Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Sumário:
1.Introdução - 2.O mundo do trabalho na conjuntura capitalista da virada dos séculos XX e XXI -
condições do "desemprego estrutural - 3.Inovações e alterações tecnológicas (terceira revolução
industrial) - 4.Reestruturação empresarial - 5.Acentuação da concorrência capitalista - 6.Matriz
intelectual desconstrutivista do primado do trabalho e do emprego - 7.Alterações normativas
trabalhistas - 8.O enunciado do fim do emprego no capitalismo atual: omissão singular
1. Introdução
O desemprego, a partir de meados dos anos de 1970, tornou-se, de modo notório, fenômeno
sócio-econômico persistente e grave em inúmeros países capitalistas ocidentais, desde o universo
europeu desenvolvido até a realidade de distintas economias latino-americanas.
O elevado índice de muitas das taxas nacionais de desemprego (comumente próximas ou acima de
dois dígitos) e sua renitente continuidade ao longo do tempo tem ensejado a busca de explicações
sobre o fenômeno.
Ganhou hegemonia, desde a década de 1980, a linha explicativa que perfila argumentos em torno
da singularidade do fenômeno na presente fase capitalista: o desemprego, ao invés da natureza
conjuntural (ainda que eventualmente grave) sempre ostentada em períodos anteriores do sistema
econômico, teria assumido, nas últimas décadas, efetivo caráter estrutural.
A natureza estrutural do desemprego contemporâneo derivaria de nova maneira específica de se
organizar e desenvolver o novo capitalismo, em que estariam inexoravelment e sendo colocadas em
xeque não apenas a relação empregatícia, como também a própria realidade do trabalho.
Este tipo de diagnóstico, que prevê o fim do emprego e do trabalho no capitalismo atual, que
enuncia a natureza estrutural irreprimível do desemprego, é que será objeto do presente texto.
2. O mundo do trabalho na conjuntura capitalista da virada dos séculos XX e XXI -
condições do "desemprego estrutural
A conjuntura do sistema econômico, social e político capitalista, ao longo do último quartel do
século XX, propiciou a realização de importantes acontecimentos e tendências de notável impacto
no mundo do trabalho. A concentração de tais tendências e acontecimentos em curto período
histórico fez brotar diagnóstico bastante generalizado a respeito da presença de irremediável crise
estrutural no tocante ao trabalho e ao emprego na atualidade do capitalismo.
Tal diagnóstico e o caráter sombrio de suas previsões têm, evidentemente, pontos de contato
com a dinâmica atual do sistema sócio-econômico prevalecente. É o que será examinado nos itens
2 até 7 deste texto.
Porém, é necessário já se antecipar que, em boa medida, mesmo considerada a atual fase
capitalista, não se mostra rigorosamente correto este diagnóstico e, muito menos, são inevitáveis
suas previsões sombrias. Os equívocos de tal diagnóstico e de suas lúgubres previsões serão
estudados nos mesmos itens 2 até 7 do presente texto.
O item final (8) deste estudo faz breve referência a uma singular omissão no cerne da linha
explicativa dominante acerca do fenômeno contemporâneo do desemprego: o tipo de política
pública, notadamente econômico-financeira, seguida pelos Estados Nacionais capitalistas no
mesmo período considerado. A referência, contudo, será efetivamente breve, uma vez que não
comportaria aos objetivos do presente texto investigar, com maior minúcia, tal política econômico-
financeira.
2.1 Fatores de impacto no trabalho e no emprego: síntese
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 1/20
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 2/20
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
dados do comércio mundial nos últimos 50 anos, por exemplo, são um enfático comprovante desta
relação positiva derivada das conquistas tecnológicas: entre 1950 e 2001, o volume das
transações comerciais totais do mundo contemporâneo cresceu cerca de 100 vezes, saltando de
US$ 61 bilhões para US$ 6,16 trilhões. 2
Em terceiro lugar, não se pode esquecer que as inovações tecnológicas, no mesmo instante em
que ceifam certos tipos de trabalho e emprego no sistema sócio-econômico, imediatamente criam
outros em substituição, atados estes à nova tecnologia substitutiva do labor precedente. Ora, se
os veículos automotores (carros, caminhões, ônibus etc.) substituíram, no início do século XX, o
transporte por tração animal (individual e coletivo), eliminando as respectivas atividades e funções
econômico-sociais, esta mesma tecnologia de transportes criou, de imediato, novas funções e
profissões, muito mais dinâmicas e massivas do que as então superadas. Assim, do mesmo modo
que a microcomputação está a ceifar, nas duas últimas décadas, diversas funções e empregos,
também está, automaticamente, criando novas ocupações e atividades, inimagináveis no período
anterior.
Neste quadro, fica bastante claro não ser apenas negativa a relação da tecnologia com o
trabalho, podendo, ao revés, ter efeitos positivos na geração de novas funções, profissões e
empregos.
Em quarto lugar, não se pode esquecer que a terceira revolução tecnológica, ao invés de
somente suprimir empregos e trabalho ao longo do globo - conforme sistematicamente repetido no
discurso dominante das últimas décadas - também criou inúmeras novas necessidades para os
indivíduos, instituições e comunidades, alargando de modo espetacular o mercado laborativo, em
contraponto com os períodos anteriores.
A atividade turística (turismo de lazer e também de negócios, esclareça-se) é um marcante
exemplo disso, uma vez que direta e exponencialmente estimulada pelos avanços tecnológicos de
comunicação e transporte (além do estímulo que recebe da própria dinâmica de expansão dos
mercados econômicos).
De fato, esquece-se, neste debate, talvez da maior conquista das inovações tecnológicas das
últimas décadas, com influência direta no nível de atividades, funções e empregos na vida
econômico-social. É que os avanços recentes da tecnologia e da ciência propiciaram ganho de
mais de 20 anos na expectativa de vida das populações dos países ocidentais mais desenvolvidos,
em contraponto com o patamar estimado nos anos de 1940/1950 (ganho que atingiu inclusive
países dependentes, como o Brasil). Ora, isso significa acréscimo exponencial no mercado
consumidor, a partir de segmento composto por pessoas adultas e experientes, regra geral
dotadas de razoável poder aquisitivo.
Este acréscimo inusitado no mercado consumidor de bens e serviços provoca, por razões óbvias,
inevitável repercussão positiva genérica no mercado laborativo.
Mais do que isso, contudo, a elevação da expectativa de vida das populações dá origem a
demandas absolutamente novas na comunidade, necessariamente indutoras de inúmeras novas
funções, postos de trabalho e empregos (os setores de educação e saúde ligados à terceira
idade, por exemplo, evidenciam esse relevante fenômeno recente).
Portanto, uma vez mais é necessário enfatizar-se que a relação da tecnologia com o trabalho não
é apenas negativa - conforme se prefere propagar. Ao contrário, ela pode ser, no conjunto, até
mesmo muito positiva, a teor destas novas e impressionantes necessidades e mercados
instituídos.
Por fim, é preciso resgatar o papel civilizador das políticas públicas no que se refere à equação
tecnologia/emprego.
Ora, do mesmo modo que o Estado pode e deve incentivar a renovação, a criação e o avanço
tecnológico no campo sócio-econômico, de maneira geral, com políticas públicas convergentes
nesta direção, deve também incorporar, no seio destas suas preocupações, a variante relacionada
à geração de empregos.
Na economia capitalista sempre existirão setores notoriamente estimuladores do emprego, ao lado
de outros que não têm semelhante característica; no próprio universo tecnológico há mecanismos
fortemente poupadores de força de trabalho, ao lado de outros que não têm este inevitável
caráter. As políticas públicas podem e devem ponderar estas considerações ao longo de sua
formulação e prática social, sem perda do direcionamento geral incentivador do aperfeiçoamento
e da inovação da tecnologia na dinâmica econômica do país.3
Tudo isso demonstra que o argumento tecnológico tem sido, no fundo, artificialmente extremado
nas últimas décadas, de modo a se tornar relevante meio político-cultural de combate ao primado
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 4/20
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 5/20
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 6/20
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
regulação do fenômeno pela ordem jurídica, assim como pelos operadores desta ordem, como o
sistema judicial e o sistema de fiscalização trabalhista.
Finalmente, o artifício da terceirização, em virtude de todos os fatores citados, dispersa a
atuação sindical pelos trabalhadores, dificultando o intercâmbio entre o trabalhador terceirizado e
o empregado efetivo da entidade tomadora de serviços
Trata-se, portanto, de fórmula de gestão social, de gerenciamento da força de trabalho, que tem
tido grande impacto na redução dos ganhos do trabalho no mundo capitalista. 6
4.2.3 Novos sistemas de gestão da força de trabalho
O sistema de gestão empresarial, especialmente da força de trabalho, prevalecente nos países
desenvolvidos, ao longo do século XX até os anos de 1970, era conhecido pela denominação de
fordismo/taylorismo, tendo sua origem na virada dos séculos XIX/XX, em especial na economia
dos EUA.
Sua base inicial fundava-se, essencialmente, no método de gestão trabalhista estruturado a partir
de fins do século XIX pelo engenheiro norte-americano Frederick Winslow Taylor (1856-1915).
O taylorismo, aplicando análise sistemática ao exercício prático do trabalho no estabelecimento
capitalista, viabilizou a simplificação e agilização do treinamento da mão-de-obra, mesmo não
qualificada, além de potenciar, significativamente, a produtividade do trabalho. Propondo a
minuciosa separação de tarefas e sua conseqüente rotinização no processo laborativo interno à
empresa, o método taylorista reduzia a necessidade de sofisticada especialização do trabalho,
transformando-o em uma seqüência de atos basicamente simples. A partir daí, esta gerência
científica do trabalho multiplicava a produtividade laborativa, viabilizando a explosão da produção
massiva característica do sistema capitalista. 7
Este método foi incorporado pelo empresário norte-americano do setor automobilístico, Henry Ford
(1863-1947), na produção de seu veículo modelo T, a partir de 1913, consolidando novo sistema
de gestão de força de trabalho e de estruturação do próprio empreendimento produtivo
capitalista.
O fordismo, ao lado de implementar as proposições tayloristas, produz inovações no estratagema
de gestão da força de trabalho e do próprio empreendimento empresarial, dando origem a um
modelo de grande influência nas décadas seguintes no ocidente desenvolvido.
O fordismo/taylorismo conduz ao elogio da grande planta industrial capitalista, com grandes
massas de trabalhadores vinculados a funções pouco especializadas, que se conectavam pela
esteira rolante da linha de produção, permitindo o incessante incremento da produtividade do
trabalho e da geração massiva de mercadorias. Nesta mesma concepção gerencial e
administrativa, era também lógica a integração vertical entre as empresas (a matriz e as filiadas),
de modo a assegurar a uniformidade dos componentes e a rapidez e segurança de seu
municiamento.
Toyotismo/ohnismo - A partir dos anos de 1970, entretanto, modificações importantes irão
ocorrer nesse padrão de gestão empresarial e da própria força de trabalho.
No cenário da forte crise econômica então desencadeada no Ocidente, com a exacerbação da
concorrência interempresarial e mundial, inclusive com a célere invasão, naqueles anos, do
mercado econômico europeu e norte-americano pelo novo concorrente japonês, tudo associado ao
desenvolvimento da chamada terceira revolução tecnológica e das condições macropolíticas
desfavoráveis ao Estado de Bem Estar Social, passa-se a assistir à incorporação de novos
sistemas de gestão empresarial e laborativa.
Entre estes, o que produz maior impacto, sem dúvida, será aquele apelidado de toyotismo ou
ohnismo.
Em sua origem tais novas proposições de gestão empresarial foram marcadamente influenciadas
pelo revigorado capitalismo japonês do pós-II Guerra Mundial, em especial a partir das experiências
de gestão implementadas por algumas de suas grandes empresas, particularmente a Toyota, cujo
vice-presidente era o engenheiro Taiichi Ohno. 8
Sintetizados, em conseqüência, pelas expressões toyotismo e ohnismo, estes novos sistemas de
gestão das empresas, inclusive de sua força de trabalho, evidentemente foram aprofundados e
readequados, na própria ambientação do capitalismo ocidental, ao longo dos anos seguintes à
década de 1970. Pode-se dizer, de certo modo, em decorrência de tais aprofundamentos e
readequações, que toyotismo e ohnismo representam, hoje, fundamentalmente, um emblema ou
uma síntese do conjunto de transformações operadas na gestão das empresas e de sua força de
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 7/20
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
9
trabalho ao longo das últimas duas a três décadas no Ocidente.
O toyotismo visa, em síntese, elevar a produtividade do trabalho e a adaptabilidade da empresa a
contextos de alta competitividade no sistema econômico e de insuficiente demanda no mercado
consumidor (portanto, adaptar a empresa mesmo a contextos de crise). Conforme indagava Taiichi
Ohno em sua obra, O Espírito Toyota: "o que fazer para elevar a produtividade quando as
quantidades não se elevam?". 1 0
A resposta implicava o abandono - ainda que parcial - de algumas consagradas fórmulas inerentes
à sistemática taylorista/fordista.
Neste quadro, perde força o modelo de verticalização da empresa, que deu origem a super-plantas
empresariais no período precedente. Ao invés disso, o toyotismo propõe a subcontratação de
empresas, a fim de delegar a estas tarefas instrumentais ao produto final da empresa-pólo. Passa-
se a defender, então, a idéia de empresa enxuta, disposta a concentrar em si apenas as
atividades essenciais a seu objetivo principal, repassando para empresas menores, suas
subcontratadas, o cumprimento das demais atividades necessárias à obtenção do produto final
almejado.
Embora tal estratagema não reduza, forçosamente, o número global de postos de trabalho naquele
segmento econômico envolvido, ele tende a diminuir, de modo drástico, o valor econômico deste
mesmo trabalho, por ser, de maneira geral, muito mais modesto o padrão de pactuação trabalhista
observado por tais entes subcontratados.
O resultado sócio-econômico obtido pelo implemento de tal mecanismo de subcontratação
empresarial tende a significar, a um só tempo, a diminuição do custo da empresa-pólo, o
incremento da produtividade do trabalho, além da própria redução da renda propiciada aos
trabalhadores.
Neste mesmo quadro também perde força o modelo de super-fracionamento e fragmentação do
trabalho, com rigorosa definição de funções, tal como propugnado pelo taylorismo. Fala-se, ao
invés disso, na já citada idéia de multifuncionalidade do trabalhador, qual seja, a agregação de
funções em torno da mesma pessoa.
Conforme já exposto, este segundo mecanismo, por si somente, já tem o condão de afetar, de
modo importante, o número de postos de trabalho no plano do universo empresarial.
É também fórmula ohnista/toyotista a redução radical de estoques, ajustando a produção dos
implementos intermediários e do próprio produto final à mais próxima necessidade do mercado
consumidor (sistema de produção just in time e de estoque zero). No conjunto da restrição geral
de custos que este mecanismo viabiliza (financeiros e administrativos, por exemplo) encontra-se
também, inevitavelmente, a diminuição de custos com a força de trabalho. 1 1
4.3 Reestruturação empresarial: avaliação crítica
Em face de todos estes aspectos expostos, a reestruturação empresarial, seja quanto ao
formato das empresas e seus estabelecimentos, seja quanto ao seu processo interno de
prestação de labor, que se implementou nas décadas seguintes a 1970, pela profundidade de suas
inovações, iria afetar, sem dúvida, o mundo do trabalho, provocando-lhe mudanças importantes
em contraponto às características consolidadas nas décadas precedentes.
A profundidade e a extensão de tais mudanças empresariais ocorridas nas últimas décadas do
século XX, inclusive no tocante ao sistema de gestão da força de trabalho, também conferiram
importante suporte a previsões sombrias sobre o fim do emprego e do próprio trabalho na
sociedade contemporânea.
Mais uma vez, é manifesto o equívoco dessas previsões fatalistas.
Na verdade, as mudanças na estrutura organizacional do empreendimento capitalista, com a
subcontratação de empresas e a diluição das grandes unidades empresariais, que se verificaram
principalmente no plano da indústria, não são, nem neste segmento empresarial, nem em qualquer
outro, tão universais e avassaladoras como insistentemente apregoado.
No capitalismo ocidental - inclusive e especialmente em países como o Brasil - as clássicas
concentração e centralização do capital continuam a se realizar por meio da consagrada estrutura
de grandes plantas empresariais. A economicidade que este modelo propicia, em termos de
aplicação intensiva de capital, organização e racionalização de instalações e equipamentos, de
treinamento de mão-de-obra, de apropriação, desenvolvimento, aplicação e resguardo da
tecnologia, de viabilização do controle rigoroso de todas as fases empresariais, inclusive da
direção estratégica de mercado, tudo, em seu conjunto, permanece simplesmente insuperável, a
maioria da vezes, nos casos de produção massiva de mercadorias, em contraponto com a
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 8/20
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
trabalhista adotada em cada país específico; não é uniforme, portanto, não sendo também, de
maneira alguma, inevitável.
Na verdade, o estímulo ou a resignação ao crescimento das práticas terceirizantes traduzem muito
mais o império de uma conjuntura de desvalorização do trabalho e do emprego - e do trabalhador,
evidentemente - do que uma conseqüência inexorável de algum determinismo econômico.
O que é intolerável para as empresas, regra geral, são condições desiguais de concorrência em um
mesmo mercado; sendo semelhantes tais condições, todas elas podem se ajustar ao custo básico
da mercadoria produzida, projetando-o no preço final do produto. Se a terceirização, porém, passa
a ser tolerada ou mesmo estimulada, todo o empresariado têm de adotá-la em seus
estabelecimentos, sob pena de passar a se submeter a condições desiguais de competição.
Finalmente, a generalização do denominado sistema toyotista de gestão do trabalho também não
é plena, nem uniforme. Como aponta Pierra Salama, referindo-se à América Latina, a "organização
da produção permanece profundamente heterogênea (...) Seria um erro pensar que a difusão dos
novos modos de organização da produção e do trabalho é generalizada." 1 2
No fundo, grande parte das vezes, o toyotismo é adotado de modo apenas parcial, de maneira a
permitir o manejo combinado, pelo capitalista, de técnicas oriundas de distintos métodos de
administração empresarial e de gestão de força de trabalho, inclusive o não tão anacrônico
taylorismo.
Na verdade, o que tem sido abandonado reiteradamente nas últimas décadas é a reciprocidade
trabalhista elogiada pelo fordismo (reciprocidade material e cultural quanto ao trabalho), em
direção a modalidades de administração de mão-de-obra cada vez menos retributivas do trabalho.
Não se trata tanto de uma acumulação flexível, como prefere brandir a literatura das últimas
décadas - termo algo eufemístico para descrever o presente contexto capitalista -, mas, de modo
prioritário, de uma acumulação sem reciprocidade, de um capitalismo sem controles civilizatórios.
13
O que se nota, na verdade, é que a reestruturação empresarial, inclusive quanto aos sistemas de
gestão de força de trabalho no interior das empresas, vincula-se a processos essencialmente
atados a uma combinação específica de circunstâncias econômicas e também de políticas
públicas, combinação que se altera em face do contexto de cada país, segmento empresarial e
mesmo cada empresa ou seu estabelecimento. Não desponta, assim, como uma suposta
determinação estrutural que incida, de maneira imperiosa, sobre o conjunto do sistema capitalista
e de suas empresas integrantes.
Tudo isso demonstra que o argumento em torno da reestruturação empresarial ocorrida nas
últimas décadas, com a correlata mudança nos sistemas que as empresas vêem adotando quanto
à sua gestão laborativa, todos também têm sido, sem dúvida, artificialmente extremados nesta
conjuntura, como relevante meio político-cultural de combate ao primado do trabalho e do
emprego na sociedade capitalista.
5. Acentuação da concorrência capitalista
O terceiro grupo de fatores (acentuação da concorrência capitalista, inclusive no plano
internacional) é de natureza ambígua, classificando-se seja como estrutural seja como
conjuntural. Ele envolve o incremento e a generalização da concorrência interempresarial, em
particular com respeito à mais aberta inserção das economias nacionais no cenário do mercado
mundial. Não há dúvida de que se deve considerar, em certa medida, como determinante
estrutural este processo de ampliação e aprofundamento da concorrência internacional no plano
interno das economias nacionais, já que decorrente de uma tendência própria à nova fase
globalizante do capitalismo.
Porém, não se pode negar, em contrapartida, que a intensidade e a generalização de tal processo
são moduladas de acordo com a política pública que se adota internamente em cada Estado. Esta
circunstância acaba por conferir também relevante natureza conjuntural ao referido processo.
Em que medida a acentuação da competição capitalista, internamente e no plano externo, produz
reflexos importantes no mundo do trabalho?
É que tal acentuação competitiva pode prejudicar o desempenho do empreendimento empresarial,
com direto comprometimento no montante de sua força de trabalho.
É bem verdade que o inverso também pode ser verdadeiro, ou seja, a eficiente inserção no
mercado competitivo capitalista, interno ou externo, pode, sem dúvida, potenciar o dinamismo
empresarial, alimentando a contratação de trabalhadores pelas respectivas empresas.
Isso significa que tais reflexos no mundo do trabalho irão depender, é claro, da capacidade de a
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 10/20
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 11/20
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 12/20
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
Também o parâmetro organizacional, dotado ainda de razoável atratividade lógica, conta com
certa adesão junto a vertentes oriundas do pensamento crítico clássico. Sua hegemonia
incontestável, entretanto, situa-se no segmento intelectual direcionado às práticas
administrativas e gerenciais dentro das empresas capitalistas.
Pelo parâmetro organizacional, as concepções desconstrutivistas do primado do trabalho e do
emprego na sociedade capitalista sustentam que as mudanças vivenciadas desde os anos de 1970
na estrutura organizacional das empresas e na forma de gerenciamento de sua força de trabalho
foram tão intensas, múltiplas e disseminadas que abalaram, de modo implacável, o primado do
emprego e do próprio trabalho neste sistema sócio-econômico.
Não obstante, é também muito claro o equívoco deste fundamento organizacional que confere
suporte a semelhantes matrizes intelectuais, à luz do que já se expôs no presente texto. Também
aqui o que se percebe é uma exacerbação do argumento organizacional, como meio relevante de
convencimento no processo de combate ao primado do trabalho e do emprego na sociedade
capitalista.
Finalmente, pelo parâmetro mercadológico, as concepções desconstrutivistas do primado do
trabalho e do emprego na sociedade capitalista, de igual modo, sustentam que as mudanças na
estrutura e dinâmica do mercado econômico, com a generalização e o acirramento da
competitividade interempresarial na atual fase do capitalismo, foram tão intensas, diversas e
disseminadas que abalaram, mais uma vez, também de modo implacável, o primado do emprego e
do próprio trabalho neste sistema sócio-econômico.
O caráter falacioso deste parâmetro é manifesto, não disfarçando sequer seu real intento
acumulatório de riqueza. Mais claro ainda desponta aqui o manejo exacerbado de certo tipo de
argumento como mecanismo ideológico importante na dinâmica histórica de combate ao primado
do trabalho e do emprego na sociedade capitalista.
7. Alterações normativas trabalhistas
O quinto grupo de fatores (modificações implementadas na configuração institucional e jurídica do
mercado de trabalho e das normas que regulam suas relações integrantes) é de caráter
preponderantemente conjuntural, variando segundo a experiência política interna a cada Estado.
Tal grupo de fatores envolve as políticas públicas gestadas nacionalmente, dirigidas a acentuar a
reestruturação do antigo sistema trabalhista, em busca de um modelo desregulado de mercado de
trabalho. À medida que as mudanças no mercado laborativo, mesmo quando institucionais, tendem
a se cristalizar na ordem jurídica, pode-se identificar este grupo, em resumo, a partir das próprias
alterações normativas trabalhistas.
É evidente que tais alterações normativas trabalhistas são produtos de diagnósticos da economia
e da sociedade que foram hegemonicamente construídos nas últimas décadas. De maneira geral,
tais diagnósticos têm se mostrado receptivos, em maior ou menor extensão, ao império das
supostas determinações inescapáveis quer da terceira revolução tecnológica, quer da
reestruturação empresarial externa e interna, quer da acentuação da concorrência capitalista.
São diagnósticos que incorporam, portanto, em alguma medida, os traços centrais da matriz
intelectual desconstrutivista do primado do trabalho e do emprego no capitalismo de finais do
século XX e início deste século.
Contudo, a partir do instante em que semelhantes diagnósticos convolam-se em políticas públicas,
em normas jurídicas, em meios de institucionalização de direcionamentos e condutas individuais e
sociais, eles contribuem para exacerbar os efeitos deletérios sobre o trabalho e o emprego
inerentes a tais fatores estruturais e conjunturais que presidiram sua elaboração. Ou seja, as
alterações normativas trabalhistas implementadas nas últimas décadas em parte significativa de
países capitalistas ocidentais aprofundaram a crise e desvalorização do emprego e do trabalho,
ao invés de reafirmarem seu primado na sociedade capitalista contemporânea.
Três exemplos são paradigmáticos neste processo de normatização perversa das relações de
trabalho nas últimas décadas: Espanha, Argentina e Brasil.
No tocante à Espanha, trata-se de um dos primeiros países europeus, ao lado da Inglaterra de
Margareth Thatcher, a partir ainda de fins da década de 1970, a incorporar uma agenda de
modernização trabalhista (sic!), à base da desregulação e flexibilização do emprego, isto é, da
redução de garantias e proteções ao empregado no contexto de sua contratação laborativa.
Antonio BAYLOS refere-se, nesse quadro, ao implemento de uma "política de emprego flexível
levada a cabo desde as primeiras normas de 1979". 1 5 Tal política somente sofreria reversão
efetiva no ano de 1997, quando retomou prestígio a noção de emprego estável, visando diminuir a
precariedade contratual trabalhista. 1 6
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 14/20
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
Joaquín Pérez REY fixa este marco inicial até mesmo um pouco antes, em 1976, no Real Decreto-
Ley (RDL) 18/1976, "em que se revisam dois pilares da estabilidade, a dispensa e a contratação
provisória". 1 7 A propósito, o elogio aos contratos de curta duração passaria a ser um dos
sustentáculos da nova política trabalhista espanhola naquele período.
O diagnóstico acerca de tais alterações normativas espanholas, que perduraram por cerca de duas
décadas, é claramente negativo: como se sabe, aquele país, naquela mesma época, liderou os
índices negativos de desemprego em todo o Ocidente desenvolvido. Por esta razão é que o jurista
Antonio BAYLOS censura o processo de flexibilização e desregulamentação aplicado durante vinte
anos na Espanha, por meio do que qualifica de "obstinadas reformas do mercado de trabalho que
jamais obtiveram os resultados perseguidos": foram apresentadas naquele tempo "altas ou
desmesuradas taxas de desemprego com um processo permanente de precarização e
eventualização da população assalariada". 1 8
No que diz respeito à Argentina, trata-se do protótipo, na América Latina, da suposta
modernização trabalhista baseada na flexibilização e desregulação do emprego. O governo Menen
(1989-1999), no conjunto de medidas radicais de propagada integração da economia ao mercado
internacional (tais como privatização ampla de empresas estatais, eliminação de barreiras
alfandegárias, valorização artificial da moeda interna em benefício da competição externa dentro
do país 1 9 ), também se caracterizou por ampla desregulamentação e flexibilização da ordem
jurídica trabalhista.
Um dos pontos de destaque desta nova política trabalhista seria a incorporação da experiência
espanhola de favorecimento aos contratos a termo, o elogio à provisoriedade da contratação de
empregados, em contraste à mais estável contratação por tempo indeterminado.
O resultado de todo este estratagema disciplinadamente cumprido pelo governo e sociedade
argentinos é bastante conhecido: em comparação ao marco de 1980, em que apenas 5% da
população situavam-se abaixo da linha de pobreza, conforme o Índice de Desenvolvimento
Humano, da ONU (IDH), em torno do ano 2000, mais de 50% dos argentinos viviam abaixo da linha
de pobreza. Some-se a este quadro o fato de atingir o desemprego em 2002 em torno de 25% da
força de trabalho do país, após uma década de índices também sempre significativamente
elevados. A par disso, a criminalidade elevou-se cerca de 290% em torno de 10 anos. 2 0
No que tange ao Brasil, por fim, o cumprimento de uma estratégia em busca de um modelo
desregulado de mercado de trabalho tem seu início com o advento do regime militar, em meados
dos anos de 1960.
Com a criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), pela Lei 5.107/66, vigorante a
partir de janeiro de 1967, cria-se sistemática alternativa à regulada pela CLT (LGL\1943\5), de
modo a tornar a dispensa do trabalhador inquestionável direito potestativo do empregador, sem
amarras legais e institucionais relevantes (em contraste com a sistemática legal precedente, que
previa alta indenização por tempo de serviço e, desde os dez anos de emprego, a própria
estabilidade).
O regime militar, ademais, criaria, poucos anos após, o contrato de trabalho temporário,
propiciador de importante tipo de terceirização trabalhista, embora ainda de extensão restrita no
tempo - três meses (Lei 6.019/1974). 2 1
Curiosamente, será, entretanto, logo em seguida à Constituição Federal de 1988 (que foi um dos
pontos altos de afirmação do Direito do Trabalho no país), que os governos da década de 1990
iriam extremar a estratégia de desregulamentação e flexibilização trabalhistas.
O primeiro governo eleito a partir da CF/88 (LGL\1988\3) (1990/1992) constituiu comissão
autorizada a estudar a própria substituição da CLT (LGL\1943\5), de centenas de preceitos
jurídicos, por diploma legal de poucos artigos (trabalho que foi, felizmente, abortado em face da
constrangedora deposição do Presidente da República, no segundo semestre de 1992). 2 2
O curto governo subseqüente (1992-1994) aprovou a Lei 8.949, de 1994, de origem congressual,
que iria deflagrar, na realidade sócio-econômica, verdadeira avalanche de cooperativas de mão-
de-obra (novo parágrafo único do art. 442 da CLT (LGL\1943\5)), agenciadoras de milhares de
trabalhadores sem qualquer direito laborativo consistente.
O governo seguinte, contudo, ao longo de seus oito anos (1995-2002), é que iria produzir
incomparável blitzkrieg em favor da desregulamentação trabalhista.
Duas medidas legais bem ilustram a orientação econômico-filosófica de tal governo: de um lado, a
nova estruturação que confere, por medida provisória, ao contrato de estágio (Lei 6.494, de
1977), de modo a tentar permitir que este pacto seja estendido ao estudante de ensino médio e
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 15/20
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 16/20
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
descentralização de serviços por certa empresa em favor de outra, a serem realizados dentro
desta empresa subcontratada, não é recomendável, por propiciar certa confusão conceitual com
fenômeno distinto, de grande relevância no mundo do trabalho, que é a terceirização trabalhista -
a ser examinada no item IV.2.B, logo a seguir.
9 Na verdade, são inúmeras as teorias e sistemas aplicáveis à gestão das empresas e de sua força
de trabalho formuladas ao longo do século XX e, notadamente, nas últimas décadas (para
ilustração, consultar: PLANTULLO, Vicente Lentini, Teoria Geral da Administração. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 2001; FERREIRA, Ademir Antonio, et alii, Gestão Empresarial: de Taylor
aos nossos dias - evolução e tendências da Moderna Administração de Empresas. São Paulo:
Thomson, 2002; SILVA, Benedicto, Taylor e Fayol. 5.ª ed., Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1987; RAMOS, Guerreiro, Uma Introdução ao Histórico da Organização Racional do
Trabalho. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1950). Em conseqüência dessa
diversidade, o simples contraponto entre a matriz fordista-taylorista e a matriz toyotista, muito
comum na bibliografia, embora expresse uma comparação indubitavelmente relevante, não esgota,
por óbvio, toda a temática da gestão administrativa e trabalhista das empresas no capitalismo dos
últimos cem anos.
10 Taiichi Ohno, O Espírito Toyota, cit. in Thomas GOUNET, Fordismo e Toyotismo na Civilização
do Automóvel, São Paulo: Boitempo, 2002, p. 65.
13 Embora a excelente obra de David Harvey, em que se lança a expressão acumulação flexível,
seja bastante crítica no tocante ao novo quadro operacional do sistema capitalista, a expressão
eleita (acumulação flexível) tem algo de claramente eufemístico (HARVEY, David, Condição Pós-
Moderna. 10.ª ed., São Paulo: Loyola, 2001 , passin. A obra original é de 1989, sob o título : The
Condition of Postmodernity - na inquiry into the origens of cultural change).
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 18/20
17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
15 BAYLOS, Antonio, "Prólogo", in REY, Joaquín Pérez, Estabilidad en el Empleo. Madrid: Trota,
2004, p. 14.
18 BAYLOS, Antonio, loc.cit. Sobre o percurso flexibilizatório trabalhista espanhol, consultar ainda
Antonio BAYLOS, Las Relaciones Laborales en España desde la Constitucion Hasta Nuestros Dias
(1978-2003). Madrid: GPS, 2003.
20 Almanaque Abril - Mundo 2003. São Paulo: 2003, p. 160. Diversas referências legais quanto ao
processo de desregulamentação e flexibilização trabalhistas na Espanha e Argentina são
encontradas em GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos, Flexibilização Trabalhista. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2004, Capítulo 6, p. 109-140.
Poder e Dinheiro - uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997; FIORI, José
Luís, Os Moedeiros Falsos. 4.ª ed., Petrópolis: Vozes, 1998; POCHMANN, Márcio, O Emprego na
Globalização - a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. 1.ª
ed./2.ª reimpr., São Paulo: Boitempo, 2002; ASSIS, J. Carlos de, Trabalho como Direito -
fundamentos para uma política de promoção do pleno emprego no Brasil. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2002; PILHON, Dominique, "Desequilíbrios Mundiais e Instabilidade Financeira: a
responsabilidade das políticas liberais. Um ponto de vista Keynesiano", in CHESNAIS, François
(Coord.), A Mundialização Financeira - gênese, custos e riscos. São Paulo: Xamã, 1999; DELGADO,
Mauricio Godinho, "Globalização e Hegemonia: cenários para a desconstrução do primado do
trabalho e do emprego no capitalismo contemporâneo", inRevista LTR. São Paulo: LTR, ano 69, n.
05, maio de 2005, p. 539-548.
Página 1
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 20/20