Você está na página 1de 109

PROGRAMA

RUMO À VI ASSEMBLEIA NACIONAL! 1


SUMÁRIO

1. Somos a Consulta Popular: teses sobre o Projeto Popular e seu programa,


Ádima Monteiro (PA), Adrielly Regis (SE), Aguinaldo Pansa (SP), Alfredo Baleeiro
(BA), Aline Craveiro (SP), Aline “Panda” Velten (RJ), André Barreto (PE), André
Flores (SP), André Mogadouro (SP), Antonio Goulart (PR), Armando Boito Jr. (SP),
Aroldo Joaquim Camillo Filho (SP), Aton Fon Filho (SP), Barbara Pontes (SP), Bia
Carvalho (SP), Bianca “Bagg” Monteiro (SP), Breno Neno (PA), Bruno Santos (SP),
Caíque Gondim (SE), Camila Mudrek (BA), Carlos Duarte (SP), Dalva da Graça
(SE), Daniel Christante Cantarutti (SP), Danilo Uler (SP), Durval “Dudu” Siqueira
(SE), Edimilson Rodrigues (SP), Eduardo “Du” Mara (PE), Eduardo “Edu” José
Rezende Pereira (SP), Éder Lima (SP), Elinoan “Eli” Silva (SE), Erick Feitosa (SE),
Fabiano Paixão (BA), Fábio Barros (PA), Felipe Reis Melo (PE), Fernando Heck
(SP), Flávia Moura (SP), Gabriela Guedes (SP), Gentil Couto Vieira (PR), Hellen
Lima (PR), Heloísa Souza (SP), Herick Argôlo (SE), Janaíta Hartmann (RS),
Jeffirson Ramos (TO), João Barison (SP), José Beniézio “Beni” Carvalho (BA), Juan
Gonçalves da Silva (BA), Juarez José Teixeira Roberto (SP), Julia Duran (SP),
Juvenice Ferreira (BA), Karina Bispo (SP), Kyo Kobayashi (SP), Larissa (Lali) Alves
(SE), Léia Nascimento (BA), Leonardo Barbieri (SP), Levy Nascimento (SE), Lucas
“Cerrado” Henrique (SP), Lucas Pelissari (PR), Lysanne Ferro (AL), Madu
Fernandes (SP), Magno Luiz da Costa Oliveira (BA), Márcio Fernandes da Silva
(SP), Marina Tiengo (SP), Marco Aurélio Costa Oliveira (BA), Marcos Galvão (SE),
Maria Luiza Freitas Marques do Nascimento (PR), Mateus Britto (BA), Matheus
Gomes (SP), Mauro Pinto de Castro (SP), Mônica Coelho Lacerda (SP), Natália
“Welma” (SP), Paola Estrada (SP), Patrícia Fernandes Pereira (BA), Pablo
Montalvão (BA), Pedro Carrano (PR), Pedro “Leitinho” (SP), Raul Amorim (SP),
Regiane Fernandez (SP), Ricardo Gebrim (SP), Rodolfo Lima (SP), Simone Jesus
(BA), Tatiana Berringer (SP), Thiago Barison (SP), Venício Montalvão (BA), Verônica
Salustiano (TO), Vinicius Ellero (SP), Vinícius Luduvice (TO), Yago Dórea (SP), Yuri
Talacimon "Buri" (SP), Zulmira Fonseca (SP)..............................................................4

2. Um passo à Frente no Projeto Popular para o Brasil, Celso Aquino (SE),


Ivan Siqueira (SE), Fabio Andrey (SE), Amélia Gomes (MG), Ana Carolina
Vasconcelos (MG), Ana Júlia Guedes (MG), Áureo Miguel (MG), Bruno Diogo (MG),
Débora Sá (MG), Derik Ferreira (MG), Doracy Karoline (Dorinha) (MG), Douglas
Fávero (Dodô) (MG), Fábio Garrido (MG), Frederico Santana Rick (MG), Gabriel
Reis Amaral (MG), Gabriela Cavalcanti (MG), Giselle Maia (MG), Isabella Mendes
(MG), João Guilherme Gualberto (MG), Joana Tavares (MG), Jonathan Hassen
(MG), Liliam Daniela dos Anjos (MG), Lucileia Miranda (MG), Luiza Travassos (MG),
Luiz Paulo Macedo Alves (MG), Luiz Paulo Siqueira (MG), Lorhana Lopes (MG),
Marco Gatti (MG), Nathália Ramos (MG), Paulinha Silva (MG), Paulo Antônio (MG),
Paulo Grossi (MG), Rafael Donizete (MG), Rawy Sena (MG), Rayssa Neves (MG),

2
Santiago Matos (MG), Vanessa Sousa (MG), Vinícius Moreno (MG), Wallace Oliveira
(MG), Yana Lizardo (MG), Kivia Costa (MG), Letícia Zampier (MG), Tamyres Lima
(SP), Guilherme Miranda (SP), Débora Araújo (SP), Nataly Santiago (SP), Julia
Louzada (SP), Jessy Dayane (SP), Julia Aguiar (SP), Rodrigo Sune (SP), Walisson
Rodrigues (SP), Emilly Firmino (SP), Elida Elena (SP), Thays Carvalho (SP),
Leonardo Paes Niero (SP), Lucio Centeno (SP), Miriam Martins (SP), Eline Ethel
(SP), David Martins (SP), Ezequiela Scapini (SP), Eliane Moura (SP), Juliane Furno
(SP), Pedro Freitas (SP), Igor Felippe (SP), Ronaldo Pagotto (SP), Iriana Cadó (SP),
Luma Vitória (SP), Olívia Carolino (SP), Thiago Duarte (SP), Thiago Henrique (
gaúcho) (SP), Leidiano Farias (SP), Nathalia Neiva (SP), Sophia Miranda (SP), Raul
Amorim (SP), Rafael Roxo (SP), Rafael Coelho (SP), André Cardoso (SP), Rafael da
Guia (SP), Lauro Carvalho (SP), Ygor Silva (SP), Tobias Pereira (DF), Ana Moraes
(DF), Katty (DF), Agata (DF), Olívio (DF), Jarbas Vieira (DF), Fabio Tinga (DF),
Cintia Isla (DF), Carla Lessa (DF), Adilson Miranda (DF), Patrícia da Silva (DF),
Francisco Nonato (DF), Aline Cortes (DF), Adda Luisa (DF), Márcia Silva (DF),
Leonardo Severo (BA), Alexandre Xando (BA), Allan Yukio (BA), Lorena Carneiro
(BA), Vitor Alcantara (BA), Guilherme Ribeiro (BA), Kleybson Ferreira (BA), Pablo
Bandeira (BA), Ingrid Moraes (Guiga) (BA), Julia Hirsgberg (BA), Itana Scher (BA),
Elder Reis (BA), Julia Garcia (BA), Rosalho da Costa Silva (CE), Lívio Pereira (CE),
Miguel Braz (CE), Joana Borges (CE), Joyce Ramos (CE), Pedro Silva (CE), Rogério
Babau (CE), Emille Sampaio (CE), Monyse Ravena (CE), Fabiano Sousa (CE),
Paulo Henrique (peaga) (CE), Eduana Santos (CE), Acácio Simões (CE), Gabriel
Campelo (CE), Allana Karyne S. Ferreira (CE), José Cleiton (CE), Alex Nascimento
(CE), Amanda Primo (CE), Thalita Vaz (CE), Thiago Nascimento (CE), Samanta
Forte (CE), Caroline Otavio (RJ), Maira Marinho (RJ), Breno Rodrigues (RJ), Alisson
Sampaio (RJ), Rafael Kritski (RJ), Carolina Dias (RJ), Bruna Ramalho (RJ), Darlan
Montenegro (RJ), Antonio Neto (RJ), Allanis Pedrosa (RJ), Lucilia Aguiar (RJ),
Leonardo Freire (RJ), Ana Gusmão (PE), Isa Gabriela (PE), Louise Xavier (PE),
Paulo Mansan (PE), Rosa Amorim (PE), Aristóteles Cardona (PE), Rani de
Mendonça (PE), Dennis (GO), Carolina Lima (RS), Milton Viário (RS), Enio Santos
(RS), Jorge Ramos (RS), Ronaldo Schaffer (RS), Carlinhos (RS), Luana Carolina
(PB), Marcos Freitas (PB), Gleyson Melo (PB), Daiane Araújo (PB), Felipe Baunilha
(PB), Deyse Araújo (PB), Ciro Caleb (PB), Joel Cavalcante (PB), Juliano Koch (PB),
Caroline Faria (PB), Barbara Zen (PB), Vera Fernandes (PB), Rafaela Carneiro (PB),
Ana Holanda (PB), Carlos Eduardo - Cazé (PB), Lucas Machado (PB), Yago Licarião
(PB), Antônio Carneiro (MT), Amandla Silva Sousa (MT) ................................21

3
_______________________________________________________________________

Somos a Consulta Popular


Teses sobre o Projeto Popular e seu programa
Ádima Monteiro (PA), Adrielly Regis (SE), Aguinaldo Pansa (SP), Alfredo Baleeiro
(BA), Aline Craveiro (SP), Aline “Panda” Velten (RJ), André Barreto (PE), André
Flores (SP), André Mogadouro (SP), Antonio Goulart (PR), Armando Boito Jr. (SP),
Aroldo Joaquim Camillo Filho (SP), Aton Fon Filho (SP), Barbara Pontes (SP), Bia
Carvalho (SP), Bianca “Bagg” Monteiro (SP), Breno Neno (PA), Bruno Santos (SP),
Caíque Gondim (SE), Camila Mudrek (BA), Carlos Duarte (SP), Dalva da Graça
(SE), Daniel Christante Cantarutti (SP), Danilo Uler (SP), Durval “Dudu” Siqueira
(SE), Edimilson Rodrigues (SP), Eduardo “Du” Mara (PE), Eduardo “Edu” José
Rezende Pereira (SP), Éder Lima (SP), Elinoan “Eli” Silva (SE), Erick Feitosa (SE),
Fabiano Paixão (BA), Fábio Barros (PA), Felipe Reis Melo (PE), Fernando Heck
(SP), Flávia Moura (SP), Gabriela Guedes (SP), Gentil Couto Vieira (PR), Hellen
Lima (PR), Heloísa Souza (SP), Herick Argôlo (SE), Janaíta Hartmann (RS),
Jeffirson Ramos (TO), João Barison (SP), José Beniézio “Beni” Carvalho (BA), Juan
Gonçalves da Silva (BA), Juarez José Teixeira Roberto (SP), Julia Duran (SP),
Juvenice Ferreira (BA), Karina Bispo (SP), Kyo Kobayashi (SP), Larissa (Lali) Alves
(SE), Léia Nascimento (BA), Leonardo Barbieri (SP), Levy Nascimento (SE), Lucas
“Cerrado” Henrique (SP), Lucas Pelissari (PR), Lysanne Ferro (AL), Madu Fernandes
(SP), Magno Luiz da Costa Oliveira (BA), Márcio Fernandes da Silva (SP), Marina
Tiengo (SP), Marco Aurélio Costa Oliveira (BA), Marcos Galvão (SE), Maria Luiza
Freitas Marques do Nascimento (PR), Mateus Britto (BA), Matheus Gomes (SP),
Mauro Pinto de Castro (SP), Mônica Coelho Lacerda (SP), Natália “Welma” (SP),
Paola Estrada (SP), Patrícia Fernandes Pereira (BA), Pablo Montalvão (BA), Pedro
Carrano (PR), Pedro “Leitinho” (SP), Raul Amorim (SP), Regiane Fernandez (SP),
Ricardo Gebrim (SP), Rodolfo Lima (SP), Simone Jesus (BA), Tatiana Berringer
(SP), Thiago Barison (SP), Venício Montalvão (BA), Verônica Salustiano (TO),
Vinicius Ellero (SP), Vinícius Luduvice (TO), Yago Dórea (SP), Yuri Talacimon "Buri"
(SP), Zulmira Fonseca (SP).

4
I. A Revolução Brasileira tem caráter democrático-popular e abre caminho para
o avanço ao socialismo.

1. Nosso horizonte estratégico é a ditadura do proletariado e a construção


do socialismo, avançando rumo à destruição de todas as formas de
exploração e opressão. O modo de produção capitalista permite o
desenvolvimento do interesse e da consciência política do proletariado em
favor da socialização dos meios de produção, o que se coloca por meio do
controle operário do processo produtivo, do planejamento democrático, da
redução da jornada de trabalho e da progressiva eliminação da divisão social
do trabalho; assim, torna-se possível a eliminação da divisão da sociedade
em duas classes fundamentais, uma que controla os meios de produção 一
nos quais se incluem a ciência e a tecnologia ー e outra que se submete ao
processo produtivo imposto e, consequentemente, à apropriação alheia do
produto. O proletariado é a classe capaz de impulsionar a luta pela educação
científica, técnica e política de toda a população para que controle os meios e
o processo de produção e para que, assim, sejam extintas todas as classes
sociais, a divisão racial e sexual do trabalho e o Estado tal qual conhecemos.
Nossa luta é pela Ditadura do Proletariado que, através do socialismo, levará
à extinção de todas as formas de exploração e opressão numa sociedade
comunista, onde a liberdade de cada um será a condição para a liberdade de
todos.

2. A Revolução Brasileira é uma revolução ininterrupta e por etapas. Em um


país dependente como o Brasil, as tarefas de uma primeira etapa da
revolução são predominantemente nacionais, democráticas e populares. As
circunstâncias econômicas, sociais e políticas da formação social brasileira
impossibilitam a construção imediata do socialismo. Confrontar as estruturas
do capitalismo brasileiro passa por diversas tarefas que uma ditadura
democrático-popular há de realizar: desenvolvimento das forças produtivas,
integração regional, aproveitamento dos recursos naturais, desenvolvimento
da ciência e da técnica, soberania alimentar, energética, tecnológica e militar,
progressiva socialização do trabalho reprodutivo, incremento do controle
popular da administração pública, melhoria geral dos indicadores sociais e da
produtividade do trabalho etc. Mais que isso, é por meio da realização de tais
tarefas que se desenvolve o grau de consciência e organização das massas
trabalhadoras. Por isso, a depender do poder político proletário e da
correlação internacional de forças, esse mesmo processo revolucionário pode
avançar rumo a tarefas puramente socialistas. Não há uma barreira
intransponível entre as etapas democrático-popular e socialista. Como
atestam as experiências históricas de transição ao socialismo, sob a direção
dos trabalhadores a etapa democrático-popular da revolução pode combinar

5
tarefas socialistas e capitalistas, ainda que as relações dominantes sejam,
nesta primeira etapa, predominantemente capitalistas de Estado.

3. Não reconhecer a etapa democrático-popular da Revolução Brasileira


leva a dois desvios políticos que são faces de uma mesma moeda, o
esquerdismo e o reformismo. O desvio esquerdista é alimentado por um
componente voluntarista, que trata a luta reivindicativa como sendo a própria
luta revolucionária. Pelo argumento segundo o qual o capitalismo teria
entrado numa fase decadente, desde 1938 segundo Trotsky, incapaz de
absorver quaisquer avanços sociais, as lutas reivindicativas e do programa
mínimo adquirem, nessa visão, a natureza de luta pelo programa máximo. É
como se o poder estivesse em questão a todo tempo e qualquer recuo passa
a ser tratado como traição. No plano das alianças de classes, esse desvio
descuida da necessidade da agitação e propaganda dirigidas não
exclusivamente ao proletariado, mas ao conjunto das classes e frações de
classes que, junto com ele, compõem o que chamamos povo brasileiro, os
trabalhadores da massa marginal, de classe média, a pequena e média
burguesias e o campesinato. Esse desvio aparece no rechaço que parte das
organizações políticas de tradição trotskistas manifesta em relação às
experiências de transição ao socialismo. Por exemplo, a conquista e a
conservação das reformas democrático-populares, pelas quais lutam na atual
correlação internacional de forças Cuba e Venezuela, são tomadas por
traições à causa do proletariado e do socialismo. Já o desvio reformista
consiste em desvincular a luta imediata do objetivo revolucionário, desvincular
a tática da estratégia revolucionária. Uma vez que a correlação de forças
desfavorável empurra para um horizonte utópico a reivindicação de quaisquer
medidas do programa socialista (que absorveu as tarefas democrático-
populares), recai-se, por um suposto realismo, num programa e numa tática
imediatistas, presos à luta reivindicativa ou a um programa burguês possível.
Em outros casos, o reformismo defende, implícita ou explicitamente, que as
próprias tarefas democrático-populares poderiam ser implementadas sem
uma ruptura revolucionária, através de um governo de “frente ampla” com a
burguesia.

4. Afirmar a existência de etapas na revolução não significa aderir ao


chamado “etapismo”. O Projeto Popular não atribui a uma burguesia
nacional ou interna um papel dirigente na Revolução Brasileira. O
etapismo estabelece a necessidade de duas revoluções políticas nos países
dependentes. Uma revolução que seria dirigida por uma burguesia
“democrática” e outra que, finalmente, seria dirigida pelo proletariado. Já a
"revolução ininterrupta por etapas" tem como referência não a classe
dirigente, mas a natureza das tarefas, que se altera nas diferentes etapas
revolucionárias. O PCB, partido hegemônico na esquerda brasileira até pouco
depois da década de 60, incorreu no desvio etapista. A necessidade de uma

6
etapa na Revolução Brasileira dirigida pela burguesia nacional seria a
condição para implementar reformas capazes de desenvolver o capitalismo e
preparar o terreno para o socialismo. Essa análise e a estratégia dela
decorrente foram derrotadas historicamente com o golpe de 1964. Do
aprendizado histórico e da crítica ao etapismo, nasce o programa
democrático-popular.

5. O programa democrático-popular contempla medidas anti-imperialistas,


anti-monopolistas e anti-latifundiárias, medidas anti-racistas e anti-
patriarcais. A solução ou atenuação de grande parte dos problemas mais
imediatos do povo depende, centralmente, de medidas dessa natureza. São
medidas que, em si mesmas, não rompem com o modo de produção
capitalista, mas que recebem o rechaço do imperialismo, da grande burguesia
dependente e de seus aliados. Portanto, a defesa do programa democrático-
popular permite o acúmulo de forças para uma frente política que representa
as amplas massas populares, sob a direção do proletariado, isto é, o
operariado, os/as trabalhadores/as da massa marginal, os/as
trabalhadores/as de classe média, o campesinato e a pequena e média
burguesias; bem como, atravessando esse conjunto de setores, as mulheres,
pessoas negras e LGBTs, todos explorados e oprimidos pelo imperialismo, os
monopólios, o latifúndio e, pelo racismo e o patriarcado.

II. O Projeto Popular é composto pelo programa democrático-popular, pelo


povo em luta por uma estratégia revolucionária, pelo partido de vanguarda e
por uma tática capaz de acumular forças no sentido dos objetivos do programa
democrático-popular e do socialismo.

6. Não é possível realizar o programa democrático-popular pela "via


democrática" burguesa. Para tanto, é imprescindível a destruição do
Estado capitalista. Por mais que haja avanços democráticos e sociais
impulsionados pelas lutas populares, o Estado burguês seguirá sendo o
organizador e o centro de exercício do poder burguês, jamais do poder
popular. Assim, uma vez que a ditadura burguesa, ainda que sob um regime
democrático como o atual, não suporta as reformas que contrariam os
interesses fundamentais do imperialismo, dos monopólios, do latifúndio, do
racismo estrutural e do patriarcado, a luta pelo programa democrático-popular
necessita da revolução e a impulsiona. Como diz o documento da
Conferência Teórica Internacional da OLAS - “Organización Latinoamericana
de Solidariedad” realizada em Havana em 1982, um documento fundamental
na trajetória da Consulta Popular, “para os marxistas-leninistas, o problema
central da revolução é a tomada do poder. Isto significa propiciar as condições
materiais e subjetivas que permita fazer avançar ininterruptamente o processo
rumo à etapa socialista. A primeira e mais importante destas condições é a

7
destruição do aparelho estatal burguês e sua suplantação por um Estado
revolucionário baseado na hegemonia do proletariado em estreita aliança com
as demais classes e setores populares. Esta ruptura histórica é insubstituível
em toda revolução verdadeira”.

7. Para se materializar, o programa democrático-popular depende da


existência e do desenvolvimento de uma organização revolucionária que
assuma a forma de partido. É equivocado o ponto de vista segundo o qual o
Projeto Popular seria a síntese espontânea das reivindicações surgidas no
próprio processo de luta. Seja de forma oculta ou aberta, há sempre uma
forma política que faz a "síntese" das bandeiras de luta que compõem o
programa, que decide sobre como incidir em cada contradição e, portanto,
qual manifestação ou organização de determinado segmento social será
representada no programa e na tática, de que maneira e com que peso. O
conceito de partido – um conceito socialista, segundo Lênin – pressupõe que
esse centro decisório se baseie no centralismo-democrático, justamente para
dar conta, na estratégia revolucionária, da variedade, amplitude e
complexidade das contradições da formação social concreta. Para tanto, é
indispensável a crítica, a autocrítica e o processo político de tipo partidário,
em que as diferentes possibilidades de posições políticas estão sempre claras
e submetidas à avaliação constante de militantes e dirigentes oriundos dos
mais diversos setores sociais e trincheiras de luta. Além disso, o crescimento
da luta popular, por si só, não conduz à revolução e ao socialismo, é dizer, o
crescimento da luta popular é uma condição necessária mas não suficiente,
segundo revelam os fartos exemplos históricos de crises sociais e políticas
causadas ou agravadas por lutas populares, mas que terminaram em
dramáticas derrotas e frustrações. Por isso, ao longo de nossa trajetória
buscamos sempre afirmar na Consulta Popular a centralidade da luta pelo
poder, do que decorrem os papéis insubstituíveis da vanguarda política e da
teoria revolucionária. Não se trata, portanto, apenas de uma questão de
método, mas de conteúdo político.

8. Do programa democrático-popular derivam medidas mais imediatas, de


ampliação dos direitos dos trabalhadores e acúmulo de forças, e
medidas que requerem uma ruptura revolucionária. O Projeto Popular não
se reduz às pautas máximas de seu programa, factível apenas em situações
de ascensão da luta revolucionária. Essa redução contribui para que a luta
por reformas se converta num reformismo, que abandona a construção da
estratégia revolucionária nas situações não-revolucionárias.

III. A luta pelo poder de Estado subordina as medidas do programa


democrático-popular e estas alimentam aquela luta e acumulam para a tomada
do poder.

8
9. O conteúdo feminista do Projeto Popular costura as experiências
históricas de luta e de organização das mulheres com o objetivo de
tomada de poder pelas classes trabalhadoras. A formação social brasileira,
nascida da passagem do escravismo colonial ao capitalismo dependente,
explora e oprime de modo singular as mulheres e, sobretudo, as mulheres
negras, indígenas e da classe trabalhadora. Toda violência contra as
mulheres — seja ela moral, física, psicológica, obstétrica, patrimonial,
institucional/estatal. etc. — é o principal veículo de dominação patriarcal, que
intensifica a exploração do trabalho das mulheres, seja no mercado de
trabalho pela desigualdade salarial e pela atribuição de ocupações
precarizadas, seja pela imposição do trabalho reprodutivo e pela maternidade
compulsória, em regime de múltiplas jornadas. A criminalização do aborto, por
exemplo, vitima majoritariamente as mulheres negras e das classes
trabalhadoras, que morrem por não terem acesso à interrupção segura da
gravidez e que são perseguidas pelo aparato repressivo estatal e enfrentam
nessa estrutura a naturalização de seus corpos como propriedade masculina.
Desta forma, as lutas antipatriarcais - imbricadas ao nó de gênero, raça e
classe - são essenciais tanto para dar fim à exploração do trabalho produtivo
e do trabalho reprodutivo não remunerado e para cessar o rebaixamento do
valor da força de trabalho, quanto para garantir um acúmulo de forças ao
Projeto Popular, através de uma luta que assegure a formação e atuação das
mulheres negras, indígenas e trabalhadoras enquanto vanguarda política do
processo revolucionário. Para tanto, a socialização do trabalho reprodutivo e a
supressão de divisão sexual, racial e social do trabalho, e a garantia do
desenvolvimento das forças produtivas para a construção do socialismo, só
são possíveis com o feminismo.

10. A luta das Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros é


fundamental para o Projeto Popular, uma vez que subverte as relações
de trabalho e de reprodução do capital. O patriarcado impõe que homens e
mulheres desempenhem uma prática heterossexual e uma identidade
cisgênera para que reproduzam a divisão sexual do trabalho e garantam a
manutenção da propriedade privada a partir da herança. A reprodução dos
papéis de gênero contribui na manutenção da exploração capitalista e, nesse
sentido, quaisquer contraposições são consideradas ameaças a este sistema
de exploração, gerando exclusão e violência a estas pessoas. O Brasil, por
exemplo, é o país que possui o maior número de transexuais assassinados no
mundo e, pela população LGBT ser marcada por contradições de classe e
raça, um dos que mais registra casos de violência - física e psicológica - a
pessoas LGBT. O processo de emancipação, visibilidade, identidade e luta
pelos direitos do povo brasileiro LGBT acumula forças para a construção da
revolução socialista, ao passo que coloca em xeque a reprodução do capital.

9
11. As lutas antirracistas do Projeto Popular são fundamentais para a
unificação das massas populares em oposição à ordem burguesa e para
o acúmulo de forças para a Revolução Brasileira. A revolução burguesa no
Brasil e, em especial, a Abolição foram marcadas pela conciliação entre os
interesses dos proprietários de terras, da burguesia nascente e da classe
média branca urbana. Foram negados aos trabalhadores negros livres e
recém-libertos o direito à terra, moradia, saúde, trabalho digno etc. Os ex-
escravizados passaram a compor um enorme exército industrial de reserva,
configurando o racismo como um grande mecanismo de extração de mais-
valia. A constante estigmatização e marginalização do proletariado negro
contribui para a intensificação da exploração do trabalho em toda a sociedade
e amplificam as demais violências, em especial contra as mulheres negras e
pessoas LGBTs. O genocídio da juventude negra e periférica e a política de
encarceramento em massa são as duas linhas mestras de atuação do aparato
repressivo do Estado burguês que promovem, em nome da propriedade
privada, a violência física e psíquica, a estigmatização e o preconceito contra
as populações negras e periféricas, favorecendo a penetração, em resposta,
de ideologias autoritárias no seio das classes trabalhadoras. O Projeto
Popular para o Brasil funde a luta antirracista aos interesses gerais das
classes trabalhadoras ao combater esse fundamento da ordem burguesa-
racista-patriarcal.

12. Afirmamos, portanto, que o socialismo é a condição para o fim do


racismo. O proletariado negro, por um lado está em contradição com o
Capital e, por outro, é atingido pelo racismo. A implementação da ditadura
democrático-popular exige a aliança com o proletariado branco, tomando
como centralidade a solidariedade racial, a fim de dirigir o processo
revolucionário, sendo a vanguarda do socialismo. Negras e negros devem se
inserir no conjunto das lutas e levar à frente as tarefas democrático-populares,
ao mesmo tempo em que brancos e brancas devem se solidarizar com as
lutas antirracistas. Com o poder político do proletariado, é dever do
Socialismo avançar na eliminação das bases materiais - propriedade privada -
e ideológicas do modo de produção e reprodução capitalista e do racismo que
ainda subsistir na etapa anterior.

13. A luta em defesa do meio ambiente não pode estar dissociada da luta de
classes. Somente organizado em torno de um programa próprio sob
direção dos trabalhadores, o povo pode levar às últimas consequências
a defesa do meio ambiente. A resposta capitalista à crise ambiental é a
apropriação privada dos recursos naturais e sua subordinação ao processo de
acumulação de capital. Portanto, as alternativas que desassociam a questão
ambiental da luta de classes e do modelo econômico imposto pelo
imperialismo, como o “capitalismo verde”, não atacam a raiz do problema, que
é a dominação imperialista, do grande capital e do latifúndio, que,

10
historicamente, impõem ao Brasil um papel primário-exportador no mercado
mundial.

14. A ofensiva do capital sobre os recursos naturais não é possível sem o


aumento da exploração e o aprofundamento da dominação do conjunto
das classes populares e, sobretudo, do campesinato e dos povos e
comunidades tradicionais. Esse processo, intensificado após o golpe de
2016 e a ascensão neofascista, conduz à deterioração das condições de vida
dos trabalhadores (acesso à água, terra, alimento e energia), o que se articula
às crises sanitária, hídrica e energética. Adicionalmente, o agravamento das
condições de produção e geração de renda no campo acentua contradições
históricas, como o êxodo rural, a violência patriarcal e racista e a fragilização
da organização comunitária. Em que pesem as políticas ambientais do
neodesenvolvimentismo serem progressistas se comparadas com o
neoliberalismo (legislação ambiental e fundiária, fiscalização, fortalecimento
da agricultura familiar, programas de convivência com o semiárido etc.), a
prioridade dada à grande burguesia primário-exportadora não só limitou o
avanço da pauta ambiental como intensificou fatores estruturais dos riscos
ambientais, como, entre tantos outros, o uso intensivo de agrotóxicos e a
expansão da fronteira agrícola sobre áreas de preservação e terras indígenas
e quilombolas. Isso também limitou o avanço da reforma agrária sob o
neodesenvolvimentismo, o que se expressa na lentidão na criação de
assentamentos durante os governos petistas. Reafirmamos nosso
compromisso com as lutas dos povos e comunidades tradicionais
(demarcação das terras, educação, saúde e acesso ao trabalho com respeito
aos modos de vida diferenciados) e com a unidade operária e camponesa,
urbana e rural, por um Projeto Popular para o Brasil, de orientação anti-
imperialista, antimonopolista e antilatifundiária, que contribua para reorganizar
as relações de produção, circulação e consumo nos marcos da
sustentabilidade e da soberania popular.

15. Os movimentos da Via Campesina e do Campo Popular (MST, MAB,


MAM, MMC, MPA, MCP) tiveram e têm um importante papel em trazer a
luta de classes para a luta ecológica. As lutas dos movimentos do campo
por reforma agrária, pela produção camponesa, o controle das sementes
crioulas, a agroecologia, a soberania popular nos planos alimentar, energético
e da mineração são indispensáveis na luta contra o domínio imperialista. Tais
lutas devem estar canalizadas para uma estratégia revolucionária, com a qual
a Consulta Popular pode e deve contribuir.

16. É preciso reconectar o proletariado dos grandes centros urbanos, os/as


trabalhadores/as da massa marginal e de classe média com o Projeto
Popular para o Brasil. As classes trabalhadoras constituíram a vanguarda
social e política do período que marca a transição da Ditadura para a

11
democracia; o poderoso movimento sindical de massas, pela base e dotado
de um programa democrático-popular foi a mola propulsora das conquistas
sociais inseridas na Constituição de 1988 e do avanço eleitoral do PT a partir
dos anos 1990, quando, então, a implantação do neoliberalismo foi
progressivamente dividindo e enfraquecendo esse movimento, que, a
despeito de ter nascido em oposição direta à estrutura sindical de Estado,
termina a ela integrado. Os governos petistas permitiram que o movimento
operário recuperasse sua capacidade de luta reivindicativa; mas, a prioridade
da luta eleitoral e a conciliação de classes em torno da frente
neodesenvolvimentista bloquearam a politização desse ascenso de lutas
econômicas: na última crise do governo Dilma, que culminou com sua
deposição, e no episódio da prisão arbitrária de Lula, o movimento operário
não compareceu às ruas para defendê-los. A derrota do neofascismo e uma
alternativa popular ao neoliberalismo somente serão possíveis com o retorno
das classes trabalhadoras ao centro da luta: é preciso preparar esse retorno e
as condições organizativas e políticas para as massas trabalhadoras dos
grandes centros urbanos assumirem o programa democrático-popular.

17. A reconexão das classes trabalhadoras com o Projeto Popular para o


Brasil depende da ação persistente e decidida da vanguarda
revolucionária, que compreende uma tática política adequada, a agitação
e propaganda do Projeto Popular e a participação ativa na luta
reivindicativa. É preciso retomar bandeiras de luta históricas das classes
trabalhadoras, como a redução da jornada sem redução de salários, para
enfrentar o desemprego, já que as “horas extras” tornadas habituais
substituem contratações, e a liberdade sindical, para enfrentar os novos e
velhos desafios organizativos, agravados com as terceirizações e a
pulverização subordinada ao algoritmo. Quanto a este último aspecto, setores
de serviços antes entregues a pequenos e médios capitais e condições
artesanais de produção vem sendo fortemente impactados pelas novas
tecnologias, que, embora mantenham a pulverização dos/as trabalhadores/as
e os/as recrutem por contratos precários, amplia a lógica industrial sob o
comando unificado do algoritmo: surgem novas contradições e possibilidades
de lutas diante de alvos mais claros, tanto por melhores condições de trabalho
e remuneração, quanto por novas formas de aplicação dos direitos sociais, a
serem inseridos no próprio algoritmo. O Levante Popular da Juventude tem
papel estratégico para a inserção e o crescimento da influência do Projeto
Popular junto ao proletariado: a juventude do Projeto Popular cultiva os
valores e a teoria revolucionária, impulsiona a luta democrático-popular pela
educação e pela cultura popular e prepara as novas gerações de
combatentes das classes trabalhadoras.

18. Nossa militância, ao lado dos movimentos populares, deve saber aliar a
resolução de problemas urgentes do povo com a agitação em torno do

12
Projeto Popular para o Brasil. Com a derrota estratégica e a pandemia do
novo coronavírus, foram agravadas as condições de vida das camadas
estagnadas das classes trabalhadoras, lançando as organizações populares,
sindicais e partidárias às ações de solidariedade nos bairros. As ações
práticas e de solidariedade ajudam a criar uma base de confiança entre a
militância e os/as trabalhadores/as, em nossos territórios de atuação, em
vários estados. Nossa organização, contudo, participa de forma inconstante
nos rumos da política de solidariedade, o que abre sérias lacunas em
questões sobre onde se inserir, com qual intencionalidade, avaliar quais
experiências organizativas foram eficazes e quais não. As definições em
frentes e instâncias dispersas fragilizam o rico acúmulo organizativo que tais
ações podem proporcionar para o avanço do Projeto Popular. Nossas
ferramentas prioritárias para trabalho urbano, definidas na 5ª Assembleia
Nacional em 2017, seguem sendo o Levante Popular da Juventude e o MTD,
que devem ser potencializadas na atual conjuntura. Nas ações de
solidariedade podemos fortalecer a unidade do movimento sindical e popular,
contribuir para que o povo se organize para a resolução de seus problemas,
impulsionar os movimentos populares urbanos, aproveitando e
potencializando espaços organizativos nas comunidades. Para isso, é
imprescindível a nossa ação como partido.

IV. Para o combate ao neofascismo, o programa imediato do Projeto Popular


não é o neodesenvolvimentismo.

19. O PT abandonou na prática o programa democrático-popular e passou a


se orientar pelo programa neodesenvolvimentista. Isto é, um programa
nacional que prioriza os interesses da grande burguesia interna e
secundariza os interesses populares. Para essa transformação política
influíram muitos fatores, que temos analisado e desenvolvido em nossas
resoluções. Para o atual debate da Consulta Popular, importa agregar que
esse abandono programático e estratégico tem raízes na concepção petista
do "socialismo democrático", que leva à subordinação da luta popular à luta
institucional. Para se afastar desse desvio, é fundamental combinar o
programa democrático-popular com as teses leninistas sobre o Estado, a
revolução e o partido. Esse é o norte estratégico que nos permite seguir no
caminho da Revolução Brasileira, o caminho do Projeto Popular, tal como
afirmamos em nossa V Assembleia Zilda Xavier.

20. Em uma relação de unidade e luta com o neodesenvolvimentismo, a


Consulta Popular vinha numa trajetória de fortalecimento político até a V
Assembleia Nacional. Nas definições táticas, a Consulta Popular se
diferenciou das posições reformistas e esquerdistas, buscando sempre nas
lutas construir o exemplo pedagógico, com vistas a apresentar o Projeto
Popular como a alternativa, não para a vanguarda do PT, mas para as

13
classes populares sob influência da frente neodesenvolvimentista. Nessa
trajetória, igualmente, aproveitamos as melhores condições sociais e
econômicas das classes populares para nacionalizar o Levante Popular da
Juventude, construir o Plebiscito Popular pela Constituinte, organizar a Frente
Brasil Popular e as lutas contra o golpe etc.

21. O programa neodesenvolvimentista, que representa prioritariamente os


interesses da grande burguesia, não constitui uma etapa do Projeto
Popular. A luta defensiva contra o neoliberalismo e o governo neofascista
exige um programa endereçado às demandas das classes e grupos
explorados e oprimidos, potencialmente interessados na mudança do modelo
econômico e do regime político. Ainda que reduzido a um conjunto de
reivindicações e medidas mínimas, esse programa não deixa por isso de ser
anti-imperialista, anti-monopolista, anti-latifundiário, anti-racista e anti-
patriarcal. Isto é, mesmo no terreno da tática para a atual conjuntura de
derrota estratégica, o programa do Projeto Popular não é o
neodesenvolvimentismo.

22. Acrescente-se que o programa neodesenvolvimentista, ao contrário do


programa democrático-popular, desconsidera o pequeno e o médio
capitais, segmentos esmagados pelos monopólios e pelo capital
financeiro. A insatisfação desses setores com a política de favorecimento do
grande capital fez deles uma importante base de apoio para a ofensiva
neoliberal e, atualmente, uma das bases do governo neofascista. Por isso, um
programa que atenda prioritariamente os interesses da grande burguesia
interna, como o neodesenvolvimentismo, continuaria sendo um obstáculo
para fraturar o movimento de massas sobre o qual se apoia o bolsonarismo.
Além disso, na atual conjuntura, sem mobilização social e organização política
dos trabalhadores em torno de um programa próprio, uma frente política que
inclua a grande burguesia interna tende a expressar um programa ainda mais
rebaixado que o da frente neodesenvolvimentista dos governos do PT entre
2003-2016.

23. O neodesenvolvimentismo trouxe importantes avanços para a vida do


povo negro, no entanto também aprofundou grandes contradições que
intensificaram a situação subalterna do povo negro. A inserção de negros
e negras de forma mais qualificada no mundo do trabalho foi um dos avanços
desse período, a partir do aumento de investimento em universidades
públicas e na ampliação dos institutos federais de educação com a
implementação da política de cotas. Contraditoriamente, ocorreu também o
aumento do encarceramento da população negra, o recrudescimento das
políticas de segurança nas periferias, o extermínio cada vez maior da
juventude negra, maior gentrificação dos territórios, empurrando negros e
negras para as periferias das grandes cidades. Dessa forma, uma tentativa de

14
reedição do neodesenvolvimentismo nas condições atuais aprofundaria não
as conquistas, mas os limites e o caráter conservador daquele projeto. Um
partido revolucionário deve se propor a superar tal horizonte na consciência
dos trabalhadores brasileiros.

24. O programa democrático-popular é o único programa capaz de levar a


luta contra o neofascismo até o fim. Isso porque ele permite organizar os
interesses das classes populares pressionadas pela política neoliberal
implementada desde o golpe de 2016 e pelo avanço do neofascismo em
nosso país. A contradição entre o grande capital e o neofascismo é limitada,
uma vez que dentro do bloco no poder se mantém a unidade em torno das
reformas neoliberais contra os trabalhadores, o patrimônio nacional e os
instrumentos de governo que permitem atuação direta na economia. Disso
decorre o caráter vacilante da oposição burguesa, que reprova os arroubos
autoritários de Bolsonaro, mas ainda se divide em relação a um processo de
impeachment. Ou seja, somente as massas populares organizadas podem
conduzir de maneira decidida e consequente a luta contra o neofascismo.

V. As tarefas do Projeto Popular para o Brasil devem responder às condições


objetivas do momento histórico atual, e ao mesmo tempo contribuir para o
avanço rumo ao objetivo estratégico.

25. O programa da Consulta Popular deve enfrentar o neofascismo e a


ofensiva neoliberal da grande burguesia, bem como apontar o conjunto
de reformas estruturais que contribuam para o avanço do Projeto
Popular. Propomos que esse programa, a ser desenvolvido e ajustado, deva
partir, resumidamente, de dois eixos: 1) Medidas de defesa das classes
trabalhadoras e desenvolvimento da sua capacidade de luta; 2) Medidas
da ditadura democrático-popular.

1) Medidas de defesa das classes trabalhadoras e desenvolvimento da sua


capacidade de luta.

i. Combater de todas as formas o fascismo que canalizou a insatisfação


de amplos setores da sociedade e conformou um movimento de
massas; nossa tarefa é dividir e enfraquecer esse movimento, criando
as condições para derrotá-lo;
ii. Lutar pela recuperação democrática e pelo seu aprofundamento,
buscando tanto o fim da tutela midiática, judiciária e militar sobre a
democracia brasileira, quanto o fim de uma comunicação machista,
sexista e heteronormativa, que hiperssexualiza o corpo de mulheres,
em especial de mulheres negras, e favorece a manutenção da indústria
pornográfica.

15
iii. Contra a tutela midiática, precisamos avançar na democratização da
mídia, combatendo os monopólios e fortalecendo meios de
comunicação estatais, submetidos ao controle social, e comunitários,
que contribuam com a auto-organização do povo.
iv. Contra a tutela judiciária da democracia brasileira, é preciso combater o
corporativismo, os privilégios e as conexões das cúpulas com as
classes dominantes; devemos lutar para popularizar e democratizar o
controle externo e o acesso ao aparato judiciário, com eleição
democrática de juízes; fortalecer a advocacia, as defensorias públicas e
os ramos judiciários especializados nos direitos sociais; no plano
político, é preciso enfrentar abertamente o judiciário sempre que tentar
interferir na soberania popular, a exemplo do papel cumprido durante a
ofensiva lavajatista e o golpe de 2016.
v. Contra a tutela militar, é preciso suprimir o Artigo 142 da Constituição
Federal e definir o papel constitucional das Forças Armadas como
exclusivamente de defesa contra eventual agressão de inimigo externo;
lutar para que a formação nas escolas militares se submeta ao sistema
universitário civil com a inserção de disciplinas obrigatórias de história
e ciências sociais; devemos lutar para desativar o aparelho repressivo,
desmilitarizar as polícias militares e combater repressão política; é
fundamental também combater a impunidade dos crimes da ditadura,
revisando a lei da anistia, que poupou os torturadores e seus
mandantes.
vi. Exigir a revogação das reformas trabalhistas e previdenciária e da
emenda do teto de gastos, combatendo o fiscalismo que penaliza o
povo em nome de uma "austeridade" estéril e desconectada dos
desafios do país. O reconhecimento previdenciário do trabalho
reprodutivo, de modo a garantir, independentemente de prévia
contribuição, aposentadoria por idade a todas as mulheres que não a
tenham por outros meios.
vii. A volta do Brasil para o mapa da fome e a inflação no preço dos
alimentos expressam, além da miséria que se amplia na mesma
medida que a riqueza de uns poucos, a nossa frágil soberania
alimentar. É preciso retomar os estoques públicos de alimentos,
promover a produção e distribuição de alimentos da pequena
agricultura familiar e acumular na luta pela mudança do modelo
agrícola de nosso país. A crise sanitária revelou a importância
emergencial e o potencial econômico e social de uma política
permanente de renda básica; devemos lutar para sua implementação
imediata, sem prejuízo de outros benefícios de prestação continuada.
viii. A política econômica deve servir aos interesses do povo, não à
valorização financeira e ao capital estrangeiro. É necessário abandonar

16
romper com o "tripé macroeconômico" neoliberal e desenvolver novas
bases para uma política econômica voltada aos interesses do povo
trabalhador. A política externa deve se pautar pela soberania nacional
e a integração regional latino-americana. A gestão do Banco Central
precisa se subordinar ao interesse social, sendo fundamental revogar
sua autonomia e rever o objetivo restrito à busca da estabilidade de
preços.
ix. Lutar por geração de emprego e renda, por meio de frentes de trabalho
em serviços públicos emergenciais nas áreas de moradia, saúde e
educação, pela progressiva valorização do salário mínimo, que deve
garantir condições dignas para as famílias do povo trabalhador, e pela
redução da jornada de trabalho sem redução dos salários.
x. Devemos conquistar condições adequadas de trabalho (saúde e
segurança, ergonomia, jornada, ritmo do trabalho) para todos. Como
ensina o MTD, é preciso lutar pelo direito de trabalhar e para trabalhar
com direitos.
xi. Intencionalizar a histórica luta feminista e antirracista por “salário igual
para trabalho igual”, pela licença parental em substituição à licença
maternidade, pela educação continuada e escolarização completa para
mulheres e pessoas negras.
xii. Em defesa da autonomia e da liberdade de organização e luta da
classe trabalhadora; pela autonomia e liberdade sindicais, com o direito
dos/as trabalhadores/as de se organizarem livremente e em comissões
de empresas, com acesso às informações econômicas e contábeis das
empresas;
xiii. Pelo fortalecimento de espaços auto-organizados por e para mulheres,
que possibilite a construção da solidariedade no processo de
compreensão das raízes estruturais de sua exploração e dominação.
xiv. Lutar pela ampliação de mecanismos de participação popular direta,
tais como a iniciativa popular para legislar, consultas e referendos
populares, instrumentos de controle social dos agentes do Estado etc.
xv. Contra a hegemonia do grande capital bancário e do sistema
financeiro, avançar na oferta estatal de crédito acessível aos pequenos
e médios negócios, com especial ênfase na produção agroecológica e
industrial, visando o desenvolvimento produtivo.
xvi. Reformar a estrutura tributária brasileira visando aumentar a
arrecadação de impostos e distribuir a renda; deve-se romper com o
atual sistema regressivo, tributar o grande capital e a grande
propriedade imobiliária, a renda e o patrimônio, sobretudo as grandes
fortunas, e o consumo de luxo, para desonerar as classes populares

17
(pequena e média burguesias, classes médias, campesinato e o
proletariado);
xvii. Em defesa dos biomas brasileiros e, em especial, da Amazônia, cada
vez mais devastados pela ofensiva da grande burguesia, em especial
de setores do agronegócio e do extrativismo mineral. É fundamental
interromper a escalada do desmatamento e da mineração predatória.
xviii. Um projeto soberano de nação exige a defesa do nosso território e do
nosso patrimônio natural e cultural. É preciso lutar pelo
desenvolvimento local e regional, pela demarcação das terras
indígenas e quilombolas, a preservação de suas reservas e
conhecimentos tradicionais, pela inclusão econômica dos povos e
comunidades tradicionais e pelo uso sustentável da terra e das águas.
xix. É necessário também defender a soberania sobre nosso patrimônio
natural, cuja utilização deve estar subordinada aos interesses
populares e ao desenvolvimento sustentável.
xx. Fortalecimento do SUS, seus princípios de universalidade,
integralidade e equidade e seu caráter público; lutar contra o seu
subfinanciamento e pelo aprofundamento da participação social; em
defesa de uma indústria farmacêutica pública e estatal, e pelo
fortalecimento de Práticas Integrativas Complementares; lutar pela
defesa da atenção integral a saúde da mulher.
xxi. Garantia de formação continuada e escolarização completa universal
em escolas e universidades com ensino de caráter público, estatal,
participativo, laico, gratuito e referenciado nas necessidades do povo
brasileiro.
xxii. Combate ao genocídio e à política de encarceramento em massa da
população negra e periférica. De imediato, lutar pelo fim da revista
vexatória imposta a familiares em visita prisional.
xxiii. Promoção do respeito à liberdade de crença e culto, sem distinção, ao
mesmo tempo em que se afirma a laicidade do Estado.
xxiv. Fortalecimento de políticas públicas de atendimento a vítimas de
violência, superando as limitações da Lei Maria da Penha e
fortalecendo estruturas dos CAPS (Centro de Atenção Psico-Social),
CRAM (Centro de Referência de Atendimento à Mulher) em todos os
municípios, e de casa abrigo “Casa da Mulher Brasileira” em todas as
capitais.
xxv. Socialização do trabalho reprodutivo a partir de estruturas públicas,
como lavanderias, refeitórios, creches e escolas em tempo integral etc.
acessíveis para toda a população; estabelecimento de licença parental
igualitária para homens e mulheres.

18
xxvi. Em defesa dos direitos reprodutivos e da saúde da mulher, deve-se
avançar na promoção de educação sexual e de gênero e na
disponibilização gratuita e segura de métodos contraceptivos e de
interrupção de gravidez.
xxvii. Pelo fim da discriminação racial e sexual no trabalho, bem como das
diferenças salariais entre homens e mulheres, brancos e não-brancos.
xxviii. A luta contra toda e qualquer fobia de gênero e sexualidade que
reforçam a heteronormatividade; incluindo o fim de diagnósticos de
transtorno mental para mulheres transexuais e travestis;
xxix. Resgatar e celebrar a história de lutas do povo brasileiro, em especial
de mulheres, negros e indígenas invisibilizados pela historiografia
burguesa, fortalecendo a nossa auto-estima e identificação em torno de
um Projeto Popular para o Brasil.

2) Medidas da Ditadura Democrática-Popular:

i. Por uma Reforma Urbana Popular, construída a partir dos movimentos


populares que lutam por moradia digna e pela construção de um
espaço urbano democrático; em defesa de um amplo programa de
construção de habitações populares e de oferta de serviços públicos de
transporte conduzido por empresas estatais.
ii. Em defesa da Reforma Agrária Popular, orientada pelas formulações
do MST em seu Programa Agrário, do MPA em seu Plano Camponês,
bem como as do MCC e do MCP.
iii. Efetivar, junto ao MAB, o Projeto Energético Popular, garantindo nossa
soberania energética e a produção voltada ao desenvolvimento
sustentável e aos interesses do povo.
iv. Avançar com o MAM no desenvolvimento e na luta por um projeto
popular para a mineração, que afirme a soberania sobre nossos
recursos e sua utilização.
v. A socialização do trabalho reprodutivo, bem como a supressão da
divisão sexual e racial do trabalho.
vi. Por uma segunda abolição, que combine a superação do mito da
democracia racial com o combate radical ao racismo, avançando na
construção de uma verdadeira democracia popular.
vii. Estatização do sistema financeiro e reestatizacao das empresas
privatizadas (Vale, CSN, entre outras) ou de capital misto (Petrobras,
Eletrobras, Correios etc.)
viii. Controle da remessa de lucros para o exterior;

19
ix. Implementar o Programa Popular para a Juventude, que parte dos
dilemas da juventude trabalhadora e aponta os caminhos coletivos para
superá-los. Como afirmado na carta-compromisso do III Acampamento
Nacional do Levante Popular da Juventude, esse programa é uma
arma nas mãos da juventude para construção de força social para
transformar nosso país.

20
_______________________________________________________________________

UM PASSO À FRENTE NO PROJETO


POPULAR PARA O BRASIL

Celso Aquino - SE, Ivan Siqueira – SE, Fabio Andrey - SE, Amélia Gomes - MG, Ana
Carolina Vasconcelos - MG, Ana Júlia Guedes - MG, Áureo Miguel - MG, Bruno
Diogo - MG, Débora Sá - MG, Derik Ferreira - MG, Doracy Karoline (Dorinha) - MG,
Douglas Fávero (Dodô) - MG, Fábio Garrido - MG, Frederico Santana Rick - MG,
Gabriel Reis Amaral - MG, Gabriela Cavalcanti - MG, Giselle Maia - MG, Isabella
Mendes - MG, João Guilherme Gualberto - MG, Joana Tavares - MG, Jonathan
Hassen - MG, Liliam Daniela dos Anjos - MG, Lucileia Miranda - MG, Luiza
Travassos - MG, Luiz Paulo Macedo Alves - MG, Luiz Paulo Siqueira - MG, Lorhana
Lopes - MG, Marco Gatti - MG, Nathália Ramos - MG, Paulinha Silva - MG, Paulo
Antônio - MG, Paulo Grossi - MG, Rafael Donizete - MG, Rawy Sena - MG, Rayssa
Neves - MG, Santiago Matos - MG, Vanessa Sousa - MG, Vinícius Moreno - MG,
Wallace Oliveira - MG, Yana Lizardo – MG, Kivia Costa – MG, Letícia Zampier - MG,
Tamyres Lima - SP, Guilherme Miranda - SP, Débora Araújo - SP, Nataly Santiago -
SP, Julia Louzada - SP, Jessy Dayane - SP, Julia Aguiar - SP, Rodrigo Sune - SP,
Walisson Rodrigues - SP, Emilly Firmino - SP, Elida Elena - SP, Thays Carvalho -
SP, Leonardo Paes Niero – SP, Lucio Centeno - SP, Miriam Martins - SP, Eline Ethel
- SP, David Martins - SP, Ezequiela Scapini - SP, Eliane Moura - SP, Juliane Furno -
SP, Pedro Freitas - SP, Igor Felippe - SP, Ronaldo Pagotto - SP, Iriana Cadó - SP,
Luma Vitória - SP, Olívia Carolino - SP, Thiago Duarte - SP, Thiago Henrique (
gaúcho) - SP, Leidiano Farias - SP, Nathalia Neiva - SP, Sophia Miranda - SP, Raul
Amorim - SP, Rafael Roxo - SP, Rafael Coelho - SP, André Cardoso - SP, Rafael da
Guia – SP, Lauro Carvalho – SP, Ygor Silva - SP, Tobias Pereira - DF, Ana Moraes -
DF, Katty - DF, Agata - DF, Olívio - DF, Jarbas Vieira - DF, Fabio Tinga - DF, Cintia
Isla - DF, Carla Lessa - DF, Adilson Miranda - DF, Patrícia da Silva – DF, Francisco
Nonato – DF, Aline Cortes - DF, Adda Luisa – DF, Márcia Silva – DF, Leonardo

21
Severo - BA, Alexandre Xando - BA, Allan Yukio - BA, Lorena Carneiro - BA, Vitor
Alcantara - BA, Guilherme Ribeiro - BA, Kleybson Ferreira - BA, Pablo Bandeira -
BA, Ingrid Moraes (Guiga) - BA, Julia Hirsgberg – BA, Itana Scher – BA, Elder Reis –
BA, Julia Garcia - BA, Rosalho da Costa Silva - CE, Lívio Pereira - CE, Miguel Braz -
CE, Joana Borges - CE, Joyce Ramos - CE, Pedro Silva - CE, Rogério Babau - CE,
Emille Sampaio - CE, Monyse Ravena – CE, Fabiano Sousa - CE, Paulo Henrique
(peaga) - CE, Eduana Santos – CE, Acácio Simões – CE, Gabriel Campelo – CE,
Allana Karyne S. Ferreira – CE, José Cleiton – CE, Alex Nascimento – CE, Amanda
Primo – CE, Thalita Vaz – CE, Thiago Nascimento - CE, Samanta Forte - CE,
Caroline Otavio - RJ, Maira Marinho - RJ, Breno Rodrigues - RJ, Alisson Sampaio -
RJ, Rafael Kritski - RJ, Carolina Dias - RJ, Bruna Ramalho - RJ, Darlan Montenegro -
RJ, Antonio Neto - RJ, Allanis Pedrosa - RJ, Lucilia Aguiar - RJ, Leonardo Freire -
RJ, Ana Gusmão - PE, Isa Gabriela - PE, Louise Xavier - PE, Paulo Mansan - PE,
Rosa Amorim - PE, Aristóteles Cardona - PE, Rani de Mendonça - PE, Dennis GO,
Carolina Lima - RS, Milton Viário - RS, Enio Santos - RS, Jorge Ramos - RS,
Ronaldo Schaffer - RS, Carlinhos - RS, Luana Carolina - PB, Marcos Freitas - PB,
Gleyson Melo - PB, Daiane Araújo - PB, Felipe Baunilha - PB, Deyse Araújo - PB,
Ciro Caleb - PB, Joel Cavalcante - PB, Juliano Koch - PB, Caroline Faria - PB,
Barbara Zen - PB, Vera Fernandes - PB, Rafaela Carneiro - PB, Ana Holanda - PB,
Carlos Eduardo - Cazé – PB, Lucas Machado - PB, Yago Licarião - PB, Antônio
Carneiro - MT, Amandla Silva Sousa – MT.

22
Sumário

Introdução.

Parte I. O programa na tradição marxista.

1.1. A questão do Programa nas obras de Marx e Engels.


1.2. A questão do Programa na II Internacional.
1.3. O debate sobre o programa no processo da Revolução Russa.
1.4. A questão do programa na III Internacional.
1.5. A questão do Programa na América Latina.
1.6. O programa das lutas e revoltas brasileiras do século XIX.

Parte II. O programa e a Revolução Brasileira.

2.1. Questões sobre o programa e a realidade brasileira .


2.2. O programa na experiência do PCB.
2.3. O programa na experiência do PT.
2.4. Polêmicas com o Programa Nacional, Democrático e Popular (PNDP).

Parte III. O Projeto Popular para o Brasil.

3.1. Fundamentos teóricos e históricos do Projeto Popular.


3.2. Interpretação da formação do povo brasileiro.
3.4. A sociedade de classes no Brasil atualmente.
3.5. Classe burguesa, o bloco no poder e o regime político.
3.6. O estágio do desenvolvimento do capitalismo no Brasil.
3.7. Novo padrão de acumulação e a luta pelo projeto popular.

Parte IV. O programa da Revolução Brasileira.

4.1. Nossos desafios programáticos.


4.2. Atualidade dos compromissos da Consulta Popular e o sétimo compromisso.
4.2.1. Soberania.
4.2.2. Desenvolvimento .
4.2.3. Sustentabilidade.
4.2.4. Democracia.
4.2.5. Solidariedade.
4.2.6. Feminismo.
4.2.7. Igualdade étnico-racial.
4.3. O Programa de Reconstrução Nacional enquanto parte do Projeto Popular para
o Brasil.
4.4. Programa e força social urbana do Projeto Popular.
4.4.1. A relação entre construção de força social e programa.

23
4.5. A centralidade da questão nacional.
4.6. Um programa que dispute os setores médios.
4.7. A contribuição dos movimentos do Campo Político para o Projeto Popular.
4.8. A construção do Projeto Brasil Popular.
4.9. O bicentenário da Independência em 2022, um país que insiste em nascer.

24
“Na minha opinião, o defeito principal, o defeito básico, que torna
inaceitável este projeto é o próprio caráter do programa. Para precisar, ele
não é o programa de um partido dedicado à luta prática, mas uma
Prinzipienerklärung (Declaração de Princípios); é mais um programa
para estudantes (principalmente em sua parte mais importante, dedicada a
definir o capitalismo) e, além disso, para estudantes de primeiro ano, que
conhecem o capitalismo em geral, mas ainda não o capitalismo
russo”. Lenin (Observações ao segundo projeto do programa de
Plejánov. 1902).

“Outra posição consiste em se manter dentro do dogma, da seita e da


saudade do passado. Permanecer dentro de uma casa – ou de uma
caverna -, não sair ao ar livre; eles parecem acreditar: não importa que
sejamos poucos e que ninguém nos perceba, mas assim não corremos o
risco de perder nossa (suposta) virgindade. O pior é que sua soberba
“materialista” ou “proletária” não está presente apenas nos clérigos
ultrapassados ou interesseiros; também afeta um grande número de
companheiros esforçados que querem rejeitar ativamente o capitalismo.
Esta posição provoca muita confusão, porque parece ser a oposição
verdadeira e radical; entretanto, além de ineficaz, ela favorece a
hegemonia da burguesia”. Fernando Heredia (Contra a Cultura da
Resignação).

25
INTRODUÇÃO

1. O presente texto é uma contribuição para o debate e, assim, avançarmos na


construção do Programa da Consulta Popular. Acreditamos que permanecem
atuais as premissas apontadas pela Cartilha 1 da Consulta Popular para a
concretização do Projeto Nacional: a leitura da realidade nacional, organização
popular e luta de massas. Mas também acreditamos que seria necessário
apontar uma quarta premissa: viabilizar um governo democrático e popular que
faça avançar a aplicação do programa.

2. O programa do partido é parte da construção de uma estratégia revolucionária.


Segundo Lenin, o programa deve ser a “explicação breve, clara e precisa de
todas as coisas as quais um partido aspira e pelas quais luta”, expressando os
conceitos fundamentais de sua concepção de sociedade e o papel da classe
trabalhadora na construção do socialismo. O programa vem a ser para o
partido “o que a carta de navegação é para os marinheiros”. Sem ele, o partido
não pode existir enquanto organismo político minimamente unitário, capaz de
se manter coeso política e ideologicamente perante as mudanças na
conjuntura e na situação política.

3. Mas qual o sentido de debatermos o tema do programa da Consulta Popular e


do caráter da revolução no Brasil nesses tempos? Já não teriam sido
resolvidos ao longo da nossa história? A resposta tem dois aspectos centrais.
O primeiro é sobre nossa história. No primeiro momento como um caminho
para combater o desmonte neoliberal e resgatando os elementos da melhor
tradição dos movimentos de libertação nacional. Nesse tempo nosso debate
sobre o programa foi a definição dos 5 compromissos da Consulta Popular, que
posteriormente incorporou o 6o compromisso. Esse foi um caminho do debate
programático. O segundo, mais centrado nos debates em torno do tema do
caráter da revolução brasileira, teve como marco o período de 2005 – 2007,
culminando com as resoluções da 3a Assembleia Nacional e publicadas na
cartilha 19.

4. Porém, ainda que tivessem sido parte da nossa origem (e identidade), os


debates internos sobre o programa da Consulta e o caráter da revolução
brasileira merecem uma atenção especial e também atualização. Razão pela
qual a Direção Nacional apontou como um dos temas da nossa Assembleia. O
segundo motivo de debatermos esse tema é responder às mudanças
importantes havidas na política, economia, tecnologia e em outras áreas nas
últimas duas décadas, com mais ênfase nas consequências após o golpe de
2016.

26
5. Se esses motivos não fossem suficientes ainda teríamos mais um: o debate
sobre o Projeto Popular para o Brasil sempre ficou com definições genéricas e
insuficientes. Ao apresentarmos o tema buscamos adentrar nos elementos de
conteúdo a partir de negativas: não é um programa de governo, não é um
apanhado de políticas públicas. Ainda seguíamos com negativas: o Brasil não
tem projeto e o que precisamos é construir um projeto de Nação, partindo de
referências importantes da nossa história e apresentando alguns conteúdos
mais óbvios e em torno dos compromissos da Consulta Popular.

6. O tema em si e de modo mais abstrato merece uma observação, por ser um


dos mais complexos e difíceis do debate estratégico. Nesse tema são ao
menos três as questões determinantes do programa: a estratégia da
organização e seus objetivos históricos; a situação concreta e as contradições
principais de uma determinada formação social; e a situação da luta de classes
e as forças em luta. Portanto, o programa não é uma carta de princípios. No
programa encontra-se o fundamento de toda a atividade partidária, com os
objetivos finais e imediatos do processo revolucionário. Neste sentido, o
programa se constitui como uma síntese do caminho que deve ser seguido
pelo partido, os objetivos e medidas a serem alcançadas e implementadas
dentro de um período histórico determinado.

7. Por isso, a base do debate programático é a investigação marxista da realidade


nacional, contendo uma análise do desenvolvimento capitalista em um
determinado país, da sua sociedade de classes, bem como sua inserção no
contexto mundial. Sem essa análise, o programa incorre no equívoco de
discorrer sobre um capitalismo em geral, abstrato, não o capitalismo
historicamente determinado em uma formação social específica.

8. Cabem algumas advertências em relação ao que o Programa não deve ser.


Não deve ser uma teorização acadêmica e não deve ser uma declaração de
princípios. Ambos os desvios são variantes da concepção maximalista do
programa. Em 1902, Lenin faz uma dura crítica a proposta de programa que
Plekhanov apresenta ao partido. Vejamos: “na minha opinião, o defeito
principal, o defeito básico, que torna inaceitável este projeto é o próprio caráter
do programa. Para precisar, ele não é o programa de um partido dedicado à
luta prática, mas uma Prinzipienerklärung (Declaração de Princípios); é mais
um programa para estudantes (principalmente em sua parte mais importante,
dedicada a definir o capitalismo) e, além disso, para estudantes de primeiro
ano, que conhecem o capitalismo em geral, mas ainda não o capitalismo
russo”.

9. Além disso, o programa deve fornecer diretrizes para a agitação e propaganda,


buscando dar um conteúdo mais amplo às reivindicações mais imediatas da
luta de classes. Por isso, o programa do partido precisa identificar quais os

27
inimigos imediatos e estratégicos da revolução. Na medida em que em cada
momento histórico, a luta de classes impõe um obstáculo concreto para o
desenvolvimento do processo revolucionário e a conquista do poder político
pela classe trabalhadora. Desse modo, cabe aos revolucionários e
revolucionárias, identificar em cada momento histórico, quais são as tarefas
políticas e reivindicações imediatas que possibilitam aglutinar forças políticas e
sociais, contra esse inimigo imediato.

10. Ao mesmo tempo, entre essas reivindicações imediatas do programa, quais


são as fundamentais que devem ser transformadas em bandeiras políticas para
o conjunto do povo, e que devem ser implementadas de forma mais urgente e
enérgica possível por um governo revolucionário?

11. Por isso, por mais importante que seja o programa, ele é sempre uma
referência que precisa ter vida e responder a um determinado período. Ou seja,
ele está submetido às transformações da realidade concreta, à correlação de
forças na sociedade, e ao nível de consciência da classe trabalhadora. Na
medida em que essa realidade se transforma significativamente é necessário
ajustar o programa do partido. Do mesmo modo, para atrair o apoio de parcelas
importantes da classe trabalhadora ou de seus aliados históricos, é possível
fazer concessões no programa, desde que essas concessões aproximem os
revolucionários da conquista do poder político. É neste sentido, Lenin afirma
que “a realização prática é mil vezes mais importante que todos os programas”.

12. Segundo Marta Harnecker, essa inclusive tem sido uma das maiores
dificuldades das organizações revolucionárias na América Latina: a
incapacidade de formular um programa que, partindo da realidade concreta,
consiga estabelecer as tarefas e objetivos imediatos que possibilite mobilizar as
mais amplas massas contra o inimigo imediato.

13. O programa que os povos das formações sociais dependentes precisam


realizar está obrigado a ir muito além dos cumprimentos dos ideais da razão e
da modernidade. É com essas palavras que Fernando Heredia nos brinda com
o elo entre a plataforma programática dos movimentos do Campo Popular e a
transição socialista em países como o nosso. “A transição socialista dos países
pobres desvela então o que à primeira vista pareceria um paradoxo: o
socialismo que está a seu alcance e o projeto que pretende realizar estão
obrigados a ir muito além do cumprimento dos ideais da razão e da
modernidade, e de início devem mover-se em outro terreno. Seu caminho exige
negar que a nova sociedade seja o resultado da evolução do capitalismo, negar
a ilusão de que basta a expropriação dos instrumentos do capitalismo para
construir uma sociedade que o ‘supere’ e negar-se a ‘cumprir etapas
intermediárias’ supostamente anteriores ao socialismo. Quer dizer, a este
socialismo, é inevitável trabalhar pela criação de uma nova concepção da vida

28
e do mundo, ao mesmo tempo em que se empenha em cumprir com as
necessidades práticas mais imediatas”.

29
Parte I

O programa na tradição marxista

1.1. A questão do Programa nas obras de Marx e Engels.

14. As formas de lutas que precederam à consolidação do capitalismo na Europa


(revoltas camponesas, tumultos, explosões sociais, destruição de máquinas,
etc.), durante o século XVIII e primeira metade do século XIX, constituíram
métodos de pressão por melhorias concretas e imediatas das condições de
vida e de trabalho, como a contenção dos preços de alimentos, controle da
jornada, estabelecimento de um salário mínimo, combate aos cortes de
salários, reforma agrária.

15. Na modernidade capitalista, o surgimento do programa político enquanto


expressão de uma estratégia da classe trabalhadora internacional, a partir de
meados do século XIX, está relacionado com quatro fatores: a) a nova questão
social e a consolidação da Revolução Industrial; b) a formação dos grandes
sindicatos autônomos no final do séc. XIX; c) a constituição de partidos
políticos com estratégia de luta pelo poder; d) o desenvolvimento do marxismo
enquanto ciência da História.

16. A combinação da luta pela hegemonia política do proletariado com a


necessidade de um Programa Político fica evidente em diversos momentos da
obra de Marx e Engels. É o que constatamos, por exemplo, no Manifesto
Comunista, quando afirmam que “o proletariado utilizará sua supremacia
política para arrancar pouco a pouco todo o capital da burguesia, para
centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do
proletariado organizado como classe dominante, e para aumentar o mais
rapidamente possível o total das forças produtivas. Isso naturalmente só
poderá ser realizado, a princípio, por intervenções despóticas no direito de
propriedade e nas relações de produção burguesas”. Ao enfatizar a questão da
“supremacia política” e do “proletariado organizado como classe dominante”,
trazem à tona o tema da necessidade de construção da hegemonia política do
proletariado.

17. Ainda no Manifesto Comunista, Marx e Engels apresentam uma formulação


que podemos considerar o germe da concepção programática do Projeto
Popular para o Brasil, quando enfatizam que o programa se baseia na
“aplicação de medidas que, do ponto de vista econômico, parecerão
insuficientes e insustentáveis, mas que no desenrolar do movimento

30
ultrapassarão a si mesmas e serão indispensáveis para transformar
radicalmente todo o modo de produção”. Assim, a luta pelo poder político do
proletariado e a construção do programa político são interdependentes e se
retroalimentam. Além do mais, estas reivindicações combinam medidas
nacionais, democráticas, populares e socialistas num processo dinâmico
condicionado pela correlação de forças, pelo estágio de desenvolvimento das
forças produtivas, correlação de forças nacional e internacional dentre outros.

18. É importante destacar que a questão do programa no primeiro período do


marxismo cumpriu o papel de definir as diferenças entre a realidade e o que
seria um mundo com transformações profundas. Com esse debate o marxismo
buscava se diferenciar do socialismo burguês e utópico. Mais adiante o debate
do programa abriu espaço para o estabelecimento das divergências com o
anarquismo.

19. Tratam-se de reivindicações transitórias que, partindo do nível de consciência


real dos trabalhadores e de suas necessidades concretas e imediatas, podem
agudizar a luta de classes e intensificar os conflitos com a grande burguesia. O
avanço deste programa político pela via da luta de massas obriga os
revolucionários a aprofundarem as transformações, transitando para reformas
estruturais que só se realizam efetivamente no socialismo, ou retrocederá a
revolução. É neste processo que se coloca a questão do poder.

20. Ao analisar a revolução burguesa de 1848 na França, Marx constata o


potencial explosivo das reivindicações democráticas e populares. No “O
Dezoito de Brumário”, Marx fala da incompatibilidade destas reformas com a
República Burguesa e os interesses das classes dominantes: “Toda
reivindicação ainda que da mais elementar reforma financeira burguesa, do
liberalismo mais corriqueiro, do republicanismo mais formal, da democracia
mais superficial é simultaneamente castigada como um ‘atentado à sociedade’
e estigmatizada como socialismo”.

21. Na Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas, divulgada em março


de 1850, Marx e Engels, tratando da situação alemã, reforçaram esta
concepção programática pautada em medidas democráticas e populares
enquanto mediação e acúmulo de forças para a Revolução e o socialismo.
Mais uma vez, um antídoto frente às concepções maximalistas do programa
que acabariam se constituindo entre anarquistas e determinadas correntes
esquerdistas da II e III Internacional. Vejamos: “Vimos como os democratas
chegarão ao poder no próximo movimento e como serão forçados a propor
medidas mais ou menos socialistas. Perguntar-se-á que medidas os
trabalhadores deverão propor em contrapartida. No início do movimento, os
trabalhadores naturalmente ainda não poderão propor medidas diretamente
comunistas. Mas eles podem: 1. Obrigar os democratas a interferir no maior
número possível de facetas da ordem social pregressa, a perturbar o seu curso

31
regular e a comprometer a si próprios, bem como concentrar o maior número
possível de forças produtivas, meios de transporte, fábricas, ferrovias etc. nas
mãos do Estado. 2. Eles devem exacerbar as propostas dos democratas, que
de qualquer modo não agirão de modo revolucionário, mas meramente
reformista, e transformá-las em ataques diretos à propriedade privada; por
exemplo, quando os pequeno-burgueses propuserem adquirir as ferrovias e as
fábricas, os trabalhadores devem exigir que essas ferrovias e fábricas, sendo
propriedade de reacionários, sejam simplesmente confiscadas sem qualquer
indenização. Quando os democratas propuserem o imposto proporcional, os
trabalhadores exigirão o imposto progressivo; quando os próprios democratas
requererem um imposto progressivo moderado, os trabalhadores insistirão num
imposto cujas taxas se elevam tão rapidamente que ele acabará destruindo o
grande capital; quando os democratas reivindicarem a regulamentação da
dívida estatal, os trabalhadores exigirão a bancarrota do Estado. As
reivindicações dos trabalhadores devem orientar-se, portanto, sempre nas
concessões e medidas propostas pelos democratas”. Nesta perspectiva, o
Projeto Popular para o Brasil parte das medidas mais elementares necessárias
para a concretização da linha de massas e avança até as reformas estruturais,
sempre buscando aprofundar as mudanças e não se contentando com as
conquistas possíveis nos limites do capitalismo. Sempre reivindicando um
passo à frente do que a Burguesia pode conceder.

22. Com o início da Revolução Alemã, Marx e Engels contribuíram na elaboração


de um dos primeiros programas concretos dos comunistas: “Reivindicações do
Partido Comunista na Alemanha”, tendo como principal reivindicação “toda a
Alemanha será uma República una e indivisível”. Tratava-se de uma
reivindicação de caráter nacional que interessava a determinados setores da
burguesia, mas que também era fundamental para o proletariado, na medida
em que contribuía para superar a fragmentação política da classe, assim como
melhores condições para a organização e a luta.

23. Ainda na esteira do Manifesto Comunista, Marx e Engels destacam o caráter


historicamente determinado do Programa: “Essas medidas, é claro, serão
diferentes nos diferentes países. [...]”. O caráter desigual e combinado do
desenvolvimento capitalista demonstrou o acerto desta formulação. O
programa nas formações sociais dependentes, assim como o processo de
transição ao socialismo, ganhou contornos diferentes, quando comparado com
países de forças produtivas mais desenvolvidas. O programa é diferente em
cada país devido às particularidades econômicas, políticas e culturais que
incidem diretamente no regime de classes sociais. Em 1872, num Prefácio à
nova edição dessa obra, os dois revolucionários reafirmaram que: “a aplicação
prática dos princípios [do programa] dependerá, em todos os lugares e em
todas as épocas, das condições históricas vigentes [...]”.

32
24. Em carta a Wilhelm Bracke, Marx critica o Programa de unificação da
Associação Geral dos Trabalhadores Alemães e o Partido Social Democrata
dos Trabalhadores ao afirmar que se trata de “um programa de princípios" ou
um “programa de compromissos”, afirmando que “cada movimento real é mais
importante que uma dúzia de programas”. Marx avalia que diante da
impossibilidade de se construir um programa superior ao anterior (o Programa
de Eisenach) seria “melhor ter firmado um acordo para a ação contra o inimigo
comum (...) até que tal programa possa ser preparado por uma longa atividade
comum''. Fica notório que o programa político não é definido à priori, é
dinâmico e vivo. Se assim não for, não podemos ter outra coisa que não seja
uma concepção maximalista do Programa descolada da análise concreta da
situação concreta.

25. Como ficou conhecido, o Programa de Gotha, ao expressar os desejos do


partido desvinculados do movimento real das classes, cai em um fetichismo do
programa político, ainda presente na esquerda até hoje, afinal “nosso objeto
aqui é uma sociedade comunista, não como ela se desenvolveu a partir de
suas próprias bases, mas, ao contrário, como ela acaba de sair da sociedade
capitalista, trazendo de nascença as marcas econômicas, morais e espirituais
herdadas da velha sociedade”.

26. Marx e Engels combatem o que chamam de “fraseologias” e “palavras de


ordem sectárias”, demonstrando como, por exemplo, entre as diversas
exigências idealistas o Programa de Gotha não diz “nenhuma palavra sobre a
organização da classe trabalhadora como classe por meio dos sindicatos” onde
ela “luta suas batalhas diárias contra o capital”.

27. Trata-se de uma crítica contra as concepções programáticas maximalistas,


típicas do esquerdismo, que desconsideram a correlação de forças e
inviabilizam a construção de linhas de massas ao ignorar as condições
concretas de luta e organização da classe, partindo do desejo e não das
determinações históricas de um determinado estágio da luta política.

28. Com essa abordagem queremos destacar que o debate do programa não é
uma filiação teórica, ou acolher as consequências de uma determinante
econômica. O Programa é parte da estratégia e adequado a cada período, as
contradições centrais da realidade, ao desenvolvimento da luta de classes, aos
objetivos estratégicos e ao sentido geral da revolução. Mais uma vez o tema
exige um marxismo vivo e criativo e não um conjunto de postulados e citações.

33
1.2. A questão do Programa na II Internacional.

29. Na história, o tema do programa cumpriu diferentes papéis na luta. O programa


permite identificar as contradições que resultam em lutas concretas; permite
definir objetivos; exige a mediação entre o horizonte de superação do
capitalismo e a realidade concreta; deve ser um componente da politização e
disputa por hegemonia ideológica e política; deve nos ajudar a estabelecer
fronteiras políticas, na independência e autonomia de classes e também a
combater os maximalistas do “tudo ou nada” e os utópicos.

30. A II Internacional (1889) é marcada pelo fortalecimento dos partidos marxistas,


especialmente o alemão, fruto de uma unificação em que o tema do programa
foi um dos elementos centrais do processo de fusão e que resultou no Partido
Social Democrata Alemão. É nesse período também que os partidos
conquistam a possibilidade de atuação dentro da legalidade e
institucionalidade, com a conquista da liberdade de organização, de imprensa e
de voto. Isso permitiu uma amplificação da influência desses partidos entre os
setores das classes populares e especialmente dos trabalhadores.

31. A segunda internacional cumpriu um papel importante nesse tema com a


massificação das organizações e a propaganda do socialismo. Avançou nas
disputas da sociedade, na construção de amplas organizações identificadas
como marxistas e na conquista de reformas importantes na vida: jornada e
condições de trabalho; liberdade de organização política e sindical; liberdade
de imprensa; conquista do voto; tensionamento para a ampliação do papel do
Estado para garantir direitos sociais, políticos, laborais etc.

32. Mas é nesse contexto que o marxismo se divide, e uma fração importante,
majoritária, passa a liderar com ênfase nas mudanças nos marcos do
capitalismo (reformas) e transformando esse caminho como o centro da luta.
Esse campo não compreendia a revolução como o centro da luta, para o qual a
estratégia, a tática, a organização e os métodos deveriam ser orientados. O
reformismo nasce como um campo dentro do marxismo, em nome do
marxismo, para negar o núcleo duro das concepções marxistas. Ou seja, o
reformismo nasce negando o marxismo em nome do marxismo.

33. Dentro do campo reformista, as transformações da realidade e do capitalismo


seriam decorrentes e limitadas a reformas exclusivamente por dentro dos
mecanismos legais e institucionais. Prescindindo de um momento de ruptura
revolucionária. As reformas, os ajustes e pequenas mudanças (que Marx
afirmou serem efêmeras) são o meio e o fim simultaneamente. Por isso, nessa
estratégia nascida como uma corrente marxista, o programa é definido dentro
da lógica do possível, imediato e realizável nas lutas.

34
34. Ainda na II internacional, o debate sobre o programa seguiu centrado nos
elementos da transição ao socialismo partindo da crise no centro do
capitalismo e do programa como medidas concretas para uma revolução
mundial. A chave de debate permanecia centrada nos países europeus e do
centro do capitalismo.

35. A análise do programa de Erfurt – e, principalmente, da obra explicativa de


Kautsky – deixa evidente que a questão programática, na social-democracia,
se limitava à reivindicação de direitos civis, políticos e sociais da maior parte da
população, mas em especial do operariado. Reivindicação essa que se
expressaria através do Parlamento (e de seu fortalecimento institucional ante
outros “Poderes”). Fica também claro que tal proposição se baseava não só na
acelerada, ainda que tardia, industrialização germânica, mas também na
crença de que a tendência de simplificação social em direção a existência de
duas classes fundamentais bem como de que a lei da queda das taxas de lucro
se concretizariam em breve. A revolução chegaria. A ideia de que através do
Programa se articulariam diferentes setores das classes exploradas tampouco
fez parte das formulações atreladas ao SPD, principal força partidária da
Segunda Internacional. Como já dito, por uma razão óbvia: a crença de que em
breve todos seriam proletários ou burgueses.

36. Após a experiência da revolução Russa, o debate passará por uma mudança
importante, ao se deparar com o desafio da revolução em um país atrasado,
uma formação pré-capitalista. Um exemplo, e o mais importante, foi o debate
sobre os rumos da revolução na Rússia e foi por esse debate que o tema do
programa passou a ser abordado como o conhecemos.

1.3. O debate sobre o programa no processo da Revolução Russa.

37. A revolução russa produziu a seguinte questão: qual é o programa da


revolução em um país com a vigência de estruturas sociais pré-capitalistas?

38. Os debates percorreram quase três décadas e dividiram os russos e grande


parte da esquerda da 2a Internacional. Uma primeira resposta, pretensamente
coerente com o método materialista dialético, compreendia a revolução na
Rússia a partir do seu conteúdo econômico como burguesa, de caráter
burguês, em uma etapa anterior à revolução Socialista. A partir dessa análise,
a estratégia teria claros contornos de uma revolução burguesa sob a liderança
da burguesia em aliança com o proletariado e demais classes populares. Essa
concepção etapista compreendia o programa como um reflexo da realidade
material e a revolução como um processo de duas etapas. Principiando pela

35
burguesia e passando, após avançar no desenvolvimento das forças
produtivas, para a etapa seguinte. Essa concepção de caráter da revolução e
do programa foi defendida por um dos mais importantes marxistas russos,
Georgi Plekhanov.

39. A segunda concepção era defendida por um setor ligado ao trabalho político
com o campesinato. A sua análise partia das transformações no campo, após
as revoltas camponesas ao longo da primeira metade do século XIX e o fim da
servidão e as reformas de 1861, que desmantelaram o sistema feudal e
promoveu uma distribuição de terras a partir de áreas coletivas de vida e
trabalho. Nessa concepção, a questão de uma sociedade atrasada e
essencialmente camponesa, foram considerados como um aspecto positivo, ou
seja, o que era identificado como um problema (ampla massa camponesa,
baixo nível industrial e de assalariamento, etc), foi tratado como um traço
positivo. Já que o campesinato russo, uma ampla maioria da sociedade, por já
viver em uma sociedade comunal, não passaria pelo processo nos termos do
desenvolvimento da Europa ocidental e EUA, mas por um caminho original e
próprio da sociedade russa, rumo ao socialismo. Por essa compreensão o
programa seria de transição ao socialismo sem qualquer etapa ou percurso
com reformas burguesas.

40. A terceira corrente, minoritária e que apenas em meados de 1917 se tornou


majoritária, quando levou a Revolução Russa à vitória e passou a ser
hegemônica no debate do caráter da revolução e programa. A formulação
enfrentou o determinismo das condições concretas e que resultaram na tese
etapista, afirmando a centralidade da conquista do poder do Estado e que o
programa da revolução seria conjugando os conteúdos dentro dos marcos do
capitalismo com as de conteúdo socialistas em um processo ininterrupto
(Lenin, 1905) e permanente (Parvus e Trotsky, 1906) da revolução. Cabe
registrar nesta formulação a centralidade do proletariado e campesinato
controlando o Estado em uma democracia socialista ou ditadura do
proletariado, organizando mudanças profundas em um processo sob a
hegemonia política do proletariado e campesinato. Com essa concepção, o
tema do caráter do programa passou a dar mais importância ao quadro geral
da luta de classes, da capacidade de luta, situação internacional, etc. com a
perspectiva de conquista do poder como centro da estratégia. Esta formulação
rompe com certas posições deterministas e evolucionistas da II Internacional
na abordagem do programa.

41. Um destaque importante sobre a política de alianças e compromissos em um


processo real e concreto é com o tema do campesinato e da questão agrária -
que demonstra a vida que o programa precisa ter. Os Bolcheviques
mantiveram uma definição programática sobre esse tema diferente daquela
defendida pela maioria dos camponeses, sob a direção política dos Socialistas

36
Revolucionários (SRs), posição mantida até agosto de 1917, quando essa
definição dos Bolcheviques foi modificada para a defesa da Reforma Agrária,
diferentemente da anterior defesa da nacionalização da terra sob controle do
Estado. A motivação por trás da defesa da reforma agrária era que o
campesinato, por razões históricas, culturais e sobretudo pela situação do
campo no capitalismo, tinha como centro da luta a conquista da terra e não a
terra passar dos grandes proprietários para o Estado. A alteração programática
dos Bolcheviques ocorreu por uma efetiva imposição desse setor a partir da
força real na luta. Com esse exemplo é possível dar ao tema do programa um
tratamento mais preciso e dinâmico.

1.4. A questão do programa na III Internacional.

42. Como fruto da revolução russa, temos a criação da Internacional Comunista


(IC), em 1919. Quando esta foi criada, tinha o objetivo de fomentar processos
revolucionários pelo mundo, em especial na Europa (Alemanha, França e
Inglaterra) e EUA, ou seja, nos chamados países avançados do capitalismo.

43. A partir do IV congresso da IC (1922), com o fracasso da revolução européia (a


alemã, em especial) passou-se a olhar para características da revolução em
países e nações que não tinham a formação social histórica em comum com a
Europa. Aparecem pela primeira vez a chamada “questão oriental”, a “questão
agrária” e a “questão nacional” nesses termos. Países dependentes da América
Latina e nações colonizadas por potências imperialistas (caso de quase toda a
Ásia e África), poderiam contribuir na luta pela revolução mundial, através da
luta anti-colonial e anti-imperialista.

44. Em seu VI Congresso (1928), a já parcialmente dogmatizada IC, reformula e


aprova um novo programa que servirá de orientação para os PC’s à ela filiados,
como o PCB. Países dependentes do imperialismo (como Argentina e Brasil) e
nações sob situação de dominação colonial ou “semi-colonial” (China e índia)
seriam “países em que predominam as relações sociais da Idade Média feudal
ou o «modo asiático de produção», tanto na vida econômica como na sua
superestrutura política [...]” “Aqui têm uma importância primordial, por um lado,
a luta contra o feudalismo, contra as formas pré-capitalistas de exploração e
a consequente revolução agrária e, por outro lado, a luta contra o
imperialismo estrangeiro, pela independência nacional. A passagem à
ditadura do proletariado só é possível nestes países, regra geral, depois de
uma série de etapas preparatórias, esgotado todo um período de
transformação da revolução burguesa-democrática em revolução socialista,
sendo que o sucesso da edificação socialista é, na maior parte dos casos,

37
condicionado pelo apoio direto dos países de ditadura proletária”. Esse
entendimento generalista que a IC tinha, sobre as formações sociais, de países
e nações tão díspares como Índia, Coreia ou Uruguai (e obviamente nosso
país) teve uma influência muito grande sobre as constituições dos programas
dos PC’s destes lugares. E teve consequências em relação a caracterização
das revoluções nestes países, da conceituação das classes sociais e,
consecutivamente, das alianças que deveriam ser realizadas para atingir seus
objetivos estratégicos.

45. Em países da América Latina, que não tinham passado pela sucessão dos
modos de produção da Europa (Comunal primitivo - Escravismo - Feudalismo -
Capitalismo) uma série de relações sociais no campo e tipos de apropriação da
terra foram vistas pela IC, como “semi-feudais” ou mesmo "feudais". Numa
tentativa forçada de adaptar as ideias presentes em programas, resoluções e
orientações gerais da IC à realidade latino-americana, assim influenciando
consideravelmente as caracterizações das formações sociais destes países
feitos pelos PC's e consecutivamente a construção de seus programas. Essa
maneira de interpretar o passado colonial e, portanto, os resquícios desse
passado no presente, influenciaram a criação de programas da maioria das
organizações políticas de viés marxista (não só o PCB), até praticamente os
anos 1970 (incluindo os da esquerda armada no Brasil e resto da América
Latina).

46. A estes países caberia realizar primeiro uma revolução de caráter democrático-
burguês, visto que estes tinham que ter certo desenvolvimento econômico e
social, só assim estariam “maduros” para prosseguirem para uma ”etapa”
socialista. Em realidade, o que se realizou foi adotar o programa e estratégia
defendida pelos derrotados em outubro, dessa vez em nome de Lenin,
conforme já tratado no ponto anterior.

1.5 . A questão do Programa na América Latina.

47. As nações latino-americanas são produto da expansão da civilização ocidental


e de um tipo moderno de colonialismo organizado e sistemático. Esse
colonialismo, expressou o conflito entre os povos originários que habitavam a
América e o modo de produção dos conquistadores europeus. Com o avanço
da colonização europeia sobre a América, modos de produção historicamente
novos foram introduzidos no continente, baseados na escravização dos povos
africanos e na servidão dos povos indígenas, na grande propriedade de terra e
na produção de matérias primas para o nascente mercado mundial.

38
48. Excetuando a Revolução Negra do Haiti, os processos de independência
ocorridos na América Latina não significaram uma transformação profunda da
antiga sociedade colonial. A independência não se fez completa. No caso do
Brasil, a transição pelo alto através da Casa de Bragança permitiu a adoção de
uma Monarquia Constitucional, e a manutenção de uma sociedade aristocrática
e escravista, com extrema concentração de riqueza e poder, às custas da
exclusão permanente do povo na dimensão social e democrática.

49. A ausência de um projeto de nação por parte das elites desses países, bem
como a incapacidade de promover uma integração nacional ou regional
autônoma, fará com que os países da América Latina sejam incorporados de
forma dependente ao espaço econômico, político e cultural das sucessivas
potências hegemônicas. Num primeiro momento, Portugal e Espanha, em
seguida Holanda, França e Inglaterra. E mais recentemente aos Estados
Unidos da América.

50. Estes diferentes padrões de dominação externa produziram uma


especialização das nações latino-americanas como fontes de excedente
econômico e de acumulação de capital para os países de capitalismo
avançado. As diferentes formas de transição dos modos de produção coloniais
para o desenvolvimento do capitalismo produziram três elementos estruturais
nas formações latino-americanas: a concentração de riqueza e poder nas
frações das classes dominantes que possuem importância estratégica para a
dominação externa; a coexistência de estruturas econômicas, culturais e
políticas de diferentes épocas históricas, bem como formas de exploração do
trabalho pré-capitalistas; e a exclusão de uma ampla parcela da população
nacional da ordem econômica, social e política existente, como um requisito
estrutural para a manutenção dessa forma de dominação.

51. A fundação da III Internacional Comunista, conviveu com processos históricos


cruciais na América Latina dos quais destacamos: a Revolução Mexicana
(1910 – 1920); a Reforma Universitária iniciada na Universidade de Córdoba na
Argentina (1918): e a insurreição Salvadorenha de 1932, em que o Partido
Comunista de El Salvador – fundado em 1930 por quadros sindicalistas e por
quadros como o estudante, Augustín Farabundo Martí (1893-1932) – organizou
a primeira, e a única, insurreição de massa na história da América Latina a ser
liderada por um partido comunista. A rebelião de 1932 constituiu um evento
inteiramente singular na história do comunismo latino-americano, por seu
caráter de levante armado de massas, seu programa abertamente socialista e
sua autonomia face ao Comintern.

52. Nesse contexto, em alguns países da América Latina se deram fissuras na


hegemonia liberal oligárquica, que caracterizava as sociedades latino-
americanas até então. É o caso do Brasil, por exemplo, em que a ordem

39
republicana liberal e a dinâmica economia agrário-exportadora encontram seu
limite em 1930.

53. Já no Peru, as intensas mobilizações que marcaram o ano de 1919, greves


operárias, mobilizações das classes médias e levantes camponeses, levaram à
ditadura do dissidente Augusto Leguía, vigente de 1919 até 1930. No contexto
peruano destacamos a figura de José Carlos Mariátegui (1894 – 1930, questão
nacional se relaciona a uma cultura latino-americana de resistência às formas
de colonização e a possibilidade de criação de uma cultura de libertação que é
imprescindível na América Latina. Mariátegui vai dizer que o socialismo “no
será calco ni copia”. Elaborar sobre um “sujeito revolucionário nacional, sobre
socialismo indoamericano. A obra “Sete ensaios de interpretação da realidade
peruana” (1928), é um esforço bem sucedido de “nacionalizar” ou “regionalizar”
o marxismo na América Latina. Foi considerado um “desvio” - ou teve uma
receptividade tímida na época de sua publicação devido – em parte – às
críticas da APRA (Alianza Popular Revolucionária Americana) e do
COMINTERN (III Internacional Comunista). Este último, já submetido a um forte
processo de centralização, foi decisivo para o isolamento das posições teóricas
e políticas de Mariátegui: o chamado “desvio Mariategui”.

54. Em Cuba, a década de 1930 é marcada pela chamada “Terceira Revolução”. O


desgaste que experimentou o sistema político a partir do ato ditatorial de 1927,
que prorrogou os poderes do executivo até 1935, liquidou a política bipartidária
vigente e provocou um repúdio popular latente que se expressou por meio de
ações populares coletivas de resistência e protestos. A tirania e o desastre
social foram as condições da revolução que desembocou na queda da ditadura
de Machado, em 1933.

55. Os cruciais anos vinte e trinta não culminaram com a libertação plena de
nenhum povo latino-americano, apesar dos esforços realizados, mas deixaram
conquistas extraordinárias com a inclusão da diversidade étnica e racial latino-
americana no pensamento e na cultura, o auge dos movimentos de
trabalhadores organizados, do nacionalismo popular e revolucionário, a difusão
das ideias socialistas e um campo novo de experiências e ideias sobre os fatos
reais das sociedades com vistas a processos de liberação nacional levando em
conta as especificidades da formação social e econômica desses povos.

56. Já nos anos sessenta, essas elaborações tiveram um salto de qualidade com
uma revolução que triunfou em 1959 relacionando a questão da libertação
nacional ao anti-imperialismo e à participação popular. As aspirações
profundas dos povos latino-americanos entrarem na história de sua construção
nacional, colocou-se concretamente no desfecho da Revolução Cubana que é
uma Revolução Socialista de Libertação Nacional.

40
57. “Em Cuba ficou demonstrada uma regularidade da revolução na América
Latina: a revolução que aqui amadurece é a revolução socialista. Ficou também
demonstrado em Cuba que não se pode ir ao socialismo, senão com bandeiras
democráticas anti-imperialistas. Que não se pode realizar até o fundo a
revolução democrática anti-imperialista, nem se pode defender suas conquistas
sem se atingir o socialismo. Dito de outra maneira: não se pode atingir o
socialismo senão pela via da revolução democrática anti-imperialista, mas
tampouco se pode consumar a revolução democrática anti-imperialista sem
atingir o socialismo. De maneira que entre ambas há uma ligação essencial
indissolúvel, são facetas de uma única revolução e não duas revoluções. Se
olhamos de agora para o futuro, o que se apresenta é a revolução democrática
anti-imperialista e que não se apresenta com uma revolução à parte, senão
como a realização das tarefas próprias da primeira fase da revolução
socialista”.

58. “Sendo assim, compreende-se melhor que não pode haver revolução sem
resolver a fundo o problema do poder e que não é necessário esperar que as
grandes massas tenham uma consciência socialista para conceber a tomada
revolucionária do poder. Em Cuba não havia consciência socialista
generalizada antes da vitória de 1° de janeiro de 1959. Parece-me que, se o
problema do caráter da revolução é enfocado desta maneira, a atividade dos
partidos revolucionários não pode deixar de ter em seu centro o problema do
poder”.

59. Ao explicitar essa dialética de que não se pode atingir o socialismo senão pela
via da revolução democrática anti-imperialista, mas tampouco se pode
consumar a revolução democrática anti-imperialista sem atingir o socialismo,
Schafik Handal (1930 – 2006) mostra qual é o lugar das bandeiras nacionais de
conteúdo democrático e imperialista, na luta pela transição socialista em países
Latino Americanos. O empenho de uma sociedade que se coloca em
movimento contra o imperialismo e por bandeiras democráticas nacionais,
necessariamente, cedo ou tarde colocará a luta pelo poder.

1.6. O programa das lutas e revoltas brasileiras do século XIX.

60. Até a constituição do abolicionismo enquanto movimento político, é possível


afirmar que as revoltas populares no Brasil, em graus diversificados,
expressavam um conjunto de demandas sem alcançar o que
contemporaneamente entendemos por programa. Esperar o contrário seria
recair em anacronismo histórico: o Brasil, até o advento da República/Abolição
encontrava-se em uma situação pré-moderna.

41
61. É importante salientar que o processo vivenciado no Brasil entre o final do
século XVIII e a primeira metade do século XIX não está dissociado das
mudanças globais em curso. A consolidação das revoluções burguesas, as
reformas educacionais, as lutas pela independência dos países americanos,
africanos e asiáticos, as lutas pelo fim da escravidão e as influências da
revolução haitiana em levantes populares e da independência das 13 colonias
da América do Norte, são parte deste processo contraditório que contribuiu na
consolidação das relações capitalistas globalmente.

62. Tomemos como exemplo o processo da revolução jacobina na França, durante


a revolução a abolição da escravidão nas colônias francesas foram
consagradas. Este foi o verdadeiro estopim da situação, pois, após adquirida a
liberdade, os escravizados não mais iriam voltar a sua condição. Após a queda
dos jacobinos do controle político na França, os girondinos tomaram o poder e
tentaram reimplementar a escravidão nas suas colônias. O maior combustível
da revolução dos negros de São Domingos era o sentimento de igualdade e
fraternidade, pelo menos foi o que um dos principais generais revolucionários,
Toussaint L'Ouverture, defendia.

63. Nesta perspectiva de revoltas e levantes do século XIX, tivemos várias


experiências do povo brasileiro, podemos destacar a conjuração mineira (1789)
e a baiana (revolta dos búzios – 1798) que tiveram caráter anticolonial com
perspectivas de libertação nacional. As condições específicas da conjuntura
externa no que diz respeito aos fatores econômicos, políticos e ideológicos
registrava o início de um processo de transformações mais radicalizadas – seja
de acompanhamento das revoluções burguesas ou de libertação nacional com
escravizados.

64. Ambas conjurações construíram reivindicações que articularam as demandas


locais relacionando as questões econômicas (comércio livre, fim do derrame -
imposto da mineração - e a exportação de produtos agrícolas e
manufaturados), políticas (independência de Portugal) e sociais (fim da
escravidão etc), com as questões gerais que estavam colocadas naquele
período histórico – profundas transformações com base na igualdade, liberdade
e fraternidade. A conjuração mineira, com aspirações na independência das 13
colonias inglesas da América do Norte, foi explosiva e radical no sentido de
enfrentar o projeto colonial para o país. Assim, esta defendeu a libertação
nacional, com uma estruturação de República, a abolição da escravidão, a
produção e exportação de produtos manufaturados entre outros

65. Apesar de sua heterogeneidade de concepções e métodos de luta, o


Abolicionismo marca justamente a tentativa de fazer ingressar o Brasil na
modernidade capitalista. Isto é, transformar as próprias regras de
transformação da dinâmica social brasileira. Para se evitar os anacronismos, o
Abolicionismo teve papel fundamental na identificação da escravidão como

42
elemento fundamental da sociedade brasileira até aquele momento. À época,
isto significou uma ruptura com representações do Brasil que viam a
escravidão como elemento secundário da vida nacional, que seria
representada pela política da Corte. Tinha como algumas de suas pautas o fim
formal da escravidãoa reparação material aos escravizados, a reforma agrária,
rápida industrialização do país, incluindo a importação de mão de obra
estrangeira.

66. Apenas o fim formal da escravização acabou por se concretizar em 1888. O


caráter das tarefas da Revolução Brasileira, portanto, é definido antes mesmo
de nosso ingresso no modo de produção capitalista. É a assimilação/restrição
do binômio abolição/república por parte da oligarquia agrária que dita a
expressão concreta do capitalismo brasileiro a partir de 1889-1891. Há,
portanto, uma linha de ruptura – constituição do trabalho livre formal – e uma
de continuidade – exclusão material de amplas parcelas da população do
núcleo do modo de produção capitalista.

67. Devemos reconhecer que somos, enquanto nação, herdeiras e herdeiros do


insucesso do Abolicionismo e, dialeticamente, de seu programa enquanto
organização política. O setor mais consequente do
Abolicionismo/Republicanismo está para o Brasil como Bolivar e Martí estão
para Venezuela e Cuba.

43
Parte II

O programa e a Revolução Brasileira

2.1. Questões sobre o programa e a realidade brasileira.

68. No Brasil, podemos afirmar que as tarefas não realizadas no processo de


Independência, da Abolição e da República reaparecem transmitidas a épocas
posteriores. Por exemplo, nas crises dos anos 30, 60 e 80 emergiram projetos
de país que pensaram contradições a partir dessas marcas do nosso povo e de
nossa nação. Esses projetos de natureza populares e democratizantes foram
derrotados por projetos que davam uma resposta antinacional, antidemocrática
e antipopular às crises.

69. A luta abolicionista e a sua não efetivação junto a ausência de um plano de


industrialização combinado com a reforma agrária fundaram a questão social
do capitalismo brasileiro. A consequência foi uma certa herança colonial nos
aspectos econômicos e culturais. Tal questão social se caracteriza por
profundas desigualdades de classe e raça. Na consolidação dessas “profundas
desigualdades de classe e raça” reside a base do racismo estrutural no Brasil.
Este é um elemento que marcou o caráter conservador da revolução burguesa
no Brasil.

70. O período da década de 1930 foi uma das profundas recessões da economia
brasileira. É comum na literatura econômica a afirmação de que até 1930
houve crescimento industrial, mas só a partir de 1930 houve processo de
industrialização propriamente dito. A resposta da classe dominante à recessão
relacionada à crise de 1930 foi a política desenvolvimentista baseada no
Processo de industrialização por Substituição de Importações (PSI). Essa
política, diante de uma situação externa adversa (crise mundial no entre
guerras), passou a produzir internamente o que antes era importado pela renda
do café. Nesse processo o “projeto burguês” deslocou o debate da
“modernização” para uma discussão puramente técnica e reduziu o
“desenvolvimentismo” à “industrialismo”. Por outro lado, os anos vinte foram
marcados também por movimentos portadores de aspirações profundas do
povo brasileiro de se constituir como tal e afirmar sua existência enquanto povo
– nação. Entre eles, o Tenentismo e a Primeira Semana de Arte Moderna, que
pela arte repensou o povo, o Brasil, seus símbolos. E ainda, 1922 data a
fundação do Partido Comunista do Brasil. As questões nacionais nesse período
são traduzidas da perspectiva popular por meio da ANL (Aliança Nacional

44
Libertadora) que representou a disputa de projetos de sociedade naquele
momento.

71. O exemplo da década de 1960. Numa primeira aproximação poderíamos dizer


que a crise em 1963 foi uma crise de esgotamento do modelo do PSI e do
Populismo. O projeto de desenvolvimento econômico capitalista em 1964 se
deparou com impasse entre dois projetos de sociedade: um de ruptura que
previa uma aliança da burguesia interna com setores populares no sentido de
levar em conta as Reformas de Base para superar os gargalos estruturais do
desenvolvimento capitalista periférico; e outro, que brindava a aliança da
burguesia interna com o imperialismo e o latifúndio coroando o
desenvolvimento capitalista sob a determinação do capital monopolista. O
golpe em 1964 significa, de um lado a escolha da burguesia a associar-se ao
imperialismo de forma subordinada e, por outro lado, a derrota do caminho
pacifico para as reformas à medida que, diante do ascenso das classes
populares, a situação se torna militarizada. A luta popular, empurrada para
clandestinidade, respondeu a crise com grupos que lutaram contra a ditadura
militar (1964-1985) e as aspirações populares foram traduzidas nos programas
dessas organizações, como por exemplo, a ALN (Ação de Libertação
Nacional). A classe dominante, por sua vez, respondeu à crise com a ditadura
e com o PAEG – Plano de Ação econômica do Governo, modelo de
desenvolvimento econômico dependente e associado. O PAEG ergueu a
ossatura do Estado Brasileiro aprofundando o modelo dependente e associado
ao capital estrangeiro, fortalecendo os grandes oligopólios e a
desnacionalização da economia.

72. De 1930 a 1980, o país se industrializou. Entretanto, o modelo de


desenvolvimento adotado veio acompanhado do aumento da desigualdade
social e de elevadas taxas de concentração de renda.

73. A crise dos anos 1980 que projeta a estratégia democrático popular se verifica
novamente um embate dessa natureza. Na crise dos anos 1980, diante da
ruptura do financiamento externo, houve uma inserção dos países latino-
americanos na economia internacional, que passaram de países até então
absorvedores de recursos reais e financeiros do exterior para países que
transferem recursos para o exterior por meio do pagamento de juros e
amortizações da dívida externa. Então, estávamos diante de um cenário de
crise econômica com o ascenso da luta popular que forjou uma relação
dialética entre o quadro político em diálogo com o povo. Essa prática deu
origem a uma concepção de educação popular inspirada na pedagogia de
Paulo Freire e na Teologia da Libertação como práticas de trabalho popular. Do
caldo político desse tripé, junto a concepção do movimento pinça, articulando
luta institucional e luta de massas, surgem as Comunidades Eclesiais de Base
das Igrejas cristãs; a abrangente rede de movimentos populares e sociais

45
despontados nos anos 1970; o sindicalismo combativo; e, na década de 1980,
a fundação da CUT (Central Única dos Trabalhadores); da ANAMPOS
(Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais) e, em seguida,
da CMP (Central de Movimentos Populares); do PT (Partidos dos
Trabalhadores); e do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).

2.2. O programa na experiência do PCB.

74. Os delegados que fundaram o Partido Comunista Brasileiro - PCB, em 1922,


receberam uma mensagem de saudação ao seu feito pela Agência de
Propaganda para América do Sul da Internacional Comunista (IC), sediada em
Buenos Aires. Desde o início, houve um grande esforço do partido para ter um
reconhecimento por parte da IC e que fosse o mais rápido possível. Por isso, o
partido tentou se adequar em poucos meses (neste mesmo ano, 1922,
realizou-se o IV Congresso da IC) às condições para ser reconhecido como
seção brasileira da IC, sendo aceito neste congresso, apenas o status de
simpatizante.

75. Ao longo dos dois anos seguintes, novos esforços para ser considerado
membro pleno da IC, sendo reconhecido esse status no V Congresso da
mesma, em 1924. Justamente a partir desse congresso, com o processo de
"bolchevização", ou seja, um processo de maior controle do PCUS sobre a IC e
consecutivamente sobre os PC's à ela filiados, nota-se uma disciplina mais
rígida no interior do PCB e seus congressos seriam realizados após os
congressos da IC, o que definitivamente ocorre, com o II congresso do PCB em
meados de 1925. A partir desse processo, o partido passaria a estar mais
fortemente norteado pelas determinações do Comitê Executivo da IC e de suas
resoluções.

76. Podemos perceber isso de forma mais evidente com a aprovação do programa
da IC em seu VI Congresso, realizado em 1928. Países tão díspares como
Índia, China, Brasil e Argentina apesar das classificações diferentes (“coloniais
ou semi-coloniais” para uns e “dependentes” para outro grupo de países)
tinham basicamente tarefas similares. Estes seriam impregnados de
“resquícios feudais” ou “relações sociais feudais” e que as tarefas primordiais
seriam “a revolução agrária e, por outro lado, a luta contra o imperialismo
estrangeiro, pela independência e/ou libertação nacional. Estes dois pontos
básicos acompanharam programas do PCB, e de uma parte importante da
esquerda brasileira, ao longo do século XX.

46
77. O PCB, entre a década de 1920 e metade da década de 1930, ao analisar a
realidade brasileira e teorizar sobre sua formação social e a partir disto, traçar
quais seriam as tarefas necessárias da revolução brasileira, concluiu que o
caráter de nossa revolução seria "democrática-pequeno burguesa” e que
poderia se forjar através da constituição de um “Governo-Operário-Camponês”
que iniciaria um processo “de confiscação da terra , supressão dos vestígios
semi-feudais e liberação do país do jugo do capital estrangeiro.”

78. Os problemas identificados como "vestígios semi-feudais" são simbolizados


pelo latifúndio. Já o "jugo do capital estrangeiro" é simbolizado pelo
imperialismo. Estas formulações, fortemente influenciadas pelas resoluções e
programa da IC, estariam presentes em praticamente todos os programas do
PCB, ao longo do século XX - e também nos programas das demais
organizações da esquerda brasileira do período.

79. No contexto de ascensão do fascismo, a IC revisou sua linha política. A nível


regional, em outubro de 1934, os PCs da América Latina reorientaram sua
política em conferência. A partir desse acúmulo, o PCB passou a caracterizar a
revolução brasileira como “democrático-burguesa”. No ano seguinte, o partido
contribuiu na criação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), que defendia a
constituição de um “Governo Popular revolucionário” e uma política de alianças
de unidade com as mais diversas forças progressistas (pequeno-burguesas e
mesmo liberais), o programa defendia: nacionalização das empresas
estrangeiras, denúncias dos tratados antinacionais com o imperialismo; luta
contra as condições escravagistas e feudais de trabalho; distribuição das terras
entre população pobre, camponesa e operária, tomadas sem indenização aos
imperialistas e aos grandes proprietários mais reacionários.

80. As condições de luta mudam a partir do retorno à legalidade em 1945. A ação


política deveria se pautar na luta contra o feudalismo e distribuição das terras
aos camponeses que se localizavam próximo dos grandes centros e na
constituição de um governo de “Unidade Nacional”. Na questão tocante ao
imperialismo há uma pequena e temporária mudança em que a participação do
capital estrangeiro no desenvolvimento dos países mais atrasados era vista
como um fator de progresso e prosperidade. De acordo com a posição da
União Soviética, a derrota do nazismo havia “quebrado os dentes do
imperialismo”. O secretário geral do PCB, Luís Carlos Prestes, atribuía ao
Parlamento democrático a competência para legislar contra o capital
estrangeiro mais reacionário e contra os contratos lesivos ao interesse
nacional.

81. Contudo, o início da guerra fria altera o cenário novamente e os comunistas


retornam à ilegalidade, tendo seus mandatos cassados. Num processo de
acúmulo marcado pelo chamado Manifesto de agosto de 1950 e expresso em
seu IV Congresso, em 1954, o PCB alteraria seu programa: a revolução seria

47
democrática e nacional-libertadora. Os comunistas deveriam lutar pela
implantação de “Governo Democrático de Libertação Nacional”, em que
haveria o confisco e a nacionalização de todos os bancos, empresas
industriais, de serviços públicos, de transportes e de energia elétrica, minas,
etc “pertencentes ao imperialismo” (norte-americano, em especial). Propunha
também o confisco das grandes propriedades latifundiárias, sem indenização, e
a entrega das terras aos camponeses; a imediata libertação do Brasil do jugo
imperialista; o desenvolvimento independente da economia nacional;
liberdades democráticas para o povo; a imediata melhoria das condições de
vida das massas trabalhadoras.

82. Na segunda metade da década de 1950, novamente o PCB daria um giro em


sua orientação política, expressa na “Declaração de março de 1958” e
deliberada nas resoluções de seu V Congresso, em 1960. A revolução
brasileira era caracterizada como “anti-imperialista e antifeudal, nacional e
democrática. As tarefas fundamentais que se colocavam diante do povo
brasileiro eram: a conquista da emancipação do país do domínio imperialista e
a eliminação da estrutura agrária atrasada; o estabelecimento de amplas
liberdades democráticas e a melhoria das condições de vida das massas
populares; O desenvolvimento independente e progressista da economia
nacional, mediante a industrialização do País. Para os comunistas, a chamada
“burguesia nacional” estava entrando em choque com o imperialismo e para
enfrentá-lo, necessitaria do apoio do proletariado. Portanto, esta seria a aliança
prioritária numa estratégia revolucionária Inclusive, as reformas de base
propostas pelo Governo Jango entravam em consonância com várias pontos
do programa do PCB; contudo, sua viabilidade foi interrompida pelo golpe de
1964.

83. A derrota das forças progressistas e de esquerda em 1964 condicionou um


rearranjo entre os comunistas. O PCB se fracionou em vários agrupamentos, a
maior parte optando pela luta armada. Contudo, a despeito da diferença sobre
a forma de luta política e enfrentamento à ditadura, o aspecto programático
desses grupos era, em sua maioria, bastante similar ao que predominou no
PCB. Os revolucionários deveriam se empenhar no esgotamento de seus
“resquícios feudais” com uma “revolução agrária”, iniciando um processo de
libertação nacional a partir da expropriação de empresas identificadas com o
imperialismo estadunidense.

48
2.3. O programa na experiência do PT.

84. Como já foi dito anteriormente, o tema do programa, na tradição marxista


revolucionária, está intimamente associado à questão da estratégia. Trata-se,
no fim das contas, da definição das questões que, na sociedade do presente,
apresentam necessidade urgente de serem abordadas, em articulação com o
projeto de longo prazo de transformação radical dessa mesma sociedade. O
Partido dos Trabalhadores, no entanto, não pertence a essa tradição. Além
disso, nunca teve na estratégia uma preocupação fundamental. Sendo assim, o
tema do programa não aparece no PT da mesma forma que em partidos que
reivindicam, por exemplo, a tradição bolchevique.

85. O programa, nos anos iniciais do PT, buscava articular três questões
fundamentais: a luta pelo fim da ditadura militar, as lutas econômicas dos
trabalhadores e um tema que, ao longo de toda a década de 80, constituiu a
verdadeira bandeira estratégica do partido, que é a incorporação dos
trabalhadores à democracia brasileira. Esse último ponto tinha como pano de
fundo as limitações à organização sindical, características do período
democrático 1946-64 e radicalizadas depois do golpe militar. A autonomia
sindical se configurava, nesse sentido, como o tema “estratégico” de maior
relevância para o PT, nesse período.

86. De uma maneira geral, podemos dizer que a questão programática, no PT dos
anos 80, esteve quase sempre subordinada à dinâmica da conjuntura, sem que
houvesse uma preocupação maior em debater que tipo de programa se fazia
necessário para conduzir a uma transformação na direção do socialismo. Não
poderia ser diferente, uma vez que, apesar de se declarar socialista, o PT não
se preocupou, naquele momento, em definir o que isso significava ou os
caminhos a percorrer na direção do socialismo.

87. Assim, as lutas prementes da conjuntura dos anos 80 moldaram, em grande


medida, o caráter do partido e de seu programa. Nos anos 80, isso significava,
antes de mais nada, para um partido com o perfil do PT, lutar contra as perdas
salariais acumuladas desde os tempos do arrocho e por democracia. A partir
de 1985, a disputa pela democracia passou a ser travada, não mais no terreno
do combate à ditadura, mas no do enfrentamento à permanência de elementos
autoritários no regime democrático que então começava a ser moldado.

88. Uma mudança substantiva nesse campo se desenharia a partir de 1987 e,


principalmente, de 1989. Em 87, em seu Vº Encontro Nacional, o PT reviu uma
série dos princípios que o haviam norteado em sua fundação, no que diz
respeito ao papel do partido em sua relação com a classe. As resoluções do Vº
Encontro configuram, em relação a essa questão, um “ensaio leninista”. Fala-

49
se, explicitamente, que o PT deve ter um papel dirigente, em relação aos
trabalhadores, na luta pelo socialismo. A centralidade da questão do poder
para a presidência da República, a partir desse momento, se torna um aspecto
fundamental da trajetória do PT.

89. Assim, o programa deixa de ser um tema fundamentalmente reativo, como fora
até então, e se transforma em uma urgência para um partido que começa,
desde aquele momento, a se preocupar com a possibilidade de governar. A
conjuntura adversa dos anos 80 interrompeu aquilo que parecia se configurar
como um giro à esquerda na trajetória do PT e o partido acabou tomando um
rumo crescentemente eleitoralista. Mas o impulso do debate sobre a transição
ao socialismo se fez sentir por alguns anos, após 87.

90. O ano de 1989 é fundamental, nesse sentido. Se, em suas resoluções


partidárias de fundo, que refletiam o acúmulo coletivo do partido, o PT não ia
muito longe em termos de debate estratégico, os programas de governo das
primeiras candidaturas presidenciais de Lula supriram parcialmente essa
lacuna. A disposição de disputar o governo federal forçou o partido a
empreender leituras mais sofisticadas do país e de sua história e a pensar em
caminhos para a superação dos problemas identificados.

91. O programa da primeira candidatura de Lula foi extremamente importante,


nesse sentido. Em primeiro lugar, o PT iniciou ali um processo que, mais tarde,
de maneira mais ou menos refletida, o aproximaria de uma tradição da qual ele
era o herdeiro legítimo, mas da qual sempre buscara se diferenciar, que é a
tradição das lutas nacionais, democráticas e populares. O tema da Nação
sempre fora problemático para o PT, uma vez que estava fortemente associado
à herança do trabalhismo varguista.

92. O partido se reaproximou paulatinamente (ainda que nunca de maneira


completa), pela via do anti-imperialismo e de um tema da pauta econômica que
foi central para ele nos anos 80: a dívida externa. Além disso, o programa de
Lula-89 se aproxima da tradição da esquerda popular dos anos 60 ao se
configurar como um programa de amplas reformas (agrária, urbana,
democrática etc). Diferente da tradição varguista, no entanto, o PT do final dos
anos 80 e início dos 90 não via a possibilidade desse programa de reformas
populares e anti-imperialistas se concretizar nos marcos do capitalismo.

93. Assim, as reformas tratadas como a questão central dos programas das
candidaturas petistas de 89 e 94 eram consideradas pelos elaboradores
desses programas (aprovados pelo partido) como parte de um processo de
transição ao socialismo. Essa transição não se esgotaria com a vitória de Lula
mas, ao contrário, teria nela o seu ponto de partida. A visão das reformas como
um processo articulado e em linha de continuidade com a construção do

50
socialismo mantinha o PT distante do esquematismo etapista do stalinismo e o
aproximava das distintas tradições revolucionárias do século XX.

94. Nas eleições seguintes, num quadro de recuo da esquerda no mundo inteiro e
também no Brasil, a ideia de transição perdeu força, mas o tema das reformas
continuou sendo fundamental. Com Lula eleito, as reformas também foram
deslocadas, em favor de um caminho mais pragmático e com um horizonte
mais rebaixado. É possível dizer que, assim como nos primeiros anos da
trajetória do PT, o programa, nos anos em que o partido esteve na Presidência,
esteve submetido à dinâmica da conjuntura, sem qualquer articulação com um
projeto de longo prazo. A conjuntura, no entanto, já não era aquela dos anos
80, caracterizada pela ascensão das lutas populares, mas a dos anos que se
seguiram à imposição do projeto neoliberal. Ou seja, uma conjuntura de
possibilidades mais limitadas.

2.4. Polêmicas com o Programa Nacional, Democrático e Popular


(PNDP).

95. A questão do programa tornou-se um tema da disputa com um campo oriundo


do pensamento do Trotsky, ainda que não fosse defendido por ele. A base da
polêmica é uma combinação de balanço e avaliação do processo
revolucionário russo e dos elementos determinantes do programa.

96. As tensões com o tema do programa também têm como conteúdo o que foi
propagandeado como “marxismo-leninismo”, que nada mais era do que as
interpretações e posições hegemônicas no interior do Partido Comunista da
União Soviética (PCUS), que passou a adotar o programa derrotado da
revolução russa e então defendido por Plekhanov. O centro dessa linha era a
defesa de que o estágio do desenvolvimento nacional era determinante da
estratégia e consequentemente das alianças, e em razão disso, a revolução na
periferia do capitalismo seria burguesa e a aliança central com a burguesia
contra o imperialismo. Ou seja, a adoção da concepção programática derrotada
em 1917, porém feita em nome de Marx e Lenin.

97. As divergências com o tema têm, portanto, três origens: os críticos do


marxismo oficial; os críticos do percurso da URSS; e os defensores do
programa como resultante das condições objetivas da economia e
desenvolvimento dos países dependentes, periféricos, terceiro mundo, etc.

98. Os que propõem romper com o PNDP – Programa Nacional, Democrático e


Popular - assim o fazem por associá-lo ao que foi proposto pela III Internacional

51
sob hegemonia de Stalin. Isto é, uma separação entre a revolução
democrática, popular e nacional da revolução socialista, de modo a
compreender as alianças a partir de cada revolução e, portanto, dando
passagem para a proposta de aliança estratégica com a burguesia. O combate
a essa proposta oriunda de Plekhanov e derrotada com a revolução de outubro
é uma dupla farsa: a da origem, dando a proposta combatida por Lenin como
sendo a de Lenin; e a da crítica como sendo o PNDP sinônimo de aliança com
a burguesia.

99. A segunda linha crítica desse programa é oriunda dos setores que fazem uma
crítica ao processo da URSS como sendo, na parte ou no todo, resultado dos
erros cometidos pelos revolucionários. Dentre os erros, o tema do programa é
um deles, sendo considerada uma explicação dos limites do desenvolvimento
do socialismo na URSS - e, posteriormente, a ser aplicada como crítica à
China, Iugoslávia, Romênia, Hungria e a todo bloco do chamado “Leste
Europeu”, bem como às revoluções na periferia que não ruíram nos anos de
89-91: Cuba, China, Coreia do Norte, Vietnã, Moçambique e Angola. A crítica
parte de uma avaliação dos limites dessas revoluções.

100. Essa crítica ao PNDP e às revoluções do século XX resulta em uma posição


estranha dentro do debate marxista. Todo o debate sobre a Revolução e o
Socialismo até 1917 era um conjunto de teses sem demonstração concreta.
Após a Revolução a influência das teses defendidas pelos Bolcheviques e
demonstradas como corretas a partir da vitória. Vale destacar que essa
influência foi percebida por Lenin, que publicou um livro para demarcar o
impacto da revolução na teoria marxista. Para ele, os revolucionários deveriam
ter uma dupla cautela com os impactos daquela vitória na teoria: de um lado,
reconhecer que uma parte das formulações apresentadas na Rússia eram
amplas e expressavam um avanço na teoria revolucionária; do outro,
compreender que uma parte das respostas dadas lá eram específicas da
situação russa e daquele processo revolucionário.

101. A terceira das críticas é aquela gestada nas fileiras do chamado campo
“trotskysta” (mas não nas formulações de Trotsky). Essa crítica enfatiza o
desenvolvimento do capitalismo e do estágio da Revolução Burguesa,
fundamentando a definição de que a revolução burguesa foi concluída. A partir
dessa definição, esse campo vaticina que não há mais espaço para um
programa conciliador e associado a reformas parciais, as quais seriam
justificadas por uma incompreensão da revolução burguesa, uma fixação nas
tarefas inconclusas e até mesmo um objetivo explícito ou oculto em uma
aliança com as burguesias. Em resumo, é uma defesa de superação a partir da
realidade do desenvolvimento do capitalismo dentro do tema do programa.

52
102. Em comum, as três têm um problema: se o programa e o caráter da Revolução
não é nacional, democrático e popular articulada com a transição ao
socialismo, qual é o programa concreto?

103. Seguindo com a crítica aos limites PNDP: como o programa não é determinado
exclusivamente pelo grau de desenvolvimento do capitalismo brasileiro, mas
esse é um de seus elementos determinantes, as críticas ao PNDP não são e
nem foram capazes de apresentar um programa socialista com lastro nas lutas
sociais e de massa.

104. Nessa perspectiva, como as lutas não apresentam propostas socialistas, as


organizações acabam precisando fazer uma escolha: ou assumem a coerência
da crítica e assumem um programa socialista, sem qualquer respaldo nas lutas;
ou constróem uma gambiarra combinando a crítica ao PNDP com a
apresentação de um programa nacional, democrático e popular com alguma
maquiagem para eliminar a enorme contradição entre a crítica e a proposta.

53
Parte III

O Projeto Popular para o Brasil

3.1. Fundamentos teóricos e históricos do Projeto Popular.

105. Os fundamentos históricos do Projeto Popular devem ser buscados nas


contradições da formação social brasileira. Neste sentido, podemos apontar os
seguintes elementos históricos que embasam o Projeto Popular:

a. De acordo com a formulação de Caio Prado Júnior, há um


“bloqueio da construção nacional”, por parte do imperialismo e
de seus aliados no plano interno, que impede o Brasil de
completar-se como nação. A questão nacional se expressa
como uma luta que objetiva dar sentido à nossa construção
nacional. Qual sentido? O sentido da capacidade de transformar
a ‘não-nação’ original em uma nação soberana. De acordo com
aquela formulação, só através de um Projeto Nacional seria
possível fazer esta transformação.

b. A via não clássica de formação do capitalismo no Brasil. Ou


seja, a revolução burguesa foi conservadora, não efetivando
reformas democráticas e populares, como a agrária, a urbana,
dentre outras. Tais reformas estruturais permanecem pendentes
e só podem ser concretizadas por um Projeto Nacional sob a
hegemonia da classe trabalhadora.

c. O capitalismo no Brasil, bem como na América Latina, é


caracterizado pelo seu caráter dependente e subdesenvolvido.
De acordo com Florestan Fernandes, podemos dividir as formas
de dominação externa em nosso Continente em 4 fases: 1) o
Antigo sistema colonial; 2) o Neocolonialismo; 3) a Dominação
Imperialista e o 4) Imperialismo Total. Em todas estas fases o
Brasil não se projetou como nação soberana. Isso não significa
que a nossa formação social é pré-capitalista, mas que a
especificidade histórica do capitalismo no Brasil é de uma
relação subordinada às economias centrais. Essa subordinação
se expressa na economia, na política, na cultura, militarmente,
ideológica e culturalmente.

54
d. O colonialismo: É o conjunto da herança colonial que se
manifesta nas estruturas da sociedade brasileira,
particularmente no modelo econômico dependente, nas formas
políticas de dominação de classe e no campo da cultura. Tudo
isso atualiza o capitalismo dependente como uma marca de
nossa formação social.

e. O débil processo de formação da burguesia brasileira a


inviabiliza de liderar um projeto de nação e impõe a ela uma
dupla função no sistema capitalista global. No plano externo se
relacionam de forma subordinada ao Imperialismo, no plano
interno precisa ser ainda mais violenta para dominar as classes
populares. Ainda que com contradições, a dupla articulação
entre ser dependente externamente e dominante internamente
faz com que a burguesia brasileira imponha um ritmo
intermitente de desenvolvimento capitalista e restrinja ao
máximo os espaços políticos das classes populares.

f. O racismo estrutural foi consolidado pela revolução abolicionista


inacabada, no final do século XIX, que não efetivou
completamente o seu programa: fim formal da escravidão,
industrialização acelerada e reforma agrária (o que
consideramos a primeira versão do Projeto Popular para o
Brasil). Este processo lançou as bases da questão social do
século XX, marcado por profundas desigualdades sociais.

g. O patriarcado é um elemento constituinte da formação social


brasileira e está na base da desigualdade entre os sexos.

h. O processo de formação da classe trabalhadora no capitalismo


central (particularmente na Europa) se deu ao longo dos séculos
XVIII, XIX e XX dentro da conhecida transição: artesanato,
manufatura, maquinaria ou grande indústria. Nos países de
origem colonial o proletariado não passou por essa transição.
No Brasil, por exemplo, nosso jovem proletariado inicia sua
formação no final do século XIX e início do século XX se
deparando logo com a fase de maquinaria ou grande indústria.
Parte dos primeiros contingentes de trabalhadores assalariados
eram ex-escravos. Essa especificidade se expressa na cultura
operária e nas formas de luta.

i. Ao longo da História do Brasil, o que movimentou a classe


trabalhadora foram pautas democráticas, nacionais e populares.
Isso porque são elas que dialogam com o nível de consciência
da classe trabalhadora e solucionam seus problemas básicos.

55
j. O Estado burguês no Brasil se constituiu estruturalmente de
forma restrita e formal, com sistemas políticos ao longo de sua
evolução que dificultaram a participação popular, a cidadania
política e social. Exerce uma violência de classe
institucionalizada sobre as classes populares. Diante de uma
burguesia sem projeto de nação, o desenvolvimento do
capitalismo dependeu de um Estado forte e centralizador, que
viabiliza a modernização conservadora cobrindo o déficit de
investimentos que deveriam ser feitos pela burguesia, pelo setor
privado.

106. O acúmulo de forças do projeto popular não objetiva viabilizar uma revolução
burguesa pelo fato de que as relações sociais capitalistas de produção já são
dominantes na formação social brasileira, além da dominação de classe da
burguesia já estar consolidada. Este é um legado fundamental de Florestan
Fernandes e que está na base do Projeto Popular. Não temos no atual
momento histórico uma revolução burguesa incompleta. A caracterização da
vigência de uma revolução burguesa incompleta está na obra de Nelson
Werneck Sodré na década de 1950 e correspondia também a uma formulação
da III Internacional para os países dependentes.

107. A revolução burguesa em países de origem colonial guarda peculiaridades que


são fundamentais para a correta compreensão das potencialidades históricas
presentes nestas sociedades. Nestes países a natureza das tarefas dos
revolucionários é determinada pela transição neocolonial prolongada. Como
afirma Florestan Fernandes: “A grande maioria dos países de origem colonial
sofreu um desenvolvimento capitalista deformado e perverso”.
108. As classes dominantes do período colonial se tornam burguesas através do
desenvolvimento do capitalismo, aproveitando o monopólio do poder político
como elemento unificador da classe. As transformações econômicas e sociais
são insuficientes para ensejar nas classes dominantes qualquer vestígio de um
projeto nacional; pelo contrário, seu privilegiado posto de comando favorece
relações de subordinação para com o mercado mundial.

109. A revolução burguesa nesses países cinde a revolução política da revolução


nacional. As classes dominantes não têm nenhum interesse em revolucionar as
estruturas sociais e econômicas coloniais, mas operam uma transformação do
regime político que transiciona as sociedades coloniais ao capitalismo
dependente. Enquanto no capitalismo central a revolução burguesa se imbrica
com a revolução nacional e a revolução democrática, ensejando um conjunto
de transformações sociais e econômicas, nos países de origem colonial esse
mesmo conjunto de tarefas são solapadas pelas classes dominantes.

56
3.2. Interpretação da formação do povo brasileiro.

110. No fim do século XV e início do século XVI começa o período de colonização


dos povos da América Latina pelos europeus. A forma de colonização destes
ocorreu de maneiras diversas, como é o caso de países como a Bolívia, no
qual a escravização dos indígenas foi mais expressiva, e o caso do Brasil que
teve a escravização dos povos negros africanos de forma mais intensa. Mesmo
constatando que a diferença está nos povos que foram escravizados, percebe-
se que a semelhança está na escravização de seres humanos durante o
período colonial da América Latina.

111. No lado da América que é banhado pelas águas do oceano Atlântico houve
uma maior escravização dos povos negros africanos, e o lado banhado pelo
oceano Pacífico teve, em sua maioria, a escravização dos indígenas. Afirmar
isso não é o mesmo que defender que o fator determinante tenha sido os
oceanos ou territórios ou geografia. As regiões do lado do oceano Pacífico e
Antilhas tiveram um predomínio da colonização espanhola, que teve início,
principalmente, com a exploração dos seres humanos escravizados para a
exploração de metais preciosos nas minas. Já a colonização portuguesa foi
iniciada pela exploração da monocultura para a exportação da matéria prima,
tendo como base o trabalho escravizado, principalmente dos povos negros
africanos.

112. O advento da colonização se deu inicialmente com o choque de dois modos de


produção diferentes; o modo de produção comunal dos indígenas, e o modo de
produção mercantil, ainda com raízes feudais, dos ibéricos.

113. Essa questão histórica é importante para que se perceba que desde o início da
colonização a escravização dos negros foi o pilar basilar da economia da coroa
portuguesa. De acordo com Jacob Gorender: “à mesma maneira que a
propriedade da terra é o fator socialmente decisivo de domínio da produção no
feudalismo e a propriedade do capital, no capitalismo, os contemporâneos do
escravismo tiveram a clara noção de que a propriedade de escravos constituía
o fator decisivo, o fator fundamental de domínio da produção na economia
existente no Brasil".

114. Com o intenso tráfico negreiro, que será mais bem aprofundado adiante, se
passou a desenvolver um modo de produção diferenciado, como afirma Marx:
“Quando se rouba o escravo, rouba-se diretamente o instrumento da produção.
Mas é preciso que a produção do país, para o qual se roubou, esteja
organizada de tal maneira que admita o trabalho dos escravos ou então (como
na América do Sul etc.) é preciso que se crie um modo de produção que
corresponda a escravidão (apud GORENDER, 2011, p. 85).

57
115. Para Marx, para se definir um modo de produção leva-se em conta as forças
produtivas e as relações de produção como se fossem uma unidade. Gorender
reafirma a concepção de Marx: “no que se refere à colonização do continente
americano, seria impossível compreender a escravidão sem estudá-la em
conjunto com as forças produtivas e sua organização fundamental: a
plantagem”.

116. Juntamente com a escravidão, a plantagem constitui como elemento


fundamental do modo de produção escravista. Conforme Gorender: “a
plantagem escravista colonial é uma organização econômica voltada para o
mercado. Sua função primordial não consiste em promover o consumo
imediato dos produtores, mas abastecer o mercado mundial. Este é que traz à
vida e lhe dá a razão de existência. Baseado no trabalho escravo, o modo de
produção, que com ela se organiza, não oferece a plantagem um mercado
interno de dimensões compatíveis com sua produção especializada em grande
escala. Produção agrícola especializada é sinônimo de monocultura. Mas essa
característica não deve ser tomada no sentido absoluto, do que resulta uma
visão unilateral. A plantagem escravista contém um setor de economia natural,
cuja a produção se consome dentro da própria unidade produtora e que, por
mais secundário com relação à produção comercial especializada, não deixa
de representar necessidade estrutural. Necessidade que independe das
peculiaridades da metrópole ou da colônia, pois encontramos sua manifestação
no Brasil, nas áreas das Antilhas e no sul dos Estados Unidos”.

117. Compreendendo a plantagem como a principal força produtiva no período


colonial, deve-se recordar que não era só esse tipo de oficio que os negros e
negras praticavam. Percebe-se que só dentro dos engenhos os negros tinham
mais de uma função, tanto a produtiva para o mercado, como a produtiva de
economia natural, e dentro do engenho ainda existiam as tarefas tidas por
“improdutivas”, como era o caso dos negros e negras que viviam dentro da
Casa-Grande com diferentes trabalhos: cozinheira, faxineira, amas de leite, etc.

118. No século XVIII, com a descoberta dos metais preciosos nas Minas Gerais, os
negros também foram os principais extrativistas. No campo havia ainda os que
trabalhavam na pecuária, na agricultura, etc. Existiam também os que eram
conhecidos como os negros de ganho, que eram os que geralmente viviam nos
centros urbanos consertando diferentes tipos de ferramentas, vendedores em
geral, barbeiros, servindo de mensageiros, trabalhando como prostitutas,
escravos carregando as fezes dos seus senhores para limpar a casa, etc. Ou
seja, a população negra estava presente na grande parte dos trabalhos
produtivos ou "improdutivos" da sociedade colonial. Em muitos momentos da
colonização portuguesa no Brasil havia, em termos percentuais, mais negros
escravizados do que a própria população "livre" no Brasil.

58
119. É nesse contexto, em que o ser humano escravizado passa a se tornar uma
propriedade e é "naturalizada" a coisificação do escravo. Muitos escravos eram
considerados, pelos seus donos, como iguais a qualquer outro animal diferente
deles. Ou seja, a transformação do ser humano em propriedade atuou como
uma alienação em relação à própria condição de ser humano, negando toda
sua subjetividade, sua capacidade intelectual, sua capacidade de projetar um
trabalho antes mesmo de realizá-lo e dentre tantas outras diferenças. Foi a
partir da ação de adotar o ser humano como uma propriedade que passaram a
utilizar a prática de marcar o escravo com ferro em brasa como se ferra o gado.

120. Como quase todas as propriedades, para adquiri-la deve-se comprá-la. Logo, o
escravo representava a soma pela qual foi comprado ou pela qual poderia ser
vendido. Foi assim que muitas vezes os escravos eram utilizados como
moedas de troca ou meio de circulação de mercadorias. No período colonial,
alugar um escravo para um determinado serviço era o mesmo que alugar uma
ferramenta ou um animal. Essa prática de alugar escravos chegou a ser uma
forma de investimento, através da compra de escravos destinados a render
sobre a forma de locação.

121. Com o passar dos anos, a propriedade de escravos foi cada vez mais
valorizada, e a quantidade de escravos em um determinado engenho era parte
substancial na reserva de bens dos caudillos. A evolução é evidente se tomar
como referência o valor representativo dos escravizados em relação aos outros
bens do engenho. Como evidencia Gorender: em 1635 existiam latifúndios que
o total do plantel de escravos equivalia de 14% à 18% dos bens do engenho;
em 1781 o valor do plantel passou a constituir de 25% a 30%; em 1850, antes
do fim do tráfico, esse valor girava em torno de 47%, e, após o fim do tráfico de
escravos, o valor do plantel passou a ser de 69% à 73% do inventário total do
engenho. Com isso, percebe-se que além do escravo ser o principal
trabalhador produtivo, o sujeito que tem o fruto do seu trabalho expropriado por
um sujeito dominador (branco), ele era considerado também, por ser uma
propriedade, como parte da força produtiva, ou seja, como um meio de
produção.

122. Além disso, a forma de geração de renda dos negros escravizados ia além de
sua capacidade produtiva ou improdutiva; o próprio tráfico de escravos era uma
das maiores fontes de lucros do comércio externo e interno de escravos. Em
1798 o preço global de escravos equivalia a 24% do total de exportação e
representou 23% do total de importação de "mercadorias" do Brasil. Assim, é
plausível afirmar que grande parte da renda nacional tinha como base a
circulação da mercadoria: seres humanos escravizados.

123. Concluindo que, se os escravos eram os principais sujeitos das forças


produtivas, das relações de produção e da circulação de mercadoria é difícil
negar que a base do modo de produção da colônia era escravista. Segundo

59
Gorender, “a sociedade colonial era uma rígida sociedade de castas - sem
deixar de ser sociedade de classes - enquanto a percorria de alto a baixo a
linha divisória entre escravos e homens livres. Exceção feita à geração que
alcançou o final abolicionista, a imensa maioria dos escravos morreu na
escravidão e os que obtiveram a condição de libertos precisaram carregar
consigo o estigma de um pecado original, tanto mais quando se faziam
reconhecer pelos traços raciais. Já no âmbito dos homens livres, vigorava uma
hierarquização estamental à qual, todavia, era imprescindível a sanção das
relações de mercado”.

124. Entretanto, os negros escravizados não eram agentes passivos diante de


tamanha brutalidade. A resistência deles era muito conhecida e temida pelos
latifundiários. Existem muitos símbolos de resistência dos negros, como é o
caso do quilombo de Palmares no Brasil, tendo como principal referência
Zumbi. Pela América Latina existiam muitos outros, com diferentes tamanhos e
estruturas organizativas. A ilha de São Domingos, hoje conhecida como Haiti, é
verdadeiramente o maior símbolo de luta dos povos negros escravizados da
América Latina. Foi esse país o primeiro de toda América Latina a conseguir a
independência em 1804. Diferentemente dos demais países latino-americanos,
que só proclamaram sua independência porque suas metrópoles estavam
sendo subjugadas por Napoleão, os negros e negras de Santo Domingo
conquistaram sua independência através da coragem e tenacidade dos povos
negros e impuseram a primeira derrota aos exércitos de Napoleão.

125. Correspondeu a essa formação social específica um processo próprio de


estruturação das classes sociais no Brasil. As classes e frações de classe que
se forjaram na contradição ou no choque com projeto de colonização
identificamos, referenciados em Darcy Ribeiro, como o povo brasileiro. Um
povo novo, constituído a partir dessa contradição. A niguendade apontada por
Darcy é daquelas e daqueles explorados pelo sistema colonial, os quais
forjaram uma identidade que é, ao mesmo tempo, resultado da violência, da
miscigenação, majoritariamente forçada, compulsória, e, ao mesmo tempo, da
resistência impressa nesse processo. A ideia de povo brasileiro não nega a
divisão da nossa sociedade em classes sociais, como reafirmamos em muitos
dos nossos documentos e resoluções.

126. Aliás, o conceito de povo não é um conceito estranho à tradição marxista.


Marx, Engels e Lenin utilizaram uma definição de povo em diferentes obras.

127. No texto A Burguesia e a contrarrevolução, eles disseram que “a burguesia


entrou na revolução ainda pertencendo ao povo alemão, mas em algum
momento ela se separou dele e se transformou em não-povo e depois em anti-
povo”. Lenin, em As duas táticas da social democracia na revolução
democrática, diz que quando Marx utiliza a palavra “povo” ele não está

60
ocultando as diferenças de classe, mas unificando determinados elementos
sociais que são capazes de levar uma revolução até o seu fim.

128. Ou ainda podemos nos referir a definição de povo de Fidel Castro, em “A


História me Absolverá” que diz: “entendemos por povo, quando falamos de luta,
a grande massa irredenta, que todos oferecem, enganam e traem, que aspira a
uma pátria melhor, mais digna e mais justa; que é mobilizada por conceitos
ancestrais de justiça, por ter padecido a injustiça e o escárnio geração após
geração, que anseia grandes e sábias transformações em todos os níveis e
está disposto a dar sua última gota de sangue para alcançá-las, quando
acreditar em alguma coisa ou alguém, sobretudo quando acreditar
suficientemente nela mesma. Nós chamamos povo, se de luta se tratar, os
seiscentos mil cubanos, os quinhentos mil operários do campo, os
quatrocentos mil operários industriais e volantes, os cem mil pequenos
lavradores, os trinta mil mestres e professores, os vinte mil pequenos
comerciantes afogados em dívidas, os dez mil profissionais liberais jovens.
Este é o povo, que sofre todas privações e é, portanto, capaz de lutar com toda
coragem!”

129. A análise de Darcy, embora parte de um ponto de vista antropológico e/ou


cultural, está longe de apresentar qualquer visão essencialista ou a-histórica do
povo brasileiro. A sua análise, embora insuficiente, apresenta características
culturais importantes, resultado de um processo histórico concreto,
determinado pelas circunstâncias econômicas, políticas e sociais. A sua
contribuição se completa a de Florestan e de outros autores que afirmam o
caráter anti-nacional, anti-popular e reacionário da nossa classe dominante e
atribuindo ao povo brasileiro - as classes e frações de classe que o integram - a
tarefa de ser portador de um projeto de nação para o nosso país.

130. Do ponto de vista da questão racial, a análise do Darcy nos traz elementos
importantes para apreensão da particularidade do racismo no Brasil ou que
muitos vão chamar de racismo à brasileira.

131. Segundo Darcy, no livro “O Povo Brasileiro” a forma peculiar do racismo


brasileiro decorre de uma situação em que a mestiçagem não é punida, mas é
louvada. Como o mesmo admite, essa situação não chega a configurar aqui
uma democracia racial, mas gera um tipo de racismo que é diferenciado do
racismo baseado no regime de apartheid, como o praticado nos EUA e na
África do Sul, por exemplo. Ele vai caracterizar esse racismo como
assimilacionista, que se valendo do mito da democracia racial, nega o racismo
para exercê-lo de forma violenta e brutal, mas de forma velada, tentando
enfraquecer ou desarticular a luta anti-racista. Isso tem consequências para a
construção da identidade nacional porque acaba criando uma identidade
nacional excludente, mas aparentemente universalista, fundada no mito da
democracia racial e no ideal de branqueamento.

61
132. Uma outra característica, extraída da leitura do Darcy Ribeiro, é a ação
sistemática das classes dominantes brasileiras de ocultar ou relativizar a
participação negra na formação da identidade nacional. Um exemplo disso são
as contribuições Gonçalves Dias e José de Alencar, financiadas pelo Estado
brasileiro durante o Governo Vargas, e a construção de uma identidade cultural
definida a partir da nossa constituição racial, na qual se destacava o elemento
branco e o índio, e relegava o elemento negro a uma posição de marginalidade
ou de invisibilização.

133. Essa elaboração de Darcy Ribeiro nos parece atual e nos ajuda em diversos
sentidos, mas, como vamos demonstrar mais adiante, é insuficiente.
Necessitando, pois, que seja complementada por outras referências que
ajudem a dimensionar melhor a compreensão do racismo estrutural no Brasil.

134. Lélia Gonzalez (1988) também vai identificar essas diferentes manifestações
do racismo e vai caracterizá-las como táticas diversas, visando, contudo, o
mesmo objetivo: exploração/opressão. Segundo ela, nos países de origem
anglo-saxônica, germânica ou holandesa, negra é a pessoa que tenha tido
antepassados negros (“sangue negro nas veias”). De acordo com essa
articulação ideológica, miscigenação é algo impensável (embora o estupro e a
violência sexual era amplamente praticado). Nessas sociedades, predominou o
racismo aberto, de tipo segregacionista, como o apartheid na África do Sul e as
leis segregacionistas nos Estados Unidos.

135. O racismo à brasileira, e dos países de origem latina, se estruturou a


partir da sua negação, fundado no mito da democracia racial, a partir de
características fenotípicas e de um certo culto à mestiçagem como uma
estratégia de embranquecimento. Nas palavras de Gonzalez (idem), um
racismo disfarçado ou um racismo por denegação.

136. Nessa linha, outro importante pensador marxista brasileiro, Clóvis Moura, no
livro Dialética Radical do Brasil Negro (1994, p. 184), as classes dominantes no
Brasil transformaram um fator biológico (miscigenação/mestiçagem) em um
fator sócio-político (democracia racial). Ainda, segundo o autor, a mestiçagem
não é necessariamente um problema, a questão é como foi ordenada
socialmente essa população poliétnica e quais os mecanismos específicos de
resistência à mobilidade social vertical massiva.

137. Com isso, o autor faz um deslocamento importante sobre o tema e, assim
como colocamos no início do texto, apresenta a questão racial como uma
questão social e política. Logo, o foco não é exaltar ou negar a miscigenação
no Brasil, mas analisar os mecanismos concretos que fazem da questão racial
um mecanismo de produção e reprodução de desigualdades sociais.

62
138. É importante ressaltar que o projeto de colonização não se instalou em nosso
país sem oposição. Rejeitamos a ideia da passividade do povo brasileiro ante a
violência da colonização e da escravidão. E os autores que temos dialogado
até aqui fundamentam essa afirmação, assim como muitos outros. Desde a
chegada dos portugueses e em seu longo período de instalação no território
brasileiro, muitos foram os conflitos e as formas de luta e resistência que
assumiram as classes subjugadas.

3.3. A sociedade de classes no Brasil atualmente.

139. Como apresentado no texto sobre o Capitalismo Contemporâneo, o ponto de


partida da formação da classe trabalhadora no Brasil foi a precarização,
informalidade, marginalidade e a heterogeneidade estrutural, partes
constitutivas da acumulação espoliativa e do caráter subdesenvolvido da nossa
formação econômica. Estes constituem os traços estruturais da nossa
particularidade desde a origem.

140. É historicamente uma classe forjada no seio da heterogeneidade do


desenvolvimento econômico nacional, onde há setores de maior dinamismo e
modernização que acendem a melhores condições de trabalho e, por outro
lado, um vasto setor arcaico e rudimentar que se baseia em condições de
trabalho precárias e informais. Dessa cisão uma parte da classe obteve e ainda
obtém um nível de acesso a direitos laborais, a representação sindical nas
lutas econômicas e políticas, a status e condições de identificação e
pertencimento coletivo e a outra parte, ao longo do último século só conheceu
a velha e persistente precarização, que agora se universaliza, para a maioria
da força ativa de trabalho.

141. A superexploração da força de trabalho, foi a forma que o fordismo/taylorismo


se estruturou no Brasil, com desemprego estrutural crônico, com jornadas
extensivas de trabalho sem pagamento de horas extras, da alta rotatividade de
mão de obra e de uma baixa média salarial, combinando intensificação do
trabalho com a contenção salarial

142. No final da década de 1970, frente à crise do modelo de organização fordista e


as revoltas dos trabalhadores, um novo padrão de acumulação do capital
global se gestou com a hegemonia do capital financeiro, diante do refluxo da
luta operária e a reorganização das forças do capital. No Brasil a partir da
implementação das políticas neoliberais nos anos de 1990 e o avanço da
financeirização, esse novo padrão de acumulação flexível se impôs, com a
reestruturação produtiva, a flexibilização dos direitos trabalhistas, somando a

63
ideologia do empreendedorismo e a responsabilização do trabalhador por sua
empregabilidade, intensificaram a fragmentação da classe trabalhadora,
rompendo com o pouco de seus laços de sociabilidade, sobretudo desde o
campo da produção.

143. No capitalismo contemporâneo a busca pela redução a zero do tempo de


rotação do capital desenvolve cada vez mais a simbiose entre o trabalho
produtivo e improdutivo, entre a produção material e imaterial, entre as esferas
da produção e circulação. Dessa forma não podemos ter uma visão estreita
sobre onde se realiza a produção e a indústria. A classe trabalhadora sofreu
duras transformações na acumulação flexível e que agora se intensificam
diante das transformações da era digital, com a tendência a eliminação de
postos de trabalho.

144. Dessa forma, entendemos a necessidade de trabalhar com o conceito mais


amplo de classe trabalhadora, que inclui a totalidade daqueles que vendem sua
força de trabalho, incorporada cada vez mais às cadeias produtivas globais. A
terceirização, flexibilização e informalidade se tornaram mecanismos vitais para
a ampliação da extração de mais valor, sendo então parte do proletariado
moderno os trabalhadores terceirizados, precários, os subcontratos e os que
vivem de bicos, os trabalhadores desempregados, distribuídos nos setores da
indústria, agricultura e serviços, bem como as trabalhadoras domésticas, com
fortes desigualdades entre entre formas de contratação, setores e
principalmente por diferenças de raça e gênero.

145. Frente a essa nova complexidade das relações de trabalho, alguns elementos
podem facilitar o entendimento para compreender a classe trabalhadora,
escapando do sentido restrito do proletariado.

146. Apresentamos alguns dados que nos auxiliam a identificar a heterogeneidade


da classe trabalhadora hoje. Considerando prioritariamente os últimos anos
que desenhou um mercado de trabalho bastante calamitoso e precário, como
talvez nunca vivenciamos.

64
Tabela 1- Síntese de indicadores do mercado de trabalho - 2016 e 2020

Fonte: IBGE/PNADC. Elaboração própria

a. O número total de trabalhadoras e trabalhadores ocupados no Brasil é


de aproximadamente 87,2 milhões de pessoas. A distribuição da força
de trabalho (PEA) era de 54,9% de homens e 45,1% de mulheres,
55,7% eram de negros e negras e 43,2% de brancos e brancas.

b. Antes da pandemia abater o país, em 2019, a taxa de desemprego


estava em 11,0%. Contudo, entre os homens negros era de 10.6%,
bem acima da taxa para os homens brancos que estava em 7,4% e um
pouco acima da taxa de desemprego entre as mulheres brancas de
10,1%. A maior taxa de desemprego se encontrava entre as mulheres
negras em 15,6%. Do total de desempregados, 53,8% eram mulheres,
enquanto os homens eram 46,2%. A população negra representava
64,9% dos desempregados enquanto as bancas apenas 34,2%. Em
2020, a taxa de desemprego total no Brasil chegou em
aproximadamente 14%, apresentando o mesmo recorte desigual,
recaindo fortemente sobre o marcador de raça e gênero.

c. A atual crise escancara as estruturas que sedimentam a divisão sexual


do trabalho. Os dados mostram que no período da crise mais mulheres
passaram a procurar por emprego, por isso vemos o aumento da taxa
de participação feminina no mercado de trabalho, mas esse dado se dá
justamente pela deterioração dos postos e o crescimento da demanda
de cuidados. Além disso, a responsabilização das mulheres pelos
trabalhos de reprodução social as empurram para a esfera produtiva de
modo subordinado tendo que conciliar as duplas ou triplas jornadas de
trabalho, o que responde às mulheres serem a maioria na

65
subutilização. Estudos mostram que em períodos de crise a mão de
obra feminina por ser subordinada à dinâmica da divisão sexual do
trabalho é preferida em função da diminuição dos salários para a
recomposição da taxa de lucro.

d. Outro significativo indicador do período são as taxas de subutilização e


percentual de pessoas fora da força de trabalho. Ou seja, dados que
dizem respeito diretamente às condições do mercado de trabalho. A
taxa de subutilização é a taxa combinada de desocupação,
subocupação ( pessoas que trabalham menos horas do que poderiam)
e a força de trabalho potencial ( pessoas que poderiam trabalhar mas
não estão procurando emprego por algum motivo). Desde 2016 há um
aumento acentuado de pessoas nestas colocações, chegando a ser
29% da população em 2020. A tabela acima mostra que esse número é
ainda maior entre as mulheres. E para os homens negros a taxa de
subtulização foi de 22,3%, enquanto para os homens brancos de
14,2%, já para as mulheres negras foi de 33,2% e para as mulheres
brancas de 20,7%.

e. Dentro da força de trabalho potencial (FTP) há a parcela dos


trabalhadores desalentados (que não buscaram trabalho por acreditar
que não encontrariam), 59,7% dos trabalhadores estavam nessa
situação. Contudo para os homens negros a taxa era de 70,5%,
enquanto para os homens brancos 56,2%. Para as mulheres negras a
taxa era de 58,7% e para as mulheres brancas de 46,4%.

f. O trabalho informal (os empregados sem carteira assinada, seja do


setor privado, público, trabalhadoras domésticas sem carteira assinada,
trabalhadores familiares auxiliares, trabalhadores por conta própria com
ou sem CNPJ e empregadores sem CNPJ), correspondia a 50,5% do
total de pessoas ocupadas, com crescimento constante nos últimos
anos. Embora estejam mais ligados a ocupações precárias e
vulneráveis, com baixas exigências de qualificação e sem proteção
social plena, há um processo de crescimento entre atividades
qualificadas que prestam serviços para setores econômicos mais
estruturados. Entre os homens negros a proporção da informalidade é
maior, sendo de 54,5% e entre as mulheres negras de 53,0%. Entre os
homens e mulheres brancas a proporção de trabalhadores informais
está em 47,9% e 44,5% respectivamente.

g. Com o avanço das reformas contra os direitos dos trabalhadores pós


golpe de 2016, as diferenças entre trabalho formal (relacionado
principalmente às contratações por prazo indeterminado) e informal
têm diminuído. A institucionalização do contrato flexível (que inclui além
do parcial e intermitente, a terceirização, uma das mais importantes

66
expressões do capitalismo contemporâneo) tem intensificado esse
processo, com novas modalidades de contratação, ampliando a
precarização para o todo da classe.

Tabela 2 - Percentual de pessoas ocupadas por posição na ocupação, 2016 e 2020.

Fonte: IBGE/ PNADC. Elaboração própria

h. A tabela 2 nos mostra que entre os ocupados há uma queda entre os que
estão empregados no setor privado com carteira assinada. Enquanto as
modalidades que configuram a informalidade (sem carteira assinada,
conta-própria, empregador, trabalhador familiar, trabalho doméstico sem
carteira) vêm crescendo.

i. Nos empregos no setor privado sem carteira assinada, os homens negros


estão acima da média de participação em 17,4%, os homens brancos
abaixo em 12,0% e as mulheres brancas e negras em 9,0% e 9,6%
respectivamente. Quando analisamos o trabalho doméstico, a
participação das mulheres negras excede a média, tendo uma
participação de 17,9%, as mulheres brancas bem abaixo delas, mas ainda
acima da média, em 9,9%. Os homens negros e brancos com uma
participação bem reduzida de 1,1% e 0,7%. No trabalho por conta própria
os homens estão acima da média, mas principalmente o homem negro
que tem uma participação de 30,9%, seguido pelo homem branco com
28,8%. Entre as mulheres, as negras têm uma participação de 21,3% e as
brancas de 20,5%. Entre os empregados do setor público com e sem

67
carteira assinada, a maior participação é das mulheres negras, acima da
média, seguida pelas mulheres brancas, sendo de 5,6% e 5,4%. Os
homens negros e brancos tem uma participação de 2,8% cada.

j. A distribuição dessas ocupações por gênero e raça mostram as


desigualdades existentes na atualidade. Enquanto os homens brancos
tem uma participação acima da média entre os empregados com carteira
assinada de 39,3%, os homens negros apresentam uma participação
menor de 36,4%, próximo da participação das mulheres brancas que era
de 36,3%, mas longe das mulheres negras com uma participação de
30,3% nessas ocupações.

k. A heterogeneidade da força de trabalho também pode ser observada nas


desigualdades gritantes da renda auferida pela classe trabalhadora.
Embora a renda média do total de trabalhadores estava em R$ 2.041,34,
apenas 20% dos trabalhadores ocupados ganhavam acima de R$
2.000,00, com uma renda 222,0% acima da média total. Mais de 60% dos
trabalhadores ocupados ganhavam até R$ 1.300,00. Os trabalhadores
ocupados que se encontravam no grupo com menores salários (20% do
total) ganhavam apenas 41,3% da renda média nacional.

147. Mereceria um capítulo à parte aprofundando as transformações que se


aceleraram sobre a classe trabalhadora na pandemia da Covid-19, com a
possibilidade das empresas experimentarem novas formas de exploração
sobre o trabalho, como o teletrabalho, associado ao trabalho flexível que
incorpora cada vez a esfera da reprodução a produção, o avanço tecnológico
das plataformas e o debate atual sobre trabalho de plataforma, abarcando uma
miríade de trabalhadores e trabalhadoras, sem qualquer proteção social,
convencionado de uberização, com destaque para os entregadores de
aplicativos, motoristas de aplicativos e formas diversas criadas pelo capital
para sua valorização diante do o aumento do desemprego e necessidade da
classe trabalhadora garantir a sua sobrevivência.

148. Convém reforçar o impacto sobre a juventude negra nessa dinâmica, onde 71%
dos entregadores de aplicativos de bicicleta bikeboys) eram negros, 75% tem
até 27 anos e recebiam, em média, R$ 936,00 por mês numa estimativa de
nove a doze horas diárias de trabalho, sete dias por semana. Quanto mais
grave é a situação dos tipos e condições das ocupações, mais elas são
acessadas pela gigantesca maioria de jovens, com seus parcos ensinos
fundamental e médio sem acesso às universidades.

68
3.4. Classe burguesa, o bloco no poder e o regime político.

149. A classe burguesa não pode ser vista como um bloco homogêneo e coeso.
Existem disputas entre setores burgueses. Essas disputas podem ocorrer por
diversos determinantes como por exemplo: questões geográficas, interesses
setoriais, interesses ideológicos, pela relação estabelecida com o imperialismo.
Esses determinantes estão relacionados à conjuntura política e ao momento
histórico, ou seja, não são estáticos e nem exclusivos. Diversos elementos
podem influenciar nas disputas intra burguesas.

150. Ao passo que os setores burgueses se agrupam buscando influenciar na


sociedade e garantir seus interesses que se consolida uma fração de classe
burguesa. Como existem interesses e objetivos gerais envolvendo a
manutenção da sociedade capitalista que envolve toda a classe burguesa, as
diferenças e divergências que permitem o fracionamento da classe burguesa
não inviabilizam a constituição de um bloco no poder. Por esse motivo, é
possível que a classe trabalhadora realize alianças com frações da classe
burguesa, mas sempre encontraremos uma limitação nessa relação. Assim,
embora busquemos agir e influenciar na disputa entre frações burguesas,
fortalecendo a construção de nosso projeto, entendemos que nossa relação
com as frações burguesas sempre apresentará limites para a efetivação de
nosso programa.

151. Durante os governos petistas a aproximação com um projeto


desenvolvimentista, ocorreu atrelado a continuidade de um modelo econômico
liberal constituindo uma frente neodesenvolvimentista com a hegemonia no
bloco no poder da burguesia interna brasileira. Essa frente se desagrega no
segundo governo Dilma, atravessando uma profunda crise de hegemonia no
bloco no poder que passa a ser dirigido pelo capital financeiro e internacional,
aplicando um programa ultraneoliberal. Em geral, o processo de redefinição da
hegemonia no bloco no poder, supõe uma tentativa de transformação da forma
de Estado ou do regime político. A instabilidade política e as seguidas
investidas contra o regime democrático brasileiro estão repercutindo a
transição do bloco no poder, mesmo sem uma forte atuação contrária dos
antigos detentores da hegemonia, a burguesia interna. Afinal, parcela
significativa da burguesia interna foi neutralizada pela Lava Jato e outra passou
a apoiar o programa ultraneoliberal.

152. A alteração no posicionamento da burguesia interna no segundo governo Dilma


pode ser evidenciada pela atuação política da Fiesp. Em seu primeiro governo
a presidenta tinha realizado uma série de medidas demandadas por setores
burgueses e vocalizadas pela Fiesp, como a desvalorização cambial, aplicação
de política protecionista moderada, a redução da taxa de juros, ampliação de

69
privatizações e concessões, ampliação de crédito subsidiado, redução das
tarifas de energia e o desoneração tributária. Essas medidas ficaram
conhecidas como a “nova matriz macroeconômica". Apesar disso, a Fiesp e
setores que defendiam a nova matriz macroeconômica construíram e apoiaram
o golpe em 2016.

153. A crise econômica mundial (2007-2008) também contribui para alterar a


conjuntura brasileira. No primeiro momento, os impactos da crise pareciam que
não teriam efeitos na economia brasileira devido às políticas anti-ciclicas
implementadas durante a gestão do Guido Mantega. Entretanto, com a
mudança de ministro da Fazenda para Joaquim Levy (um quadro do Banco
Bradesco), tivemos um arrefecimento da participação do Estado na economia.
Nesse sentido, o acúmulo das mobilizações de massas de 2013 mais uma
diminuição do Estado em garantir melhores condições para a classe
trabalhadora tivemos o fermento “perfeito” para construir a crise política
culminando com o golpe na presidenta Dilma.

154. Desta forma, a atuação política do capital financeiro internacional e nacional


que capitanearam o ataque ao segundo mandato de Dilma tinha como objetivo
recuperar espaços de poder e criar condições para hegemonizar um novo
bloco de poder. Se observou uma ampla ação do capital financeiro com apoio
da grande mídia e de jornais especializados para inibir investimentos
internacionais com um discurso de aparência técnica e usar essa fuga de
investimentos como ameaça para o governo alterar sua política econômica e
gerar uma desestabilização econômica que contribuiu com o processo do
Golpe. Após esse processo, Temer exerceu o papel esperado dele pelo setor
financeiro e, com o fortalecimento eleitoral de Bolsonaro e inviabilidade da
candidatura de Lula, se construiu as condições de apoio para o candidato
derrotar o PT nas eleições e garantir a continuidade do programa entreguista
para garantir suas respectivas taxas de lucro.

155. O crescimento de movimentos fascistas não é uma particularidade brasileira e


tem se ampliado para diversos países. Em países como EUA, França e Brasil
esses agrupamentos políticos de extrema direita conquistaram novos espaços
de poder na cena política através de uma deslegitimação da mesma política.
Isso pode ser percebido através da baixa participação nas eleições e um
crescimento da abstenção e votos em branco/nulo. Com essa baixa
participação nas urnas, os votos dos fascistas aumentam relativamente e
possibilitam que se fortaleçam.

156. A questão é: por que o fascismo reaparece no atual contexto histórico? Muitos
debates têm ocorrido sobre a atual conjuntura internacional e dentro do nosso
campo político temos acumulado alguns consensos em torno da decadência da
hegemonia absoluta dos EUA e o ascenso da China. Nesse quadro de
decadência, o imperialismo estadunidense se faz mais selvagem no sentido de

70
buscar manter sua hegemonia e uma das formas que isso se expressa é no
avanço do autoritarismo como uma forma de garantir “aliados” para sua área
de influência. O problema é que o atual cenário é menos favorável para os EUA
do que foi no período de disputa com a URSS. A China hoje exibe uma pujante
economia que se desenvolve em todos os sentidos - produtivo, tecnológico,
comercial, financeiro - e ainda tem um imenso mercado potencial interno e
regional, além de ter criado diversas iniciativas de parcerias de
desenvolvimento em diversas partes do mundo, inclusive com os Europeus
ocidentais que são os aliados estratégicos dos EUA. Na área militar, além de
construir sua própria Defesa, tem construido uma parceria estratégica com a
Rússia através da Organização Cooperação de Xangai e o próprio Vladimir
Putin afirmou ser uma construção para impor limites a OTAN. E vale o
destaque, debates sobre uma possível guerra direta entre essas potencias é
infrutífero porque é simplesmente inviável. Não ocorreu contra a URSS por um
simples motivo, caso ocorresse não restaria ser vivente para contar a história.
Essas questões postas, caso a história insista em se repetir, as guerras
ocorrerão em países aliados no sentido de avanços e defesas de posições.

157. Nesse contexto, em que os EUA não têm mais as condições de ser o motor
econômico que possibilita o transbordamento do desenvolvimento para outras
regiões, não restam muitas opções ao projeto atual do imperialismo
estadunidense a não ser investir em governos autoritários para submeter as
classes trabalhadoras dos diferentes países. Por isso precisam estabelecer a
Guerra Fria, para criar uma nova cortina de ferro que garanta regiões de
exploração/dominação e para tentar barrar o avanço chinês.

3.5. O estágio do desenvolvimento do capitalismo no Brasil.

158. Ao afirmar a hegemonia da burguesia interna durante os governos petistas, não


podemos desconsiderar as distinções dos setores que compõem essa fração.
Por exemplo, o setor da construção pesada e infraestrutura (como Odebrecht,
Camargo Correia, Andrade Guitierrez, etc) cresceram significativamente
durante os governos petistas. Essas empresas conseguiram se desenvolver a
partir de recursos do Estado (BNDES, BB, Caixa e os bancos regionais) que
diminuíram as taxas de juros facilitando acesso ao capital de giro. Essas
empresas se internacionalizaram a partir de recursos do BNDES. Esse crédito
era disponibilizado não só para a empresa como também para os
consumidores e quando isso é conciliado a uma política de pleno emprego
temos uma ampliação da renda nacional brasileira junto a uma expansão do
mercado consumidor interno possibilitando uma maior realização da mais valia
nível nacional

71
159. A questão é que quando algumas empresas se expandem outras perdem
mercado potencial ou real, tanto a nível nacional quanto internacional. No caso
desse âmbito, o Brasil estava deixando de apenas servir como uma fonte para
diminuir os custos de reprodução da classe trabalhadora dos países do centro
e começava a impulsionar as empresas brasileiras a disputar o mercado
internacional. Por esse motivo, além de atingir os governos petistas e
neutralizar politicamente setores burgueses, a Operação Lava Jato impactou a
economia brasileira e enfraqueceu as empresas brasileiras na concorrência
internacional.

160. A Lava Jato atingiu empresas-geradoras, ou seja, empresas que impulsionam


toda uma cadeia industrial. Esse foi o caso da Petrobras. A cadeia de valor
gerada a partir do petróleo é uma das que mais possibilitam a diversificação
para outros setores tanto de forma direta, a partir do petróleo, como de forma
indireta, a partir da construção de infraestrutura física (como o caso das
plataformas, portos, equipamentos etc) quanto uma infraestrutura logística. A
indústria naval é uma das centrais que tivemos retração, tanto a nível de
produção de embarcações comerciais quanto de embarcações militares. Essa
última em especial porque trata-se de um setor industrial que trabalha com a
alta tecnologia e a proposta da parceria público privada, para construção do
submarino nuclear junto a Odebrecht, era para fazer a mesma coisa que os
EUA fizeram - utilizar de parte das tecnologias militares e produzir através de
empresas privadas para o consumo de massas.

161. É importante frisar que nesse contexto estava ocorrendo um acirramento da


concorrência entre EUA e China pós crise de 2007-2008. A China estava em
processo de construção dos BRICS e já se tornou a maior parceira comercial
de quase todos países da América Latina. Desta forma, as frações burguesas
dos EUA estavam muito preocupadas com a ascensão da China, e, neste
contexto, uma burguesia industrial brasileira ascendente trazia novos
concorrentes no jogo. Vale recordar que empresas brasileiras começaram a
comprar até empresas estadunidenses, como foi o caso da Petrobras comprar
a refinaria de Pasadena, a InBev comprou a Budweiser, a Conteminas comprou
a Springs, o Itaú comprou o BankBoston Internacional, a JBS comprou a Swift
e Pilgrim’s Pride, a Brasken comprou a Sunuco Chemicals, a 3G capital
comprou a Burger King, a Vale comprou a Fosfetil, a Gerdau comprou a
Tamco, o grupo Marfrig comprou a Keystone Foods, entre outras fusões e
aquisições.

162. Outros setores partícipes da frente neodesenvolvimentista foram os


proprietários de terra que lucraram com o agronegócio; parte de uma burguesia
industrial ascendente; parte de uma classe trabalhadora organizada e
ascendente e os agricultores familiares.

72
163. A nível nacional, as frações burguesas financeiras estavam cada vez mais
sendo deslocadas por empresas financeiras hegemonizadas pelo Estado no
governo petista. Ao indicar a política de diminuição do spread bancário, os
bancos públicos forçaram os bancos privados a fazerem o mesmo movimento.
A questão é que mesmo dessa forma os bancos privados estavam perdendo a
corrida, mas não só os bancos, os próprios fundos de investimento.

164. Evidente que algumas frações burguesas vão ganhar em ambos projetos,
como é o caso do agronegócio, mas é evidente como uma parte das frações
burguesas nacionais perderam com o golpe, podemos ir para diversos ramos,
desde as grandes construtoras, grandes empresas da siderurgia (como era o
caso da Gerdau), de grandes empresas têxteis etc.

3.6. Novo padrão de acumulação e a luta pelo projeto popular.

165. Como já identificado no tópico anterior, a Operação Lava Jato além de abrir
espaço para a reorganização do bloco no poder, logrou impactos importantes
no início de um novo ciclo de acumulação, de reorientação do papel do Estado
e de uma mudança qualitativa de relações com o imperialismo estadunidense;

166. Os carros chefes da política e da política econômica do desenvolvimentismo


dos governos petistas centravam-se no agronegócio, nas empresas de
construção pesada e no setor de petróleo e gás, somente este último liderado
sob o comando de uma empresa estatal com forte presença das metas pré-
estabelecida de desenvolvimento no bojo da concepção
neodesenvolvimentista;

167. A Operação Lava Jato impacta brutalmente dois dos três principais pilares
internos do desenvolvimento nacional. O setor da Construção Pesada, que
como vimos acima estavam não somente ocupando importante espaço de
acumulação no mercado interno mas galgando espaços no cenário
internacional é fortemente atingido no escândalo de corrupção e perde seu
ponto de apoio: as demandas da Petrobrás como principal empresa com poder
de compra e o acesso aos recursos do BNDES como forma de sustentação do
padrão de financiamento a juros subsidiados;

168. A Petrobrás opta por um cavalo de pau na sua estratégia de ser uma empresa
líder na mobilização da cadeia produtiva industrial nacional e, para se redimir a
leniência com a corrupção, reduz em 25% seu nível de investimento no Plano
de Negócios selado um ano após o escândalo. Menos investimento significou
menos demanda para as indústrias acessórias que atuavam a jusante da

73
cadeia produtiva e a proibição de contratar empresas envolvidas no escândalo
decretou a morte do setor de infraestrutura nacional;

169. A Lava Jato, nesse caso, não logrou esse conjunto de impactos na economia
brasileira como um erro de percurso, ou como resultado da forma deletéria com
que se mobilizaram os instrumentos da justiça - especialmente os acordos de
leniência - senão que como um elemento chave para compreender a operação
e a participação do imperialismo nesse momento, interessado em cercear
qualquer possibilidade de desenvolvimento de um setor industrial relativamente
autônomo e que, inclusive, atuava na construção pesada em países semi ou
embargados pelo imperialismo como Cuba e Venezuela;

170. O Golpe de 2016 consolida a emergência de uma nova correlação de forças


interna e externa e imprime um novo e mais deletério padrão de acumulação,
com menos centralidade no mercado interno, no emprego, na renda e no
desenvolvimento industrial, o que impacta em alguma medida o padrão da luta
de classes e reconfigura a estrutura política e econômica interna;

171. O novo padrão de acumulação blinda da democracia elementos importantes da


política econômica, tais como a política fiscal - amarrada constitucionalmente
com a PEC do teto de gastos - e a determinação sobre a política monetária -
através da autonomia do Banco Central. Ou seja, o Executivo, onde são eleitos
os representantes via voto e exercício da soberania popular, fica de mãos cada
vez mais atadas para a execução de medidas de caráter mais
desenvolvimentistas ou aliados a demandas populares, uma vez que a variável
da definição da taxa básica de juros e do montante do gasto público estão sob
a vigência de leis circunscritas ou a justiça ou aos “técnicos” que tomam
decisões de suma importância a despeito da vontade popular;

172. O esfacelamento desses instrumentos, somando a criminalização do gasto


público via BNDES e a alienação das empresas estatais também tornam
diminutas as possibilidades de manejo dos aparelhos do Estado que foram
essenciais no ciclo de acumulação anterior;

173. O padrão de acumulação atual mantém elevadas taxas de juros ao capital não
mais via aumento da massa de lucro, como foi no período
neodesenvolvimentistas, em que crescia a massa de lucro com o crescimento
da economia, do consumo e dos salários, mas via taxa de lucro, que é
diferente. A taxa de lucro sobe no Brasil mesmo com a massa total de lucro em
queda. Por isso o setor produtivo, em grande medida, está coadunado com o
Bolsonaro e o seu liberalismo porque, a despeito da economia não crescer, a
taxa de lucro (lucro sobre o capital inicial investido) cresce, já que nosso setor
produtivo é muito intensivo em trabalho. Assim, se há elevado desemprego e
flexibilização das relações trabalhistas - especialmente as contratuais - a taxa
de lucro se expande;

74
174. Nesse contexto, as diferentes frações burguesas brasileiras vivem num
paradoxo. Ao mesmo tempo que tem seus custos reduzidos e seu consequente
aumento da taxa de lucro, convivem num cenário de redução da atividade
econômica como um todo. Dessa maneira, muitas frações burguesas se
encontram limitadas tanto pela elevação dos preços de outros recursos
produtivos (devido a queda da produção geral que gera escassez) quanto pela
dificuldade de encontrar um mercado consumidor interno para realizar a mais
valia (o próprio Marx afirma que o sonho de todo capitalista é que seus custo
diminuam e de seus concorrentes aumentem).

175. Assim a redução da massa geral de lucros impactou negativamente em parte


das frações burguesas que cresceram com a política econômica petista dos
"campeões nacionais", perderam seus acessos a recursos e ao mercado
interno aquecido. E não só esses. Pequenos e médios empresários, em sua
maioria, dependem do mercado interno para realizar seus lucros. É nesse
quadro de diminuição do mercado interno que as frações burguesas vinculadas
ao mercado externo (ao imperialismo) passam a ter mais ganhos relativos de
lucro e poder. Foram esses que formaram o novo bloco de poder.

176. Nessa nova correlação de forças de classes, as políticas públicas, na mira da


reorganização do padrão de acumulação, passam por um processo célere e
intenso de desestruturação, especialmente as que envolvem o gasto social
com saúde, seguridade, educação, crédito ao pequeno produtor, entre outras.
A despeito de vigorar sob a premissa da necessidade do ajuste das contas
públicas, a demagogia fiscalistas esconde seu principal objetivo: o
sucateamento e subfinanciamento desses setores para que melhor possam ser
capturados pelo capital privado, especialmente o internacional;

177. Como aponta o argentino Atílio Borón, a segunda onda do neoliberalismo e do


imperialismo - que já avançou em uma primeira rodada sobre a privatização
das empresas estatais - agora mira aqueles setores que não estão
completamente na órbita do circuito capitalista, a chamada “mais-valia Estatal”.
Em um período imerso em um grande crise do capital internacional, em que há
uma sobreacumulação de capital e empreendimentos de baixo retorno, o
avanço para o gerenciamento e a aplicação desse capital sobreacumulado
nesses setores se apresenta como a possibilidade de obtenção de um lucro
extraordinário. É desejo, portanto, do imperialismo a manutenção da política
econômica empreendida por Bolsonaro, que embora possa ser relativamente
indigesto nas suas declarações, cumpre os objetivos de abrir espaços de
valoração do capital sobrante no centro.

178. A encruzilhada que se coloca é que o projeto de Bolsonaro não conseguiu


resolver o problema da economia e da hegemonia. A título de exemplo,
podemos perceber que mesmo durante a ditadura militar brasileira tivemos
períodos de grande crescimento econômico. No início dos governos militares,

75
mais precisamente entre os anos de 1967 e 1973, a taxa média de crescimento
econômico do PIB foi de 10% ao ano. Nesse período foi mais "fácil" de criar
consenso na sociedade, porque além do caráter repressivo do Estado para
disciplinar a classe trabalhadora o ingresso de muitas pessoas ao mercado de
trabalho trouxe uma melhora da qualidade de vida da população. Entretanto, o
prometido investimento na indústria de base foi tímido diante das necessidades
de desenvolvimento do mercado de trabalho brasileiro e a economia estava
dependente de poupança externa e das multinacionais estrangeiras para
sustentar seu crescimento econômico. Com a quebra do padrão ouro dólar e a
crise do petróleo a nível internacional os impactos na economia brasileira foram
diretos. O déficit da balança de pagamentos em conta corrente acumulado
entre 1974 e 1978 foi de U$ 40 bilhões, esses foram financiados via conta
capital de grandeza semelhantes que gerou uma dívida que saltou de U$ 12,6
bilhões em 1973 para U$ 50 bilhões em 1979. Foi através dessa proposta de
inserção dependente na economia mundial que o Brasil conseguiu manter um
alto ritmo de crescimento econômico durante a década de 70 (1974 de 8,4%;
1976 de 10,3%; 1979 de 6,8%). Mas sabemos como essa história acaba. No
final do governo de Carter, os EUA iniciaram um processo de elevação da taxa
de juros com o objetivo de recentralizar capitais e recomeçaram um processo
de valorização do dólar (que foi mais intensificado no governo Regan). Nesse
sentido, os países que contraíram empréstimos a juros flexíveis e dólares
desvalorizados, tiveram que pagar suas contas com juros mais altos e o dólar
valorizado. A receita “perfeita” para desencadear a crise da dívida e da inflação
que atingiram diversos países da América Latina e entre esses estava o Brasil.
Os governos militares, mesmo com todo aparato repressivo, não mais
conseguiram criar consenso dentro da sociedade e precisaram sair da cena
política.

179. A partir desse exemplo, percebamos a experiência atual como diametralmente


oposta. Após a crise econômica e política, iniciada com a Lava Jato e amarrada
com o golpe na presidenta Dilma, tivemos anos contínuos de retração ou baixo
desempenho. Em 2015 e 2016 teve uma retração de -3,55% e -3,31%, para em
seguida três anos de baixo crescimento econômico (2017 de 1,06%; 2018 de
1,12%; 2019 de 1,14%) e com o início da Pandemia de COVID-19 uma
retração de 4,1% em 2020. A destruição da política de campeões nacionais,
somado ao esfacelamento das empresas estatais, ao congelamento dos gastos
públicos, o estancamento do aumento salarial, a perda de direitos da classe
trabalhadora e os cortes em investimentos sociais, gerou uma diminuição da
renda nacional e impossibilitou um reaquecimento da economia. A guinada
para o fortalecimento das empresas do mercado financeiro privado, a venda
das estatais e dos nossos recursos naturais só atraíram capitais de curto prazo
que pouco dinamizam a economia brasileira. Ou seja, o projeto do governo
Bolsonaro não tem condições de impulsionar o crescimento econômico e isso
lhe expõe a contradições tanto na classe trabalhadora quanto em parte das

76
frações burguesas internas o que lhe dificulta construir consensos na
sociedade. Essas questões postas, nos permite afirmar que diferentemente do
período da ditadura militar que construiu um crescimento econômico, gerou um
maior consenso na sociedade e com isso nos imprimiu uma derrota histórica,
os governos Temer e Bolsonaro, apesar de impor uma derrota da estratégica
hegemonizada pelo ciclo Petista, não nos impôs uma derrota histórica.

180. Devido a incapacidade da “ponte para o futuro”, de Paulo Guedes e Bolsonaro


gerar desenvolvimento econômico para o todo da sociedade brasileira, este
último busca utilizar de táticas de agitação e mobilização da base na política
para desviar a atenção da economia. Como de costume, Bolsonaro tenta
confundir a população ao transferir a culpa da incapacidade do seu projeto para
as outras instituições do Estado. Dessa forma, ele ataca o Congresso, o STF e
todas as instituições da democracia burguesa com o intuito de seguir fazendo o
mesmo que fazia antes das eleições: desacreditar a população em relação à
política e deslegitimar a democracia representativa. Entretanto, esse modus
operandi também tem demonstrado limites. Uma das grandes derrotas do
governo Bolsonaro foi quando os três comandantes do Exército, Marinha e
Aeronáutica, que formam parte do seus aliados estratégicos a nível nacional,
entregaram seus cargos. A CPI da COVID no Senado também tem cumprido
um papel de minar ainda mais a popularidade de Bolsonaro e tem exposto um
grande esquema de corrupção para a compra da vacina. No STF o Bolsonaro
tem enfrentado diversas dificuldades e o ministro Alexandre de Moraes tem
sido o pivô dela por estar sobre a responsabilidade de ao menos três inquéritos
em que associam Bolsonaro a esquemas de deslegitimação e desrespeito a
Constituição brasileira e as instituições democráticas através de “fake news” e
“milícias digitais”. Soma-se a todos esses fatores um elevadíssimo números de
casos contágio e mortes por COVID, tornando o Brasil um epicentro da
pandemia dificultando ainda mais o restabelecimento das cadeias globais de
valor. Essa crise política e sanitária tem gerado vários flancos de críticas ao
governo Bolsonaro, podemos perceber isso através da leitura de jornais e
revistas que apoiaram o golpismo como a Folha, Estadão, Veja e a Rede
Globo. Até a própria FIESP junto a FEBRABAM lançaram carta crítica às
ofensas do genocida ao que chamaram de necessidade de manter a harmonia
entre as instituições. Por mais que algumas frações burguesas estejam com
altas taxas de lucros, a incerteza política gera insegurança econômica e as
frações burguesas do mercado financeiro nunca querem deixar de ganhar e
sempre acham que podem lucrar mais, por isso buscam uma terceira via.

181. Nesse cenário, caso o Bolsonaro sofra um impeachment ou saia derrotado nas
eleições de 2022, a classe trabalhadora necessitará exigir a revogação de
algumas medidas básicas para termos a possibilidade reativar a economia
brasileira. As duas primeiras medidas fundamentais para recuperar alguma
soberania econômica é através da revogação da autonomia do Banco Central e

77
da PEC do Teto de Gastos - Sem essas duas revogações não conseguiremos
ter um mínimo de autonomia no controle da moeda e dos investimentos para
alavancar a economia. Duas outras Reformas que precisarão ser revogadas é
a Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência – a recuperação da
capacidade de renda da classe trabalhadora depende principalmente dessas
duas revogações somado ao retorno da valorização do salário mínimo acima
da inflação. Precisaremos recuperar as estatais que fazem parte do patrimônio
público, que foram vendidas a preços abaixo do mercado e possuem grande
capacidade de dinamizar a economia como um todo – entre elas estão todas
as Refinarias da Petrobras, a BR Distribuidora, a Eletrobrás, os Correios e o
retorno ao antigo regime de partilha para os poços do Pré-Sal (com a Petrobras
sendo a operadora única). Além dessas questões, precisamos barrar a
implementação da Reforma Administrativa. Caso essa seja referendada
poderemos perder todas as garantias de seguridade social da nossa última
Constituição, assim como abriremos espaço para maior corrupção e
apadrinhamento político que se traduz em maior controle da burguesia sobre
as instituições públicas. Por fim, e não menos importante, devido ao aumento
da extrema pobreza e da fome no Brasil, será necessário reativar e fortalecer
mecanismos de transferências de renda como o Bolsa Família e o auxílio
emergencial.

182. Evidente que para implementar tais revogações dependerá de toda uma
correlação de forças de classes, inicialmente entre os/as parlamentares, e,
principalmente, na capacidade de força social organizada para disputar as
ruas. É importante ficar evidente que quanto mais tempo o governo Bolsonaro
passe no poder, mais tempo precisaremos para desfazer o que foi construído.
Caso ele consiga se legitimar novamente pela via eleitoral, poderá reagrupar
suas forças e estará mais forte. O que cria mais possibilidades para um
eventual fechamento de regime. Não será apenas a mudança de governo que
possibilitará uma nova correlação de forças de imediato, mas, minimamente,
nos permite romper o cerco ao qual estamos submetidos desde sua eleição.
Assim, teríamos mais possibilidades para desfazer o que o projeto neofascista
tem construído e melhores condições para organizar a classe trabalhadora.

78
Parte IV

O programa da Revolução Brasileira

4.1. Nossos desafios programáticos.

183. A operacionalidade de uma estratégia revolucionária ganha materialidade


quando avançam, ainda que de forma desigual, algumas variáveis combinadas:
instrumento político à altura do desafio, força social, formação político-
ideológica, flexibilidade e combinação das formas de luta, um programa político
e uma tática correta. Isoladamente essas variáveis permitem avançar pouco no
processo de luta.

184. Como já apresentado na primeira parte do nosso texto, Lenin afirmava que
“sem programa, o partido não pode existir como organismo político mais ou
menos íntegro, capaz de manter sempre uma linha em qualquer virada dos
acontecimentos”. A ausência de um programa próprio da Consulta Popular,
para o atual período histórico, tem feito muita falta para nossa construção
orgânica, particularmente de força social.

185. Na nossa história tivemos importantes acúmulos programáticos, chegando a


conformar um programa político entre 1998 e 2004. No ano de 1998 foi
publicada “A Opção Brasileira” importante contribuição programática da
Consulta Popular para a esquerda e o povo brasileiro que resistiam ao
neoliberalismo. Já em 2004, o documento Refundar a Esquerda para Refundar
o Brasil anuncia a necessidade de atualizar “A Opção Brasileira”, sinalizando
que a dinâmica da luta de classes colocou novas questões. Conformamos um
programa no “Opção Brasileira” porque sua base foi uma análise da sociedade
de classes no Brasil, da globalização neoliberal, da questão nacional,
caracterizando os projetos em disputa, apontando um rumo e as medidas
concretas para fazer avançar a Revolução Brasileira.

186. O fato é que seguimos sem conseguir atualizar e dar continuidade ao esforço
coletivo do “Opção Brasileira”. Continuamos, é verdade, reafirmando os cinco
compromissos (posteriormente seis) da Consulta Popular, mas tais
compromissos, ainda que importantes referenciais programáticos, não
constituem um programa, já que ele precisa de uma análise da sociedade de
classes que possibilite identificar os interesses e os projetos em disputa e os
demais elementos já apresentados.

79
187. Assim, podemos afirmar que desde 2004 que a Consulta Popular não tem um
programa político para o Brasil e nos limitamos a afirmar a atualidade do
Programa Nacional, Democrático e Popular articulado com o Socialismo (3a
Assembléia Nacional, 2007, MG).

188. De maneira mais ampla, desde o “Opção Brasileira” colaboramos na


construção do Programa “O Brasil que queremos” da Assembleia Popular,
assim como do Programa Emergencial da Frente Brasil Popular e, mais
recentemente, de uma importante iniciativa do nosso campo político e
fundações partidárias, o Projeto Brasil Popular.

189. Mais uma vez recorremos ao conceito de linha de massas como imprescindível
para a concretização do programa. A mensagem e as propostas programáticas
precisam chegar em milhões de trabalhadores e trabalhadoras de um país
continental. A linha de massas pressupõe uma tática de construção de força
social nos territórios, classes populares via instrumentos de luta como
sindicatos e movimentos populares, estudantes e demais setores, combinado
com a luta ideológica que permita a mensagem programática alcançar amplas
massas. O objetivo deste processo é dar um salto de qualidade na força social
organizada. Sem isso, o programa fica restrito a uma parte da vanguarda, sem
eficácia real na luta política. O programa não tem poder revelador por si só, ele
precisa de construtores e construtoras nos territórios e nos espaços de luta.

190. Podemos afirmar que neste momento histórico de defensiva estratégica e


ofensiva ultraliberal, o programa do Projeto Popular deve apresentar um
conjunto de Medidas Emergenciais para recolocar o país no rumo do
desenvolvimento nacional. Ou seja, cabem no Projeto Popular a luta por
políticas públicas articuladas com organização popular, mudanças na política
econômica como forma criar melhores condições para o setor produtivo, um
programa emergencial de emprego, crédito para a agricultura familiar,
pequenas e médias empresas. Fazemos questão de ressaltar estas questões
para afirmar que o Projeto Popular não se restringe às reformas estruturais.

191. Ao mesmo tempo, devemos seguir consolidando o conteúdo do nosso


Programa. De início, cabe ressaltar três questões: a primeira é que a nossa
construção programática deve ser voltada para fora e, por isso mesmo, ela
concentra esforços em contribuir com iniciativas mais amplas como o Projeto
Brasil Popular. A segunda, o Projeto Popular é uma mediação entre o nível de
consciência da classe e a necessidade do socialismo como objetivo
estratégico. A terceira, é que na medida em que a organização popular avança,
também avança o programa do Projeto Popular, possibilitando colocar tarefas
de transição ao socialismo combinadas com medidas nacionais, democráticas
e populares, no longo processo de acirramento da luta de classes, conflitos e
rupturas que devem consolidar a conquista do poder político e a construção da
hegemonia política, ideológica e moral do povo brasileiro.

80
192. Como eixo orientador para o debate do conteúdo do Programa na Consulta
Popular, além de importantes construções que temos para fora, acreditamos
que devemos nos orientar na seguinte perspectiva:

a. O Projeto Popular deve ter um padrão de financiamento interno.

b. O Projeto Popular luta pelo desenvolvimento nacional combinando


ganhos de produtividade, com sustentabilidade ambiental, e
participação popular. Além disso. Além disso, busca superar as
desigualdades sociais e garantir direitos sociais, civis e políticos.

c. O Projeto Popular deve buscar a industrialização soberana e


elevação da taxa de investimento.

d. O Projeto Popular deve construir um sistema financeiro nacional,


soberano e forte para defender a economia nacional dos ataques
especulativos e da chamada dominância financeira.

e. O Projeto Popular tem como compromisso efetivar as reformas


nacionais, democráticas e populares históricas e urgentes da
formação social brasileira.

f. O Projeto Popular deve apresentar um novo arranjo


macroeconômico adequado aos desafios do desenvolvimento
nacional: câmbio, juros, créditos, manejo da dívida pública e
comércio exterior.

g. O Projeto Popular deve ser sustentado por uma força social de


massas.

h. O Projeto Popular é feminista, antipatriarcal e luta pela gualdade


etnico-racial.

i. O Projeto Popular assume o compromisso de garantir os direitos e


reparos históricos para os povos indígenas e quilombolas.

j. O Projeto Popular deve pautar a construção de uma nova


institucionalidade adequada ao desenvolvimento nacional e a
conquista da soberania nacional na economia, indústria, militar,
alimentar, energética, cultural e científica.

193. Sob um governo democrático e popular, o avanço da organização da classe


trabalhadora e de sua hegemonia política são os principais fatores que
permitem, em determinada correlação de forças, o Projeto Popular combinar
tarefas democráticas e nacionais com tarefas socialistas, buscando consolidar
um período de transição socialista marcado por conflitos, rupturas e constante

81
ameaças da contrarevolução. É justamente este processo de conflitos e
rupturas que pode consolidar a conquista do poder. De forma que o estágio
democrático e popular da Revolução Brasileira possibilita tarefas socialistas
pautadas na propriedade social, no cooperativismo, no contínuo avanço do
poder popular, dentre outros, não sendo algo anterior ao socialismo como
defende o marxismo eurocêntrico. Assim, o Projeto Popular combina programa,
com força social de massas e a questão do poder.

194. Todos são desafios grandiosos e esperamos que nossa organização avance
para transformá-los em formulações concretas, enraizadas na organização,
com alcance de massas, coerência com nosso horizonte estratégico, com
capacidade de disputa da sociedade e de transformar o programa em força
real, viva e pulsante para a Revolução Brasileira.

4.2. Atualidade dos compromissos da Consulta Popular e o sétimo


compromisso.

195. A Consulta Popular ao longo da sua trajetória estabeleceu suas diretrizes


programáticas em torno de 5 compromissos: Soberania, Desenvolvimento,
Sustentabilidade, Democracia e Solidariedade. Em 2011, na IV Assembleia
Nacional, na qual se realizou um importante espaço nacional das mulheres da
Consulta Popular, definiu-se como resolução a necessidade de incorporação
de um sexto compromisso: o Feminismo.

196. Além de reafirmarmos a atualidade destes compromissos para a nossa


formulação programática, estamos propondo uma complementação a esta
síntese política. Diante da leitura que apresentamos em nossa elaboração
sobre a Estratégia da Consulta Popular, destacando a centralidade da
escravidão, da segregação e do racismo para a compreensão da formação
social brasileira, e torna-se inescapável a incorporação de um sétimo
compromisso: a luta anti-racista e a defesa da igualdade étnico-racial deve ser
um compromisso assumido pela nossa organização na VI Assembleia da
Consulta Popular.

4.2.1. Soberania.

197. Soberania é a real independência nacional. Nas últimas décadas, sob a


hegemonia global do neoliberalismo, as estreitas margens da soberania
nacional vêm sendo restringidas ainda mais. O processo de privatização de
empresas estatais e de recursos estratégicos, a total desregulamentação do

82
sistema financeiro, a cessão de parcelas do território nacional como a base de
Alcântara e as faixas de fronteira, o desmonte das políticas de integração
regional e cooperação Sul-Sul são exemplos do aprofundamento da
dependência e do reforço do papel subordinado do Brasil no sistema
internacional.

198. Ao mesmo tempo, o acirramento da disputa entre EUA e China, abre um


cenário mais favorável para um reposicionamento geopolítico do Brasil. Tanto
porque esta polarização desloca a agenda imperialista para outras regiões do
mundo, quanto pela possibilidade de fortalecimento de um projeto de
integração do Sul global, tendo o Brasil o papel de liderar o bloco latino-
americano, nessa nova etapa histórica em que o eixo dinâmico da economia
mundial desloca-se para o Oriente.

4.2.2. Desenvolvimento.

199. O Brasil é um país de enorme potencial econômico, social e ambiental, até os


dias atuais utilizados para acumulação do capital e exploração privada dos
recursos naturais, de forma irresponsável com a maioria do povo, as gerações
futuras e o meio ambiente. O uso das nossas capacidades produtivas, força de
trabalho e riquezas naturais devem ser orientados por um projeto de
desenvolvimento comprometido com a superação dos reais problemas do povo
brasileiro e responsável com as gerações futuras.

200. O compromisso com o desenvolvimento implica no enfrentamento à hegemonia


neoliberal e a frações da burguesia que dominam a economia nacional e,
associados ao imperialismo, se beneficiam e amplificam nossa subordinação e
dependência. Nesse sentido, lutar pelo desenvolvimento nos compromete com
medidas que ampliem a capacidade do Estado de investimento em
infraestrutura, ciência e tecnologia, educação, saúde e saneamento, na
preservação do meio ambiente.

201. O desenvolvimento é também o caminho para a superação da desigualdade


social, juntamente com os outros compromissos, cria as condições para a
distribuição das riquezas, da renda, da cultura, educação, da política e do
poder. O desenvolvimento das nossas forças produtivas é condição para a
nossa autodeterminação e superação dos dilemas históricos da sociedade
brasileira.

202. Disputar a compreensão, o sentido e a direção do desenvolvimento que o país


precisa é parte central e decisiva para a construção de um projeto popular que
faça do Brasil uma nação. Essa disputa é intensa ante aos distintos modelos de
desenvolvimentos contrários ao que o Brasil precisa: o desenvolvimento

83
subordinado às grandes potências e dinamizado pelo mercado mundial; o
desenvolvimento que busca reproduzir o caminho dos países centrais (que
para alcançar isso se valeram de guerras de rapina, neocolonialismo,
patrocínio de golpes e ações pelo mundo, domínio político dos sistemas
mundiais de regulação e mediação, predatórias do meio ambiente local e nos
países da periferia, baseados no consumismo e um modelo de vida
irrealizáveis no mundo todo etc). Esse caminho tem disputas estratégicas e
devemos incidir nesse rumo, orientado por um Projeto de Nação enquanto
parte fundamental da Revolução Brasileira.

4.2.3. Sustentabilidade.

203. Aliado ao desenvolvimento temos também como um dos nossos


compromissos, a Sustentabilidade, tema este que a bem da verdade nunca
aprofundamos com a atenção necessária. A defesa do meio-ambiente, a
proteção da natureza deve estar no centro de nossas preocupações,
especialmente em um cenário mundial onde nos aproximamos de um colapso
climático onde se agravam as catástrofes ambientais e, principalmente, em um
momento no qual o Brasil avança aceleradamente na destruição dos seus
ecossistemas, trazendo severas consequências para a nossa população.
amargamente nos números de desmatamento.

204. Como reação à crise ambiental, o capitalismo tem apresentado duas


“respostas”, ambas não somente insuficientes, mas que agravam a crise. De
um lado temos a resposta negacionista, que oculta a crise ambiental para
deixar prevalecer uma lógica predatória, de extração ilimitada dos recursos
naturais. Essa é lógica predominante no continente que ameaça o presente e
o futuro do nosso povo, através da se vê ameaçado constantemente pela
ação devastadora de grandes empresas extratoras de recursos naturais e
minerais e do agronegócio com o predomínio do modelo predatório de
destruição ambiental.

205. A segunda resposta é dada pelo chamado capitalismo verde, irradiada


especialmente pelos países centrais, que embora reconheçam a existência de
uma crise ambiental, propõem como solução mecanismos de mercado como a
comercialização de títulos de carbono, e uma transição energética baseada na
transferência dos impactos ambientais dos países centrais para os países
periféricos.

206. É necessário e urgente que a Consulta Popular impulsione um programa que


possibilite uma superação efetiva da crise ambiental, viabilizando uma
transição para uma matriz produtiva e energética sustentável, atrelada a uma
política de desenvolvimento e inovação tecnológica que permita a satisfação

84
das necessidades históricas do povo brasileiro. É urgente que a Consulta
Popular desenvolva iniciativas, mecanismos próprios e também se integre a
iniciativas existentes que promovam o debate e ações acerca da
Sustentabilidade, visto que o avanço da crise ambiental tende a pôr em risco
criar cenários preocupantes para a própria sobrevivência da classe
trabalhadora.

4.2.4. Democracia.

207. Ao longo da história os regimes democráticos nos países periféricos têm sido
marcados por uma concepção restrita de democracia, com golpes, aversão à
participação popular nos espaços políticos, além de um desencontro deliberado
entre democracia, desenvolvimento e direitos sociais. Para além dessa
configuração comum aos países de origem colonial, as democracias burguesas
e a tradição liberal atravessam hoje uma crise sem precedentes, que atinge até
mesmo os países centrais. As repercussões da crise econômica de 2008
abriram uma fissura nessa tradição liberal burguesa, ampliando o espaço
político para a emergência de um setor ultra-conservador que defende
abertamente a contenção de direitos e liberdades democráticas. Deste modo,
partidos de extrema-direita se tornaram vitoriosos em diversos países, incluindo
os Estados Unidos de Trump e o Brasil. A democracia restrita existente em
nosso país foi sendo desconstituída aceleradamente a partir do golpe de 2016.
O governo Bolsonaro só não avançou ainda mais em direção ao fechamento do
regime, pois a tragédia sanitária e econômica do país retirou parte majoritária
do apoio popular que a eleição de 2018 lhe conferiu. Além disso, diversas
forças sociais se uniram para contenção dos intentos golpistas e na defesa de
bandeiras democráticas.

208. Nesse cenário cabe às forças populares defender as limitadas estruturas


democráticas que existem no Estado brasileiro, isolando as ameaças neo-
fascistas. E simultaneamente projetar as reformas institucionais necessárias
para uma maior democratização da nossa sociedade. Portanto, o compromisso
com a democracia deve ter como horizonte e centralidade a participação direta
do povo brasileiro nas discussões e decisões em torno dos interesses
nacionais. Para isso, reformas nas instituições dos poderes executivo,
legislativo e judiciário são fundamentais, além de uma profunda
democratização dos meios de comunicação. Nesse caminho, superar a sub-
representarão de mulheres, da população negra, povos indígenas e de
pessoas LGBT nos parlamentos e demais instituições também é uma tarefa de
nossa organização.

85
4.2.5. Solidariedade.

209. O Brasil é um país rico, mas seu povo é pobre. O compromisso com a
solidariedade, concebida como um valor antagônico ao da competição do
capitalismo, onde cada um é impelido a aniquilar o outro. Concebida como uma
postura política de militantes que vão ao encontro de sua própria classe, para a
construção processual de uma inserção política ativa, orgânica e popular.
Inserções ativas no seio de diferentes frações da classe, porque compreende a
necessidade da (re)criação de espaços de participação real, capazes de
atualizar as formas orgânicas em sintonia com a dinâmica da vida concreta do
povo.

210. Solidariedade como valor e como dimensão pedagógica de uma práxis política
que atua no sentido do reconhecimento do gênero humano, no encontro com o
outro, em sua ampla diversidade, ao mesmo tempo em que denuncia e
desmoraliza o individualismo e a meritocracia em um intercâmbio vivo e tenso
entre diferentes formas de conhecimento, de experiências de resistências e de
rebeldias.

211. Comprometer-se com esta concepção de solidariedade é fundamental para dar


sentido à mobilização de todos os recursos necessários para eliminar a
miséria, as desigualdades estruturais e para transitar de uma lógica mercantil
do trabalho, para uma lógica de atendimento às necessidades
humano/sócio/ambientais. Articular, sensibilizar e mobilizar recursos como as
capacidades produtivas, técnicas, cientificas, educacionais, culturais e
ecológicas para a construção coletiva do acesso a todo o povo a um patamar
comum de dignidade humana.

4.2.6. Feminismo.

212. Cientes de que o sistema capitalista tem como base uma estrutura patriarcal
assumimos o compromisso com o feminismo para dentro e para fora de nossa
organização, compreendendo a centralidade desta luta para a efetiva
emancipação humana e superação deste sistema. A classe trabalhadora não é
homogênea, é diversa, tem gênero, raça e sexualidade. Sob a lente da luta de
classes, entendemos que as relações sociais de classe se imbricam as
relações sociais de gênero e raça, sendo a opressão de gênero parte da
estratégia do capital para aumentar a exploração econômica e a dominação
política dos povos.

213. Por isso, faz-se necessário o caráter feminista e antipatriarcal estar presente
nos compromissos, na estratégia e no programa do projeto popular, não
somente por uma questão ética, moral e de valores, mas porque se relaciona à

86
forma de materializar se pensar o modo de produção, a organização do
trabalho e da vida social. Afinal, as relações patriarcais de exploração e
dominação são estruturantes da sociedade e não estão apenas no campo
ideológico. Ao longo da história o patriarcado se sustenta a partir de uma base
material determinante que é a divisão sexual do trabalho, sendo indispensável
a luta por sua superação, por igualdade de direitos, contra qualquer violência
de gênero e pela legalização do aborto, que são lutas essenciais para o povo
brasileiro.

214. Cabe salientar que assim como a classe trabalhadora não é uma massa
homogênea, tampouco o são homens e mulheres em sua sexualidade,
identidade de gênero, raça e classe. Por isso, é fundamental que nossao luta
feminista e antipatriarcal feminismo avance e incorpore na análise, programa e
prática os elementos da luta contra o racismo e contra a heterosexualidade
compulsória. Apontamos como papel da Consulta Popular contribuir para que a
esquerda brasileira supere seus limites ainda presentes no que diz respeito a
absorção do feminismo como parte de sua estratégia.

215. O feminismo popular para nós não é apenas uma bandeira de agitação, mas
um princípio a ser contido em nossa estratégia, com desdobramento na
construção de um programa e em diversas táticas, fortalecendo a auto-
organização, mas também o cultivando em todos os organismos e instâncias
da organização, . É necessário também que se faça presente na prática política
da militância. Por fim, devemos dar um salto de qualidade para a construção de
força social consolidada em torno do feminismo popular, seja a partir da frente
popular de mulheres, dos movimentos auto-organizados ou dos movimentos
mistos do nosso campo político.

4.2.7. Igualdade étnico-racial.

194. O racismo está assentado de forma estrutural na sociedade brasileira, se


constituiu como um pilar sólido em um conjunto de contradições que
atravessam a vida da classe trabalhadora. As principais como, a
superexploração do trabalho e o uso da violência como forma de controle
social, são marcas profundas deixadas pelos quase quatrocentos anos de
escravidão em nosso país, que dispuseram aos negros e não brancos, como
aos indígenas, uma forma de incorporação social baseada na obstrução de
qualquer consciência de classe de uma massa trabalhadora largada a sorte (do
capitalismo) no pós-abolição.

87
195. Entendemos que até mesmo a construção de uma identidade nacional
supostamente universalista é uma fraude baseada no mito de uma suposta
democracia racial, que mais apaga os traços étnico-raciais de nossa formação,
que os incorpora. Está colocado que o compromisso com a igualdade étnico-
racial na luta antirracista é inadiável para Consulta Popular. O pacto histórico
pelo poder, estabelecido na consolidação das relações capitalistas no país,
necessita ser superado e assim o será quando enfrentarmos com a
profundidade necessária as raízes da questão racial e a consideramos o
quanto que ela é parte constitutiva da luta pela Revolução Brasileira.

196. Olhando a partir de nossa história, a Consulta Popular esteve envolvida em


processos de lutas e mobilizações que tiveram o racismo e a discriminação
racial com centralidade. Participamos da luta pelas cotas nas universidades
públicas, auxilio permanência aos estudantes cotistas, das mobilizações do 20
de novembro e de diversas marchas contra o genocídio da juventude negra.

197. Apesar disso, não conseguimos atuar de forma mais orgânica e permanente
junto ao movimento negro. Também enfrentamos dificuldades em compreender
de forma mais profunda a questão racial no processo de formação do povo e
da sociedade brasileira de forma coletiva, o que tem dificultado, inclusive,
situarmos adequadamente a luta antirracista em nossa estratégia e em nossos
compromissos políticos e organizativos. Neste sentido, para além da
necessária autocrítica sobre nossos limites e insuficiências no debate acerca
da questão racial no Brasil, é fundamental que possamos apontar os desafios
coletivos e identificar quais os passos necessários para o avanço da Consulta
Popular na luta antirracista nesse processo congressual.

a. Posicionar a luta pela igualdade étnico-racial como uma tarefa da classe


trabalhadora: como a luta contra o racismo tem contornos estruturais, é preciso
ser encarada como uma tarefa da sociedade brasileira. Por isso a superação
de dilemas frutos de nossa história, não podem ser entendidos só como tarefa
dos negros e negras, sendo assim esse compromisso deve ser assumido pelo
conjunto de nossa organização, no aprofundamento de nossas formulações e
na construção de nossas lutas.

b. O compromisso com a construção do debate da questão racial com caráter


coletivo, combinado com formas de auto-organização: A luta antirracista
cravada na politica indentitária desagrega o potencial de transformação da
sociedade, pois coloca no centro do debate o sujeito e não o conjunto das
relações raciais de questões do racismo no Brasil, que precisam ser
compreendidas e debatidas por negros e não negros. Sendo assim, sem
desconsiderar auto-organização, que é uma vitória importante na luta do
movimento, onde através dela se construiu a capacidade de forjar militantes, é
preciso saber combinar as duas coisas de forma que possamos acumular e
enraizar o debate no conjunto da organização.

88
c. O compromisso com a construção da paridade racial nas instâncias da
organização: Acreditamos que a Consulta Popular precisa expressar também
em suas instâncias a diversidade do povo brasileiro. Por isso, é necessário
avançar na formação de novos militantes e dirigentes, que para além de jovens
e trabalhadores sejam negros e negras, indígenas, etc, para que esses tenham
condições politicas e estruturais de contribuírem na condução da luta política
no país. Formando-os numa perspectiva integral e não apenas para um tema
específico.

d. O compromisso com a construção do debate racial no seio da esquerda, do


movimento negro, da luta antirracista e das lutas do conjunto da classe
trabalhadora: Cada vez mais, a questão racial tem se colocado como parte
fundamental da luta de classes no Brasil e no mundo. Portanto, para nós da
Consulta Popular é urgente refletir sobre nossa relação e atuação junto ao
movimento negro e ajudar a reposicioná-lo no conjunto das lutas da classe
trabalhadora. Temos importantes acúmulos juntos ao nosso campo político,
mas precisamos identificar qual será o movimento a ser feito pela Consulta
Popular na busca da igualdade étnico-racial.

4.3. O Programa de Reconstrução Nacional enquanto parte do Projeto


Popular para o Brasil.

194. O Brasil passa por uma profunda crise política, econômica e social, que coloca
a necessidade de um programa de emergência nacional com medidas de curto
e médio prazo, de caráter conjuntural e estrutural, que atendam os interesses
imediatos dos diversos segmentos da classe trabalhadora e organizem a força
social do projeto popular para o Brasil.

195. A situação de forças nas instituições, especialmente no Congresso Nacional,


deve ser considerada, assim como as margens no cenário internacional. Dessa
forma, esse programa não é expressão da vontade idealizada pela vanguarda
nem das demandas de caráter economicista do povo brasileiro. É uma síntese
do processo de confrontação das elaborações mais avançadas com a realidade
político-social e da elevação das aspirações mais sensíveis das massas para a
defesa de um novo projeto para o país.

196. A dinâmica do processo político precisa compatibilizar a reflexão das direções


das organizações políticas com demandas que a classe trabalhadora seja
capaz de mobilizar, lutar e conquistar. A partir disso, imprimir uma dinâmica de
organização e lutas, com conquistas ou derrotas que aproximem o horizonte
político e ideológico dos trabalhadores da vanguarda, empreendendo uma
marcha contínua de embates para alterar a relação de forças. O isolamento da
vanguarda do conjunto da classe trabalhadora leva qualquer programa de

89
mudanças ao fracasso. O vanguardismo com o seu “programa máximo” pode
contribuir para o debate político-ideológico, mas não tem condições de
construir uma força social para as mudanças. O basismo, por sua vez,
consegue desencadear de forma espontânea lutas populares em torno de
reivindicações e obter conquistas, mas não acumula forças sequer para
perenizar as medidas mais elementares que demanda. Ambos são irmãos
porque são um fim em si mesmo e não contribuem para a construção do
projeto popular.

197. Apresentaremos abaixo uma contribuição inicial do Programa de Reconstrução


Nacional, na perspectiva da Consulta Popular, e que merece amplo debate
para ajustes e definições. O ponto de partida para o Programa de
Reconstrução Nacional é a luta contra a escalada autoritária do campo
neofascista, que diminui as margens democráticas para as forças populares, e
contra o programa neoliberal, que retira direitos dos trabalhadores e
enfraquece os instrumentos de intervenção na economia e regulação do
grande capital. Nesta fase, os esforços se concentram na construção da
Campanha Fora Bolsonaro, composta por mais de 400 entidades, que têm
conduzido as mobilizações pelo impeachment do presidente.

198. A segunda fase da construção do Programa de Reconstrução Nacional se


colocará em 2022, que será marcado pelo debate eleitoral e, sobretudo, pela
disputa presidencial. O horizonte da campanha eleitoral é totalmente diferente
dos embates anteriores, só comparável com o pleito de 1989. Não será uma
disputa eleitoral entre forças que se submetem ao regime político vigente, mas
a tentativa da corrente neofascista permanecer no governo nas urnas ou por
meio de alguma manobra golpista. Diante disso, as forças populares devem
fazer da campanha eleitoral um processo de acúmulo de forças. Por um lado,
será necessário enfrentar o bolsonarismo para impedir as ameaças às eleições
e garantir que os eleitos tomem posse. Por outro lado, fazer a disputa
programática com o campo neoliberal para que seja possível governar.

199. A Consulta Popular colocará suas energias no movimento político em torno da


reconstrução do Brasil e na construção da unidade das forças do campo
progressista em torno da candidatura com maior apelo nas massas de Luiz
Inácio Lula da Silva. A derrota das expressões políticas do neofascismo e do
neoliberalismo na eleição é necessária para mudar a correlação de forças, mas
não será suficiente sem um movimento da sociedade em torno de medidas
para enfrentar a crise brasileira.

200. O Programa de Reconstrução Nacional deve incidir sobre cada uma dessas
contradições, a partir de propostas que possam ganhar musculatura política e
social para alterar a correlação de forças e viabilizar um processo de
mudanças. O movimento político na sociedade em torno do programa deve
ganhar corpo para tensionar o programa e a metodologia da campanha do

90
Lula. Posteriormente, empurrar o governo para fazer as mudanças necessárias
para que seja possível enfrentar a crise. Será um processo à quente de
construção e disputa com o campo reformista eleitoralista.

201. A revogação do teto dos gastos é a medida número zero para confrontar a
profunda crise da economia brasileira, que padece de problemas estruturais
que se agudizaram com a aplicação acelerada do programa ultraneoliberal
depois do golpe do impeachment. A revogação é importante para restituir ao
governo a capacidade de implementar um programa escolhido nas urnas.

202. Reversão de um conjunto de medidas de retrocesso contra a classe


trabalhadora que avançaram desde o golpe de 2016 como a EC 95, as
privatizações, a reforma trabalhista etc, mas também por repensar a forma
como implementaremos um programa de reconstrução nacional, que seja
capaz de erradicar a fome, reconstruir empregos e desenvolver o país através
de um processo de acúmulo de forças. Que nos permita sair de uma correlação
de forças desfavorável para uma situação de ofensiva política e, portanto,
recolocar o tema das reformas estruturais.

203. A efetivação de uma reforma tributária progressiva é urgente para financiar um


programa de emprego, renda e proteção dos trabalhadores, colocando em
xeque a concentração de renda e riqueza dos grandes capitalistas. A taxação
de lucros e dividendos, de remessa de lucro ao exterior e de juros sobre o
capital próprio, além de medidas para combater a sonegação, são urgentes
para enfrentar a crise social. A partir da discussão com o movimento sindical,
elaborar uma política para reorganizar o mercado de trabalho e proteger os
trabalhadores que estão fora do regime formal. São 14 milhões de
desempregados e 6 milhões de desalentados. Além disso, um contingente de 7
milhões de subocupados, 25 milhões de trabalhadores por conta própria (que
inclui os “prestadores de serviço” e os PJs) e 35 milhões na informalidade sem
nenhuma proteção no caso de doenças ou para quando ficarem mais idosos.

204. A situação de desmoralização do sistema político, dos poderes constituídos,


das Forças Armadas e do pacto federativo levou a uma situação de ameaça de
ruptura com a emergência do neofascismo, colocando a necessidade de uma
ampla reforma político-institucional para recolocar a questão democrática. A
cristalização de procedimentos de desrespeito à presunção de inocência, do
direito de defesa e do devido processo legal da Operação Lava Jato implica
uma Reforma do Poder Judiciário. A inépcia das instituições em confrontar o
problema da desinformação e manipulação das chamadas fake news impõe a
regulamentação dos velhos e novos sistemas de comunicação social
(radiodifusão e as novas tecnologias de plataformas na internet). A explosão da
maior crise do modelo político-institucional desde a Constituinte, que colocou
em xeque com o tema do voto impresso o coração do regime democrático, o

91
sufrágio universal, abre uma oportunidade de retomar o debate sobre a tutela
das forças conservadoras sobre o processo de redemocratização nos anos 80.

205. O desmonte das políticas públicas nos últimos seis anos exige uma ação
imediata e acelerada para resolver a situação das milhares de famílias que
vivem em acampamentos e ocupações nas cidades e no campo para dinamizar
a atuação dos movimentos populares, que se constituem como uma força
popular no processo de mudanças sociais. Assim, todas as famílias
acampadas entrariam em projetos de moradia popular e de reforma agrária
para no prazo de um ano sair dessa condição. Além disso, retomar as políticas
para os agricultores que enfrentam dificuldades para produção e
comercialização, fortalecendo os programas de compras públicas.

206. A política externa do governo Jair Bolsonaro contrasta com a tradição do


Itamaraty e demanda uma reorientação completa para que o Brasil volte a
cumprir o papel de articulador de um campo alternativo ao imperialismo dos
Estados Unidos, tanto do ponto de vista geopolítico como econômico. O
alinhamento aos Estados Unidos sacrificou o processo de construção de fóruns
internacionais como o Mercosul, a Celac e os Brics, que apontavam no sentido
de fortalecer a nossa soberania como ator geopolítico. A demarcação do
governo Bolsonaro com a China deteriorou as relações com um parceiro na
construção de um arena geopolítica marcada pela multipolaridade.

207. A efetivação dessa estratégia, que se articula em torno do Programa de


Reconstrução Nacional e a campanha popular pela eleição do Lula, exige uma
construção com o campo do projeto popular, com as forças do campo
democrático-popular (Frente Brasil Popular) e com o conjunto da esquerda.
Esse programa tem a finalidade de colocar em movimento diferentes
segmentos da sociedade em torno de um núcleo de propostas de mudanças
necessárias e possíveis para enfrentar a crise política, econômica e social.
Assim, aumentar a coesão ideológica do campo progressista, acumular força
social e contagiar as camadas mais conscientes e dispostas dos trabalhadores
e trabalhadoras para a edificação de um movimento político.

208. Como ponto de partida para o debate, o Programa de Reconstrução Nacional,


na perspectiva da Consulta Popular, deveria ter como eixos norteadores os
seguintes pontos:

a. Todo brasileiro tenha direito à: trabalho, moradia, saúde e


educação. Políticas públicas voltadas para a população LGBT,
para a garantia dos direitos das mulheres e de combate ao
racismo.

92
b. Revogação do teto de gastos para retomar centralmente os
investimentos públicos e as políticas sociais. Construir uma
política fiscal adequada ao desenvolvimento nacional.

c. Plano Emergencial de geração de Trabalho e Renda.

d. Efetivação de uma reforma tributária progressiva sobre a renda,


herança e patrimônio. Taxação de lucros e dividendos das
grandes empresas.

e. Garantia dos direitos de organização sindical e liberdade e


autonomia ao direito de greve, paulatinamente cerceado desde a
década de 1980 e hoje reduzidas a negociações econômicas e
situações excepcionais.

f. Ampla reforma política.

g. Política de crédito subsidiado para o consumo popular e para a


indústria, particularmente as pequenas e médias empresas.

h. Retomada do investimento público e fortalecimento da indústria


nacional.

i. As famílias acampadas na cidade e no campo devem ser


posicionadas em projetos de moradia popular e de reforma
agrária para no prazo de um ano sair dessa condição. Retomar as
políticas para os agricultores que enfrentam dificuldades para
produção e comercialização, fortalecendo os programas de
compras públicas. Garantir os direitos dos povos indígenas,
quilombolas e pescadores nos seus territórios.

j. Reorientar a política externa brasileira no sentido de acumular


para a nossa soberania nacional. Política externa ativa e altiva.

4.4. Programa e força social urbana do Projeto Popular.

209. A vigência e a atualidade do Projeto Popular articulam duas dimensões de


modo concomitante, a construção de forças sociais e políticas combinadas com
a construção do programa, ambos compreendidos não como lineares e
ascendentes, mas como processos permeados pelas contradições inerentes à
luta de classes. O desenvolvimento massivo e nacional destas duas dimensões
requer:

93
• O estudo da realidade brasileira. Seus problemas estruturais, sua
cultura e sua identidade. Isto permite uma dinâmica de constante
atualização do programa do Projeto Popular.

• A organização popular. Construir linha de massas a partir dos


problemas concretos do território urbano. Ampliação em escala das
organizações populares e sindicais, na conformação de suas agendas
de lutas combinando tanto as táticas de ações de massas como as de
ações institucionais. No curto prazo, esta linha é importante para a
derrota do neofascismo.

• Construir lutas de massas como forma de conquistar direitos sociais


e acumular forças para colocar as reformas estruturais na agenda
nacional.

• Formar militantes sociais. Conformação de um perfil de militantes


educadores, construtores e elaboradores.

• Viabilizar um governo democrático e popular a serviço da classe


trabalhadora e que se articule com o movimento popular na tarefa da
linha de massas, objetivando para viabilizar políticas públicas e
reformas estruturais.

210. As cinco tarefas precisam ser compreendidas de maneira imbricada, ou seja,


são mais do que articuladas, são interdependentes, mas para efeitos de
elaboração seguem no texto divididas em dois pontos. O primeiro refere-se à
relação direta entre construção de força social e política e o programa
compreendido como em uma fase voltada para criar condições para ampliar a
organização popular, suas lutas e pautas em duas dimensões: ler a realidade
de precarização da vida social e laboral, de modo articulado e com tarefas
concretas junto a quatro frações de classes: a maioria precarizada, frações
formais e sindicalizadas, partes do campesinato e partes dos setores médios. E
o segundo ponto, refere-se a tarefa de localização e preparação do perfil
militante necessário para esse processo.

4.4.1. A relação entre construção de força social e programa.

211. A bandeira de construção do Projeto Popular para o Brasil, necessariamente


precisa ser hasteada, defendida e levada a cabo pelo povo brasileiro, através
de diferentes ferramentas organizativas vivas no interior de um grande
movimento popular, sindical e partidário de massas e esse, passa por uma

94
estratégia de acúmulo de forças, sobretudo nos médios e grandes centros
urbanos, em aliança com os movimentos do campo.

212. O direito de trabalhar no interior de uma agenda popular de desenvolvimento,


capaz de eleger como prioridade construir as bases de um programa de
transição da atual condição de sobrevivência, de grande parte da classe
trabalhadora, para uma condição de dignidade.

213. A história do Brasil nos demonstra que é possível construir um intenso


programa de industrialização e desenvolvimento econômico com concentração
de renda e destruição do meio ambiente como o que foi implementado no
período da ditadura militar. Também nos ensina que é possível construir um
programa de desenvolvimento econômico e redução das desigualdades sociais
com baixo nível de acúmulo de forças como o que vivemos nos governos Lula
e Dilma.

214. É o desafio do nosso tempo construir um Programa de Reconstrução Nacional


que, ainda que não consiga enfrentar todos os nossos desafios e realizar as
reformas estruturais em um primeiro momento, seja capaz de acumular forças
para que essa possibilidade se coloque em meio ao conflito e a luta de classes.
Um programa que conjuga vitórias econômicas com organização popular. Que
seja capaz de transitar da condição de sobrevivência, cerca de 70 milhões de
brasileiros para um patamar de dignidade. Que se conecte com um programa
de país, de povo e de trabalho, que requer uma transição de formas de
reconhecimentos e validações não sob a chave e os valores da acumulação
capitalista, mas sob a chave do atendimento das necessidades da vida em
sociedade, articuladas com um padrão sustentável de consumo e produção
que respeitem a biodiversidade ambiental e se orientem para o bem viver.

215. Para essa massa de desocupados precisamos defender uma proposta como
um sistema nacional de trabalho, alicerçado por um fundo público capaz de
financiar uma jornada social de trabalho. Jornada de trabalho social
remunerada através de um salário-mínimo e ou modelo de renda básica,
combinado com o desenvolvimento de cadeias produtivas voltadas para a
solução dos problemas históricos do povo brasileiro, orientadas pelo
associativismo e cooperativismo, coexistindo com outras formas de
organização da produção.

216. A disputa por uma concepção de política pública e desenvolvimento –


precisamos combater a concepção assistencial e mercantil, que reforça os
limites da solidariedade no terreno familiar via transferência de renda, voltada
ao acesso de consumos mínimos, com contrapartidas em aspectos da saúde e
da educação de crianças e adolescentes. Ou na concepção de
desenvolvimento e geração de emprego que reforçam a meritocracia e os
esforços individuais para se conquistar aquele trabalho.

95
217. É preciso insistir na necessidade de transitarmos para uma concepção de
participação popular ativa e efetiva tanto na disputa e formulação das políticas
públicas, como na disputa pelo modelo de desenvolvimento. Assim, consolidar
uma concepção de desenvolvimento que combine a necessidade dos ganhos
de produtividade com a participação popular nas decisões estratégicas e na
construção cotidiana deste novo modelo. Esta mudança de lógicas implica na
disputa por conceber as políticas públicas e o desenvolvimento a partir de uma
concepção popular, onde o povo, ocupando diferentes espaços nas cadeias
produtivas e de serviços, poderão participar das decisões e rumos do país.
Quando falamos de um modelo de desenvolvimento que combine ganhos de
produtividade com participação popular estamos também considerando que
queremos políticas e bens públicos de qualidade que incorpore novas
tecnologias a serviço do bem-estar da população. Uma disputa que aprofunda
a democracia. Indo além da formulação da política pública e do tipo de
desenvolvimento a ser implementada pelo Estado, para assumir o papel de ser
parte na sua implementação.

218. Um exemplo, imaginemos o impacto que teríamos se o programa de


construção de habitações populares fosse planejado para que os movimentos
populares fossem responsáveis por gerenciar parte dos recursos, definir os
projetos e produzir as suas próprias casas. O impacto organizativo e
econômico que teríamos. Claro que isso implica em um processo de
capacitação técnica, o qual é parte da nossa disputa. Não basta a conquista
econômica, mas a conquista econômica precisa ser capaz de fortalecer a
organização popular.

219. Reformar o sentido do trabalho, validando legal e socialmente as atividades


ligadas à reprodução social, aos cuidados das crianças, idosos, doentes, a vida
comunitária, os cuidados ambientais, as atividades da vida cultural. Uma
jornada semanal de trabalho social, remunerada e assegurada em direitos, em
proteções de assistência e previdência pelo tesouro do Estado Nacional. Um
sistema de proteções e instalações básicas sociais que consiga abarcar e
atenuar as principais pressões sobre os salários e a reprodução social da força
de trabalho. Medidas que serão implementadas em combinação, disputa e
construção conjunta, entre as organizações e movimentos populares e
sindicais e as instituições do estado através de Missões:

a. Missão que envolva Políticas de Criação de Bens Sociais, capaz de


enfrentar os problemas no âmbito de Reprodução Social que articule o
tema da alimentação, dos cuidados e da saúde. Articulando o campo com
a cidade.

b. Missão de um Sistema Público de Trabalho Relevante, capaz de


enfrentar os problemas de desemprego, trabalho precário. Através de

96
medidas de geração de emprego e renda mediante instrumentos de
organização popular;

c. Missão de Educação Política e Cultural, capaz de multiplicar agentes


populares, educadores e técnicos no seio da classe trabalhadora, da
juventude, enfrentando o tema do analfabetismo e do acesso à cultura, e
conhecimentos técnico-produtivos;

220. Essas são algumas das iniciativas que queremos construir para conjugar a
disputa programática, soluções para os problemas concretos do povo brasileiro
na atualidade, combinação das formas de luta, construção de uma atuação
unitária entre movimentos populares e sindicais e ampliação da força social
organizada. Consideramos que essas propostas que precisarão ser melhor
organizadas, contribuem para o desenvolvimento e avanço da identidade de
classe, através da compreensão de uma forma superior da solidariedade.
Condição para o acúmulo de forças que viabilize o Projeto Popular para o
Brasil.

4.5 A centralidade da questão nacional.

221. O tema é objeto de muita polêmica no interior da esquerda e reflete as


dificuldades para o tratamento adequado dos desafios do Brasil. Quando
afirmamos que o imperialismo é o inimigo número um da humanidade, não
limitamos o tema à dimensão política e militar do imperialismo, mas também
das dimensões econômicas, culturais, geopolíticas.

222. Por isso temos uma posição ousada e que necessita de reafirmação. A questão
nacional advém de duas dimensões complementares. A primeira é a nossa
história como uma nação construída a partir do sistema colonial e baseada no
seu papel de servir como um grande negócio. E nesse percurso as classes
dominantes dessa terra foram constituídas como associadas ou, em outros
termos, como sócias menores. A segunda é pelo papel exercido pelo
imperialismo dos EUA para a perpetuação dessa condição na América Latina e
Caribenha e com muito destaque para o Brasil

223. Nossa posição histórica é correta: a contradição nacional é central no projeto


popular e deve ser assim tratada em todas as suas dimensões. Do ponto de
vista estratégico, afirmamos a centralidade da questão nacional no Projeto
Popular para o Brasil. Continua atual a formulação de Caio Prado segundo a
qual o Brasil é uma nação incompleta. A incompletude da nação, conforme
afirmamos no texto de estratégia, deve-se à herança colonial (escravismo,
latifúndio, produção voltada para fora) que lançou as bases da dependência
econômica, cultural e do servilismo da classe dominante brasileira frente às

97
classes dirigentes dos países centrais. Tal relação estrutural de dependência
continua sendo funcional ao imperialismo, no sentido de impedir que o Brasil se
complete como nação soberana.

224. Assim, a Revolução Brasileira deve completar esta nação inconclusa. Ou seja,
lutar para que o povo brasileiro tenha soberania política, energética,
internacional, ambiental, cultural, econômica e territorial, autonomia política e
cultural no sentido de solucionar nossa “crise de destino” e definir os rumos da
nação. Eis a questão nacional do ponto de vista do povo brasileiro.

225. O imperialismo, o Estado brasileiro e sua violência institucional, assim como a


grande burguesia (principal responsável pela superexploração do trabalho) são
inimigos do avanço de nossa nacionalidade, da democracia, do povo e da
soberania nacional.

226. Nos completaremos como nação pela via das reformas democráticas,
populares e nacionais, significa levar à frente uma luta anti-imperialista, na qual
a revolução nacional, popular e democrática e socialista constitui uma só, e não
duas revoluções. Inspirando-nos nas lutas de libertação nacional e no
nacionalismo revolucionário como elementos constituintes da tradição
revolucionária latino-americana e caribenha. A esquerda brasileira, ao contrário
de outras da América Latina, tem um certo déficit de consciência anti-
imperialista e pouco desenvolvimento do nacionalismo revolucionário.
Compreendemos que estes dois elementos precisam ser melhor trabalhados
no campo democrático e popular.

227. A questão nacional é uma arena em disputa, ou seja, ela pode ser deslocada
para os interesses da classe dominante. Ela é, portanto, historicamente
determinada. E por isso, faz-se necessário identificar a contradição que
impulsiona a questão nacional em cada período histórico.

228. No final do século XVIII, e primeira metade do século XIX, o elemento dinâmico
da questão nacional se manifesta pela “consolidação do território”, processo
pelo qual as classes dirigentes impõem a unidade territorial às custas do
massacre de revoltas populares. Na segunda metade do século XIX, o
elemento dinâmico da questão nacional passa a ser a luta para abolir a
escravidão, envolvendo amplos setores da sociedade brasileira. A revolução
abolicionista não se completou, sendo negado à população negra a reforma
agrária e os direitos sociais reivindicados. Naquele momento, estava
consolidado o imbricamento da questão nacional com a questão social. A
expressão desta questão social é a profunda desigualdade de classe e raça.
Este imbricamento da questão nacional com a questão social foi a contradição
fundadora da modernidade brasileira que impactaria na via de desenvolvimento
capitalista (revolução burguesa conservadora).

98
229. Por tudo isso, não é possível completar o Brasil enquanto nação soberana sem
enfrentar as profundas desigualdades sociais, da intensa exploração do
trabalho, além das opressões de raça, gênero, questões relacionadas à
igualdade e respeito à diversidade de orientações sexuais. Por isso são parte
fundamental da Estratégia e do Programa do Projeto Popular.

230. Atualmente, o elemento dinamizador da questão nacional no Brasil é a luta pelo


desenvolvimento nacional a serviços do povo brasileiro. Reorganizar
radicalmente a economia brasileira e incorporar milhões de brasileiros ao
mercado interno é uma tarefa elementar desse processo. Nossa concepção do
desenvolvimento é expressa nos compromissos da Consulta Popular e deve
ser parte de um processo de acúmulo para a transição ao socialismo. Isto
significa que em determinado momento a luta política pelo desenvolvimento
nacional se transforma numa luta pelo poder político, lançando as condições
para iniciarmos um longo e conflituoso período de transição ao socialismo e
suas formas de propriedade social.

231. Entretanto, isto ainda requer uma árdua luta pelo desenvolvimento nos marcos
do capitalismo. Por isso, num momento em que a economia brasileira
passa por um processo de reconversão neocolonial, temos que formular desde
já sobre a necessidade de mudanças na política econômica, reindustrialização,
indústria 4.0, cadeias globais de valor, investimentos públicos, direitos civis e
sociais, dentre outros. Ao não enfrentarmos na Consulta Popular o desafio da
formulação sobre estes temas, abrimos espaços para a hegemonia de setores
reformistas no debate do desenvolvimento, ficando nossas formulações
restritas a uma certa concepção maximalista do Programa: ou seja, a reforma
estrutural é tudo, a política social e as melhorias cotidianas na vida dos
trabalhadores são reformismo, porque aos revolucionários não se elabora uma
linha para esses temas.

232. A Revolução Brasileira, assim como sua questão nacional, popular e


democrática, não são, neste momento histórico, parte de uma revolução
burguesa incompleta pelo fato das relações sociais de produção capitalistas já
serem hegemônicas. Portanto, já está concluída a Revolução Burguesa no
Brasil, como bem demonstraram os estudos de Florestan Fernandes. Tratou-se
de uma revolução burguesa conservadora. O fato de existirem tarefas
democráticas e nacionais pendentes não significa que atualmente a revolução
burguesa no Brasil esteja incompleta, como bem demonstrou Lenin ao
constatar que em determinadas formações sociais as relações sociais de
produção capitalistas poderiam ser hegemônicas, sem concretizar tarefas
democráticas e populares.

99
4.6 Um programa que dispute os setores médios.

233. O tema dos setores médios não se confunde com um desafio de organizar
esses segmentos ou em qualquer compromisso e rebaixamento na linha
mestra da centralidade do proletariado e classes populares. Mas também é
inegável que é um problema concreto a capacidade de disputa desses setores
para um processo de lutas contra os inimigos do povo brasileiro: o imperialismo
e a grande burguesia financeira. Por isso que o tema exige a determinação de
quem são os inimigos principais do Projeto Popular? A resposta não pode ser a
simples afirmação de que é a burguesia industrial, bancária e agrária.

234. Em resumo é um tema que nos remete a necessidade de construir força social
e isolar os inimigos principais da revolução. E se isso é um elemento
estratégico central, a disputa dos setores médios exigirá uma atenção especial.
A começar por definir melhor o que estamos tratando como setores médios. Ele
é composto por uma fração do proletariado e uma fração da burguesia e estão
no mesmo enquadramento por terem em comum três coisas: medo de perder a
sua condição, instabilidade econômica e modo de vida.

235. Ainda precisamos adentrar para definir esse setor. O tema não se confunde
com o debate de alianças, mas com a compreensão de uma heterogeneidade
no interior do proletariado e de uma fração da burguesia que tem forte
contradição com os inimigos principais do Projeto Popular.

236. Por isso é um tema sobre as diferenças dentro do proletariado e também


aponta para aliados oriundos da burguesia. O termo não é exato e
compreende, como já dito, de um amplo setor da sociedade e que
historicamente jogou um papel decisivo nos processos de luta, revolução e
contrarrevolução.

237. A expressão é mais adequada do que “pequena burguesia”, por ser essa muito
adequada aos segmentos restritos da burguesia pequena, enquanto por
“setores médios” compreendemos segmentos dos trabalhadores e da
burguesia pequena. No interior desse bloco tem ao menos três ramos distintos:
a burguesia dos pequenos negócios (que exploram trabalho assalariado e
também trabalham); trabalhadores de pequenos negócios (são proprietários,
mas não exploram o trabalho alheio e trabalham); trabalhadores assalariados
com alto nível de escolaridade, de altos salários, com posições de chefia em
processos produtivos e com posições estratégicas em grandes empresas,
dentre outros.

238. Por isso esse tema precisa ser trabalhado como um componente estratégico e
esses distintos blocos que integram os “Setores médios” apresentam uma

100
posição política muito vacilante, instável e errática, embora em grande medida
sejam aliados sob hegemonia absoluta dos setores da grande burguesia e
verdadeiros inimigos do povo. Em geral são arrastados pela contrarrevolução e
a posição política foi trabalhada por Marx como “pequena burguesia”.

239. Esse segmento tem em comum a instabilidade econômica, um certo padrão de


consumo, e uma oscilação na política e a baixa presença oficial na política,
preferindo formas associativas secretas, semi-secretas ou simplesmente mais
reservadas. Não incomum, esse setor tem forte atuação em formas
associativas como a maçonaria, lions, rotary, grupos religiosos, esportivos,
filantrópicos e não com a conformação de partidos políticos, associações
abertas e com posições claras. A instabilidade econômica faz desse grupo
muito instável também na política. São muito premidos pelo medo de rebaixar o
padrão de vida, aos proletários de melhor condição o temor é de ter que
trabalhar com baixos salários; aos proprietários de perderem o negócio e terem
que arrumar um emprego.

240. Na tradição do pensamento Marxista a classe não é definida apenas por uma
questão objetiva, mas por sua posição na luta. Por isso afirma no Manifesto
que “quando (as camadas médias) se tornam revolucionárias, isso se dá em
consequência da sua iminente passagem para o proletariado”. Lenin, por outro
lado, defendeu a composição com diferentes segmentos sociais de classes,
como os setores dos pequenos proprietários, mas quem mais avançou nessas
definições foi Mao, defendendo que o sucesso ou insucesso de uma revolução
nos países de formação econômica atrasadas seria definido pela capacidade
de disputa desses setores. O próprio Fidel foi também um defensor da
necessidade de disputar com esse amplo campo para o triunfo da revolução.

241. Trocando em miúdos esse tema parte de reconhecer a diversidade no interior


das classes, identificar segmentos que têm contradição com nossos inimigos
principais e por isso podem compor um mesmo campo desde que isso seja
compreendido como uma necessidade concreta e condição de sucesso de um
Projeto Popular e de uma Revolução.

4.7 A contribuição dos movimentos do Campo Político para o


Projeto Popular.

242. A elaboração programática avançou numa correlação direta com a construção


de força social. Ou seja, onde conseguimos construir força social, fomos
empurrados a materializar o tema do programa. Afastando-se de uma
concepção abstrata e se esforçando para, em um esforço criativo, dar
respostas à realidade, de forma conectada com um projeto estrutural.

101
243. A Reforma Agrária é uma das bandeiras mais importantes da luta de classes
no Brasil e no projeto popular. O capitalismo no Brasil se desenvolve sem
Reforma Agrária, pelo contrário, desde a colonização o modelo é baseado no
latifúndio e hoje no agronegócio. Organiza-se povo em torno da bandeira da
Reforma Agrária com a profunda convicção de que no capitalismo a reforma
agrária não foi realizada e nem será em termos mais amplos, já que
pontualmente é uma luta com muitas conquistas e talvez uma das lutas de
maior êxito na luta popular no Brasil. Da perspectiva popular, apenas um
processo de transição ao socialismo pode resolver a justiça social e o acesso à
terra no Brasil. Desse modo, não se separa a luta por reforma agrária de uma
luta por superação do capitalismo. O caráter popular dessa reforma agrária
está baseado no seu atendimento às necessidades do povo e não das classes
dominantes, como na reforma agrária clássica. A superação da fome, a
geração de trabalho e renda e a preservação dos bens comuns ambientais dão
sentido a essa luta na atualidade. Diante das dimensões dramáticas da fome e
da crise ambiental essa luta ganha os contornos de uma necessária transição
ecológica.

244. A luta por direitos é a luta por acesso ao trabalho e renda, saúde, educação e é
parte de uma luta por igualdade. A garantia e ampliação dos direitos
elementares em países dependentes como o Brasil assume um caráter radical.
Mesmo nas Revoluções Burguesas, as liberdades democráticas e os direitos
políticos são conquistas das classes populares lideradas pelos trabalhadores. A
defesa do direito ao trabalho digno, a moradia, saúde, educação e a comer três
vezes ao dia representam bandeiras potentes e abordadas como radicais pelas
classes dominantes do Brasil. A defesa do trabalho com direitos e direito ao
trabalho é uma síntese do MTD e que no Brasil assumem uma amplitude
nacional, profunda e que é compreensível para o conjunto da sociedade.

245. A particularidade dos problemas da juventude merece destaque. O Levante


Popular da Juventude vem construindo uma formulação sobre um Programa
Popular para a Juventude em um caminho que envolve o conhecimento da
realidade concreta acerca da crise específica das juventudes. A partir da
análise dos impactos dessa crise na atualidade que são apontados quatro
problemas estruturais das juventudes: a) O desemprego: aumento vertiginoso
do desemprego e a falta de alternativas de sustentação econômica da
juventude; b) Exclusão educacional: diminuição do acesso e das condições de
permanência dos(as) jovens nas instituições de ensino médio, técnico e
superior; c) Extermínio da Juventude: o aumento dos índices de violência e de
homicídios de jovens, em especial homens negros; d) Fascistização da Política:
disseminação de concepções políticas neofascistas e antidemocráticas. E
diante da identificação desses quatro problemas estruturais por objetivos do
programa emergencial da juventude brasileira: a) o Direito ao trabalho e renda;
b) o Direito à Educação; c) o Direito à Vida; d) e o direito à Cultura.

102
246. A soberania energética formulada pelo projeto do Movimento de Atingidos por
Barragens (MAB) e a soberania na mineração, que se traduz – entre outros
temas – no ritmo de extração e nos locais onde se pode realizar a mineração,
organizados pelo Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM),
apontam os problemas relacionados ao tema do extrativismo mineral e foi um
primeiro passo para avançar na organização popular em torno dos efeitos
destrutivos que a mineração gera nas esferas política e jurídica: a relação de
subordinação aos mercados globais, o aumento da concentração de renda e da
propriedade fundiária; relações de poder nos territórios minerados formando a
situação de minério-dependência, que se traduz em hegemonia política e
econômica das mineradoras nesses territórios; expulsão de populações
tradicionais e consequente destruição de suas formas de produção e
existência; riscos de rompimento de represas de rejeitos; poluição sonora, das
águas e do ar; utilização intensiva de água, alterando a dinâmica hídrica
superficial e subterrânea; diminuição da disponibilidade de água de qualidade.

4.8. A construção do Projeto Brasil Popular.

247. Estivemos envolvidos em diversas iniciativas com o tema do Projeto Popular


para o Brasil como centrais: a campanha contra a Alca resultou no processo da
Assembleia Popular: Mutirão por um Novo Brasil, conjugando também as
Pastorais Sociais da CNBB com a iniciativa da 3a Semana Social Brasileira,
com centralidade na discussão sobre o “Brasil que queremos”.

248. Nesse período foram muitas as iniciativas para debater plataformas e


programas mínimos, o que ocorreu nos marcos seja das campanhas eleitorais
de 98, 2002, 2006, 2010, 2014 e 2018, ora com mais ou menos envolvimento
popular, mas especialmente sobre programas emergenciais e mínimos como o
que foi feito na CMS – Coordenação dos Movimentos Sociais, bem como com
as Centrais (via Fórum das Centrais ou em outros formatos) e na Frente Brasil
Popular e no Projeto Brasil. Em todas essas situações o debate programático
ficou circunscrito aos limites da proposição – ora por ser emergencial, ora por
ser de governo, mas todos com elementos gerais das discussões acumuladas
de Projeto Nacional.

249. Além desses processos mais amplos a cada tempo a esquerda realizou
jornadas de formação, pedagogia, unidade e ação de massas com temas
relevantes para o debate nacional: sobre a dívida pública em 1999-2000; na
jornada contra a Alca em 2001-2004; sobre a Energia e a privatização da Vale
em 2006-2007; sobre o petróleo do pré sal em 2009-2010; sobre o Sistema
político Brasileiro em 2013-2014; e parte desses processos foram

103
acompanhados de verdadeiras consultas a população com os plebiscitos
populares e milhares de militantes percorrendo escolas, sindicatos, bairros,
associações, igrejas e espaços coletivos para discutir esses temas e organizar
os processos de coleta de votos sobre os temas de grande relevância pro
Brasil

250. Com os processos do golpe de 2016 e a ofensiva conservadora desde então,


nossa reação foi de construção de uma Frente Brasil Popular e também de um
espaço amplo para debater com profundidade um Projeto de Nação. Nascido
com uma articulação envolvendo o MST, a Fundação Perseu Abramo e outras
entidades nacionais e estaduais, o desafio foi organizar um debate mais
profundo sobre os desafios brasileiros e para além dos programas
emergenciais, os programas de governo, ações e temas específicos.

251. Alguns acúmulos fruto da construção do Projeto Brasil Popular para nos ajudar
no debate programático são

a. Um projeto de Nação é uma mediação entre a realidade e um horizonte


de superação a partir de um processo em que o impulso definitivo
advém da luta de classes;

b. Um projeto de Nação deve ser pensado por muitas cabeças: as


organizações populares; a intelectualidade; e o povo.

c. Esse projeto deve ser capaz de combinar medidas que transformem o


Brasil e que sejam de curto, médio e longo prazos;

d. Por projeto se compreende uma totalidade, e essa totalidade não é


uma soma de pedaços, mas um todo articulado e coeso;

e. O processo de construção não corresponderá a calendário eleitoral, já


possuidor de uma dinâmica dos partidos e a partir do calendário;

f. Assim como não é uma soma de partes, precisa articular medidas de


distintos “tempos”, tendo uma combinação de medidas de alcance;

g. O debate de projeto não deve ser mais um espaço para a esquerda


disputar, mas, ao contrário disso, só fará sentido se for um espaço de
respeito às diferenças e busca franca de unidade;

252. O Projeto Brasil Popular busca se construir a partir da realidade concreta e


precisa de construtores efetivos: a participação popular nos debates e a luta de
classes como motor para a concretização.

253. O acúmulo nessa iniciativa pode contribuir no desafio de elaborar conteúdos


concretos para o Projeto Popular para o Brasil para além das balizas

104
elementares. Elaborar o conteúdo do Projeto Popular. Quais as medidas para
as distintas áreas da vida. Além dos acúmulos no âmbito do método de
construção. Generoso, pedagógico, efetivamente dialógico com a participação
popular, conformando materiais ricos para o trabalho de agitação e
propaganda. Para sermos militantes compartilhando a esperança, o rumo e os
desafios para um Projeto Popular. Que parta do concreto e articule as distintas
dimensões de um debate estratégico sobre o Brasil que tivemos, que temos e o
que teremos.

4.9. O bicentenário da Independência em 2022, um país que insiste


em nascer.

254. Proclama-se a Independência em 1822, em meio a um ambiente instável das


províncias. Nascia o Estado Nacional brasileiro, na forma de “Império do Brasil”
em um processo de rupturas modestas, sem maiores ameaças de subversão a
ordem, portanto de continuidades com a Coroa Portuguesa, a começar pelo
governo de Dom Pedro I (1822 a 1831) descendente da família real, dando
sequência a uma ordem monárquica.

255. Um processo altamente conservador, que politizou a direita a criação de uma


autoimagem de revolução positiva, porque ordeira, sem excessos, diferente e
melhor do que as revoluções nas colônias hispânicas. Essa linha político-
ideológica cunhou uma visão positiva da Independência, da continuidade da
ascendência européia via a dinastia de Bragança. Essa perspectiva saturada
de oficialidades, deixou esse tema de certo modo excluído das pesquisas
historiográficas.

256. Essa versão da Independência começou a ser relida com Caio Prado Júnior
nos anos de 1930 e 1940, tratando a formação do Brasil como uma empresa,
estruturada no latifúndio, na monocultura e na mercantilização humana, com o
escravismo moderno. Uma formação toda voltada para fora e cujas terríveis
heranças coloniais seguem presentes nas estruturas sociais, econômicas,
políticas e culturais, as quais não foram alteradas quanto mais removidas
naquele processo. Nos anos de 1970 novos estudos, documentados, onde
começam a emergir elementos de que a Independência possa ter sido uma
guerra de libertação nacional, com conotações nacionalistas e populares, como
as que ocorreram na América Hispânica.

257. A questão da Independência passa a ser compreendida, como um processo


diverso, contraditório, fazendo parte da crise do sistema colonial. Uma questão
viva no interior de um contexto mundial de afirmação de lutas liberais e

105
nacionalistas, em meio às transformações econômicas, onde a luta de classes
também se dava no sentido da colônia contra a metrópole, dos vassalos contra
o rei.

258. Nos anos de 1980 obras de Emília Viotti da Costa, Fernando Novais, Carlos
Guilherme Mota, irão aprofundar as teses de Caio Prado, localizando a
Independência como um processo que fez parte dos desdobramentos da crise
mundial do Antigo Regime europeu com todas as contradições desencadeadas
e inerentes a esse sistema, crise capaz de se afirmar uma nova classe
dirigente no Brasil, os grandes proprietários escravistas.

259. Florestan Fernandes avalia a Independência como um momento necessário da


revolução burguesa, de colocar um fim a era e a ordem colonial e de ser
referência da época de uma sociedade nacional a ser construída.

260. O debate sobre este momento crucial, que afetou as definições do que o Brasil
se tornou e também do que não se tornou, se torna mais vivo diante da
aproximação do bicentenário. Porém não se trata apenas de um resgate
histórico, de revisitar antigas e novas interpretações, embora esse exercício
seja necessário para irmos as raízes estruturais da formação da classe
dominante aristocrática rural, uma classe trabalhadora que em termos
históricos viveu muito mais tempo sob a precarização estrutural do trabalho,
sob a coerção e repressão, um estado subalterno na geopolítica mundial,
exportador de commodities e importador de manufatura na divisão internacional
de trabalho.

261. No exercício de irmos a fundo em nossas raízes, é preciso localizar a


profundidade da dependência desde Portugal, depois passamos para as mãos
da Inglaterra, passando as mãos dos Estados Unidos da América, amarrado a
modelo de desenvolvimento capitalista desigual, dependente e subalterno das
potências imperialistas. Localizar a profundidade do genocídio indígena da
escravização dos povos negros em uma releitura nacional de suas formas de
resistência, sua pauta abolicionista inconclusa e em luta até hoje.

262. Se trata de resgates históricos, de releituras de uma Independência, uma


Abolição, uma República, todas inconclusas, porque há um país que insiste em
nascer, porque todas as dimensões nacionais, foram e são voltadas para
atender aos interesses das classes dominantes, sobretudo a classe dos
latifundiários aristocratas no poder a 200 anos. Uma classe apodrecida,
fraudulenta, mesquinha, psicopática, sem horizonte de futuro, que não seja a
vassalagem ao imperialismo e com isso, afundam o Brasil e o povo em seu
obscuro pântano negacionista, fundamentalista, afunda, agride, mas como todo
agressor, diz amar, mas só faz destruir e humilhar.

106
263. Por isso, trata-se da refundação nacional, trata-se de enfrentar os problemas
estruturais por suas raízes, trata-se de enfrentar esse modo de ordenar a
sociedade contra uma massa trabalhadora explorada e humilhada. Trata-se de
refundação nacional, porque só o poderá ser, através de um Projeto Popular,
construído e defendido pelo seu próprio povo que ao refundar seu país,
refundará a si próprio, acertando as contas com o passado e assumindo a
direção de seu futuro.

264. Por fim, um cordel do camarada Marquinhos Freitas carregado de esperança e


compromisso com a Revolução Brasileira:

Dois mil e vinte dois


A gente faz aniversário
Da nossa “independência”
perguntar se faz necessário:
O que nós comemoraremos
Em nosso bicentenário?

Comemorar a continuação
Do domínio colonial
Pois quem gritou no Ipiranga
Era da família real
Diga ao povo que fico
para ficar tudo igual?

Foi uma antecipação


Que a nossa elite deu
Para impedir a revolta
Que depois se sucedeu
Havia tensão e conflito
E o povo se mexeu

Se mexeu e reagiu
Pois quem ficou no poder
Foi somente a classe rica
Que só queria exercer
Os benefícios da independência
Para só ela crescer

Havia pressão externa


Da Inglaterra Capitalista
Com alguma modernização
Contra o sistema escravagista

107
Mas a dependência continua
A outro país imperialista

Não havia portanto


Um projeto de nação
Era um projeto da elite
Contra a população
avanço e retrocesso
Na mesma contradição

O papel que exercia


Na economia mundial
Era de país dependente
e de forma desigual
Superexplorando o povo
de uma maneira brutal

Para garantir os lucros


De nossa elite atrasada
que exploram o povo
pra ficar endinheirada
essa ordem não nos serve
Precisa ser derrubada

Foram muitas as revoltas


e são também nossas lutas
Para garantir que essa nação
melhore suas condutas
Garantido mais direitos
Para quem faz as labutas

Urgente a necessidade
De uma grande construção
De um projeto nosso
Para a reestruturação
Garantido ao nosso Povo
O direito a decisão.

De dizer o que ele quer


Para a vida transformar
Ter um pedaço de chão
Para poder cultivar
Um emprego com direito
Ter casa para morar

108
Ter todo esse país
E sua rica natureza
Os nossos rios e mares
nossa terra, nossos ares
Servindo bem ao povo
e não a classe burguesa

Tem que haver transformação


Lutar se faz necessário
Para o Povo ter Poder
Pra sair desse calvário
Só assim comemoraremos
O nosso Bicentenário!

A Consulta Popular
Já está em mutirão
Para combinar as lutas
da nossa população
Compartilhando o caminho
Rumo a Revolução!

Pátria Livre!!! Venceremos!!!


Setembro de 2021.

109

Você também pode gostar