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ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. 6. ed.

São
Paulo: Boitempo, 2003. p. 29-59.101-117.

Capítulo II

DIMENSÕES DA CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL

Após um longo período de acumulação de capitais, o capitalismo, a partir do início dos anos 70,
começou a dar sinais de um quadro crítico, cujos traços mais evidentes foram:
1) A queda da taxa de lucro, dada, dentre outros elementos causais, pelo aumento do preço da força
de trabalho; 2) o esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção (que em verdade
era a expressão mais fenomênica da crise estrutural do capital), dado pela incapacidade de responder à
retração de consumo que se acentuava; 3) hipertrofia da esfera financeira, que ganhava relativa autonomia
frente aos capitais produtivos; 4) a maior concentração de capitais graças às fusões entre as empresas
monopolistas e oligopolistas; 5) a crise do WELFARE STATE ou do “Estado do bem - estar social” e dos
seus mecanismos de funcionamento; 6) incremento acentuado das privatizações.
De fato, a denominada crise do fordismo e do keynesianismo era a expressão fenomênica de um
quadro crítico mais complexo. Ela exprimia, em seu significado mais profundo, uma crise estrutural do
capital, onde se destacava a tendência decrescente da taxa de lucro.
Como resposta à sua própria crise, iniciou-se um processo de reorganização do capital e de seu
sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do
neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a
desmontagem do setor produtivo estatal.
Esse período caracterizou-se também – e isso é decisivo – por uma ofensiva generalizada do capital e
do Estado contra a classe trabalhadora e contra as condições vigentes durante a fase de apogeu do fordismo.
Apesar do significativo avanço tecnológico encontrado, pode-se presenciar em vários países, uma
política de prolongamento da jornada de trabalho.
Quanto mais aumentam a competitividade e a concorrência inter-capitais, mais nefastas são suas
conseqüências, das quais duas são particularmente graves: a destruição e/ou precarização da força humana
que trabalha e a degradação crescente do meio ambiente, na relação metabólica entre homem, tecnologia e
natureza, conduzida pela lógica societal voltada prioritariamente para a produção de mercadorias e para o
processo de valorização do capital.

Capítulo III

AS RESPOSTAS DO CAPITAL A SUA CRISE ESTRUTURAL

Nas últimas décadas, sobretudo no início dos anos 70, o capitalismo viu-se frente a um quadro crítico
acentuado. Essa crise estrutural fez com que, entre tantas outras conseqüências, fosse implementado um
amplo processo de reestruturação do capital, com vistas à recuperação do seu ciclo reprodutivo que, afetou
fortemente o mundo do trabalho. Embora a crise estrutural do capital tivesse determinações mais profundas,
a resposta capitalista a essa crise procurou enfrentá-la tão somente na sua superfície, isto é, reestruturá-la
sem formar os pilares essenciais do modo de produção capitalista.
De maneira sintética, podemos indicar que o binômio taylorismo/fordismo, baseava-se na produção
em massa de mercadorias, que se estruturava a partir de uma produção mais homogeneizada e enormemente
verticalizada.
Esse padrão produtivo estruturou-se com base no trabalho parcelar e fragmentado, na decomposição
das tarefas, que reduzia a ação operária a um conjunto repetitivo de atividades cuja somatória resultava no
trabalho coletivo. Paralelamente à perda de destreza do labor operário anterior, esse processo de
desantropomorfização do trabalho e sua conversão em apêndice da máquina-ferramenta, dotavam o capital
de maior intensidade na extração do sobretrabalho. À mais-valia extraída extensivamente, pelo
prolongamento da jornada de trabalho e do acréscimo da sua dimensão absoluta, intensificava-se de modo
prevalecente a sua extração intensiva, dada pela dimensão relativa da mais-valia.
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Implantou-se uma sistemática baseado na acumulação intensiva, uma produção em massa executada por
operários predominantemente semiqualificados, que possibilitou o desenvolvimento do operário-massa, o
trabalhador coletivo das grandes empresas verticalizadas e fortemente hierarquizadas.
Já no final dos anos 60 e início dos anos 70, deu-se a explosão do operário-massa, parcela
hegemônica do proletariado da era taylorista/fordista que atuava no universo concentrado do espaço
produtivo. Tendo perdido a identidade cultural da era artesanal e manufatureira dos ofícios, esse operário
havia se resocializado de modo relativamente “homogeneizado”, quer pela parcialização da indústria
taylorista/fordista, quer pela perda da destreza anterior ou ainda pela desqualificação repetitiva de suas
atividades, além das formas de sociabilização ocorridas fora do espaço da fábrica. Isso possibilitou a
emergência de um novo proletariado, cuja forma de sociabilidade industrial, marcada pela massificação,
ofereceu as bases para a construção de uma nova identidade e de uma nova forma de consciência de classe.
No final dos anos as ações dos trabalhadores atingiram seu ponto de ebulição, questionando os
pilares constitutivos da sociabilidade do capital, particularmente no que concerne ao controle social da
produção. Com ações que não pouparam nenhuma das formações capitalistas desenvolvidas e anunciavam os
limites históricos do “compromisso” fordista, eles ganharam a forma de uma verdadeira revolta do operário-
massa contra os métodos tayloristas e fordistas de produção, epicentro das principais contradições do
processo de massificação. O taylorismo/fordismo realizava uma expropriação intensificada do operário-
massa, destituindo-o de qualquer participação na organização do processo de trabalho, que se resumia a uma
atividade repetitiva e desprovida de sentido. Ao mesmo tempo, o operário-massa era freqüentemente
chamado a corrigir as deformações e enganos cometidos pela “gerência científica” e pelos quadros
administrativos.
O que estava no centro da ação operária era a possibilidade efetiva do controle social dos
trabalhadores, dos meios materiais do processo produtivo. Estas ações, entretanto, encontraram limites que
não puderam transcender. Por não conseguir superar essas limitações, apesar de sua radicalidade, a ação dos
trabalhadores enfraqueceu-se e refluiu, não sendo capaz de contrapor hegemonicamente à sociabilidade do
capital. Sua capacidade de auto-organização, entretanto, “perturbou seriamente o funcionamento do
capitalismo”, constituindo-se num dos elementos causais da eclosão da crise dos anos 70 (Bernardo,
1996:19).
Com a derrota da luta operária pelo controle social da produção, estavam dadas então as bases sociais
e ideo-políticas para a retomada do processo de reestruturação do capital, num patamar distinto daquele
efetivado pelo taylorismo e pelo fordismo.

Capítulo IV

O TOYOTISMO E AS NOVAS FORMAS DE ACUMULAÇÃO DE CAPITAL

A crise do taylorismo/fordismo nos anos 1970 e a queda da margem de lucro do capital no ocidente,
fizeram com que a indústria buscasse novas formas de organizar a produção. Para tanto, a linha de produção
em série do sistema fordista foi substituída pelo trabalho em equipe do sistema toyotista japonês. Esse novo
sistema tem como objetivo diminuir os custos de contratação de trabalhadores, operar com estoque zero e
atender tão somente a demanda, o que evita problemas com sindicatos e direitos trabalhistas. O toyotismo
exige um trabalhador mais qualificado, participativo e multifuncional que saiba trabalhar em equipe de
forma participativa.
A resposta do capitalismo à crise foi a intensificação do trabalho, o melhor aproveitamento do tempo
de produção e a flexibilização do trabalho. Entretanto, o regime de acumulação flexível tem como
característica a nova divisão dos mercados, o desemprego, a divisão global do trabalho, o capital volátil, o
fechamento de unidades, a reorganização financeira e a tecnologia.
Para Antunes as mutações em curso é a expressão da reorganização do capital com vistas à retomada
do seu patamar de acumulação e ao seu projeto global de dominação.
O capitalismo moderno fabrica produtos de alta qualidade tecnológica, contudo os produtos perderam
seu valor de uso para que o consumidor continue comprando. Assim, quanto mais qualidade total os
produtos devem ter, menor deve ser seu tempo de duração. A redução do tempo de vida do produto visa
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aumentar a circulação de mercadorias. Portanto, o modo de produção capitalista converte-se em inimigo da


durabilidade dos produtos, gerando desperdício e lixo.
Exemplos de produtos poucos duráveis da indústria moderna são os carros e os programas de
computadores, que são substituídos todos os anos por novas mercadorias mais modernas. Com a redução dos
ciclos de vida útil dos produtos, os capitais não têm outra opção para sua sobrevivência, senão inovar ou
correr o risco de ser ultrapassados pelas empresas concorrentes.
A fábrica toyotizada tende a diminuir o quadro burocrático da empresa e a substituir o trabalhador
por máquinas. A produção em série do taylorismo é substituída pelas “células de produção” e pela
terceirização dos serviços secundários para reduzir o tempo de trabalho. As conseqüências desse processo
são as eliminações de postos de trabalho, aumento da produtividade e qualidade total. A liofilização do
processo produtivo desregulamentou os direitos do trabalhador, eliminado cotidianamente em quase todas as
partes do mundo onde a produção industrial e de serviços. Com isso, surgiu a fragmentação da classe
trabalhadora, terceirização da força de trabalho e destruição do sindicalismo.
O toyotismo foi criado pelo engenheiro Ohno com o objetivo de aumentar os lucros da empresa. O
sistema consiste em produzir o estritamente necessário para atender a demanda, sendo que o trabalho é feito
em equipe, a qual pode exercer várias funções e produzir mercadorias variadas. Cada trabalhador pode
operar até cinco máquinas a partir da estrutura horizontalizada, diferentemente da verticalidade fordista.
Assim, aumentou-se a produção sem aumentar o contingente de trabalhadores, impulsionando o
desenvolvimento do capitalismo monopolista no Japão.
A apropriação das atividades intelectuais do trabalho aliada á intensificação do ritmo do trabalho
configura um quadro positivo para o capital retomar o lucro. A diminuição dos trabalhadores incentiva o
aumento das horas-extras, da terceirização do serviço e da contratação temporária.
Em síntese, o capitalismo ocidental transferiu e adaptou o modelo toyotista como solução para a
diminuição dos rendimentos a partir dos anos 70. A vigência do neoliberalismo, ou de políticas sob sua
influência, propiciou condições em grande medida favoráveis à adaptação diferenciada de elementos do
toyotismo no Ocidente.

Capítulo V

A CLASSE QUE VIVE DO TRABALHO

A forma de ser da classe trabalhadora

Ao contrário dos autores que defendem o fim das classes sociais, o fim da classe trabalhadora, até
mesmo o fim do trabalho, a expressão classe que vive do trabalho pretende dar contemporaneidade e
amplitude ao ser social que trabalha. A classe trabalhadora hoje, compreende sua efetividade, sua
processualidade e concretude. Inclui os que vendem sua força de trabalho, tendo como núcleo central os
trabalhadores produtivos que são aqueles que produzem a mais valia e participam diretamente do processo
de valorização do capital. A classe que vive do trabalho engloba também os trabalhadores improdutivos,
sendo os seus serviços utilizados para o uso público ou para o capitalista. O trabalho improdutivo abrange
um amplo leque de assalariados, desde aqueles inseridos no setor de serviços, bancos, comércio, turismo,
serviços público etc., aqueles que realizam atividades nas fábricas, mas não criam diretamente valor.
Considerando, portanto, que todo trabalhador produtivo é assalariado e nem todo o trabalhador
assalariado é produtivo, não elide o papel de centralidade do trabalhador produtivo e do trabalho social
coletivo, criador de valores de troca, do proletariado industrial moderno no conjunto da classe que vive do
trabalho, o que nos parece demais evidente quando a referência é dada pela formulação de Marx.
Marx enfatizou que o proletariado era essencialmente constituído pelos produtores de mais valia, que
vivenciavam as condições dadas pela subsunção real do trabalho ao capital. Além dos proletariados
industriais, dos assalariados do setor de serviços, também o proletariado rural vende sua força de trabalho
para o capital, como os trabalhadores terceirizados.
Tem sido uma tendência freqüente a redução do proletariado industrial, fabril, tradicional, manual,
estável e especializado, herdeiro de uma era da indústria verticalizado, que havia desenvolvido na vigência
do binômio taylorismo/fordismo, motivado pela introdução da máquina informatizada, com a “telemática”.
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O mercado de trabalho vivência um aumento do trabalho feminino, que atinge mais de 40% da força
de trabalho em diversos países avançados e tem sido absorvido pelo capital. No trabalho feminino, quando se
trata da telemática salarial, seu percentual de remuneração é bem menor do que aquele pago pelo trabalho
masculino, o mesmo ocorre com os direitos e condições de trabalho. Os trabalhos dotados de menor
qualificação e fundados em trabalho intensivo são destinados às mulheres trabalhadoras. Na divisão sexual
do trabalho é visível a distinção entre os trabalhadores masculinos e femininos. Portanto, se percebe uma
exploração do trabalho feminino, como os trabalhos manuais atribuídos às mulheres e os técnicos aos
homens. Outra questão é a discriminação das mulheres casadas, a mulher trabalhadora realiza seu trabalho
em duas formas: dentro e fora da casa. Portanto ela é duplamente explorada pelo capital, em seu trabalho
produtivo no âmbito fabril, mas na vida privada, ela consome horas decisivas no trabalho doméstico, com o
que possibilita (ao mesmo capital) a sua reprodução, nessa esfera do trabalho não diretamente mercantil, em
que se criam as condições indispensáveis para a reprodução da força de trabalho de seus maridos, filhos/as e
de si própria.
Tem ocorrido, uma significativa expansão dos assalariados médios e de serviços, que permitiu a
incorporação de amplos contingentes oriundos do processo de reestruturação produtiva industrial e também
da desindustrialização. As mutações organizacionais e tecnológicas, as mudanças nas formas de gestão,
também vem afetando o setor de serviços, que cada vez mais se submete à racionalidade do capital, como é o
caso da intensa diminuição do trabalho bancário, ou da privatização dos serviços públicos, com seus
enormes níveis de desempregados. Os trabalhos dos países centrais, com repercussões também no interior
dos países de industrialização intermediária, têm presenciado um processo crescente de exclusão dos jovens
e dos trabalhadores considerados “velhos” pelo capital. Aqueles com cerca de 40 anos ou mais, uma vez
excluídos do trabalho, dificilmente conseguem se requalificar para o reingresso, ampliando os contingentes
do chamado trabalho informal.
Tem ocorrido também uma expansão do trabalho no denominado “terceiro setor”, principalmente em
países avançados, em empresas com perfil mais comunitário de formas de trabalho voluntário, com
atividades assistenciais, sem fins diretamente lucrativos e que se desenvolvem um tanto à margem do
mercado, isso ocorre em decorrência do desemprego estrutural. Essa forma de atividade social, tem tido certa
expansão, com trabalhos realizados no interior das ONGs. Uma vez que o terceiro setor incorpora uma
parcela relativamente pequena daqueles trabalhadores que são expulsos do mercado de trabalho capitalista.
Esses seres sociais vêem-se, então, não como desempregados, excluídos, mas como realizando atividades,
dotadas de algum sentido social. Outra tendência é a expansão do trabalho em domicílio, propiciada pela
desconcentração do processo produtivo e pela expansão de pequenas e médias unidades produtivas.
A transnacionalização do capital e sua configuração local, regional e nacional se ampliam em laços e
conexões na cadeia produtiva, que é cada vez mais internacionalizada. Com a reconfiguração, tanto do
espaço quanto do tempo de produção, dada pelo sistema global do capital, há um processo de
territorialização e também de des-territorialização. Novas regiões industriais emergem e outras desaparecem,
além das fábricas serem mundializadas, como as indústrias automotivas, sendo que os carros mundiais
substituem os carros nacionais. Colocando a luta de classes cada vez mais internacionalizada, gerando as
greves dos trabalhadores metalúrgicos. Muitas vezes a vitória ou derrota de uma greve em um ou mais países
depende do apoio, solidariedade e ação de trabalhadores em outras unidades produtivas da mesma empresa.
Os sindicatos existem no mundo todo, no entanto, tem sempre uma estruturação tradicional, burocrática e
bastante institucionalizada, muitas vezes mostrando-se incapazes de vencer a lógica do capital.

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