressivas em qualquer organizaçáo ou tec- dcts media, como se conclui pelo sentimento manifestado pelo francês
nologia. É sintomático que o autor ignore aqui o efeito desafiador que es- l]crnard Lam no seu livro The Art of Speaking (Londres, 1696):
sas formas têm sobre as nossas respostas sensoriais. Toynbee considera
que o que é relevante, no que diz respeito ao efeito dos meios e da tec- É um efeito da sabedoria de Deus, que criou o homem para a felicida-
de, que tudo o que possa ser útil à sua conduta (modo de vida) lhe seja
nologia na sociedade, é a resposta das nossas opiniões
- um <ponto de também agradável [...] pois todos os alimentos que nos alimentam são sa-
visto> que é pura e simplesmente o resultado do enfeitiçamento tipográ-
fico. Pois numa sociedade alfabetizada e homogénea, o homem deixa de borosos, ao passo que é insípido tudo o que não pode set assimilado e con-
s.gr senqível à diversa e descontínua vida das forrnas. Ele adquire a ilu- vertido em substância nossa. Um.disçurso não pode ser agradável ao ou- '

são de uma terceira dimensão e de um <<ponto de vista pessoal>> enquan- vinte se não é agradâvel a quem o profere; nem pode pronunciar-se
to parte da sua fixação narcísica, excluindo-se com isso da consciência, facilmente se não for ouvido com prazer.
que Blake e o Salmista possuíam, de que o ser humano se transforma na-
quilo que contempla. Deparamos aqui com uma teoria do equilíbrio entre a dieta e a ex-
Hoje em dia, quando queÍemos orientar-nos na nossa própria cultura pressão humana, que nós ainda hoje, após séculos de fragmentação e es-
e sentimos a necessidade de escapar aos preconceitos e às pressões exer- pccialização, tentamos aplicar aos media'
cidas por qualquer forma técnicade expressão humana, só precisamos de o Papa Pio xrr mostrou-se profundamente preocupado pelo facto de
visitar uma sociedade onde essa forma especifica não se fez sentir, ou es- nã0 existir um estudo sério dos meios na actualidade. No dia l7 de Fe-
tudar um período histórico no qual a mesma era desconhecida. O pro- vereiro de 1950, ele disse:
fessor Wilbur Schramm realizou esse movimento táctico ao estudar Á Ze-
levisão na Vida das Nossas Crianças. Schramm descobriu regiões onde Não é exager o dizer que o futuro da sociedade moderna e a estabilida-
<le da sua vida interior dependem em larga medida da manutenção
de um
a televisão ainda não havia penetrado e efectuou aí alguns testes. Não
tendo o autor estudado previamente o carácter peculiar da imagem tele- equilíbrio entre a força das técnicas de comunicaçáo e a capacidade de
visiva, os seus testes incidiram apenas sobre preferências ao nível de reacção do indivíduo.
<conteúdos>>, tempos gastos a ver televisão e levantamentos de vocabu-
lário. Numa palavra, a sua abordagem ao problema eraliterárta, ainda Durante séculos, o fracasso da Humanidade a este respeito foi absolu-
que ele disso não tivessc consciência. Consequentemente, Schramm não to e sintomático. A aceitação dócil e subliminal do impacto dos meios fez
encontrou nada que contar. Tivesse ele empregue os mesmos métodos, com que estes Se conveftessem em prisões Sem muros para oS SeuS utili-
no ano de 1500, para avaliar cls clèitos do livro impresso na vida de zr<Jores humanos. como observa A. J. Liebling no seu livto The Press,
crianças e adultos, c nadar teria concluído sobre as mudanças que a in- Um homem não é livre se não consegue ver por onde vai, mesmo que te-
venção da tipograf ia provocou na psicologia individual e social. A im- nhu uma arma para o ajudar alâ chegar' Ora, qualqueu.meb é-Fmbém
prensa gerou o individualisrrlo, no século xvI. A análise de programas e uma poderosa aÍma com a qual se pode destruir outros meios e outros
<<conteúdos>> não nos of-erece-qualquer pista sobre a magia desses meios grupos. O resultado é que anossa época tem sido um tempo de múltiplils
ou sobre a sua carsa subliminar. gucrras civis, que não se limitam ao mundo das aftes e do entrctcninlctt
to. Citando as palavras do Professor J. U. Nef em War and Humun, Pro-
gress: <<As gueffas totais do nosso tempo têm sido o produto de uma sé-
rie de equívocos intelectuais>>.
Sg. o, p.o{e,r,formativo, dos meios cglncide corn -oç 1róp,pos lnedia , isso
levanta um conjunto de questões importantes, que nós apenas podemos
referir de passagem, embora merecessem volumes inteiros. A saber;s#t
os meios tecnológicos são matérias-primas ou recursos naturais. exactã-
mente como o carvão, o algodão ou o petróleo. Qualquer pessoa concor-
dará que uma sociedade cuja economia esteja dependente de um ou dois
produtos fundamentais, como o algodão, o trigo, a madeira, o peixe ou o 2
gado, irá consequentemente apresentar um determinado padrão de orga-
nizaçáo social. A concentração num pequeno número de matérias-primas Meios de Comunicação Quentes e Frios
essenciais gera uma instabilidade extrema na economia, mas também
uma grande capacidade de resistência da população. O pathos e o humor
dos habitantes do Sul dos Estados Unidos deriva da sua inserção numa <<O sucesso da valsat>, explicou Curt Sachs no seu World History of
economia de recursos limitados. Uma sociedade configurada pela sua Dance, <<foi o resultado daquela aspiração à verdade, à simplicidade, ao
dependência de uns poucos de recursos tende a aceitá-los como vínculos contacto com a nattJÍezae com o primitivismo, que preencheu os últimos
sociais, tal como as metrópoles aceitam a imprensa. O algodão e o pe- dois terços do século xvIII.>> No século do jazz, é provável que tendamos
tróleo, tal como a rádio e a televisão, tornam-se <<custos fixos>> para toda a esquecer o aparecimento da valsa como uma experiência humana
a vida psíquica da comunidade. E este facto universal cria o travo cultu- quente e explosiva, que quebrou as barreiras formais do feudalismo tal
ral único de cada sociedade, a qual paga um preço exorbitante por cada como estas se manifestavam na dança coral e palaciana.
produto que modela a sua vida. Há uma regra básica que nos permite distinguir um meio quente, co-
O facto de os sentidos humanos, de que todos os meios são extensões, mo a rádio ou o cinema, de um meio frio, como o telefone ou a televi-
serem também custos fixos sobre as nossas forças pessoais, e o facto de são. Um meio qugnJç é aqgl-9. que,p'çfgpg.e- ol+" proloqga um único senti-
os mesmos configurarem igualmente ar consciência e a experiência de ca- clç,em. stalta"dçflnlEão". A alta.dçfinição é o modo de ser plenamente
da um de nós, é algo que transparece numa outra conexão, mencionada satur,êde.de,informação. A fotografia é, em termos visuais, um meio de
pelo psicólogo C. G. Jung: <alta definição>>. Um cartoon é um meio de <baixa definição>, pelo sim-
ples facto de nos fornecer muito pouca informação visual. O telefone é
Todos os romanos viviam rodcados de escravos. O escravo e a sua psi- um meio frio, ou de baixa definição, porque o ouvido recebe apenas uma
cologia inundaram altâlia antiga, lcvanclo a que o cidadão romano se con- pequena quantidade de informação. E a fala é um meio frio e de baixa
veÍesse interiormente
- e involuntariamente. claro
- num escravo. Vi- definição porque nos dá muito pouco, exigindo da parte do ouvinte um
vendo permanentemente num ambiente de escravos, ele foi pr,o-c.gQ.s,o-.
{g pree-qc[i[rgnlo: Os meios quentes, por seu lado, não
deixam
inconscientemente contaminado pela psicologia dos escravos. Ninguém tanta coisa a óèr preenchida ou completada pelo público. Como tal, os
consegue proteger-se de semelhante inÍluência (Contributions to Analyti- meios quentos roqu@rsrn"ugìp".b-+-T3_p1-1-t:9-r3qEão. ao passo que os meios
cal Psychology, Londres, 1928). liios exigem uma elevada participffi-õu completamento por parte do
público. Daí que um meio quente como o rádio tenha, naturalmente' efei-
tos sobre o seu utilizador muito diferentes dos de um meio frio como tl
telefone.
os efeitos de um meio frio como a escrita hieroglífica ou ideogrilrttii-
tica distinguem-se claramente dos de um meio quente e explosivo cotttrt
o alfabeto fonético. Quando levado a um grau extremo de intcnsiduclc vi- lì,r'n'l'hc Rich and the Poor, Robert Theobald dá-nos um exemplo do
sual abstracta, o alfabeto converte-se em tipografia. Com a suar intensi- irrrpacto dilacerante de uma tecnologia quente sucedendo a outra fria.
dade especiahzanÍe,a palavra impressa rompeu os vínculos das corpora- Qtrando os nativos australianos receberam machados de aço das mãos
ções e dos mosteiros da Idade Média, substituindo-os por estruturas tlos missionários, a sua cultura, baseada na pedra, entrou em colapso. O
empresariais e de monopólio extremamente individualistas. Mas a in- rrrachado de pedra, além de raro, sempre constituíra para eles um essen-
versão típica ocorreu quando a intensificação dos monopólios trouxe de cirrl símbolo de status, importante para os homens da tribo. Os missio-
volta a corporação e seu domínio impessoal sobre uma imensidão de vi- rriirios trouxeram grandes quantidades de afiados machados de aço e
das. O aquecimento do meio escrita através da intensificação da repeti- olbreceram-nos às mulheres e às crianças. Os homens viam-se então
bilidade tipográfica conduziu ao nacionalismo e às guerras religiosas do ohrigados a pedi-los emprestados às mulheres, o que provocou o colap-
século xvl. Os meios pesados e de manejo difícil, como a pedra, são uni- so da dignidade masculina. Uma hierarquia tribal e feudal de tipo tradi-
ficadores do tempo. Usados para a escrita, revelam-se na verdade bas- cional desmorona-se rapidamente quando se depara com um meio quen-
tante frios e contribuem para unificar as eras. O papel, por seu lado, é um tc cle tipo mecânico, uniÍbrme e repetitivo. Meios como o dinheiro, a
meio quente, que contribui para uma unificação horizontal do espaço, roda, a escrita, ou qualquer outra forma especializada de aceleração das
tanto nos impérios políticos como nos do entretenimento. lrocas e da informação, provocam uma fragmentação da estrutura tribal.
Os meios quentes permitem uma participação menor do que os meios l)c forma similar, uma aceleração bastante maior, como a da electrici-
frios, tal como uma conferência consente menos parlicipação do que um rlacle, pode contribuir para restaurar um padrão tribal de envolvimento
seminário, e um livro menos do que um diálogo. Com o aparecimento da intenso; foi o que aconteceu na Europa com a introdução da rádio, e o
imprensa, muitas formas anteriores seriam excluídas da vida e da ar1e, tlue tende a acontecer actualmente nos Estados Unidos, com a televisão.
enquanto muitas outras adquiriram uma nova e estranha intensidade. As tecnologias especializadas destribalizam. A tecnologia eléctrica não
Mas no nosso próprio tempo não faltam exemplos do postulado segundo cspççializada retribaliza. O perturbador processo resultante duma nova
o qual as formas quentes excluem e as frias incluem. Quando as bailari- rlistribuição das tarefas é acompanhado por um forte desfasamento cul-
nas começaram a dançar em pontas, há cem anos, sentiu-se que a arte do lural, no qual as pessoas se sentem compelidas a olhar para as novas si-
ballet conquistara uma nova <<espiritualidade>. Com esta nova intensida* tuações como se fossem velhas, daí derivando a ideia de <explosão de-
de, as figuras masculinas acabaram excluídas do ballet. O papel das mu- mográfica>> numa era de implosão. Numa época de relógios, Newton
lheres fragmentou-se também com o advento da especialização indus- trttou de representar o universo físico à imagem de um relógio. Mas
trial e com a explosão das actividades caseiras em lavandarias, padarias poetas como Blake estavam muito à frente de Newton no modo como
e hospitais na periferia da comunidade. A intensidade, ou alta definição, rcergiam ao desafio dos relógios. Blake exprimiu a necessidade de nos li-
engendra a especialização e a fragmentação, tanto na vida como no en- hcrtarmos <da visão única e do sono de Newton>>, compreendendo per-
tretenimento , r4zão pela qual qualquer experiência intensa deve ser <<es- I'citamente que a reacção de Newton ao desafio proposto pelo novo me-
quecido>, <<censurada>> e <arrefecida>> antes de poder ser <<aprendida> ou canismo era em si mesma uma mera repetição mecânica desse mesmo
assimilada. O <<censor>> de que fala Freud representa menos uma função tlcsafio. Blake via Newton, Locke e outros como narcisos hipnotizados,
moral do que uma condição indispensável da aprendizagem. Se acolhês- incapazes de arrostar com os desafios do mecanismo. W. B. Yeats
semos integral e directamente todos os ataques às nossas estruturas de transmitiu-nos uma completa versão blakeana de Newton e Locke num
conhecimenÍo, acabaríamos por nos converter em destroços neuróticos, lamoso epigrama:
sempre hesitantes e mergulhados num pânico permanente. O <<censor>>
protege o nosso sistema central de valores, tal como protege o nosso sis- Locke adormeceu;
tema nervoso, ao arrefecer consideravelmente a investida da experiência. definhou o jardim;
Para muita gente, este sistema de arrefecimento rcclun<Ja num permanen- do seu flanco tirou Deus
te estado psíquico de rigor mortis, ou de sonÍÌmbulismo, algo que se de- a fiadeira mecânica.
tecta particularmente em períodos de inovação tccnológica.
Yeats representa Locke, o filósofo do associativisrno nrcclrricistl c li- t;uo ncnhum meio tem sentido ou existe isoladamente, mas apenas em
near, como alguém hipnotizado pela sua própria imagem. O <.jarclim>, ou colìstantc interacção com outros meios-
seja, a consciência unificada, desaparece. O homem do séculu xvttt lo- A nova estruturação e configuração eléctrica da vida opõe-se cadavez
e frag-
grou uma extensão de si próprio sob a forma da fiadeira mecânica, a que rnais às antigas ferramentas e procedimentos de análise, lineares
Yeats atribui um pleno significado sexual. Aprópria mulher é, assim, vis- rrrcntários, da era mecânica. Cadavez mais nos desviamos do conteúdo
ta como uma extensão tecnológica do ser do homem. tfas mensagens para analisar o efeito total' Em The Image, Kenneth
lìoulding aborda este tema dizendo: <o significado de uma mensagem
é
A contra-estratégia de Blake para o seu tempo foi a de contrapor ao
preocupação com o efeito em vez
mecanismo o mito orgânico. Actualmente, em plena era da electricida- ir mudança que produz na imagem.>> A
de, o próprio mito orgânico é uma resposta simples e automática, passí- tl<t signfficado representa uma transformação fundamental
da nossa era
um
vel de ser expressa e formulada matematicamente, sem qualquer relação cléctrica, pois o efeito envolve e totalidade da situação e não apenas
da informação. Curiosamente, há um
com a percepção imaginativa de Blake. Se tivesse chegado à era da elec- dcterminaão plano do movimento
a informação na
tricidade, Blake não teria respondido ao seu desafio com uma mera re- reconhecimento desta preponderância do efeito sobre
<Quanto maior
petição da forma eléctrica. Pois o rnito é a visão instantânea de um pro- concepção de difamação no Direito britânico quando diz:
cgsso oornplexo e habitualmente prolongado por um vasto período. a verdade, maior o grau de difamação.>>
O mito representa uma contracção ou implosão de qualquer processo, e o primeiro efeito da tecnologia eléctrica foi a ansiedade. Agora pare-
a velocidade instantânea da electricidade confere, hoje em dia, uma di- .. g"ìu, sobretudo aborrecimento. Nós atravessámos já as três fases -
mensão mítica às actividades industriais e sociais correntes. Nós vive- olarme, resistência e exaustão que catactenzam todas as enfermida-
-
mos mitícamente, rnas continuamos a pensar fragmentariamente e em cles ou tensões da vida, seja individual ou colectiva. Mas o nosso exte-
pelo
plano,s-.i-s,ol4d9s. nuado desinteresse, após o primeiro fecontro com a electricidade'
menos predispôs-nos a esperaÍ novos problemas. Entretanto, os
países
Os estudiosos têm hoje perfeita consciência de uma discrepância en-
tre os seus temas e o modo como os abordam. Os exegetas da Bíblia, tan- subdesenvolvidos, que se mantiveram pouco permeáveis à nossa
cultura
to do Velho como do Novo Testamento, dizem frequentemente que em- mecânica e especializada, estão muito melhor preparados para se con-
As cultu-
bora a sua abordagem deva ser linear, o seu tema não o é. O tema é o das I'rontarem com a tecnologia eléctrica e para a compreenderem.
relações entre Deus e o homem, e entre Deus e o mundo, e o das rela- ras atrasadas e não industriais não só caÍecem de hábitos especializados
ain-
ções do homem com o seu próximo - todas estas relações subsistem il superaÍ no seu contacto com o electromagnetismo, mas conservam
juntas, agindo e reagindo umas sobre as outras em simultâneo. O pensa- dapartedeumaculturaoraltradicional,aqualmantémocarácterde
mento oriental e o pensamento hebraico abordam desde o início da dis- nau*po> total unificado próprio do nosso novo electromagnetismo. Ten-
do deìgastado, por meio da automatização, as suas tradições orais,
as
cussão o problema e a sua solução
- uma atitude característica das so-
ciedades orais em geral. Toda a mensagem é então Íraçada e retraçada, nossas velhas regiões industrializadas encontram-se na
posição de terem
uma e oluÍÍa vez, em torno de uma espiral concêntrica e aparentemente que redescobrir essas mesmas tradições a fim de conseguirem lidar
com
redundante. O leitor pode deter-se em qualquer ponto, após as primeiras a era da electricidade'
frases, sem com isso perder nada da mensagem, desde que esteja prepa- No que diz respeito ao tema dos meios quentes e frios, os países sub-
é quen-
rado para a compreender. Este tipo de plano parece ter inspirado a estru- clesenvãlvidos são frios, enquanto nós somos quentes. O citadino
procedimentos
tura espiralada e concêntrica concebida por Frank Loyd Wright para o te, o camponês é frio. Mas no que concerne à inversão de
electricidade, os tempos mecânicos eram
Museu Guggcnhcim. E uma tìlrmr rcdunclante, inevitável na era da elec- c valores gerada pela era da
tricidaclc, na qual iì cstruturâ concôntrica ó imposta pela qualidade ins- quentes, enquanto nós, os da era da televisão, somos frios' A valsa era
tantânea, c pcla sobrcposiçho cm proÍ'undidade, da velocidade eléctrica. quente, uma dança mecânica e rápida, adequada à era industrial' com o

Mas a forma concôntricu, cor-ìr a suer interminável intercessão de planos, seu espírito de pompa e circunstância. Em contraste, o twist
é uma Íìlr'-
é necessária tì comprccnsixr. Dc làctcl, é nisso que consiste atécnicada ma de gesticulação fria, improvisada, envolvente e cavaqueante ' O itt::'
compreensão, qLre é, como tal, necessária ao estudo dos meios, unA-yg&, da époóa do cinema e da rádio
_
meios novos e quentes criÌ
- u'ì.fí,.i.:
recordados de
quente. No entanto, o jazz em si tende a ser um tipo de dança inlìrrrnal- Na csÍ.era meramente privada e pessoal, Somos amiúde
consoante o mo-
mente dialogal a que faltam os modos mecânicos e repetitivos da valsa. cotno certas mudanças de tom e de atitude são exigidas
as situações'
O jazz frio apareceu muito naturalmente depois de absorvido o primeiro lÌìento e as circunstâncias, a fim de mantermos sob controlo
em elevado grau' considerou-se há
impacto da rádio e do cinema. Nos clubes ingleses, participativos
havia que excluir da
No número especial da revista Life de 13 de Setembro de 1963, dedi- muito que, a bem do càmpanheirismo e daam\zade'
mesmo
conversação temas quentes como a política ou a religião'
Neste
cado à Rússia, podemos ler que nos restaurantes e nos bares russos <<em-
introdução a Slick But Not Streamlined de
bora o charleston seja tolerado ,o twist é tabu>>. Significa isto que um país sentido, Auden escreveu, na
de boa vontade deve usar
em processo de industrialização tende a considerar o iazz quente como J<lhn Betjeman, que, <<nesta estação, o homem
mais compatível com os seus programas de desenvolvimento. A forma tu coração na manga' e não ao pé da boca [" ']
hoje em dia' o estilo ho-
fria e envolvente do twist,poï seu lado, com o seu carácter retrógrado e nesto e varonil é adequado apenas para lago'>> No
Renascimento' quando
mecânico, chocaria uma cultura voltada para o novo desenvolvimento u tecnologia da imprensa aquecia a alto grau o meio social' os cavalhei
mecânico. O charleston, com o seu aspecto de títere accionado por fios, roseoscorlesãos(aoestiloHamlet-Mercutio)adoptaram,emcontraste'
surge na Rússia como uma forma de vanguarda artística. Nós, por nossa 0 atitude fria e despreocupada do ser lúdico e superior'
A alusão de Au-
parte, detectamos a vanguarda no frio e no primitivo, com a sua promes- c|enalagorecorda-nosqueesteeraoalter-esoeoassessordojntensa-
sa-de envolvimento prof.undo.e expressão.integral. mente hónesto e muito pouco despreocupado general
otelo. Imitando o
imagem e come-
Na era da televisão, a venda <<agressiva>> e o serviço de assistência te- seu sério e honesto general, Iago aqueceu a sua própria
levando Otelo a apodáJo de <<honesto Ia-
lefónica directa convertem-se em mera comédia, e a morte de todos os çou a usaÍ o coração na boca,
homem à imagem do seu próprio honesto e austero coração'
caixeiros-viajantes sob o golpe único do machado televisivo transformou
-gnrr, o-longo do seu rni city in History,Lewis Mumford privilegia as
ci-
a quente cultura americana numa cultura fria e incapaz de se reconhecer Ao
às cidades quentes e in-
a si mesma. Na verdade, a América parece estar a atravessaÍ um processo clades frias ou acidentalmente estruturadas face
o autor, o grande período de Atenas
inverso ao que é descrito por Margaret Mead na revista Time de 4 de Se- tensamente preenchidas. Segundo
tembro de 1954: <<Demasiadas vezes se tem lamentado que a sociedade te- Ocoffeunumaalturaemqueaindaprevaleciamosvelhoshábitosdepar-
nha de mudar depressa para poder acompanhar a máquina. Há grandes ticipaçãodemocrática,própriosdavidaaldeã.Depoisdisso,irrompeuto-
num processo
vantagens em avançar rapidamente, se esse avanço for integral, se as mu- da à diversidade da experiência e da inquirição humanas'
posteriormente vedado a qualquer centÍo urbano altamente desenvolvi-
danças sociais, educacionais e recreativas se processaÍem em simultâneo.
por definição,
Toda a estrutura deve mudar de uma só vez e todo o conjunto deve mu- 6o. pois uma situação deãlto desenvolvimento oferece,
de fragmentação
baixos índices de participação e uma rigorosa exigência
dar integralmente
- e as próprias pessoas devem decidir-se a avançar.>> Por exemplo' aquilo que actual-
Margaret Mead está aqui a pensar na mudança enquanto aceleração cspecializada àquèles qúe ã controlam'
uniforme do movimento ou como aquecimento unifbrme das temperatu- mente,noâmbitodosnegóciosedagestão,éconhecidopor<alarga-
uma maior li-
ras nas sociedades atrasadas. Estamos por certo a chegar a um ponto em mento do trabalho>>, consiste em permitir ao empregado
que se poderá imaginar um mundo de tal forma controlado automatica- berdadenadescobertaedefiniçãodasuaprópriafunção.Similarmente'
de muita coisa ser dei-
mente que possamos ouvir, <<Menos seis horas de programação radiofó- na leitura de uma história policial, o simples facto
nica na Indonésia, na próxima scnlana; doutro modo, teremos uma que- xadaforadanarrativafazcomqueoleitorparticipecomoco-autorda
sensuais do que
da abrupta do índicc dc atençãxr literária>. Ou então: <Há que programar mesma. As meias de rede, feitas em seda, são muito mais
mais vinte horas <Je tclcvisãxl na Afiica do Sul, na próxima semana, pa- osmacioscollantsdenylon'poisoolhoélevadoafuncionarcomouma
ra amefecer a tempcratura tribal, que a rádio fez subir na semana passa- mão, ajudando a preenóher e a completar a imagem'
tal como faz diante
da.> Culturas intciras podiam hoje ser programadas de maneira a que o do mosaico da imagem televisiva'
conta c<lmo tt
seu clima emocional se mantivesse estável, do mesmo modo como co- Em The Fourth Branch of Government,Douglas Cater
meçamos a aprender algo sobre a manutenção do equilíbrio nas econo- pessoaldoserviçodeimprensadeWashingtonsedeleitavaemprccncltr':r
mias comerciais do mundo. os espaços vazios da peisonalidade de calvin coolidge.
o ÍïctO tlc clc
que se coloca tam-
se assemelhaÍ tanto a uma simples caricatura levava-os à ncccssirladc dc a tnais scnsata das advertências. Esta é uma questão
severo a melhor for-
completarem a sua imagem, para ele próprio e para o público. E instru- bém em relação à pena de morte. Será um castigo
atómica e à
tivo que a imprensa o qualificasse como <<frio>> (<cool>). No exacto sen- ma de prevenir os crimes graves? Em relação à bomba
maneira de
tido de meio frio, a imagem pública de Coolidge carecia a tal ponto de guerra-fria, serão as ameaça; de retaliação massiva a melhor
quando uma dada situação huma-
dados arliculados, que só uma palavra o poderia qualificar. Ele era real- larantir apaz? Não será evidente que
mais provável é dar-
mente frio. Nos quentes anos 20, o quente meio da imprensa considera- na é forçada a um ponto de saturação, o resultado
e energias disponí-
va Cal frio e regozijava-se com a sua falta de imagem, já que isso obri- -se um gesto precipitado? Quandoiodos os recursos
dá-se uma espécie
gava a imprensa a participar na completação dessa mesma imagem veis em qualquer organismo ou estrutura se esgotam'
usado como dis-
perante o público. F. D. Roosevelt, pelo contrário, era um quente agente de reversão da estrutura. O espectáculo da brutalidade
de imprensa, constituindo ele próprio um rival dos jornais e alguém que suasor pode ele próprio brutalizar. A brutalidade
no desporlo pode, pelo
Relativamente à
se deleitava em levar a melhor sobre eles servindo-se do quente meio que menos sob certas condições' contribuir para humanizar'
era a rádio. No extremo oposto, Jack Parr introduziu no frio meio televi- bomba atómica e ao dissuasor da retaliação' é obvio que o resul-
"fËito é o entorpecimento' um facto que se com-
sivo um espectáculo frio, tornando-se num rival dos lugares de diversão tado de um teÍror prolongado
atómicos' O pre-
nocturna e seus aliados nas colunas dos jornais. O conflito de Parr com provou aquando dã discussão do programa de abrigos
os colunistas da imprensa cor-de-rosa foi um estranho exemplo de con- ço da eterna vigilância é a indiferença'
fronto entre um meio quente e um meio frio, como ocoÍreu no caso do Emtodoocaso,ofactodeummeloquenteserutilizadonumacultu-
Em culturas frias'
<<escândalo dos concursos de televisão viciados>>. A competição entre ra quente ou numa cultura fria faz toda a diferença'
tem um efeito violento'
meios quentes, como a imprensa e a rádio por um lado, e a televisão por não alfabeti zadas,um meio quente como a rádio
Inglaterra ou nos Estados Uni-
outro, pelo dinheiro da publicidade, contribuiu para baralhar e aquecer as ao contrário do que sucede, áigu-o', em
questões em debate e que acabaram por envolver, despropositadamente, dos,ondearádioévistacomoumentretenimento'Umaculturafria'is-
aceitar meios
Charles Van Doren. to é, com um baixo grau de alfabettzação' não consegue
Um artigo da Associated Press de Santa Mónica, Califórnia, de 9 de quentescomoarádioouocinemacomosimplesentretenimento.Tais
(senão mais) para essas
Agosto de 1962 informava que: meios tornam-se tão radicalmen@ perturbantes
o nosso mundo altamen-
culturas, como o frio meio televisivo o foi para
Quase 100 infractores do código da estrada assistiram hoje, como for- te alfabetizado.
da bornba atómica' a estratégia
ma de expiação das suas transgressões, a um filme da polícia de trânsito. Quanto à guerra-Íiia e ao quente terror
e a do jogo'
Dois cleles sentiram-se mal e tiveram de ser medicÉìÍnente assistidos [...] cúÀral de que precisamos dLsesperadamente é a do humor
lioi ol'crecicla aos inl'ractorcs uma rcclução clc cinco mil dólares na coi- É; j;g" qoà uàr""" as situações quentes da vida actual' ao mimetizá-
dificilmente
ÍÌìir sc concoÍ'classcm onì vor o I'ilrnc Sil.,nul .ì0, rcalizado pela polícia do -las. A competição desportiva enffe a Rússia e o Ocidente
Esses desportos são clara-
cstado do Ohio. poderá cumprir esta função de relaxamento'
espectáculo ou uma di-
O l'ilrrro oxibilr vcrículos lclorcirkrs o corPos mutilados, além de registos mente incendiários. O qúe nós vemos como um
de uma cultura fria
clos gritos tlits vítirrrirs tkrs acirlcnlcs. vcrsão nos nossos meios de comuntcaçao, aos olhos
disputa política'
iìparece inevitavelmente como uma violenta
o uso de meios frios
É discutívcl quc r.rìì rììcro (lr.rcltlc como o cinema, com um conteúdo Uma forma de perceber a diferença básica enffe
sinfónico com a emis-
quente, tenha ulgurrr cÍ'cito no ulrcÍbcimento dos quentes automobilistas. c quentes é comparar a emissão de um concerto
Mas é importantc piÌrir rÌ cornprcensão dos meios de comunicação. O sixldeumseuensaio.Doisdosmelhoresprogramasradiofónicosalgu-
às gravaç.ões de reci-
efeito de uma tcrapil allavós clc meios quentes não pode incluir dema- tììa vez transmitidos pela cBC foram os dedicados
de lg0r'
siada empatia ou participação. Neste sentido, o anúncio de uma compa- lilis de piano de Gi"nn Gould e os dedicados aos ensaios
meio frio como lt
nhia de seguros que mostruva o pai num pulmão de aço, rodeado por um Stravinsky com a orquestra sinfónica de Toronto' Um
envolviment<l tto ptrr
alegre grupo familiar, conseguiu incutir no leitor um terror maior do que rclcvisão, quando usado a sério, exige este tipo de
infìrrrrtlÌl
cesso. Uma embalagem Í-echada convém meìhor a um nrcio qucntc co- tlisposiçixr visual em fàvor duma que permita a participação
quando um dos sentidos (e espe-
mo a rádio ou o gira-discos. Francis Bacon nunca se cânsou de pôr em tlçs scnticlos, um estado inalcançável
completamente a
contraste a prosa fria com a quente. Para ele, escrever através de <<méto- cialmente o da visão) é aquecido ao ponto de dominar
dos>>, ou embalagens fechadas, contrapunha-se à escrita através de aÍb- sil uação.
extenores
rismos ou observações simples, do tipo <A vingança é uma espécie des- POr outro lado, nas experiências em que todas as sensações
de preenchimento
regrada de justiçu. O consumidor passivo deseja embalagens mas, siro anuladas, o indivíduo enceta urn furioso processo
Deste
sugere Bacon, aqueles que se preocupam com a busca do saber e com a ou completação dos sentidos cujo resultado é a pura alucinação'
indagação das causas recorrerão aos aforismos, já que estes são incom- rnodo, o aquecimento de um dado sentido tende a exercer
um efeito hip-
tende a desembocar na alucinação'
pletos e exigem como tal uma participação em profundidade. ntitico, enquanto o seu arrefecimento
A regra que diferencia os meios quentes dos frios reflecte-se clara-
mente no dito popular <<Os homens raÍamente se atiram a mulheres com
óculos>>. Os óculos intensificam a visão em direcção ao exterior, satu-
rando excessivamente a figura feminina, apesar da bibliotecária Marion.
Os óculos escuros, por seu lado, geram uma imagem inescrutável e ina-
cessível, que convida a uma grande dose de participação e completação.
Uma vez mais, numa cultura visual e altamente alfabeÍizada, quando
somos pela primeira vez apresentados a alguém, a sua aparência ofusca
o seu nome, o que nos obriga, num movimento defensivo, a perguntar:
<<Como é que o seu nome se escreve?>> Ao passo que numa cultura audi-
tiva, o som do nome da pessoa é o facto predominante, como bem sabia
Joyce quando escreveu em Finnegctns Wnke, <Narco? Onde foi buscar
esse nome?>> Pois o nome de uma pessoa ó um golpe narcotizante, do
qual ela .jamais rccLrperiì.
Outra sitr-ração u pirrtir da c;ual sc poclcm testar as diferenças entre
nrcios clucnlcs c lì-ios ó l irrtc tlc ltrcgar partidas. O quente meio literário
cxclui rlc tlrl rnorkl os itsl)cc[os llruiticos e participativos da partida, que
Cortslirrrcc lìotrrkr: clrcgir ir tìcgiìr, lìo scu American Humor, o seu carác-
tcr hurrror'ís(ico. I)irnr irs l)cssoirs lotradas, o acto de pregar partidas, com
o c;r"rc irrrplicl tlc c:rrvolvirlcntu Í'ísico integral, é considerado tão fasti-
clioso corrro o ltrlctulillro (ltlc tìos Íaz descarrilar do desenvolvimento sua-
vc c unilìrlrlc l)t'cf*iulx)sto pcla ordem tipográfica. Na verdade, a pessoa
lctriula,lotllrrrcrrtc ignorante do carácter fortemente abstracto do meio ti-
pogriÍÍ'ico, lcrrtlc ir corrsiclcrar como <<quentes>> as formas mais grosseiras
e envolvcrrtcs, ito l)iÌsso que as formas mais abstractas e intensamente li-
terárias lhcs lluroccrn <Íìias>>. <<Talvez se dê conta, minha senhora>>, dis-
se uma vcz o I)r'..fohnson. com um soriso agressivo...de que em mim a
boa educaçhu irtingc um grau de desnecessária escrupulosidade.> E, o
Dr. Johnson tinhir razão ao supor que a <<boa educação>> passara a signi-
ficar uma insistôncia na brancura da roupa capaz de rivalizar com o ri-
gor da folha impressa. O <<conforto>> consiste em abandonar uma dada
3

A Inversão de Um Meio Sobreaquecido

Uma notícia de 2l de Junho de 1963 dizia o seguinte:

LINHA DIRECTA ENTRE WASHINGTON E MOSCOVO INAUGL]RADA


DENTRO DE DOIS MESES.

do Times de Londres em Genebra:


O acordo para o estabelecimento de uma linha de comunicação directa
\Mashington e Moscovo, destinada a situações de emergência, foi on-
assinado aqui pelos representantes dos Estados Unidos e da União So-
tica, Charles Steele e Semyon Tsarapkin, respectivamente'
Esta linha de comunicação, conhecida como hotline, será aberta dentro
dois meses, segundo elementos da administração americana' A linha
concessões de circuitos comerciais, um por cabo e outro sem fios,
um equipamento teleimPressor.

decisão de utilizar um quente meio impresso em vez de um meio mais


participante, como o telefone, é exffemamente infeliz. Não há dúvi-
que tal decisão tem origem no alfabetizado preconqeito do Ocidente
do meio impresso, considerado mais impessoal do que o telefo-
forma irnpressa tem implicações muito diferentes em Washington e
ffibovo. O mesmo se passa com o telefone. O amor dos russos por este
|filünrento, tão afim das suas fadições orais' está ligado ao rico envolvi'
n#O não visual que propicia. Os russos utilizam o telefone para o tipo dO
úiUOr que nós associamos a uma animada convefsa frente a frente.
rdr{hnto o telefone como o teleimpressor, enquanto amplificeçõêl ül
l1pgnscientes preconceitos culturais de Moscovo, por um lado, O dC l{ffn
dá-sc
hington, por outro, são um convite a monstruosos ntalctttclttlitlos. ()s rus- A Pirr. tlcstil transf'ormação do munclo real em ficção científica,
qual o mundo ocidental se aproxima
sos consideram muito natural que se implantem microfones nos cspitços ,,,,' 1,,'.,."rr,r cle inversão através do
neste
e se façam escutas telefónicas. Já a nossa espionagem visual, rlo Or.icutc e vice-versa. Joyce codificou esta inversão recíproca
consideram-na muito pouco natural. r'r'rplico vcrso:
O princípio segundo o qual as coisas, durante as suas fases de desen-
volvimento, se apresentam sob uma forma contrária à que terão no final
desse mesmo processo é uma doutrina antiga. O interesse na capacidade ffitri:ïïï:ïiL$:::ï'"
que as coisas têm de se transformarem no seu contrário é evidente em inú-
jogos de palavras'
meras observações, tanto sérias como jocosas. Alexander Pope escreveu: O título do seu Finnegans Wake é um conjunto de
pela qual o ho-
cnr rnúltiplos níveis semânticos, a propósito da inversão
rrrcnt Ocidental reentra, uma e outIa VeZ, no Seu ciclo
tribal, ou Finn' Se-
Tão medonho é o vício, seu aspecto,
que Ïeentra-
Que vê-lo e detestá-lo são um só. grrirtclo na peugada do velho Finn, mas bem desperto agora
consciência do
lllri Mas se em demasia o vemos, tolerância ,,r,,, no ,tóit" t ibul. É como a nossa contemporânea
Sentimos, depois pena, acabando a abraçá-lo. Irrconsciente.
para
A aceleração da velocidade implícita na passagem do mecânico
Na nossa
Conta-se que uma lagarta disse, ao olhar para uma borboleta: <<Que o clóctrico inverte a explosão' transformando-a em implosão'
mundo' implosivits ou
horror, a mim é que ninguém me apanhará nestes preparos.>> ir(ltual era da electricidade, as energias do nosso
estruturas organiza-
A outro nível, temos visto, no nosso século, como o desdém pelos mi- r.rrr contracção, chocam com as velhas e tradicionais
.l
pouco tempo' as nossas instituições
tos e lendas tradicionais tem dado lugar a um respeitoso estudo dos mes- tivls, de teor expansionista. Até há
partilhavam um pa-
mos. À medida que começamos a reagir em profundidade à vida e aos t' tlisposições - sociais, políticas e económicas -
<<explosivo>> ou ex-
problemas sociais da nossa aldeia global, tornamo-nos reaccionários. O tlliio uniúreccional. Nós continuamos a considerá-lo
a fa-
envolvirncnto rlLrc acornpanha iÌs nossiÌs tecnologias instantâneas trans- pirrtsivo; e embora esse padrão já não se aplique, nós continuamos
1,,, explosão demográfica ou expansão do ensino' Na verdade' a
fbrma ató as pcssrxrs rnais <socialurctrlc conscienteS- eITì coflservadoras.
"rnpÍeocupação .o- u demografia não se deve ao aumento dos nú-
Quando o plirnciro Sputnik cntror.r cnt <irbita um professor primário pe- rÌ()ssa
nrr:r'os; mas sim ao facto de a população mundial
começar a viver numa
diu aos seus alunos da scguncla classc parl cscrcverem um poema sobre
o assunto. Uma das criirnçlrs cscrcvcu: Prrrximidade que é gerada
pelo nosso envolvimento eléctrico na vida do
é o aumen-
,r,,,ru. D" igual modo, na educação, o que produz a crise não
preocupação
As estrelas são tãro grandcs, to do número dos que procuram instrução' A nossa recente
A Terra é tão pequena, ('orìì a educação surge na sequência cle uma mudança: onde antigamente
Fiquem como estão. t Ín lr amos currículos organizados segundo
disciplinas estanques, verifica-
'll sc hoje uma tendência para a inter-relação dos saberes.
Sob o efeito da
dissolve-
Para o homem, o seu conhecimento e o processo de obtenção de co- vr.rltrcidade eléctrica, a soberania de cada disciplina curricular
srr tlto rapidamente como as soberanias nacionais' A obsessão com os
nhecimento possuem a mesma magnitude. A nossa capacidade para com-
que avançava dtr
preender tanto as galáxias como as estruturas sub-atómicas pressupõe Irrrtigos padrões de expansão mecânica e unidireccional,
mundo eléc-
um movimento de faculdades que inclui e transcende tanto as primeiras .,,,,tìo para a periferia, deixou cle ser relevante neste nosso
tr.ico. Em vez de centralizar, a electricidade descentraliza.
Adiferençit c'
como as segundas. A criança que escreveu aquele poema vlve num mun-
de rede clóc
do muito mais extenso do que aquele que pode ser medido por algum it lìlosma que existe entre o sistema de via-férrea e o sistema
'i1lll instrumento científico ou descrito por qualquer conceito. Como escreveu tl.icir: o primeiro exige terminais e grandes centros urbanos.
A cnct'gllt
dc c:lttpR'
W. B. Yeats a respeito desta inversão: <<O mundo visível já não é uma clcctrica, disponível tanto na quinta como na sala do director
pol rs
realidade, nem o mundo invisível é iá um sonho.>> sir, pcrmite que qualquer lugar constitua um centro' dispctrsittttlo

[ïl
so as grandes aglomerações. Este padrão reversivo maniÍ,cstou-sc clcscle 'l'ivcssc Benda sabido um pouco mais de história, e não se mostraria
muito cedo, com as primeiras máquinas eléctricas concebiclas para
I

ltì() surprccndido ou furioso. Pois os intelectuais sempre funcionaram co-


<<poupar trabalho>>, independentemente de se tratar de uma tomadeira, rrro o clcmento de ligação, os mediadores, entre os velhos e os novos gru-
uma máquina de lavar roupa ou um aspirador. Em vez de poupar traba- gtns rlc poder. O mais conhecido desses grupos é o dos escravos gregos,
lho, o que esses electrodomésticos fazem é permitir que cada pessoa fa- rprc rlurante muito tempo foram os educadores e os confidentes do poder
ça o seu próprio trabalho. As tarefas que o século xrx delegara nos cria- r'orììiuro. E é precisamente esse papel servil de confidente do poder - co-
dos e nas empregadas domésticas são agora realizadas por nós próprios. nrercial, militar ou político o educador continuou a desempenhar
Na era da electricidade, esta regra aplica-se a tudo. Na esfera política, ela
- o que dias. Os <angry young men,' ingleses
rxr rnundo ocidental até aos nossos
permitiu que Fidel castro subsistisse como um núcleo ou um centro in- colrstituíram um desses grupos de funcionários intelectuais subitamente
dependente. Permitiu que o Quebec abandonasse a união canadiana de clcvaclos das classes baixas através da saída de emergência que é a edu-
uma forma que seria totalmente inconcebível sob o regime do caminho- errçho. À medida que ascendiam ao mundo superior do poder, iam desco-
-de-ferro. o caminho-de-ferro exige um espaço político e económico blinclo que o ar nada tinha de puro ou de tonificante. Mas perderam a sua
uniforme. o avião e a rádio, por seu lado, permitem a máxima diversi- grrrra mais depressa do que Bernard Shaw. E, tal como ele, depressa se
dade e descontinuidade na organização do espaço. rrcomodaram ao culto da fantasia e dos valores do entretenimento.
Hoje em dia, o grande princípio da física, da economia e da ciência No seu Study of History,Toynbee assinala uma grande quantidade de
política clássicas, ou seja, o da divisibilidade de cada processo, inverteu- ittvcrsões de forma e de dinâmica, como a que ocoÍreu a meio do século
-se a si mesmo por meio da pura extensão na teoria do campo unificado; tv, quando os germânicos ao serviço de Roma começaram de repente a
também na indústria , a attomatização tem vindo a substituir a divisibili- scntirem-se orgulhosos dos seus nomes tribais e a conservá-los' Esse
dade dos processos pelo entrelaçamento orgânico de todas as funções do nurmento assinalou uma nova confiança, nascida duma saturação dos va-
complexo produtivo. A fita magnética substituiu a linha de montagem. krrcs romanos, a qual coincidiu com uma complementar viragem dos ro-
Na nova Era da Informação eléctrica e da produção programada, os rììanos em direcção aos valores primitivos. (De igual modo, os america-
próprios bens de consumo assumem cada vez mais o carâcter de infor- rrgs, saturados de valores europeus, começaram, especialmente a partir
mação, embora esta tendência se manifeste sobretudo nos oÍçamentos da rlo aparecimento da televisão, a reivindicar como valores culturais as
publicidade,cadavez mais altos. É significativo que os bens de consu- Inntcrnas das diligências, os postes para amaÍrar cavalos ou os utensílios
mo mais visados pela comunicação social
bonetes
- cigarros, cosméticos e sa-
sejam também os que suportam a maior parte das despesas de
dc cozinha dos tempos coloniais.) Assim como os bárbaros ascenderam
- lro topo da escala social romana, os romanos mostravam-se dispostos a
manutenção dos meios de comunicação em geral. À medida que sobem ussumir os trajes e os usos tribais, com o mesmo espírito frívolo e snobe
os níveis de informação eléctrica, praticamente qualquer tipo de material quc levou os cortesãos de Luís xrv a imitar o mundo pastoril. Deve ter
poderá servir qualquer tipo de necessidade ou função, relegando cada
lrurecido, esse, o momento indicado para que os intelectuais assumissem
vez mais o intelectual para um papel de domínio social e ao serviço da o poder, enquanto a classe governante viajava pela Disneylandia, por as-
produção. sirn dizer. Assim deve ter parecido aos olhos de Marx e seus seguidores.
Foi Julien Benda quem, no seu La Trahison des clercs, ajudou a cla- Mus estes, embora as identificassem, não chegaram a compreender as di-
rificar a nova situação do intelectual, que de um momento païa o outro nÍìrnicas dos novos meios de comunicação. A análise de Marx, baseada
se viu no papel de capataz social. Benda percebeu que os artistas e os in- rrir rnáquina, estava desfasada do seu tempo, já que o telégrafo e outras
telectuais, que desde há muito estavam afastados do poder e que desde lìlrrnas implosivas começavam nesse preciso momento a inverter a dinâ-
voltaire se situavam no campo da oposiçã., começavam agora a ser re- rnica mecânica.
crutados para os mais altos postos de tomada de decisões. A sua traição O presente capítulo pretende demonstrar que qualquer meio ou estru-
estava em terem abdicado da sua autonomia, convertendo-se em lacaios Irrra possui aquilo a que Kenneth Boulding chama <<um ponto de rupturit
do poder, tal como o físico atómico é neste momento um lacaio dos se- rr partir do qual o sistema se converte de repente noutro ou crllzil, lì()r\i
nhores da guerra. seus processos dinâmicos, um determinado ponto de não-rctot'l1t)". Al
rádio com o
guns desses <pontos de ruptura>> serão aqui discutidos rrrais urliiurlc, irr- \(' ('ilt/,()tt collì it tnaquina a vapor, ou com o cruzamento da
cluindo o da passagem da estase ao movimento e do mecânico ao orgâ- ( rr('nìir (cprc originaram o fiÌme falado)' Hoje em dia' com microfilme
o
nico no mundo da pintura. Um dos efeitos da fotografìa enquanto ima- r. (|s rìlicl.ocartões, já para não falar das memórias
electrónicas, a palavra
arlesanal de um manuscrito'
gem estática foi banir o consumo ostentoso dos ricos, ao passo que um lf rf l)f.Lìssa ilssume cle novo muito do catírctet
dos efeitos da aceleração da Íbtografia foi o de proporcionar riquezas M,,r,raparecimentodaimprensadecaracteresmóveisconstituiuoprin-
imaginárias aos pobres de todo o mundo. t.rlrirl lttxrto de ruptura na Àistória da literacia fonética,
tal como o alfa-
Hoje em dia, ultrapassado o seu ponto de ruptura, a estrada converte lrt.to lìruótico constituíra o ponto de ruptura entre o homem
tribal e o ho-
as cidades em auto-estradas, enquanto que estas assumem um carácter rr rt' n i nclividualista.
r

passaram para
urbano contínuo. Outra inversão característica, uma vez ultrapassado o As intermináveis inversões, ou pontos de ruptura' que
o momen-
ponto de ruptura rodoviário, é o facto de o campo deixar de ser o centro o tr.ciclo das estruturas burocráticas e empresariais, abrangem
considerados responsáveis pe-
do trabalho e a cidade o centro do lazer. De facto, o progresso das estra- l() r.lìì que os indivíduos começaram a ser
colectiva da
das e dos transportes inverteu os padrões antigos, convertendo as cida- 1,,, scus <<actos privados>>. Foi a partir daí que a autoridade
ex-
des em centros de trabalho e o campo em centro de laser e recreação. Irilxl cntrou erncolapso. Séculos mais tarde, quando subsequentes
privada' as cor-
Antes disso, o aumento da circulação trazido pelo dinheiro e pelas es- plosilcs e expansões esgotaram as capacidades da acção
inventaram a ideia de Dívida Pública' tornando o
tradas pôs fim aos estáticos estados tribais (como Toynbee chama às cul- ir,rr,,ções empresariais
turas recolectoras nómadas). Característico da inversão que ocoÍre em irrrlivíduo pe.ssoalmente responsável pelos actos colectivos'
pontos de ruptura é o paradoxo de o móvel e dinâmico nómada, o lÌnquanio o século aquecia os procedimentos mecânicos e disso-
xx
voltava-se intei-
caçador-recolector, ser estático em termos sociais. O homem sedentário r.tirtivos da fragmentação técnica, a atenção dos homens
e especializado, por seu turno, é dinâmico, explosivo, progressivo. A no- l.il|llcÍìteparaoassociativoeocorporativo'Noprimeirograndeperíodo
e os pré-
va cidade magnética, global, será estática e icónica, ou seja, inclusiva. rlt' substituição clo trabalho humano pelo da máquina' Carlyle
era uma comunhão so-
No mundo antigo, a consciência intuitiva dos pontos de ruptura como t.irl'aclitas def-enderam a teoria de que o Trabalho
se esfalfa-
pontos de não-retorno estava corpolizada na concepção grega de hubris, r'iirl mística, ao passo que milionários como Ruskin e Morris
a essas teorias'
qr-re Toynbcc iÌprescnta, cm S/lrrl.y trl Íli,rktr.1t, sob os títulos de <ANéme- v;rr' . trabalhar em proi do esteticismo. Marx foi sensível
da mecani-
sis da Criativiclatlc> c <A lrrvclsiìo clos l)apóis>. Os dramaturgos gregos A rrrais bizarracle toclas as inversões da grande era vitoriana
de Lewis Canoll-e Edward
reproscrìliìrarrr a iclcia tlc c:riirtivirladc conro cliaclora também da sua pró- z,irçiio e do moralismo foi a contra-estratégia
pria ccgr-rciriì, colììo tì() cirs() tlo lìci Irtlilxr. cluc resolveu o enigma da E,s- |,errr,cujohumorabsurdoSerevelouinexcedivelmenteduradouro.En-
sangue no Vale da
fingc. [tra cotììo sc osi l]r'cgos scltlissclrr rprc o castigo por uma determi- rlrututo os Lord Carrigan tomavam os seus banhos de
fora já su-
nada ruptura lossc urrr gcnrl bltx;rre:io dir cor.tsciência da totalidade. Numa Moltc, Gilbert & Sullivan anunciavam que o ponto de ruptura
obra chinesa intitulacla 'l'ltt Wrv tttrtl It,s l)ower (na tradução de A. Wal- lrlirclo.
ley), deparamos com urrra sór'ic tlc c:xcrnltlos de meios sobreaquecidos
(com homens ou culturrs ultlir-cxlxrrrcliclas) e da inversão, ou peripécia,
que inevitavelmente se scguc:

Quem se ergue na ponta cl<ls 1lós lriur se ergue com firmeza;


Quem dá os maiores passos niìo caminha mais depressa;
Quem se gaba do que vai lirzcl não tcm êxito em nada;
Quem se orgulha do seu trabalho nixr alcança nada de duradouro.

Em qualquer sistema, uma'das causas mais comuns de ruptura é afer-


tilizaçáo crtzada com outro sistema, como ocoÍïeu quando a tipografia

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