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RESUMO:
O objetivo deste artigo é o de mostrar as transformações na estrutura do mercado de
trabalho no Espírito Santo, nos anos 80 e 90, observando a evolução de seu grau de
informalidade bem como caracterizando o principal núcleo das atividades informais, os
trabalhadores por conta própria. Acreditamos que tais trabalhadores são funcionais à
lógica de reprodução do capital e que, na década de 90, aumentaram sua participação no
total dos ocupados em função, principalmente, das políticas de liberalização econômica
adotadas no Brasil. Essas políticas retiraram o papel intervencionista do Estado,
intensificando a desestruturação do mercado de trabalho no Espírito Santo. Indicamos
também que os conta própria possuíam baixa remuneração, além de não possuírem
nenhuma proteção social. Esses fatores caracterizam uma situação de precarização do
trabalho no Espírito Santo.
Palavras-chave:
Liberalismo econômico, mercado de trabalho, informalidade, precarização
Introdução
As transformações recentes no capitalismo contemporâneo alteraram
profundamente o mundo do trabalho e suas formas de organizar a produção. A lógica
capitalista, voltada para a produção de lucro e para a valorização do capital, promoveu
intensas modificações nas relações de trabalho através da reestruturação dos processos
produtivos, desregulamentação e maior flexibilização do mercado de trabalho.
Uma das constatações observadas no mundo do trabalho contemporâneo é o
crescimento do desemprego e da informalidade. Dados da Organização Internacional do
Trabalho (OIT, 2003) indicam que, na América Latina, 19 milhões de trabalhadores
estavam desempregados, em 2003, e que o desemprego urbano totalizou 10,7% da
população economicamente ativa. Tal situação sinaliza para um mercado de trabalho
estagnado. De cada dez latino-americanos, quatro têm renda insuficiente para satisfazer
suas necessidades essenciais e, depois de 1990, de cada dez empregos criados sete são
informais.
No Brasil, o crescimento da informalidade também pôde ser constatado. O grau de
informalidade que era de 36,6%, em 1986, aumentou para 37,6%, em 1990, 46,1%, em
1
Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
2
Entendemos aqui por grau de informalidade, o somatório dos empregados sem carteira de trabalho e dos
conta própria dividido pelos total dos ocupados. Em 2002, esse grau foi, em média, de 50,1%. Fonte:
Sistema IBGE de Recuperação Automática - SIDRA.
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Podemos citar como exemplo desses slogans, a reportagem de capa da revista Veja (no 24, 20/06/01) que
se intitula ‘A vida sem patrão’. Nela, vimos, numa montagem, a imagem de um jovem executivo em cima de
uma carteira cheia de notas de R$ 50,00 com um largo sorriso e com os punhos cerrados e para o alto. A
expressão era de uma pessoa contente e vitoriosa.
4
Uma análise da implantação das políticas neoliberais no Brasil pode ser observada em Sabadini (2001).
5
A ‘economia capixaba’ sempre esteve baseada na monocultura exportadora de café. Somente a partir do
final dos anos 70 é que se iniciou o processo de industrialização. Nos anos 70 e até meados dos anos 80,
parte do crescimento industrial do estado foi devido ao sistema de incentivos do GERES/BANDES e aos
citados ‘grandes capitais’, como a implantação da Aracruz, em 1979, e da CST, em 1983. Para entender o
processo de transição da economia agrária exportadora para a industrial bem como a integração da
economia capixaba à nacional, consultar Morandi & Rocha (1991) e Mota (2002).
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Pela metodologia do IBGE, a taxa de desemprego cresceu na virada dos anos 80 para os anos 90, saindo
de 3,3%, em 1989, para 4,3% em 1990. Daí em diante, principalmente a partir de 1995, as taxas médias de
desemprego foram de: 4,6%, em 1995, 7,6%, em 1998, 7,8% em 1999 e 7,1%, em 2000. Os indicadores do
DIEESE mostram a mesma escala ascendente, crescendo de 8,8%, em 1989, para 10%, em 1990, 13,2%,
em 1995, 18,3%, em 1998, 19,5%, em 1999, diminuindo para 17,6% em 2000.
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Sobre o processo de desestruturação do mercado de trabalho brasileiro, ver Sabadini & Nakatani (2002).
8
A indústria de madeira e móveis, por exemplo, localiza-se, principalmente, na região norte do estado, em
torno do município de Linhares. Em 1998, existiam cerca de 65 empresas gerando cerca de 1.786
empregos; já o setor de confecções tem dois núcleos principais: um no município de Vila Velha, com
aproximadamente 300 firmas, e outro no município de Colatina com cerca de 400 empresas.
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A Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV) é formada pelos municípios de Vitória, Vila Velha,
Serra, Cariacica, Viana e, mais recentemente, Guarapari e Fundão. Essa região concentra 46,1% da
população do estado e 55,6% do PIB estadual, em 1998. Recentemente, foi publicado pelo Governo do
Estado do Espírito Santo uma pesquisa intitulada Plano Diretor de Transporte Urbano da Grande Vitória
(2002). Essa pesquisa mostra que cerca de 45,8% da população entrevistada na RMGV são assalariados
com carteira de trabalho assinada, 26,3% são autônomos, 14,5% são assalariados sem carteira de trabalho,
9,3% são funcionários públicos, 1% é empregador, 0,8% profissional liberal e 2,3% é dono de negócio e
trabalhador familiar. Adotando o mesmo critério de mensuração do grau de informalidade descrito
anteriormente, percebe-se que a informalidade na RMGV foi de 43,9%. Esse total levou em consideração o
somatório dos assalariados sem carteira, dos autônomos, dos donos de negócio e trabalhador familiar e dos
profissionais liberais. “O percentual de desempregados é de 7,7% ao se considerar a razão ente o total de
pessoas que estão sem ocupação pela população total, e de 14,5%, se for considerada relação com a
população na faixa de 20 a 60 anos”.
10
Durante a década de 90, notou-se uma significativa tendência de retração no número de postos de
trabalho formal no país. A participação dos trabalhadores formais no total dos ocupados saiu de cerca de
53%, em 1991, para 45% em 2001. Já o emprego informal passou de 40%, em 1991, para 50% em 2001,
segundo dados da PME/IBGE. O ano de 1996 passou a ser o de inflexão na evolução das taxas dos
empregos formal e informal. A partir daí, acontece, em caráter inédito, a maior participação dos informais no
total dos ocupados no país.
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O cálculo da taxa de desemprego aberto do Espírito Santo foi feito pela divisão do total de pessoas
desocupadas em relação a População Economicamente Ativa (PEA). Em 2001, a taxa de desemprego
aberto foi de 8,99%, segundo dados da PNAD. Deve-se destacar que essas taxas não contêm o
desemprego oculto, formado pelo desalento e pelo trabalho precário, que demonstram a precarização do
trabalho, uma das principais características do mercado de trabalho brasileiro nos anos 90
9 8,17
8
6,46 6,72
7 6,34 6,26
6 5,4
Percentual
5 4,61
4
3
2
1
0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999
Anos Espírito Santo
Fonte: PNAD.
Concluímos, portanto, que, ao longo dos anos 90, houve uma acentuada retração na
participação dos trabalhadores com carteira assinada no total dos ocupados localizados
no Espírito Santo, associado a um aumento no núcleo da informalidade composto pelos
empregados sem carteira e os conta própria.
O mercado de trabalho capixaba, assim como o brasileiro, ofertou salários
extremamente baixos, demonstrando a situação de baixa renda da maioria da população.
Cerca de 47% dos ocupados, em média, receberam no máximo dois salários mínimos,
como mostra a tabela 3. Além disso, todos os grupos de pessoas de 16 anos ou mais de
idade com remuneração maior que 3 salários mínimos, a partir da década de 90,
diminuíram sua participação no total dos rendimentos. As pessoas que indicaram não ter
rendimentos, geralmente as que trabalham em atividades familiares, participaram com
cerca de 10% do total dos ocupados.
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Para os anos de 1986 a 1994, Morandi (1997); para 2002, CST (2002).
69
70 58,3
60
50
Percentual
40
30
13,3
20
10
0
Cacciamali (2000) cita como fatores que também estimulam o ingresso nas
atividades informais por conta própria, o racionamento dos empregos assalariados e
ausência de políticas públicas compensatórias, a oportunidade de ganhos superiores aos
dos empregados assalariados de média e baixa qualificação, a expansão das atividades
de serviços e a estratégia de sobrevivência das pessoas que têm dificuldades de buscar
um outro emprego e/ou ingressar no mercado de trabalho. Esse processo acaba criando e
recriando formas de trabalho bastante heterogêneas.
A grande maioria dos trabalhadores por conta própria no Espírito Santo é do sexo
masculino, cerca de 70,3% deles. A participação das mulheres nessa ocupação aumentou
até o ano de 1995, mas voltou novamente a diminuir em 1999, totalizando cerca de 25%.
A maior parte desses trabalhadores está situada nas faixas etárias de 25 a 39 anos e 40
anos ou mais. A primeira faixa etária diminuiu sua participação ao longo dos anos, saindo
de 47,8%, em 1986, para 41,6% em 1999. Por outro lado, a segunda faixa etária
aumentou a sua participação de 40,8%, em 1986, para 49,3% em 1999. Essas
informações nos indicam que, somadas, mais de 80% da população dos conta própria no
Espírito Santo são de pessoas com idade mais avançada, o que nos sugere que elas
tiveram dificuldades de inserção no mercado de trabalho e, após isso, procuraram
sobreviver em atividades por conta própria.
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No país, essa tendência também se verificou. Nos anos 90, a evolução do rendimento mensal dos
trabalhadores por conta própria mostrou que mais da metade deles receberam, no máximo, até dois salários
mínimos. Em 1992, por exemplo, 67% deles ganhavam até dois salários mínimos, enquanto que, em 1999,
esse total foi de 55,5% (Sabadini & Nakatani, 2002).
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Os dados apresentados por Barros et alii (1998) e pelo MTb (1998) mostram um crescimento do salário
médio real, entre 1992 e 1996, de 14% para os trabalhadores com carteira de trabalho, 38% para os
empregados sem carteira e 42% para os conta própria. Por outro lado, Ribeiro (2000:08), usando como
referência os anos de 1992 e 1998, também contesta os dados acima indicando que “(...) entre 1997 e
1998, o ritmo de crescimento do rendimento real médio real sofreu uma queda em todas as categorias
ocupacionais. Em particular, no caso dos trabalhadores por conta própria, em vez de crescimento ocorreu
uma variação negativa de cerca de 3,8% no período”.
4- Considerações finais
Historicamente, a economia do Estado do Espírito integrou-se tardiamente à
economia brasileira. Seu processo de industrialização consolidou-se somente a partir de
meados dos anos 70 com a atração de grandes unidades industriais. Apoiada numa
política de fomento local, a criação do sistema de incentivos fiscais estimulou a formação
de uma base industrial que gerou novos empregos na economia estadual, diversificando
sua estrutura produtiva antes concentrada na economia cafeeira. A interferência do
Estado foi fator preponderante para essa diversificação.
Com a implantação das políticas de cunho liberal, nos anos 90, a discussão sobre as
políticas de desenvolvimento regional foram abandonadas, dando prioridade ao debate e
implantação das políticas macroeconômicas ortodoxas de controle inflacionário que
provocaram baixas taxas de crescimento econômico - insuficientes para a absorção dos
novos entrantes no mercado de trabalho -, elevada vulnerabilidade externa da economia
brasileira, crescente número de desempregados e aumento na informalidade.
Naturalmente, todo o espaço estatal intervencionista foi ocupado pelos princípios do livre-
mercado.
Como conseqüência, observamos a exclusão do Estado na elaboração de uma
política industrial e regional, afetando diretamente a estrutura do mercado de trabalho
local.
Se, no Brasil, ocorreu o processo de desestruturação do mercado de trabalho, que
teve como característica principal a significativa redução na capacidade de geração de
empregos formais, no Espírito Santo esse processo também foi notado. A inserção dos
trabalhadores no mercado de trabalho local deu-se em maior proporção nas atividades
desregulamentadas, onde não existem relações contratuais que garantam uma
remuneração fixa e benefícios sociais. Ao longo da década de 90, o grau de formalidade
no Espírito Santo diminuiu de 35,5%, em 1990, para 29,4% em 1999. Já o grau de
informalidade aumentou de 48,9%, em 1990, para 54,1% em 1999.
Seguindo uma lógica particular, o maior crescimento da informalidade no Espírito
Santo foi verificado entre os anos de 1990-1995, após a implantação do Plano Collor. Por
outro lado, contrariando a tendência nacional, o grau de informalidade no estado, após o
Plano Real, aumentou apenas 0,4 ponto percentual. Apesar dessa melhora aparente,
5- Referências Bibliográficas
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