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PONTA GROSSA
2005
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KELEN DOS SANTOS JUNGES
PONTA GROSSA
2005
Ficha catalográfica elaborada na UEPG/BICEN
CDD :370.71
Dedico este trabalho como símbolo de
todo meu afeto e carinho
A Deus pela minha existência, pela proteção e por guiar-me nos caminhos
da minha história de vida.
À Professora Doutora Priscila Larocca, exemplo de dignidade, dedicação, amizade e
sabedoria. Minha sincera gratidão por sua orientação segura e pela presença marcante em
Aos Professores Doutores Luis Fernando Cerri, Sérgio Antonio da Silva Leite e
Aos professores sujeitos de minha pesquisa, por sua especial e essencial participação
neste trabalho. Obrigada por compartilharem comigo as histórias de suas preciosas vidas.
Nez e Francisca Júlia Camargo Dresch, por todos os momentos que passamos juntas, por
dividirmos as mesmas angústias e expectativas, por tornarem essa jornada mais interessante e
animada. Saudades.
concretização do mestrado.
A todos que, de uma forma ou de outra, contribuíram para realização deste trabalho,
muito obrigada.
...Que eu desejo amar
Todos que eu cruzar
Pelo meu caminho.
Como sou feliz!
Eu quero ver feliz
Quem andar comigo,
Vem!...
Este trabalho tem como objetivos principais identificar, descrever e analisar o processo de
constituição e autonomia profissional docente. Parte-se da análise das funções da escola na
sociedade, compreendendo que as concepções de formação de professores assumiram estas
mesmas funções no decorrer da história da educação brasileira. A abordagem histórico-
cultural, fundamentada em Vigotski, ajuda a explicar o processo de constituição e autonomia
profissional docente, numa perspectiva dinâmica e contínua de internalização do social para o
individual. Adota-se a história oral de vida como recurso metodológico para se cumprir os
objetivos propostos, utilizando-se de um roteiro semi-estruturado, para entrevistar quatro
professores da educação básica dos municípios de Porto União/SC e de União da Vitória/PR,
selecionados a partir de critérios previamente estabelecidos. As histórias orais de vida dos
Sujeitos são analisadas a partir de três grandes eixos: percurso pessoal, percurso formativo e
percurso profissional, dos quais emergiram elementos da constituição e autonomia
profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem respeito a experiências da
infância, juventude e constituição da família, destacando-se a internalização de valores e
normas de comportamento relativos à obediência como aspecto comum entre os Sujeitos. O
percurso formativo trouxe elementos da escolarização básica, formação acadêmica e extra-
acadêmica. No que concerne à escolarização básica, destacam-se os seguintes elementos: as
dificuldades enfrentadas para estudar; a internalização de normas aprendidas no ambiente
familiar; os modelos de professores; a relação entre escolha profissional e questões de gênero
e os estágios curriculares. Na formação acadêmica destacam-se as motivações presentes na
escolha do curso de Ensino Superior e as contribuições dessa formação para o exercício
profissional docente. Os elementos que se destacam na formação extra-acadêmica são o
ambiente de trabalho do professor; as exigências dos cargos e funções ocupadas nas
instituições nas quais os professores trabalharam ou trabalham e a dedicação à pesquisa. O
percurso profissional revela elementos do início e desenvolvimento da carreira docente; do
cotidiano profissional e das realizações e obstáculos do percurso profissional. O início e
desenvolvimento da carreira aponta os seguintes elementos: as formas de ingresso na carreira;
as primeiras experiências no magistério; as oportunidades de carreira na educação além da
docência; a participação em entidades de classe e a política educacional vivenciada pelos
Sujeitos. O cotidiano profissional denota elementos como os contextos colaborativos entre os
docentes; a concepção de coletivo e a influência de cotidianos não-escolares. Com relação às
realizações e aos obstáculos do percurso profissional, destacam-se o convívio com os alunos
como elemento de realização e, o relacionamento com colegas de trabalho, as más condições
de trabalho e a organização escolar, como obstáculos da carreira docente. Como resultado
final, considerou-se que o processo de constituição profissional do professor e de sua
autonomia se dá durante toda a sua trajetória de vida, a partir das relações sociais que
estabelece e da maneira como as internaliza. É um processo histórico-cultural.
This paper aims at identifying, describing, and analyzing the process of teaching constitution
and professional autonomy. The starting point is the analysis of the functions of the school in
society, understanding that the conceptions of teacher development have been taking on these
functions in the history of Brazilian education. The historical–cultural approach, founded on
Vigotski, helps to explain the process of teaching constitution and professional autonomy in a
dynamic and continuous perspective of internalization from the social to the individual. The
life history told orally is adopted as a methodological resource to fulfill the aims of this study,
by means of a semi-structured outline to interview four elementary school teachers from Porto
União-SC e União da Vitória-PR, selected according to the criteria previously set. The oral
life histories of the individuals are analyzed starting from three great axes: personal
development, formative development, and professional development, in which elements from
teaching constitution and professional autonomy emerged. In the personal development such
elements are concerned with experiences from childhood, youth, and family constitution, with
emphasis on the internalization of values and behavior patterns related to obedience as a
common aspect between the individuals. The formative development brought elements from
elementary school, college, and from outside college. As far as elementary school is
concerned, the following elements are prominent: the difficulties faced in order to study; the
internalization of norms learned at home; the models provided by the teachers; the relation
between professional choice and the matter of gender and curricular stages. In the academic
formation the focus is on the motivation present in the choice of a course and the
contributions of this formation for working as a teacher. The elements that were prominent in
the extra academic formation are the teaching environment, the demands of the positions and
functions in the institutions where teachers worked or still work and the dedication to
research. The professional development reveals elements from the beginning and from the
development of the teaching career, from the professional routine and realizations and
obstacles on the professional development. The beginning and the development of the career
point out the following elements: the ways in which one starts his career; the first teaching
experiences; the career opportunities in education, besides teaching; the participation in class
institutions and the educational policy experienced by the individuals. The professional
routine denotes elements such as collaborative contexts between teachers, the conception of
collective and the influence of non-scholar routines. As far as realizations and obstacles of the
professional development are concerned, the sociability with the students as an element of
realization stands out, and the relationship with colleagues, the bad working conditions and
the school organization stand out as obstacles in the teaching career. As a final result, the
process of professional constitution of the teacher as well as the process of constitution of his
autonomy is considered to take place in the course of his life, from the social relations that he
establishes and from the way he internalizes them. It is a historical-cultural process.
Key words: professional teaching constitution; teaching autonomy; course of life; teacher
formation.
INTRODUÇÃO
relacionada a sua história de vida, ou seja, às relações sociais que estabelece, às oportunidades
sociocultural, suas crenças, sua formação, sua escolarização, no sentido de captar elementos
que permitam compreender melhor como esse profissional se constitui e conquista uma
Essa intenção tem como pano de fundo algumas indagações: Como se dá o processo
elementos e modos por meio dos quais engendram um processo real de constituição autônoma
dos professores.
Optou-se, neste trabalho, por utilizar a história oral como caminho metodológico
registrando-se as histórias de vida de quatro professores, dois homens e duas mulheres, que
Vitória/PR.
relacionadas às funções que a escola foi assumindo ao longo do tempo na sociedade, tecendo-
se uma perspectiva histórica da educação brasileira. Este capítulo pretende demonstrar que a
formação de professores esteve e está em consonância com as funções que a escola assume na
autonomia nesse processo, expondo as principais teorias divulgadas a esse respeito, definindo
socioculturais, entendendo a autonomia como uma emancipação pessoal, como uma tomada
metodológica da pesquisa. Nesse capítulo estão descritos os caminhos seguidos, tais como os
critérios de seleção dos sujeitos, o modo como as histórias de vida foram construídas e os
relações próprias de cada um, certamente aquelas que julgam mais significativas em sua
trajetória ou que sejam úteis para alguém. As histórias são analisadas e confrontadas com os
referenciais teóricos, abordando três eixos definidos como centrais neste trabalho, para
Sujeitos.
professor; as exigências dos cargos e funções ocupadas nas instituições, nas quais os
docente.
análise das histórias orais de vida, considerou-se como resultado final que o processo de
influenciada pelo contexto sociocultural, pelas relações sociais que estabelecem e pela
É importante destacar que este trabalho representa uma das perspectivas possíveis
para a análise do processo de constituição profissional docente e sua autonomia. Nele são
evidentemente singulares. Por isso, não se tem a pretensão de tecer generalizações, nem de
esgotar o tema. Sabe-se que as histórias dos professores não são estatisticamente
representativas, mas considera-se que são significativas, isto é, são vidas que representam
social. São diferentes histórias, diferentes experiências, diferentes modos de ser e agir, que
revelam alguns elementos e promovem reflexões sobre o processo de constituição do
relação educação – sociedade, a partir de funções que são esperadas da escola, em diferentes
De acordo com Aranha (1996) e Cambi (1999), a escola, como se conhece hoje, é
XIX. Pode-se citar algumas dessas transformações: a laicização dos indivíduos e das classes
sociedade reconheceu a necessidade de manter uma instituição para transmitir saberes que
pessoais e a partir daí, reestruturou e atualizou a organização escolar, a fim de torná-la funcional
para o desenvolvimento da nova sociedade industrial. É nesse contexto que ao longo da história, a
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escola, como instituição social, foi assumindo diversas funções, sempre de acordo com a
É nesse sentido que este capítulo procura demonstrar que as principais concepções de
formação docente estiveram e estão em consonância com as funções que a escola assumiu no
decorrer da história da educação brasileira. Apesar de não pretender aprofundar análises dos
contexto brasileiro.
1549, ano em que o primeiro governador geral, Tomé de Souza, chega ao Brasil acompanhado
por diversos jesuítas chefiados pelo Padre Manuel da Nóbrega. Com a intenção de aumentar o
promoveram uma ação maciça de catequese dos índios e educação dos filhos dos colonos. A
função da escola, nesse período, foi a de domesticar os índios, ensiná-los a ler e a escrever a
língua dos colonizadores, formar novos sacerdotes e compor a elite intelectual da colônia, além
de controlar a fé e a moral dos habitantes da nova terra. (ARANHA, 1996; LIMA, [19--];
WEREBE, 1994).
Conforme Lima ([19--]), a missão religiosa dos jesuítas acabou por substituir um órgão
governamental de promoção da educação, de modo que o que se fez foi subvencionar o setor
privado, em vez de fortalecer o Poder Público para assumir a responsabilidade pela educação do
povo. O tipo de sistema escolar implantado pelos jesuítas não serviu à educação popular,
desviando-se para atender os filhos dos donatários, sesmeiros e burocratas, a fim de prepará-los
para exercer a hegemonia cultural e política. Tal dualidade na educação é um problema que
A Ratium Studiorum, resultante da orientação dos jesuítas para a formação dos docentes
das escolas por eles implantadas, foi a primeira diretriz para a atuação dos professores que se tem
registro no Brasil. Era composta por diversas regras e orientações que deveriam ser seguidas
1
Ratium Studiorum, promulgada em 1599, representava a pedagogia jesuítica. Era o plano de estudos, de métodos e
a base filosófica dos jesuítas. Baseava-se na cultura e ideologia ocidental.
17
Através dos elementos de seu conteúdo, percebe-se que a Ratium Studiorum constituiu-se
um instrumental, pelo qual os jesuítas davam conta de cumprir com a função social
domesticadora que a colônia delegava à escola: catequizar os índios e controlar a fé e a moral dos
Após a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, em 1759, a educação passou a
(WEREBE, 1994). Mas Passos (1995) enfatiza que, à medida que eram criadas, as primeiras
escolas normais brasileiras fechavam devido ao pequeno número de alunos e à falta de condições
princípio de que educação é direito de todos e dever do Estado. Esse princípio decorria do
interesse da burguesia que se consolidava no poder e que pretendia construir uma sociedade
suficientemente esclarecida. Emergiu daí, a escola como instrumento principal para “converter os
súditos em cidadãos”.
processo educativo. Os professores aprendiam, em seus cursos de formação, que os alunos apenas
responsabilidade dos Estados e, como salienta Werebe (1994, p. 42) “seu status continua mal
definido: não é uma escola secundária, nem tampouco uma escola profissional, mas uma escola
mundo. Percebia-se que a escola não cumpria o papel de universalizar o ensino e promover a
equalização social. Concluiu-se, então, que o motivo estava associado ao tipo de escola baseado
na pedagogia tradicional. Originou-se daí, uma outra proposta de escola, fundada numa nova
Saviani (2000, p. 9) afirma que o ideário da Escola Nova partiu dos princípios da
professor para o aluno; do esforço para o interesse; da quantidade para a qualidade [...]”. Essa
2
Constituição Federal do Brasil de 1891.
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aprendizagem, entendido como ser ativo e curioso. Mais importante era ensiná-lo a aprender a
aprendizagem, de acordo com as características de cada aluno, para que ele pudesse buscar, por
A tendência escolanovista teve seu apogeu no Brasil na década de 30, por meio de um
grupo de educadores liderados por Fernando de Azevedo, entre eles Anísio Teixeira e Lourenço
Em 1932, foi apresentado no Rio de Janeiro e em São Paulo, sob a luz da Escola Nova, o
Manifesto dos Pioneiros, redigido por Fernando de Azevedo e assinado por mais vinte e cinco
educadores brasileiros. Esse documento teve grande relevância para a história educacional
pública nacional, que sofria da “falta de continuidade e articulação do ensino, em seus diversos
graus, como se não fossem etapas de um mesmo processo”. (AZEVEDO,1958, p. 71). Como
proposta, o Manifesto abordava a necessidade de uma política educacional para o país, bem como
de a educação nacional caracterizar-se como pública, única, laica, gratuita e obrigatória. Sugeria-
se:
uma preparação geral nos estabelecimentos de ensino secundários, no entanto, deveriam ter sua
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Nova não conseguiu operar significativas mudanças no sistema educacional e nem amenizou as
conhecimentos, acentuou a diferença entre educação popular e educação da elite dominante. Para
professores, a preocupação com os métodos pedagógicos, o que levou à busca pela eficiência
No Brasil, o tipo de escola proposto pela pedagogia tecnicista foi assumido no final da
década de 1960, após o golpe militar de 1964, já que correspondia à orientação econômica,
militar fez diversos acordos, que só se tornaram públicos em 1966. Foram os acordos MEC-
3
Foi mantida a ortografia original da obra.
21
para a execução da reforma da educação brasileira. Nesses acordos, o Brasil atrelava seu sistema
educacional ao modelo econômico imposto pela política norte-americana para a América Latina,
pedagogia nova. À escola interessa, nesse novo momento, educar um indivíduo para que seja
possibilidades de debates ou questionamentos críticos. Sob essa perspectiva foi promulgada a Lei
de Diretrizes e Bases (LDB) 5692/71, que transformou o antigo Curso Normal em habilitação
para o Magistério, que passou a fazer parte do conjunto de cursos profissionalizantes de 2º grau.
trabalho fabril também eram perseguidos no processo educativo. Daí ocorreu que os cursos de
capacitação ou reciclagem. Marin (1995) ao realizar uma análise desses termos, mostra que o
para que adquirissem habilidades e destrezas para realizar a prática educativa. A idéia de
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idéias, processos e atitudes como verdades a serem simplesmente aceitas pelos professores.
Esse modelo de formação foi denominado por Schön4 (1983) racionalidade técnica,
como hoje ainda é reconhecido. Para Pérez Gómez (1995, p. 96), a racionalidade técnica é “uma
século XX, servindo de referência para a educação e socialização dos profissionais em geral e dos
imediatos. Há nessa concepção, portanto, uma forte separação entre teoria e prática.
um campo de aplicação da teoria, ou seja, “a prática converte-se num processo de treino para
conhecimento profissional.” (PÉREZ GÓMEZ, 1995, p. 109). Por isso, os estágios nas matrizes
4
Este autor, em sua primeira obra a respeito do assunto (1983), não se refere propriamente a racionalidade técnica ou
à reflexão que será tratada mais adiante, no exercício docente, mas aos profissionais em geral. Porém, tal foi a
pertinência de sua teoria para a formação de professores, que Schön (1995, 1998) escreveu e participou da
publicação de outras obras específicas sobre a prática docente.
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técnica, fazendo ver que como concepção de formação de professores, é reveladora de “sua
incapacidade para resolver e tratar tudo o que é imprevisível, tudo o que não pode ser
medida que advogam que a sociedade não precisa ser alterada, que o papel da educação não é o
influenciada por novas tendências que emergiram no final da Ditadura Militar, mais precisamente
durante a lenta abertura política que se deu no país. Nesse processo, surgiram críticas mais
explicar a estrutura e a organização da escola como está instituída, determinada socialmente pela
Aparelho Ideológico do Estado, desenvolvida por Althusser; a Teoria da Escola como Violência
Simbólica, elaborada por Bourdieu e Passeron e a Teoria da Escola Dualista elaborada por
Se a escola, como foi explicitado no início deste capítulo, foi criada pela sociedade, para
atender seus interesses, poderia ter outra função, que não a de reproduzir essa sociedade? Se a
evolução da sociedade e do sistema escolar for estudada de forma linear, realmente a escola não
Acredita-se, porém, que a relação escola - sociedade não é linear nem estática e que o
constituídos pelo capital, supõe considerá-los como sujeitos históricos, cujas vidas, em vários
aspectos ultrapassam os ditames da ideologia capitalista. Nessa perspectiva, a escola passa a ser
um possível espaço de transformação social, para uma ação revolucionária, como propõem Freire
de educadores5 e da discussão sobre a formação dos professores. Esse ideal tomou corpo em meio
a muitas greves dos educadores e amplos debates sobre educação e reformas curriculares.
atingiu maior visibilidade pública nos anos 80, tanto no que se referiu às lutas salariais e por
5
Entre os principais movimentos, associações científicas e sindicais, pode-se destacar a Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-graduação em Educação (ANPEd), a Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior
(ANDES), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), o Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES) e
eventos de grande porte como as Conferências Brasileiras de Educação (CBE). Ver Shiroma et al. (2002).
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profissional. Nesse contexto, conquistaram seu espaço as chamadas teorias críticas6 da educação.
sociedade e que correspondia aos interesses da classe dominante, esse novo grupo de teorias
As teorias críticas concebem que a escola somente deixará de ser um meio estratégico de
devem centrar-se na prática social. Professor e aluno são considerados agentes sociais e históricos
e, como tais, devem buscar soluções para os problemas detectados em sua realidade pela
Para Freire (2001, p. 32), a educação bancária e conservadora deve ser substituída por
educação deve fazer da “opressão e de suas causas objeto de reflexão dos oprimidos, de que
resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e
refará.”
supõe que a classe dominada somente deixará de ser oprimida se tomar consciência crítica de sua
própria condição de classe e de sua realidade. A partir de então, é possível uma ação
Nas teorias críticas, a formação do professor privilegia dois aspectos básicos: o caráter
político da prática pedagógica e o compromisso com a educação das classes populares. Tal
6
Entre os principais representantes no Brasil estão: Dermeval Saviani, Paulo Freire, Moacir Gadotti, Carlos Roberto
Jamil Cury, José Carlos Libâneo.
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pedagogia influenciam os cursos de formação docente, que passa a buscar algo além dos métodos
o modelo da racionalidade prática, para o qual o professor é um prático reflexivo, cuja atividade
complexo cotidiano escolar. Conforme Pérez Gómez (1995, p. 102), o modelo da racionalidade
prática partiu
O modelo da racionalidade prática tem como teórico precursor Schön7, que retomou o
tema da reflexão como inerente às atividades de qualquer profissional. O autor, que obteve as
raízes de sua teoria nos estudos de Dewey8, propõe que, pela reflexão, teoria e prática apareçam
7
A teoria de Schön foi difundida no Brasil no início da década de 90, após a participação de um grupo significativo
de educadores brasileiros no I Congresso sobre Formação de Professores nos Países de Língua e Expressão
Portuguesas, realizado em Aveiro, no ano de 1993, e pela divulgação da obra de Nóvoa (1995a). Reformas
educacionais ocorridas em inúmeros países nessa época, inclusive no Brasil, tiveram como norteadora a teoria da
racionalidade prática. (PIMENTA, 2002).
8
Para Dewey (1959, p. 13) a melhor maneira de pensar é o pensamento reflexivo, que significa “a espécie de
pensamento que consiste em examinar mentalmente o assunto e dar-lhe consideração séria e consecutiva.”
27
inter-relacionadas. Schön (1995, 1998) dividiu a prática reflexiva em três componentes básicos: o
conhecimento na ação, a reflexão na ação e a reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação.
O conhecimento na ação pode ser entendido como aquela ação que realizamos quase
A reflexão na ação supõe pensar no que fazemos, ao mesmo tempo em que atuamos. A
racional, mas com a riqueza da captação viva e imediata das múltiplas variáveis intervenientes e
A reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação refere-se à análise que o professor faz
posteriormente a sua ação. O professor distancia-se de sua ação e avalia minuciosa e criticamente
as características e efeitos de sua própria prática, percebendo as ações que deve reformular ou
permanecer. O saber produzido a partir da reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação exige
Pérez Gómez (1995, p. 105) diz que, na reflexão sobre a ação, “o profissional prático,
9
A tradução é lusitana.
28
Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada na Tailândia em 1990, convocada pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Fundo das
Nações Unidas para a Infância e Adolescência (UNICEF), Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) e Banco Mundial. Foi consenso entre os presentes nessa Conferência
que um dos elementos decisivos no sentido de se implementar a educação para todos era o
professor. Um dos compromissos internacionais firmados, inclusive pelo Brasil, voltou-se para a
máxima principal “menos Estado e mais mercado”. Conforme Azevedo (1997, p. 15), o
A função da escola, nesse contexto, direciona-se para o preparo dos indivíduos para as
formação inicial é importante, mas não é a única instância de formação, pois assim como a
sociedade está em constante evolução, o professor também deve estar. Emergiu desse contexto a
10
Autores como Candau (1997), Libâneo (2001), Marin (2000), Nascimento (1997), Rodrigues e Esteves (1993)
escrevem com autoridade sobre esta expressão.
29
congressos, eventos, cursos, após a formação inicial do professor. Utilizando-se das palavras de
Pimenta (2002) e internacionais, como Contreras (2002), Giroux (1997) e Zeichner (1993),
inspirados nas teorias críticas da educação, perceberam e apontaram limites da teoria de Schön
maneira como os professores aprendem a ensinar e em como auxiliá-los nesse processo. Para ele,
assim como para Schön, a reflexão do professor deve partir de sua própria experiência e não se
descarta o auxílio das teorias científicas. Mas há, ainda, um diferencial de concepção, pois
enquanto Schön considerava que a prática reflexiva poderia ser feita individualmente, Zeichner
(1993) postula que ela deve ser realizada em diálogo com outros professores, discutindo suas
aflições e analisando sua prática, pois, para ele, a individualidade limita muito as possibilidades
de crescimento do professor.
reflexiva.
A primeira delas é a de que a atenção do professor, além de estar voltada para sua
própria prática, deve perceber o contexto no qual ela se situa. Disso deriva que o professor deve
30
estar atento às questões sociais que circundam seus alunos, sua sala de aula, sua escola, mantendo
que reconhece o caráter político da ação docente, pois “a reflexão dos professores não pode
ignorar questões como a natureza da escolaridade e do trabalho docente ou as relações entre raça
e classe social, por um lado, e o acesso ao saber escolar e o sucesso escolar, por outro.”
que sejam organizadas, nas escolas, “comunidades de aprendizagem”, nas quais o professor tenha
qualquer indivíduo que possua uma qualificação técnica específica e que tenha a função de
organizar e dirigir sua classe social. Argumenta Giroux (1997, p. 161) que, ao se utilizar da
Segundo Masson (2003, p. 44), na perspectiva de Giroux, “a reflexão amplia seu próprio
alcance, incluindo a compreensão dos efeitos que a estrutura institucional exerce sobre a maneira
pela qual os professores pensam sobre a própria prática, bem como o sentido social e político do
seu trabalho.”
Entende-se, assim, que para atingir o papel de intelectual crítico, o professor deve
analisar sistematicamente sua situação como profissional, os aspectos políticos, sociais, culturais
e econômicos que permeiam a escola e seus alunos, questionar seu próprio trabalho, suas
prática dominantes.
O trabalho dos docentes como trabalho intelectual também significa, para Contreras
Se Giroux (1997) postula que o professor tem um papel decisivo na construção de uma
sociedade justa, democrática e na formação de cidadãos ativos e críticos guiados pelos princípios
subjacentes aos documentos oficiais e legais e às políticas que direcionam todo o trabalho
Assim, essa responsabilidade dos professores para com os estudantes e a sociedade exige
que o professor não assuma uma postura neutra diante de sua função educativa e social, e sim
transformador e crítico, tal como defende Contreras (2002), ligando-a à idéia de autoridade
envolve as práticas sociais e acadêmicas, primando por princípios de liberdade, justiça social e
comprometido com a transformação social das camadas populares. Como um profissional crítico-
reflexivo, que pensa sobre a sua ação, inserido no coletivo escolar, na sociedade que se tem e cuja
Assim, se é evidente que existe uma estreita relação entre a escola e a sociedade e que o
sistema escolar é um subsistema da sociedade e que é também um espaço de luta social - em que,
em um extremo está a escola com um papel conservador e, no outro extremo, está a escola com
professor, para quem trabalha? Em que extremo se encontra? E, ainda, ele reconhece esses
extremos?
criticidade. Acredita-se, assim, que é no espaço dessas contradições que o sujeito vai-se
constituindo professor. Suas escolhas, seu contexto de vida, como chega ou não a uma condição
desenvolvimento que ocorre durante toda a trajetória de vida do professor. É um processo em que
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cada pessoa, cada profissional, ao longo de sua história, forma-se e transforma-se em interação
social.
Por isso, a constituição profissional e a autonomia vão além dos cursos que têm a
culturais e econômicas que se relacionam com o trabalho docente. Compreende, por isso, tanto a
profissional, seja pela dimensão de qualificação por meio de cursos, pela dimensão do exercício
socioeconômicos e considerando, ao mesmo tempo, tanto a validade dos espaços formais, quanto
professores, que tomam direções distintas conforme as funções que a escola desempenha durante
se perceber que cada modelo ou concepção de formação entende de modo peculiar as funções que
devem ser desempenhadas pelo professor na escola e na sociedade, assim como as finalidades e
pensar na situação destes como profissionais. Todavia, as referências aqui feitas ao profissional
semiprofissional ou proletário é uma polêmica antiga e está longe de alcançar um consenso entre
11
De acordo com Imbernón (2002), a profissionalidade engloba as características e capacidades específicas da
profissão e profissionalização é o processo socializador de aquisição de tais características.
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os estudiosos da questão, tendo em vista que qualquer conceito não é ingênuo e depende do
É importante, contudo, pontuar que autores como Contreras (2002) e Imbernón (2002)
escrevem a respeito, fazendo referência aos professores como semiprofissionais, “já que lhes falta
autonomia com relação ao Estado que fixa sua prática, carentes de um conhecimento próprio
especializado e sem uma organização exclusiva que regule o acesso e o código profissional.”
limitadas, mas considera que elas existem e os docentes têm campo de atuação definido
sobre o profissional professor. Para esse autor, uma das novidades mais significativas nos últimos
anos foi o início de pesquisas preocupadas em analisar, numa perspectiva mais global e sistêmica,
profissional docente.
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adultas, teorias sobre o ciclo vital dos professores, processos de desenvolvimento profissional do
professor e outros.
do professor.
teoria da “andragogia”, proposta pelo americano Malcom Kowles, a partir de 1970, que postula
uma arte e ciência de ajudar o adulto a aprender. Conforme esses autores, a andragogia de
Knowles baseia-se em cinco princípios, que podem ser aplicados ao processo de constituição
profissional docente.
autonomia. O segundo é de que o adulto acumula um amplo rol de experiências que servem de
substrato para sua aprendizagem. Como supõe a racionalidade prática, esse princípio assegura
O terceiro afirma que os interesses do adulto pelo aprendizado dependem de sua real
utilização em seu papel social, em sua profissão. A aprendizagem dos professores deve
37
considerar necessidades percebidas por eles mesmos. Esse princípio relaciona-se com o quarto,
que argumenta que os adultos professores esperam uma imediata aplicação do que aprendem,
minimizando sua atenção para conhecimentos a serem úteis futuramente. Assim, o professor
O último princípio é de que o adulto professor aprende mais por motivações e impulsos
Sobre o ciclo vital, as contribuições de Huberman (1995) são muito significativas. Esse
autor estudou o desenvolvimento da carreira docente, admitindo seis fases ou etapas, pelas quais,
docente que vai, em geral, do primeiro ao terceiro ano de ensino. Nessa fase o professor toma os
docência, em que o professor está mais seguro tanto em suas decisões e seus objetivos, quanto em
seu local de trabalho. É o período, geralmente, da nomeação oficial e no qual adquire certa
A próxima etapa é a de diversificação, que ocorre entre sete e vinte e cinco anos de
carreira. Nesse período o professor se propõe a diversificar e até a “arriscar”, com certa
sala de aula. Observa-se uma tentativa do professor de criar e enfrentar desafios para não cair na
educacionais e até ocupar cargos administrativos. Nessa etapa também (correspondente à metade
da carreira), o docente passa a se questionar sobre a própria profissão. Para Huberman (1995, p.
43) ,
38
as pessoas examinam o que terão feito da sua vida, face aos objectivos e ideais
dos primeiros tempos, e em que encaram tanto a perspectiva de continuar o
mesmo percurso como a de se embrenharem na incerteza e, sobretudo, na
insegurança de outro percurso12.
geral, próximo a vinte e cinco e trinta anos de carreira. Trata-se “menos de uma fase distinta da
progressão na carreira do que de um estado ‘de alma’ [...]” (HUBERMAN, 1995, p. 43). Os
melhorar sua prática. Ocorre um afastamento dos alunos. A relação professor/aluno passa a ser
indispostos a mudanças. Essa fase é denominada por Huberman (1995) de conservantismo, que
corresponde a uma tendência que se verifica com a idade, no sentido de nostalgia do passado, de
aposentadoria. Em geral, dos 35 aos 40 anos de carreira é freqüente uma libertação progressiva
do investimento em tudo que diz respeito ao trabalho, uma maior consagração de tempo a
processo e não uma série de acontecimentos lineares e uniformes. Portanto, apesar de sua
pesquisa revelar uma seqüência normativa ou tendências centrais nos ciclos de vida docente, as
etapas apresentadas não são pré-determinadas. Ao contrário, são processos que diferem de
12
A tradução é lusitana.
39
professor para professor, devido a fatores maturacionais, sociais e históricos, que influenciam o
transcurso de uma carreira. O autor delineia a seguinte figura como resumo esquemático de sua
pesquisa:
35-40 Desinvestimento
(sereno ou amargo)
Figura 1: Quadro síntese do ciclo de vida profissional docente de Huberman. Extraído de
Huberman (1995, p. 47).
Pode-se observar, na figura, que a carreira docente teria um ciclo comum até a fase de
estabilização. A partir de então, pode seguir rumos diversos, o que determinará se a carreira terá
utilizada pela literatura internacional por autores como Bolívar (2002), García (1995, 1999),
Imbernón (2002), Nóvoa (1995ab), Ponte (1998), Sá-Chaves (1997), e pela literatura nacional
como Chakur (2001), Leite (2000), Mizukami (2002), Mizukami e Monteiro (2002), Pimenta
Autores como Bolívar (2002), García (1995), Nóvoa (1995ab) e Ponte (1998) assinalam
que o desenvolvimento profissional pressupõe que a formação docente inicia na sua formação
como pessoa, como indivíduo, que permanece como um processo que se dá no decorrer de toda a
sua carreira.
inserções culturais e sociais do professor e suas reflexões, que podem estar restritas ou não ao
táticas instrucionais genéricas como aquelas relacionadas ao gerenciamento da sala de aula [...]”
(HOWEY, 1985, p. 59). Refere-se a saber ensinar, ou seja, transpor seus conhecimentos
13
A tradução é livre.
41
científicos para a prática, de forma que seus alunos aprendam. Implica que o professor domine
curriculares. Nessa dimensão, o professor precisa conhecer bem o seu ambiente de trabalho, que
afirma que é uma dimensão fundamental para todo profissional da educação, pelo papel
potenciador que tem em relação às demais, que terá de desenvolver no seu desempenho.
outros (alunos, pais, colegas de trabalho etc.). Inclui valores e atitudes do professor, sua
dimensão de Howey (1985), o que Tavares (1997) denomina de “competência científica” e que
teoricamente a área de conhecimento que leciona, relacionando-a com outras áreas. O professor
deve ter também uma visão global de sua cultura, estando a par dos acontecimentos e inovações
sistematizarem suas percepções e atitudes, por meio da reflexão sobre as crenças que norteiam
42
sua prática em sala de aula. “A postura não-reflexiva, não-exploratória dos professores pode
contribuir para uma prática questionável e certamente contribui para a imagem prosaica
investigação. Para Ponte (1998), ao realizar uma investigação gerada numa dificuldade concreta,
ele, as carreiras de inúmeros docentes podem ganhar maior destaque de duas formas
meio do desenvolvimento de habilidades e papéis de liderança, com uma hierarquia viável para
Giroux (1997) e Imbernón (2002), constata-se que a dimensão política possui extrema relevância
a estrutura e o funcionamento da sociedade e do sistema educativo do qual faz parte, quem são e
43
o que objetivam seus dirigentes e mantenedores. É preciso que o professor “seja capaz de,
profissão e com a instituição em que trabalha. Comprometer-se, aqui, é no sentido que Freire
Compromisso com o mundo, que deve ser humanizado para a humanização dos
homens, responsabilidade com estes, com a história. Este compromisso com a
humanização do homem, que implica uma responsabilidade histórica, não pode
realizar-se através do palavrório, nem de nenhuma outra forma de fuga do
mundo, da realidade concreta, onde se encontram os homens concretos. [...]
Somente assim o compromisso é verdadeiro. Ao experienciá-lo, num ato que
necessariamente é corajoso, decidido e consciente, os homens já não se dizem
neutros.
ser neutro, nem passivo, diante da sociedade e das ações políticas que a permeiam, fazendo
opções, definindo um posicionamento. Implica uma postura crítica, na qual o professor lute por
direitos, melhorias salariais, sociais e trabalhistas. Exige que o professor conheça a legislação
vigente e que seja capaz de fazer análises de cunho socioeconômico, de denunciar injustiças,
bem como reconheça sua função social, como profissional da educação, que não age de forma
docente.
Contreras (2002) e Giroux (1997), como uma emancipação pessoal, independência intelectual e
44
dominantes no poder, no exercício de sua profissão e de sua cidadania. Supõe, nesse sentido, que
o professor invista em seu próprio desenvolvimento profissional. Deve fazer valer nessa
desenvolvimento profissional. Tal como entender que, conforme Ponte (1998, p. 10):
Mas importa perguntar: Onde, quando e como o professor adquire esse sentido de
profissional?
para o processo de constituição e autonomia profissional docente, acredita-se que os estudos que
docente e sua autonomia (questões centrais deste trabalho) estão inseridos numa abordagem
histórico-cultural.
14
A tradução é lusitana.
45
liderado por Lev Semenovich Vigotski15. Tal é a amplitude e complexidade dos estudos de
Vigotski, que se pretende fazer referência apenas aos aspectos que se consideram centrais em sua
analisar os estudos de Vigotski de que o princípio básico de sua teoria é que as formas superiores
Por essa razão, a abordagem histórico-cultural postula o homem como “um agregado de
relações sociais encarnadas num indivíduo.” (VIGOTSKI, 2000a, p. 33). Isto significa que o
homem se constitui como ser humano não pelas suas características elementares (naturais ou
biológicas) que herda de seus antepassados, mas nas relações que estabelece com a história social
dos homens. Pino (2000, p. 61) esclarece que o social ao qual se refere Vigotski, especificamente,
é o social humano, cuja emergência, com maior razão que a das formas animais
de sociabilidade, tem de ser explicada por princípios outros, e não os meramente
naturais ou biológicos. As formas humanas de organização social, em que a
sociabilidade natural se concretiza, são obra do homem e, como tal, obedecem a
leis históricas que determinam as condições concretas de sua produção. É o
caráter histórico dessa produção que define o social humano. (grifo do autor).
Da mesma forma, o professor constitui-se professor, não por vocação ou por herança,
mas nas relações que estabelece na dinâmica do seu meio social, em toda a sua história pessoal,
15
Vigotski baseia-se, especialmente, nas obras de Marx, Engels e Hegel (MOLON, 2003; PINO, 2003; ZANELLA,
2004)
16
Molon (2003) revela que a obra de Vigotski não trata de maneira explícita sobre a constituição do sujeito e
menciona alguns fatos que dificultam uma interpretação mais fidedigna e completa e um acesso mais direto aos
escritos de Vigotski. Entre outros, cita o fato de a obra do autor ser inacabada, devido à sua morte prematura e o
problema das traduções de seus escritos, originalmente versados em russo.
46
como, por exemplo, a sua vivência social geral e no seio familiar, no ambiente escolar ou no
exercício profissional.
Pino (2003) observa que para Vigotski o termo “história” tem dois significados
distintos, mas que são interdependentes: um significado geral e outro restrito. O primeiro, em
termos gerais, tem um sentido filogenético. Refere-se à história da espécie humana, do homem
como parte da natureza, de que herda suas características elementares. O segundo tem um
sentido ontogenético, pois se refere à história do próprio ser humano, como indivíduo singular,
cultural.
histórico que é constituído por uma relação dialética entre a natureza e a cultura. A cultura como
a “totalidade das produções humanas portadoras de significação” (PINO, 2003, p. 45, grifo do
autor), torna-se parte da natureza humana num processo histórico, ao longo do desenvolvimento
da espécie e do indivíduo.
A relação entre o homem e a natureza, entre o homem e o outro, é sempre mediada por
produtos culturais humanos como os instrumentos e os signos, que conferem à atividade humana
seu caráter produtivo. Considera-se instrumento tudo o que se interpõe entre o homem e o
psicológico, é um meio criado pelo homem para representar, evocar a realidade material ou
imaterial. Para Vigotski (2000b, 1998) o sistema de signos mais importante para o homem é a
compartilhados por determinado grupo cultural, a percepção e interpretação dos objetos, fatos e
A apropriação17 dos instrumentos e dos signos, enfim, da própria cultura pelo sujeito,
ocorre sempre na interação com outro sujeito. É na relação com o outro, mediada pelos signos,
professor, em seu processo de constituição apropria-se da cultura da sociedade na qual vive e dos
conteúdos e significados inerentes a sua profissão por meio de outras pessoas e pares com os
quais se relaciona. Apropria-se, entre outros, de valores, de normas, das formas culturais de
Sobre as significações, Pino (2000, p. 55) afirma que “é a significação que tem o poder
de converter o fato natural em fato cultural e, dessa maneira, permite a passagem do plano social
ao processo que constitui as funções psicológicas superiores. Esse é o movimento que, para
Entende-se, assim como Cunha (2000, p. 139), que a internalização não é uma simples
17
Smolka (2000, p. 37) discute os vários significados que pode assumir o termo “apropriação”, dependendo das
posições e dos modos de participação dos sujeitos nas relações. Conclui, portanto, que a apropriação é uma categoria
essencialmente relacional: “a apropriação não é tanto uma questão de posse, de propriedade, ou mesmo de domínio,
individualmente alcançados, mas é essencialmente uma questão de pertencer e participar nas práticas sociais.”
18
De acordo com Zanella (2004, p. 131, nota de rodapé), “a significação refere-se a ‘o que as coisas querem dizer’,
aquilo que alguma coisa significa. Como as coisas não significam por si só, e nem tão pouco significam a mesma
coisa para indivíduos diferentes, depreende-se que a significação é fenômeno das interações, sendo, pois social e
historicamente produzida.”
48
dinâmica que se estabelece entre o que está fora e o que está dentro do homem é
mediada pela produção e interferência da subjetividade. A constituição do
sujeito é um processo histórico complexo que envolve, ao mesmo tempo, uma
dimensão externa e contextual, uma dimensão interna referente a indivíduos e
grupos e também uma dimensão singular, configurada a partir das duas
anteriores. Podemos denominar de subjetiva essa dimensão singular que
constitui grupos ou sujeitos.
Portanto, a teoria histórico-cultural não percebe o homem como passivo, somente como
uma cópia ou conseqüência de suas relações sociais. Entende o homem como um ser interativo,
que produz cultura e se transforma com as relações sociais. Esse entrelaçamento do social com o
com o cultural, tanto pelas relações sociais que estabelece com outros sujeitos quanto pelo
sentido subjetivo que nelas incute. Assim como Cunha (2000, p. 39), considera-se que o processo
que o professor vai-se tornando não é resultado apenas de influências externas ou de uma aptidão
das funções mentais que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento já
internalizadas pelo sujeito. Estas foram dominadas e consolidadas, de tal forma que o sujeito já
19
Molon (2003) expõe, baseada em sua pesquisa sobre as reflexões de Vigotski, que a subjetividade “significa uma
permanente constituição do sujeito pelo reconhecimento do outro e do eu.”
49
consegue desenvolvê-las sozinho, sem o auxílio de outras pessoas, ou seja, de forma autônoma.
O nível de desenvolvimento potencial diz respeito ao que o sujeito pode ser capaz de fazer, se
distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar por meio da ação
constituição do sujeito. Sob essa perspectiva, acredita-se que a autonomia é uma busca, uma
– professor é constituído nas (e na história das) práticas sociais20 das quais participa e que possui
estruturas e mecanismos21 que lhe são íntimos, subjetivos, que lhe permite, em algum grau,
processo de constituição do sujeito tal como definido pela abordagem histórico-cultural, permite
relacionadas com as experiências desse profissional, quaisquer que sejam elas, em sua trajetória
Dias-da-Silva (1998, p. 36) salienta que o professor é “sujeito de um fazer docente que
20
Pino (2003, p. 53) identifica as práticas sociais como “formas socialmente instituídas, de pensar, de falar e de agir
das pessoas em função das posições que ocupam na trama de relações sociais de uma determinada formação social.”
21
Nesses termos, cabe ressaltar que as funções psicológicas superiores, principal objeto de estudo de Vigotski,
referem-se a processos voluntários, ações conscientemente controladas, mecanismos intencionais.
50
todo, estudá-la tendo em vista sua autonomia, requer um olhar sobre as condições pessoais,
pressupostos histórico-culturais.
CAPÍTULO III
PERCURSO METODOLÓGICO
Diante desses objetivos, optou-se pela história oral de vida de professores como
A história oral, embora seja a primeira fonte histórica de que se tem notícia (LE GOFF,
1996), passou, durante muitos séculos, desprezada pela historiografia clássica, que questionava
sua fidedignidade. Conforme Ferreira (1994), mesmo com a criação da Escola dos Annales22, que
histórica, o uso dos relatos orais, das histórias de vida e das biografias continuava sendo
desqualificado.
Essa resistência, todavia, não foi suficiente para extinguir o interesse pelos relatos orais.
americano Allan Nevins, na década de 40. A partir de então, aos poucos, a história oral foi
conquistando seu espaço na historiografia, tendo seu auge a partir da década de 70, com crescente
com maior vigor a partir da década de 70, quando novas orientações filosóficas e estudos
22
Em 1929, foi criada na França a Revista Annales. Idealizada pelos franceses Febre e Bloch, pretendia exercer uma
liderança intelectual nos campos da história econômica e social. Pouco a pouco os Annales converteram-se no centro
de uma escola histórica: a Escola dos Annales. A École des Annales era constituída por um grupo de historiadores
que pretendiam implantar um novo tipo de história, postulando uma pesquisa interdisciplinar, uma história voltada
para os problemas sociais, para a história de uma coletividade e não de indivíduos específicos e para uma uma
história total , não restrita a uma ou outra esfera da vida humana.
53
real, simbólico e histórico dos sujeitos envolvidos numa perspectiva integrada. No campo da
história, essas transformações permitiram que a história oral ocupasse um novo lugar nos debates
Brasil (CPDOC)24, da Fundação Getúlio Vargas, em 1975, no Rio de Janeiro. Esse foi um dos
1993.
Segundo Ferreira (1996), a história oral também sofreu resistências e indiferenças pela
Exemplos dessa valorização estão nos inúmeros trabalhos que se servem da história oral
para realizar suas pesquisas. Vários são publicados e apresentados em eventos científicos
Para Fonseca (1997), é possível identificar três tendências no campo da história oral, nas
pesquisas atuais: a história oral temática, a tradição oral e a história oral de vida.
23
De acordo com Ferreira (1996), a oralidade já era usada como fonte de pesquisa pelos cientistas sociais brasileiros,
mas não havia a preocupação de produzir documentos gerados a partir da relação entre o depoente e o pesquisador,
acompanhada de um gravador.
24
Segundo Meihy (1996) e Ferreira (1996), este é um dos mais importantes e prestigiados experimentos de história
oral da América Latina.
54
A primeira tendência, a história oral temática, como aponta Ferreira (1994), envolve a
Como explica Fonseca (1997), a narrativa, nesse caso, não diz respeito, necessariamente,
à totalidade da vida da pessoa, mas aos aspectos da vivência, os quais constituem informações
professor sobre seu próprio trabalho e a politização do espaço escolar. Optou pelos depoimentos
orais para investigar movimentos de reivindicações e de lutas dos professores do final dos anos
suas tradições, mitos e valores que passam de uma geração a outra. Desse modo, para essa
tendência, fazem parte dessa tradição os costumes, os hábitos domésticos, os ritos e tudo o que o
A terceira tendência refere-se à história oral de vida, em que as narrativas não servem
escritos. Nesse caso, as fontes orais pretendem dar voz e vez aos sujeitos, privilegiando as
Castro (2002, p. 1-2) salienta que os estudos sobre vidas de professores encontram na
Esta incide sobre o passado dos entrevistados, sobre aspectos da vida social,
particularmente da esfera do cotidiano, que não são geralmente escritos ou
documentados de outras formas. É escrita a partir do trabalho com a memória,
evocando o passado, o qual está inserido num contexto familiar, social e
nacional.
mínimo, reconhecer que a vida é uma história e que “uma vida é inseparavelmente o conjunto dos
acontecimentos de uma existência individual concebida como uma história e o relato dessa
história”, pode-se afirmar que uma história de vida permite perceber marcas características
próprias de cada percurso profissional e pessoal, bem como perceber como cada um constrói sua
Cada história oral de vida evoca o passado por meio de uma memória25 individual que se
entrelaça com uma memória coletiva26. Uma reforça a outra. Assim, cada percurso, que é único,
mostra as diversas interações do professor com seu meio social, no decorrer de seu
25
Para Le Goff (1996, p. 423), a memória é “um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode
atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas.”
26
Memória coletiva pode ser definida como “o que fica do passado no vivido dos grupos, ou o que os grupos fazem
do passado...” (LE GOFF, 1996, p. 472).
56
Nesse sentido, cabe destacar o trabalho pioneiro de Bosi (1994)27, que recorre a histórias
importância das lembranças. Propõe a conservação das narrativas e da troca de experiências. Para
ela, “a narrativa da própria vida é o testemunho mais eloqüente dos modos que a pessoa tem de
Cavaco (1999) realiza um trabalho similar ao de Huberman. Por meio da história de vida
pessoal e profissional do professor, ao longo da idade, na relação com diversos aspectos próprios
O pesquisador Goodson (1995) evidencia que dados sobre a vida dos professores são
primeiro é de que os dados pessoais e idiossincráticos presentes nos discursos dos professores são
professor, dentro e fora da escola, interferem em seus modelos de ensino e em sua prática
27
Ferreira (1996) frisa que ainda que Bosi jamais tenha usado a expressão “história oral”, suas indicações sobre a
memória passaram a servir de modelo para todo um segmento de pesquisadores que se utilizam da história oral.
57
educativa. Considera que o direcionamento da carreira só pode ser entendido mediante uma
decisões e percepções relativas a ela somente podem ser analisados no próprio contexto no qual
acontecem.
Ainda que sejam incipientes as produções sobre esse tema na literatura brasileira, há
vários trabalhos relevantes, entre os quais pode-se citar as obras de Fonseca (1997), Freitas
Soares (1991), ora como pesquisadora, ora como narradora, relata sua própria história de
vida intelectual. Sua história de vida revela tendências e aspectos da história da educação
brasileira.
Fonseca (1997, p. 11), por meio da história oral de vida de treze professores que atuaram
em vários níveis de ensino, discute como é ser professor de história no Brasil. Reflete sobre os
“múltiplos caminhos, práticas e opções construídos ao longo da vida por algumas pessoas, em
diversos espaços e contextos históricos do Brasil, tendo em comum, nas suas trajetórias, o ofício:
o ensino de história.”. A obra dessa autora foi significativa para a construção deste trabalho.
públicas, fazendo uma retrospectiva da vida de escrita e leitura de cada uma, desde a infância até
todos privilegiam e reafirmam a história oral de vida como um importante recurso metodológico
Diante do que já foi exposto, torna-se evidente que o conhecimento e a pesquisa são
mediatizados por uma metodologia, cuja escolha não é aleatória e sua função é a de ajudar a
explicar a realidade.
A opção pela história oral de vida, no campo da abordagem qualitativa, deu-se por se
meio dos quais o sujeito se tornou professor, como se sente e se percebe professor, é preciso
saber sobre a vida do professor e perceber sua trajetória. Somente a história de vida possibilita
esse conhecimento, criando laços de cumplicidade entre dois sujeitos: pesquisador e pesquisado.
Nóvoa (1988, p. 16)28 afirma que o pesquisador precisa considerar que a história de vida
uma reflexão teórica e que deve estruturar-se “através de uma construção retrospectiva de um
Sendo assim, a pesquisa foi planejada e organizada a partir de três grandes eixos29 de
28
Nóvoa utiliza a nomenclatura “biografia” ou “autobiografia” para as histórias de vida. Partilham dessa mesma
posição Bolívar (2002), Fontoura (1995) e Gonçalves (1995).
29
Esses eixos foram elaborados baseando-se, especialmente, nos estudos de Fonseca (1997) e Gonçalves (1995).
59
personalidade e interação com o meio; o eixo que se refere ao percurso formativo do docente, que
inclui todas as atividades que contribuíram para sua atuação pedagógica e profissionalização e,
por fim, o eixo que aborda o percurso profissional, que abrange todas atividades que o professor
exerceu como profissional da educação e sua relação com o grupo com o qual conviveu.
Tendo em vista os objetivos formulados, a definição dos sujeitos desta pesquisa levou
(final de carreira). Esse item exclui o critério etário pois, segundo a legislação brasileira, há
políticas e teóricas.
30
Conforme a LDB 9394/96, a educação básica compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino
médio. (BRASIL, 1996).
60
Para tanto, optou-se pela escolha intencional dos dois primeiros sujeitos e, para a
seleção, foi elaborada uma lista de nomes indicados pela própria pesquisadora, respeitando-se os
critérios definidos. Os dois últimos entrevistados foram sujeitos sugeridos pelos dois primeiros
entrevistados.
Foram entrevistados, então, quatro professores: dois homens e duas mulheres. Além do
resultados são susceptíveis de generalização, mas a de que outros contextos e sujeitos a eles
podem ser generalizados.” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 66). O interesse está muito mais no
rever seu relato da sessão anterior já transcrito pelo pesquisador. Podia, então, manifestar-se
sobre ele, confirmando sua veracidade, modificando-o ou ampliando-o. Assim como essa
31
Baseando-se em Larocca (1996). Este procedimento, conforme Zanelli (1992, p. 66), representa uma importante
estratégia de pesquisa: “a classificação dos conteúdos, permitida pelas inferências ou pelos referenciais peculiares ao
pesquisador, e retorno desses conteúdos para checagem do participante, propicia uma estratégia de controle mútuo
entre o pesquisador e o participante no sentido de refinar a comunicação...”.
32
Este roteiro foi adaptado de Fonseca (1997). Vide Anexo A – Roteiro de Entrevistas, p.
61
dados a serem relatados, mas apenas como um roteiro dos itens principais a serem abordados,
Rosenthal (2002) destaca que, para se entender partes individuais da história de vida,
deve-se dar ao entrevistado tempo e espaço suficiente para criar e organizar sua narrativa. Então,
no primeiro contato feito com os sujeitos, com dois deles realizado por telefone e com outros dois
participação destes, foi fornecida uma ficha impressa, na qual foram preenchidos alguns dados
sujeitos, e também foi fornecido o roteiro da entrevista para o relato da história de vida.
O local e os horários das entrevistas foram escolhidos pelos próprios sujeitos e eram
marcados de uma sessão para a outra. A única sugestão dada pela pesquisadora para esta escolha
foi para que fosse um ambiente e um momento em que eles se sentissem à vontade e que,
sessão com o primeiro sujeito foi realizada em 23 de abril de 2004, e a última, com o quarto
Foram realizadas, em média, três sessões de entrevista com cada sujeito e cada uma
delas teve a duração de, aproximadamente, uma hora. Nas primeiras sessões de cada sujeito,
antes de iniciar a história de vida, foi preenchida a ficha de caracterização, com exceção do
33
Esta ficha foi adaptada de Larocca (1996). Vide Anexo B – Ficha de Caracterização dos Sujeitos, p.
62
vida, de expor sua opinião e suas expectativas sobre o real, de modo que fluíssem informações e
não direcionar as respostas do entrevistado. As perguntas, quando necessárias, foram feitas pela
cada gravação foi ouvida novamente, sendo acompanhada com a transcrição, para conferir se
uma relação social entre pessoas, com suas convenções próprias, cuja violação pode destruí-la”,
antes de cada sessão, especialmente antes da primeira sessão de cada sujeito, houve uma conversa
informal entre pesquisadora e sujeito, no intuito de sanar possíveis dúvidas com relação à
de ansiedade pela presença do gravador. Essa conversa antes de cada sessão, que não foi gravada,
Gonçalves (1995), a história de vida de cada um dos sujeitos centrou-se em três aspectos
fundamentais, ou, em três eixos básicos do processo de constituição profissional docente e de sua
autonomia. O primeiro eixo referiu-se ao percurso pessoal, solicitando dados sobre quando e
onde o entrevistado nasceu; sua família, sua infância; modo de vida; crenças religiosas e
34
De acordo com Meihy (1996), esta é a obra que tem servido de modelo teórico para os trabalhos de história oral no
Brasil. Foi publicada pela primeira vez em 1978, sob o título The voice of the past.
63
abordar sobre quando e onde estudou; curso superior: como foi o ingresso e a duração do curso,
como, quando e onde iniciou a carreira; expectativas com relação à carreira; percepções com
Após esgotados os dados do roteiro, houve liberdade para que o sujeito pudesse expor
A primeira fase de análise dos dados foi preliminar, separando-se, numa matriz de
verbalizações35, os conteúdos das histórias de vida de cada um dos sujeitos, de acordo com os três
Sem perder de vista a afirmação de Rosenthal (2002), de que ao analisar uma história de
vida deve-se respeitar sua seqüência narrativa e analisar as partes isoladas, considerando que
estão inseridas no conjunto, numa segunda fase, os dados obtidos em cada um dos eixos foram
subdivididos em unidades significativas das falas de cada um dos sujeitos, de acordo com os
vida dos professores, duas unidades significativas: uma que descreve a infância e a juventude e
significativas nas falas das histórias de vida dos professores: a primeira que trata sobre a
escolarização básica, a segunda unidade que se refere à formação acadêmica e a terceira que
35
Adaptada de Larocca (1996). Ver Anexo C – Matriz de Verbalizações, p.
65
unidades significativas nas falas dos professores: a primeira refere-se à escolha pela profissão e a
A terceira fase, ou seja, a análise e interpretação final e sistemática das histórias de vida,
somente ocorreu no encerramento da coleta de dados de todos os sujeitos, após esgotadas suas
possibilidades de contribuição.
interpretar significa buscar o sentido mais explicativo dos resultados da pesquisa”, na etapa final
de análise e interpretação sistemática, foram realizadas leituras sucessivas das histórias de vida
Por uma questão de organização da própria pesquisadora, optou-se pela análise das
histórias de vida dos quatro docentes conjuntamente, considerando cada um dos eixos e, por
conseguinte, em cada uma das unidades significativas de suas falas. Baseando-se no argumento e
Lüdke e André (1986, p. 1), de que “para se realizar uma pesquisa é preciso promover o
conclusões e indagações. Assim, também, os eixos e unidades significativas das falas dos
As falas dos sujeitos, a partir daqui, aparecerão destacadas entre aspas e em itálico,
para diferenciá-las do restante do texto. Optou-se por não corrigi-las no texto transcrito, no
cultura de cada um37 e a especificidade de uma história oral de vida. As reticências que
aparecem na transcrição dessas falas significam que partes das falas dos sujeitos foram
omitidas pela pesquisadora, a fim de reunir apenas os trechos referentes à unidade e à análise
em questão.
Sendo assim, cada sujeito recebeu um número, conforme a ordem cronológica em que
37
Opção semelhante pode ser observada no trabalho de Cerri (2000).
67
4. 1 Caracterizando os sujeitos
O contato inicial com o primeiro sujeito, identificado como Sujeito 1, foi realizado
sessão: 23 de abril de 2004. Na primeira sessão, iniciou seu relato lendo um texto que havia
levado pronto, baseado no roteiro que havia recebido, mas, no decorrer do relato, o texto
escrito foi sendo deixado de lado, e a sua história de vida fluiu com as lembranças que foram
sendo apuradas pela memória. As sessões seguintes ocorreram nos dias 26 de abril e 11 de
junho do mesmo ano, totalizando duas horas de gravações. As três sessões foram realizadas
para a Realidade Brasileira. Trabalhou com as séries iniciais do Ensino Fundamental durante
dezessete anos, atuando como professora e, posteriormente, como supervisora escolar durante
38
União da Vitória é um município do Estado do Paraná que faz divisa com o município de Porto União, em
Santa Catarina. O marco divisor é uma linha de trem. A distância entre Cruz Machado e Porto União / União da
Vitória é de 30 km, aproximadamente.
68
nove anos. Atuou também, durante quatro anos, no ensino fundamental de 5ª a 8ª série.
trabalho, o sujeito iniciou seu relato, lendo um texto que havia levado digitado e, inclusive,
em disquete, caso a pesquisadora quisesse utilizar, baseado no roteiro que havia recebido.
Assim como ocorreu com o Sujeito 1, durante a entrevista, o texto escrito foi sendo deixado
de lado, e a sua história de vida fluiu com as idas e vindas de sua memória. A sessão seguinte
ocorreu no dia 11 de junho do mesmo ano, na residência do sujeito, totalizando uma hora e
Vitória. Possui 61 anos de idade, é mulher, também casada, mãe de quatro filhos, professora
pesquisa História e Memória. Lecionou para toda a educação básica durante vinte e cinco
anos. Nas séries iniciais do Ensino Fundamental também atuou como supervisora escolar
durante oito anos. Foi coordenadora dos pólos de Magistério da região, como membro da
equipe de ensino do Núcleo Regional de Educação de União da Vitória durante três anos. Há
dezessete anos dedica-se ao Ensino Superior estadual, como docente nas disciplinas de
Com o Sujeito 3, o primeiro contato foi por telefone. O convite foi aceito
marcada a primeira sessão para o dia 12 de julho de 2004, no sítio do sujeito. No início da
sujeito pediu alguns esclarecimentos com relação ao roteiro e à pesquisa. Ao contrário dos
dois primeiros sujeitos, não usou nenhum texto escrito, baseou-se apenas no roteiro e, à
medida que as lembranças iam aflorando, a história de vida ia-se delineando. As sessões
de Lança. Reside atualmente em Porto União, possui 61 anos de idade, é homem, é casado,
pai de duas filhas, professor com graduação em Ciências e Biologia, especialista em Biologia.
Com o quarto e último sujeito, Sujeito 4, o contato inicial também foi por telefone e
o convite para participar da pesquisa foi atendido prontamente. A pesquisadora lhe enviou a
ficha de caracterização e o roteiro. A primeira sessão foi marcada para o dia 28 de setembro
pesquisa, o professor iniciou o relato de sua história de vida. Embora tenha sido orientado de
que o roteiro era apenas uma sugestão dos dados a serem abordados, observou-se que tentou
segui-lo com certo rigor. As sessões seguintes ocorreram nos dias 7 de outubro, ainda no
Possui 51 anos de idade, é homem, é divorciado, tem um filho, é professor com graduação em
História e especialização em História. Leciona há vinte e três anos, com um intervalo de seis
anos, na educação básica de 5ª a 8ª séries e ensino médio. Foi diretor de escola durante oito
anos e secretário por dois anos. Trabalhou como Gerente de Recursos Humanos no ramo
empresarial por dez anos. Há treze anos leciona no ensino superior privado, nas disciplinas de
percurso pessoal, percurso formativo e percurso profissional. Os três eixos estão subdivididos
O foco principal desse eixo é a trajetória pessoal dos sujeitos, entendida como um
seguir:
Esta unidade trata da vida pessoal dos Sujeitos, desde seus primeiros anos de vida,
39
Rebouças é um município do Estado do Paraná, a 100 km, aproximadamente de distância de União da Vitória.
71
infância muito saudável e alegre, ao lado de seus pais e irmãos. Relatam episódios divertidos,
com brincadeiras e aventuras, como passeios de trem, banhos em rios, viagens etc. Mas, o
Sujeito 1, ao contrário dos demais, com semblante triste, conta que sua infância e a de seus
dois irmãos foi muito difícil e dura, por terem que trabalhar desde criança, seja ajudando a
mãe nos afazeres domésticos, seja auxiliando o pai nos serviços de carpintaria. Conta que os
filhos eram cobrados para cumprirem suas responsabilidades, quase não tendo tempo para
brincar.
As quatro histórias de vida desta pesquisa revelam que a formação familiar foi muito
rigorosa e, às vezes, autoritária, com relação à educação e ao respeito que se deveria ter com
os outros e com os próprios membros da família. O Sujeito 4, por exemplo, conta que
“naquela época só o olhar do pai bastava pra você ter uma postura diferente” e, ainda
salienta que essa exigência fez com que se tornasse submisso e obediente, primeiramente, aos
pais, professores e outras pessoas, reduzindo sua autonomia para opinar, decidir e agir. De
acordo com Reis (2004), a atuação familiar é vivida intensamente pelos sujeitos, sendo
ambiente familiar, como relata o Sujeito 1: “fez [sua mãe] que fizéssemos a catequese e
tomássemos todos os sacramentos [...]”. A fala do Sujeito 2, pode ser tomada como outro
exemplo, quando afirma que “ os ensinamentos que nós temos a partir da doutrina cardecista
nos fazem ver o outro como nosso irmão, necessitado de ajuda, de amor [...]. Acho que esses
valores sempre foram muito importantes pra que eu valorizasse o aluno, o colega que está a
72
meu lado e a minha família.”. Já o Sujeito 4 assinala que a religiosidade “é que mantém muito
juventude muito sadia, nossa diversão era ir aos bailes, dançávamos muito, era muito gostoso
[...]” (Sujeito 1). A juventude do Sujeito 2 e do Sujeito 3 pode ser conhecida, quando contam
Relata o Sujeito 1: “a gente perdeu muitas oportunidades por causa da timidez [...]”. Ela
aponta o Padre P., seu professor de Artes no Curso Normal Regional40, como um dos
responsáveis por deixá-la mais desinibida: “[...] que ensaiava peças de teatro e fazia com que
timidez.”
O Sujeito 4 relata que não freqüentou festas ou bailes, porque seus pais não
concordavam, a não ser que fosse para acompanhar as irmãs nos aniversários das colegas.
Além de ter participado de grupos de jovens e de ter bom relacionamento com os amigos,
destaca na sua juventude o fato de ter prestado serviço militar. No quartel sentiu-se
valorizado, por ter conquistado boas classificações nos testes e obtido algumas promoções.
Ao mesmo tempo que valoriza esse período, coloca como desvantagem a falta de negociação,
de flexibilidade, próprias do autoritarismo militar. Mas revela que se adaptou com facilidade e
até, pode-se dizer, com sucesso, no exército, justamente porque a educação rigorosa e de
40
De acordo com o Decreto - Lei nº 8.530 de 02 de janeiro de 1946, o Ensino Normal dividia-se em dois ciclos.
O primeiro ciclo destinava-se ao Curso Normal Regional, com a duração de 04 anos (equivalendo à 5ª à 8ª série),
que formava regentes para o ensino primário. O segundo ciclo destinava-se à Escola Normal, com a duração de
03 anos (equivalendo ao Ensino Médio, hoje), que formava professores para o ensino primário. (BRASIL, 1946).
73
hierarquia era condição para não sofrer punições, desagravos e obter certas recompensas.
familiar e religiosa tornam-se marcantes no percurso pessoal de cada um deles. Se, como
afirma Nóvoa (1995c), não há como separar a pessoa do professor, pode-se inferir que esses
sujeito adulto - pessoa, do sujeito adulto – professor. Na trama das relações sociais de cada
intelectuais, dos valores éticos, religiosos, culturais e das normas que regem seu cotidiano de
vida.
O casamento, a saída da casa dos pais, a constituição da própria família, são fatos
relevantes no percurso pessoal dos Sujeitos. Esta unidade interessa-se pelo desenrolar desses
fatos na vida de cada um dos professores pesquisados, trazendo à pauta a questão de gênero e
diferentemente do seu pai, seu marido a incentivava e a valorizava. Chama a atenção que os
transparente nas duas professoras. Essas atitudes revelam a representação das professoras
Emerge de suas falas a dificuldade para relacionar a vida pessoal com a vida
formativa e profissional. Para Fontana (1997, p. 96), a atividade profissional implica “modos
de ação e preocupações distintas das práticas familiares, passando a dividir com estas, a
frente a elas.” Disso decorre, em termos de constituição profissional, que, para a mulher
professora, os papéis de esposa, dona de casa, mãe ou filha não são excluídos, mas
Por exemplo, o Sujeito 2 registra que quando estava cursando o último ano da
faculdade, teve o seu quarto filho: “Então foi uma dificuldade: trabalhava de manhã e à noite
tinha que estudar, tinha que deixá-los com a babá, às vezes não tinha babá [...]”. Face a tais
compromissos familiares, chegou a recusar uma proposta de trabalho: “Ao terminar o Curso
de História recebi convite para lecionar Estudos Sociais no Colégio T. de F., no entanto, não
aceitei, por estar, na época, com meus filhos pequenos e em idade escolar [...]”.
Percebe-se que essa afirmação se deve ao fato de que quem acumulava as funções de
administração da casa e do cuidado dos filhos eram suas esposas. Coube a eles, portanto, a
75
tarefa de apenas cuidar da vida profissional, para suprir as necessidades financeiras da família,
Sujeito 4 chegou a comentar que, quando cursava a faculdade, era a sua esposa quem o
ajudava na elaboração dos trabalhos solicitados por seus professores, para a sua formação
profissional. Disse que não tinha tempo de fazê-los devido ao trabalho na empresa. Quer
aparece como variável interveniente para a vida pessoal, acadêmica e profissional em ambos
os casos.
Sujeito 4, contou brevemente como decorreu o período de gestação e de como auxiliou sua
encontrar a transposição dos valores e normas culturais que regeram a educação que
receberam de seus pais, inclusive para a educação de seus filhos. Pode-se tomar como
exemplo a fala do Sujeito 3, quando indagado se os valores que recebeu de seus pais e no
seus filhos: “Sim, tanto que as duas [filhas] saíram-se muito bem [...], nunca precisei chamar
Outro dado interessante, que se observa nas falas dos Sujeitos, é que estes depositam
escolarização e exigiram dos filhos muita dedicação aos estudos e respeito para com os
aprendizagem social. Então, pode-se afirmar que estes Sujeitos se formam e se transformam
em suas relações com o outro. Nas relações sociais que estabelecem, eles também exercem o
Este eixo aborda aspectos relativos à formação dos sujeitos: sua escolarização básica
unidades a seguir:
Nesta unidade são analisados elementos que tratam das experiências dos Sujeitos na
educação básica, englobando seus primeiros anos escolares até a formação no Ensino Médio.
cultivo de atitudes de extrema obediência e respeito às pessoas mais velhas. Tais atitudes
parecem internalizadas de tal forma, que os sujeitos relatam que sempre foram alunos
exemplares, com boas notas e bom comportamento perante os professores. Comentam que a
pois privilegiava a memorização dos conteúdos, baseando-se em “pontos” retirados dos livros.
a escolarização básica, seja devido à condição financeira familiar ou ainda à distância entre a
residência e a escola, como é o caso do Sujeito 3, que tinha que caminhar dois quilômetros,
todos os dias, para chegar à escola e depois caminhar mais dois para voltar para casa. Uma
dificuldade peculiar que este sujeito passou refere-se a diferenças lingüísticas: enquanto
partir da 5ª série, iniciou seus estudos num seminário, pois seus pais decidiram, e ele
concordou, que iria ser padre. Fica bem claro, pela sua história de vida, que essa decisão se
deve ao fato de que, na época, a década de 50, o sacerdócio era entendido como uma
alternativa de ascensão social. Nas localidades do interior, principalmente na área rural, ser
padre era uma das poucas opções para mudar de vida, atingindo um certo status social, que a
Nos seminários nos quais estudou, o Sujeito 3 conta que era reconhecido por seus
horários de estudo, vivia constantemente envolvido com atividades voltadas para a natureza,
cultivando hortas e pomares. Não é por acaso que, mais à frente, seu interesse vai centrar-se
na área de ciências, pois desde então, conta: “ler romances, difícil, não conseguia ler, só
78
obrigado mesmo pelo professor. Mas eu caía nos livros de química, física, esses livros eu
devorava, eu gostava.”
No ano de 1963, embora ainda sentindo vontade de ser padre, o Sujeito 3 vivenciou
dúvidas que questionavam desde a estrutura da Igreja e outros aspectos teológicos, até mesmo
a vontade de conhecer um pouco da vida fora do seminário, com todos os seus obstáculos.
Nessa época, saiu do Seminário e passou os dois anos seguintes (1964 e 1965) em Curitiba,
onde terminou o Ensino Médio. Mas, ao final de 1965, retornou à vida de seminarista, no Rio
de Janeiro.
professores que marcaram sua passagem pela escola, e que, de certa forma, esses modelos de
professores vieram a influenciar sua atuação profissional, seja de forma positiva, seja de
forma negativa. Conforme Mizukami (2002, p. 16), “[...] se atribui grande força às
inspiração (ou anti-inspiração), na maioria das vezes inconsciente, à sua configuração como
Padre P. e de Dona L., do Curso Normal Regional. O primeiro, por tê-la ajudado a diminuir
sua timidez, com o dinamismo de suas aulas, e a segunda, porque “ ela foi uma professora
maravilhosa, uma amiga e ela chegou até mim de uma maneira muito simples, que um dia a
gente falando de casa e moradia e eu imaginava que ela morasse num palácio, ela pegou e
me levou à casa dela e a casa dela era que nem a minha, era normal.” Mais tarde, o Sujeito 1
também levou dois de seus alunos, que eram órfãos, para conhecer sua casa.
básica, mas não citam um em especial. O Sujeito 3 apenas comentou que gostava
especialmente dos professores da área de Ciências (área de seu interesse) e das experiências
79
que realizavam nos laboratórios e que isso veio a influenciar profundamente sua atuação
profissional.
O Sujeito 2 tem boas recordações de duas professoras: a Professora J., sua primeira
cargos que venho ocupando, eu sempre procurei me inspirar [...]. Respeitava muito os alunos
e isso foi uma coisa que sempre me chamou atenção [...]. Porque pra mim foi legal, acho que
Outros modelos de professores servem para orientar o “não fazer” como docente, ou
seja, servem de “anti-inspiração” como denota Mizukami (2002). Tal como conta o Sujeito 1,
sobre uma Professora que: “ me mandava para o quadro e me dava um branco, porque tudo
que a gente aprendia tinha que escrever no quadro, e eu esquecia, ela me chamava de
foguinho e eu ficava brava [...]. Eu jamais repetiria uma coisa dessas [...]”.
segundo eles, agiam de forma incorreta ou incômoda, serviram como antimodelos nas suas
auto-análises como professores, visando não repetir as mesmas atitudes com os seus alunos.
É na relação com outro ser humano que o indivíduo também se reconhece como
humano e tem a possibilidade de refletir sobre si mesmo, sobre a sua história, sobre seu
profissão. A escolha profissional é, portanto, outro elemento que emergiu como significativo
Para o Sujeito 2, a escolha pelo magistério era a única opção para as mulheres.
Embora dizendo que sempre tivesse vontade de ser professora, confessa que, somente durante
a Escola Normal, identificou-se com o magistério. Relata que: “o Curso Normal não
preparava só para ser professora, preparava para o casamento também. O tipo de conteúdo,
as disciplinas que nós tínhamos, economia doméstica, as prendas domésticas, tudo isso então
era uma preparação para o casamento.” Possivelmente, por esse motivo, é que o Sujeito 4
conta que foi aconselhado pela Diretora para não prosseguir na Escola Normal Regional, pois
Embora o Sujeito 1 tenha afirmado que sua opção pela profissão foi despertada ainda
quando criança, que a tenha escolhido por gosto, implicitamente sua escolha pelo magistério
também está muito calcada nos valores culturais e sociais da época: profissão feminina
41
Neste trabalho, o ambiente sociocultural refere-se tanto a fatores abrangentes como o espaço e contexto
histórico onde o sujeito se desenvolve, seu nível socioeconômico, quanto ao grupo cultural com o qual o sujeito
estabelece relações.
42
Optou-se por se tratar da formação inicial para a docência dos Sujeitos 1 e 2 nesta unidade, baseando-se na
legislação brasileira atual, que inclui o Curso Normal no nível Médio de Ensino que, hoje faz parte da Educação
Básica.
81
Esses dados remetem à análise de que a preparação para a maternidade e para a vida
doméstica eram motivos relevantes para a escolha pelo magistério. Há, portanto, uma estreita
meados do século XX. Podia-se observar que as classes das Escolas Normais, se não inteiras,
eram predominantemente compostas por mulheres. É o caso do Sujeito 1 que relata que se
O instinto natural feminino de mãe era considerado ideal para a educação das
crianças, pois, como afirma Costa (1995), concebia-se que quem se ocupava em educar e
conduzir seus filhos, no lar, certamente também seria capaz de se ocupar da tarefa de educar
somam-se aos motivos de preparar para a maternidade e vida doméstica, outros como: a
remuneração (os homens desvinculavam-se do magistério para optar por outras profissões que
lhes dessem melhores condições de sustentar uma família); o fato de a mulher poder conciliar
escolares. Tais argumentos vêm ao encontro dos estudos de Enguita (1989, p. 240), nos quais
alude a que é muito provável que as jovens, especialmente as da classe média, procurassem
mulher, “construindo assim uma feminidade mais aberta a uma incorporação parcial dos
Enguita (1989, p. 127) ainda expõe que as mulheres não são completamente ingênuas
a esse respeito. Elas muitas vezes são conscientes das restrições e das obrigações decorrentes
do casamento, mas também são realistas nesse caso. Sabem que, nas condições sociais nas
82
culto do romance as protege contra esses custos e lhes dá poder real na família, enquanto
autor).
fizeram realmente escolhas ou foram escolhidas pela sociedade para serem professoras? De
por meio do magistério, romper os limites da estrutura patriarcal então predominante? Cabe
então, refletir: Será que a escolha pela profissão “professora” não significava a conquista de
“era uma pessoa chique, muito linda, delicada. Sempre de salto alto e bem vestida. Então,
era um perfil de uma grande dama [...]” (Sujeito 1). As falas das duas professoras desta
Mesmo, talvez, sem a real ciência das professoras, percebe-se que o fato de
na sociedade, pois não era mais somente o homem que provia as necessidades financeiras da
da família, a mulher “professora” passava a ter, cada vez mais, voz e vez nas decisões com
relação à casa e à sociedade. Costa (1995, p. 184), baseada em sua pesquisa sobre trabalho
docente e gênero, afirma que “em muitas situações emerge o maternal e o afetivo [na atuação
Conforme Fontana (1997, p. 94), cada um dos papéis sociais assumidos pelos
sujeitos “determina uma série de atividades práticas, mobiliza funções psicológicas, implica
modos de relação, valores e prioridades que se ordenam de modos distintos nas diferentes
esferas da vida social.” Nesse sentido, é possível pensar numa heterogeneidade e instabilidade
resistências dos sujeitos, das mudanças sociais, econômicas e políticas, gerando novas formas
professoras que optaram pelo magistério, desde a Escola Normal, foram os estágios
[...]” e sobre a Escola Normal “era bem puxado, realmente preparava a gente, foi nos anos
84
de 64 a 68 [...]. O estágio era terrível, porque você tinha que ir muito bem preparada, de
Nota-se, na verdade, que os estágios curriculares acabavam sendo apenas uma réplica
da atuação de seus professores em sala de aula. Não era permitido criar ou adaptar outras
vivido pelos professores não se exercem sobre algo inerte, pelo contrário, o sujeito humano é
formação acadêmica e outro que revela as contribuições dessa formação para o exercício da
retratam diferenças entre os Sujeitos. O Sujeito 1 revela dois motivos principais para o seu
deixou um intervalo de dez anos entre a sua formação na Escola Normal e o seu ingresso na
faculdade em 1971, no Curso de História. O motivo que a levou à faculdade foi a preocupação
de poder contribuir mais, como Supervisora Escolar, com a ação educativa das professoras da
Diferentemente das mulheres, os sujeitos homens tiveram sua formação inicial para a
docência apenas no Ensino Superior e nenhum deles optou pela Licenciatura com a intenção
primeira de atuar como professor. O Sujeito 3 optou pelo curso de Ciências e Biologia, por
sua estreita ligação com a natureza e com a pesquisa, para satisfazer sua curiosidade e vontade
de descobrir as coisas. Também, para ter um curso reconhecido além dos muros do Seminário,
pois, as dúvidas com relação aos dogmas da Igreja Católica vinham alimentando sua decisão
O Sujeito 4 optou pelo curso de História, por sempre ter tido um bom rendimento nas
aulas de História na sua escolarização básica. Após ter-se formado em História, chegou a
iniciar outra graduação na área empresarial, mas não terminou, porque decidiu sair desse ramo
e iniciar sua carreira no magistério. Começou a atuar como professor, para complementar sua
renda financeira e só depois disso, segundo ele, viu-se identificado com a profissão.
escolarização foram determinantes nas motivações particulares dos Sujeitos para a escolha do
o curso teve a sua importância, mas criticam a metodologia utilizada pela maioria dos
graduação.
o Sujeito 2, por exemplo, o período da Ditadura Militar prejudicou sua formação no que diz
acesso a algumas leituras que foram tiradas da biblioteca, não podíamos ler Marx e todas
essas questões [...], nenhuma discussão política [...], não havia muito debate, não havia
do Sujeito 1 em seus estágios na Escola Normal. Segundo ela, o uso do mimeógrafo foi
proibido: “Quando foi barrado o uso do mimeógrafo eu fiquei pensando, mas por quê? Então
alguém disse que não podia porque você poderia estar multiplicando alguma coisa que não
devia.”
períodos da história da sociedade, ambas se entrelaçam, pois a história individual está inserida
na história de um coletivo. Como se pode perceber nos dados, a Ditadura Militar no Brasil foi
Devido a este Decreto, nesse período, principalmente nos grandes centros urbanos,
vários professores foram presos e/ou demitidos, universidades foram invadidas e vigiadas,
estudantes foram presos, feridos e alguns até mortos em confrontos com a polícia. Nas
cidades do interior, essa violência militar parece ter sido mais amena, mas também afetou a
parte da sua trajetória de vida, pois conta das constantes repreensões de seus superiores na
Igreja, relatando que foi coagido e ameaçado de prisão pelo então Governo Militar. Na
cidade de Petrópolis/RJ e visitava as casas dos paroquianos, alertando-os para que para não se
Não é por acaso, portanto, o Sujeito 3 parece notar e fazer, em relação aos outros três
Sujeitos, uma leitura mais crítica acerca da divisão da sociedade em classes economicamente
tentam minimizar essas diferenças, por meio de esforços de conscientização dos oprimidos:
“nós víamos, que o povo era explorado por eles [grandes fazendeiros] e nós combatíamos
essa questão [...]. Mas, com isso, caímos nas más graças das autoridades da época que nos
chamaram atenção para não fomentar essas idéias ou, do contrário, seríamos presos. Então,
com certo cuidado, não pregávamos abertamente essas nossas idéias.” Essa leitura crítica da
sociedade não é percebida em nenhuma outra história de vida dos professores desta pesquisa.
sociedade. Adota uma visão liberal, afirmando que o sucesso depende da capacidade inata e
econômicos e políticos: “Você, como professora, poderia chegar a um desses cargos [direção
escolar], dependendo da tua capacidade [...]. Eu vejo que as coisas devem ocorrer dentro de
um fluxo normal, natural. [...] Você tem que trabalhar e automaticamente o dinheiro aparece
[...]. Você nasce com aquilo, só você tem que procurar despertar aquilo.”
intensa jornada de até 60 horas semanais de trabalho. O Sujeito 4, por exemplo, trabalha em
cinco empregos diferentes. Isso promove a alienação, pois na falta de tempo, é impossível
89
uma análise crítica. De acordo com Contreras (2002), o controle burocrático, a rotina, a
Mas, como explicar o fato do Sujeito 3, professor como os outros Sujeitos, conseguir
fazer uma análise mais crítica da sociedade? Como explicar o fato de ele parecer mais
autônomo? Como explicá-lo, sabendo que os Sujeitos desta pesquisa nasceram em lugares
próximos uns dos outros, têm origens sociais semelhantes e passaram pelos mesmos modelos
Sujeito 3?
mesmo cumprindo todas as atividades de seminarista por cerca de vinte anos, teve tempo
suficiente para dedicar-se aos estudos, o que se deu em excelentes condições: laboratórios
equipados, bibliotecas com grande acervo etc. Teve tempo e condições para realizar as
leituras de sua preferência, além daquelas indicadas pelo seminário. Diferentemente do que
relatam os demais Sujeitos, para o Sujeito 3 a leitura fazia parte de sua vida diária.
Freqüentemente buscava autores que pudessem sanar suas dúvidas e anseios com relação à
ciência e à Igreja. Infere-se disso que a leitura e o hábito de analisar as leituras que fazia,
foram diferenciais na constituição e autonomia desse Sujeito. O Sujeito 3 assumiu sua vida
fora da Igreja, como marido e pai, bem mais tarde do que os outros Sujeitos desta pesquisa.
Acrescenta-se a isso o fato de que as sociedades possuem elementos condicionantes das ações
até mesmo idênticos para todos os sujeitos, mas há elementos diferenciais, como se verifica
90
na história de vida do Sujeito 3. O que fez diferença para esse Sujeito superar as
determinações do momento histórico foram dois fatores: tempo e acesso à leituras críticas.
Os demais Sujeitos parecem não ter rompido completamente com a visão liberal de
sociedade, de escola, de educação. Nem mesmo a pós-graduação parece fazer diferença, pois
os quatro professores contam que têm especialização lato-sensu, cada um na sua área de
parecendo que essa instância de formação não foi tão significativa quanto a graduação. O
Sujeito 2 é o único que cursou mestrado. Afirma apenas que esta formação stricto-sensu foi
uma experiência enriquecedora, uma grande realização em sua vida. Não há outro tipo de
expressão que permita dar outro significado à pós-graduação nas histórias de vida dos
Sujeitos. Isso faz refletir que não são cursos ou títulos que garantem uma formação acadêmica
professor.
pelos professores, assim como esclarece Goodson (1995), com efeito significativo sobre os
elementos destacados nesta unidade: nas motivações presentes na escolha do curso e nas
Sujeitos desta pesquisa, a formação e, por sua vez, a constituição e autonomia profissional de
um professor, são muito influenciadas pelas diversas experiências de sua trajetória pessoal,
pelo contexto histórico, pelas relações sociais que estabelece, pela cultura, entre outras.
91
Sujeitos que contribuíram para o exercício da docência, além da educação formal recebida na
ambiente de trabalho dos Sujeitos, as exigências dos cargos e funções ocupadas nas
mais promoveu seu desenvolvimento profissional além dos muros da Instituição do Ensino
docência, ou seja, para a constituição do ser professor. Como conclui Libâneo (2001, p. 23) “é
historicamente como homens, como pessoas, como profissionais, como professores. Para os
Sujeitos, essas experiências são vividas e tratadas de acordo com valores, sentimentos, normas
do outro, nas interações face-a-face com colegas e alunos, “apontando os sinais e indícios
pode ter também períodos de estagnação. Nos Sujeitos desta pesquisa, a participação em
cursos, congressos e eventos na área educacional, esteve presente durante suas histórias de
vida. Porém, nota-se que tal participação se deve, em grande parte, às exigências próprias dos
cargos e funções que ocuparam nas instituições nas quais trabalharam, em sua grande maioria,
Embora as histórias de vida dos professores revelem que grande parte de sua
formação profissional se deve às exigências das instituições e dos órgãos nos quais
perspectiva, o Sujeito 3 é o que parece ser mais independente das exigências dos órgãos
oficiais com relação à sua própria formação. Como estava (e está) sempre com alguma
resolução de algum problema real. Foi assim que o Sujeito 3, ainda no seminário, inventou
uma máquina de trançar fios, para facilitar seu trabalho manual de desfiar e trançar fios de
meias velhas, para fazer redes, cobertores etc. Também criou uma plantação de arroz no
seminário para economizar custos com a compra desse alimento. Recentemente, dedica-se à
pesquisa sobre o efeito do pó de pedra basáltica como adubo em plantações. Vislumbra-se que
43
A tradução é lusitana.
93
Nesse contexto, cabe citar autores como André (2001), Behrens (2003) e Demo
(1996) que ressaltam que o ato de “pesquisar” do professor é um importante recurso para a
sua formação, para a sua prática e, pode-se dizer, para a conquista de sua autonomia. A
problemas cotidianos.
trabalho do professor, ou seja, as instituições com as quais teve ou tem contato, as exigências
vida dos professores. Nele aparecem marcadas pelos Sujeitos tanto as experiências do
percurso pessoal, da trajetória formal. que acontece no interior das instituições formadoras, ou
decorrentes.
94
funções ocupadas, sua atuação profissional. Está subdividido em três unidades significativas:
Esta unidade trata das vivências dos Sujeitos como professores, desde os primeiros
anos da carreira até o momento atual. Destacaram-se nela os seguintes elementos emergentes
por meio de concursos ou testes e por meio de indicação política. A segunda forma de
ingresso foi o meio encontrado pelo Sujeito 2, que relata uma conversa entre seu pai (Seu T.)
e o prefeito do município na época (Seu F.): “[...]‘_ Seu T., o Senhor não tem uma casinha
gostaria de fazer umas duas salas de aula, para começar[...]?’. E o meu pai respondeu: ‘_
Olha, Seu F., eu construo uma escola se o Senhor puser minha filha para trabalhar!’ [...]. O
meu pai construiu e o Prefeito me nomeou até que eu fizesse o concurso depois para o
Estado.”
95
Este relato do Sujeito 2 nos mostra que conseguir um emprego em órgãos públicos
por meio de indicação política ou por troca de favores parecia ser muito comum na época
os benefícios que proporcionam, tais como estabilidade, plano de saúde, plano de carreira,
salário satisfatório (na época). Esses benefícios, especialmente, a estabilidade, passam a ser
conquistas da carreira, consideradas muito importantes pelos Sujeitos, assim como propõe
Huberman (1995).
Sujeito 1, por exemplo, conta que “ trabalhava 4 horas [...], quando chovia não passava
nada, era um atoleiro só. Nós íamos de trem e pulávamos num potreiro que tinha lá, que até
hoje eu não sei direito onde fica e andávamos o restante até a escola.”.
Ao contrário das mulheres, e talvez por não terem cursado a Escola Normal como
experiências no magistério. O Sujeito 4 ainda relata que sua experiência de dez anos no setor
alunos, mas lhe faltavam “conteúdos”, para ministrar as aulas de História, elaborar
planejamentos etc., pois ele mesmo afirma: “É triste estar naquela época fazendo uma
faculdade por fazer [...]. Eu deixei meu diploma adormecido durante 9 anos como professor,
mas não porque ele não tinha valor, eu é que não dava o valor que ele merecia [...]”.
O Sujeito 3 teve sua primeira experiência como professor quando foi catequista e no
período em que fora professor do ensino supletivo, fundado pelo Seminário. Então, na
verdade, o Sujeito 3 começou a atuar como professor sem ter formação específica para tal,
para atender uma necessidade do Seminário, da Igreja com a qual tinha compromisso. Conta
que gostou da experiência, pois percebeu que, como professor, poderia expor suas idéias.
Mais tarde, depois de ter feito sua graduação, passou a dar aulas no seminário, de Ciências e
96
Biologia, e constatou que além de fomentar idéias, podia realizar seus desejos na ciência,
Com relação à permanência no trabalho docente, assim como conclui Souza (1996),
e condições sociais (garantia de sobrevivência, falta de opção, possuir um diploma, ter uma
trabalha com idéias [...]. Eu acho que o professor ainda é um campo onde ele tem bastante
também.”
Assim como expõe Souza (1997), se o ingresso na carreira docente ocorreu como
mostram-se como são: ambíguas, contraditórias, marcadas ao mesmo tempo por relações de
rumo à autonomia.
como indicam Gadotti (1998) e Saviani (2000), quanto na contestação das imposições
econômicas ou culturais, como indicam Cury (1986), Freire (2003) e Giroux (1997). Nem
sempre as reproduzem, também resistem a elas, manifestando significados e práticas que são
relativamente autônomas.
A esse respeito, tomando por base os estudos de Apple (1989) e Enguita (1989),
pode-se pensar que os professores possuem uma autonomia relativa. Ao mesmo tempo em
que endossam e estão vinculados ao poder do sistema econômico, social e político, encontram
97
Os dados dos Sujeitos mostram também que o exercício de outras atividades além
interromperam, por um certo período. Por exemplo, um dado que coincide nos percursos
escolares de 1ª a 4ª séries, em meados da década de 80. De acordo com Cardoso (1997), pode-
em todo o país.
escolar, na qual, cabia ao supervisor escolar orientar os professores mais jovens, para um
supervisor escolar devia selecionar exercícios e materiais didáticos variados, ministrar aulas
grupo de professores pensa, organiza e planeja e outro grupo executa [...]”. (CARDOSO,
1997, p. 88).
entendimento das próprias funções do professor, coincide com uma transição econômica,
política e social do país. Especialmente, esta última vertente apresentada, está fundamentada
na tendência tecnicista, preconizada pelo Governo Militar e pelos acordos MEC – USAID.
supervisor escolar o que, de acordo com seus relatos, aconteceu lentamente. A professora -
Sujeito 2, quando atuava como docente, indignava-se com a função de fiscalização e controle
exercida pelo supervisor: “[...] no dia da prova, que era com data marcada, a supervisora
chegava com as provas prontas, lacradas e entregava as provas para uma outra professora
que ia aplicar para os meus alunos e eu sempre briguei muito por causa disso.”
e não mais de professora e conta: “Nos unimos assim, num grupo [de supervisoras] que
pensava igual e a primeira coisa que conseguimos mudar, nós ainda continuávamos fazendo
a prova, mas antes dela ser mimeografada, nós fazíamos reunião com as nossas professoras e
mostrávamos as provas para elas, para que elas pudessem opinar em alguma questão.
Aceitávamos sugestões, porque era um direito da professora, ela que tinha todo esse processo
do conhecimento junto com as crianças e fiquei nove anos como supervisora e, nos últimos
[...]”.
professora e depois como supervisora, apontam essa inversão de posições como um elemento
exercer a função de supervisora possibilitou exercer sua autonomia para alterar uma realidade
99
com a qual não concordava, embora ainda respeitasse ordens superiores (levou quase nove
fiscalizar os professores, diz sempre ter cumprido sua função de supervisora, não explicitando
alguma ação para que ocorresse uma mudança, indicando uma reprodução da situação.
Por estes relatos dos Sujeitos 1 e 2, como supervisoras, pode-se notar que a atuação
autônoma do professor se deve, não somente às oportunidades que lhe são apresentadas para
exercê-la, mas também ao modo como as percebe. Nessa perspectiva, Contreras (2002, p.
197) escreve que a autonomia “não é um estado ou um atributo das pessoas, mas um
exercício, uma qualidade da vida que vivem.” Isto é, as pessoas conduzem-se autonomamente
O Sujeito 1 foi membro ativo da APP-Sindicato, na década de 80, durante dois anos.
Expõe que essa participação contribuiu para o seu desenvolvimento profissional, no sentido
opinião dos outros e a tomar uma posição principalmente [...]. O posicionamento é muito
Entendendo que a formação docente, assim como diz García (1999), refere-se à área
uma visão crítica da realidade, de sua situação, como profissional, de sua prática pedagógica.
ideológicas, assim como propõe as teorias críticas da educação, que consideram o professor
reformas educacionais que marcaram o ensino e, também, suas carreiras. Criticam o fato de o
governo sempre seguir modelos educacionais de outros países, sem consultar ou preocupar-se
com a formação dos professores, para assumir tal reforma. O Sujeito 1 justifica afirmando
que, na ocasião da implantação da LDB 5692/71, os estudos foram superficiais e por isso,
posicionam-se, afirmando que esta proporcionou uma maior liberdade e autonomia para os
professores e escolas, mas que ainda falta maior participação da classe na discussão e
movimentos e associações da classe, ainda estão à margem das políticas educacionais. Assim,
reprodução, constituindo uma espécie de autonomia limitada. Mais uma vez, reforça-se a idéia
momento atual, que o define como o “novo paradigma”, reconhece que teria atitudes
diferentes como professora. Percebe que sua atuação educativa de anos atrás, em sala de aula,
não seria mais adequada aos dias de hoje, devido às mudanças na sociedade e na própria
escola : “[...] quando a gente se lembra das coisas que aconteciam e vê agora o novo parecer,
o novo paradigma, você fica pensando, meu Deus, quanta coisa errada eu fiz!”.
Mas, ao se indagar por quais razões que cada um dos professores ensinou ou ensina
desta ou daquela maneira, age desta ou daquela forma, é possível concordar com Fonseca
(1997) que supõe que um amálgama dinâmico de sentimentos, gostos, experiências, valores e
um dos professores.
102
Soares (1991) e Souza (1996), pode-se afirmar que uma certa maneira particular de ser e agir
que cada um possui é formada a partir da influência exercida pelos sistemas formativos e
normativos, pela economia, pela política, pela cultura, pelas interações com outras pessoas,
Acredita-se que é nesse sentido que Nóvoa (1995c) salienta que a maneira como o
professor age como profissional está diretamente dependente do que ele é como pessoa. E o
que o professor é como pessoa está diretamente relacionado ao que ele é como profissional.
mulher, cidadão, avó, pai e filho, mãe e filha, irmão, esposo, esposa, o professor inexperiente,
entre outros.
aprendem e constituem-se. Esta unidade refere-se às vivências dos Sujeitos nas instituições e
103
busca pelo domínio da área de conhecimento a que se dedicam e como transpor didaticamente
esses conhecimentos aos alunos; conhecer a escola, a instituição na qual trabalham; exercer
trabalho.
realização de um bom trabalho são apontados como essenciais pelos professores. Para o
Sujeito 1, o convívio com os colegas foi “sempre de muita amizade [...], fazíamos as festas
É unânime entre autores como García (1999), Fullan e Hargreaves (2000), Nóvoa
profissional do professor pode, assim, ser favorecida por um movimento, a partir das
contexto de relações e não isoladamente. E a autonomia está, portanto, “na relação com o
objetivos comuns: “[...] para que a gente possa caminhar com mais unidade, todos os
que para haver coletivo não deve haver conflitos ou divergências de idéias, como por
exemplo, afirma que “uma classe [a dos professores], para ser unida, não pode estar
As falas desses Sujeitos revelam uma posição de coletivo que emerge da concepção
de uma educação homogeneizadora, apolítica, vivida e internalizada por eles. Como ser
autônomo, numa concepção de coletivo como massa, com todos pensando e agindo da mesma
forma?
são pessoas singulares, isto é, considera-se que cada qual tem o seu modo particular de pensar
professor. Os conflitos, na verdade, são inerentes à idéia de coletivo. Como denota Arendt
(1983, p.12)
é na relação, no diálogo com o outro, que o sujeito aprende e se apropria do vivido, que se
Um outro elemento que marca os relatos dos Sujeitos nesta unidade são as
fora do ambiente escolar influenciam a atuação profissional dos professores pesquisados. Isto
é explicitado claramente, por exemplo, na fala do Sujeito 4, quando traz para o seu cotidiano
de professor elementos de outros cotidianos vividos por ele, valendo-se de suas experiências
como coroinha da Igreja, no Exército e nas empresas em que trabalhou para organizar suas
aulas e sugerir mudanças na organização do sistema escolar, com relação à ocupação do cargo
Banco? Por que um vigário troca de Paróquia? Por que exatamente um diretor de escola não
problema?”.
foram tão marcantes que ele os toma como modelos em seu percurso profissional docente. E,
com certa regularidade, entre os quatro Sujeitos desta pesquisa, elementos vividos no
Sujeito 3 que conta que a vida no seminário era muito regular, rígida, sincera, não era
permitido “colar” de jeito algum e “[...] naturalmente estas atitudes eu guardei com muita
rigidez [...] passei também a idéia aos alunos [...]”. Nesse sentido, cabe citar a análise de
Fontana (1997) que conclui que as relações que o sujeito estabelece com os outros, os modos
de agir com e sobre os outros, tornam-se formas de relação e de ação sobre ele mesmo.
síntese, em que o sujeito atribui significados próprios às ações, chegando a uma autonomia.
Esta unidade traz elementos que, segundo os relatos dos Sujeitos, significam alegria
e realização na carreira docente, como o convívio com os alunos e, também aponta elementos
que significam obstáculos do percurso profissional, como a relação com colegas de trabalho,
prioritariamente relacionadas ao convívio com os alunos. É sobre esse aspecto, portanto, que
que eu convivi com os meus alunos, considero como melhores momentos. Até hoje eu tenho
uma ligação muito forte com os meus alunos.” - (Sujeito 2).“Eu acho que melhores
momentos eu colocaria a sala de aula de 1ª a 4ª. Foi muito bom, tanto no início quanto
quando eu peguei o segundo padrão, que eu voltei.”- (Sujeito 1). “São tantos momentos de
satisfação, desde aquele bilhete que você recebe do aluno até uma homenagem [...]”-
(Sujeito 4).
fato relacionado ao convívio com uma colega de trabalho, que quase a levou à desistência
da profissão: “[...] uma diretora muito insegura e imatura, ao mesmo tempo, que quase não
confiança, porque eu dava respostas pra elas [...], me apunhalando pelas costas, me
do Sujeito 1, pois segundo Fontana (1997, p. 133), “as relações de trabalho que nos afastam
107
de nossos pares empobrecem nossa constituição como profissionais e como sujeitos [...]”. Vê-
se, mais uma vez, que o trabalho coletivo mediado pelo diálogo, é um importante recurso para
a atividade docente.
Tecendo uma visão crítica do momento atual, os Sujeitos destacam também, como
Para o Sujeito 3, aspectos negativos como os citados parecem até causar-lhe certo
da maneira como está organizada hoje (laboratórios não adequados, desinteresse dos alunos
e da Direção, falta de tempo, falta de recursos financeiros etc.), não viabiliza seus projetos de
pesquisa. Observa que isto o desanima e receia que possa estar prejudicando os alunos em sua
Ao contrário dos demais sujeitos, o Sujeito 2 parece ter uma visão otimista, pois
afirma que “houve uma revolução no ensino [...], houve melhora em todos os sentidos [...]”.
sociedade, como cita as inovações tecnológicas e novas metodologias, e diz adaptar sua ação
pedagógica a elas. Isto, para ela, eleva a qualidade do ensino. Nota essa mudança também
entre os acadêmicos do curso em que leciona na faculdade, que estão mais participativos e
Pode-se inferir que essa divergência sobre a percepção das condições da escola
44
A expressão mal-estar docente, segundo Esteve (1999, p. 98), é utilizada para descrever “os efeitos
permanentes de caráter negativo, que afetam a personalidade do professor como resultado das
condições psicológicas e sociais em que exerce a docência, devido à mudança social acelerada.”
108
seu percurso profissional e da especificidade de seu trabalho docente. Como assinala Fontana
(1997, p. 137):
pesquisa, cada qual com a sua singularidade, tiveram obstáculos a serem superados como
momentos de desânimo, ansiedade e até mesmo mágoas, mas também tiveram muitas
professor para professor, devido às influências socioculturais às quais está exposto e ao modo
Nos relatos dos Sujeitos, é possível identificar a fase de estabilização de que trata
Huberman (1995), na qual os professores sentem-se mais seguros com relação à profissão e há
exceção do Sujeito 3, mesmo chegando ao final de suas carreiras, parecem não se inserirem na
fase de desinvestimento na profissão. Pelo contrário, eles têm planos futuros na carreira
dedicar mais à família quando se aposentar, diz que tem compromisso com a instituição em
que trabalha, pelos próximos quatro anos, e esse tempo, possivelmente, pode-se estender. O
Sujeito 4 pretende dedicar-se mais a si mesmo, descansar, mas afirma ainda querer percorrer
escolhas e também fazerem planos para o futuro. Ao final dos relatos, os próprios professores
história oral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
definitivas para os objetivos propostos, esta pesquisa possibilitou destacar algumas indicações
docente.
olhar do presente que o sujeito percebe seu passado, relata-o e o analisa. Assim, se os dados
111
revelados nos relatos dos professores fazem parte da memória de cada um deles, constata-se
que a memória dos sujeitos “não é o acesso a um continente de lembranças armazenadas, mas
uma elaboração, governada pelo sujeito presente, de aspectos do passado.” (CERRI, 2000, p.
115).
Bosi (1994) e Oliveira (2004) fazem ver que apesar de a história oral ter o seu
enfoque nos aspectos individuais da vida de cada sujeito, ao mesmo tempo uma memória
coletiva é ativada, pois à medida que cada indivíduo conta a sua história, ele se encontra
Desse modo, pode-se dizer que os dados desta pesquisa revelaram aspectos da história da
história individual de cada um dos sujeitos pesquisados, revelando, ainda, que o processo de
constituição é coletivo. O caráter coletivo advém à medida que o sujeito estabelece relações
sociais, sendo singular, à medida que imprime, nessas relações sociais, a sua marca, a sua
subjetividade.
Sob essa perspectiva, constatou-se por meio das histórias de vida, que o sujeito –
pois no decorrer de todos os relatos, esses percursos mostram-se entrelaçados por meio de
múltiplos movimentos, que dificultam, muitas vezes, a distinção entre um e outro. Cada um
desses percursos oportunizou diferentes experiências e relações sociais e, estas, por sua vez,
amplo processo, que inclui, desde a suas experiências no seio familiar, sua escolarização, até
112
Os elementos externos – culturais, que aparecem nas histórias de vida dos Sujeitos,
muito próximos e semelhantes, revelando tendências comuns entre eles. Mas, as escolhas, as
relações sociais que estabeleceram e o modo como cada sujeito – professor as trata é
particular, “uma vez que o significado, de que cada um deles se revestiu, dependeu do lugar
que cada personagem ocupou na trama de relações em que cada história foi-se tecendo.”
(FONTANA, 1997, p. 134). Por isso, ainda que os fatores constitutivos possam ser muito
próximos e até os mesmos, para todo e qualquer sujeito, o processo de constituição de cada
seu ambiente sociocultural, com as relações sociais e com a sua subjetividade podem ser
Nas histórias de vida analisadas nesta pesquisa, todos os elementos que emergiram
das falas dos Sujeitos apontados no Capítulo IV são significativos na constituição e autonomia
cada momento quais comportamentos são esperados e aceitos para homens e mulheres. Por
conseguinte, em vários momentos das histórias de vida dos professores pesquisados é possível
distinguir e relacionar, sem mesmo nominar, quais dos Sujeitos são mulheres e quais são
homens. Há diferenças nas trajetórias de vida e na constituição desses como docentes, por
serem homens ou mulheres. Diferenças que vão desde o tratamento recebido na família
professor.
formação produziu significados e sentidos que os acompanharam desde o início até o final de
seus relatos, ou seja, por toda a vida de cada um. Os modelos de pai, mãe e de professores são
discutindo, construindo sua prática pedagógica no dia a dia da sala de aula. Na relação com os
processo de constituição de cada professor. Inúmeras situações vividas pelos Sujeitos, como a
até a anulá-la.
A questão da falta de tempo emerge das trajetórias da maior parte dos Sujeitos como
conciliar o trabalho com as atividades domésticas (no caso dos Sujeitos mulheres), são
exemplos de que o professor, muitas vezes, não consegue o tempo necessário para dedicar-se
a leituras e para proceder a uma análise crítica da realidade, de sua própria formação e
profissão. Além disso, não são compensados financeiramente para prover o sustento da
família e ainda investir em sua formação, como apontam Apple (1989) e Ponce (2004). Outra
conseqüência da falta de tempo assinalada por Silva (1991) é o afastamento do professor das
classe, incentivando o individualismo, levando-o à alienação. Isto faz com que o professor
movimentos e associações da classe. Por meio do relato do Sujeito 3, pode-se concluir que o
estudo, a pesquisa, a leitura e o hábito de análise crítica da leitura foram, em sua trajetória,
fatores relevantes na construção da autonomia docente. Isso sugere que esses fatores devem
Baseando-se nos dados desta pesquisa, pode-se afirmar que a autonomia no processo
(1989) e Enguita (1989). Os professores em alguns momentos e situações apenas agem como
115
meros executores e reprodutores, às vezes, sem perceber ou mesmo por conveniência, para
atingir seus propósitos particulares. Em outros momentos, agem com resistência, com
consciência e criticidade.
autoconhecer, compreender os modos pelos quais se constitui, pois como denota Contreras
pessoal de quem somos como profissionais, e a consciência e realidade de que esta definição e
constituição não pode ser realizada senão no seio da própria realidade profissional [...]”.
Esta pesquisa mostra que rememorar e refletir intimamente sobre sua história de
suas limitações e encontrar meios para rompê-las, compreender que seu processo de formação
não é ingênuo e nem intermitente e que a autonomia deve ser uma busca permanente. Pode
permitir ao professor questionar-se, porque ensina deste ou daquele jeito, entender o porquê e
como se tornou o que é e, especialmente, perceber que não é um ser acabado, mas um sujeito
passa a ser um desafio para os cursos de formação de professores e para a escola. É uma
relação que deve e merece ser mais bem explorada em outras pesquisas, pois como sublinha
Freire (1999), o espaço profissional docente é um “texto” para ser, permanentemente, lido,
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______. Manuscrito de 1929. Educação & Sociedade, Campinas, v. 21, n. 71, p. 21-44, jul.
2000a.
Percurso pessoal: quando e onde nasceu; sua família, sua infância; o modo de vida; as
crenças religiosas e políticas; mudanças residenciais; acontecimentos marcantes; o
cotidiano; juventude; casamento; filhos etc.
Percurso formativo: quando e onde estudou; a vida na escola como aluno; curso
superior: como foram o ingresso e a duração do curso, relacionamento com colegas e
professores, disciplinas, leituras, preparação pedagógica, estágios, participação em
agremiações, casos interessantes, influências teóricas e políticas; pós-graduação;
participação em cursos de extensão, congressos; ambientes e estratégias de formação
continuada (Por incentivo de quem? Promovido por quem?) etc.
Percurso profissional: por que, como, quando e onde iniciou a carreira; expectativas
com relação à carreira; percepções com relação ao ensino no decorrer da carreira; os
concursos; convites; as instituições e níveis de atuação; estabilidade; condições de
trabalho; salário; participação de associações da categoria; relacionamento com os
colegas e alunos; metodologia; reformas educacionais, sociais, políticas e econômicas
etc. Você se sente realizado nesta profissão? Se pudesse fazer tudo de novo, seria
professor novamente?
127
1. DADOS PESSOAIS:
Nome: _____________________________________________________________________
Idade: _____________________________________________________________________
Naturalidade: _______________________________________________________________
Sexo: ________ Estado Civil: ___________________________ nº de filhos: ____________
FORMAÇÃO ACADÊMICA:
2.1 GRADUAÇÃO
Curso: _____________________________________________________________________
Instituição: _________________________________________________________________
Ano de Conclusão: ___________________________________________________________
1.3 MESTRADO:
Curso: _____________________________________________________________________
Instituição: _________________________________________________________________
Ano de Conclusão: ___________________________________________________________
Título da Dissertação: ________________________________________________________
1.4 DOUTORADO:
Curso: _____________________________________________________________________
Instituição: _________________________________________________________________
Ano de Conclusão: ___________________________________________________________
Título da Tese: ______________________________________________________________
2. EXPERIÊNCIA DOCENTE
Ensino Fundamental (Séries Iniciais) _____ Anos
Ensino Fundamental (5ª A 8ª) _______ Anos
Ensino Médio _____ Anos
Em Cursos de Capacitação de Professores (Magistério) ______ Anos
Curso Superior ______ Anos. Disciplinas:
3. EXPERIÊNCIA TÉCNICO-ADMINISTRATIVA:
Foi Diretor de Escola: _______ Anos
Foi Supervisor Escolar: _________ Anos
128
Nome: ________________________________________________________________________
Atividade: _____________________________________________________________________
Nome: ________________________________________________________________________
Atividade: _____________________________________________________________________