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A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHADOR EM PERSPECTIVA - UMA ANALISE DO

FILME “VOCÊ NÃO ESTAVA AQUI”(2019)

Tiago Galan Mazurkevic – GRR20192091

Artes e Direito do Trabalho

Curitiba, 28 de fevereiro de 2023

INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo traçar uma analise sintética e precisa sobre a
precarização do trabalho contemporâneo trazendo como paralelo o filme intitulado “Você não
estava aqui” dirigido pelo cineasta inglês Ken Loach. Para tanto, em um primeiro momento
conduziu-se uma retrato histórico das relações de trabalho para, em seguida, debruçar-se sobre o
tema da precarização. Por fim, contemplando o objetivo deste artigo, analizar-se-á o paralelo
existente entre a obra audiovisual supracitada e o contexto de precarização de trabalho brasileiro.

AS RELAÇÕES DE TRABALHO NA HISTÓRIA

Em uma analise histórica o período industrial moderno caracteriza-se por intensas


modificações nas relações de trabalho. A relação Patrão x Trabalhador é tensionada a partir da
expansão dos centros urbanos e a formação de lutas proletárias organizadas que respondiam ao
contexto de exploração a que eram submetidos. Atividade laboral, por sua vez, passou a ser
observada de modo mais objetivo e sistemático em virtude do crescimento acelerado dos novos
centros urbanos e da necessidade de sustentar um padrão de produção fabril.

Nos séculos seguintes, com o estabelecimento de novos sistemas de produção, a concepção


de trabalho passa a ser permeada por um paradigma de primazia da produção descentralizada e em
pequenos lotes, flexibilizada através da automação e da prática de diferentes modalidades de
contrato de trabalho. O Estado Liberal delimita, nesse sentido, novas estratégias voltadas a
neutralização da organização proletária tomam forma. Segundo WALLERSTEIN amplia-se
progressivamente a concessão ao sufrágio a todos; aumenta-se progressivamente a renda real das
classes mais baixas, criando o que a literatura passa a chamar de estado de bem estar social; insufla-





se a noção de identidade nacional e o nacionalismo, como modo de subverter a luta de classe a uma
luta pelas nações

Em uma perspectiva nacional, os direitos trabalhistas vieram a ser formalizados somente


após a década de 30 nas chamadas reformas varguistas Foram consolidadas a remuneração ao
trabalhador, a proibição do trabalho a menores de 14 anos, férias anuais, a criação da Justiça do
Trabalho e de jurisdição para conflitos trabalhistas e o advento do sindicalismo (operário e
patronal). Em um contexto contemporâneo, entretanto, tais garantias encontram imensos desafios
com a mudança de paradigma social e tecnológico. A inserção de inovações mercadológicas, como
smartphones e tablets, causou uma transformação nas relações de acesso e consumo na atividade
econômica mundial. Como resultado, grupos econômicos globais buscaram alternativas de mercado
que pudessem aliar a enorme revolução tecnológica possibilitada pela web 2.0. com questões como
desemprego significativo e alta descentralização produtiva.

A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

O percurso histórico das relações de trabalho veio nos últimos anos acompanhado do
crescente processo de precarização da atividade laboral. O trabalho contemporâneo, em especial nas
últimas décadas do século XX, caracterizou-se pelas premissas do pós-fordismo, e dês de então
coloca em prática modalidades da precarização próprias da fase da flexibilidade toyotizada.
Manifestam-se, por exemplo, pela flexibilidade da jornada de trabalho, de espaço e de estatutos do
trabalho (trabalho a tempo parcial, trabalho no domicílio, trabalho independente, trabalho
temporário, teletrabalho, entre outros), flexibilidade do processo produtivo, da estrutura de poder
nas organizações, das relações trabalhistas. Além dos imperativos de flexibilidade destacam-se as
mudanças entre as próprias empresas, especialmente caracterizado pelos crescentes processos de
terceirização, levando a uma proliferação de micro e pequenas empresas que utilizam contratos
precários de trabalho.

Sob uma perspectiva sociopolítica, Barreto (2003) sinaliza que a precarização do trabalho é
uma consequência da expansão das atividades capitalistas que ocorreu após a crise do fordismo e do
Estado de bem-estar social na década de 1970. Essa mudança na forma de organização do trabalho e
na relação entre capital e trabalho resultou em uma flexibilização e desregulamentação do trabalho.



Nesse contexto, marcado pela diminuição da oferta de empregos típicos ou permanentes


crescimento do mercado informal, que capitais globais exigem o desmonte da legislação social
protetora do trabalho. Segurança social, regulação do mercado de trabalho, forte presença de
sindicatos são apontadas como obstáculos à competitividade.

Os diversos mecanismos de flexibilização do trabalho têm sido importante instrumental


utilizado pelas empresas para burlar a legislação social do trabalho (Antunes, 2014). As formas
precárias de trabalho e de emprego, expressas na reestruturação do mercado de trabalho, o papel do
Estado e sua (des)proteção social, as práticas gerencialistas de organização do trabalho e o
esvaziamento da força sindical estão indissociavelmente articulados (Druck, 2011) nessa dinâmica
liberal de modernização do processo produtivo para fins de acomodação aos interesses do capital
financeiro, embora um dos produtos dessa fórmula seja a generalização de uma altíssima
vulnerabilidade social e política.

O PROCESSO DE UBERIZAÇÃO

Umas das mais marcantes formas de precarização contemporânea tem sido a adoção de
dinâmicas produtivas mediadas pelas plataformas digitais, conhecidas como uberização dos
processos de trabalho. Esse método implanta, sob o pretexto de uma lógica empreendedora, novas
formas de controle e gerenciamento do proletário.

Entende-se essa dinâmica produtiva como sendo uma tendência


global que atinge uma diversidade de trabalhadores, localizados tanto
no centro quanto na periferia. Essa nova reconfiguração da gestão
organizacional, significa mais um passo na intensificação da
flexibilização das relações de trabalho, embora persistam ainda as
formas mais tradicionais de flexibilização e intensificação do
trabalho; como é o caso da terceirização e do trabalho intermitente.
(SOUZA, 2020)


A uberização, segundo ANTUNES, pode ser definida como um processo no qual as relações
de trabalho são crescentemente individualizadas e invisibilizadas, assumindo, assim, a aparência de
‘prestação de serviços’ e obliterando as relações de assalariamento e de exploração do trabalho.

Assim, ao invés de proporcionar liberdade, autonomia e flexibilidade para os trabalhadores,


o modelo de capitalismo informacional digital contemporâneo tem resultado em uma maior
subordinação e controle sobre o trabalho. Através das plataformas digitais, as empresas, como a
Amazon, por exemplo, apoderam-se do controle do tempo, do deslocamento e do comportamento
dos trabalhadores, aumentando assim a apropriação do mais valor absoluto e relativo.

Empresas como Rappi, Ifood e Uber Eats seguem essa mesma lógica organizacional
característica da Indústria 4.0. O intenso dispêndio de energia física exigido dos trabalhadores nessa
relação capital-trabalho, fica submergido no discurso da ideologia do empreendedorismo - partícipe
e central nos trabalhos uberizados. Dessa forma, milhares de trabalhadores taxados como
“livres”, “empreendedores” e “autônomos” têm , na realidade, seu trabalho controlado e
subordinado pelo capital.

Para além disso, a ideologia empreendedora, que prega ao trabalhador a falácia de “ser seu
próprio chefe” e gerenciar seu próprio negócio, tem um impacto direto na organização política de
classe. Esse movimento faz com que os trabalhadores vejam a si mesmos como patrões, em vez de
membros de uma mesma classe, afastando-s das lutas coletivas.

“VOCÊ NÃO ESTAVA AQUI” E A PRECARIZAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

"Você não estava aqui" é um filme de drama social dirigido por Ken Loach e lançado em
2019. A obra aborda o tema da precarização do trabalho no Reino Unido, com enfoque na história
de Ricky e sua família, que luta para sobreviver em meio à crise econômica.
Após perder seu emprego como construtor durante a crise financeira de 2008 o personagem
principal decide investir em um negócio de entregas de encomendas, utilizando sua própria van. No
entanto, com o desenrolar da trama, percebe-se preso em uma espiral de dívidas e trabalho
exaustivo, em uma relação de trabalho sem garantias. O drama chega a seu ponto de maior potência
na medida em que desmonta, didática e objetivamente, as promessas de liberdade e sucesso contidas
na retórica do empregador: não há espécie alguma de proteção no caso de doença, problema





familiar ou acidentes; as rotinas Trabalho se demonstram crescentemente exaustivas e longas; o


trabalho não prevê intervalos.

O filme demonstra de forma contundente os efeitos da precarização do trabalho na vida do


trabalhador autônomo. Apesar de debruçar-se sobre o contexto Europeu/Inglês, a produção
audiovisual guarda grandes semelhanças com o contexto brasileiro. Isso porque, trata de um
fenômeno de deterioração dos direitos sociais e dos vínculos afetivos na sociedade, presente em
todas as relações de trabalho contemporânea

CONCLUSÃO

"Você não estava aqui" é um retrato realista e emocionante da luta diária dos trabalhadores
precarizados. O filme aborda questões essenciais ao mercado de trabalho contemporâneo e oferece
uma visão crítica sobre as desigualdades sociais e econômicas compartilhadas por trabalhadores de
todo o mundo, inclusive brasileiros. Portanto, representa importante instrumento de analise e leitura
da realidade, servindo não só como representação política, cultural e social de um período histórico,
mas como ferramenta para a compreensão do direito e das relações trabalhistas do mundo
contemporâneo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAUJO, Marley Rosana Melo de; MORAIS, Kátia Regina Santos de. Precarização do trabalho e
o processo de derrocada do trabalhador. Cad. psicol. soc. trab., São Paulo , v. 20, n. 1, p. 1-13,
2017 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S1516-37172017000100001&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 28 fev.
2023.

Luna, N. T. C. de ., & Oliveira, A. S. M. de .. (2022). Os entregadores de aplicativos e a


fragmentação da classe trabalhadora na contemporaneidade. Revista Katálysis, 25(Rev. katálysis,
2022 25(1)), 73–82. https://doi.org/10.1590/1982-0259.2022.e82588

SOUZA, Lucas Eduardo Silveira de; SOUZA, Luis Otávio Silveira de; PALOMARES3, Raphael
Salatino. UMA DÉCADA DE CRISE: DIÁLOGOS ENTRE A PRECARIZAÇÃO DO
TRABALHADOR E O RETRATO DE DETERIORAÇÃO SOCIAL NO FILME "VOCÊ NÃO
ESTAVA AQUI" (2019). Espirales, [s. l.], v. II, ed. V, 2020.


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