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ARTIGO
vimento operário. Tais conquistas – ainda que limita- um profundo reordenamento das bases econômicas,
das na direção de superar o modo de produção capi- sociais e políticas da trajetória histórica do capitalismo
talista – punham limites ao uso dilapidador da mão de fundada no pós-Segunda Guerra Mundial.
obra, abriam a possibilidade de ampliar o emprego e O ressurgimento atual do desemprego, enquan-
regulamentavam a incorporação social do trabalho. to um fenômeno crônico e global, é apenas a ponta
Com a racionalização da produção, opera-se a de um iceberg. A cultuada política do “pleno em-
reorganização das relações de trabalho que tem im- prego” dos anos de ouro do capitalismo não nos deve
plicado, na verdade, na instauração de uma nova fazer esquecer: tais políticas foram bastante locali-
correlação de forças entre o capital e o trabalho; zadas nos países do centro do capitalismo onde o
nela, o primeiro passa a ter um maior poder na de- desemprego foi controlado por um período e para
terminação da forma de uso do trabalho (referentes parcelas de trabalhadores. Na periferia do modo de
à alocação, à remuneração e ao tempo de trabalho) produção capitalista e para expressivas frações da
e potencializa, inclusive, o seu uso de forma mais classe trabalhadora no centro do modo de produ-
intensiva. A flexibilização e a desregulamentação ção, por exemplo, para os imigrantes das ex-colôni-
das relações de trabalho têm um significado bas- as europeias, o “pleno emprego” nunca foi uma pos-
tante expressivo que é o de desvencilhar o capital sibilidade. Na realidade, o desemprego é a expres-
da “camisa de força” proporcionada pelo arranjo são de um processo muito mais amplo no campo do
regulador, cujo eixo estava pautado por uma forte embate entre o capital e o trabalho e constitui o
intervenção do Estado em uma significativa oposi- modo de ser desta relação. Nos últimos 30 anos é,
ção aos princípios que colocam no mercado a de- pois, a expressão privilegiada da ofensiva do capital
terminação do uso do trabalho. sobre o trabalho. Não se pode deixar de considerar
Trata-se, de fato, da ruptura de um padrão de que as bases desse processo estão profundamente
regulação social do mercado e das relações de tra- relacionadas à dinâmica histórica do capitalismo que
balho que, sob a égide da desregulamentação eco- se consolidou principalmente nos anos que se se-
nômica e social, do imperativo da competitividade, guiram à Segunda Guerra Mundial.
da exponenciação da lógica do mercado, restabele- O novo desenvolvimento do capitalismo mundial
cem a autonomia das empresas na contratação e confere um novo sentido à categoria de população
na determinação das regras de uso da força de tra- “excedente”, à medida que não possui mais a capa-
balho. A atual etapa do capitalismo, com o uso cidade de absorver o contingente de trabalhadores
destrutivo da força de trabalho, reedita condições e que está à procura de empregos. Alves (2000) tem
relações de trabalho que remontam ao século 191. razão quando afirma que ocorre uma alteração lógi-
Repõem-se, no capitalismo atual, traços do que co-epistemológica (e ontológica) da categoria “po-
Burawoy (1990) denominou de “regime despótico”, pulação trabalhadora excedente”. Isto é, o que du-
no qual prevalecia a gestão privada do uso do tra- rante a grande indústria poderia ser considerado “tra-
balho pela coação econômica do mercado que ins- balhadores assalariados excedentes” converte-se no
taura o “despotismo hegemônico”2. atual momento histórico em “população trabalhadora
Tal processo coaduna-se com a atual fase de acu- excluída”. As imensas massas de desempregados,
mulação capitalista, caracterizada pelo predomínio do incluindo o chamado “subproletariado tardio”, repre-
capital financeiro, pela reorganização econômica e sentam os novos excluídos da “nova ordem capitalis-
produtiva e por políticas sob hegemonia liberal que ta”. Alves considera esta parcela da classe trabalha-
flexibilizam as relações de trabalho com a finalidade dora tão importante para a nova ordem do capital,
de fortalecer uma regulação privada das relações quanto o próprio desemprego estrutural.
entre o capital e o trabalho. Portanto, as transforma- A lógica do capitalismo, atualmente potencializada,
ções no sistema de relações de trabalho fazem parte é a de expulsar o trabalho vivo do processo de traba-
de um movimento mais amplo de reestruturação ca- lho como estratégia de valorização do capital. Nesse
pitalista, em contraposição ao padrão de desenvolvi- caso, reproduz-se hoje na lógica estrutural do capital
mento socioeconômico hegemônico no pós-guerra e uma massa de trabalhadores que, de fato, torna-se
ao sistema de regulação das relações de trabalho, excluída do processo de trabalho, tendo pouca ou qua-
tanto do ponto de vista institucional como da dinâmi- se nenhuma chance de inserir-se novamente no cir-
ca das negociações coletivas. cuito do grande capital, restando-lhes apenas as ocu-
A produção recente de um desmesurado contin- pações contingentes. Para Alves, o “excedente”
gente de trabalhadores considerados supérfluos, interverte-se em “excluído”. Desse modo, surgem os
excedentários ou sobrantes deve ser relacionada à di- novos excluídos da “nova ordem capitalista”, que são
nâmica atual do capitalismo contemporâneo que assu- as massas de desempregados (e subproletários) do sis-
miu expressões diferenciadas, sobretudo, a partir da tema de exploração do capital (ALVES, 2000, p. 76).
crise estrutural do capital evidenciada mais fortemen- Se a produção progressiva de uma superpopulação
te no início da década de 1970, quando desencadeou relativa não se configura como algo episódico na his-
tória do capitalismo, a novidade histórica é que a di- ção, no abandono ou aniquilamento deliberado de bens
nâmica de acumulação do capital repõe, hoje e em e serviços; no crescente desperdício resultante da
escala ampliada, a tendência intrínseca e contraditó- introdução de tecnologia nova; e na subutilização crô-
ria do processo de acumulação do capital de produzir nica de instalações e maquinário.
uma parcela de força de trabalho “sobrante”, em- Quanto à força de trabalho, a tendência de utili-
prestando um novo significado ao exército de reser- zação decrescente relativa à do trabalho socialmen-
va de trabalhadores. Para Mészáros (2002), a ques- te disponível constitui-se, para Mészáros, a contradi-
tão do desemprego não se limita mais apenas à exis- ção mais explosiva do capital. Na verdade, para esse
tência de um “exército de reserva”, com a possibili- autor, está-se diante de uma “contradição antagôni-
dade de ser ativado nos momentos de ascensão eco- ca e literalmente explosiva”, qual seja: por um lado o
nômica do sistema. Para esse autor, o desemprego capital necessita crescentemente de consumidores
assumiu um caráter crônico e global e, por isso mes- de massa, de outro tem uma necessidade sempre
mo, tornou-se uma força potencialmente explosiva menor de trabalho vivo. Mas, ocorre que o trabalho
denotando um limite absoluto do capital. não é apenas “fator de produção”, mas também o
“consumidor de massa”, constituindo-se, pois, numa
[...] como uma grande ironia da história, a dinâmica identidade estrutural que está na base da economia
interna antagonista do sistema do capital agora se capitalista, conferindo ao trabalho uma objetiva posi-
afirma – no seu impulso inexorável para reduzir glo- ção estratégica no sistema. Esta tendência estrutural
balmente ‘o tempo de trabalho necessário’ a um não pode ser resolvida por intermédio de medidas
valor mínimo que otimize o lucro – como uma ten- conjunturais. A moderna teoria econômica burguesa,
dência devastadora da humanidade que transfor- ao buscar reduzir o papel estratégico do trabalho a
ma por toda parte a população trabalhadora numa um mínimo irrelevante, inventa o consumidor e o pro-
‘força de trabalho crescentemente supérflua’ dutor, este último, o capitalista, legitima a mais
(MÉSZÁROS, 2002, p. 341, grifos do autor). antissocial e desumanizadora tendência do capital
para a eliminação brutal do trabalho vivo do proces-
Para este autor, está-se diante de um ataque em so de trabalho.
duas frentes à classe operária em todo o mundo que Os processos de transformações na dinâmica do
se revela no desemprego crônico em todos os campos capitalismo orientam-se, pois, por uma clara perspec-
de atividade, disfarçados como práticas trabalhistas tiva de classe revelando-se como uma ofensiva do
flexíveis, eufemismo para a política deliberada de frag- capital contra o trabalho assalariado, que emerge
mentação e precarização da força de trabalho e para nesse processo ainda mais “complexo, fragmentado
a máxima exploração administrável do trabalho em e heterogeneizado”. O desemprego contemporâneo,
tempo parcial, e também se revela numa redução sig- de escala planetária, relaciona-se à nova dinâmica
nificativa do padrão de vida até mesmo dos trabalha- do capital para a superação de sua própria crise, ins-
dores em ocupações de tempo integral. No entanto, o crevendo-se ainda numa dinâmica que tenta repor,
reconhecimento da existência dessa população em novos patamares, a dominação do capital sobre o
sobrante, redundantes para as requisições do capital trabalho. O desemprego e a precarização do traba-
estão longe de poder ser consideradas supérfluas como lho tornam-se armas contra os trabalhadores, com o
consumidoras que asseguram a continuidade da re- sentido de debilitar seu potencial de classe. O objeti-
produção ampliada e da autovalorização do capital. vo é propiciar as bases favoráveis à valorização do
Para ele, essa força de trabalho supérflua continua capital e assegurar as condições favoráveis para a
mais necessária do que nunca para possibilitar a re- recomposição da mais-valia. Nesse caso, ainda é
produção ampliada do capital (MÉSZÁROS, 2002). possível reconhecer a funcionalidade de uma popu-
Sendo este sistema uma poderosa estrutura lação trabalhadora excedente nas novas estratégias
“totalizadora” de controle, à qual tudo deve se ajus- de dominação do capital, sob as novas configurações
tar, que se sobrepõe a tudo e a todos, no capitalismo históricas que remodelam o cenário do capitalismo.
contemporâneo essa tendência assume cada vez mais Em síntese a nova ofensiva do capital configura-
uma lógica essencialmente destrutiva, cuja máxima se não apenas pelas determinações tecnológicas, mas
expressão atual esta determinada pelo que Mészáros também por determinações políticas que são o resul-
(2002) denomina de “taxa de utilização decrescen- tado sócio-histórico da luta de classes, do amadure-
te” do valor de uso das coisas. Esta afeta negativa- cimento das contradições geradas ao longo do pro-
mente todas as três dimensões fundamentais da pro- cesso de internacionalização das relações capitalis-
dução e do consumo, os bens e serviços, as instala- tas de produção no período histórico de 1945 à 1968/
ções e maquinaria e a própria força de trabalho. A 1970; e envolvem elementos econômicos e
taxa de uso decrescente se manifesta: na sociopolíticos. Nesse caso, as respostas efetuadas
obsolescência planejada em relação aos bens de con- pelo capital em relação à crise têm uma clara dimen-
sumo duráveis produzidos em massa; na substitui- são de classe, na medida em que o capital tem o ob-
jetivo de, além da retomada das taxas de lucro, cário-financeiras, no interesse do grande ca-
fragilizar a auto-organização dos trabalhadores e com pital portador de juros;
isso retomar e aprofundar o controle sobre eles. e) imputação à força de trabalho empregada pelo
Estado da responsabilidade pela ineficiência dos
serviços públicos para impor similares condições
2 Estado, políticas sociais aviltadas e de trabalho e de vida, de contrato rebaixado, de
rebaixamento do valor da força de trabalho instabilidade no trabalho e de redução de direi-
tos trabalhistas e sociais às praticadas nas em-
No âmbito da articulação de respostas às crises do presas capitalistas contra a força de trabalho.
capital e da retomada das taxas de lucro, o Estado Para a consecução destas medidas é indispen-
continua a jogar papel central, mas desuniforme em sável alterar em profundidade o aparelho esta-
relação ao período histórico dos anos posteriores ao tal e criar novos entes jurídicos “estatais”. Tais
segundo conflito bélico mundial até a década de 1970, entes em geral carregam do público apenas a
os chamados anos de ouro do capitalismo. Naquelas denominação porque sua natureza é essencial
décadas, o estágio da luta de classes, a existência da e profundamente privada. Tais “instituições”
vitoriosa União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, viabilizam as parcerias público-privadas e se
responsável pelo fim da barbárie nazifascista da Se- metamorfoseiam em distintas formas, confor-
gunda Grande Guerra Mundial e as condições ótimas me os embates de classes em cada espaço e
de lucro para o capital, decorrentes da necessidade de local, das quais as mais comuns são as “funda-
reconstrução da parte do mundo destruída pela má- ções estatais de direito privado”, as “organiza-
quina bélica, possibilitou também que partes significa- ções sociais (OS)”, as “organizações da socie-
tivas da classe trabalhadora tivessem acesso a níveis dade civil de interesse público (OSCIP)”e as “fun-
de proteção social inéditos sob o capitalismo. dações de apoio” etc.
Esgotadas tais condições novos arranjos são in- A nova configuração assumida pelo Estado não
dispensáveis à manutenção da taxa de lucro do capi- descuidou de reforçar os aparatos repressivos/poli-
tal e ao Estado cumpre prover as circunstâncias de ciais4 contra os movimentos sociais da classe traba-
um novo período de crescimento. Ao Estado, o novo lhadora e passou a criminalizar a pobreza e suas ações
estágio da acumulação capitalista requereu reivindicativas por melhores condições de vida e tra-
contrarreformas no sentido de privatizar o fundo pú- balho em todo o mundo, embora com mais ‘afinco’
blico de diferentes e criativas formas, dentre as quais nos países da periferia do capitalismo como meio de
situam-se a: combater a auto-organização dos trabalhadores.
a) entrega do parque estatal lucrativo (produtivo Como analisou Marx, em passagem sobre os expedi-
e de serviços) aos negócios privados; entes da burguesia para elevar a exploração da for-
b) redução da proteção à força de trabalho ocu- ça de trabalho,
pada e excedente pela diminuição de direitos
trabalhistas e sociais de que são exemplos ca- Para atingir esse objetivo, para extirpar a preguiça,
racterísticos as contrarreformas previdenciá- a licenciosidade e as divagações românticas da li-
rias, trabalhista e sindical; berdade, para reduzir a taxa arrecadada em benefí-
c) redefinição do campo de atuação das políticas cio dos pobres, para incentivar o espírito industrial
sociais como atividades não exclusivas do Es- e para reduzir o preço do trabalho nas manufaturas,
tado de modo a torná-las serviços privados, propõe esse fiel paladino do capital o meio eficaz, a
esferas passíveis de comercialização, de cria- saber, encarcerar os trabalhadores que dependam
ção de novos negócios e de intensificação dos da beneficência pública, em uma palavra, os po-
já existentes (por exemplo a saúde, a previ- bres, num ‘asilo ideal de trabalho’. ‘Será mister
dência e o ensino privado) com subsídios do transformar esse asilo em casa de terror’. Nessa
fundo público; ‘casa de terror’, nesse asilo ideal de trabalho, have-
d) canalização de parte mínima dos recursos do rá a obrigação de trabalhar ‘14 horas por dia, inclu-
fundo público que financia as políticas sociais indo-se o tempo adequado para as refeições, de
de responsabilidade do Estado para a fração modo que restarão 12 horas inteiras de trabalho’
da classe trabalhadora mais pauperizada (pro- (MARX, 1988, p. 314, grifos do autor).
gramas de transferência de renda/assistenciais,
curiosamente cognominados “bolsas”), a enor- Às contrarreformas do Estado somaram-se as
me fração excedentária da força de trabalho, inovações tecnológicas e as mudanças no método de
pela via de operação monetarizada, com di- trabalho que oportunizaram a elevação da explora-
nheiro plástico, operado por bancos, de modo ção da força de trabalho (instabilidade e precarização
a tornar o recurso público3 também recursos do trabalho, extensão da jornada de trabalho, aumen-
monetários manipulados por instituições ban- to do trabalho excedente, redução dos direitos traba-
transferência de partes do fundo público para a in- no âmbito institucional-organizacional responsáveis pela
tervenção privada sob a “questão social”. sua operacionalização e execução. Os impactos para
Aprofunda-se, pois, a tendência já sinalizada por o trabalho profissional são imediatos e fortemente con-
Mota (1995) acerca da condição da seguridade soci- dicionados pelos parâmetros institucionais, dadas as
al no Brasil de privatização, como é o caso da previ- exigências colocadas pelas agências empregadoras e
dência e saúde, que se conjuga com o assistencialismo pela realidade do formato do conjunto de programas
focalizado sobre os segmentos mais pobres. O que sociais. Não se pode perder de vista que se trata de
tem implicado a carência de recursos, a estruturação diferentes espaços ocupacionais e, certamente, a lógi-
de uma plêiade de programas sociais voltados para ca da pauperização e privatização dos serviços têm
os segmentos sociais mais vulneráveis, a tendência expressões diferenciadas na medida em que se trata
de “assistencialização das políticas sociais” e, mais também de natureza, racionalidades e finalidades
grave, pela “financeirização” do fundo público. Com institucionais distintas.
a expansão desta segunda tendência, reduzem-se os Sob as racionalidades técnico-políticas e adminis-
postos de trabalho típicos da era em que o grande trativas, próprias da contrarreforma do Estado brasi-
capital suportou a construção do Estado de bem-es- leiro, teceram-se condições para o exercício profissio-
tar social com políticas universais, grandes equipa- nal com fortes tendências de precarização e de alie-
mentos públicos sob sua execução direta e com um nação profissional. No atual contexto histórico regres-
número significativo de força de trabalho por ele sivo para os direitos dos trabalhadores, a barbárie so-
empregada para viabilizar os direitos sociais e traba- cial, através de mediações específicas, reproduz no
lhistas. Todavia, a vigência de uma tal realidade deve âmbito institucional do trabalho profissional condições
ser submetida a um novo momento de necessidade limitadas para a autonomia teórico-metodológica, téc-
de aumento das taxas de lucro. nica e ético-política do exercício profissional. Isto sig-
Ao capital financeiro e portador de juros interes- nifica afirmar o necessário debate que problematiza
sam as mais diferentes formas de apropriação do fun- os traços singulares de autonomia relativa da profis-
do público, isto é, das generosas quantidades de mais são no quadro da correlação de forças dos dias pre-
valia produzidas pela força de trabalho que sustentam sentes. Para Iamamoto (2007, p.128), “estabelece-se
as intervenções do Estado capitalista. Já não lhes bas- a tensão entre projeto ético-político e alienação do tra-
tam, aos grandes capitais, no presente estágio da vida balho, indissociável do estatuto assalariado.”
social, os empréstimos, as privatizações, os favores A tendência, pois, de alienação do trabalho está
licitatórios e toda a numerosa sorte de “serviços” pres- enraizada nas condições de trabalho propiciadas pelo
tados ao grande capital por seu “comitê executivo”. estágio atual do modo de produção, por suas exigên-
Assim, é parte importante da apropriação do fundo cias de lucro, pelas contrarreformas de seu Estado,
público pelo grande capital, na sua forma bancário- pela redefinição das políticas sociais com ênfase nos
financeira, as medidas e as políticas de “transferência seus traços de assistencialização e financeirização.
de renda” para as frações mais pauperizadas da clas- Sobre tais elementos, repousam muitas das
se trabalhadora. Tais instituições bancário-financeiras problematizações dos assistentes sociais quando se
ao intermediarem as “transferências de renda” para a referem ao sofrimento e ao desgaste mental e emo-
fração mais miserável da classe trabalhadora realizam cional, ao desânimo face às normas e aos parâmetros
a sua função por excelência: multiplicar o mesmo di- institucionais, as (im) possibilidades de operacionalizar
nheiro e torná-lo capital6. seus princípios ético-políticos, a inserção combinada
Reconhecer os traços da assistencialização e da em várias políticas sociais que impõe rotinas de tra-
financeirização das políticas sociais é distinguir as pro- balho duplas, sob a perspectiva do cumprimento de
fundas e irreconciliáveis contradições do tempo pre- índices de produtividade e de metas a serem
sente que no espaço da proteção social nos confron- alcançadas e atestadas.
tam com limites muito claros, porque de classe. Des- Como o indicou Lukács, o processo de conheci-
velar estes limites é fundamental para a compreensão mento da vida social sob o modo de produção capita-
das metamorfoses do trabalho profissional; mascará- lista na idade presente torna-se mais difícil porque o
los é tornar indecifrável a precarização do trabalho fetiche do capital impregna as relações sociais de
dos assistentes sociais, o elevado grau de sofrimento e modo profundo, como o próprio modo de ser e de se
frustração manifestos em reflexões nos ambientes pro- realizar do estágio em curso. Na sua letra,
fissionais e de organização da categoria, a dilatação e
a intensificação da jornada de trabalho, a decadência Eis como a evolução do capitalismo no estágio im-
geral das condições de vida e de trabalho. perialista não faz senão intensificar o fetichismo
Toda essa dinâmica configura uma nova realidade geral, pois, o fato da dominação do capital finan-
profissional à medida que a tendência de privatização ceiro, os fenômenos a partir dos quais seria possí-
e pauperização da política social face às exigências da vel desvendar a ‘reificação’ de todas as relações
contrarreforma do Estado brasileiro são objetivadas humanas, tornam-se cada vez menos acessíveis à
reflexão da média das pessoas (LUKÁCS, 1967, p. · Trabalho profissional é produtor de sofrimento
29, grifos no original). e de desgaste emocional (assistência/abrigos).
Foi o estatuto deste profissional assalariado que As reflexões iniciais aqui desenvolvidas permitem
circunscreveu o universo e as condições nas quais se afirmar que as condições de trabalho dos assistentes
realiza o trabalho profissional do assistente social. Es- sociais pioraram nas décadas de 1990 e de 2000 e
tas condições são aqui sumariadas como traços seguiram igual tendência auferida em estudos de ou-
indicativos e, ainda, que carecem de quantificação como tras categorias profissionais, em particular, e na classe
objeto de pesquisa de muitos para que seja possível trabalhadora como um todo. Todavia investigações
que a universidade e a categoria, autonomamente, pos- amiúde são mais do que necessárias para capturar e
sam fazer a crítica e a superação dos fetiches que problematizar as tendências centrais nestes quase 20
também nos alcançam em tempos tão bárbaros. anos de contrarreformas do Estado e das políticas so-
A sistematização, a seguir, foi elaborada pela au- ciais. O aprofundamento da pesquisa neste campo
toras com base em relatórios de CBAS: Sessão certamente contribuirá para o desvanecimento de pers-
Temática: Trabalho profissional e espaços sócio- pectivas ilusórias sobre os potenciais das políticas so-
ocupacionais: ciais, bem como para compreender a condição históri-
ca do trabalho dos profissionais nelas envolvidos.
Formas de contratação da força de trabalho
profissional
· Contratos sem realização de concursos; Referências
· Contratos por prestação de serviços;
· Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). ALVES, G. O novo (e precário) mundo do trabalho.
Reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São
Expressões da precarização do trabalho Paulo: Boitempo/Fapesp, 2000.
profissional
· Trabalho domiciliar; BURAWOY, M. A transformação dos regimes fabris no
· Legalização da precarização no âmbito muni- capitalismo avançado. Revista Brasileira de Ciências
cipal; Sociais, v. 5, n. 13, p. 29-50, jun. 1990.
· A instabilidade e a precarização do trabalho
dos assistentes são identificadas desde os ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na
editais dos concursos pela ausência de dados Inglaterra. Prefácio de José Paulo Netto. Tradução de B.
sobre como será o trabalho e as condições de A. Schumann. São Paulo: Boitempo, 2008.
contratação da força de trabalho.
IAMAMOTO, M. Serviço Social em tempo de capital
Condições do trabalho profissional fetiche. São Paulo: Cortez, 2007.
· Metas de produtividade e desempenho são
campo fértil para o assédio moral quando não IANNI, O. A ditadura do grande capital. Rio de Janeiro:
se alcançam as metas; Civilização Brasileira, 1981.
· Atuação na interseção de duas ou mais políti-
cas sociais; LUKÁCS, G. Existencialismo ou marxismo. São Paulo:
· Exigências de múltiplas capacitações para tra- Senzala, 1967.
balhar com diferentes áreas da política social
ao mesmo tempo; MARX, K. O capital. Crítica da Economia Política. Livro 1:
· Trabalho solitário e individual; O processo de produção do capital. Volume 1. Rio de Janeiro:
· Jornadas longas e intensivas; Bertrand Brasil, 1988.
· Baixos salários;
· Exploração e fragmentação do trabalho; _______. O capital. Crítica da Economia Política. Livro 3:
· Rotinas de viagens exaustivas; O processo global de produção capitalista. Volumes IV, V,
· Acúmulo de funções e atividades, como parti- VI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988a.
cipar em diversos conselhos e em cada um
desenvolver e representar uma categoria MÉSZÁROS, I. Para além do capital. Tradução de Paulo
(gestor, trabalhador); Cezar Castanheira e Sérgio Lessa. São Paulo: Boitempo,
· Superposição das funções; 2002.
· “Assistencialização”: rebaixa o direito do usu-
ário e precariza as condições de contrato e MOTA, A. E. Cultura da crise e seguridade social: um
das condições de trabalho dos assistentes so- estudo sobre as tendências da previdência e da assistência
ciais, principalmente nos municípios; social brasileira nos anos 80 e 90. São Paulo: Cortez, 1995.