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A CENTRALIDADE DA QUESTÃO NACIONAL NA EDUCAÇÃO POLÍTICA

DOS COMUNISTAS EM PETRÓPOLIS-RJ: FORMAÇÃO MILITANTE NA


CONJUNTURA DO GOLPE DE 1964

Diego Grossi*

Resumo:
Buscando colaborar com o entendimento sobre os processos de educação política desencadeados
nas organizações populares em escala local, o presente artigo apresenta um estudo sobre os
mecanismos de formação implementados pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) na cidade de
Petrópolis-RJ durante a acirrada conjuntura política que foi palco do golpe de 1964. Apesar de, em
geral, ter sua história reduzida à "Cidade Imperial", Petrópolis possuiu, ao longo do século XX, um
forte (e esquecido) movimento operário dirigido principalmente pelos comunistas, que entre as
diversas atividades se preocuparam em fornecer formação teórica e prática tanto para militantes
quanto para a população em geral, merecendo menção a atuação direta do conhecido revolucionário
Apolônio de Carvalho (veterano da Guerra Civil Espanhola e da Segunda Guerra Mundial) em
cursos ministrados no município nos anos 1960. A partir da análise dos documentos da repressão se
observa que a temática da questão nacional, que possuía central importância para os pecebistas no
período (integrados ao movimento nacionalista), também ocupava papel fundamental na educação
política municipal em Petrópolis ao consolidar uma linha de pensamento e atuação focada no anti-
imperialismo e na defesa de uma revolução nacional-democrática.
Palavras-chave: Educação política. Formação política. Questão nacional. Partido Comunista
Brasileiro (PCB). Petrópolis-RJ.

Abstract:
With the objective of collaborating with the understanding of local political educaction processes,
this article presents a study on the training mechanisms implemented by the Brazilian Communist
Party in the city of Petrópolis during the intense political conjuncture in the 1964 coup d'etat.
Petrópolis, despite having its history reduced to the notion of "Imperial City", has a strong (and
forgotten) labor movement during twentieth century. This was led mainly by the communists, who,
among various activities, were concerned with offering theoretical and practical training for their
militants and for the population. In this process deserves special mention the performance of
Apolonio de Carvalho, a veteran of the Spanish Civil War and the Second World War, who taught
classes in training courses carried out by the Communisty Party in the city at the time addressed. In
the analysis of the judicial documents produced by represion, it was observed that the national
question, which was of central importance to Brazilian communists in the period (which were
integrated with the nationalist movement), was also relevant in municipal political education in
Petrópolis. It had the role of consolidating an action and thought focused on anti-imperialism and
the defense of a national and democratic revolution.
Keywords: Political educacion. Political formation. National question. Brazilian Communist Party.
Petrópolis city.

* Natural de Petrópolis-RJ, é colaborador da Comissão Municipal da Verdade nesta cidade. Mestre em História
(PPGHC-UFRJ) e doutorando em Ciência Política (IESP-UERJ) com bolsa FAPERJ. E-mail:
diegogrossibr@gmail.com
Introdução

O presente trabalho tem como orientação analisar a educação política dos comunistas
brasileiros em escala local durante a conjuntura do golpe de 1964, com atenção especial para a
temática da questão nacional no processo e com foco na cidade de Petrópolis-RJ. A opção por esse
recorte específico se deu por conta de três fatores: a) a tradicional força do (infelizmente
marginalizado na memória, como será visto) movimento operário nessa cidade ao longo do século
XX (RIBEIRO, 2014; MACHADO, 2011); b) o grande acirramento político observado na
conjuntura em questão, trazendo, também, o fortalecimento da esquerda como um todo antes do
golpe, com mais de 430 paralisações deflagradas em todo o Brasil entre 1961 e 1963 comparadas
com 177 greves no triênio anterior, 1958-1960 (TOLEDO, 2004, p. 71). Só no Rio de Janeiro, por
exemplo, ao longo de 1963 foram registradas 50 greves, enquanto apenas nos primeiros 15 dias de
janeiro de 1964 ocorreram 17 (BANDEIRA, 1978, p. 155); c) a inserção desse momento no ápice
dos conflitos em torno da questão nacional durante o período da história brasileira classificado por
Christian Edward Cyril Lynch como "paradigma do nacionalismo periférico" (1930-1970)
(LYNCH, 2013, p. 731).
As fontes históricas analisadas para tal empreitada são compostas principalmente pela
documentação da repressão política organizada no acervo do projeto Brasil: nunca mais (BNM)1 e,
portanto, incorpora-se a preocupação metodológica de que tais fontes precisam ser analisados como
expressão de um discurso surgido e filtrado a partir do aparato de repressão do Estado, interessado
em criminalizar seus opositores (ROSEMBERG e SOUZA, 2009, p. 163). Dessa forma, tais
processos são lidos com cautela enquanto mecanismos de construção de uma versão em disputa
entre segmentos conflituosos (ROSEMBERG e SOUZA, 2009, p. 165). Também se recorre a livros
de memória sobre o período (BOMTEMPO, 2006; QUADROS, 2011), que, por serem escassos,
aparecem de maneira pontual em caráter complementar.
O artigo está dividido em, para além dessa introdução e da conclusão, três partes. Na
primeira, Petrópolis: entre a "Cidade Imperial" e o "Cinturão Vermelho", se contextualiza a
atuação do movimento operário e do Partido Comunista Brasileiro (PCB) na cidade, discorrendo
também sobre as implicâncias desse fator e da pesquisa aqui apresentada para as disputas em torno
da memória deste município inclusive no campo do ensino de História. Segue-se com A formação
dos trabalhadores na base, em que são demonstradas várias iniciativas de formação política
ocorridas em Petrópolis no período abarcado; com a última e principal parte, Forjando anti-
imperialistas por via da educação política, discutindo mais detalhadamente o papel da questão
1 Projeto organizado por lideranças progressistas de várias denominações religiosas ainda no final da Ditadura Militar
(1964-1985), que elencou e registrou, de maneira oculta, milhares de documentos da repressão política.
nacional na linha de educação política pecebista.

Petrópolis: entre a "Cidade Imperial" e o "Cinturão Vermelho"

A cidade de Petrópolis é internacionalmente conhecida por conta da sua história relacionada


ao desenvolvimento do Império Brasileiro (1822-1889), quando, anos após ter suas terras (então
uma fazenda de propriedade do Padre Correia) adquiridas por Dom Pedro I, foi edificada enquanto
cidade por seu filho, Dom Pedro II, e feita local de veraneio da corte durante os anos de reinado. A
consolidação e formalização da imagem do município enquanto "Cidade Imperial" se deu durante
os anos da Ditadura Militar, quando, através do decreto nº 85.849, de 27 de março de 1981, o
presidente-ditador Figueiredo formalizou tal título. Segundo historiadores locais, como Paulo
Henrique Machado (2011) e Norton Ribeiro (2014), esse processo de galvanização da imagem de
Petrópolis como uma "Cidade Imperial" se insere em importantes disputas de memória, na qual as
implicações para a produção historiográfica sobre o município são evidentes ao se eclipsar
relevantes processos históricos que estão para além dessa visão de "Cidade Imperial",
especialmente o período republicano (1889-atualmente), com destaque para o movimento operário -
muito presente devido à industrialização ocorrida na cidade desde o final do século XIX. Além
dessa tendência à restrição temporal, se observa também que a mesma costuma ser feita numa
perspectiva historiográfica conservadora, concentrada na história das "grandes" personalidades aí
envolvidas (como Dom Pedro II e Princesa Isabel).
Paulo Henrique Machado chegou a essas conclusões após analisar, em sua dissertação de
mestrado em História orientada por Anita Leocadia Prestes na UFRJ e publicada no livro "Pão,
Terra e Liberdade na Cidade Imperial" (2011), a atuação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) na
cidade. Machado informa que, na época, Petrópolis possuía o segundo maior núcleo da ANL no
Brasil e foi palco de protestos de solidariedade em várias regiões do país após o assassinato do
operário Leonardo Candu por militantes integralistas numa passeata contra o fascismo ocorrida no
centro de Petrópolis em 9 de junho de 1935 (que também desencadeou uma greve geral de uma
semana em todo o município). Norton Ribeiro reconhece, expõe e se engaja nessa disputa ao propor
para a cidade a denominação de "Cidade Operária" no título do seu livro voltado para o estudo do
movimento dos trabalhadores têxteis em Petrópolis durante os anos 1930-1964 (2014) 2, quando
também observou a vitalidade do movimento operário local. Como lembrou Hobsbawm, “a
memória é menos uma gravação que um mecanismo seletivo, e a seleção, dentro de certos limites, é
constantemente mutável” (HOBSBAWM, 2005, p. 221).
Faz-se mister mencionar que um importante instrumento de reprodução de tal memória

2 "Petrópolis, Cidade Operária: a trajetória do movimento operário na indústria têxtil (1930-1964)"


seletiva no campo da História vem se dando no campo educacional. No referencial curricular do
último governo em Petrópolis se constata que, mesmo com o município possuíndo uma disciplina
específica sobre sua história no conjunto de disciplinas ofertadas nas escolas municipais (História,
Geografia e Turismo de Petrópolis - HGTP), não há qualquer menção aos movimentos populares
durante a República (SED, 2014, pp. 42-49). Se René Rémond estiver certo e os concursos voltados
para o recrutamento de professores forem bons indicadores das tendências intelectuais (RÉMOND,
2003, p. 21), o último processo seletivo para professores de História, realizado pela cidade ainda em
2011, é revelador, já que a maior parte do conteúdo referente à história do município tem como foco
o período imperial. Mesmo entre as exceções nota-se que prevalece ainda a valorização das
"grandes" personalidades (como Santos-Dumont). Não há nada sobre o movimento operário local
(SED, 2011, p. 20).
Todavia, a relevância do movimento popular local jamais pôde ser ignorada pela repressão
política. Conforme notou Felipe Ribeiro, historiador de uma cidade vizinha, Magé-RJ, em 1947,
quando, com as eleições, o PCB se sagrou vitorioso em vários lugares do país, os pecebistas locais,
juntos dos comunistas de Magé, Caxias e outras cidades próximas, foram acusados pelo chefe do
Gabinete Civil da Presidência da República, José Pereira de Lima, de integrarem um suposto
“Cinturão Vermelho” em torno da capital federal (RIBEIRO, 2015, p. 123). Terminologia esta
retomada pelo próprio exército brasileiro poucos meses após o golpe de 1964 para se referir à
organização e ao enraizamento dos comunistas na região (RIBEIRO, 2015, p. 229).
Segundo os processos da própria repressão (BNM 279, fls. 1822; 1843), o "elo" do
"Cinturão Vermelho" em Petrópolis em 1964 seria composto por cerca de uma dezena de bases do
PCB na cidade, algumas em fábricas (como Werner, Cometa, Santa Isabel e Quitandinha), uma
entre os ferroviários da Leopoldina e outras em bairros/distritos (de concentração operária, como
Alto da Serra, Morin e Cascatinha, ou rural, como Saudade do Sertão) (BNM 279, fl. 10603). A
base dos ferroviários se reunia mensalmente e, entre as atividades, em 1963 manteve uma linha
entre Petrópolis e Três Rios contra a vontade da direção da Leopoldina, visando, assim, atender aos
moradores dessa região (muito afastada do centro da cidade) (BNM 303, fl. 1387). Além disso, os
comunistas também desempenharam importante papel na eleição de candidaturas de esquerda em
1962, apoiando e elegendo o vereador José de Araujo Aranha (Partido Socialista Brasileiro – PSB),
liderança sindical local e presidente da Frente de Mobilização Popular (FMP) na cidade, assim
como outra liderança sindical, o médico da Leopoldina, Rubens de Castro Bomtempo, para a vice-
prefeitura, na chapa encabeçada por Flávio Castrioto (PTN – Partido Trabalhista Nacional) (BNM
279, fl. 10603). Sobre a força dos trabalhadores, especialmente os ferroviários, lembrava
Bomtempo em suas memórias:
Do ponto de vista socioeconômico, era uma cidade operária, com fábricas de
tecidos produzindo a todo vapor e empregando milhares de pessoas em bairros
como Alto da Serra, Morin, Bingen e Cascatinha. [...] O Alto da Serra era um
reduto proletário. Nos anos 1950, funcionavam no bairro e no vizinho Morin várias
fábricas têxteis e uma metalúrgica que produzia pregos e parafusos. [...] Pela
manhã, na hora do almoço e no fim da tarde, que eram horas de entrada e de saída
de turno, multidões de trabalhadores iam e vinham pela ponte e ruas adjacentes, em
um burburinho típico do cotidiano operário. Os silvos das fábricas soavam como
verdadeiras melodias que encantavam a todos nós. Os ferroviários despontavam
como liderança entre os trabalhadores não só do Alto da Serra, mas de toda a
cidade (BOMTEMPO, 2006, pp. 58-59; 63-64).

Com o desencadear do golpe, no dia 01 de abril a FMP aderiu à convocação da greve geral
e, com ativa participação dos comunistas, promoveu piquetes nas fábricas. O próprio Rubens de
Castro Bomtempo é acusado de ter conclamado à resistência na sede do sindicato dos ferroviários
em Petrópolis nos primeiros momentos do golpe. Por conta da resistência, José de Araújo Aranha,
assim como seus suplentes comunistas, foram cassados pelo legislativo petropolitano. Várias
arbitrariedades, incluindo mais de centena de detenções e prisões, foram desencadeadas contra a
esquerda local e até 1966 mais de 500 pessoas haviam sido atingidas pela ditadura (GRUPO PRÓ-
CMV, 2015, p. 37). Flávio Castrioto e Rubens de Castro Bomtempo também terminaram cassados
pelo regime militar.
Nota-se, portanto, que a repressão não poupou esforços para desmantelar a organização
popular em Petrópolis ao encontrar uma esquerda ativa e organizada na época do golpe de 1964.
Entre as diversas atividades da esquerda até então, que permitiram esse grau razoável de
engajamento, estão as diversas atividades de formação política organizadas pelo PCB local e outras
entidades populares – grande parte destas inseridas nas lutas nacionalistas e anti-imperialistas
daquele momento.

A formação dos trabalhadores na base

O PCB, como partido de filiação, orgânica e ideológica, marxista-leninista, desde sua


fundação deu especial destaque à luta contra o imperialismo, uma das perspectivas principais da
Terceira Internacional (ou Internacional Comunista) forjada, entre outros, pelos aportes de Lenin
acerca do imperialismo enquanto nova etapa do modo de produção capitalista 3. Assim, a adesão do
partido ao movimento nacionalista se deu principalmente pela via do anti-imperialismo. A questão
nacional era para os pecebistas, conforme será demonstrado, basicamente a questão da luta contra a
dominação imperialista no Brasil. Assim, era constante o esforço de se ressaltar exemplos de
sucesso da luta contra o imperialismo em outras terras como forma de se estimular, pela via da
solidariedade internacionalista, o anti-imperialismo no Brasil.

3 Logo, haveria uma potencial correlação entre as lutas anti-imperialistas e o anticapitalismo.


No campo da formação política, palestras e conferências sobre experiências internacionais
de caráter anti-imperialista eram realizadas em todo o Brasil, incluindo Petrópolis. No início dos
anos 1960, por exemplo, Geraldo da Costa Mattos, um dos principais dirigentes ferroviários do
país, secretário geral da Federação Nacional dos Trabalhadores Ferroviários, proferiu uma
conferência sobre Cuba na cidade como parte de um circuito nacional realizado após viagem
política à nação socialista (BNM 303, fl. 1386). A pauta da defesa do anti-imperialismo e do
socialismo da Revolução Cubana era, aliás, muito presente entre a esquerda em Petrópolis. No
Congresso Continental de Solidariedade à Cuba, realizado em 1963 em Niterói, estiveram presentes
representantes dos sindicatos dos metalúrgicos, dos têxteis e dos aposentados de Petrópolis, entre
eles Alencar Thomas Gonçalves, importante liderança operária local (BNM 279, fl. 6404).
Outros países socialistas eram também pautados. O mineiro Braulio Rodrigues da Silva, que
havia morado em Petrópolis nos anos 1950, proferiu, na década seguinte, uma palestra para os
sindicatos locais intitulada "Os sindicatos nos países socialistas", onde expôs o que havia aprendido
e visto após viagem aos países do Leste Europeu, quando foi acompanhado por operários de várias
partes do Brasil (BNM 279, fl. 14616).
Eventos que, ao que parecem, não possuíam vinculação com atividades de partidos
comunistas também eram presentes, como aqueles relacionadas ao cristianismo de esquerda. Nos
anos 1960 o livro "Cristianismo hoje" fora lançado em atividade realizada pelo Diretório
Acadêmico da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Petrópolis (UCP), contando com
a presença de Herbert de Souza e líderes sindicias (BNM 279, fl. 10797). Nessa época, Padre Alípio
também teria ministrado palestras na cidade (BNM 279, fl. 10797).
Um caso curioso é o do médico Ulysses Motta de Aquino, atingido pela repressão por
ministrar palestras sobre a medicina soviética (uma delas em Petrópolis em 1960). Ao ser acusado
de comunista se defendeu declarando não ter feito parte do Partido Comunista, apesar de ter
visitado a União Soviética por conta de um convite feito por membros da organização que conheceu
no Ministério da Saúde, onde trabalhava. Na União Soviética teria divulgado em seminários e
revistas suas pesquisas sobre doenças dermatológicas, recebendo em troca um curso sobre
micologia (BNM 279, fls. 1756-1758). No retorno ao Brasil quis divulgar sua peculiar experiência.
Outro caso exótico, não confirmado, é a acusação de que, em 1963, o PCB local manteria uma
escola de guerrilhas em funcionamento numa academia de judô em Petrópolis (rua Paulo Barbosa,
centro) (BNM 279, fl. 18355).
Uma acusação menos duvidosa, mas entendida como tão válida quanto a anterior para
justificar a repressão golpista pós-1964, foi um convite da FMP panfletado na cidade em que se
chamava a população para uma conferência sobre as reformas de base - que, segundo Jacob
Gorender, "correspondia a aspirações das massas trabalhadoras, de vastos setores das camadas
médias e do setor nacionalista da burguesia" e, apesar de não ter ganhado forma em "um programa
único aprovado pelas várias correntes [...] havia pontos de consenso reiterados. Falava-se em
reformas econômicas, tributária, administrativa, universitária, urbana". Dentre estas, a "proposta
econômica mais polêmica e rumorosa era a da reforma agrária [...]. Mesmo formulações moderadas
suscitavam a reação agressiva da coalizão latifundiária" (GORENDER, 1987, p. 50). Seria realizada
pela Frente de Mobilização Popular de Petrópolis em conjunto com o movimento sindical no
sindicato dos têxteis em 4 de abril de 1964, às 19 horas (BNM 279, fl. 19442) e um dos indivíduos
escalados como conferencista do evento (não realizado por conta do golpe) era o deputado Afonso
Celo Nogueira Monteiro, descrito caricaturalmente como "comunista habilidoso, doutrinador e
dotado de grande labia demagógica" (BNM 279, fl. 19442).
O mesmo tom caricatural se mostra presente na descrição que a repressão política faz do
papel dessas conferências na educação política e na cooptação de novos militantes pelo PCB:
A técnica usada pelos comunistas a fim de arranjar novos adeptos foi praticamente
a mesma em todas as cidades e locais:
Primeiro procuravam aquele que desejavam tornar comunista e exaltavam suas
qualidades dizendo-lhes: você é muito esperto, muito inteligente (...);
A seguir convidavam para assistir uma conferência sobre qualquer das reformas;
Os convites se sucediam e quando o indivíduo percebia estava completamente
envolvido" (BNM 303, fl. 1386).

. Saturnino da Silva, em seu depoimento, alega, porém, um processo mais simples e diz que:
para sua admissão no Partido Comunista não fez o depoente nenhum juramento
nem prestou qualquer compromisso, tendo lido os estatutos do Partido, leitura
efetuada na própria sede do Partido; que pode verificar, nas reuniões iniciais a que
compareceu, que nos elementos que tinham ingresso efetivo no Partido eram feitos
testes sobre assuntos de socialismo, capitalismo e comunismo; que também era
recomendada a leitura de "Novos Rumos", a fim de que pudessem ser realmente
doutrinados (BNM 279, fls. 10725-10726).

Saturnino pode ter sido um dos comunistas petropolitanos a ter tido aulas com Apolônio de
Carvalho, já que as fontes policiais acusam o histórico revolucionário, veterano das Brigadas
Internacionais organizadas pela Terceira Internacional na Guerra Civil Espanhola e da resistência
francesa na Segunda Guerra Mundial, de ter ministrado alguns cursos de formação pelo Brasil, com
pelo menos três ocasiões em Petrópolis. O dirigente pecebista, antes responsável pela fundação da
União da Juventude Comunista e então responsável pelo setor "militar" do partido, assim como a
missão de "nacionalizar" o marxismo no campo teórico, esteve, no meio tempo entre uma atividade
e outra, por anos em países socialistas, realizando na União Soviética um curso de quatro anos sobre
Economia Política e outro, que interessa mais ao tema aqui abordado, de Educação Política que
durou dois anos (BNM 279, fl. 11948). Um dos seus supostos episódios em Petrópolis melhor
descritos é a realização do curso básico do PCB ("O Partido Comunista, sua política e organização")
entre 10 de maio de 1961 até 16 de agosto do mesmo ano. Na sede do partido, presente na sala 108
do Edifício Santa Inês, localizado no centro da cidade, Apolônio teria divido com dois dirigentes
locais, Alcebíadres de Araujo Romão e Bolívar Miranda, a responsabilidade por esse curso, que foi
composto por sete aulas e três conferências (BNM 279, fl. 10599). As cinco primeiras aulas
dialogam de forma direta e declarada com a questão nacional por via da já citada correlação entre
esta e o anti-imperialismo: as duas primeiras aparecem voltadas para a compreensão da realidade
nacional, em nível estrutural e conjuntural; a terceira traz a relevância do anti-imperialismo na
conjuntura global de então e permite com que as duas seguintes galvanizem as anteriores na
constatação de que o imperialismo estaadunidense e seus aliados internos (especialmente os
latifundiários) seriam o principal bloco adversário da revolução brasileira, que, por isso, deveria
unir amplos setores numa frente única nacionalista e democrática em prol da revolução anti-
imperialista e antifeudal. Já as duas últimas encerrariam o curso falando especificamente sobre a
história e o funcionamento do PCB. Além desse curso, Apolônio teria ministrado outros no mesmo
local em 1962 e 1964 (BNM 279, fl. 27183).

Forjando anti-imperialistas por via da educação política

Antes de se aprofundar no material possivelmente usado pelo PCB no seu curso básico e
apontar o caráter central da questão nacional no mesmo, vale voltar à trajetória da atuação
comunista na cidade para se perceber como o anti-imperialismo já fazia parte, há tempos, do
cotidiano de formação da militância petropolitana. Os dois dirigentes citados como parceiros de
Apolônio de Carvalho nos cursos, o médico Alcebíades de Araujo Romão e o engenheiro Bolívar
Miranda, possuíam histórico nesse campo, assim como outros pecebistas locais.
Alcebíades, "a pessoa mais influente do Partido Comunista na cidade" (BNM 279, fl.
13971), fora acusado pela polícia de ter participado da Campanha de Defesa do Petróleo (com
atuação, inclusive, no Congresso Fluminense e na Primeira Convenção Nacional em Defesa do
Petróleo), estado em eventos contra o acordo militar Brasil-Estados Unidos e na Convenção
Municipal pela Emancipação Nacional - tendo ajudado a organizar em Petrópolis no final dos anos
1950 entidades como a Liga de Emancipação Nacional, o Movimento Brasileiro dos Partidários da
Paz, a Comissão de Defesa dos Minérios e outras (BNM 279, fls. 13972-13973). Em 1955 teria,
inclusive, percorrido casas de industriais petropolitanos buscando arrecadação financieira para a
Campanha do Petróleo (BNM 279, fl. 17018).
Os outros dois principais dirigentes do PCB petropolitano na época analisada, o também
médico Nelson Correa de Oliveira e o agricultor Fabrício Alves de Quadros, compartilhavam o
"currículo" de Alcebíades Romão.
Nelson Correa de Oliveira era arrolado pela repressão como "chefe dos comunistas em
Petrópolis" desde 1948 (BNM 279, fl. 17017) e chegou a exercer a função de Secretário de
Educação e Propaganda do PCB na cidade tendo como tarefa "divulgar o material de propaganda
em geral, como sejam livros, panfletos, prospectos e jornais" (BNM 279, fl. 17017). Em 1949
distribuiu nas fábricas boletins anti-imperialistas referentes ao Congresso Mundial da Paz. No ano
seguinte assinou panfletos atacando o governo e os embaixadores estadunidenses. Já em 12 de abril
de 1951 é acusado de ser dono de um caderno perdido ao tentar pixar uma estação de trem em que
se dizia "A baixo (sic) a conferência dos chanceleres" e "A baixo (sic) o imperialismo" "Pela paz
abaixo a guerra" (BNM 279, fl. 17018). Fabrício Quadros, chamado de "mito do comunismo em
Petrópolis" (QUADROS, 2011), veterano de 1935 e um dos principais acusados por ter reagido à
convocação da greve geral contra o golpe dirigindo piquetes e greves 4, participou de conferências
referentes à campanha do Petróleo é nosso e apoiou a candidatura nacionalista do general Henrique
Teixeira Lott chegando a fornecer até um caminhão para transportar pessoas a comícios (BNM 279,
fl. 5070).
Já Bolívar Miranda tem histórico mais curto. É acusado de ser mentor ideológico de
estudantes supostamente comunistas da Universidade Católica de Petrópolis, se reunindo com eles
em bares no centro para "doutriná-los"5. Porém, o anti-imperialismo dessa acusada "doutrinação"
incomodou a repressão: "Vive atacando os Estados Unidos e os 'gorilas' - como ele chama os
oficiais democratas do Exército, Marinha e Aeronática" (BNM 279, fl. 10797). Fora isso, chamou a
atenção da repressão mesmo por conta das aulas proferidas no curso de formação do PCB.
Tal curso, por conta da descrição do seu conteúdo, parece ter sido aplicado de forma
universal pelo PCB em todo o Brasil e acompanha a orientação de um material semelhante a uma
apostila, de 72 páginas, utilizado nacionalmente sendo disponibilizado no jornal "Novos Rumos" (e
presente na pasta 279 do acervo BNM). Com base no mesmo, também intitulado "Curso básico. O
Partido Comunista, sua política e sua organização", se nota o caráter didático e introdutório do
curso, pois é frequente que nas suas passagens de conteúdo mais específico apareçam sugestões
para o professor responsável pela aula citar exemplos para ilustrar a questão abordada, assim como
em quase todos os capítulos (um capítulo para cada aula) se encerra com uma revisão formada por
um bloco de 10 perguntas sobre os elementos básicos e principais da respectiva aula.
O material demonstra que as aulas partiam da explicitação da realidade brasileira para
combiná-la com a conjuntura mundial e assim justificar a centralidade da luta nacionalista e anti-
imperialista naquela fase da história do Brasil, terminando por concluir sobre a necessidade do
Partido Comunista Brasileiro para a materialização dessa luta por meio de uma revolução nacional-

4 Foi um dos acusados de dirigir a mencionada suposta escola de guerrilhas numa academia de judô em Petrópolis,
acrescentando no seu caso um, assim entendido pela repressão, campo de treinamento de tiro em Três Rios (BNM
279, fl. 15185).
5 A acusação na cidade foi, ao que parece, frequente: "Também vários professores comunistas do Ginásio Estadual
continuam pregando comunismo, sem terem sido incomodados pela política" (BNM 279, fl. 10798).
democrática.
A aula 01 parte de um princípio: "para alcançar o socialismo, a classe operária brasileira
deve partir da situação atual de nosso páis, deve afastar primeiramente os obstáculos que entravam
o seu desenvolvimento" (p. 6). Nessa leitura, a primeira contradição que saltaria aos olhos seria o
fato de o Brasil possuir muitas riquezas naturais, como minérios e petróleo, enquanto, mesmo
assim, a massa da população viveria na pobreza. A explicação encontrada aponta para a
culpabilização da exploração do país por parte das potências imperialistas, que saqueariam nossas
riquezas. "Quais as causas desse contraste entre um país rico e um povo pobre? A primeira causa é a
exploração do Brasil pelo imperialismo, pelas potências imperialistas" (p. 7). Recorrendo à História,
se explica essa condição por conta do atraso na evolução histórica do país, que teria facilitado a
entrada do capital imperialista no Brasil e o domínio da sua economia pelos monopólios
estrangeiros (p. 7). O imperialismo exploraria o Brasil através (a) do comércio exterior, vendendo
caro seus produtos industriais e comprando barato gêneros alimentícios e matérias-primas; (b)
através de empréstimos, quando "os Estados Unidos fazem com o Brasil o que o agiota faz com o
trabalhador"; e (c) por via das inversões de capital com os lucros sendo remetidos para capitalistas
estrangeiros. Dessa forma, "a exploração imperialista pesa sobre toda a nação. Entrava o progresso
do país e agrava a situação de pobreza do povo. Prejudica numerosos capitalistas nacionais, que não
podem expandir seus negócios" (p. 9). A única conclusão restante, então, seria a de que "para que o
desenvolvimento econômico siga um caminho independente e progressista, deve dirigir-se no
sentido da liquidação do domínio imperialista e do monopólio da terra" (p. 11).
Na segunda aula se aprofunda o entendimento sobre a realidade nacional para conseguir
identificar quais seriam os agentes inseridos nessa disputa. A base de todo o capítulo é uma
tradicional análise marxista das classes sociais no país, em que, na época, se aponta: de um lado os
latifundiários, com interesses alinhados à exploração estrangeira do imperialismo por conta da sua
propensão a produzir gêneros primários para a exportação ("são fortes os seus laços com o
imperialismo") (p. 13) e a burguesia multinacional-associada (identificados no material do PCB
não com esses termos, mas como "capitalistas que têm seus interesses entrelaçados com os dos
monopólios imperialistas na indústria, nos bancos e no comércio de exportação e importação") (p.
13); de outro, na luta contra a dominação imperialista, a classe operária, os camponeses, a pequena
burguesia urbana e a burguesia nacional, composta pela parte majoritária da burguesia brasileira que
teria no poder estrangeiro um obstáculo à expansão dos seus negócios (p. 14).
Assim, a principal linha argumentativa de correlacionar a questão nacional ao anti-
imperialismo, que vai se desenvolver nas aulas seguintes, já fica estabelecida nas duas primeiras
aulas do curso básico de formação dos comunistas. A conclusão é a de que o principal inimigo do
progresso brasileiro seria o imperialismo estadunidense e seus agentes internos, pois através da
dependência estrangeira estes impedem a emancipação e o progresso da economia nacional e, com a
intervenção política no governo, cria obstáculos para os avanços na democracia e na política externa
de maneira independente (p. 34). O Brasil necessitaria, então, de uma revolução anti-imperialista e
antifeudal para conquistar uma verdadeira liberdade e melhores condições de vida para o povo (p.
31). Todavia, naquela conjuntura, "não se trata ainda de uma revolução socialista, porque não há
condições para realizar imediatamente transformações socialistas em nosso país" (p. 32). Eixo
importante de toda a lógica exposta é a defesa do caráter não-socialista da revolução a ser
desencadeada de imediato no Brasil, já que a combinação entre atraso econômico (com baixo
desenvolvimento das forças produtivas) e a supremacia das forças imperialistas na perpetuação
desse atraso apontariam para a possibilidade da formação de uma ampla aliança de classes nacionais
para serem capazes de, ao mesmo tempo, somar esforços para derrocar o imperialismo e o
latifúndio e promover um desenvolvimento alternativo (p. 32). "Como a dominação imperialista
afeta os interesses de amplas camadas e fere os sentimentos nacionais de todos os patriotas, é contra
ela que se podem unir as maiores forças sociais e políticas" (p. 35).
Por conta do poder do imperialismo e do latifúndio junto ao Estado brasileiro seria
necessário realizar uma revolução de fato, com a tomada do poder pelas forças nacionalistas (p. 32),
a classe operária, os camponeses, a pequena burguesia e a burguesia ligada aos interesses nacionais;
com a primeira devendo ser a dirigente por ser a mais consequente (p. 34). As tarefas dessa
revolução seriam: a) libertar o Brasil da dependência econômica e política em relação ao
imperialismo (por exemplo, nacionalizando empresas estadunidenses como a Light e a Bond and
Share); b) realizar a reforma agrária; c) desenvolver a economica nacional de forma independente;
d) elevar o nível material e cultural do povo; e e) garantir e ampliar as liberdades democráticas (p.
33).
As forças interessadas em tais transformações deveriam se unir numa frente única
nacionalista e democrática (p. 36), que poderia assumir várias formas, não necessariamente uma
instituição única. Possuiria, aliás, a principal manifestação de então no próprio difuso movimento
nacionalista que, agrupando vários setores, estava presente na luta por causas como a defesa do
petróleo e das riquezas nacionais, o controle e a regulamentação do capital estrangeiro no país, a
ampliação do intercâmbio com os países socialistas, a proteção à indústria nacional e a mudança na
política e na composição do governo (p. 37).
Um governo nacionalista e democrático poderia ser conquistado através de diversas formas
(desde a pressão sobre João Goulart para a mudança na composição de sua equipe - tida, num
primeiro momento, como conciliadora e alvo de oposição do PCB -, passando pela eleição de outros
candidatos, até mesmo uma possível reação violenta a tentativas golpistas da direita), sendo
caracterizado como "aquele capaz de realizar medidas dirigidas contra a dominação imperialista e
em benefício do povo, embora se trata ainda de medidas parciais" (p. 48). Portanto, a revolução
nacional-democrática poderia se dar de forma pacífica, mas em caso de reação violenta a luta
armada poderia vir como resposta (p. 52). Nesse sentido, aliás, a reação do imperialismo
estadunidense e seus agentes internos ante um governo nacionalista e democrático forçaria a
radicalização rumo às transformações revolucionárias (p. 50) e, em tal processo, a direção da frente
nacionalista pelo proletariado, seu setor tido como o mais interessado na radicalização do processo
por conta das necessidades de sobrevivência, seria condição para assegurar uma transição ao
socialismo após completadas as tarefas nacionalistas e democráticas (p. 51).
A conjuntura mundial apresentaria também condições favoráveis para uma revolução
nacionalista no Brasil, já que as forças progressistas estariam ganhando cada vez mais espaço e
acirravam as lutas entre capitalismo versus socialismo e da libertação nacional contra o
imperialismo e o colonialismo (p. 21). O material dedicado à terceira aula do curso básico é
explícito em seu otimismo:
O sistema colonial do imperialismo desagrega-se. Nos quinze anos do pós-guerra
surgiram na Ásia e na África cerca de 40 novos Estados soberanos. Mais de um
bilhão de seres humanos libertaram-se da dependência política em face das
potências imperialistas. A humanidade entrou em um novo período histórico de sua
vida (p. 23).

Assim, todas as forças revolucionárias estavam se unindo numa só direção contra o


imperialismo: os povos socialistas, os trabalhadores revolucionários dos países capitalistas, o
movimento democrático e as lutas de libertação nacional (p. 24). Na própria América Latina, a
Revolução Cubana, alvo do mencionado interesse, era considerado o primeiro exemplo na história
de derrota do imperialismo estadunidense na região (p. 24).
Já nas últimas aulas, voltadas ao assunto do Partido Comunista Brasileiro em si, a
preocupação quanto à questão nacional assume caráter defensivo: buscam responder aos que
acusavam o comunismo de ser um produto exótico e estranho à realidade brasileira – uma linha
frequente do anticomunismo no país, conforme notou Rodrigo Patto Sá Motta (MOTTA, 2002, p.
18). Para o PCB, "os inimigos do comunismo repisam constantemente a calúnia de que o Partido
Comunista é uma criação artificial de um punhado de agitadores, dos 'agentes de Moscou' [...],
estranha ao povo brasileiro e aos seus interesses" (p. 55). Todavia, a prova cabal de que o partido
não seria mero produto oriundo da interferência estrangeira estaria na vitalidade e na força do PCB
ante as inúmeras tentativas de repressão, pois, de acordo com os comunistas, só sendo muito
enraizado no povo brasileiro para enfrentar e sobreviver a tais condições adversas (p. 55). Se faz
questão de apontar também o histórico de atuação da entidade na defesa da classe trabalhadora e da
libertação nacional, como, por exemplo, a "insurreição nacional-libertadora de 1935; a luta ilegal
durante o Estado Novo; a atuação patriótica na guerra contra o nazi-fascismo; as campanhas pela
paz, em defesa do petróleo, contra o envio de tropas para a Coreia, etc..." (p. 57).
Dessa forma, se nota como a questão nacional cumpriu papel na politização da militância
comunista através do curso básico do PCB ao combinar o entendimento do que seria a realidade
brasileira com as condições dadas pela conjuntura mundial na direção de defender e justificar a
inserção da militância no amplo campo nacionalista composto pelo partido até 1964 por entenderem
que seria este capaz de desencadear a sonhada revolução brasileira - naquele momento voltada
primordialmente para a luta contra o imperialismo estadunidense e os elementos tidos como seus
aliados internos, especialmente a classe dos latifundiários. A simbiose entre a questão nacional e o
anti-imperialismo presente em toda essa lógica encontrava condições favoráveis de recepção ante a
tradição da militância pecebista, inclusive em Petrópolis, marcada por décadas de atuação em prol
de bandeiras como a defesa do petróleo e os protestos contra a intervenção estadunidense nos
assuntos internos brasileiros.

Conclusão

Na conjuntura do golpe de 1964, a cidade de Petrópolis, seguindo sua tradição de "Cidade


Operária" (que constrasta fortemente a memória socialmente construída da mesma enquanto apenas
"Cidade Imperial") foi palco de um ativo e organizado movimento operário, com destaque para os
comunistas do PCB. A esquerda local realizou várias atividades de educação política, como
conferências, palestras e cursos. Em grande parte delas se percebe a importância da questão
nacional à época, que, apesar de geralmente reduzida à questão do anti-imperialismo, ganha
destaque. No caso do PCB, a formação de uma militância capaz de, ao mesmo tempo, ser fiel ao
partido e à sua linha teórico-ideológica marxista-leninista era elemento indispensável para a
inserção do partido no campo nacionalista de então; assim, o anti-imperialismo aparece como
mecanismo galvanizador da tradição comunista com as demandas nacionalistas ao se colocar no
horizonte imediato a formação de uma ampla frente nacionalista entre a classe trabalhadora da
cidade, os camponeses, a pequena burguesia urbana e burguesia nacional para se desencadear uma
revolução nacional-democrática contra o imperialismo e seus aliados internos, condição para uma
futura passagem ao socialismo.

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