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PARTE IV
A HISTÓRIA E A CRÍTICA
REDIMENSIONAM O CONHECIMENTO:
O CAPITALISMO NOS SÉCULOS
XVIIIE XIX
CAPÍTULO 15
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Já, no sistema fabril, o aumento da produção é tão grande e o custo tão mais
baixo que a indústria não mais produz ern resposta a exigências de um certo
mercado: produz para um mercado indeterminado, que ela mesma cria. Um
exemplo disto é fornecido por Hobsbawm (1981), segundo o qual a indústria
automobilística do porte atual não foi criada em resposta à demanda de carros
existente, mas, ao contrário, a sua capacidade de produzir carros a um baixo
preço é que gerou a atual demanda em massa.
Nestas circunstâncias, o capital comercial assume posição subordinada, pois o
capital produtivo não mais depende da ação do comércio para a expansão dos
mercados necessários à sua produção (...). Supera-se, pois, a dependência do
capital produtivo em relação ao capital comercial, própria do período manufa
tureiro. (Oliveira, 1977, p. 53)
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Os elementos que compunham essa primeira força eram liderados por Oliver
Cromwell, membro da pequena nobreza e do Parlamento. O outro lado en
volvido no conflito era composto pelas forças leais ao rei Carlos I, repre
sentando regiões mais pobres do norte e do oeste, católicos e grandes nobres
semifeudais. Ainda segundo Morton (1970), apesar de haver exceções, “(■••)
quer olhemos a divisão por classe ou por área geográfica o resultado é o
mesmo: um conflito entre as classes e áreas avançadas, usando o Parlamento
como instrumento, e as mais conservadoras, unidas em tomo da Coroa (...)”
(p. 203). Essa guerra civil revestiu-se de caráter religioso, tanto porque en
volvia opções religiosas, além de políticas, como pelo fato de o rei defender
suas prerrogativas de monarca de direito divino.
As forças do Parlamento obtiveram vitória em 1649, executaram o rei
Carlos I, iniciando-se um período de governo de Cromwell, com o título de
lorde protetor. Durante esse período de govemo, posições mais radicalmente
democráticas, defendidas por antigos aliados, foram enfraquecidas e não se
permitiu que estes tivessem voz no govemo. Com a morte de Cromwell, em
1658, houve um retrocesso no processo revolucionário, ocorrendo a restau
ração da monarquia com Carlos II, que foi sucedido por Jaime II. Estes
governaram com oposição de uma parte do Parlamento, dando continuidade
à luta entre posições mais realistas, de maior poder ao rei, como as dos tories
(grupo composto por grandes proprietários que viam na restauração da mo-
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(...) não conseguiu jamais perceber que o despojamento, inclusive pela força,
de suas prerrogativas políticas pessoais era uma condição para o salvamento
dos interesses coletivos de sua classe. Esta inconsciência histórica da nobreza
francesa (...) é que explica seu passo em falso na segunda metade do século
XVIII, isto é, sua revolta contra o absolutismo (...). (p. 31)
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forço para livrar o país, numa situação extremamente crítica e ainda em guer
ra, da invasão estrangeira e preservar a revolução e o Estado nacional, o que
foi conseguido por meio do terror (execuções efetuadas pela população, ter
rorismo contra aqueles considerados traidores e especuladores) e da ditadura,
um regime duro, com rigoroso controle da economia. O regime jacobino
levou adiante a elaboração de uma nova constituição, bem mais democrática
que a de 1791, estendendo bastante os direitos do povo. Segundo Hobsbawm
(1981), “(...) foi a primeira constituição genuinamente democrática procla
mada por um Estado Moderno (...)” (p. 87).
A política dos jacobinos foi um sucesso, e justamente esse sucesso, de
acordo com Florenzano (1982), constituiu-se na razão de sua queda, pois,
uma vez bem-sucedida, eliminava as causas da ascensão dos jacobinos, e as
forças contrárias, que apenas haviam tolerado as medidas em vigor, retiraram
seu apoio. Além disso, os jacobinos tiveram que ir precisando cada vez mais
quais interesses realmente iriam atender. Apesar de o governo tender para a
esquerda, constituía-se numa aliança entre classes que obviamente não tinham
os mesmos interesses, por isso os ja-cobinos tiveram que afastar o apoio das
massas populares, e Robespierre, isolado, caiu (1794).
República Termidoriana2 (1794-1799) - Florenzano (1982) descreve
esse período como aquele em que os girondinos, que após a queda de Ro
bespierre haviam voltado a fazer parte da convenção, foram assumindo po
sições cada vez mais conservadoras, com proibições de associações que ti
vessem caráter político, e permitindo perseguições aos jacobinos remanes
centes pelos filhos dos burgueses ricos. Além disso, a situação econômica
viu-se agravada, houve miséria no inverno de 1794-1795 devido à volta do
liberalismo econômico, miséria que contrastava com a exibição de luxo e
riqueza a que a burguesia se entregava, pois, com o fim da ameaça da gui
lhotina sobre suas cabeças, especuladores, traficantes e agiotas podiam sen
tir-se seguros.
A Constituição elaborada no período era menos liberal que a primeira
(1791) e procurava expressar os interesses da alta burguesia, agora dominan
tes. O poder executivo ficava nas mãos de cinco diretores, daí o nome de
Diretório dado ao regime desse período. Mas este foi incapaz de equilibrar
as forças das diferentes oposições que recebia de partidários da monarquia
e da esquerda, bem como de fazer frente às crises econômicas.
Ao lado disso, o exército ganhava cada vez maior importância, já que
mantinha a guerra fora da França - continuava a luta contra os inimigos
2 Esse termo deriva do mês de termidor (19 de julho a 18 de agosto) do novo calendário
revolucionário.
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externos da revolução e era também cada vez mais necessário para manter
a ordem interna. Gozava também de autonomia, uma vez que se mantinha
com recursos próprios. Essas condições foram suficientes para possibilitar
uma tomada de poder pelo exército, o que foi realizado pelo general Napoleão
Bonaparte. Segundo Hobsbawm (1981), o general tinha um interesse inves
tido na estabilidade, como qualquer outro burguês de seu tempo e como
aqueles que ingressavam no exército, e foi “ (•..) isto que fez do exército, a
despeito de seu jacobinismo embutido, um pilar do governo pós-termidoriano,
e de seu líder Bonaparte uma pessoa adequada para concluir a revolução
burguesa e começar o regime burguês (...)” (p. 92). Marx (1985) refere-se
ao período na sua obra O 18 Brumário de Luís Bonaparte:
(...) Camile Desmoulins, Danton, Robespierre, Saint-Just, Napoleão, os heróis,
os partidos e as massas da velha Revolução Francesa, desempenharam a tarefa
de sua época, a tarefa de libertar e instaurar a moderna sociedade “burguesa” ,
em trajes romanos e com frases romanas. Os primeiros reduziram a pedaços a
base feudal e deceparam as cabeças feudais que sobre ela haviam crescido.
Napoleão, por seu lado, criou na França as condições sem as quais não seria
possível desenvolver a livre concoirência, explorar a propriedade territorial di
vidida e utilizar as forças produtivas industriais da nação que tinham sido li
bertadas; além das fronteiras da França, ele varreu por toda a parte as
instituições feudais, na medida em que isto era necessário para dar à sociedade
burguesa da França um ambiente adequado e atual no continente europeu (...).
(pp. 329-330)
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anexavam algum país, e assim a guerra internacional ficava muito menos mes
clada com a guerra civil internacional (e, em cada caso, doméstica) (...).
(pp. 95-96) "
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Embora seja bastante difícil propor uma síntese do que foi o pensa
mento do século XVIII e primeira metade do XIX, é possível tentar destacar
algumas tendências desse pensamento, apontar rumos em direção aos quais
ele se desenvolveu.
O pensamento desse período foi profundamente marcado pela ascensão
econômica e política da burguesia e tendeu a refletir as idéias, interesses e
necessidades dessa classe. Pode-se dizer que ele expressou, embora de dife
rentes formas e em graus variados, três valores básicos da sociedade burgue
sa: a liberdade, o individualismo e a igualdade.
A noção de liberdade expressa-se nas idéias dos economistas clássicos,
que defendem o livre comércio e a livre concorrência e a suspensão de todas
as limitações às atividades comerciais e industriais, impostas pelo mercanti
lismo; a economia deve se fazer por si mesma, segundo leis naturais. Con-
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berdade, baseava sua defesa no fato de que nesse caso os poderes públicos
não agiam arbitrariamente. Entretanto, o limite à sua ação era dado pela
relação entre eles e não pelo povo. Montesquieu era contrário à democracia,
tanto quanto ao absolutismo, e favorável a uma monarquia parlamentar. Ainda
no que diz respeito ao entendimento das noções de liberdade e igualdade,
verificamos que, enquanto Diderot (1713-1784), um representante das aspi
rações dos artesãos e operários, defendia a instrução para todos, inclusive
para o mais humilde camponês, Voltaire, um representante da alta burguesia
e da nobreza letrada, ao defender a necessidade de destruir a crença na religião
cristã, considerava que isto só deveria ser feito junto às classes abastadas,
pois considerava a massa indigna de ser esclarecida. Também Rousseau, um
representante da burguesia, não se preocupou com a educação das massas,
mas apenas de uma elite.
A questão relativa ao que ensinar e para quem ensinar constituiu um
ponto de divergência entre pensadores desse período. Alguns deles defendiam
a idéia de haver diferentes tipos de educação para indivíduos de diferentes
classes sociais, sendo que aqueles que pertencessem às classes mais pobres
deveriam receber menos “ instrução” e mais treinamento em atividades ma
nuais.
A burguesia defendia instrução para o povo porque no novo sistema
fabril uma educação elementar era necessária ao operário; entretanto, defendia
diferentes tipos de instrução para diferentes tipos de operários: educação pri
mária para a massa de trabalhadores não especializados, educação média para
os trabalhadores especializados e educação superior para os altamente espe
cializados.
Na Inglaterra, nesse período, a escola primária tinha por objetivo pre
parar a classe operária para o trabalho. As universidades, entretanto, não
cumpriam o papel de preparar os trabalhadores especializados. Segundo Co
cho (1980), o avanço da Inglaterra em relação aos outros países, no que diz
respeito à industrialização, colocou-a numa situação sem competidores de
porte. Em decorrência disso, não havia necessidade vital de mudança contínua
no aparato produtivo, de forma que, nesse país, não foi desenvolvida, então,
uma política científica institucional por parte do Estado. As universidades
inglesas eram dominadas pela teologia e pela metafísica e não estavam pre
paradas para dirigir o avanço científico e para responder às exigências da
indústria, o que levou a burguesia a preparar seus operários especializados
em escolas técnicas e laboratórios junto às fábricas. Os próprios membros
da burguesia, entretanto, recebiam um saber livresco e divorciado da ciência
e da prática. Bemal (1976b) afirma que em fins do século XVIII o renasci
mento científico, na Grã-Bretanha, não partia mais, como fizera no século
anterior, de centros de atividade intelectual, como Oxford, Cambridge e Lon
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impressões dos sentidos devem ser depuradas pela razão para que possam
explicar adequadamente o mundo e indicar o caminho do progresso. Também
Kant, filósofo alemão do século XVIII, é considerado racionalista. Mas co
loca-se contra o que chama de dogmatismo do racionalismo do século ante
rior, que considera a razão como o único caminho para o conhecimento,
independente de toda experiência. Para Kant, a razão tem prioridade no pro
cesso de conhecimento científico que é, em parte, a priori', entretanto, a razão
está condicionada à experiência. Segundo ele, a experiência fornece referentes
particulares e não permite a formulação de proposições de caráter universal,
como devem ser as proposições científicas. O entendimento humano propor
ciona as categorias, os conceitos a priori por meio dos quais compreendemos
a experiência. A capacidade de estabelecer relações causais, por exemplo, é
a priori. Segundo Bréhier (1977a), o racionalismo do século XVIII era di
ferente do racionalismo do século XVII: enquanto no século XVII era
fundamentado no absoluto (Deus é quem fundamenta as regras do pensa
mento e da ação), no século XVIII ele se fundamentava no próprio
homem (é por seu próprio esforço que o homem organiza seu pensamento
e sua ação). No século XVIII assumia-se uma idéia de razão mais prudente,
com base na experiência, e consideravam-se os sistemas provindos do racio
nalismo do século XVII como obras de pura imaginação.
Em Hegel, filósofo alemão do início do século XIX, a razão assume
importância máxima: segundo ele, o real é racional. Critica a ênfase atribuída
por alguns filósofos aos fatos, em detrimento da razão, e a aceitação dos
fatos, tal como se apresentam, como critério da verdade. Hegel atribui à razão
tal importância que chega a considerar o real como condicionado ao pensa
mento, como dependente deste. Marx (1818-1883), outro filósofo alemão do
século XIX, opõe-se a Hegel nesse aspecto, na medida em que considera que
o pensamento é o material transposto para a cabeça do homem, ou seja, o
pensamento é a manifestação do real (e não o real a manifestação do pen
samento, como em Hegel). Entretanto, o conhecimento não é para Marx sim
ples reflexo do real, e deve desvendar, por trás da aparência, como as coisas
realmente são. Assim, para se conhecer, parte-se dos fenômenos da realidade,
mas em seguida deve-se reconstruí-los no pensamento por meio de um pro
cesso de análise, para, em seguida, reinseri-los na realidade.
Portanto, embora Marx, ao analisar o processo de produção de conhe
cimento, não se preocupe em discutir especificamente a oposição ou união
dos dois elementos - observação e razão - nesse processo, é possível de
preender de sua análise que são ambos necessários para a reconstrução do
real no pensamento.
Outro aspecto em relação ao qual se confrontaram diferentes con
cepções durante o período foi a questão da causalidade.
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Isto quer dizer que para Hume a causalidade envolve uma crença de que
existem relações causais, advinda da repetição da ocorrência dos fenômenos
relacionados. Além disso, segundo Hume, o processo de estabelecimento de
relações causais é indemonstrável logicamente. A ocorrência repetida de fe
nômenos relacionados faz surgir, no homem, a expectativa de ocorrência de
um fenômeno quando outro é apresentado.
Para Alquié (1982), Hume coloca no homem ou na natureza humana
o princípio da explicação uitima que Berkeley colocava em Deus, além de
isoiar o instinto que está na raiz da crença na causalidade, retirando a apa
rência de razão que o cerca.
Ao colocar no sujeito do conhecimento a construção da ligação causal
entre os objetos do mundo sensível, Kant vai se aproximar de Hume. Mas,
por outro lado, suas concepções vão se distanciar de Hume em muitos outros
pontos porque para Kant a ligação causal é racional e se deve às categorias
a priori do entendimento. Isto é, o homem pode perceber a causa dos fenô
menos do mundo sensível porque é dotado de uma condição racional a priori
que lhe permite construir relações causais. Alquié (1982) explica como ocorre
essa construção, pela subordinação da coordenação sensível ao entendimento:
(...) certamente o dado sensível não é um puro caos. A sensibilidade tem uma
matéria e uma forma. Mas se o espaço e o tempo, formas a priori da sensi
bilidade, são as condições necessárias do mundo dos objetos, eles não são a
sua condição suficiente. À coordenação sensível Kant opõe a subordinação
irreversível, própria ao entendimento e característica da ligação causal. A for
ma, própria à sensibilidade, será o lugar onde se realizará a unidade dos dados;
mas é pela função própria do entendimento que se realizará essa própria uni
dade: o ato que constitui a unidade será a síntese do entendimento, (p, 201)
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Esse autor afirma ainda que naquele século, quando a ciência ainda
não havia sido academicamente dividida em ciência “pura” , superior, e “ apli
cada” , inferior, os mais surpreendentes avanços da década de 1780 foram na
química, tradicionalmente muito ligada à prática de laboratório e às necessi
dades da indústria.
Assim como as necessidades produtivas levaram a um crescente inte
resse pela química, outras áreas foram também sendo desenvolvidas, como
a geologia, a partir das necessidades advindas da construção de canais e de
estradas de ferro. No final do século XIX, conhecimentos científicos eram
desenvolvidos para criar novas indústrias, e, finalmente, no século XX, en
contra-se o pleno desenvolvimento da indústria científica. Ciência e produção
expressam cada vez mais claramente a inter-relação, a influência mútua que
as une.
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A ciência iria constituir, durante muitos anos, monopólio de uma elite da classe
média - a intelligentzia liberal, como era conhecida na Europa - e, inevitavel
mente, continuava a ser limitada e caracterizada pelo ponto de vista dessa
classe. Em meados do século XIX tal classe não desprezava a utilidade prática;
estava até profundamente interessada nos grandes movimentos industriais do
seu tempo; acreditava firmemente na inevitabilidade do Progresso, mas repu
diava com igual firmeza toda e qualquer responsabilidade pelos seus resultados
desagradáveis e perigosos (...). (p. 564)
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