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DOI: 10.1590/1413-81232020251.

29562019 89

Tendências estruturais do mundo do trabalho no Brasil

Artigo Article
Structural trends in the world of work in Brazil

Marcio Pochmann (https://orcid.org/0000-0002-3940-1536) 1

Abstract Through a brief historical recovery, Resumo Através de breve recuperação históri-
the article seeks to describe the main trends in ca busca-se descrever as principais tendências do
the world of work in Brazil. The emphasis of the mundo do trabalho no Brasil. A ênfase do ensaio
article focuses on the current early transition to focaliza a atual transição antecipada para a so-
the service society, whose significant change can ciedade de serviços, cuja alteração significativa
be observed in the operation of the labor market pode ser observada no próprio funcionamento
itself. Also, it considers the predominance of mas- do mercado de trabalho. Também se considera a
sive open unemployment, the expansion of the predominância do massivo desemprego aberto, da
underutilization of the labor force and the gen- ampliação da subutilização da força de trabalho
eralization of precariousness in professions due to e da generalização da precarização nas ocupações
the absence of economic growth and the return em função da ausência de crescimento econômico
of the neoliberal reforms. The result has been the e do retorno das reformas neoliberais. O resulta-
increasing polarization within the world of work. do tem sido a polarização crescente no interior do
Key words Work, Politics, Society mundo do trabalho.
Palavras-chave Trabalho, Política, Sociedade

1
Centro de Estudos
Sindicais e de Economia
do Trabalho, Instituto de
Economia, Universidade
Estadual de Campinas.
R. Pitágoras, Barão Geraldo.
13083-970 Campinas
SP Brasil.
pochmann@unicamp.br
90
Pochmann M

Introdução brasileiro. Na sequência, busca-se descrever os


principais efeitos da atual transição antecipada
O mundo do trabalho enquanto percepção do para a sociedade de serviços no mundo do tra-
envolvimento distinto dos seres humanos com o balho. Na terceira e última parte, considera-se
conteúdo e relações laborais não se apresenta es- o comportamento mais recente do mercado de
tável ao longo do tempo. Em geral, tende a sofrer trabalho diante das reformas neoliberais imple-
impactos diretos e indiretos das possíveis trajetó- mentadas de desde o ano de 2016.
rias dos sistemas produtivos, bem como do for-
mato pelo qual a regulação se estabelece sobre o Mundo o trabalho em três tempos
funcionamento do mercado de trabalho.
Nesse sentido, a tradicional classificação das Nos últimos duzentos anos, o mundo do tra-
atividades produtivas ajuda no entendimento balho no Brasil percorreu três temporalidades
acerca dos dinamismos diferenciados entre os completamente distintas, porém complementa-
três principais setores econômicos (primário, se- res e articuladas entre si. A sua breve recuperação
cundário e terciário). O setor primário se cons- histórica permite identificar o sentido geral das
titui pelas atividades da agropecuária e o setor mudanças pelas quais a classe trabalhadora foi
secundário compreende a indústria de trans- sendo submetida desde a consolidação do siste-
formação e construção civil, enquanto o setor ma capitalista na condição de país periférico e,
terciário responde pelas atividades de serviços, por consequência, dependente do centro dinâmi-
como no caso dos complexos da saúde, educação co mundial.
e outros. A primeira temporalidade respondeu à lon-
Até pouco tempo, o setor terciário era pouco geva sociedade agrária que terminou por estabe-
estudado, pois englobava o conjunto de ativida- lecer as bases pelas quais o mercado de trabalho
des econômicas que não faziam parte dos setores se constituiu demarcado por importantes espe-
primário e secundário. Mas diante da tendência cificidades em relação a outros países. A tardia
de terciarização dos sistemas produtivos, sobre- transição e a consolidação do modo de produção
tudo após a segunda metate do século passado, capitalista no Brasil, somente ao final do século
os serviços emergiram com papel de destaque XIX, estabeleceram traços marcantes da forma-
crescente. ção e desenvolvimento do mercado de trabalho
No passado das sociedades agrária, urbana disperso regionalmente num país de dimensão
e industrial, os serviços eram geralmente con- continental liderado por elites autoritárias e de
siderados estáveis, pois responsáveis por irrisó- forte e longeva herança escravista.
rios ganhos de produtividade diante de intensa A segunda temporalidade do mundo do tra-
agregação de trabalhadores. Mais recentemente, balho atendeu aos requisitos da transição para a
contudo, o setor terciário passou a assumir iné- sociedade urbana e industrial caracterizada por
dito protagonismo com os estudos que buscaram rápido e intenso processo capitalista de moder-
analisar a incorporação do progresso tecnológi- nização conservadora entre as décadas de 1930
co, a expansão das ocupações e a crescente im- e 1980. Sem ter experimentado qualquer pos-
portância relativa no produto nos países diante sibilidade de reformas clássicas do capitalismo
da constituição da nova sociedade de serviços. contemporâneo, tais como a fundiária, tributária
É para tratar das diferentes temporalidades e social, a conformação do mercado nacional de
na evolução da composição ocupacional brasi- trabalho terminou reproduzindo profunda hete-
leira que o presente ensaio analisa as tendências rogeneidade ocupacional e ampla exclusão social
estruturais gerais do mundo do trabalho, é para tradicional do subdesenvolvimento periférico no
além das especificidades atinentes aos diferentes capitalismo mundial.
setores que o compõem, como no caso do com- Por fim, a terceira temporalidade do mundo
plexo da saúde. Considera o conjunto de dados do trabalho, atualmente em curso neste início do
oficiais, do primeiro Censo Demográfico, realiza- século XXI, com a antecipada passagem da in-
do no país no ano de 1872 aos dias de hoje, com completa sociedade urbana e industrial para a de
base nas pesquisas realizadas pelo IBGE para sus- serviços. Decorrente do precoce processo de de-
tentar as prinicpais transfromações ocorridas no sindustrialização que acompanha o país desde a
mercado de trabalho. inserção passiva e subordinada desencadeada na
A primeira parte, nesse sentido, apresenta década de 1990 por governos neoliberais, o fun-
uma breve recuperação histórica acerca das tem- cionamento do mercado de trabalho tem conver-
poralidades identificadas no mundo do trabalho gido para a generalização de condições extrema-
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mente regressivas associadas ao relativo declínio de trabalho em formação, destaca-se legislação
de ocupações intermediárias e generalização do voltada à repressão e imposição de penalidade
emprego na base da pirâmide social, o que favo- para as situações consideradas de vadiagem e
rece o aprofundamento da polarização social. vagabundagem. Uma diversidade de leis associa-
das à locação de serviço orientou a imposição da
O mundo do trabalho na sociedade agrária disciplina laboral (coação ao trabalho em qual-
quer ocupação de caráter regular) para garantir
O ingresso no modo de produção capitalis- a transformação dos indivíduos (ex-escravo, imi-
ta no Brasil remonta ao conjunto de decisões do grante estrangeiro e trabalhador livre nacional)
período imperial (1822-1889), como a definição em proletários disponíveis à demanda do capital.
do direito de propriedade privada instituído em Exemplo disso pode ser notado já em 1830
1850, com a Lei das Terras1, e as várias medidas com a implantação do Código Criminal sobre
gradualistas de transição do trabalho escravo a repressão da vadiagem2 e mendicância, assim
para o mercado livre de trabalho a partir dos como em 1837, com a lei da contratação de tra-
anos de 1830, com a regulação de contratos de balho estrangeiro3 e, em 1850, com as regras de
trabalho aos estrangeiros. Por conta disso, a for- prestação de serviços estabelecidas pelo Código
mação do mercado de trabalho contemplou es- Comercial4. Também faz referência aos interesses
pecificidades fundamentais que o tornaram mais patronais na fixação da disciplina laboral, a legis-
complexo e diferenciado regionalmente. lação de 1879 que tratou da imigração subsidiada
A começar pela constituição do mundo do como base do sistema de colonato.
trabalho assentado em três componentes sociais Com a instalação da República (1889), o ar-
distintos. De um lado, a massa de negros africa- senal das legislações anteriores sobre a locação
nos trazida pelo tráfico de escravos, cujo con- de serviços agrícolas foi revogado em virtude da
servadorismo imposto pela elite escravocrata na dominância da lógica liberal e o entendimento
passagem para o trabalho livre resultou do pro- de que contrariava a liberdade individual, com-
jeto de branqueamento do final do século XIX, prometendo a atração dos fluxos imigratórios
capaz de postergar a inclusão dos ex-escravos no de mão de obra branca. Em função disso que a
mercado nacional de trabalho. quase ausência da legislação laboral se justificaria
De outro, a força social representada pela pelo risco da regulação pública das relações de
imigração branca que constituiu inicialmente trabalho impedir o controle privado e o exercício
parte importante do mercado de trabalho, espe- da disciplina laboral (Tabela 1).
cialmente nas atividades mais dinâmicas da épo- Assim, a omissão do Estado liberal permitiu
ca no país (cafeicultura na região sudeste). E, ain- que durante a República Velha, o funcionamen-
da, conta também a presença de segmentos livres to selvagem do mercado de trabalho estivesse
remanescentes de mestiços pobres e negros liber- amplamente favorável aos interesses do patro-
tos e fugidos, quase como acessória à escravidão, nato no Brasil. Com o predomínio da sociedade
pois com ingresso restrito às ocupações, quase agrária, as condições de usos e remuneração da
sempre em atividades residuais e de contido ren- força de trabalho, imediatamente após a abolição
dimento no interior do mercado de trabalho. da escravidão, seguiram próximas do regime de
Dessa configuração do mundo do trabalho quase servidão.
decorrente da transição para o capitalismo du- De acordo com as informações oficiais dispo-
rante a sociedade agrária, destaca-se a preocupa- níveis, a evolução do mundo do trabalho se apre-
ção patronal com a disciplina para o exercício do sentou fortemente dependente das ocupações na
trabalho livre, pressupondo a expropriação como agropecuária, dispersas no território nacional.
mecanismo de transformação dos indivíduos em Ainda que entre 1872 e 1940, a sociedade agrária
proletários. Nesse sentido, a legislação do traba- tenha registrado sinais de declínio, a agropecu-
lho desde o século XIX mostrou ser fundamental ária se manteve como responsável por absor-
o estabelecimento dos mecanismos fundantes da ver cerca de dois terços do total das ocupações
disciplina patronal ao exercício laboral do em- abertas no país, enquanto os postos de trabalhos
prego regular da mão de obra. urbanos apresentaram ritmo de crescimento su-
A despeito da emergência do Estado liberal perior nos setores secundário e terciário, o que
na República Velha (1889-1930), mínima em permitiu passar de 22,5% para 31,2% da Popula-
termos de ação possível no interior do mercado ção Economicamente Ativa (PEA).
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Pochmann M

Tabela 1. Brasil – Evolução da população total, ocupada e desocupada em 1872 e 1940.


1872 1940 Variação absoluta Variação relativa
Itens
(em mil) (em mil) anual (em mil) anual (em %)
População Total 10.112 41.165 457 2,1
PEA 6.198 (100%) 15.751 (100%) 140 1,4
PEA ocupada 5.908 (95,3%) 14.759 (93,7%) 130 1,4
Primário 4.506 (72,7%) 9.844 (62,5%) 78 1,1
Secundário 282 (4,5%) 1.880 (11,9%) 23 2,8
Terciário 1.120 (18,1%) 3.035 (19,3%) 29 1,5
PEA desocupada 290 (4,7%) 992 (6,3%) 10 1,8
Fonte: IBGE5,6 (elaboração própria).

O mundo do trabalho na sociedade urbana respondendo por quase 70% do total das ocu-
e industrial pações abertas entre os anos de 1940 e 1980. O
ritmo de expansão de todos os postos de trabalho
A transição para a sociedade urbana e indus- equivaleu ao crescimento da própria PEA, o que
trial sofreu importante impulso com a Revolução permitiu tornar o funcionamento do mercado de
de 1930, capaz de abortar o curso do Estado li- trabalho próximo do pleno emprego da mão-de
beral instalado na República Velha e estabelecer -obra, com baixo desemprego aberto (Tabela 2).
as bases do desenvolvimento nacional assentado Mas isso não significou ausência da preca-
na consolidação e expansão do mercado interno rização e outros males do subdesenvolvimento,
do país. Para tanto, a constituição do Estado mo- como o baixo rendimento, a informalidade e a
derno com capacidade para guiar o projeto de ampla presença das ocupações não assalariadas,
urbanização e industrialização passou, inclusive, cuja taxa de precarização (soma das ocupações
pela implantação do sistema público das relações de assalariamento informal, conta própria e sem
de trabalho fundado na organização corporativa remuneração em relação ao total da PEA ocupa-
da sociedade enquanto elemento estruturante do da) reduziu-se significativamente no período de
próprio mercado nacional de trabalho. tempo considerado (de 85% para 45% da PEA).
Até então, os ciclos econômicos experimenta- A expansão da taxa de assalariamento (emprego
dos pela antiga e longeva sociedade agrária havia assalariado em relação ao total dos ocupados),
definido no território nacional uma espécie de que passou de 45% para 65% entre 1940 e 1980,
arquipélago de enclaves produtivos, responsáveis foi significativa (75% das ocupações abertas no
pela existência de esparsos mercados regionais de período foram assalariadas), ainda que 1/3 dos
trabalho. Apesar de sua concentração nas regiões ocupados permanecessem distantes da submis-
centro-sul e litorâneas em algumas capitais do são ao regime do salariado em 1980 (Tabela 3).
Nordeste, o desenvolvimento urbano e industrial A formalização do emprego assalariado foi
compreendeu cerca de cinco décadas de estrutu- outro aspecto importante do movimento de es-
ração do mercado de trabalho assentado na cen- truturação do mercado de trabalho. Em 1980,
tralidade do emprego assalariado, especialmente por exemplo, o emprego assalariado formal re-
com carteira assinada. presentou quase 51% do total dos ocupados, ao
O movimento de regulação do mercado passo que em 1940 não atingia, nem mesmo, a
nacional de trabalho desencadeado a partir da 13% do total das ocupações no país.
década de 1930, com a implementação da Con- Mesmo que tenha sido reduzido significati-
solidação das Leis do Trabalho (CLT)7 em 1943, vamente, constata-se que ainda em 1980, mais de
durante o Estado Novo (1937-1943), mostrou ser 35% dos assalariados não tinham contrato for-
fundamental para a disseminação do regime do mal de trabalho. Em 1940, quase 72% dos empre-
salariado, especialmente através emprego formal gados assalariados eram informais.
(com carteira de trabalho assinada). Por força Diante disso, percebe-se como a implantação
disso, o mundo do trabalho se transformou pro- da legislação social e trabalhista, com forte am-
fundamente no Brasil em apenas cinco décadas. paro no padrão corporativo de relações de tra-
Pela via da urbanização e industrialização, balho, contribuiu para estruturação do mercado
o emprego nas cidades foi o que mais cresceu, de trabalho durante a constituição da sociedade
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Tabela 2. Brasil – Evolução da população total, ocupada e desocupada em 1940 e 1980.
1940 1980 Variação absoluta Variação relativa
Itens
(em mil) (em mil) anual (em mil) anual (em %)
População Total 41.165 119.002 1.946 2,7
PEA 15.751 (100%) 43.236 (100%) 689 2,6
PEA ocupada 14.759 (93,7%) 42.026 (97,2%) 683 2,6
Primário 9.844 (62,5%) 12.997 (30,1%) 79 0,7
Secundário 1.880 (11,9%) 12.042 (27,8%) 254 4,7
Terciário 3.035 (19,3%) 16.987 (39,3%) 350 4,4
PEA desocupada 992 (6,3%) 1.210 (2,8%) 6 0,5
Fonte: IBGE6-8 (elaboração própria).

Tabela 3. Brasil – Evolução da população por tipo de ocupação e taxa de precarização em 1940 e 1980.
1940 1980 Variação absoluta Variação relativa
Itens
(em mil) (em mil) anual (em mil) anual (em %)
PEA ocupada 14.759 (100%) 42.026 (100%) 683 2,6
Empregador 362 (2,4%) 1.340 (3,2%) 25 3,3
Assalariado 6.615 (44,8%) 27.152 (64,6%) 513 3,6
Formal 1.906 (12,9%) 21.272 (50,6%) 484 6,2
Informal 4.709 (31,9%) 5.880 (14,0%) 29 0,6
Conta própria 4.694 (31,8%) 9.555 (22,7%) 122 1,8
Sem remuneração 3.088 (20,9%) 3.978 (9,5%) 23 0,6
Precarização* 12.491 (84,6%) 19.413 (46,2%) 174 1,1
Fonte: IBGE6-8 (elaboração própria) * Soma das ocupações de assalariamento informal, conta própria e sem remuneração em relação ao
total da PEA ocupada.

urbana e industrial. Nesse sentido, a definição do balhos urbanos (indústria e serviços) apontou
conceito de categoria profissional foi essencial para a formação de ampla classe trabalhadora
para estabelecer a organização e o financiamento e significativa classe média social entre as déca-
dos sindicatos, os acordos e negociações coletivas das de 1930 e 1940. A estrutura de classe e fra-
de trabalho e a atuação da justiça do trabalho. ções de classes sociais estabelecida por força de
Nas décadas de 1930 e 1950, por exemplo, a intensa expansão econômica nacional que per-
legislação social e trabalhista centrada na atuação mitia constituir a sociedade urbana e industrial
importante do Estado (Ministério do Trabalho e passou a ser profundamente modificada a partir
Justiça Trabalhista) focou fundamentalmente o da década de 1980, com crise da dívida externa e
mundo do trabalho urbano frente à reiterada re- a adoção - pela primeira vez desde a década de
sistência do patronato rural à qualquer forma de 1930 – das políticas recessivas no último governo
regulação pública do trabalho. Somente a partir da Ditadura civil-militar (1964-1985).
da aprovação do Estatuto do Trabalhador9, na dé- Com isso, o projeto de urbanização e in-
cada de 1960, quando a população agrária deixou dustrialização em curso desde a década de 1930
de ser dominante na população nacional, que, começou a perder a centralidade no Estado de-
lenta e gradualmente, as ocupações do meio ru- senvolvimentista. A herança da dívida externa,
ral foram sendo incorporadas ao sistema público da superinflação, do endividamento público, do
nacional de relações de trabalho. rentismo, da pobreza e da desigualdade deixada
pelo autoritarismo comprometeu significativa-
O mundo do trabalho na sociedade mente parte importante das políticas econômica
de serviços e social do período democrático, implicando per-
da de vários anos para superação de alguns deles
O decréscimo relativo nas ocupações agrá- (a superinflação em 1994 e a dívida externa em
rias em simultânea expansão dos postos de tra- 2008), começar a resolver outros (a pobreza e de-
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Pochmann M

sigualdade nos anos 2000) e aqueles, ainda, sem pação relativa no total da PEA, com a diminuição
resolução (a dívida pública e o rentismo). de cerca de 13 milhões para 8,5 milhões de ocu-
Além disso, a adoção do receituário neolibe- pados (Tabela 4).
ral nos anos de 1990 coincidiu com o ingresso O setor secundário registrou redução na par-
passivo e subordinado do Brasil na globalização ticipação relativa no total da PEA de 36,2%, pois
comandada por grandes corporações transna- declinou de 27,8% para 17,7%, entre 1980 e 2018.
cionais. Desde então, o país precocemente in- Nesse período, contudo, a quantidade de ocupa-
gressou no processo de desindustrialização, pois dos no setor secundário cresceu 1,1% em média
sem universalizar o padrão de consumo a todos ao ano, enquanto a média anual foi de 2,1% para
os brasileiros, sobretudo na base da pirâmide so- a expansão da PEA ocupada e de 3,6% no caso
cial, vem declinando a capacidade de produção das ocupações do setor terciário.
manufatureira. Simultaneamente, a taxa nacional de desem-
Nos países com processo de desindustriali- prego elevou-se significativamente. Entre 1980 e
zação madura, a diminuição relativa da partici- 2018, a quantidade de desempregados foi multi-
pação da manufatura no ciclo produtivo trans- plicada por 10 vezes, fazendo subir a taxa de de-
correu após a totalidade da população ter sido socupação de menos de 3% para quase 12% da
incluída no padrão de consumo da sociedade PEA.
urbana e industrial, coincidindo com a maior Coincidindo com a elevação do desemprego
expansão do setor terciário na economia. Nesse nacional, percebe-se o aumento da precarização
sentido, os serviços mais dinâmicos tenderam a entre os ocupados. Dos 19,4 milhões de trabalha-
ser aqueles vinculados à produção e logística, en- dores expostos às condições de trabalho precários
tre outros, mais associados ao emprego de mão em 1980, o Brasil registrou, em 2018, a quantia
de obra com maiores requisitos de formação e de 44,5 milhões de ocupados em ocupações pre-
remuneração. cárias, cuja expansão média anual foi levemente
Em sendo necessário, as importações de bens superior (2,2%) à própria geração dos postos de
industriais podem complementar pontualmente trabalho no Brasil (2,1%). Ainda em relação aos
as exigências do consumo interno, uma vez que ocupados, nota-se relativa estabilização na taxa
se tratam, em geral, da reposição de produtos de assalariamento, uma vez que a sua expansão
pela população ou de alguma novidade. Isso pa- transcorreu no mesmo ritmo da abertura de pos-
rece ser irrealizável em países de desindustriali- tos de trabalho (Tabela 5).
zação precoce como no Brasil devido à expressiva Para, além disso, constata-se que os empre-
dimensão populacional excluída do acesso aos gos assalariados que mais cresceram foram a dos
bens industriais, cuja escala de importação de trabalhos informais, cuja participação relativa na
manufaturados torna-se difícil de ser compensa- PEA ocupada passou de 14%, em 1980, para qua-
da por bens não industriais. se 20%, em 2018. A contrapartida disso foi o de-
Além disso, o declínio relativo dos bens in- crescimento do peso relativo do emprego formal
dustriais na produção não se deveu tanto ao de 78,3% do total dos assalariados para 70,4% no
maior ritmo de crescimento do setor terciário, mesmo período de tempo.
mas a decadência da produção manufatureira, Com a estabilização relativa na taxa de assa-
com o encolhimento de alguns ramos e o desa- lariamento, as ocupações que mais cresceram em
parecimento de outros. Por força disso, a anteci- relação ao total de postos de trabalho abertos no
pação da passagem para a sociedade de serviços país durante o período foram as de empregador
decorre mais do inchamento do setor terciário da (52,1%) e de conta própria (12,8%). Por força
economia em virtude do vácuo deixado pela pre- disso que a recente e antecipada transição para a
coce desindustrialização. sociedade de serviços no Brasil tem sido marca-
Assim, o processo de terciarização da econo- da pela desestruturação do mercado de trabalho,
mia brasileira tem sido caracterizado pela especi- com significativa presença do desemprego aber-
ficidade da continuidade na queda absoluta das to, a subutilização dos trabalhadores e a precari-
ocupações na agropecuária e da recente queda zação das ocupações geradas.
relativa dos postos de trabalho na manufatura. Na sociedade urbana e industrial, com o de-
Em quase quarenta anos, a participação do setor créscimo da participação relativa do setor pri-
terciário no total da PEA aumentou 59,5%, pois mário e ascensão dos setores secundário e ter-
saltou de menos de 40%, em 1980, para 62,7%, ciário, os serviços foram, em 1980, o principal
em 2018. No mesmo período de tempo, o setor empregador de força de trabalho no Brasil. Em
primário registrou a queda de 73,4% na partici- comparação com o ano de 1940, por exemplo,
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Tabela 4. Brasil – Evolução da população total, ocupada e desocupada em 1980 e 2018.
1980 2018 Variação absoluta Variação relativa
Itens
(em mil) (em mil) anual (em mil) anual (em %)
População Total 119.002 208.495 2.355 1,5
PEA 43.236 (100%) 105.197 (100%) 1.631 2,4
PEA ocupada 42.026 (97,2%) 93.002 (88,4%) 1.342 2,1
Primário 12.997 (30,1%) 8.455 (8,0%%) -119 -0,8
Secundário 12.042 (27,8%) 18.622 (17,7%) 173 1,1
Terciário 16.987 (39,3%) 65.925 (62,7%) 1.288 3,6
PEA desocupada 1.210 (2,8%). 12.195 (11,6%) 289 6,3
Fonte: IBGE8-10 (elaboração própria).

Tabela 5. Brasil – Evolução da população por tipo de ocupação e taxa de precarização em 1980 e 2018.
1980 2018 Variação absoluta Variação relativa
Itens
(em mil) (em mil) anual (em mil) anual (em %)
População Total 119.002 208.495 2.355 1,5
PEA 43.236 (100%) 105.197(100%) 1.631 2,4
PEA desocupada 1.210 (2,8%) 12.195 (11,6%) 289 6,3
PEA ocupada 42.026 (100%) 93.002 (100%) 1.342 2,1
Empregador 1.340 (3,2%) 4.532 (4,9%) 84 3,3
Assalariado 27.152 (64,6%) 62.447 (67,1%) 929 2,2
Formal 21.272 (50,6%) 43.940 (47,2%) 596 1,9
Informal 5.880 (14,0%) 18.507 (19,9%) 332 3,1
Conta própria 9.555 (22,7%) 23.848 (25,6%) 376 2,5
Sem remuneração 3.978 (9,5%) 2.175 (2,4%) -47 -0,5
Precarização 19.413 (46,2%) 44.530 (47,9%) 661 2,2
Fonte: IBGE8-10 (elaboração própria).

a composição do setor de serviços tinha sofrido tência, para as atividades urbanas na construção
modificações importantes registradas em 1980 e civil, indústria de transformação, comércio e ser-
ainda maiores em 2018. viços. No interior do setor de serviços, constatou-
De um lado, a diminuição de importância se o deslocamento das ocupações mais simples e
relativa das ocupações totais nos segmentos dos de contida produtividade como nos serviços pes-
Serviços de Distribuição (comércio, comunica- soais (trabalho doméstico e outros) para os ser-
ção, transporte e outros) em 5,6% e dos Servi- viços sociais e de produção.
ços Pessoais (doméstico, segurança, cuidadores e Na transição atual para a sociedade de ser-
outros) em 22,2% entre 1940 e 1980. De outro, viços, percebe-se, contudo, que não parece ha-
o avanço na participação relativa no total das ver evidências precisas que o mesmo sentido
ocupações nos Serviços Sociais (saúde, educação, do deslocamento de atividades de menor para
assistência e outros) em 29,7% e nos Serviços de maior produtividade e remuneração, registrado
Produção (engenharia, tecnologia, propaganda e na sociedade urbana e industrial, esteja ocorren-
outros) em 56,1% no mesmo período de tempo. do. Pelo contrário, as informações oficiais exis-
De maneira geral, o ciclo da industrialização tentes apontam para o sentido inverso, ou seja,
e urbanização nacional representou a transfor- a destruição de atividades e ocupações situadas
mação da força de trabalho alocada em setores de nos segmentos de maior produtividade e remu-
menor produtividade e remuneração para os de neração e a expansão dos postos de trabalho de
maior produtividade e rendimento do trabalho. menor produtividade e rendimento.
Isso porque houve deslocamento de trabalhado- Na comparação entre os anos de 1980 e 2018,
res do meio rural, ocupados na própria subsis- nota-se, por exemplo, que o segmento que perdeu
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posição relativa no total da ocupação foi o Servi- o aprofundamento da desestruturação do fun-


ço de Produção em 46,9%, enquanto os Serviços cionamento do mercado de trabalho brasileiro e
Sociais mantiveram-se relativamente estabiliza- a ascensão do sistema privado de relações entre o
dos (0,7%). Ao mesmo tempo, os segmentos que capital e o trabalho (contratualismo individual).
conseguiram elevar a participação relativa no to- Em plena transição antecipada para a socie-
tal da ocupação foram os Serviços de Distribuição dade de serviços, os movimentos de desestrutu-
(6,2%) e os Serviços Pessoais (1,3%). ração do mercado de trabalho e de rompimento
Todas essas modificações estruturais no fun- com o padrão corporativo de organização social
cionamento do mercado nacional de trabalho se- implicam aprofundar a polarização no interior
guiram sendo realizadas sem alterações substan- do mundo do trabalho. Isso porque a destruição
ciais no sistema público de relações de trabalho. das ocupações de classe média tem sido acompa-
Com a transição do autoritarismo para o regime nhada da massificação do desemprego estrutural
democrático e a implantação da Constituição Fe- e da precarização das ocupações assentadas na
deral de 198811, prevaleceu o padrão corporativo instabilidade contratual, escassez dos direitos so-
de organização do mundo do trabalho, com o ciais e trabalhistas e contida remuneração.
reforço na adoção de políticas públicas para o as-
salariamento formal e o afrouxamento de certos A terciarização no mundo do trabalho
mecanismos repressivos estabelecidos no âmbito
da CLT. O funcionamento do mercado de trabalho no
Na década de 1990, contudo, a experiência longo prazo apresentou duas trajetórias distintas
da flexibilização na legislação social e trabalhis- no Brasil13. A primeira refere-se tanto à diminui-
ta permitiu certa diversificação nas formas de ção relativa contínua do trabalho no setor primá-
contratação do trabalho assalariado, com a legi- rio na economia nacional desde a década de 1870,
timação e difusão da terceirização nas atividades como a expansão relativa e absoluta dos postos
meio das ocupações nas empresas. Nesse sentido, de trabalho nos setores secundário e terciário no
as funções como de segurança, alimentação, ma- período que compreende os anos de 1872 e 1980.
nutenção, transporte, limpeza e outras, em geral A segunda trajetória do funcionamento do
de baixa remuneração, foram deslocadas para mercado de trabalho caracteriza-se pela queda
o emprego terceirizado tanto no setor público relativa dos postos de trabalho no setor secun-
como privado. dário a partir da década de 1980 em simultâneo
Ao mesmo tempo, a aprovação governa- decréscimo absoluto das ocupações no setor pri-
mental de medida fiscal voltada para a isenção mário e elevação relativa e absoluta do emprego
de tributos a lucros e dividendos na metade da no setor terciário. Com isso, percebe-se que, em
década de 1990 favoreceu a expansão do traba- 2018, por exemplo, a participação relativa do se-
lho na condição do regime de Pessoa Jurídica tor terciário no total da ocupação aproximou-se
(PJ, empregador de si próprio), em detrimento da verificada no setor primário em 1872, quando
dos empregos assalariados de alta remuneração a escravidão ainda predominava no país.
nas empresas. Posteriormente, nos anos 2000, Diante disso, cabe considerar o quanto as
uma diversidade de políticas públicas orientadas transformações no mundo do trabalho durante
às micro e pequenas empresas permitiu consti- as últimas três décadas levaram o setor terciário a
tuir a forma do Micro Empreendedor Individual predominar no conjunto das ocupações14. Com a
(MEI) na perspectiva de formalização das ocupa- terciarização ocupacional, verifica-se a tendência
ções por conta própria, assim como na contrata- de concentração dos postos de trabalho na base
ção de trabalhadores domésticos. da pirâmide social e redução relativa dos empre-
Somente a partir de 2016 que, diante da mais gos assalariados de classe média.
grave recessão econômica do capitalismo brasi- No ano de 2016, por exemplo, quase 71% das
leiro, um conjunto de mudanças substanciais na ocupações no Brasil recebiam até 2 salário míni-
legislação social e trabalhista foi introduzido com mos mensais, enquanto em 1986 eram de 68,1%.
o objetivo governamental de rompimento com o Ou seja, o crescimento de 3,8% na proporção das
sistema público de relações de trabalho. Medidas ocupações de até 2 salários mínimos no total dos
como a legislação que universalizou a terceiriza- trabalhadores brasileiros.
ção dos contratos de trabalho, além da reforma Em compensação, o segmento das ocupações
trabalhista, da Emenda Constitucional 9512 e das com rendimentos intermediários, entre 2,1 a 5
propostas de reformulação do sistema público de salários mínimos mensais, decresceu em 3,6% em
aposentadoria e pensão em curso, apontam para relação ao total dos trabalhadores, pois decaiu de
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22% para 21,2%, entre 1986 e 2018. Também o Reformas neoliberais recentes e
segmento de maior rendimento, acima de cinco comportamento do mercado de trabalho
salários mínimos mensais, diminuiu em 19,2% a
sua participação relativa no total das ocupações, Diante da mais grave crise do capitalismo
passando de 9,9% para 8% no mesmo período brasileiro transcorrida em simultânea compres-
de tempo. são do regime democrático desde o final de 2014,
Pode-se compreender o achatamento na dis- quando parte da oposição partidária derrotada
tribuição dos rendimentos entre os ocupados não mais aceitou o resultado da eleição presiden-
como resultado da expansão do setor terciário e cial, um conjunto importante de medidas des-
do decréscimo dos setores primário e secundário. regulatórias do mercado de trabalho foi sendo
Enquanto a participação relativa dos ocupados rapidamente implementado. O resultado disso
nos serviços aumentou 40,6%, entre 1986 e 2018, tem sido o aprofundamento do sentido geral da
diminuiu a proporção dos postos de trabalho desestruturação do mercado de trabalho que já
tanto no setor primário (36,8%) como no setor se encontrava em curso mediante a desindustria-
secundário (26,5%) no total dos trabalhadores. lização precoce e transição antecipada para a so-
O deslocamento das ocupações nos setores ciedade de serviços.
primário e secundário para o setor de serviços Apesar do discurso patronal de incentivo à
também não deixa de revelar o avanço da mo- redução do custo do trabalho e à flexibilização
dalidade de contratação menos associada ao contratual, enquanto argumento decisivo para a
emprego salarial, cuja taxa de assalariamento geração de novos postos de trabalho, o nível geral
manteve-se estabilizada em 67% dos ocupados do emprego assalariado não retornou. Tampou-
nas três últimas décadas. Entre os anos de 1986 e co, a formalização dos contratos de trabalho foi
2018, por exemplo, a formalização do empregado garantida, transcorrendo justamente o contrário
assalariado cresceu 5%, ao passo que a ocupação no período recente.
de conta própria subiu 11,2%. Comparando-se o custo do trabalho médio
No sentido inverso, a participação relativa na indústria brasileira com o dos Estados Uni-
dos ocupados sem remuneração, empregador dos e o da China, nota-se uma recente trajetória
e emprego informal teria sido reduzida entre pronunciada de queda. Em 2014, por exemplo, o
os anos de 1986 e 2016. A diminuição mais ex- custo do trabalho na indústria brasileira era 2,6
pressiva na participação relativa transcorreu nas vezes maior que o da China e quase 30% do veri-
ocupações sem remuneração (-49,8%), seguidas ficado nos EUA.
do emprego informal (-13,1%) e de empregador Com a recente recessão econômica e medidas
(-5,15). desregulatórias do mercado de trabalho adotadas
Diante do movimento de predominância da pelos governos brasileiros, o custo do trabalho na
terciarização do mundo do trabalho, com con- indústria chinesa passou a ser 16% superior a do
centração das ocupações geradas, cada vez mais, Brasil, em 2016, e 26% menor ao registrado nos
na base da pirâmide social, os jovens foram os Estados Unidos em 2015.
que mais terminaram sendo afetados negativa- No mesmo sentido, pode-se perceber como a
mente pela contração de sua participação relativa reforma trabalhista introduzida desde o final de
no total dos trabalhadores. Em 1986, por exem- 2017 tem favorecido o deslocamento do empre-
plo, decaiu o peso relativo da faixa etária de 16 a go assalariado formal para o contrato informal e
24 anos no total das ocupações em 41,8. ocupações por conta própria. Todas essas formas
Por outro lado, o segmento etário de 25 a 59 de trabalho transcorrem à margem da regulação,
anos aumentou a sua posição relativa no total da sem proteção social e trabalhista, ademais da de-
ocupação em 9,2%. Também a parcela da Popu- crescente contribuição para o sistema público de
lação Economicamente Ativa ocupada com 60 aposentadoria e pensão.
anos e mais de idade cresceu a sua presença rela- Acompanhando a evolução recente das ocu-
tiva no total da ocupação em 82%. pações assalariadas informais, constata-se o cres-
No ano de 1986, por exemplo, para uma vaga cimento de quase 12% entre os anos de 2014 e
ocupada por trabalhador de 60 anos e mais de 2018. No mesmo período de tempo, o emprego
idade tinha um conjunto de cinco jovens tra- assalariado formal sofreu redução de 9,5%.
balhando. Trinta anos depois, em 2018, a cada Da mesma forma pode-se constatar a eleva-
ocupação preenchida por trabalhador de 60 anos ção das ocupações por conta própria. Entre os
e mais de idade, havia somente 1,5 jovem traba- anos de 2014 e 2018, por exemplo, o total dos tra-
lhado. balhadores por conta própria aumentou 9,6%,
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tendo os contratos sem reconhecimento de pes- Considerações finais


soa jurídica registrada (CNPJ) maior expansão
-10,8% do que os postos de trabalhos autônomos A breve recuperação histórica apresentada an-
com CNPJ (4,8%). teriormente buscou situar as principais mudan-
No sentido geral de avanços nos trabalhos ças atualmente em curso no funcionamento do
por conta própria e emprego assalariado infor- mercado de trabalho brasileiro, como parte in-
mal, despossuído do acesso aos direitos sociais e trínseca da transição para a antecipada sociedade
trabalhistas, percebe-se também a expansão re- de serviços. As alterações substanciais no mundo
cente das taxas de desemprego e de subutilização do trabalho refletem tanto o precoce processo de
da mão de obra disponível no mercado de tra- desindustrialização exposto pela forma com que
balho brasileiro. Tanto a ausência de dinamismo o Brasil ingressou na globalização capitalista des-
econômico como a desregulação do mercado de de os anos de 1990, como a desconstrução mais
trabalho têm sido responsáveis pelo registro das recente no marco regulatório do mercado de tra-
maiores parcelas da força de trabalho distante balho impostos pelas reformas neoliberais.
do acesso ao sistema público de proteção social O resultado de tudo isso tem sido a predomi-
e trabalhista. nância de massivo desemprego aberto, acompa-
Somente em relação ao avanço do desempre- nhado da ampliação da subutilização da força de
go e à disseminação da mão de obra subutilizada trabalho e da generalização da precarização nas
em sua condição de trabalho, o Brasil tem regis- ocupações. A polarização crescente no interior da
trado recordes recentes, sem comparação com o sociedade revela não apenas a destruição dos pos-
passado distante. Diante disso, o saldo das refor- tos de trabalho de classe média, como a expansão
mas neoliberais, em curso desde o ano de 2016, de empregos não assalariados de maior remune-
tem sido ainda mais prejudicial ao comporta- ração, sem acesso à proteção social e trabalhista.
mento do mercado de trabalho brasileiro. A transição antecipada para a sociedade de
serviços tem sido acompanhada de transforma-
ções substanciais no funcionamento do mercado
de trabalho. Em função disso, a temporalidade
em curso no mundo do trabalho brasileiro di-
ferencia-se profundamente da observada em
perío­dos anteriores de predominância tanto da
sociedade agrária como a urbana e industrial15.
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https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho Artigo apresentado em 07/04/2019
/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios- Aprovado em 20/08/2019
continua-mensal.html Versão final apresentada em 08/10/2019

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