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17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais

O FIM DO TRABALHO E DO EMPREGO NO


CAPITALISMO ATUAL: realidade ou mito?

O FIM DO TRABALHO E DO EMPREGO NO CAPITALISMO ATUAL:


REALIDADE OU MITO?
Revista de Direito do Trabalho | vol. 120 | p. 213 | Out / 2005
Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social | vol. 1 | p. 163 | Set /
2012DTR\2005\695
Mauricio Godinho Delgado

Área do Direito: Trabalho

Sumário:

1.Introdução - 2.O mundo do trabalho na conjuntura capitalista da virada dos séculos XX e XXI -
condições do "desemprego estrutural - 3.Inovações e alterações tecnológicas (terceira revolução
industrial) - 4.Reestruturação empresarial - 5.Acentuação da concorrência capitalista - 6.Matriz
intelectual desconstrutivista do primado do trabalho e do emprego - 7.Alterações normativas
trabalhistas - 8.O enunciado do fim do emprego no capitalismo atual: omissão singular

1. Introdução
O desemprego, a partir de meados dos anos de 1970, tornou-se, de modo notório, fenômeno
sócio-econômico persistente e grave em inúmeros países capitalistas ocidentais, desde o universo
europeu desenvolvido até a realidade de distintas economias latino-americanas.
O elevado índice de muitas das taxas nacionais de desemprego (comumente próximas ou acima de
dois dígitos) e sua renitente continuidade ao longo do tempo tem ensejado a busca de explicações
sobre o fenômeno.
Ganhou hegemonia, desde a década de 1980, a linha explicativa que perfila argumentos em torno
da singularidade do fenômeno na presente fase capitalista: o desemprego, ao invés da natureza
conjuntural (ainda que eventualmente grave) sempre ostentada em períodos anteriores do sistema
econômico, teria assumido, nas últimas décadas, efetivo caráter estrutural.
A natureza estrutural do desemprego contemporâneo derivaria de nova maneira específica de se
organizar e desenvolver o novo capitalismo, em que estariam inexoravelment e sendo colocadas em
xeque não apenas a relação empregatícia, como também a própria realidade do trabalho.
Este tipo de diagnóstico, que prevê o fim do emprego e do trabalho no capitalismo atual, que
enuncia a natureza estrutural irreprimível do desemprego, é que será objeto do presente texto.
2. O mundo do trabalho na conjuntura capitalista da virada dos séculos XX e XXI -
condições do "desemprego estrutural
A conjuntura do sistema econômico, social e político capitalista, ao longo do último quartel do
século XX, propiciou a realização de importantes acontecimentos e tendências de notável impacto
no mundo do trabalho. A concentração de tais tendências e acontecimentos em curto período
histórico fez brotar diagnóstico bastante generalizado a respeito da presença de irremediável crise
estrutural no tocante ao trabalho e ao emprego na atualidade do capitalismo.
Tal diagnóstico e o caráter sombrio de suas previsões têm, evidentemente, pontos de contato
com a dinâmica atual do sistema sócio-econômico prevalecente. É o que será examinado nos itens
2 até 7 deste texto.
Porém, é necessário já se antecipar que, em boa medida, mesmo considerada a atual fase
capitalista, não se mostra rigorosamente correto este diagnóstico e, muito menos, são inevitáveis
suas previsões sombrias. Os equívocos de tal diagnóstico e de suas lúgubres previsões serão
estudados nos mesmos itens 2 até 7 do presente texto.
O item final (8) deste estudo faz breve referência a uma singular omissão no cerne da linha
explicativa dominante acerca do fenômeno contemporâneo do desemprego: o tipo de política
pública, notadamente econômico-financeira, seguida pelos Estados Nacionais capitalistas no
mesmo período considerado. A referência, contudo, será efetivamente breve, uma vez que não
comportaria aos objetivos do presente texto investigar, com maior minúcia, tal política econômico-
financeira.
2.1 Fatores de impacto no trabalho e no emprego: síntese
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O diagnóstico hegemônico no Ocidente a respeito do atual desemprego, tido como estrutural,


toma em consideração três principais fatores ocorridos (ou acentuados) a contar dos anos de
1970, todos relacionados à estrutura do próprio capitalismo. São eles: terceira revolução
tecnológica; processo de reestruturação empresarial; acentuação da concorrência capitalista,
inclusive no plano internacional.
A construção desse diagnóstico, contudo, por si somente, já produz outro fator de grande
influência nesta temática nas últimas décadas, qual seja, a formação de matriz intelectual
apologética (ou resignada) quanto ao suposto fim do emprego e, mesmo, do próprio trabalho.
A referida matriz intelectual, que acredita na destruição estrutural do trabalho e do emprego na
presente fase do sistema sócio-econômico vigorante, tem evidenciado notável prestígio em grande
parte dos governos ocidentais nos últimos anos, induzindo à formulação de políticas públicas
reformistas na área regulatória do trabalho e do emprego.
Surge aqui outro fator que acaba por influenciar, direta ou indiretamente, na dinâmica da equação
emprego/desemprego. Trata-se das modificações jurídicas implementadas na configuração
institucional do mercado de trabalho e das normas que regulam suas relações integrantes (ou
modificações normativas trabalhistas).
Estes cinco fatores, que têm trazido forte impacto à área do trabalho e do emprego desde os
anos de 1970/80, serão examinados nos itens a seguir.
Esclareça-se, porém, de início, que não existe, necessariamente, gradação temporal ou de
importância entre esses fatores, uma vez que tendem a se configurar mediante combinações,
ritmos, intensidade e momentos diferenciados, em conformidade com cada experiência histórica
específica. Em conseqüência, a ordem aqui estipulada tem caráter meramente expositivo, sem
traduzir qualquer valoração classificatória
O primeiro de tais fatores destaca-se por um complexo significativo de inovações ou alterações
tecnológicas ocorridas ou acentuadas nas últimas décadas, que se passou a denominar de terceira
revolução tecnológica, indutora, em seu conjunto, de mudanças relevantes no campo da
estruturação e dinâmica do trabalho.
O segundo desses fatores diz respeito ao importante processo de reestruturação empresarial
vivenciado nestes últimos trinta anos, que também provocou forte impacto no mundo do trabalho.
O terceiro fator concerne ao aprofundamento e generalização da concorrência capitalista, em
todos os planos, inclusive internacional, acirrando, de modo muito mais intenso do que verificado
em épocas anteriores, a competição entre empresas e economias, com reflexos importantes no
mundo do trabalho.
O quarto fator, de incomparável relevância, abrange a formação de matriz intelectual apologética
(ou resignada) quanto ao suposto fim do emprego e, mesmo, do próprio trabalho. O alegado fim
da sociedade do trabalho e do emprego, o suposto ocaso do emprego e, até mesmo, do trabalho
que esta matriz intelectual propaga, tudo terá, evidentemente, forte impacto no mundo
laborativo.
O quinto fator, por fim, tem vinculação com as próprias modificações implementadas na
configuração institucional e jurídica do mercado de trabalho e das normas que regulam suas
relações integrantes.
3. Inovações e alterações tecnológicas (terceira revolução industrial)
O primeiro grupo de fatores (inovações e alterações tecnológicas) tem caráter
preponderantemente estrutural. Envolve significativas inovações e aperfeiçoamentos no campo da
tecnologia, que afetam de modo direto o processo de realização do trabalho, a estrutura interna
do empreendimento empresarial, e, até mesmo, a configuração de aspectos relevantes do sistema
capitalista.
Tais aperfeiçoamentos e inovações, por sua profundidade, têm sido denominados de terceira
revolução tecnológica do capitalismo. Seus pontos mais notáveis consistem nas conquistas da
microeletrônica, da robotização, da microinformática e das telecomunicações. 1
Estes avanços, isoladamente e em seu conjunto, agravaram a redução de postos de trabalho em
diversos segmentos econômicos, em especial na indústria, aprofundando o desemprego deflagrado
pela crise econômica de meados dos anos de 1970.
Além disso, criaram ou acentuaram formas de prestação laborativa que pareciam estranhas ao
tradicional sistema de contratação e controle empregatícios - como, por exemplo, o teletrabalho e
o escritório em casa ( home-office).

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Em acréscimo, estes aperfeiçoamentos e inovações tecnológicas mitigaram, em inúmeros


segmentos, as antes impermeáveis barreiras do espaço e do tempo, propiciando modalidades
inusitadas de conexões interempresariais nos diversos países e, até mesmo, ao longo do globo.
A redução de postos de trabalho decorrente de tais mudanças da tecnologia - em si, fato já
importante - implicava ainda modificações notáveis nos processos de concretização do labor no
plano empresarial, atenuando, em certa medida, a tendência - que antes parecia incontrolável -
de agregação de grandes massas de trabalhadores em grandes estabelecimentos produtivos. É
que o trabalho repetitivo e uniforme, mobilizador de grandes grupos humanos, perdia sua anterior
exponencial relevância, substituído, em razoável medida, pela nova tecnologia.
Esta redução de postos laborativos, somada à potenciação do trabalho individual na realização de
tarefas permitida pela microinformática e pela telecomunicação, contribuiu para incentivar novas
formas de estruturação do empreendimento empresarial ( home-office, pequenos estabelecimentos
etc.), também na direção contrária ao modelo organizacional anteriormente consagrado.
A terceira revolução tecnológica, em síntese, pela profundidade de suas inovações, afetou,
portanto, o mundo do trabalho, provocando-lhe mudanças importantes em contraponto às
características consolidadas nas décadas precedentes.
3.1 Avaliação crítica
A profundidade e extensão das inovações tecnológicas desenvolvidas no último quartel do século
XX conferiram suporte a previsões catastrofistas sobre o fim do emprego e do próprio trabalho na
sociedade contemporânea.
Porém o equívoco de tais previsões é manifesto.
Em primeiro lugar, as conseqüências no mundo do trabalho da chamada terceira revolução
tecnológica foram (e têm sido) profundas e extensas, mas, seguramente, não são (nem serão),
como é óbvio, absolutas.
Foram conseqüências devastadoras para algumas funções e profissões, é claro, muitas vezes
simplesmente extinguindo-as. Determinadas funções e mesmo profissões de caráter manual, a par
de outras de natureza intelectual, foram severamente afetadas ou, até mesmo, suprimidas em
face da microeletrônica, da robótica, da microinformática e dos novos meios de telecomunicação.
Este processo de afetação, contudo, não foi (nem será), repita-se, absoluto, uma vez que tende
a atingir com intensidade muito variada as inúmeras atividades, segmentos, funções e profissões
existentes na vida sócio-econômica. Ao lado de funções e profissões simplesmente extintas (uma
evidente minoria, diga-se de passagem), há incontável universo de outras que apenas
incorporaram os avanços tecnológicos em seu interior - potenciando, sem dúvida, a produtividade
do trabalho, mas sem eliminar a necessidade deste.
A propósito, conseqüências diferenciadas de natureza e intensidade semelhantes também já se
verificaram durante a segunda revolução tecnológica, ocorrida nas fronteiras entre os séculos XIX
e XX. Naquela época, com o surgimento e propagação de novas modalidades de energia (elétrica e
petrolífera, por exemplo) e de novos meios de comunicação (ilustrativamente, veículos
automotores e aviões), certas atividades, funções e profissões simplesmente desapareceram, ao
passo que outras sofreram modificações internas, adaptando-se ao avanço da tecnologia.
As repercussões da segunda revolução tecnológica foram também profundas e extensas, mas não,
obviamente, absolutas.
Em segundo lugar, a redução de postos laborativos em decorrência do exponencial aumento da
produtividade do trabalho ocorrido nas últimas décadas tende a ser inferior ao índice de elevação
desta produtividade - o que evidencia mais um limite quanto aos impactos da terceira revolução
tecnológica no mundo do trabalho. Ou seja, a grande elevação da produtividade não corta, na
mesma proporção, os postos de trabalho; este corte é menor, significando que o crescimento da
produtividade não conspira contra os trabalhadores.
Explique-se melhor esta específica relação.
É que há, na verdade, também uma relação positiva criada pelos mesmos avanços tecnológicos (e
não somente a relação negativa usualmente mencionada): ora, tais avanços, ao mesmo tempo
em que potenciam a produtividade do trabalho, potenciam também a própria produção e, com
isso, provocam importante diminuição no preço das mercadorias; por reflexo lógico,
imediatamente tendem a incrementar, de modo exponencial, o mercado de consumo dos
mesmos bens.
Isso quer dizer que a tecnologia não eleva só a produtividade, mas, tendencialmente, impulsiona
também a produção, o mercado e o consumo dos respectivos bens e serviços produzidos. Os
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dados do comércio mundial nos últimos 50 anos, por exemplo, são um enfático comprovante desta
relação positiva derivada das conquistas tecnológicas: entre 1950 e 2001, o volume das
transações comerciais totais do mundo contemporâneo cresceu cerca de 100 vezes, saltando de
US$ 61 bilhões para US$ 6,16 trilhões. 2
Em terceiro lugar, não se pode esquecer que as inovações tecnológicas, no mesmo instante em
que ceifam certos tipos de trabalho e emprego no sistema sócio-econômico, imediatamente criam
outros em substituição, atados estes à nova tecnologia substitutiva do labor precedente. Ora, se
os veículos automotores (carros, caminhões, ônibus etc.) substituíram, no início do século XX, o
transporte por tração animal (individual e coletivo), eliminando as respectivas atividades e funções
econômico-sociais, esta mesma tecnologia de transportes criou, de imediato, novas funções e
profissões, muito mais dinâmicas e massivas do que as então superadas. Assim, do mesmo modo
que a microcomputação está a ceifar, nas duas últimas décadas, diversas funções e empregos,
também está, automaticamente, criando novas ocupações e atividades, inimagináveis no período
anterior.
Neste quadro, fica bastante claro não ser apenas negativa a relação da tecnologia com o
trabalho, podendo, ao revés, ter efeitos positivos na geração de novas funções, profissões e
empregos.
Em quarto lugar, não se pode esquecer que a terceira revolução tecnológica, ao invés de
somente suprimir empregos e trabalho ao longo do globo - conforme sistematicamente repetido no
discurso dominante das últimas décadas - também criou inúmeras novas necessidades para os
indivíduos, instituições e comunidades, alargando de modo espetacular o mercado laborativo, em
contraponto com os períodos anteriores.
A atividade turística (turismo de lazer e também de negócios, esclareça-se) é um marcante
exemplo disso, uma vez que direta e exponencialmente estimulada pelos avanços tecnológicos de
comunicação e transporte (além do estímulo que recebe da própria dinâmica de expansão dos
mercados econômicos).
De fato, esquece-se, neste debate, talvez da maior conquista das inovações tecnológicas das
últimas décadas, com influência direta no nível de atividades, funções e empregos na vida
econômico-social. É que os avanços recentes da tecnologia e da ciência propiciaram ganho de
mais de 20 anos na expectativa de vida das populações dos países ocidentais mais desenvolvidos,
em contraponto com o patamar estimado nos anos de 1940/1950 (ganho que atingiu inclusive
países dependentes, como o Brasil). Ora, isso significa acréscimo exponencial no mercado
consumidor, a partir de segmento composto por pessoas adultas e experientes, regra geral
dotadas de razoável poder aquisitivo.
Este acréscimo inusitado no mercado consumidor de bens e serviços provoca, por razões óbvias,
inevitável repercussão positiva genérica no mercado laborativo.
Mais do que isso, contudo, a elevação da expectativa de vida das populações dá origem a
demandas absolutamente novas na comunidade, necessariamente indutoras de inúmeras novas
funções, postos de trabalho e empregos (os setores de educação e saúde ligados à terceira
idade, por exemplo, evidenciam esse relevante fenômeno recente).
Portanto, uma vez mais é necessário enfatizar-se que a relação da tecnologia com o trabalho não
é apenas negativa - conforme se prefere propagar. Ao contrário, ela pode ser, no conjunto, até
mesmo muito positiva, a teor destas novas e impressionantes necessidades e mercados
instituídos.
Por fim, é preciso resgatar o papel civilizador das políticas públicas no que se refere à equação
tecnologia/emprego.
Ora, do mesmo modo que o Estado pode e deve incentivar a renovação, a criação e o avanço
tecnológico no campo sócio-econômico, de maneira geral, com políticas públicas convergentes
nesta direção, deve também incorporar, no seio destas suas preocupações, a variante relacionada
à geração de empregos.
Na economia capitalista sempre existirão setores notoriamente estimuladores do emprego, ao lado
de outros que não têm semelhante característica; no próprio universo tecnológico há mecanismos
fortemente poupadores de força de trabalho, ao lado de outros que não têm este inevitável
caráter. As políticas públicas podem e devem ponderar estas considerações ao longo de sua
formulação e prática social, sem perda do direcionamento geral incentivador do aperfeiçoamento
e da inovação da tecnologia na dinâmica econômica do país.3
Tudo isso demonstra que o argumento tecnológico tem sido, no fundo, artificialmente extremado
nas últimas décadas, de modo a se tornar relevante meio político-cultural de combate ao primado
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do trabalho e do emprego na sociedade capitalista.


4. Reestruturação empresarial
O segundo grupo de fatores (processo de reestruturação empresarial) também tem caráter
preponderantemente estrutural - embora não de modo exclusivo, é claro.
Ele envolve significativas modificações econômicas e organizacionais no plano da estruturação das
empresas, ou seja, mudanças que se verificam no próprio processo de organização das entidades
empresariais e nos sistemas de produção internos a estas entidades. São alterações, portanto,
que afetam de maneira mais direta a estrutura do empreendimento empresarial, alterando-lhe a
conformação e o modo de operar.
De fato, do ponto de vista estrutural, os anos de 1970/90 assistem a profunda alteração
tecnológica envolvendo o processo produtivo. Esta alteração produz-se mediante a absorção ou
incremento nas empresas da automação acentuada (e seu ápice, a robotização), da
microeletrônica e, finalmente, da informática. Na mesma conjuntura acentuam-se as inovações e
melhorias no campo das comunicações, tanto no tocante à transmissão de dados
(telecomunicações, inclusive internet), como no referente à facilitação e barateamento do
transporte de bens e pessoas.
Este quadro de modificações tecnológicas viabiliza e se associa à disseminação de novas formas
de organização tanto das empresas como do próprio processo de trabalho.
4.1 Estrutura organizacional das empresas
No que tange às mudanças na estrutura organizacional do empreendimento capitalista, ganha
prestígio em certos segmentos a estratégia de diluição das grandes unidades empresariais.
Em face da grande praticidade e menor custo dos meios de comunicação e de transporte
disponibilizados nas últimas décadas, ao lado do objetivo gerencial de redução do tempo de
produção e diminuição do montante de estoques, as empresas podem abandonar ou, pelo menos,
restringir o antigo critério organizacional de verticalização e concentração do sistema produtivo.
Passam, assim, à diferença da sistemática anteriormente dominante, a delegar, por
subcontratação, a outras entidades empresariais conexas ou mesmo independentes a tarefa de
produzir distintos implementos necessários a seu produto final ou, até mesmo, realizar fases
inteiras de seu tradicional ciclo produtivo. A empresa líder reduz, em conseqüência, sua própria
dimensão estrutural e operacional, sem prejuízo de poder conseguir elevação em sua produção
final no mesmo (ou menor) período de tempo.
Ganha prestígio, assim, a idéia de empresas em rede, uma modalidade de estruturação do
empreendimento capitalista pela qual as clássicas concentração e centralização do capital se
realizam mediante unidades empresariais de pequeno, médio e outras de grande porte, ao invés da
via tradicional estruturada em torno de megas plantas empresariais.
Embora tal novo estratagema - mais prestigiado na indústria - não atinja, necessariamente e na
mesma proporção, todo o empresariado, terá, de qualquer modo, impacto importante no mundo
empresarial e do trabalho.
Para ilustrar este impacto, note-se que tal descentralização ou subcontratação empresarial (às
vezes conhecida como terceirização empresarial) 4 enfraquece os caminhos clássicos de atuação
do sindicalismo - por ser este, tradicionalmente, mais forte nas grandes empresas -, contribuindo
também para fracionar, em alguma medida, ainda que em um primeiro instante, este mesmo
movimento sindical.
Registre-se, a propósito, que no segmento do comércio, a idéia de empresas em rede dissemina-se
também de maneira muito significativa, aqui potenciada por inovador mecanismo de conexão
interempresarial, que é o regime de franquias.
4.2 Organização do Processo de Trabalho
No que tange às mudanças na organização do processo de trabalho dentro das empresas,
ganham prestígio três principais fórmulas de gestão trabalhista: a redução de cargos e funções (e,
consequentemente, de postos de trabalho), com maior agregação funcional nos mesmos
indivíduos; a terceirização trabalhista; o sistema toyotista ou ohnista de gestão do trabalho.
Todas estas três fórmulas visam, em seu conjunto, acentuar a produtividade do trabalho,
diminuindo, ao mesmo tempo, os custos a este vinculados. Todas são fórmulas de gestão social,
de gestão trabalhista, métodos de gerenciamento da força de trabalho.
4.2.1 A redução de cargos e funções

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A fórmula de redução de cargos e funções - logo, também de postos laborativos - é propiciada, é


claro, pelos ganhos tecnológicos advindos da terceira revolução industrial, como já visto.
Entretanto não se deve apenas a eles: tem papel fundamental nesta fórmula a decisão gerencial
de se atribuir ao mesmo trabalhador número maior de tarefas e funções, sem perda notável da
qualidade do labor desempenhado.
A partir da noção de trabalho flexível e, por conseqüência, do conceito de trabalhador flexível e
multifuncional, passam a ser concentradas na mesma pessoa atividades que, anteriormente,
seriam exercidas por outros trabalhadores. Ainda que esta concentração não seja plena, melhor
correspondendo a um processo de agregação de atividades, tarefas, funções e poderes em um
número menor de pessoas, o fato é que, em seu conjunto, tem grande impacto na elevação da
produtividade do trabalho e na diminuição no montante de empregos na vida empresarial.
Em síntese, com este novo estratagema de gestão, muitos postos de trabalho são eliminados,
ainda que a efetiva função continue a ser importante na divisão de trabalho interna à empresa.
Note-se que a presente fórmula de redução de cargos e funções, com a concentração de
atividades laborativas no mesmo trabalhador (idéia de multifuncionalidade do obreiro, de
trabalhador flexível), enquadra-se em certa concepção de gestão da força de trabalho,
cognominada toyotismo ou ohnismo, de grande prestígio a partir dos anos de 1970, principalmente
no segmento industrial do capitalismo (tal concepção será examinada no sub-item 4.2.3 deste
texto, à frente).
Contudo, tal fórmula não se circunscreve, estritamente, à matriz do toyotismo, uma vez que,
sendo diretamente vinculada aos avanços da tecnologia, tornou-se genericamente aplicável a
quase todos os segmentos do mercado laborativo, reduzindo os postos de trabalho e acentuando
a produtividade deste, independentemente de adotar ou não a empresa, em sua inteireza, a matriz
toyotista de gestão capitalista.
4.2.2 Terceirização trabalhista
A fórmula da terceirização trabalhista permite a desconexão entre a relação sócio-econômica de
real prestação laborativa e o vínculo empregatício do trabalhador com o próprio tomador de seus
serviços.
Por esta fórmula, insere-se no interior da relação efetiva entre trabalhador e seu tomador de
serviços uma empresa intermediária, chamada prestadora de serviços, que passa a responder pelo
vínculo empregatício com o obreiro. Ao invés, portanto, da clássica sistemática pela qual o
tomador de serviços habituais enquadra-se como empregador da pessoa física que lhe presta
serviços, separam-se, artificialmente, as relações, por meio da inserção, nesta seara, da empresa
prestadora de serviços, que passa a deter o vínculo empregatício com o obreiro.
Registre-se distinção relevante entre terceirização trabalhista e terceirização empresarial.
Terceirização trabalhista (ora examinada) diz respeito ao mencionado processo de dissociação do
vínculo sócio-econômico de prestação laborativa em detrimento do respectivo vínculo jurídico-
trabalhista, o qual se ata com a empresa chamada prestadora de serviços. Pela terceirização
trabalhista, o efetivo tomador de serviços deixa de ser, por meio de ladina fórmula jurídico-
administrativa, real empregador do obreiro.
Já a denominada terceirização empresarial é processo distinto, de simples descentralização
empresarial, em favor de outra empresa, a qual preserva planta empresarial própria e empregados
próprios (processo que melhor se designa por subcontratação empresarial). 5
Embora a terceirização trabalhista não seja, necessariamente, redutora de postos de trabalho, ela
é, essencialmente, desorganizadora do sistema de garantias e direitos estipulados pelo clássico
Direito do Trabalho. Nesta medida ela propicia, ao menos em um momento inicial, significativa
redução de custos empresariais.
A desorganização do sistema de garantias e direitos estipulados pelo Direito do Trabalho,
propiciada pela terceirização, ocorre em face de múltiplos fatores: de um lado, ela diminui,
artificialmente, o número de trabalhadores estatisticamente alocados em certos importantes
segmentos empresariais (como indústria e setor financeiro, por exemplo). É que os trabalhadores
terceirizados enquadram-se, do ponto de vista técnico-jurídico, como integrantes do setor
terciário da economia, por serem vinculados a empresas de prestação de serviço.
De outro lado, a fórmula terceirizante pulveriza a classe trabalhadora, criando dificuldades práticas
quase intransponíveis para a efetiva aplicação do Direito do Trabalho, em face das inúmeras
peculiaridades que passa a criar, em função dos tipos de segmento econômico, de empresa e de
trabalhadores envolvidos. Tais peculiaridades provocam dispersões na própria compreensão e

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regulação do fenômeno pela ordem jurídica, assim como pelos operadores desta ordem, como o
sistema judicial e o sistema de fiscalização trabalhista.
Finalmente, o artifício da terceirização, em virtude de todos os fatores citados, dispersa a
atuação sindical pelos trabalhadores, dificultando o intercâmbio entre o trabalhador terceirizado e
o empregado efetivo da entidade tomadora de serviços
Trata-se, portanto, de fórmula de gestão social, de gerenciamento da força de trabalho, que tem
tido grande impacto na redução dos ganhos do trabalho no mundo capitalista. 6
4.2.3 Novos sistemas de gestão da força de trabalho
O sistema de gestão empresarial, especialmente da força de trabalho, prevalecente nos países
desenvolvidos, ao longo do século XX até os anos de 1970, era conhecido pela denominação de
fordismo/taylorismo, tendo sua origem na virada dos séculos XIX/XX, em especial na economia
dos EUA.
Sua base inicial fundava-se, essencialmente, no método de gestão trabalhista estruturado a partir
de fins do século XIX pelo engenheiro norte-americano Frederick Winslow Taylor (1856-1915).
O taylorismo, aplicando análise sistemática ao exercício prático do trabalho no estabelecimento
capitalista, viabilizou a simplificação e agilização do treinamento da mão-de-obra, mesmo não
qualificada, além de potenciar, significativamente, a produtividade do trabalho. Propondo a
minuciosa separação de tarefas e sua conseqüente rotinização no processo laborativo interno à
empresa, o método taylorista reduzia a necessidade de sofisticada especialização do trabalho,
transformando-o em uma seqüência de atos basicamente simples. A partir daí, esta gerência
científica do trabalho multiplicava a produtividade laborativa, viabilizando a explosão da produção
massiva característica do sistema capitalista. 7
Este método foi incorporado pelo empresário norte-americano do setor automobilístico, Henry Ford
(1863-1947), na produção de seu veículo modelo T, a partir de 1913, consolidando novo sistema
de gestão de força de trabalho e de estruturação do próprio empreendimento produtivo
capitalista.
O fordismo, ao lado de implementar as proposições tayloristas, produz inovações no estratagema
de gestão da força de trabalho e do próprio empreendimento empresarial, dando origem a um
modelo de grande influência nas décadas seguintes no ocidente desenvolvido.
O fordismo/taylorismo conduz ao elogio da grande planta industrial capitalista, com grandes
massas de trabalhadores vinculados a funções pouco especializadas, que se conectavam pela
esteira rolante da linha de produção, permitindo o incessante incremento da produtividade do
trabalho e da geração massiva de mercadorias. Nesta mesma concepção gerencial e
administrativa, era também lógica a integração vertical entre as empresas (a matriz e as filiadas),
de modo a assegurar a uniformidade dos componentes e a rapidez e segurança de seu
municiamento.
Toyotismo/ohnismo - A partir dos anos de 1970, entretanto, modificações importantes irão
ocorrer nesse padrão de gestão empresarial e da própria força de trabalho.
No cenário da forte crise econômica então desencadeada no Ocidente, com a exacerbação da
concorrência interempresarial e mundial, inclusive com a célere invasão, naqueles anos, do
mercado econômico europeu e norte-americano pelo novo concorrente japonês, tudo associado ao
desenvolvimento da chamada terceira revolução tecnológica e das condições macropolíticas
desfavoráveis ao Estado de Bem Estar Social, passa-se a assistir à incorporação de novos
sistemas de gestão empresarial e laborativa.
Entre estes, o que produz maior impacto, sem dúvida, será aquele apelidado de toyotismo ou
ohnismo.
Em sua origem tais novas proposições de gestão empresarial foram marcadamente influenciadas
pelo revigorado capitalismo japonês do pós-II Guerra Mundial, em especial a partir das experiências
de gestão implementadas por algumas de suas grandes empresas, particularmente a Toyota, cujo
vice-presidente era o engenheiro Taiichi Ohno. 8
Sintetizados, em conseqüência, pelas expressões toyotismo e ohnismo, estes novos sistemas de
gestão das empresas, inclusive de sua força de trabalho, evidentemente foram aprofundados e
readequados, na própria ambientação do capitalismo ocidental, ao longo dos anos seguintes à
década de 1970. Pode-se dizer, de certo modo, em decorrência de tais aprofundamentos e
readequações, que toyotismo e ohnismo representam, hoje, fundamentalmente, um emblema ou
uma síntese do conjunto de transformações operadas na gestão das empresas e de sua força de

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trabalho ao longo das últimas duas a três décadas no Ocidente.
O toyotismo visa, em síntese, elevar a produtividade do trabalho e a adaptabilidade da empresa a
contextos de alta competitividade no sistema econômico e de insuficiente demanda no mercado
consumidor (portanto, adaptar a empresa mesmo a contextos de crise). Conforme indagava Taiichi
Ohno em sua obra, O Espírito Toyota: "o que fazer para elevar a produtividade quando as
quantidades não se elevam?". 1 0
A resposta implicava o abandono - ainda que parcial - de algumas consagradas fórmulas inerentes
à sistemática taylorista/fordista.
Neste quadro, perde força o modelo de verticalização da empresa, que deu origem a super-plantas
empresariais no período precedente. Ao invés disso, o toyotismo propõe a subcontratação de
empresas, a fim de delegar a estas tarefas instrumentais ao produto final da empresa-pólo. Passa-
se a defender, então, a idéia de empresa enxuta, disposta a concentrar em si apenas as
atividades essenciais a seu objetivo principal, repassando para empresas menores, suas
subcontratadas, o cumprimento das demais atividades necessárias à obtenção do produto final
almejado.
Embora tal estratagema não reduza, forçosamente, o número global de postos de trabalho naquele
segmento econômico envolvido, ele tende a diminuir, de modo drástico, o valor econômico deste
mesmo trabalho, por ser, de maneira geral, muito mais modesto o padrão de pactuação trabalhista
observado por tais entes subcontratados.
O resultado sócio-econômico obtido pelo implemento de tal mecanismo de subcontratação
empresarial tende a significar, a um só tempo, a diminuição do custo da empresa-pólo, o
incremento da produtividade do trabalho, além da própria redução da renda propiciada aos
trabalhadores.
Neste mesmo quadro também perde força o modelo de super-fracionamento e fragmentação do
trabalho, com rigorosa definição de funções, tal como propugnado pelo taylorismo. Fala-se, ao
invés disso, na já citada idéia de multifuncionalidade do trabalhador, qual seja, a agregação de
funções em torno da mesma pessoa.
Conforme já exposto, este segundo mecanismo, por si somente, já tem o condão de afetar, de
modo importante, o número de postos de trabalho no plano do universo empresarial.
É também fórmula ohnista/toyotista a redução radical de estoques, ajustando a produção dos
implementos intermediários e do próprio produto final à mais próxima necessidade do mercado
consumidor (sistema de produção just in time e de estoque zero). No conjunto da restrição geral
de custos que este mecanismo viabiliza (financeiros e administrativos, por exemplo) encontra-se
também, inevitavelmente, a diminuição de custos com a força de trabalho. 1 1
4.3 Reestruturação empresarial: avaliação crítica
Em face de todos estes aspectos expostos, a reestruturação empresarial, seja quanto ao
formato das empresas e seus estabelecimentos, seja quanto ao seu processo interno de
prestação de labor, que se implementou nas décadas seguintes a 1970, pela profundidade de suas
inovações, iria afetar, sem dúvida, o mundo do trabalho, provocando-lhe mudanças importantes
em contraponto às características consolidadas nas décadas precedentes.
A profundidade e a extensão de tais mudanças empresariais ocorridas nas últimas décadas do
século XX, inclusive no tocante ao sistema de gestão da força de trabalho, também conferiram
importante suporte a previsões sombrias sobre o fim do emprego e do próprio trabalho na
sociedade contemporânea.
Mais uma vez, é manifesto o equívoco dessas previsões fatalistas.
Na verdade, as mudanças na estrutura organizacional do empreendimento capitalista, com a
subcontratação de empresas e a diluição das grandes unidades empresariais, que se verificaram
principalmente no plano da indústria, não são, nem neste segmento empresarial, nem em qualquer
outro, tão universais e avassaladoras como insistentemente apregoado.
No capitalismo ocidental - inclusive e especialmente em países como o Brasil - as clássicas
concentração e centralização do capital continuam a se realizar por meio da consagrada estrutura
de grandes plantas empresariais. A economicidade que este modelo propicia, em termos de
aplicação intensiva de capital, organização e racionalização de instalações e equipamentos, de
treinamento de mão-de-obra, de apropriação, desenvolvimento, aplicação e resguardo da
tecnologia, de viabilização do controle rigoroso de todas as fases empresariais, inclusive da
direção estratégica de mercado, tudo, em seu conjunto, permanece simplesmente insuperável, a
maioria da vezes, nos casos de produção massiva de mercadorias, em contraponto com a
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estratégia de criação de redes pulverizadas de unidades empresariais de portes médio e pequeno.


Eis aqui mais uma clara situação em que o exagero do argumento (no caso, o argumento
organizacional) atua com maior eficiência no plano do convencimento, no plano da cultura - ou,
para ser mais direto, no plano ideológico - do que no plano da efetiva realidade do sistema
capitalista ocidental.
Note-se que a disseminação da terceirização trabalhista dentro das empresas - um fato de
grande impacto na realidade - apenas comprova a manutenção do império das grandes
organizações empresariais (ao invés de ser prova demonstrativa do ocaso dessa estratégia de
organização do grande capital - contrariamente ao que tem sido dito).
É que a terceirização trabalhista se faz dentro dos domínios das empresas tomadoras de
serviços, evidenciando que estas não podem delegar inteiramente, de modo pulverizado, a efetiva
realização das funções e tarefas terceirizadas. Na terceirização, portanto, mantém-se intocável o
paradigma capitalista de concentração e centralização por meio de grandes plantas empresariais,
em virtude de sua superior economicidade. Não obstante, esta terceirização irá permitir a
precarização do valor-trabalho no conjunto do sistema empresarial.
Ou seja: o sistema capitalista preserva o tradicional estratagema de concentração e centralização
das empresas, em face de sua superioridade econômica, porém o ajusta a um novo critério (a
terceirização), apto a propiciar a diminuição da reciprocidade para o trabalho nestas mesmas
empresas.
Por outro lado, as mudanças na organização do processo de trabalho dentro das empresas
também não são universais e, com toda certeza, não são necessariamente avassaladoras quanto
à sorte do trabalho e do emprego, ao contrário daquilo que é insistentemente apregoado.
No tocante à suposta universalidade dos novos métodos de organização do processo do trabalho
dentro das empresas, envolvendo três principais fórmulas de gestão trabalhista (a redução de
cargos e funções, com maior agregação funcional nos mesmos indivíduos, terceirização trabalhista
e sistema toyotista de gestão do trabalho), o argumento não tem sustentação na realidade do
capitalismo globalizado.
A economia que mais cresceu nas últimas décadas em todo o planeta (a China) não tem
significativa proximidade com qualquer rigorosa incorporação de modernas técnicas de gestão
trabalhista, conforme notoriamente se conhece. O impressionante sucesso competitivo dessa
economia deve-se, na essência, a uma racional gestão de câmbio pelo governo do país, induzindo
a que a moeda chinesa se mantenha bastante desvalorizada em contraste com as principais
moedas - e mercados consumidores - do planeta (dólar e euro, principalmente). Esta gestão
cambial inteligente - se considerados os interesses daquele país, é claro - cria circunstâncias
extremamente favoráveis à concorrência de seus produtos no plano externo, por torná-los
sumamente baratos, em contraponto ao poder de compra dos mercados consumidores. Além disso,
esta mesma sagaz gestão de câmbio tem o condão de proteger e incentivar, com grande
eficiência, o parque industrial interno chinês (porque torna caros os produtos importados).
Estratégia cambial semelhante é seguida por diversos outros países recém-industrializados da Ásia,
também com espetacular êxito no cenário concorrencial do capitalismo em todo o mundo - sem
que vários deles sejam paradigmas quanto à incorporação de sistemas inovadores de gestão da
força de trabalho.
Mesmo com respeito a regiões menos remotas do sistema capitalista, a generalização dos novos
métodos de organização do processo do trabalho dentro das empresas não é, seguramente,
uniforme, variando conforme o tipo de região, de economia e de segmento empresarial.
Esta diversidade ocorre inclusive quanto à maior agregação de funções nos mesmos trabalhadores
(critério gerencial que provoca a redução de postos de trabalho). O potencial de generalização
deste método para trabalhadores não-qualificados é, como se sabe, muito reduzido, se comparado
com o universo de força de trabalho qualificada.
De todo modo, mesmo com relação aos trabalhadores qualificados, não é ilimitado o potencial de
acumulação de funções em um mesmo trabalhador, evidentemente. Portanto, não é irrestrita a
diminuição de postos de trabalho resultantes do manejo de tal método de gestão de força de
trabalho.
Afinal, há limites físicos à aplicação desse tipo de método, por óbvio. Além disso, também há
limites relacionados à própria racionalidade do método, que fica prejudicada caso haja excesso em
seu manejo: o acúmulo intenso de tarefas na mesma pessoa conduz à inevitável ineficiência no
cumprimento das funções planejadas.
A generalização da terceirização trabalhista, por sua vez, é muito dependente da política
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trabalhista adotada em cada país específico; não é uniforme, portanto, não sendo também, de
maneira alguma, inevitável.
Na verdade, o estímulo ou a resignação ao crescimento das práticas terceirizantes traduzem muito
mais o império de uma conjuntura de desvalorização do trabalho e do emprego - e do trabalhador,
evidentemente - do que uma conseqüência inexorável de algum determinismo econômico.
O que é intolerável para as empresas, regra geral, são condições desiguais de concorrência em um
mesmo mercado; sendo semelhantes tais condições, todas elas podem se ajustar ao custo básico
da mercadoria produzida, projetando-o no preço final do produto. Se a terceirização, porém, passa
a ser tolerada ou mesmo estimulada, todo o empresariado têm de adotá-la em seus
estabelecimentos, sob pena de passar a se submeter a condições desiguais de competição.
Finalmente, a generalização do denominado sistema toyotista de gestão do trabalho também não
é plena, nem uniforme. Como aponta Pierra Salama, referindo-se à América Latina, a "organização
da produção permanece profundamente heterogênea (...) Seria um erro pensar que a difusão dos
novos modos de organização da produção e do trabalho é generalizada." 1 2
No fundo, grande parte das vezes, o toyotismo é adotado de modo apenas parcial, de maneira a
permitir o manejo combinado, pelo capitalista, de técnicas oriundas de distintos métodos de
administração empresarial e de gestão de força de trabalho, inclusive o não tão anacrônico
taylorismo.
Na verdade, o que tem sido abandonado reiteradamente nas últimas décadas é a reciprocidade
trabalhista elogiada pelo fordismo (reciprocidade material e cultural quanto ao trabalho), em
direção a modalidades de administração de mão-de-obra cada vez menos retributivas do trabalho.
Não se trata tanto de uma acumulação flexível, como prefere brandir a literatura das últimas
décadas - termo algo eufemístico para descrever o presente contexto capitalista -, mas, de modo
prioritário, de uma acumulação sem reciprocidade, de um capitalismo sem controles civilizatórios.
13

O que se nota, na verdade, é que a reestruturação empresarial, inclusive quanto aos sistemas de
gestão de força de trabalho no interior das empresas, vincula-se a processos essencialmente
atados a uma combinação específica de circunstâncias econômicas e também de políticas
públicas, combinação que se altera em face do contexto de cada país, segmento empresarial e
mesmo cada empresa ou seu estabelecimento. Não desponta, assim, como uma suposta
determinação estrutural que incida, de maneira imperiosa, sobre o conjunto do sistema capitalista
e de suas empresas integrantes.
Tudo isso demonstra que o argumento em torno da reestruturação empresarial ocorrida nas
últimas décadas, com a correlata mudança nos sistemas que as empresas vêem adotando quanto
à sua gestão laborativa, todos também têm sido, sem dúvida, artificialmente extremados nesta
conjuntura, como relevante meio político-cultural de combate ao primado do trabalho e do
emprego na sociedade capitalista.
5. Acentuação da concorrência capitalista
O terceiro grupo de fatores (acentuação da concorrência capitalista, inclusive no plano
internacional) é de natureza ambígua, classificando-se seja como estrutural seja como
conjuntural. Ele envolve o incremento e a generalização da concorrência interempresarial, em
particular com respeito à mais aberta inserção das economias nacionais no cenário do mercado
mundial. Não há dúvida de que se deve considerar, em certa medida, como determinante
estrutural este processo de ampliação e aprofundamento da concorrência internacional no plano
interno das economias nacionais, já que decorrente de uma tendência própria à nova fase
globalizante do capitalismo.
Porém, não se pode negar, em contrapartida, que a intensidade e a generalização de tal processo
são moduladas de acordo com a política pública que se adota internamente em cada Estado. Esta
circunstância acaba por conferir também relevante natureza conjuntural ao referido processo.
Em que medida a acentuação da competição capitalista, internamente e no plano externo, produz
reflexos importantes no mundo do trabalho?
É que tal acentuação competitiva pode prejudicar o desempenho do empreendimento empresarial,
com direto comprometimento no montante de sua força de trabalho.
É bem verdade que o inverso também pode ser verdadeiro, ou seja, a eficiente inserção no
mercado competitivo capitalista, interno ou externo, pode, sem dúvida, potenciar o dinamismo
empresarial, alimentando a contratação de trabalhadores pelas respectivas empresas.
Isso significa que tais reflexos no mundo do trabalho irão depender, é claro, da capacidade de a
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economia e seu universo empresarial enfrentar, positivamente, a competição exacerbada. Tal


capacidade encontra-se lógica e diretamente atada às políticas públicas que o respectivo Estado
observa no tocante à inserção de sua economia no cenário global, além do sentido que confere às
suas próprias políticas econômicas internas.
O argumento dominante relacionado à exacerbação da concorrência capitalista, entretanto, não
toma em consideração a existência desses caminhos diferenciados de inserção internacional das
economias nacionais, preferindo enfatizar a natureza inevitável e destrutiva de tal processo de
integração econômica.
Nesta linha, sustenta-se que a globalização dos mercados, a queda das barreiras ao livre
comércio, a ausência de restrições à livre mobilidade do capital e das plantas empresariais, tudo
tornaria anacrônicas eventuais medidas internas de proteção ao trabalho e ao emprego. A
qualquer aceno desfavorável à plena acumulação capitalista, o capital levantaria vôo em direção a
mercados mais benignos, abandonando, se necessário, plantas empresariais inteiras no espaço da
economia insensível.
Neste quadro de competição hobbesiana pela sobrevivência empresarial, a destruição de postos
de trabalho seria conseqüência irreprimível. Mais do que isso, despontaria como insensatez quanto
à eficiência competitiva da respectiva economia manterem-se ou se erigirem proteções
significativas em benefício do trabalhador, tais como as consolidadas no Direito do Trabalho.
Embora os dados da realidade não corroborem, regra geral, o estado de alerta frente a um suposto
caos que se mostra subjacente a esta tese, a incessante repetição de seu argumento tem-na
favorecido nas últimas décadas.
De todo modo, não há dúvida de que, incentivando o Estado Nacional uma integração submissa e
desfavorável ao contexto econômico mundial (ou se resignando a este tipo de inserção), ele há de
provocar ou permitir, sim, o estabelecimento de um processo competitivo predatório no âmbito
interno de sua economia, o qual, seguramente, irá eliminar impressionante número de postos de
trabalho, contribuindo, ainda, para precarizar os que sobreviverem.
Além disso, esta mesma via irresponsável de integração internacional não será capaz de viabilizar
condições mais benéficas de competição junto aos consumidores externos, impedindo, mais uma
vez, o impulso a uma dinâmica interna importante de geração de trabalho e emprego.
Neste contexto, a acentuação da concorrência capitalista, caso não seja manejada com
sabedoria e sensatez pela estratégia integrativa ao mercado mundial trilhada pelo respectivo
Estado Nacional, pode afetar, sem dúvida, o mundo do trabalho, provocando-lhe repercussões de
grande importância.
5.1 Avaliação crítica: adendos
A acentuação da concorrência capitalista, inclusive e especialmente no plano externo das
economias nacionais, também conferiu suporte a previsões catastrofistas sobre o fim do emprego
e do próprio trabalho na sociedade contemporânea.
Uma vez mais, o equívoco de tais previsões mostra-se, como já evidenciado, manifesto.
Não pode haver dúvida de que, embora vinculada a uma tendência própria à atual fase
globalizante do capitalismo, a inserção das economias nacionais no mercado mundial tem claros
vínculos com o caminho trilhado pela política pública que se segue internamente em cada Estado,
relativamente a este processo de inserção. A intensidade e a generalização de tal processo
integrativo, além de seu caráter favorável ou predatório, dependem talvez até mais do tipo de
política pública adotada pelo respectivo Estado Nacional do que das estritas determinações
internacionais envolventes.
Ora, caso o Estado Nacional incentive uma integração rigorosamente subordinada e desfavorável
ao cenário econômico mundial (ou se resigne a ela), provocando - ou permitindo - uma
competição predatória no âmbito interno de sua economia, além de não viabilizar condições mais
benéficas de competição junto aos consumidores externos, certamente os níveis de trabalho e de
emprego serão gravemente afetados no interior de suas fronteiras.
Isso significa que, regra geral, a intensidade e a generalização dos efeitos maléficos ou benéficos
de tal processo de integração à economia internacional são, em boa medida, moduladas de acordo
com a política pública que se adota internamente em cada Estado.
Ou seja, a acentuação competitiva decorrente da integração internacional pode,
indubitavelmente, prejudicar o desempenho do empreendimento empresarial, com direto
comprometimento no montante de sua força de trabalho - ou pode ter repercussão
diametralmente oposta. Esta repercussão oposta passa pela eficiente inserção no mercado

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competitivo capitalista, potenciando o dinamismo empresarial e contribuindo para a contratação


de trabalhadores pelas respectivas empresas.
Conforme já explicitado, quer isso dizer que tais reflexos no mundo do trabalho irão depender, é
claro, da capacidade de a economia e seu universo empresarial enfrentar, positivamente, a
competição exacerbada. Tal capacidade encontra-se lógica e diretamente atada às políticas
públicas que o respectivo Estado observa no tocante à inserção de sua economia no cenário
global, além do sentido que confere às suas próprias políticas econômicas internas.
Se, por exemplo, o Estado resigna-se a uma política econômica ingênua, submissa ou irresponsável
no plano de sua inserção externa, os impactos serão desastrosos quanto ao nível do desempenho
de sua própria economia e das empresas dela integrantes (ressalvados, evidentemente, certos
empreendimentos com dinâmica e mercado muito específicos); em conseqüência, tais impactos
serão também desastrosos com respeito aos níveis de emprego dentro do respectivo país.
É o que se tem passado, ilustrativamente, com os países latino-americanos, em geral - e o Brasil,
de maneira muito especial, senão até mesmo enfática. Este país, de modo muito freqüente, tem
seguido políticas cambiais deletérias quanto à sua inserção na economia internacional,
incentivando ou permitindo, repetidas vezes e por longos períodos, a artificial valorização de sua
moeda.
Embora tal estratégia de valorização artificial da moeda pátria produza espetaculares ganhos para
o segmento financeiro-especulativo da economia, inclusive o capital internacional de caráter
volátil, além de produzir uma ilusória - porque meramente contábil - redução no montante
aparente da dívida pública, esta mesma estratégia também produz, automaticamente, brutal
desproteção do mercado interno de todo o país, que se abre candidamente à descontrolada
importação de produtos estrangeiros.
O mais grave e irreparável neste tipo de política cambial é que ela desorganiza ou, até mesmo,
simplesmente solapa todo o sistema produtivo nacional, a partir do campo até a indústria,
chegando, inclusive, a certos segmentos do setor de serviços, desde que passíveis de sofrer
concorrência de bens importados.
Se isto não fosse bastante, tal estratégia ainda compromete, severamente, o potencial de
geração de divisas por parte dos setores exportadores do país, que perdem efetiva
competitividade no plano externo da economia.
Tamanho desastre - tantas vezes repetido na história brasileira, sem que se aprenda com os
próprios erros - ceifa milhares (ou milhões, se prolongado no tempo) de postos de trabalho, por
prejudicar a própria atividade econômica interna do país.
Ora, em face de todo o exposto, fica bastante claro que o argumento em torno da acentuação da
concorrência e sua maior internacionalização nas últimas décadas tem sido gravemente viezado e
extremado nesta conjuntura, transformando-se, a partir deste viés e de sua exacerbação
unilateral, em relevante meio político-cultural de combate ao primado do trabalho e do emprego na
sociedade capitalista. 1 4
6. Matriz intelectual desconstrutivista do primado do trabalho e do emprego
O quarto grupo de fatores (concepções intelectuais anunciadoras do suposto fim do trabalho e do
emprego) é de clara natureza conjuntural, atando-se, direta ou indiretamente, à sedimentação da
hegemonia liberal recente. Embora se dirija à análise da estrutura da sociedade econômica, em
especial no campo do trabalho, é de natureza essencialmente cultural, ao propor uma nova visão
de mundo, novo paradigma de compreensão do sistema capitalista.
A simples circunstância de tais concepções sustentarem - ainda que a partir de diferentes
parâmetros - o eclipse do emprego e, em algumas das variantes mais extremadas, do próprio
trabalho, ou, pelo menos, a perda da relevância destes na atual fase do capitalismo, tudo isso
agride, frontalmente, a raiz cultural da democracia social contemporânea (consistente no primado
do trabalho e do emprego), a concepção filosófica democrática subordinadora da economia à
política, além de todo o sistema jurídico de valorização material e moral do indivíduo que trabalha.
A matriz intelectual desconstrutivista do primado do trabalho e do emprego, embora comportando
vertentes com indubitável diversidade entre si, elabora sua reflexão a partir, principalmente, de
três tipos de parâmetros: o tecnológico, o organizacional e o mercadológico.
O parâmetro tecnológico é, seguramente, entre todos, o que mais impressiona, sendo inclusive
aquele que mais embeveceu parte da intelectualidade oriunda da própria tradição de esquerda.
Por esta diretriz entende-se que a terceira revolução tecnológica teria sido tão intensa e
inovadora que comprometeu a antiga crucial necessidade do trabalho e do emprego pelo sistema

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capitalista, levando ao eclipse tais modalidades de inserção do ser humano na dinâmica


econômico-social. Em resultado de tais transformações não haveria mais como se falar em
centralidade do trabalho e do emprego no mundo atual.
O parâmetro organizacional, também de razoável atratividade lógica, conta ainda com certa
adesão junto a vertentes oriundas do pensamento crítico clássico, inclusive marxista.
Por esta diretriz entende-se que as transformações provocadas no modelo fordista/taylorista,
hegemônico até os anos de 1970 nos países desenvolvidos, em face do advento do novo
paradigma de organização empresarial, denominado toyotista/ohnista, tudo teria conduzido ao
ocaso das megas plantas empresariais, ao desprestígio da produção em massa, à maior
qualificação e multifuncionalidade do trabalhador em detrimento do império do trabalho
desqualificado e segmentado da fase precedente. Em conseqüência, teriam sido solapadas as
bases de estruturação da clássica relação de emprego e do próprio Direito do Trabalho, estando o
mundo capitalista em busca de novas modalidades de conexão do ser humano à economia.
O parâmetro mercadológico, finalmente, consiste no menos sutil e sofisticado dos três,
comumente sequer conseguindo disfarçar seu real e cru intento de acumulação de riqueza.
Por esta diretriz propaga-se que a globalização dos mercados, a intensificação da concorrência
capitalista, o fim das fronteiras entre Estados e economias, tudo teria tornado obsoleta qualquer
tentativa de restrição ao franco uso da força de trabalho pelos agentes econômicos, uma vez que
tais restrições viriam prejudicar ou inviabilizar a mais ágil e eficiente inserção das economias
nacionais ou regionais específicas no cenário mundial.
Em síntese, a matriz intelectual desconstrutivista do primado do trabalho e do emprego no
capitalismo, em qualquer de suas distintas vertentes, mas principalmente considerada em seu
conjunto, em vista de seu avanço e generalização a partir da década de 1970, também afetou
gravemente o mundo do trabalho, contribuindo para as importantes mudanças que este sofreu em
contraponto às características consolidadas nas décadas precedentes.
6.1 Avaliação crítica
A profundidade e a extensão das mudanças vivenciadas pelo capitalismo nas últimas décadas do
século XX deram origem a diversificada matriz intelectual, produtora de diagnóstico sombrio
quanto à continuidade do emprego e, talvez, do próprio trabalho na sociedade contemporânea.
Tal matriz passou a enxergar o surgimento de novo ou novos paradigmas de inserção dos
indivíduos no sistema sócio-econômico capitalista, diferentes da relação empregatícia. Algumas
variantes mais extremadas desta matriz intelectual chegaram ao clímax de praticamente excluírem
esta nova sociedade supostamente surgida dos marcos analíticos do próprio capitalismo.
A busca ou o encontro desses novos paradigmas iriam colocar em questão, inevitavelmente, o
primado do trabalho e do emprego no sistema capitalista contemporâneo.
Conforme já exposto, a matriz intelectual desconstrutivista do primado do trabalho e do emprego,
embora comportando vertentes com notável diversidade entre si, elabora sua reflexão a partir,
principalmente, de três tipos de parâmetros: o tecnológico, o organizacional e o mercadológico.
O parâmetro tecnológico - entre todos o que mais impressiona - tem sido inclusive aquele que
mais embeveceu parte da intelectualidade oriunda da própria tradição marxista.
Por este parâmetro, as concepções desconstrutivistas do primado do trabalho e do emprego na
sociedade capitalista sustentam que as mudanças derivadas da chamada terceira revolução
tecnológica do capitalismo teriam sido tão intensas, diversas e disseminadas que abalaram, de
modo implacável, o primado do emprego e do próprio trabalho neste sistema sócio-econômico.
Ao teor desta diretriz entende-se que a terceira revolução tecnológica teria ocorrido de modo tão
intenso e criativo que comprometeu a antiga crucial necessidade do trabalho e do emprego pelo
sistema capitalista, levando ao eclipse tais modalidades de inserção do ser humano na dinâmica
econômico-social. Em resultado de tais transformações não haveria mais como se falar em
centralidade do trabalho e do emprego no mundo atual.
Conforme já examinado neste texto, é muito evidente o equívoco deste fundamento tecnológico
que dá suporte a semelhantes matrizes intelectuais. Afinal, como visto, as inovações derivadas da
tecnologia não têm caráter estritamente negativo com respeito à geração de trabalho e emprego;
a relação tecnologia/emprego não é, pois, meramente unidirecional. Ao revés, os avanços
tecnológicos podem, sem dúvida, produzir repercussões bastante favoráveis quanto à geração de
trabalho e emprego nas economias.
No fundo o que se percebe é uma exacerbação do argumento tecnológico, como meio político-
cultural relevante para o combate ao primado do trabalho e do emprego na sociedade capitalista.
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Também o parâmetro organizacional, dotado ainda de razoável atratividade lógica, conta com
certa adesão junto a vertentes oriundas do pensamento crítico clássico. Sua hegemonia
incontestável, entretanto, situa-se no segmento intelectual direcionado às práticas
administrativas e gerenciais dentro das empresas capitalistas.
Pelo parâmetro organizacional, as concepções desconstrutivistas do primado do trabalho e do
emprego na sociedade capitalista sustentam que as mudanças vivenciadas desde os anos de 1970
na estrutura organizacional das empresas e na forma de gerenciamento de sua força de trabalho
foram tão intensas, múltiplas e disseminadas que abalaram, de modo implacável, o primado do
emprego e do próprio trabalho neste sistema sócio-econômico.
Não obstante, é também muito claro o equívoco deste fundamento organizacional que confere
suporte a semelhantes matrizes intelectuais, à luz do que já se expôs no presente texto. Também
aqui o que se percebe é uma exacerbação do argumento organizacional, como meio relevante de
convencimento no processo de combate ao primado do trabalho e do emprego na sociedade
capitalista.
Finalmente, pelo parâmetro mercadológico, as concepções desconstrutivistas do primado do
trabalho e do emprego na sociedade capitalista, de igual modo, sustentam que as mudanças na
estrutura e dinâmica do mercado econômico, com a generalização e o acirramento da
competitividade interempresarial na atual fase do capitalismo, foram tão intensas, diversas e
disseminadas que abalaram, mais uma vez, também de modo implacável, o primado do emprego e
do próprio trabalho neste sistema sócio-econômico.
O caráter falacioso deste parâmetro é manifesto, não disfarçando sequer seu real intento
acumulatório de riqueza. Mais claro ainda desponta aqui o manejo exacerbado de certo tipo de
argumento como mecanismo ideológico importante na dinâmica histórica de combate ao primado
do trabalho e do emprego na sociedade capitalista.
7. Alterações normativas trabalhistas
O quinto grupo de fatores (modificações implementadas na configuração institucional e jurídica do
mercado de trabalho e das normas que regulam suas relações integrantes) é de caráter
preponderantemente conjuntural, variando segundo a experiência política interna a cada Estado.
Tal grupo de fatores envolve as políticas públicas gestadas nacionalmente, dirigidas a acentuar a
reestruturação do antigo sistema trabalhista, em busca de um modelo desregulado de mercado de
trabalho. À medida que as mudanças no mercado laborativo, mesmo quando institucionais, tendem
a se cristalizar na ordem jurídica, pode-se identificar este grupo, em resumo, a partir das próprias
alterações normativas trabalhistas.
É evidente que tais alterações normativas trabalhistas são produtos de diagnósticos da economia
e da sociedade que foram hegemonicamente construídos nas últimas décadas. De maneira geral,
tais diagnósticos têm se mostrado receptivos, em maior ou menor extensão, ao império das
supostas determinações inescapáveis quer da terceira revolução tecnológica, quer da
reestruturação empresarial externa e interna, quer da acentuação da concorrência capitalista.
São diagnósticos que incorporam, portanto, em alguma medida, os traços centrais da matriz
intelectual desconstrutivista do primado do trabalho e do emprego no capitalismo de finais do
século XX e início deste século.
Contudo, a partir do instante em que semelhantes diagnósticos convolam-se em políticas públicas,
em normas jurídicas, em meios de institucionalização de direcionamentos e condutas individuais e
sociais, eles contribuem para exacerbar os efeitos deletérios sobre o trabalho e o emprego
inerentes a tais fatores estruturais e conjunturais que presidiram sua elaboração. Ou seja, as
alterações normativas trabalhistas implementadas nas últimas décadas em parte significativa de
países capitalistas ocidentais aprofundaram a crise e desvalorização do emprego e do trabalho,
ao invés de reafirmarem seu primado na sociedade capitalista contemporânea.
Três exemplos são paradigmáticos neste processo de normatização perversa das relações de
trabalho nas últimas décadas: Espanha, Argentina e Brasil.
No tocante à Espanha, trata-se de um dos primeiros países europeus, ao lado da Inglaterra de
Margareth Thatcher, a partir ainda de fins da década de 1970, a incorporar uma agenda de
modernização trabalhista (sic!), à base da desregulação e flexibilização do emprego, isto é, da
redução de garantias e proteções ao empregado no contexto de sua contratação laborativa.
Antonio BAYLOS refere-se, nesse quadro, ao implemento de uma "política de emprego flexível
levada a cabo desde as primeiras normas de 1979". 1 5 Tal política somente sofreria reversão
efetiva no ano de 1997, quando retomou prestígio a noção de emprego estável, visando diminuir a
precariedade contratual trabalhista. 1 6
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Joaquín Pérez REY fixa este marco inicial até mesmo um pouco antes, em 1976, no Real Decreto-
Ley (RDL) 18/1976, "em que se revisam dois pilares da estabilidade, a dispensa e a contratação
provisória". 1 7 A propósito, o elogio aos contratos de curta duração passaria a ser um dos
sustentáculos da nova política trabalhista espanhola naquele período.
O diagnóstico acerca de tais alterações normativas espanholas, que perduraram por cerca de duas
décadas, é claramente negativo: como se sabe, aquele país, naquela mesma época, liderou os
índices negativos de desemprego em todo o Ocidente desenvolvido. Por esta razão é que o jurista
Antonio BAYLOS censura o processo de flexibilização e desregulamentação aplicado durante vinte
anos na Espanha, por meio do que qualifica de "obstinadas reformas do mercado de trabalho que
jamais obtiveram os resultados perseguidos": foram apresentadas naquele tempo "altas ou
desmesuradas taxas de desemprego com um processo permanente de precarização e
eventualização da população assalariada". 1 8
No que diz respeito à Argentina, trata-se do protótipo, na América Latina, da suposta
modernização trabalhista baseada na flexibilização e desregulação do emprego. O governo Menen
(1989-1999), no conjunto de medidas radicais de propagada integração da economia ao mercado
internacional (tais como privatização ampla de empresas estatais, eliminação de barreiras
alfandegárias, valorização artificial da moeda interna em benefício da competição externa dentro
do país 1 9 ), também se caracterizou por ampla desregulamentação e flexibilização da ordem
jurídica trabalhista.
Um dos pontos de destaque desta nova política trabalhista seria a incorporação da experiência
espanhola de favorecimento aos contratos a termo, o elogio à provisoriedade da contratação de
empregados, em contraste à mais estável contratação por tempo indeterminado.
O resultado de todo este estratagema disciplinadamente cumprido pelo governo e sociedade
argentinos é bastante conhecido: em comparação ao marco de 1980, em que apenas 5% da
população situavam-se abaixo da linha de pobreza, conforme o Índice de Desenvolvimento
Humano, da ONU (IDH), em torno do ano 2000, mais de 50% dos argentinos viviam abaixo da linha
de pobreza. Some-se a este quadro o fato de atingir o desemprego em 2002 em torno de 25% da
força de trabalho do país, após uma década de índices também sempre significativamente
elevados. A par disso, a criminalidade elevou-se cerca de 290% em torno de 10 anos. 2 0
No que tange ao Brasil, por fim, o cumprimento de uma estratégia em busca de um modelo
desregulado de mercado de trabalho tem seu início com o advento do regime militar, em meados
dos anos de 1960.
Com a criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), pela Lei 5.107/66, vigorante a
partir de janeiro de 1967, cria-se sistemática alternativa à regulada pela CLT (LGL\1943\5), de
modo a tornar a dispensa do trabalhador inquestionável direito potestativo do empregador, sem
amarras legais e institucionais relevantes (em contraste com a sistemática legal precedente, que
previa alta indenização por tempo de serviço e, desde os dez anos de emprego, a própria
estabilidade).
O regime militar, ademais, criaria, poucos anos após, o contrato de trabalho temporário,
propiciador de importante tipo de terceirização trabalhista, embora ainda de extensão restrita no
tempo - três meses (Lei 6.019/1974). 2 1
Curiosamente, será, entretanto, logo em seguida à Constituição Federal de 1988 (que foi um dos
pontos altos de afirmação do Direito do Trabalho no país), que os governos da década de 1990
iriam extremar a estratégia de desregulamentação e flexibilização trabalhistas.
O primeiro governo eleito a partir da CF/88 (LGL\1988\3) (1990/1992) constituiu comissão
autorizada a estudar a própria substituição da CLT (LGL\1943\5), de centenas de preceitos
jurídicos, por diploma legal de poucos artigos (trabalho que foi, felizmente, abortado em face da
constrangedora deposição do Presidente da República, no segundo semestre de 1992). 2 2
O curto governo subseqüente (1992-1994) aprovou a Lei 8.949, de 1994, de origem congressual,
que iria deflagrar, na realidade sócio-econômica, verdadeira avalanche de cooperativas de mão-
de-obra (novo parágrafo único do art. 442 da CLT (LGL\1943\5)), agenciadoras de milhares de
trabalhadores sem qualquer direito laborativo consistente.
O governo seguinte, contudo, ao longo de seus oito anos (1995-2002), é que iria produzir
incomparável blitzkrieg em favor da desregulamentação trabalhista.
Duas medidas legais bem ilustram a orientação econômico-filosófica de tal governo: de um lado, a
nova estruturação que confere, por medida provisória, ao contrato de estágio (Lei 6.494, de
1977), de modo a tentar permitir que este pacto seja estendido ao estudante de ensino médio e
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perca a imperiosa conexão com a formação acadêmico-profissional do estudante (artifício que


permitiria transformar o importante estágio em uma espécie de contrato de servidão voluntária);
de outro lado, a aprovação da Lei do Contrato Provisório de Trabalho (9.601, de 1998), que cria
fórmula de contratação precária, quer quanto ao tempo (máximo de dois anos, com renovações
sucessivas de curto período dentro deste lapso), quer quanto aos direitos laborativos (restrições a
clássicos direitos regulados na CLT (LGL\1943\5)).
Registre-se que o intento mais agressivo desta época, do ponto de vista da desregulamentação
legal trabalhista, consistente no Projeto de Lei 5.483, de 2001, que permitia o afastamento do
império da lei em face da negociação coletiva, acabou não se implementando no Parlamento. 2 3
No que diz respeito ao Brasil, entretanto, dois outros fatores foram decisivos ao cumprimento do
estratagema de busca de um modelo desregulado e flexibilizado de mercado de trabalho.
De um lado, a flexibilização interpretativa realizada pela jurisprudência trabalhista nos anos
seguintes à Carta Constitucional de 1988.
É claro que, em certa medida, esta jurisprudência corrigiu inegáveis excessos protecionistas do
Direito do Trabalho construído nas décadas precedentes, correção esta algumas vezes estimulada
pela própria nova Constituição da República (LGL\1988\3).
É claro também que, muitas vezes, a jurisprudência, juntamente com as funções exercidas pelo
Ministério Público do Trabalho e pela auditoria fiscal do Ministério do Trabalho, todos tiveram
fundamental papel na defesa do Direito do Trabalho e da dignidade do trabalhador, em contraste
com as iniciativas desregulamentadoras, flexibilizatórias e precarizantes oriundas do Parlamento ou
Presidência da República na década de 90.
Contudo, ainda assim, é necessário reconhecer que a flexibilização interpretativa foi muito além de
certos naturais ajustes e adequações da ordem jurídica à mudança social: é que ela contribuiu
para construir, nos anos de 1990, verdadeira nova cultura em torno do Direito Individual e Coletivo
do Trabalho, reduzindo, em muito, a efetividade de suas regras e princípios jurídicos.
No Brasil outro fator que tem sido decisivo à realização do estratagema de desregulação e
flexibilização do mercado de trabalho centra-se na contínua resistência à generalização do Direito
do Trabalho como padrão de contratação de força de trabalho em nossa economia e sociedade -
resistência histórica, a propósito, até hoje não vencida na evolução brasileira. Na verdade, o ramo
jurídico trabalhista no país já é naturalmente desregulado e flexibilizado, uma vez que cumprido
apenas quanto a parte muito pequena da população economicamente ativa (não mais do que 30%
da PEA, excluídos os desempregados). 2 4
Em conexão com esta constrangedora característica brasileira, grande parte do avanço
desregulamentador e flexibilizador da ordem jurídica trabalhista se concretizou nas últimas décadas
independentemente de autorização legal - simplesmente realizou-se como fato supostamente
incontrolável e superior a todo o Direito. Em boa medida é o que se passou com a terceirização
trabalhista, por exemplo, que se generalizou no mercado laborativo sem previsão legal bastante
para seu disseminado implemento.
Ressalte-se, por fim, que no caso brasileiro e de países com semelhante inserção tardia no
capitalismo, não existia especificamente um paradigma trabalhista genérico e consolidado no
período histórico precedente à atual fase de flexibilização e desregulamentação normativas. Afinal,
neste país, o Direito do Trabalho sequer havia se generalizado, no plano formal, até os anos de
1960, não se tornando genérica e efetivamente aplicado nem mesmo nas várias décadas
seguintes, conforme exposto. Dessa maneira, as alterações normativas trabalhistas implementadas
a partir dos anos de 1970 (e, no caso brasileiro, acentuadas nos anos 90) tiveram o condão, na
verdade, de inviabilizar a inserção mais favorável e civilizada dos trabalhadores na economia e
sociedade que se desenvolvia. 2 5
De todo modo, grande parte das alterações normativas trabalhistas, efetivadas nas últimas
décadas do século passado e na virada para o século XXI, na proporção em que implementaram
fórmulas de rebaixamento do patamar de inserção dos trabalhadores no sistema sócio-econômico
capitalista, afetaram, em substancial medida, o mundo do trabalho, provocando-lhe mudanças
importantes em contraste às características consolidadas nas décadas precedentes.
7.1 Avaliação crítica
As experiências de alterações normativas trabalhistas concretizadas nas décadas finais do século
XX, a partir do diagnóstico de que o trabalho e o emprego estavam em crise, tiveram um mesmo
direcionamento essencial: a desregulamentação e a flexibilização das normas jurídicas trabalhistas,
de modo a diminuir a retribuição do valor-trabalho na sociedade contemporânea.

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Tal direção legislativa harmoniza-se às análises da economia e da sociedade, com respectivas


recomendações, que foram hegemonicamente construídas nas últimas décadas. De maneira geral,
tais análises perfilaram-se em torno do suposto império de determinações inescapáveis da terceira
revolução tecnológica, da reestruturação empresarial externa e interna, além da acentuação da
concorrência capitalista. Todos são diagnósticos que incorporavam (e incorporam), em maior ou
menor medida, os traços centrais da matriz intelectual desconstrutivista do primado do trabalho e
do emprego no capitalismo de finais do século XX e início deste século.
Assentado tal diagnóstico sombrio, tornava-se politicamente palatável o rigoroso remédio da
precarização dos direitos trabalhistas. O argumento corrente sustentava (e ainda o faz) que a
redução do custo trabalhista para as empresas teria o condão de elevar o número de
contratações no sistema sócio-econômico, mesmo que por meio de pactos menos retributivos da
força de trabalho.
De maneira geral, entretanto, o implemento desse tipo de reformulação trabalhista tende a
agravar os efeitos sofridos pelos níveis de emprego e pelos trabalhadores nas respectivas
economias e sociedades, em face da repercussão concentracionista de riqueza que enseja, além
da diminuição da participação do valor-trabalho na renda nacional correspondente. Semelhante
correlação foi exaustivamente percebida na Espanha das décadas de 1980 até a reversão
legislativa de 1997; na Argentina dos anos de 1990; no Brasil da última década do século XX.
8. O enunciado do fim do emprego no capitalismo atual: omissão singular
A conjuntura do sistema econômico, social e político capitalista, ao longo do último quartel do
século XX, propiciou a realização de importantes acontecimentos e tendências de notável impacto
no mundo do trabalho. A concentração de tais tendências e acontecimentos em curto período
histórico fez brotar diagnóstico relativamente generalizado a respeito da presença de irremediável
crise estrutural no tocante ao trabalho e ao emprego na atualidade do capitalismo.
Esse diagnóstico e o caráter sombrio de suas previsões, embora tendo, evidentemente, pontos de
contato com a dinâmica atual do sistema sócio-econômico prevalecente, não se mostram
rigorosamente corretos, conforme exposto no presente texto. Na verdade, acabam por traduzir,
em boa medida, decisivo instrumento cultural no processo de combate ao primado do trabalho e
do emprego no sistema capitalista contemporâneo.
Um dos pontos mais instigantes na presente temática diz respeito a uma singular omissão no cerne
da linha explicativa dominante acerca do fenômeno contemporâneo do desemprego: o tipo de
política pública, notadamente econômico-financeira, seguida pelos Estados Nacionais capitalistas
no mesmo período considerado.
Não obstante haja notável coincidência temporal entre o profundo desemprego vivenciado por
inúmeros países do Ocidente e o implemento rigoroso por seus respectivos Estados de
inexpugnável política econômico-financeira de natureza liberal-monetarista, tal diagnóstico
hegemônico e suas previsões sombrias tendem a desconsiderar em suas análises a relevância
deste fator político-conjuntural.
Não é objetivo do presente estudo, evidentemente, esmiuçar as relações entre semelhante
política pública, fortemente direcionadora das atividades do Estado e da economia nacional, com
os índices de emprego/desemprego no respectivo país capitalista. Mas não se poderia encerrar o
presente texto sem o destaque dessa instigante omissão no quadro da matriz explicativa
hegemônica sobre o fenômeno do desemprego no capitalismo de nossos dias. 2 6

1 A quinta inovação da terceira revolução tecnológica, envolvendo a descoberta de nova fonte


de energia (no caso, a atômica), por não se ter amplamente disseminado - talvez em face de sua
baixa credibilidade e elevados custos e riscos - não chegou a produzir efeitos profundos e
generalizados no mundo do trabalho.

2 Almanaque Abril - Mundo 2003, São Paulo: Abril, 2003, p. 84.

3 Sobre a relação tecnologia/emprego, com as contribuições dos importantes economistas do


século XX, Michal Kalecki e Joan Violet Robinson, consultar: HELLER, Cláudia, "Progresso Técnico e
Nível de Emprego: o teorema de Kalecki e o modelo de Joan Robinson", in POMERANZ, Lenina, et
alii, Dinâmica Econômica do Capitalismo Contemporâneo: homenagem a M. Kalecki. São Paulo:
EDUSP/FAPESP, 2001, p. 157-186.

4 A referência à expressão terceirização empresarial, para designar essas situações de


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descentralização de serviços por certa empresa em favor de outra, a serem realizados dentro
desta empresa subcontratada, não é recomendável, por propiciar certa confusão conceitual com
fenômeno distinto, de grande relevância no mundo do trabalho, que é a terceirização trabalhista -
a ser examinada no item IV.2.B, logo a seguir.

5 A chamada terceirização empresarial corresponde a um simples processo de descentralização de


empresas, pela qual uma delega parte de suas atividades a outra(s) entidade(s) empresarial(is),
esta(s) com estabelecimento e empregados próprios. Conforme já advertido, não se deve utilizar
tal expressão (preferindo-se descentralização empresarial, subcontratação de empresas ou outra
semelhante), a fim de se evitar confusão com fenômeno distinto e de grande repercussão no
mundo do trabalho e de seu ramo jurídico regulador - que é a terceirização trabalhista.

6 A respeito da terceirização no Direito do Trabalho, consultar DELGADO, Mauricio Godinho, Curso


de Direito do Trabalho. 4.ª ed., São Paulo: LTR, 2005, em seu Capítulo XIII.

7 A auto-denominada gerência científica do trabalho de Frederick TAYLOR, divulgada na prática


empresarial norte-americana da virada dos séculos XIX/XX, também se disseminou por meio de
suas obras publicadas. Eis algumas delas, com a respectiva data original de publicação: Piece
Rating System, 1895; Shop Management, 1903; Principles of Scientific Management, 1911. In
FERREIRA, Ademir Antonio, et alii, Gestão Empresarial: de Taylor aos nossos dias - evolução e
tendências da moderna administração de empresas. São Paulo: Thomson, 2002, p. 15.

8 Em 1978, Taiichi Ohno descreveria suas proposições, implementadas na empresa automobilística


japonesa Toyota, no livro O Espírito Toyota.

9 Na verdade, são inúmeras as teorias e sistemas aplicáveis à gestão das empresas e de sua força
de trabalho formuladas ao longo do século XX e, notadamente, nas últimas décadas (para
ilustração, consultar: PLANTULLO, Vicente Lentini, Teoria Geral da Administração. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 2001; FERREIRA, Ademir Antonio, et alii, Gestão Empresarial: de Taylor
aos nossos dias - evolução e tendências da Moderna Administração de Empresas. São Paulo:
Thomson, 2002; SILVA, Benedicto, Taylor e Fayol. 5.ª ed., Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1987; RAMOS, Guerreiro, Uma Introdução ao Histórico da Organização Racional do
Trabalho. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1950). Em conseqüência dessa
diversidade, o simples contraponto entre a matriz fordista-taylorista e a matriz toyotista, muito
comum na bibliografia, embora expresse uma comparação indubitavelmente relevante, não esgota,
por óbvio, toda a temática da gestão administrativa e trabalhista das empresas no capitalismo dos
últimos cem anos.

10 Taiichi Ohno, O Espírito Toyota, cit. in Thomas GOUNET, Fordismo e Toyotismo na Civilização
do Automóvel, São Paulo: Boitempo, 2002, p. 65.

11 Sobre o fordismo/taylorismo e o subseqüente ohnismo, consultar: GOUNET, Thomas, Fordismo


e Toyotismo na Civilização do Automóvel. São Paulo: Boitempo, 2002; SALAMA, Pierre, "A
Financeirização Excludente: as lições das economias latinoamericanas", in CHESNAIS, François
(Coord.), A Mundialização Financeira - gênese, custos e riscos. São Paulo: Xamã, 1998, p. 242-
243; SILVA, Benedito, Taylor e Fayol. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1987; VIANA,
Márcio Túlio, "As Andanças da Economia e as Mudanças no Direito", in RENAULT, Luiz Otávio
Linhares, et alii, O Novo Contrato a Prazo - crítica, teoria e prática da Lei 9601/98. São Paulo:
LTR, 1998, p. 17-34.

12 SALAMA, Pierre, "A Financeirização Excludente: as lições das economias latino-americanas", in


CHESNAIS, François (Coord.), A Mundialização Financeira - gênese, custos e riscos. São Paulo:
Xamã, 1999, p. 245 (edição original em francês: 1996).

13 Embora a excelente obra de David Harvey, em que se lança a expressão acumulação flexível,
seja bastante crítica no tocante ao novo quadro operacional do sistema capitalista, a expressão
eleita (acumulação flexível) tem algo de claramente eufemístico (HARVEY, David, Condição Pós-
Moderna. 10.ª ed., São Paulo: Loyola, 2001 , passin. A obra original é de 1989, sob o título : The
Condition of Postmodernity - na inquiry into the origens of cultural change).

14 Para exame da essencialidade do Estado e de suas políticas públicas na direção do


desenvolvimento capitalista, consultar FIORI, José Luís, "Sistema Mundial: império e pauperização
para retomar o pensamento crítico latino-americano", in FIORI, José Luís e MEDEIROS, Carlos
(Org.), Polarização Mundial e Crescimento. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 39-75.

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15 BAYLOS, Antonio, "Prólogo", in REY, Joaquín Pérez, Estabilidad en el Empleo. Madrid: Trota,
2004, p. 14.

16 BAYLOS, Antonio, loc.cit.

17 REY, Joaquín Pérez, Estabilidad em el Empleo. Madrid: Trotta, 2004, p. 62.

18 BAYLOS, Antonio, loc.cit. Sobre o percurso flexibilizatório trabalhista espanhol, consultar ainda
Antonio BAYLOS, Las Relaciones Laborales en España desde la Constitucion Hasta Nuestros Dias
(1978-2003). Madrid: GPS, 2003.

19 A impressionante e insensata paridade cambial (1 peso = 1 dólar), criada e mantida no Governo


Menen, durou nada menos do que cerca de 10 anos, de 1991 até fevereiro de 2002. InAlmanaque
Abril 2003. São Paulo: Abril, 2003, p. 160-163.

20 Almanaque Abril - Mundo 2003. São Paulo: 2003, p. 160. Diversas referências legais quanto ao
processo de desregulamentação e flexibilização trabalhistas na Espanha e Argentina são
encontradas em GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos, Flexibilização Trabalhista. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2004, Capítulo 6, p. 109-140.

21 Sobre a Lei do FGTS e suas mudanças no sistema regulador da permanência do contrato de


emprego no Brasil, consultar DELGADO, M. G., Curso de Direito do Trabalho. 4.ª ed., São Paulo:
LTR, 2005, Capítulo XXVIII, item IV, e Capítulo XXXII. Sobre a Lei do Trabalho Temporário e a
terceirização trabalhista, consultar, no mesmo autor e livro, o Capítulo XIII.

22 A Comissão de Modernização da Legislação do Trabalho, instituída por Decreto de 22.6.1992,


chegou a divulgar, em novembro de 1992, dois anteprojetos de lei, um tratando das relações
coletivas de trabalho e o outro das relações individuais de trabalho. A partir do diagnóstico de
que."...a CLT (LGL\1943\5) perdeu a razão de ser", a Comissão propunha que a regulamentação
dos direitos individuais do trabalho se transformasse em "um conjunto de normas dispositivas",
invertendo-se a pirâmide normativa "...para fazer prevalecer o produto da negociação coletiva
sobre os direitos individuais estabelecidos em lei, aplicáveis apenas na hipótese de não ter sido
exercitada a autonomia privada coletiva". Em conseqüência, seu anteprojeto da Lei de Relações
Individuais do Trabalho, com exíguos 14 artigos, dispunha no art. 1.º: "A presente lei disciplina as
relações individuais de trabalho urbano, rural e avulso, na ausência de instrumento normativo que
disponha de modo diverso, ressalvadas as garantias constitucionais". Fonte: Revista LTR. São
Paulo: LTR, ano 57, vol. 04, abril de 1993, p. 396-409.

23 Excelente pesquisa sobre as normas jurídicas de flexibilização e desregulamentação


trabalhistas, a contar do regime militar até o final do Governo Fernando Henrique Cardoso, no
Brasil, encontra-se em GONÇALVES, A. F. de M., ob.cit., em seu Capítulo 8, p. 159-266. A
respeito desta onda reformista no Ocidente, inclusive Brasil, consultar também POCHMANN, Márcio
e MORETTO, Amilton, "Reforma Trabalhista: a experiência internacional e o caso brasileiro",
inCadenos Adenauer - sindicalismo e relações trabalhistas, ano III, n. 02. Rio de Janeiro: Fundação
Konrad Adenauer: 2002, p. 69-89.

24 Segundo o economista Márcio POCHMANN, a partir de dados do Ministério do Trabalho e


Emprego, em 1999, por exemplo, existiam apenas 22,3 milhões de assalariados com carteira
assinada no país ( inO Emprego na Globalização - a nova divisão internacional do trabalho e os
caminhos que o Brasil escolheu, 1.ª ed./1.ª reimpr., São Paulo: Boitempo, 2002, p. 98). Dados do
IBGE, relativos a dois anos após (2001), por sua vez, indicam que o total da PEA ocupada -
excluídos os desempregados -, pois alcança cerca de 75 milhões de pessoas ( inAlmanaque Abril
Brasil 2003. São Paulo: Abril, 2003. p. 136 e 138).

25 O Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963 (Lei 4.414/63), estendeu a legislação trabalhista


brasileira ao campo, suplantando a original restrição do art. 7.º da CLT (LGL\1943\5). Porém,
mesmo nas décadas seguintes não se cumpriu um real e eficiente processo de generalização desta
ordem jurídica à grande maioria da população economicamente ativa ocupada do Brasil, conforme
evidenciado pelos dados oficiais acima descritos.

26 A respeito dessa política pública econômico-financeira e sua influência no sistema mundial e


nos países capitalistas ocidentais, inclusive da América Latina, no final do século XX e despertar
do novo século, consideradas ainda suas repercussões na equação emprego/desemprego,
consultar, ilustrativamente: FIORI, José Luís; MEDEIROS, Carlos (Org.), Polarização Mundial e
Crescimento. Petrópolis: Vozes, 2001; TAVARES, Maria da Conceição; FIORI, José Luís (Org.),
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Poder e Dinheiro - uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997; FIORI, José
Luís, Os Moedeiros Falsos. 4.ª ed., Petrópolis: Vozes, 1998; POCHMANN, Márcio, O Emprego na
Globalização - a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. 1.ª
ed./2.ª reimpr., São Paulo: Boitempo, 2002; ASSIS, J. Carlos de, Trabalho como Direito -
fundamentos para uma política de promoção do pleno emprego no Brasil. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2002; PILHON, Dominique, "Desequilíbrios Mundiais e Instabilidade Financeira: a
responsabilidade das políticas liberais. Um ponto de vista Keynesiano", in CHESNAIS, François
(Coord.), A Mundialização Financeira - gênese, custos e riscos. São Paulo: Xamã, 1999; DELGADO,
Mauricio Godinho, "Globalização e Hegemonia: cenários para a desconstrução do primado do
trabalho e do emprego no capitalismo contemporâneo", inRevista LTR. São Paulo: LTR, ano 69, n.
05, maio de 2005, p. 539-548.
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