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UNIVERSIDADE DE LISBOA

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

IMAGEM E IDENTIDADE:

Estudo sobre o professor universitário

MARIA DO SOCORRO CARNEIRO DE LIMA

DOUTORAMENTO EM EDUCAÇÃO
Especialidade em Administração e Política Educacional

2012
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UNIVERSIDADE DE LISBOA

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

IMAGEM E IDENTIDADE:

Estudo sobre o professor universitário

MARIA DO SOCORRO CARNEIRO DE LIMA

Tese orientada pelo Professor Doutor António Sampaio da Nóvoa, especialmente


elaborada para a obtenção do grau de Doutor em Educação em Administração e Política
Educacional

2012

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À minha mãe, por seu amor
incondicional.

Ao meu pai (in memorian), por


lastros sólidos aqui deixados.

Aos maninhos Lucinha e Alex,


por todas as horas.

Ao Marvim, pela generosidade


amorosa.

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AGRADECIMENTOS

Inspirada pela luminosidade do estuário do Tejo que banha com seu reflexo
luminoso a cidade de Lisboa, em terras lusitana que aprendi a amar e em que tive o
privilégio de encontrar amigos especiais, quero agradecer aos que fazem parte de minha
trajetória de vida, na constituição de meu ser pessoa e profissional, e que por limitação
do espaço da escrita não poderei nomeá-las, mas que me possibilitaram continuar a
acreditar que a melhor maneira de ver os sonhos e desejos realizados é persistentemente
nunca cessar de lutar para alcançá-los.

Ao Professor António Nóvoa, orientador e amigo que tão bem me acolheu em


Lisboa, pela simplicidade eloquente e estímulo acadêmico, por compreender e respeitar
meu ritmo, pela generosidade nos seminários tutoriais que ultrapassam as perspectivas
acadêmicas e espraiam-se em horizontes intelectuais e literários.

Aos professores do Programa de Doutoramento da Universidade de Lisboa, pela


contribuição e acolhida.

À Universidade Federal do Pará, Universidade da Amazônia e Fundação para o


Desenvolvimento da Amazônia, pelo apoio institucional, fundamental para a realização
do doutoramento.

Aos professores e alunos das Universidades participantes na investigação, pela


colaboração nas entrevistas e na resposta aos questionários, condição essencial para a
construção desta tese.

À Coordenação de Tecnologia da Informação e da Comunicação –


CTIC/UNAMA, em especial na pessoa do Professor Almir Monteiro Junior, que
paciente e generosamente orientou e auxiliou no processamento do questionário
eletrônico.

Às companheiras na trajetória desse Doutoramento, Ana Célia Bahia, Maria


Regina Maneschy e Rosa Helena Nogueira, por decididamente atravessarmos o
Atlântico e ancorarmos na Calçada do Carmo, nº3.

Aos colegas do doutoramento da Universidade de Lisboa, em especial a


Auxiliadora Fidelis Barbosa, pela amizade e diálogo constante.

À amiga Ilda Estela Amaral, pela amizade e contribuições fundamentais à tese. Para
Herika Nunes pela precisa e cuidadosa revisão do texto e para Teresa Fonseca pelo
apoio no suporte estatístico.

Às amigas Margarida Portela e Cely Nunes, por horas agradáveis, conversas


infindáveis e generosa amizade.

À minha família do Brasil, Lúcia, Lucinha e Alex, pelo amoroso apoio e


compreensão das ausências e, a minha família de Portugal, Marvim, Olga, Delci, Levi e
Filipe, pelo carinhoso e acolhedor apoio e incentivo.

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RESUMO

O presente estudo se insere na Especialidade em Administração e Política


Educacional, que intitulei Imagem e identidade: estudo sobre o professor universitário.
A questão central que procurei desenvolver reside na percepção de que as novas
condições que a profissão acadêmica assumiu, no âmbito das contemporâneas
transformações ocorridas no ensino superior, condicionaram, de modo particular, uma
reconfiguração nas imagens e nos perfis identitários sociais/profissionais dos
professores universitários. O objetivo geral que orientou o desenvolvimento da tese foi
descrever e analisar a configuração identitária profissional do professor universitário e
sua imagem socioprofissional no contexto das transformações ocorridas no ensino
superior. Adotei como fio condutor de análise as amplas reformas no âmbito da
educação superior brasileira, guiadas por orientações internacionais advindas de acordos
econômicos estabelecidos que, em última instância, provocam transformações na
Universidade, descaracterizando-a como instituição autônoma, alterando sua identidade
institucional, função social e dinâmica, acarretando repercussões ao trabalho docente.
O plano teórico desenvolve-se a partir de uma abordagem sócio-histórica,
referenciando-se nos Estudos Culturais e na Teoria das Representações Sociais com a
intencionalidade de refletir sobre a identidade e imagem social/profissional do professor
universitário. No plano empírico trata-se de uma investigação descritiva e interpretativa,
com uma abordagem da complementaridade quanti-qualitativa de coletas de dados e na
perspectiva da triangulação como uma forma de integrar diferentes aspectos do
fenômeno em estudo. A investigação ocorreu em duas Universidades brasileiras, na
cidade de Belém, Estado Pará, região norte do país. Utilizei questionários para os
professores e alunos e entrevistas semi-estruturada com professores. Na interpretação
dos dados elegi a análise da estatística descritiva (questionários), através da frequência e
da distribuição da amostra e a criação de tipologia (entrevistas) por meio da análise e da
categorização qualitativa das informações.
O resultado do estudo aponta para a configuração de alguns perfis identitários
que se formaram, sobretudo, com a diversificação na qual o sistema de ensino superior
brasileiro se estrutura no complexo processo que se arrasta politicamente, em um jogo
de forças e interesses em torno das reformas universitárias. Nesse campo de forças os
professores universitários podem ser distinguidos por meio de posicionamentos
contraditórios e ambíguos assumidos nos diversos grupos que se estabeleceram no
interior da Universidade. Foi evidenciado o esforço docente em lutar contra os
constrangimentos decorrentes das reformas que conduziram a uma nova composição na
profissão acadêmica, como uma posição de paralisia e isolamento no trabalho
acadêmico. No interior do conflito profissional expresso na contradição entre como se
reconhecem e de como são reconhecidos nos outros, os professores estão
ressignificando suas identidades profissionais em bases mais individuais do que
coletivas.

Palavras-Chave: Identidade profissional, imagem docente, ensino superior, reforma


universitária.

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ABSTRACT
The present study entitled “Image and Identity: a survey on the University
Teacher/Professor” is part of the Specialisation in Administration Course and
Educational Policy. The core question which I tried to develop is based on the
perception that the new conditions assumed by the academic career within the scope of
the current transformations that took place in the University Teaching, have led in a
particular way to the reshaping both of the image and socio-professional identifying
profiles of university teachers.

The general aim behind this thesis was to portray and scrutinize the university
teacher’s professional identifying configuration and his/her social and professional
image in the frame of all the changes occurred in the university studies. As a baseline
principle for analysis, I have adopted the wide range of reforms taken in the Brazilian
higher education, based on international orientations deriving from established
economic agreements, which ultimately lead to changes inside the University, depriving
it of its characteristics as an autonomous institution, altering its institutional identity,
social and dynamic role and, therefore, strongly impacting on the teachers’ work.

The theoretical plan develops from a socio-historical approach having as


reference the Cultural Studies and the Social Representation Theory and aiming to
reflect on the identity and social/professional image of the university teacher. In terms
of empirical knowledge, it is focused on a descriptive and interpretative investigation
with an approach to the quanti-qualitative complementarity of data collection as well as
on the triangulation perspective strategy as a means to integrate the several aspects of
the case study.

The investigation took place in two Brazilian universities, in the city of Belém,
state of Pará, in the country’s northern region. I used questionnaires both for teachers
and students and semi structured interviews with teachers/professors.
In order to interpret the data, I opted for the descriptive statistical analysis
(surveys) through the frequency and distribution of the sample and the creation of
typology (interviews) by means of analysis and the qualitative categorisation of data.
The result points to the configuration of some identifying profiles that have formed
mainly according to the diversification in which the Brazilian higher education
structures itself within the complex process driven by a long-lasting political game of
power and interests that surround the university reforms. In this power battlefield the
university teachers can be distinguished through contradictory and ambiguous
positioning held by the different groups that have established themselves inside the
university. There has been an evident effort by the teachers to struggle against the
consequent embarrassment resulting from the reforms that have led to a new
composition of the academic work. Inside the professional conflict explained by the
contradiction between the way university teachers regard themselves and the way they
are recognised by the others, the teachers are redefining their professional identities on a
more individual basis rather than on a collective one.

Keywords: Professional Identity, Teachers’ image, Higher Education, University


Reform.

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ÍNDICE GERAL

AGRADECIMENTOS ............................................................................................ i

RESUMO ................................................................................................................. ii

ABSTRACT ............................................................................................................. iii

ÍNDICE GERAL ..................................................................................................... iv

ÍNDICE DE FIGURAS E GRAFICOS ................................................................. viii

ÍNDICE DE QUADROS ........................................................................................ ix

ÍNDICE DE TABELAS .......................................................................................... x

ÍNDICE DE ANEXO DO CD ROOM.................................................................... xi

LISTA DE SIGLAS ................................................................................................ xii

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 1

CAPÍTULO I – UNIVERSIDADE – CENÁRIO DO EXERCÍCIO


PROFISSIONAL DOCENTE ....................................................
23
1. Considerações históricas, sentidos e finalidades do Ensino superior e
Universidade ......................................................................................................... 26
1.1. O Ensino Superior e Universidade – um cenário de mudança ........................ 30
1.2. Tendências atuais no Ensino Superior e na Universidade - novos cenários ... 36
1.3. Internacionalização, transnacionalização e Processo de Bolonha – um
cenário entre fronteiras.................................................................................... 40
2. Ensino Superior na América Latina – o cenário em grandes linhas ..................... 47
2.1. O Ensino Superior e o Mercosul ..................................................................... 54
3. A Universidade e o sistema do Ensino Superior do Brasil ................................... 57
3.1. O cenário em que surge a Universidade Brasileira ......................................... 57
3.2. O cenário de organização das Universidades brasileiras ................................ 62
3.3. Do atraso inicial ao crescimento expressivo – o cenário da graduação e da
pós-graduação de 1968 a 1997 ........................................................................ 69
3.4. O Sistema Nacional de Ensino Superior – o cenário contemporâneo ............. 75
3.5. O Ensino Superior brasileiro e a reforma universitária ................................... 85
4. Síntese do capítulo ................................................................................................ 95

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iv
CAPÍTULO II – PROFISSÃO ACADÊMICA – DOCÊNCIA, IDENTIDADE
E IMAGEM ................................................................................ 99

1. Breve apontamento sobre identidade e imagem profissional do professor


universitário .......................................................................................................... 99
1.1. Os Estudos Culturais – alternativa de compreensão da identidade
profissional do professor no ensino superior ................................................... 101

1.2. A teoria das representações Sociais – caminho de aproximação da imagem


docente .............................................................................................................. 113
2. Profissão acadêmica – novos desafios à docência ................................................ 118
3. O conhecimento pedagógico-didático na formação do professor universitário .... 126
3.1. O caminho da formação docente universitária no Brasil ................................ 140
4. O trabalho docente no cenário das reformas universitárias no Brasil – algumas
imagens ................................................................................................................ 146
5. Síntese do capítulo ................................................................................................ 158

CAPÍTULO III – DO PROBLEMA INICIAL AOS PROCEDIMENTOS


METODOLÓGICOS ................................................................ 161

1. O problema, as questões e os objetivos da investigação ....................................... 163


2. O desenho da investigação .................................................................................... 167
2.1. Os pressupostos metodológicos ...................................................................... 167
2.2. Instrumentos de recolha de informações ........................................................ 178
2.2.1. O questionário eletrônico .......................................................................... 179
2.2.1.1. Processo de construção, validação de conteúdo e teste-piloto dos
questionários........................................................................................ 182
2.2.1.2. A aplicação dos questionários ............................................................. 187
2.2.2. A entrevista ............................................................................................... 188
2.2.2.1. Elaboração do guião de entrevista, sua aplicação e transcrição .......... 191
2.3. Tratamento e análise dos dados ...................................................................... 196
2.3.1. Análise dos dados obtidos com os questionários ...................................... 197
2.3.2. Análise das informações da entrevista narrativa ....................................... 200
2.4. O plano amostral ............................................................................................. 207
3. O universo empírico da investigação – da região norte do Brasil ao perfil das
Universidades ...................................................................................................... 216
4. O risco e benefício da investigação – os cuidados éticos ..................................... 222
5. Síntese do capítulo ................................................................................................ 224

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CAPÍTULO IV – PROFESSORES E ALUNOS NO EXPRESSAR DE
CONSIDERAÇÕES SOBRE DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA 227

1. Descrição metodológica do capítulo ..................................................................... 228


2. Docentes e alunos no contexto universitário: um perfil ........................................ 234
3. Os professores universitários no exercício da profissão acadêmica ..................... 236
3.1. Qualificação acadêmica .................................................................................. 236
3.2. Tempo de docência e situação funcional ........................................................ 237
3.3. Condições de trabalho no exercício da docência – regime de trabalho, carga
horária, instituições de vinculação e ambiente acadêmico ............................ 239
4. A constituição da docência universitária na vida dos professores ........................ 243
4.1. Inserção na docência e exercício de outra atividade profissional ................... 247
4.2. A docência como opção única profissional e a continuidade na carreira ....... 248
4.3. Características marcantes do professor de referência ..................................... 250
5. Percepção docente sobre o contexto do trabalho acadêmico ................................ 252
5.1. Grau de identificação com as funções do trabalho acadêmico ....................... 252
5.2. Prestígio e valoração docente no exercício das funções acadêmicas .............. 253
5.3. Reconhecimento social da docência - prestígio acadêmico e remuneração .... 256
6. A pessoa e o profissional diante da complexidade do exercício da profissão
259
acadêmica ..............................................................................................................
6.1. Sobre a docência e a formação docente .......................................................... 260
6.2. Sobre o trabalho acadêmico e os sentimentos envolvidos .............................. 261
6.3. Sobre os dilemas acadêmicos contemporâneos .............................................. 263
6.4. Sobre as modificações na carreira e no trabalho cotidiano ............................. 265
6.5. Sobre as necessidades contemporâneas da docência ...................................... 267
7. O professor universitário – da imagem social a auto-imagem docente ................ 269
7.1. O trabalho acadêmico ...................................................................................... 271
7.2. A valorização da docência .............................................................................. 274
7.3. A auto-imagem docente .................................................................................. 276
8. Os estudantes universitários – a percepção de imagens sociais da docência e da
profissão acadêmica .............................................................................................. 280
8.1. Imagens do professores universitários na percepção dos alunos .................... 281
8.1.1. Imagem pedagógica .................................................................................. 282
8.1.2. Imagem socioprofissional ......................................................................... 283
8.1.3. Imagem pessoal ......................................................................................... 284

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vi
8.2. Profissão acadêmica e a imagem social da docência – o olhar discente ......... 286
8.2.1. As condições da profissão acadêmica ....................................................... 287
8.2.2. A imagem social da docência .................................................................... 289
9. Similitudes e dissonâncias - o encontro de imagens de alunos e professores ....... 291
9.1. Imagens de docentes e estudantes – Cultura profissional docente .................. 293
9.1.1. Aspectos pedagógico-didáticos ................................................................. 293
9.1.2. Aspectos Inter-relacionais ......................................................................... 296
9.2. Imagens de docentes e estudantes – Valorização profissional ........................ 298
9.2.1. Prestígio acadêmico .................................................................................. 298
9.2.2. Reconhecimento socioprofissional ........................................................... 300
10. Síntese do capítulo .............................................................................................. 302

CAPÍTULO V – DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA: SIMILITUDES E


DISSONÂNCIAS DE IMAGENS ............................................. 305

1. Apontamentos metodológicos à entrevista ........................................................... 307


2. Os docentes universitários interlocutores da entrevista ........................................ 310
2.1. Perfil descritivo dos docentes entrevistados ................................................... 312
3. Docência no contexto universitário – Concepções, dilemas e possibilidades ...... 314
3.1. As concepções da docência – os docentes em construção .............................. 315
3.2. Os dilemas contemporâneos da docência universitária ................................... 319
3.3. Docência universitária – Há possibilidades ou há esperanças? ...................... 328
3.4. Orientação para a docência universitária - a perspectiva dos professores
entrevistados .................................................................................................... 334
4. Percurso profissional do docente universitário – o processo de inserção e alguns 339
componentes da formação.......................................................................................
4.1. Evidenciando o caminho percorrido para a inserção na docência 343
Universitária .....................................................................................................
4.2. Movimento construtivo à docência universitária – caminhos de formação .... 347
5. Percepções e sentidos – o reflexo da imagem do professor universitário ............. 357
5.1. A imagem da docência universitária na perspectiva se si – a auto-imagem
docente ............................................................................................................ 357
5.2. A Imagem do outro na perspectiva docente – como os alunos universitários 361
e a sociedade de modo geral, percebem a imagem do professor universitário
6. Síntese do capítulo ................................................................................................ 369
APROXIMAÇÕES CONCLUSIVAS ................................................................... 373
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 409

vii
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ÍNDICE DE FIGURAS E GRÁFICOS

Figura 01: Desenho do Estudo................................................................................ 178

Figura 02: Unidades temáticas e categorias pré-definidas ..................................... 206

Gráfico 01: Matrícula nos programas de pós-graduação 2005/2006 ..................... 52

Gráfico 02: Número de matrículas por categoria administrativa – 1998 – 2002 ... 86

Gráfico 03: Qualificação Docente .......................................................................... 236

Gráfico 04: Número de funções desempenhadas no exercício da docência .......... 241

Gráfico 05: Atividade profissional exercida concomitante à docência


universitária ......................................................................................... 246

Gráfico 06: Características marcantes do professor de referência ......................... 250

Gráfico 07: Estratégias perante os dilemas acadêmicos ........................................ 263

Gráfico 8.1: A imagem pública do professor universitário como assalariado........ 279

Gráfico 8.2: Os professores são maus profissionais .............................................. 279

Gráfico 8.3: O prestígio do professor alicerça-se na pesquisa ............................... 279

Gráfico 8.4: Títulos acadêmicos conferem uma boa imagem profissional ............ 279

Gráfico 8.5: Os professores universitários têm bom nível cultural ........................ 279

Gráfico 09: Imagem da prática pedagógica docente na percepção dos alunos ...... 283

Gráfico 10: Imagem pessoal dos docentes na percepção dos alunos ..................... 285

Gráfico 11: Imagens de docentes e estudantes – Aspectos Pedagógico-didáticos 295

Gráfico 12: Imagens de docentes e estudantes – Prestígio acadêmico................... 299

viii
17
ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 01: Instituições de Ensino Superior na América Latina ............................ 51


Quadro 02: Instituições de Ensino Superior no Brasil: tipo de gestão/instituições
– 2009 .................................................................................................. 52
Quadro 03: Expansão do Ensino Superior de 1968 a 1997 – Instituições públicas
e privadas ............................................................................................. 70
Quadro 04: Evolução do número de matrícula e de docentes - 1968-1997............ 71
Quadro 05: Evolução do número de docentes do Sistema Federal de Ensino
Superior por qualificação -1974/1997 ................................................. 73
Quadro 06: Evolução da quantidade de cursos de Mestrado e Doutorado - 1976-
1996 ...................................................................................................... 74
Quadro 07: Número total de docentes em exercício, por grau de formação e
categoria administrativa – 2001-2010 .................................................. 81
Quadro 08: Número total de docentes em exercício por organização acadêmica
e regime de trabalho – 2001-2010 ....................................................... 83
Quadro 09: Número total de instituições de ensino superior por organização
acadêmica– 2010 .................................................................................. 90
Quadro 10: Cruzamento de questões no questionário de docentes e estudantes .... 185
Quadro 11: Especialistas que realizaram a validação de conteúdo ........................ 186
Quadro 12: Caracterização dos professores entrevistados ..................................... 194
Quadro 13: Universidade Federal do Pará – UFPA- Quantitativo de docentes ..... 209
Quadro 14: Universidade Federal do Pará – UFPA- Quantitativo de Alunos ....... 210
Quadro 15: Universidade da Amazônia – UNAMA - Quantitativo de docentes ... 210
Quadro 16: Universidade da Amazônia – UNAMA - Quantitativo de Alunos ..... 210
Quadro 17: População alvo .................................................................................... 211
Quadro 18: Eixos temáticos, categorias e sub-categorias de interpretação e
análise dos dados do inquérito aplicados aos docentes e alunos ......... 233
Quadro 19: Cruzamento de imagem de docentes e estudantes .............................. 292
Quadro 20: Eixos temáticos, categorias e sub-categorias de análise da entrevista 310
Quadro 21: Identificação e características dos entrevistados ................................. 311
Quadro 22: Razões da inserção na docência universitária ..................................... 344
Quadro 23: A imagem do outro - A percepção dos professores ............................ 363

ix
18
ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 01: Distribuição dos docentes e alunos por área de conhecimento ............ 234

Tabela 09: Grau do prestígio das funções do trabalho docente ............................. 254

Tabela 28: Imagens de docentes e estudantes-Reconhecimento socioprofissional 300

x
19
ÍNDICE DE ANEXOS - CD-ROOM

Anexo 1 – Questionários
Anexo 2 – Instrumentos de validação de conteúdo por especialistas
Anexo 3 – Guião da entrevista
Anexo 4 – Protocolo de Validação das Entrevistas
Anexo 5 – Termo de Cessão de Direitos sobre Depoimento Oral e Escrito
Anexo 6 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Anexo 7 – Protocolo de aprovação do projeto de pesquisa no Comitê de Ética
Anexo 8 – Certificado do protocolo da pesquisa junto ao Comitê de Ética
Anexo 9 – Grelha Categorial de Análise das Entrevistas
Anexo 10 – Protocolo de entrevistas
Anexo 11 – Tabelas

20
xi
LISTA DE SIGLAS

AGCS– Acordo Geral sobre o Comércio de Bens e Serviços


ANDES – Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior
ALADI – Associação Latino-Americana de Integração
ALALC – Associação Latino-Americana de Livre Comércio
ANPED– Associação Nacional de Pesquisa e Educação.
BFUG – Bologna Follow-Up Group
BIRD – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CFE – Conselho Federal de Educação
CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica
CEP– Comitês de Ética em Pesquisa
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNS – Conselho Nacional de Saúde
CONCRETIDE – Comissão Coordenadora do Regime de Tempo Integral e Dedicação
Exclusiva
CONEP – Comissão Nacional de Ética em pesquisa
CPA – Comissão Própria de Avaliação
CTIC – Coordenação de Tecnologia da Informação e da Comunicação.
ECTS – Sistema Europeu de Transferência de Crédito
FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos
FNDCT – Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
FUNTEC –Fundo Tecnológico
GED – Gratificação de Estímulo à Docência
IF – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEXA – Mecanismo Experimental de Acreditação de Cursos de Graduação
MEC – Ministério de Educação
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul

xii
21
OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OMC – Organização Mundial do Comércio
ONU – Organização das Nações Unidas
PROUNI – Programa Universidade para Todos
REUNI –Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
SESu – Secretaria de Educação Superior
SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
UFPA – Universidade Federal do Pará
UNAMA – Universidade da Amazônia
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
USAID – United States Agency for International Development
USP – Universidade de São Paulo

xii22
23
INTRODUÇÃO

O ver-se ao espelho representa um caso muito especial da visão de


nosso aspecto exterior por nós mesmos. Aparentemente estamos nos
vendo diretamente. No entanto, não é assim; permanecemos dentro de
nós mesmos e vemos apenas um reflexo nosso que não chega a ser um
momento direto de nossa visão e vivência do mundo: vemos um
reflexo de nossa aparência, mas não a nós mesmos em meio a essa
aparência, o aspecto exterior não nos enlaça em nossa totalidade;
estamos frente ao espelho e não dentro dele.

Mikhail Bakhtin – Estética da


criação verbal

O presente estudo se insere na Especialidade em Administração e Política


Educacional, e tem como área de conhecimento o Ensino Superior, e, em atenção
especial, o professor universitário. Trata-se de uma investigação científica com
sustentação acadêmica. No entanto é, sobretudo, um projeto de cunho pessoal, cuja sua
construção se entrelaça com a minha própria trajetória profissional em que vou me
constituindo como docente em duas Universidades. Assim, o tema de investigação
resulta das situações vividas e subjetivadas em interação com o outro, com o objeto e
comigo mesma que provocaram o desejo de compreender de um outro modo, de
conhecer mais, em aproximação com as teorias estudadas, as múltiplas composições da
identidade e da imagem profissional do professor universitário.

Em determinado estágio da minha vida acadêmica, minha postura inquieta


remete a um olhar introspectivo e indagador – o que sou enquanto professora? O que me
torna semelhante ou desigual aos outros professores? O que fortalece e impulsiona
minha atuação profissional? – Olho-me no espelho! Como o outro me vê?
Metaforicamente o uso do espelho é frequente como recurso simbólico das narrativas
literárias, tanto nas de cunho científico como nas ficções. A metáfora e a imagem que
lhe é associada demonstram o modo como se percebe uma situação, revelam,
igualmente uma visão de mundo (Lakoff & Johnson,1980; 2002).
O espelho como imagem da alma é frequente na Antiguidade e na Idade Média
(em Narciso o espelho d’água reflete a imagem que fascina). Na modernidade ele reflete
uma nova imagem do mundo e do homem como símbolo de uma verdade difusa que
busca as infinitas reflexões da razão (Mrech, 1999). Na compreensão na qual acolho e
que tem como referência os estudos de Mikhail Bakhtin (2003), esse processo de olhar-
se no espelho pode ser compreendido como um ato dialógico, uma vez que estabelece
um diálogo com aquele que o contempla. Assim, utilizando as palavras do autor ao
mirar-me no espelho “[...] minha imagem externa – meu ser para os outros – procura
vincular-se à minha autoconsciência, dá-se um retorno a mim mesmo com vistas a usar
em proveito próprio meu ser para os outros[...].” (Bakhtin, 2003, p. 55).

No momento que passo a me ver como os outros me veem, ocorre uma


transformação, uma autoconsciência. Contudo, como se pode depreender do excerto
citado na epígrafe, a imagem do espelho é limitada, uma vez que traz apenas uma
imagem externa, não a essência, não o seu interior. A imagem do espelho não é o
sujeito, ela revela apenas um reflexo estruturado. A imagem do espelho, esse olhar com
os olhos que os outros veem, compreende uma busca pelo que os outros não veem.

Problematizo-me – nenhum objeto de estudos nasce ao acaso – e ao realizar esse


exercício vou-me aproximando do que busco investigar. Conceber a problemática me
exigiu um explorar cuidadoso nas inquietações e ansiedades vivenciadas nos últimos
anos em duas funções de administração acadêmica exercidas no interior das
Universidades, nas quais pude aproximar-me das próprias inquietações que envolvem os
docentes no cotidiano universitário e dos dilemas identitários profissionais de maneira
especial. Assim, desvelando os espaços de tensões que acompanham os professores fui
aos poucos delineando os contornos até chegar a um esboço preliminar: a identidade
profissional do professor universitário.

Na sociedade contemporânea enfatizam-se as questões das identidades. É como


se a necessidade de pertencimento provocasse uma concorrência por sistemas de
significações aptos de tornarem reconhecíveis todos os sujeitos que convivem no
contexto social. Talvez uma explicação para essa questão encontra-se na própria
sociedade, caracterizada por Boaventura de Sousa Santos (2000), na transição

2
paradigmática cuja atmosfera social é assinalada por crises, incerteza, complexidade,
desassossego. Conforme expressa “Há um desassossego no ar. Temos a sensação de
estar na orla do tempo, entre um presente quase a terminar e um futuro que ainda não
nasceu” (Santos, 2000, p.41). E, nesse sentido, a constituição de identidades
profissionais emerge como uma necessidade de demarcar campos profissionais, uma
vez que o atual período sócio-histórico é caracterizado por especialistas de diferentes
áreas do conhecimento.

Nessa perspectiva, a representação de uma profissão é construída para propiciar


um referencial de percepção, compreensão e ação diante das exigências postas pela
profissão. Ao construir uma representação da profissão acadêmica nos resguardamos
enquanto grupo profissional. Criamos uma identidade social para nós mesmos e para o
coletivo de professores universitário, permitindo, desse modo, nos reconhecer como
profissionais e desempenhar as atividades acadêmicas enquanto tal. Em outras palavras,
são construídos imagens e significados da profissão acadêmica para lhe dar concretude.
Essas imagens e significados, enfim, essas representações “[...] são uma forma de
conhecimento socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que
contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (Jodelet,
2001. p. 22). Isso quer dizer que as imagens enquanto representações simbólicas não se
formam no vazio e, nesse sentido devem ser consideradas no lugar social em que são
construídas, uma vez que tem por fundamento a pertença social dos sujeitos e suas
relações socialmente localizadas.

O tema da identidade profissional docente ainda hoje mantém seu vigor, e


designadamente tem ultrapassado o campo da educação básica e vem sendo ampliando
nas últimas décadas no ensino superior. Nessa perspectiva, distintos campos de
conhecimentos por diferentes prismas buscam compreender a complexidade da
identidade de ser professor universitário e dos desafios que sobre ele incidem no
entorno da contemporaneidade. O próprio termo identidade não pode ser compreendido
senão por vias interdisciplinares. Assim, quando compreendo a identidade profissional
docente como um processo contínuo que se vincula à identidade pessoal, e que
igualmente está ligada aos vínculos e sentimentos de pertença a uma determinada
categoria ou grupo social, e tendo como possibilidade construir, desconstruir e

3
reconstruir algo que permita ao docente dar sentido a seu trabalho, ao seu estar na
profissão, percebo igualmente que está presente nessa compreensão o olhar da
Psicologia em busca de compreender o professor em seu processo de desenvolvimento;
da Sociologia, na compreensão da profissão acadêmica e as relações de trabalho na
sociedade; da Antropologia que se volta para a percepção do professor no seu fazer
cotidiano no interior da universidade; da Ciência Política e da Administração que
investigam as forças das regulações e das culturas institucionais na constituição do ser
professor Universitário.

No interior das perspectivas de cada uma dessas abordagens e de outras que


igualmente têm fornecido subsídios para a compreensão do docente enquanto pessoa e
profissional, evidencio, com nitidez, que no processo da construção de identidades
profissionais do professor universitário estão em jogo dimensões pessoais e sociais,
objetivas e subjetivas, vivenciadas individualmente e com o grupo e que dão
significados à profissão acadêmica. Para cada um de nós, a identidade expressa a
representação que temos de nós mesmos. Assim, as identidades são representações
subjetivas que se constroem a partir de diferentes discursos e práticas sociais (Hall,
2003). Em distintos períodos e espaços atribuímos múltiplos significados às nossas
experiências e aquilo que somos como profissional. Isso quer dizer que a construção da
identidade profissional é um território de disputa permanente.

Aproximar-me da identidade profissional do professor universitário pressupõe


situá-lo na complexidade de um contexto sócio-histórico e político-institucional
contemporâneo atravessado por profundas mudanças que estão provocando
transformações na profissão acadêmica e no próprio professor, uma vez que a sua
subjetividade constitui-se na relação com a realidade na qual insere-se (Vygotsky,
1993). E, é com esse sentido que compreendo que os contornos assumidos no ensino
superior e na Universidade como instituição social afetam a maneira como exercemos a
profissão acadêmica, e, implicam novos princípios estruturadores de nossa identidade
profissional.

4
Diante das mudanças, com novos desafios, novas exigências, em que valores e
práticas estabelecidas são questionados, em que mitos e verdades são derrubados, o que
pode ser respondido quando surge a pergunta: o que sou enquanto professor? O que me
constitui como profissional? Ao buscar respostas não me vejo separada do objeto dessa
investigação, ao contrário, ao referenciar-me na perspectiva sócio-histórica (Vygotsky
1993, 1994; Bakhtin, 1988,2003) que acompanha este estudo, compreendo que o
pesquisador faz parte da investigação e nela introduz o que também o constitui como
um ser social dialógico. Em outras palavras, minhas interpretações são realizadas a
partir do lugar sócio-histórico no qual me situo e das relações que estabeleço com o
contexto e dos sujeitos que os constituem (Bakhtin,1988). Assim, ocupo o lugar de
investigadora interessada em conhecer a reconfiguração nas imagens e nos perfis
identitários sociais/profissionais dos professores universitários, no âmbito das
contemporâneas transformações ocorridas no ensino superior, bem como de sujeito
investigado neste estudo.

Que contornos são esses que dão nova estrutura ao ensino superior a ponto de
reconfigurarem as nossas identidades profissionais docentes? O tema estava delimitado,
contudo, cabia localizá-lo, enquanto objeto de estudo no tempo e no espaço, situando-o
em seu momento histórico e, nesse sentido, adotei como fio condutor de análise as
amplas reformas no âmbito da educação superior brasileira, guiadas por orientações
internacionais advindas de acordos econômicos estabelecidos que, em última instância,
provocam transformações na Universidade, descaracterizando-a como instituição
autônoma, alterando sua identidade institucional, função social e dinâmica, acarretando
repercussões ao trabalho docente.

A contemporaneidade é compreendida neste estudo em uma relação singular


com o próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, toma distância dele
(Agamben, 2009). Assim, o contemporâneo é pensado como um delimitador do tempo
em que se situam as transformações que ocorrem no mundo do trabalho e suas
implicações no ensino superior. Contudo, ser contemporâneo não estabelece uma
relação direta com o ser presente e atual, uma vez que “no contemporâneo habita a
conjunção dos diversos tempos que constroem seu instante, buscando uma
customização temporal a partir desta heterogeneidade flexível e singular” (Costa &

5
Fonseca, 2007, p.116). Assim, o contemporâneo instala uma relação especial entre os
tempos (Agamben, 2009).

A Universidade contemporânea, como assinala Franklin Silva (2006), não busca


redefinir-se frente às novas circunstâncias oriundas da necessidade de situar-se na
modernidade, mas sim procura “[...] o meio mais adequado de aplicar a si mesma uma
definição construída pelo tempo histórico e por um conjunto de ideias que se constitui
pela exclusão de tudo aquilo que a universidade já instituiu e preservou como valor, ao
longo de sua história.” (Silva, 2006, p. 198-199). Esse processo de redefinição coincide
com a sua adaptação às exigências do mercado, à organização eficaz e ao tecnicismo
produtivo, o que coloca em risco a sua identidade histórica, como argumenta Valdemar
Sguissardi (2000a).

Nesse processo de refazer a sua identidade se inscrevem vários fenômenos


imediatamente presentes, como o da globalização e todas as transformações nele
pressupostas. Muito das configurações atuais da Universidade não pode ser considerado
fora do contexto complexo da globalização e das contradições e condições que a
constituem. Tal posição é salientada quando considero para esse estudo, que tem como
um dos cenários o trabalho acadêmico, que o universo trabalho, na sua concepção mais
geral, foi fortemente atingido pela globalização hegemônica do capital.

A globalização não é um fenômeno recente, contudo, o desenvolvimento


tecnológico e informacional proporciona sua manifestação de forma extensa e intensa
em um “conjunto de arenas de lutas trans-fronteiriças”, como a define Boaventura de
Sousa Santos (2002, p.6). Para o autor existem globalizações, de forma que as
globalizações “de-cima-para-baixo” (hegemônicas) e “de-baixo-para-cima” (contra-
hegêmonicas) comportam quatro outras formas de globalização: o localismo
globalizado e o globalismo localizado que seriam partes da primeira e o cosmopolitismo
e o patrimônio comum da humanidade, da segunda. O localismo globalizado é
compreendido como um processo pelo qual determinado fenômeno local é globalizado e
o seu inverso, o globalismo localizado, é caracterizado no impacto causado,
especificamente, nas práticas e imperativos transnacionais nas condições locais, que
são, “por essa via, desestruturadas e reestruturadas de modo a responder a esses

6
imperativos transnacionais” (Santos, 2002, p.5). No entanto, o cosmopolitismo e o
patrimônio comum da humanidade não se caracterizam nem como globalismo
localizado, nem como localismo globalizado. São conforme preceitua o autor, formas
antagônicas, globalizações de-baixo-para-cima, ou seja, globalizações contra-
hegemônicas.

Roger Dale (1999;2005) assinala que à educação e à globalização podem


relacionar duas perspectivas opostas. A primeira dela, segundo o autor, é a denominada
world institucionalist e se refere à existência de uma cultura educacional mundial
comum, em que o modelo único seria o modelo certo, prisma de comparação. A
segunda perspectiva identifica a relação das políticas educacionais com uma agenda
globalmente estruturada para a educação. Mesmo mantendo uma ligação com uma
concepção capitalista, esta segunda perspectiva não impede que se analisem as
especificidades dos processos nacionais na procura das suas articulações com as
dinâmicas transnacionais e globais.

Nas duas últimas décadas as mudanças produtivas disseminadas pela retórica da


globalização e pelo neoliberalismo têm trazido novas demandas à educação de modo
geral e, especificamente a Universidade tem mudado sua gestão e organização do
trabalho acadêmico e, como decorrência, tem alterado o trabalho docente. Ao discutir a
perspectiva da globalização na Universidade argumenta José Vaidergorn (2001), que a
globalização, como um todo, passou a ser anunciada como um novo paradigma que
exige o estabelecimento de novos padrões para a modernidade. Para tal alcance, a
orientação é investir na competitividade, dentre os quais o domínio da tecnologia e a
habilitação do maior número de trabalhadores com maiores quantidades de
conhecimentos. Como consequência dessa retórica, segundo o autor, educação superior,
considerada como um dos pilares nesse processo, torna-se estratégica, uma vez que o
domínio e a produção do conhecimento no mundo competitivo passam a ser um bem, o
que destaca um dos papéis a que se destinam as universidades.

Cabe ressaltar que o termo competitividade sugere implicações com o mercado e


com a lógica capitalista, em que flexibilidade, qualidade total e excelência materializam
um ideário próprio com representações do modelo de produção e quando aplicados na

7
educação, impõem uma fragmentação do sistema educacional e do processo de
conhecimento, uma vez que caminham unicamente em direção às exigências de
produção.

Nessa nova ordem a Universidade de instituição autônoma, com


indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, vai se redimensionando como
uma organização social competitiva, pragmática, voltada aos interesses da economia
globalizada de mercado, evidenciada por meio da transferência do valor econômico
material para o imaterial, de forma que o capital intelectual, dada a sua capacidade de
geração de riquezas, adquire papel central na dimensão econômica. De acordo com
Marilena Chauí (2003, p. 8) “a transformação do capital e da ciência [...] articulada às
mudanças tecnológicas referentes à circulação da informação, produziu a ideia de
sociedade do conhecimento, na qual o fator mais importante é o uso intensivo e
competitivo dos conhecimentos.”

A rápida expansão e diversificação do ensino superior podem ser consideradas


como consequência das transformações estruturais em curso nas duas últimas décadas,
em nível internacional, que parecem provocar uma ampla reestruturação e
reorganização da economia e das relações políticas mundiais. Ao mesmo tempo tais
transformações convivem e, em certa medida, provocam conflitos e tensões conjunturais
importantes, de cujo desenlace podem ser abertos diferentes caminhos futuros. Neste
processo, aumentam as contradições sociais e políticas e criam-se novos pontos de
conflitos e tensões, incluindo a persistência de grandes desigualdades econômicas,
sociais e militares entre as nações e dentro dos diferentes países (Porto & Régnier,
2003).

Nesse conjunto de transformações, a educação adquire maior centralidade


quando se analisam estes elementos em conjunto. Para Cláudio Porto e Karla Régnier
(2003), há um intenso movimento nas dimensões econômicas, política, social e cultural
das sociedades acompanhado da passagem de um modelo de desenvolvimento industrial
para o modelo informacional, o que faz com que se valorize a capacidade de produzir,
interpretar, articular e disseminar conhecimentos e informações. Assim, a vantagem
competitiva de um país em relação a outro começa a depender da capacitação de seus

8
cidadãos, da qualidade dos conhecimentos que estes são capazes de produzir e transferir
para os sistemas produtivos e da capacidade de aplicação/geração da ciência e
tecnologia na produção de bens e serviços.

Nesse sentido, o surgimento da denominada economia do conhecimento/


sociedade do conhecimento (Hargreaves, 2004), propiciou a compreensão por parte de
seguimentos da política, da economia industrial e de mercado e, inclusive de alguns
setores acadêmicos de que a educação superior tem papel preponderante como geradora
e difusora de conhecimentos, assim como passa a ser vista como “um importante agente
de crescimento econômico: a fábrica de conhecimentos, por assim dizer, no centro da
economia do conhecimento” (The Economist, 1997, apud Meek, 2004, p.1024). Ao
analisar o impacto das políticas públicas australianas para a educação superior sobre a
pesquisa e a produção de conhecimento nas universidades, Lynn Meek esclarece que o
crescente reconhecimento da importância da produção de conhecimento na economia
global “por um lado, aumenta a importância das instituições de educação superior, mas,
por outro, ameaça muitos de seus valores tradicionais.” (Meek, 2004, p. 1.024).

Desse modo, assiste-se a uma disposição contrária na natureza da educação


universitária e de seu posicionamento no campo social e, inclusive com uma possível
quebra de paradigmas como forma de caracterizar a abrangência das mudanças no
Ensino Superior, de modo geral, em curso. Esse processo de mudança, de transição
paradigmática é visto por Boaventura de Sousa Santos (2000, p.45) como “[…] um
ambiente de incerteza, de complexidade e de caos que se repercute nas estruturas e nas
práticas sociais, nas instituições e nas ideologias, nas representações sociais e nas
inteligibilidades, na vida vivida e na personalidade.” Conforme assinala o autor, a
humanidade vive atualmente um período histórico de imprevisibilidade e de
profundidade nas transformações, sendo pertinente e necessária uma reflexão sobre a
transição dos paradigmas societais e epistemológicos.

Não obstante a Universidade conserva uma certa autonomia, com seus modos de
organização, seus bens específicos em disputa e suas relações de poder próprias e essa
autonomia não é absoluta. Esse aspecto mereceu uma crítica de Philip Altbach (2009)
ao destacar que a Universidade em dias atuais tem suas prioridades voltadas para o

9
Governo e o mercado, em detrimento da tradicional autonomia acadêmica com que
conduzia as decisões. Contudo, considerando a veracidade da reflexão de Philip Altbach
(2009), é inegável que a Universidade deve ser entendida como fenômeno social e
histórico e, como tal, deve acompanhar as transformações históricas e os papéis
impulsionados por diferentes circunstâncias políticas, econômicas, sociais e culturais da
sociedade. Nesse sentido, às transformações por quais passa atualmente e que geram
uma série de novas características não podem corresponder a essa noção ideal de algum
momento de sua história. É necessário, conforme assinala Franklin Silva (2006, p.192),
compreender que “[...] quando nos voltamos para a história da universidade, para o seu
passado, o objetivo é sempre a compreensão do presente.” Para o autor, que discorre
sobre a Universidade, sua ideia e história, a ideia de universidade se constrói “através
daquilo que nela se conserva e daquilo que nela se transforma. E é exatamente por conta
dessa duplicidade que a compreensão da experiência presente não pode abandonar o
entendimento da experiência passada.” (Silva, 2006, p.195).

Assim, é possível a compreensão de que, enquanto campos privilegiados da


profissão acadêmica, os objetivos e finalidades da Universidade foram se acomodando
aos processos históricos sociais, mudando ao longo do tempo. Isso quer dizer que a
Universidade em todas as épocas reagiu ou obedeceu às urgências de seu tempo
histórico, de modo que, conforme assinala Valdemar Sguissardi (2004a), tornou-se
profissionalizante para adequar-se às necessidades da Revolução Francesa, acolheu e
estimulou a pesquisa ao responder às exigências do desenvolvimento científico da
Prússia, tornou-se humboldtiana e, contemporaneamente, temos a Universidade de
massas, adotando múltiplos modelos ajustando-se à democratização do acesso, à
educação do século XX.

Na análise de Stephen Ball (2002) os elementos chave das reformas da educação


são o mercado, a capacidade de gestão e a performatividade. Estes elementos ou
tecnologias políticas, como denomina o autor, adquirem diferentes graus de ênfase em
diferentes situações, contudo estão inter-relacionados e interdependentes nos processos
de reforma e, quando aplicadas conjuntamente oferecem uma alternativa politicamente
atrativa e eficaz à tradição educacional centrada no Estado e no bem-estar público e,
nesse sentido a performatividade adquire o sentido de regulação utilizado no movimento

10
de reforma educacional e que serve como medida de produtividade e rendimento dos
sujeitos individuais ou das organizações. Como adverte Ball (2002, p. 4), os
desempenhos “significam, englobam e representam a validade, a qualidade ou valor de
um indivíduo ou organização dentro de um determinado âmbito de
julgamento/avaliação.”

Os processos de reforma na educação e, nomeadamente no ensino superior, no


qual convivemos contemporaneamente estabelecem novas formas de controle sobre a
Universidade e o trabalho do professor. Nesse cenário as instituições de ensino e
pesquisa, notadamente a Universidade como responsável pela produção e circulação do
conhecimento, assumem especial destaque, principalmente com o apoio de organismos
internacionais, entre eles as agências da Organização das Nações Unidas (ONU), o
Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD), que em um
processo mais alargado corroboram com o consenso que associa a educação com o
desenvolvimento econômico e o aumento da produtividade dos países. Esse processo no
interior da Universidade permite a especialização como estratégia, a intervenção, o
controle, o custo-benefício com base na produtividade, ocasionando o que Marilena
Chauí (2001, p. 219) assinala como a “passagem da universidade da condição de
instituição, à de organização” e, especificamente em relação aos docentes, tem
conduzido a um quadro de fragmentação do trabalho acadêmico.

Nesse sentido, a ausência de investimento no ensino superior público tem


implicado o contingenciamento de verbas nas Universidades, o achatamento salarial e a
diminuição de docentes. Nas instituições privadas o elevado número de instituição que
competem entre si no mercando as têm conduzido a diminuírem seus custos, afetando
notadamente o valor da hora-aula docente e a estabilidade na carreira. Em ambas a
lógica do mercado é assumida com a mercadorização do conhecimento e controlada por
uma política de avaliação institucional que impõe uma sobrecarga ao trabalho docente
com a cobrança de resultados instaurando um processo que Jean-François Lyotard
(2000) denomina de os terrores da performatividade. É assim que o Estado e ou a
empresa, neste caso a Universidade, “abandona o relato de legitimação idealista ou
humanista para justificar a nova disputa: no discurso dos financiadores de hoje, a única

11
disputa confiável é o poder. Não se compram cientistas, técnicos e aparelhos para saber
a verdade, mas para aumentar o poder [...]” (Lyotard, 2000, p.83).

Novamente recorro à metáfora do espelho, desta feita para apontar o caráter da


nossa reflexibilidade enquanto professor. Referencio-me em Anthony Giddens (2002)
que assinala que em cada momento, o sujeito deve-se perguntar o que ele quer dele
mesmo. Considera o autor que um dos traços constitutivos da modernidade é o que
designa a constante revisão, pelos indivíduos e pelas instituições, da própria ação com
base no auto-conhecimento. Contudo, a reflexividade não é exclusiva dos contextos
intersubjetivos e passa a incluir toda a informação que pode ser apreendida pelo sujeito,
com influência quer sobre si próprio, quer sobre as práticas e os contextos em que está
envolvido. Para Giddens (2002, p. 75), “A reflexividade do eu é contínua, e tudo
penetra. A cada momento, ou pelo menos a intervalos regulares, o indivíduo é instado à
auto-interrogar-se em termos do que está acontecendo.”

Assim, a propósito das condições contemporâneas da Universidade quem de nós


ainda não se interrogou a respeito das questões que nas últimas décadas presenciamos
sobre a reforma no ensino superior, que reestrutura e redefine os sistemas educacionais
com base em diretrizes dos organismos internacionais que, em última instância alvitram
a desresponsabilização do Estado, a privatização generalizada, o privilégio da
racionalidade técnica, a restrição da democracia interna por meio de mecanismos que
tolhem a coletividade acadêmica, entre outras implicações que transformam o trabalho
acadêmico, trazem à cena as mudanças na subjetividade docente e provocam uma
reflexão a propósito dos questionamentos da própria identidade profissional do
professor universitário.

Quem entre nós ainda não se percebeu na angústia de querer multiplicar-se para
fazer frente à sobrecarga de trabalho? Quem em função do assoberbamento com aulas
na graduação, na pós-graduação, orientações, funções gerenciais e com a própria
burocracia internas que muitas vezes nos impõe atividades antes exercidas por outros
funcionários, não se viu tolhido na realização de seus projetos? Quem ainda não
encontrou dificuldades em aprovar projetos de investigação ou de extensão ao se
deparar com a redução ou ausência de verbas e o excesso de burocracia tanto interna,

12
como nas agências de financiamento? Quem ao buscar financiamento para seus projetos
não experimentou um sentimento de “incapacidade” por não vê-los aprovados em
decorrência da sua baixa produtividade acadêmica? Quantos de nós não estamos
indignados e até mesmo desmotivados diante da crescente defasagem salarial? Quantos
de nós não procuramos formas alternativas para aumentar os rendimentos e nos
sujeitamos a sacrificar férias e horas de lazer? Quantos não estão sendo obrigados a
abandonar a profissão acadêmica ou a aposentar-se prematuramente, na tentativa de
buscar alternativas mais dignas de vida? Quantos não têm desenvolvido um tipo de
esquizofrenia impressa com a fragmentação, proletarização, intensificação e
produtivismo na profissão acadêmica?

Esses e muitos outros sentimentos que nas últimas décadas presenciamos sob o
efeito da reforma no ensino superior têm alterando o modo de estar na profissão e a
subjetividade do professor universitário. Essas alterações acontecem porque enquanto
sujeitos históricos não estamos imunes ao movimento do mundo do trabalho
contemporâneo. Nessa perspectiva a concepção da subjetividade não deve ser
compreendida unicamente do ponto de vista do universo individual em contraposição à
objetividade, e sim como continuamente constituída no entrecruzamento de
determinações econômicas, políticas, sociais, culturais, éticas, e outras e, portanto,
percebida como “o conjunto de condições que torna possível que instâncias individuais
e/ou coletivas estejam em posição de emergir como território existencial auto-
referencial, em adjacência ou em relação de delimitação com uma alteridade ela mesma
subjetiva.” (Guattari, 1992, p.19).

A nossa identidade é constantemente colocada à prova por diferentes


representações sociais que nos pressionam (Hall, 2003). Sendo assim, a imagem que
temos de nós ao exercer a profissão acadêmica, a nossa identidade vai se modificando,
uma vez que “essa identidade é o reflexo de contingências externas” (Bernstein, 2000,
p. 1942). Dito de outro modo, a identidade profissional docente pode ser entendida
como uma construção social assinalada por diversos fatores como a nossa história de
vida, as condições objetivas de trabalho acadêmico e o imaginário que permeia a
profissão acadêmica que, ao interagirem entre si tem como resultado uma série de
representações que fazemos de nós mesmos e das funções que exercemos.

13
Compreendo que contemporaneamente as novas condições que a profissão
acadêmica assumiu no âmbito das transformações ocorridas no ensino superior
condicionaram, de modo particular, uma reconfiguração nas imagens e nos perfis
identitários sociais/profissionais dos professores universitários. E desse modo
questiono-me sobre: Quais aspectos envolvidos na configuração de ser professor
universitário, ao exercer a profissão acadêmica em um contexto marcado por um
conjunto de mudanças que desestabilizam e questionam antigas referências que davam
sustentação às suas identidades e imagens? Que representações da docência são
incorporadas na configuração identitária de ser professor universitário? Mas afinal qual
é a imagem que o professor universitário tem de si próprio enquanto profissional? E o
que pensam os estudantes universitários sobre seus professores e a profissão acadêmica?
Será que essa imagem se tem alterado ou resiste perante as evidentes transformações no
cenário da Universidade?

O objetivo geral que orientou o desenvolvimento deste estudo foi descrever e


analisar a configuração identitária profissional do professor universitário e sua imagem
socioprofissional no contexto das transformações ocorridas no ensino superior.

Compreendo que esta é uma possibilidade dentre outras formas possíveis e


igualmente válidas de analisar as questões que este estudo buscou elucidar e que na
especificidade tem como intenção:

 compreender as mudanças que vêm ocorrendo na Universidade decorrentes das


reformas no âmbito da educação superior;

 analisar as reformas da educação no cenário do ensino superior brasileiro e a forma


como foi se configurando a profissão acadêmica;

 evidenciar as novas condições da profissão acadêmica decorrente das


transformações ocorridas na Universidade e seus reflexos na identidade e imagem
dos professores;

 identificar concepções, dilemas e possibilidades da docência universitária,


analisando-as no contexto contemporâneo universitário;

14
 compreender o movimento construtivo de ser professor universitário, evidenciando
os aspectos envolvidos na construção e desenvolvimento da sua identidade
profissional;

 analisar os significados e sentidos da profissão acadêmica e da imagem dos


professores junto aos estudantes universitários.

No plano teórico do trabalho de investigação desenvolvido procurei


inicialmente, a partir de uma abordagem sócio-histórica (Vygotsky, 1993, 1994;
Bakhtin, 1988, 2003) que compreende os sujeitos como históricos, datados, concretos,
marcados por uma cultura como criadores de ideias e consciência que, ao produzirem e
reproduzirem a realidade social são ao mesmo tempo produzidos e reproduzidos por ela
(Freitas, 1996), situar a Universidade a partir das ideias que a constitui, do que
preservou ou excluiu como valor ao longo de sua história, para posteriormente
introduzir-me na especificidade do sistema de ensino superior brasileiro, buscando por
meio de uma revisão histórica aproximar-me das amplas reformas universitárias,
abordando com particular relevância os aspectos relacionados à profissão acadêmica e
aos professores universitários.

Em um segundo momento explicito um quadro conceitual referenciando-me nos


Estudos Culturais (Hall, 2003; Dubar,1997, 2005; Castells, 1999; Kaufmann, 2001,
2004; Silva, 2004; Escosteguy, 2006) de modo a auxiliar a discussão teórica sobre a
identidade social/profissional do professor universitário e, na Teoria das Representações
Sociais (Moscovici, 1978, 2003; Jodelet,1984, 2001) na perspectiva de refletir a
propósito das imagens sobre a profissão acadêmica, bem como em relação à imagem do
professor universitário, de modo particular. Contudo, a complexidade do objeto de
investigação e seu desdobramento conduziram-me, para além do quadro teórico-
conceitual descrito, a uma perspectiva teórica multirreferencial, que se propõe estudar
os fenômenos “a partir da conjugação de várias perspectivas teóricas, que se desdobra
em nova perspectiva epistemológica na construção do conhecimento sobre os
fenômenos sociais, principalmente os educativos.” (Martins, 2000, p. 55). Em outras
palavras, objetivando compreender a identidade profissional docente e sua imagem
socioprofissional no contexto contemporâneo universitário, fui aproximando-me de

15
outras dimensões intrinsecamente relacionadas, como a profissão acadêmica, a
formação didático-pedagógica, a valorização docente e seu desenvolvimento
profissional, entre outras dimensões, que possibilitam uma aproximação maior com o
objeto em estudo. Conforme assinala Jacques Ardoino (citado por Barsosa, 1998, p.205)
é “[...] uma resposta à constatação da complexidade nas práticas sociais e um esforço
para dar conta, de um modo um pouco mais rigoroso, desta mesma complexidade,
diversidade e pluralidade.”

No plano empírico, trata-se de uma investigação descritiva e interpretativa em


que trabalhei metodologicamente com uma abordagem da complementaridade quanti-
qualitativa de coletas de dados (Minayo, 1994; Creswell, 2007), na perspectiva da
triangulação (Denzin 1989), como uma forma de integrar diferentes perspectivas do
fenômeno em estudo. Procurei inicialmente aproximar-me da: (i) compreensão do
professor sobre si, enquanto docente universitário (imagem de si); (ii) apreciação do
professor sobre o exercício da profissão acadêmica no contexto universitário (imagem
da docência); (iii) compreensão dos alunos sobre os professores universitários (imagem
docente) e (iv) sobre a profissão acadêmica (imagem social da docência). Com essa
intenção, foram aplicados questionários na versão eletrônica, para os professores e
alunos universitários. Posteriormente, de forma a ampliar a compreensão a respeito das
significações da docência universitária e da profissão acadêmica, realizei entrevistas
com docentes, em uma aproximação com a teoria biográfico-narrativa proposta por
Antonio Bolívar et al (2001), cujo suporte da análise pretendeu identificar as imagens
da docência incorporadas na configuração identitária dos docentes.

Na interpretação dos dados elegi, a análise da estatística descritiva, através da


frequência e da distribuição da amostra, no caso dos questionários e a criação de
tipologia, no caso das entrevistas, por meio da análise de conteúdo (Bardin, 1977;
Laville & Dionne, 1999) e da categorização qualitativa das informações.

O desenvolvimento da pesquisa ocorreu em duas Universidades brasileiras,


situadas na cidade de Belém, Estado Pará, região norte do país, sendo elas:
Universidade Federal do Pará – UFPA. Integrante do sistema público federal da
educação superior, é atualmente uma das maiores instituições do Trópico Úmido,

16
abrigando, de acordo com os dados do Relatório Anual de Gestão, referente ao exercício
2010, uma comunidade composta por 2.398 professores, 32.169 alunos matriculados
nos cursos de graduação e 7.102 alunos de cursos de pós-graduação. E Universidade da
Amazônia – UNAMA que tem o perfil de uma istituição jovem, com uma história
institucional de inovação e de tradição e um posicionamento relevante na região. É uma
instituição privada com ênfase no Ensino, na Pesquisa e na Extensão, sendo a primeira,
e até a presente data, única Universidade privada do Estado do Pará. Atualmente possui
quatro campi e conta aproximadamente 10.000 alunos, 524 docentes, de acordo com os
dados do relatório anual do ano de 2010.

No vínculo profissional docente que mantenho com cada Universidade, encontrei


a motivação pessoal que me fez optar por tê-las como universo de pesquisa e, apesar da
natureza administrativa diferenciada de cada uma, não tive como intenção realizar um
estudo comparado entre o público e o privado. Entretanto, não posso desconsiderar que
o trabalho docente deve ser compreendido na realidade multifacetada das instituições
universitárias, uma vez que, de acordo com Deise Mancebo (2004, p.248), “há
diferenças abissais nas condições de trabalho, na qualificação dos professores, nas
origens sociais dos docentes, na participação em órgãos de classe e nas práticas que
desenvolvem no ensino, na pesquisa e na extensão.”

No entanto, pondero que o atual quadro político-social da Universidade assumiu


um estatuto global, com similitude institucional e organizacional. E, nesse sentido, a
preferência em não analisar os dados tendo em conta a vinculação institucional dos
participantes, mas considerá-los na homogeneidade do processo global de profundas
mudanças ocorridas na relação Estado/universidade/professor, que ocasionam inúmeras
consequências na imagem docente e na identidade do professor universitário, o que, do
ponto de vista elegido neste estudo, confere à identidade o status de um conceito-chave
para a compreensão dos principais tensionamentos pós-moderno, identificados por
Stuart Hall (2003, p.7), pela “crise de identidade” e pela “ruptura com as estruturas
sólidas e totalizantes que forneceram aos sujeitos[...] uma ancoragem estável no mundo
social.”

17
Esta tese encontra-se organizada em cinco capítulos. No capítulo 1 realizo um
sobrevoo de muito alto na história da Universidade e sobre o contexto do ensino
superior, pontuando as mudanças que vêm ocorrendo no ensino superior e na
especificidade da Universidade, decorrentes das políticas da educação. A intenção foi a
partir de um panorama da educação superior caminhar à especificidade do sistema de
ensino superior brasileiro, apresentando percursos e dados relacionados a sua
configuração. Organizei o capítulo em cenários, na perspectiva do cenário como lugar
(espaço) onde decorre a ação, assim como ferramentas cognitivas que descrevem uma
determinada história sobre a maneira como o mundo ou uma parte dele poderá se
transformar no futuro partindo do momento presente e chegando a um determinado
horizonte (Michel Godet, 1983). Assim, a sua organização se concretiza em três amplos
cenários discursivos. No primeiro estabeleço algumas considerações sobre a
Universidade em uma perspectiva de caráter mais histórico, buscando situar os sentidos
e a finalidade no seu processo de constituição. Este cenário subdivide-se em cenários
específicos que tratam: das mudanças que contemporaneamente têm transformado a
Universidade e o Ensino Superior; as tendências atuais no Ensino Superior, destacando a
adaptação da Universidade às exigências do tempo histórico: massificação,
mercantilização, etc. e o cenário da internacionalização, transnacionalização da
Universidade, com destaque ao Processo de Bolonha.

No segundo cenário me aproximo das tendências das políticas para o ensino


superior na América Latina, procurando destacar os impactos da política neoliberal na
sua organização e desenvolvimento, que apresentam características semelhantes e
constituem-se a partir de reformas, bem como evidencia a organização do bloco dos
países do sul como tentativa de superar as desigualdades, assinalando o tratado do
Mercosul. O terceiro cenário trata da especificidade da educação superior no Brasil.
Nele, procuro evidenciar o processo de constituição do ensino superior nacional até o
ano de 2010, adotado como período final dessa análise, uma vez que nele ocorreu o
último Censo do Ensino Superior, divulgado em outubro de 2011. Este cenário é
subdivido em quatro itens que abarcam: a origem do ensino superior no período
colonial; a organização das Universidades e do sistema de ensino superior nacional; o
processo de expansão da graduação e da pós-graduação de 1968 a 1997; o cenário

18
contemporâneo do ensino superior nacional e finaliza com os ritmos e características da
reforma do ensino superior em curso.

No capítulo 2 delimito como campo de reflexão a profissão acadêmica, os atuais


cenários do ensino superior brasileiro e seus reflexos na identidade e imagem
profissional do professor universitário. Ciente da complexidade que envolve o refletir
sobre a imagem e identidade profissional docente optei por aproximar-me dos Estudos
Culturais ao realizar essa discussão teórica sobre a identidade social/profissional do
professor universitário e da Teoria das Representações Sociais na perspectiva de refletir
a propósito das imagens sobre a profissão acadêmica e do professor universitário, de
modo particular. O capítulo está organizado em quatro itens e três subitens que
discorrem sobre: Breve apontamento sobre identidade e imagem profissional do
professor universitário; Os Estudos Culturais – alternativa de compreensão da
identidade profissional do professor; A teoria das representações Sociais – caminho de
aproximação da imagem docente; A Profissão acadêmica – novos desafios à docência;
O conhecimento pedagógico-didático na formação do professor universitário; O
caminho da formação docente universitária no Brasil e o trabalho docente no cenário
das reformas universitárias no Brasil – algumas imagens.

No capítulo 3 situo os fundamentos metodológicos do estudo, organizando-os


em três eixos estruturantes. No primeiro apresento o problema em estudo, as questões
levantadas e os objetivos da investigação, que de forma articuladas, desempenham papel
central na definição da metodologia a ser utilizada. No segundo eixo detenho-me em
apresentar o desenho metodológico, no entendimento de que é essencial a existência de
coerência entre o objeto de estudo, o propósito com que este é elaborado, os
pressupostos que o orientam e a opção metodológica adotada. Descrevo nesse eixo o
porquê da inscrição deste estudo em uma abordagem descritiva e interpretativa de
investigação com caráter predominantemente qualitativo e da opção em trabalhar
metodologicamente com a complementaridade quanti-qualitativa de coletas de dados.
Seguidamente, fundamento teoricamente as técnicas de coleta e análise das informações
pelas quais optei e a maneira como os instrumentos foram construídos e aplicados. O
plano amostral e seu detalhamento também são apresentados.

19
No terceiro eixo descrevo as características do universo empírico da
investigação e, os cuidados éticos tomados na elaboração de um estudo que envolve
docentes e alunos, mas que em sua essência é um estudo sobre o professor universitário,
no qual os objetos em análise são a identidade e imagem docente que pretendo
compreender a partir do ponto de vista do próprio docente e na perspectiva dos
estudantes universitários.

No capítulo 4 apresento a análise e discussão dos dados provenientes do


inquérito por questionário. A interpretação e análise cruzam o tratamento quantitativo e
descritivo-analítico (qualitativo), sobre as respostas de 3.191 alunos e de 309
professores que buscaram evidenciar os aspectos envolvidos na construção e
desenvolvimento da identidade dos professores universitários em seu desenvolvimento
profissional; o grau de identificação com as diferentes funções do trabalho acadêmico;
as principais razões para iniciar uma carreira docente na Universidade; o grau de
satisfação e prestígio conferidos pelos professores às funções acadêmicas; as
concepções e as imagens da docência e os significados e sentidos da profissão
acadêmica e do professores nos estudantes universitários. O capítulo subdivide-se em
quatro itens. No primeiro, apresento uma breve descrição dos procedimentos
metodológicos. No segundo e terceiro itens apresento, respectivamente, os dados
emanados do inquérito aplicado aos professores e aos alunos nas duas universidades
pesquisadas. O quarto item trata do encontro de imagens, das similitudes e dissonâncias
da compreensão de professores e alunos sobre a docência universitária.

No capítulo 5 apresento a análise da entrevista na perspectiva de evidenciar o


professor universitário, percebê-lo na imagem e reflexo de seu desenvolvimento pessoal
e profissional. Imagem no sentido da constituição de ser professor, das dimensões
pessoais e profissionais. Reflexo no sentido da materialidade do seu fazer. O capítulo
divide-se em cinco grandes itens que se desdobram em subitens organizados em relação
às categorias de análise. No primeiro, descrevo sucintamente os procedimentos
metodológicos utilizados na realização das. No segundo, apresento a caracterização dos
professores entrevistados, de modo a situá-los no contexto das atividades acadêmicas
desenvolvidas nas instituições pesquisadas, incluindo uma breve contextualização dos

20
professores participantes na entrevista, com a apresentação e análise do quadro de
caracteres dos entrevistados.

O terceiro item abrange a concepção da docência apresentada pelos


entrevistados e nele busco percebê-la no contexto dos dilemas e possibilidades
vivenciados pelos professores no cotidiano das instituições universitárias. No quarto, a
unidade temática analisada aborda a trajetória profissional docente com a
intencionalidade de evidenciar o caminho percorrido pelos professores para a inserção
na docência no ensino superior. Esta unidade temática comporta uma subcategoria
analítica que trata da preparação para a docência universitária e, por último, o quinto
ponto, versa sobre a imagem da docência, dividido-se em duas subcategorias,
respectivamente a de como os professores percebem a si mesmo – Imagem de si – e de
como entendem como os alunos universitários, em particular e a sociedade de modo
geral, percebem a imagem do professor universitário – Imagem do outro.

Por fim, na última seção, apresento as considerações provisoriamente


formuladas, interpretando de forma conjunta às percepções e sentidos depreendidos da
análise dos questionários e das entrevistas. A intenção não foi chegar a uma conclusão,
uma vez que considero a transitoriedade das configurações identitária e das imagens do
professor universitário, a intenção foi interpretar os resultados integrantes das análises
efetuadas. Nesse sentido, as aproximações conclusivas estão organizadas em seis itens:
a Universidade no cenário contemporâneo; as novas condições que a profissão
acadêmica assumiu decorrente das transformações ocorridas na Universidade; o
movimento construtivo de ser professor universitário – trajetória de inserção e caminhos
de formação; a Docência no contexto universitário – concepções e dilemas; os
significados e sentidos da profissão acadêmica – a percepção dos estudantes e o modo
de estar na profissão acadêmica – imagem e identidades forjadas nas reformas.

O espelho, como metáfora, é o dispositivo que proporciona a preciosa chance


como do sujeito reinventar-se. Assim, após ter-se reconhecido no seu espelho, o
professor desobriga-se de considerar a imagem idealizada de professor como algo a ser
replicado e autoriza-se em se transformar e transformar a sua prática antes de se tornar a
velha imagem de professor.

21
22
CAPÍTULO I

UNIVERSIDADE – CENÁRIO DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL DOCENTE

O tempo presente e o tempo passado


Estão ambos talvez presentes no tempo futuro
E o tempo futuro contido no tempo passado.
Se todo o tempo é eternamente presente
Todo tempo é irredimível.
O que poderia ter sido é uma abstração
Que permanece, perpétua possibilidade,
Num mundo apenas de especulação.
O que poderia ter sido o que foi
Convergem para um só fim, que é sempre presente.

Thomas S. Eliot – Excerto de Burnt Norton -


Quatro Quartetos (1967 - publicado
originalmente em 1943).

Ao retroceder para a história da Universidade, para o seu passado, o objetivo é a


compreensão do presente e uma prospecção do futuro. O passado como produto
histórico deve ser compreendido como critério orientador, o presente como o estágio
transitório entre a carga do passado e a expectativa do futuro. É nesse sentido que trago
para iniciar este capítulo as palavras de um poeta modernista norte-americano. Em Burt
Norton de Thomas S. Eliot (1967) estão presentes várias dimensões do tempo, a ideia
que todas as realidades estão presentes simultaneamente – a intercessão dos tempos –, o
passado desaguando no presente que aponta ao futuro.

Nesta perspectiva, a Universidade implica ser compreendida na simultaneidade


dos tempos que a constituem. Não em um movimento de causalidade linear, uma vez
que a história é feita de contradições e contingências, e sim, no dinamismo intrínseco
que a constitui. Do passado a complexa experiência histórica que a levou a assumir um
determinado perfil; na realidade presente e inseparável de seu processo histórico de
constituição a compreensão da contemporânea experiência de Universidade, sua
contextualização no tempo atual e a identificação dos principais condutores de
transformação, mudanças e da grande complexidade que se apresentam quando se
reflete sobre seu futuro.
Realizo nesse capítulo um sobrevoo de muito alto na história da Universidade e
sobre o contexto do ensino superior, objetivando emprestar contribuições ao estudo que
desenvolvo sobre o professor universitário, na percepção de que as contemporâneas
transformações no ensino superior e na Universidade, provocaram significativas
mudanças na profissão acadêmica, na identidade profissional docente e na sua imagem
socioprofissional. Dito de outro modo, a construção deste capítulo se insere no conjunto
dos objetivos em que me propus alcançar no desenvolvimento deste estudo e,
especificamente objetiva descrever as mudanças que vêm ocorrendo no campo do
ensino superior e na especificidade da Universidade, decorrentes das políticas públicas
da educação superior.

Nessa intencionalidade, adoto como fio condutor de análise as amplas reformas


no âmbito da educação superior brasileira que apresentam tendências muito similares
em grande parte dos países, guiadas por orientações internacionais advindas de acordos
econômicos estabelecidos que, em última instância, provocam transformações na
Universidade, descaracterizando-a como instituição autônoma, alterando sua identidade
institucional, função social e dinâmica, acarretando repercussões no trabalho docente.

É importante salientar que não pretendo realizar uma análise das políticas
públicas educacionais para o ensino superior, mas abordá-las como agentes delineadores
das transformações ocorridas, entendidas como instrumento de regulação ou intervenção
na sociedade. A intenção é a partir de um panorama da educação superior caminhar à
especificidade do sistema de ensino superior brasileiro, apresentando percursos e dados
relacionados a sua configuração.

Optei, assim, por organizar este capítulo em cenários, com base em dois
procedimentos distintos, contudo complementares. O primeiro parte de uma
compreensão literária, em que o cenário é visto como lugar (espaço) onde decorre a
ação. O espaço, nessa perspectiva, assume o formato de espaço social, político,
econômico e cultural, que caracteriza o meio onde a ação decorre. O espaço também é
psicológico, exprimindo as vivências do personagem que nele atua. No segundo adoto a
proposição de Michel Godet (1983;1993), em que os cenários são como ferramentas
cognitivas que descrevem uma determinada história sobre a maneira como o mundo ou

24
uma parte dele, nesse caso o objeto a ser cenarizado, poderá se transformar no futuro
partindo do momento presente e chegando a um determinado horizonte. São imagens de
onde se tem um conjunto formado pela descrição de uma situação de origem e dos
acontecimentos que a conduzem a determinadas situações futuras, dentro de uma
narrativa lógica e coerente. O cenário é para Michel Godet (1983) como reflexão
sistemática que visa orientar a ação presente à luz de futuros possíveis.

Considerando estes dois procedimentos, nomeio como cenário do exercício


profissional docente a Universidade na perspectiva de contextualizar a profissão
acadêmica e o professor universitário no conjunto das transformações da educação
superior. Assim, a organização deste capítulo se concretiza em três amplos cenários
discursivos.

No primeiro estabeleço algumas considerações sobre a Universidade em uma


perspectiva de caráter mais histórico, buscando situar os sentidos e a finalidade da
Universidade a partir de um sobrevoo no seu processo de constituição. Este cenário
subdivide-se em cenários específicos que tratam: (i) das mudanças que
contemporaneamente tem transformado a Universidade e o Ensino Superior; (ii) as
tendências atuais no Ensino Superior, destacando a adaptação da Universidade às
exigências do tempo histórico: massificação, mercantilização, etc. e (iii) o cenário da
internacionalização, transnacionalização da Universidade, com destaque ao Processo de
Bolonha.

No segundo cenário me aproximo das tendências das políticas para o ensino


superior na América Latina, procurando destacar os impactos da política neoliberal na
sua organização e desenvolvimento, que apresentam características semelhantes e
constituem-se a partir de reformas, bem como evidencia a organização do bloco dos
países do sul como tentativa de superar as desigualdades, assinalando o tratado do
Mercosul.

O terceiro cenário trata da especificidade da educação superior no Brasil. Nele,


procuro evidenciar o processo de constituição do ensino superior nacional até o ano de
2010, adotado como período final dessa análise, uma vez que nele ocorreu o último
Censo do Ensino Superior, divulgado em outubro de 2011. Este cenário é subdivido em

25
quatro itens que abarcam: a origem do ensino superior no período colonial; a
organização das Universidades e do sistema de ensino superior nacional; o processo de
expansão da graduação e da pós-graduação de 1968 a 1997; o cenário contemporâneo
do ensino superior nacional e finaliza com os ritmos e características da reforma do
ensino superior em curso.

1. Considerações históricas, sentidos e finalidades do Ensino superior e


Universidade.

Em se tratando de um capítulo de aporte teórico à tese desenvolvida, na qual o


docente universitário, sua identidade e imagem, protagonizam o estudo, é pertinente
empreender inicialmente uma delimitação ao conceito de Ensino Superior e as
significações que a denominação Universidade foi adquirindo ao longo do tempo. Sem
pretender me aprofundar em uma ampla distinção entre as designações, julgo ser
importante introduzi-las nesse estudo, tendo em vista que por vezes utilizo a
denominação “professor universitário”, por outras emprego a designação “professor do
ensino superior”. Por vezes alguns dos autores consultados ou referenciados utilizam a
denominação “Universidade”, por outras vezes “Ensino Superior”. As duas designações
são por mim utilizadas não como sinônimos, mas como espaço social, no entendimento
do espaço social como um ambiente complexo, cuja estrutura é um estado de relações
de força entre agentes ou instituições que lhe são próprias. Dito de outro modo, o espaço
social como assinala de Pierre Bourdieu (1996) é compreendido como um “campo de
forças” em que os agentes sociais se definem pelas suas posições relativas, ou ainda
formado por diferentes campos, nos quais os “[...] profissionais da produção simbólica
enfrentam-se em lutas que têm como alvo a imposição de princípios legítimos de visão e
de divisão do mundo natural e do mundo social” (Bourdieu, 1996, p.83), variando
conforme o tempo e o lugar.

Assim, ao considerar a existência da Universidade há pelo menos dez séculos,


aceito como referência que ela teve seu início no que se convencionou chamar de Idade
Média, em um período correspondente ao denominado por Renascimento do Século
XII, caracterizado por um conjunto de transformações culturais, políticas, sociais, e

26
econômicas ocorridas na Europa Ocidental. É pertinente ponderar que o seu sentido, sua
constituição, seus objetivos e ideais tenham variado ao longo de tão extenso período,
assumindo variados modelos. Visto dessa maneira é compreensível existir uma
variedade de discussões acerca da origem da Universidade, quer por falta de uma
determinação igualmente acurada de alguns autores, quer por considerar as referências
apontadas sobre o Ensino Superior na antiguidade, idade média e idade moderna.

Como observado por Reinholdo Ullmann e Aloysio Bohnen (1994) a


Universidade, enquanto tal, não existiu antes da Idade Média. Afirmam os autores que
se tomarmos como parâmetro a “universitas medieval, com o seu cosmopolitismo, com
o seu significado social e político, com a sua organização jurídico-estatuária, a sua
homologação oficial pelos papas e/ou reis e, ainda, a concessão da licentia ubique
docendi, não existiram universidades antes do século XII ou XIII.” (Ullmann &
Bohnen, 1994, p. 57-58). No entanto existe a possibilidade das Universidades medievais
terem se inspirados em modelos anteriores que eles denominam de pré-universidades
(escola ascético-terapêutica de Buda; escola de Confúcio; escola de Pitágoras;
Academia de Platão; Liceu de Aristóteles e a escola dos Sofistas), uma vez que apesar
de reunirem algum requisito do padrão medieval distanciam-se do “ótimo medievo”,
pela ausência de outros.

Em um estudo sobre as origens da Universidade Aldo Janotti (1992), descreve


que o movimento universitário europeu teve início nos fins do século XII, tendo nesse
período surgido universidades de Bolonha, Paris, Oxford, Montpellier. Essas primeiras
Universidades são caracterizadas como ex-consuetudine, constituindo-se em instituições
que nasceram espontaneamente por meio da combinação de circunstâncias favoráveis.
Além disso, segundo o autor, no decorrer do século XIII o movimento universitário se
desenvolve, surgindo na primeira metade do século novas Universidades, também de
caráter espontâneo – Vicenza, Arezzo, Pádua, Vercelli, Siena na Itália, Orléans e
Angers na França, Cambridge na Inglaterra, Valladolid na Espanha. As Universidades
ex-privilégio são igualmente criadas nesse século, isto é, fundadas pela autoridade
papal, imperial ou real, resultado das aspirações pessoais e atreladas às exigências da
política. Com essas mesmas características estão as Universidades de Nápoles de
fundação imperial em 1.224; da Cúria Romana e Piacenza de fundação papal,

27
respectivamente, em 1.244 e 1.248; de Toulouse, com fundação papal em 1.229; as
Universidades Espanholas de fundações reais em Palência (1212 - 1214); de Salamanca
em 1.230; de Sevilha em 1.254, assim como a Universidade de Coimbra, em Portugal,
fundada por D. Diniz em 1.290.

Sobre a origem e memória das Universidades medievais Terezinha Oliveira


(2007), analisa sua constituição sob duplo aspecto. Um que trata da origem enquanto
criação de um espaço novo de construção e de preservação dos saberes, como uma
resposta dos homens medievais às novas exigências históricas. O outro considera a
Universidade como patrimônio histórico, cuja preservação e recordação são necessárias.
Assinala a importância de compreendermos a Universidade na perspectiva da história e
da memória “retomando o seu sentido de pertencimento social que ela possibilita ao
imprimir o caráter de universalidade ao saber e ao agir dos homens” (Oliveira, 2007,
p.104). Descreve que a história e a memória se entrelaçam, o que permite a
compreensão da Universidade como um espaço do saber universal mediado pelas
relações do poder político, que ora esteve sob a marca do poder laico, ora sob o poder
do papado. Nesse estudo, recorre a uma obra dos fins do século XIX e início do século
XX, considerando-a como uma das principais obras dedicadas ao estudo dessa
instituição. Trata-se do estudo sobre as origens da Universidade medieval, publicado no
ano de 1895 pelo filósofo Inglês Hastings Hashdall que assim argumenta sobre as
instituições medievais:

E a universidade é nitidamente uma instituição medieval (...). As


universidades e os produtos imediatos das suas atividades, pode ser afirmado,
constituem a grande realização da Idade Média na esfera intelectual. Sua
organização, suas tradições, seus estudos e seus exercícios influenciaram o
progresso e o desenvolvimento intelectual da Europa mais poderosamente, ou
(talvez deveria ser dito) mais exclusivamente, do que qualquer escola, com
toda a probabilidade, jamais fará novamente (Hashdall, 1895, citado por
Oliveira, 2007, p.3 – tradução da autora).

A Universidade, de acordo com os estudos de Christophe Charle e Jacques


Verger (1996), representa uma pequena parte do que se pode denominar de Ensino
Superior – no sentido amplo do termo – visto que na percepção dos autores “a partir do
invento da escrita, muitas civilizações antigas ou exteriores à Europa ocidental, criaram,

28
sob uma forma e outra, um ensino superior” (Charle & Verger, 1996, p.7). Como
assinalam:

[...] Se aceitarmos atribuir à palavra Universidade o sentido relativamente


preciso de ‘comunidade (mais ou menos) autônoma de mestres e alunos
reunidos para assegurar o ensino de um determinado número de disciplinas
em um nível superior’, parece claro que tal instituição é uma criação
específica da civilização ocidental, nascida na Itália, na França e na
Inglaterra no início do século XIII. Esse modelo, pelas vicissitudes
múltiplas, perdurou até hoje (apesar da persistência, não menos duradoura,
de formas de ensino superior diferentes ou alternativas) e disseminou-se
mesmo por toda Europa e, a partir do século XVI, sobretudo, dos séculos
XIX e XX, por todos os continentes. Ele tornou-se o elemento central dos
sistemas de ensino superior e mesmo as instituições não universitárias
situam-se, em certa medida, em relação a ele, em situação de
complementaridade ou de concorrência mais ou menos notória (Charle &
Verger, 1996, p.8).

No entanto, considerando que no âmbito dos sistemas de Ensino Superior


contemporâneo as instituições podem ser designadas como Universitárias ou não. É
vulgar que ocorra alguma confusão na terminologia dessas instituições, uma vez que as
definições nem sempre dão conta da missão e do caráter das mesmas. Como sublinha
Belmiro Cabrito (2002), o ensino superior tem sido objeto de profundas alterações que
incidiram nos elementos estruturantes desse setor educativo, quer em seus objetivos e
relações de trabalho, quer na natureza e variedade de oferta, ou ainda na composição
social de seus públicos e nas fontes de financiamento. De acordo com o autor a
expressão ensino superior admite uma multiplicidade de referentes, apesar de remeter a
uma realidade comum “a da educação pós-secundária” (Cabrito, 2002, p. 59).

Assim, ao compreender que a designação Ensino Superior representa realidades


diversas e “[...] cujos factores distintivos e caracterizadores encontram a sua origem na
especificidade histórica, económica e cultural de cada contexto social,” (Cabrito, 2002,
p.59). A concepção que perpassa esse estudo é a proposta pela Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (1994) e considerada por Belmiro
Cabrito, na qual o Ensino Superior é designado como “[...] toda a formação inicial pós-
secundária, independente da natureza jurídica do estabelecimento, da duração das
ofertas formativas, da natureza mais vocacional ou humanista da formação, dos

29
diplomas que proporciona ou da origem dos recursos financeiros que garantem o seu
financiamento.” (Cabrito, 2002, p. 59).

O ensino superior é também denominado pela OCDE (1998), como Educação


Terciária, que segundo o organismo, se refere a um nível de estudos que ocorre após o
secundário, estando subdividido em instituições universitárias, instituições politécnicas
e colleges, públicas e privadas e numa variedade de outras escolas superiores, voltadas à
educação continuada, ao trabalho, ao mercado ou ao treinamento profissional.

Clarissa Neves (2003) descreve que ao se observar à experiência internacional e


tendo por base os estudos realizados pela OCDE, especialmente o elaborado no ano de
1998, intitulado “Redefining tertiary education” e os da Organização das Nações
Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO – Política para a mudança e
desenvolvimento no ensino superior (1995) e Tendências de educação superior para o
século XXI (1998; 1999), constata-se uma importante mudança quanto à organização
dos sistemas de educação superior. A autora assinala a multiplicidade de arranjos
institucionais, assim como a diferenciação e a especialização funcional que vêm
ocorrendo, principalmente, em virtude do crescimento da demanda por educação
superior, produzindo um ensino de massa que força o convívio com a clássica função de
formação para e pela pesquisa científica. Até mesmo o compromisso com a pesquisa
transforma-se, à medida que a transferência e a inovação tecnológicas ganham cada vez
mais prioridade.

1.1. O Ensino Superior e Universidade – um cenário de mudança.

Em uma perspectiva de abordagem histórica, autores como Aldo Janotti (1992),


Christophe Charle e Jacques Verger (1996) e Ricardo Rossato (1998), apontam que a
Universidade em quase dez séculos de sua existência precisou desenvolver alta
capacidade de transformação para garantir a sua sobrevivência. Essa instituição que já
foi uma comunidade de docentes e estudantes, sem edifício próprio, com orçamento
exíguo, historicamente passou por grandes transformações, acompanhando as
revoluções do tempo histórico. As pressões por essa transformação foram exercidas
tanto pela Igreja, Monarquia e Estado, como por estudantes e professores e,

30
recentemente, é exercida também pelo mercado. Assim, tem-se que no decorrer do
tempo este processo de transformação tem sido bastante significativo, o que leva a
ponderar, segundo Cristovam Buarque (1994) que mantivemos o substantivo para
expressarmos realidades históricas bastante diferentes, a exemplo disso, tomemos
apenas a variável função, a razão de ser da Universidade ao longo de sua existência,
para o perceber.

O processo histórico de transformação da Universidade tem sido caracterizado


por sucessivas crises, entretanto a ultrapassagem de uma crise à outra, por superação,
não tem representado um fortalecimento das instituições universitárias. Conforme os
estudos de Clark Kerr (1992) e Boaventura de Sousa Santos (1995), as universidades,
tendo em vista a diversidade de expectativas, não raro conflitantes que deve procurar
responder, se mostram instituições cada vez mais complexas. Para além de suas funções
básicas de transmissão da cultura, o ensino da profissão e a pesquisa científica com a
formação de novos homens de ciência, que se constituíram na ideia de Universidade até
a década de 60 (Ortega y Gasset, 1999), os principais fins da universidade moderna
passaram a ser a investigação, o ensino e a prestação de serviços. Considerando essas
três finalidades, assim se expressa Boaventura de Sousa Santos:

Apesar da inflexão ser, em si mesma, significativa e de se ter dado no


sentido do atrofiamento da dimensão cultural da universidade e do
privilegiamento de seu conteúdo utilitário, produtivista, foi sobretudo em
nível das políticas universitárias concretas que a unicidade dos fins
abstratos explodiu numa multiplicidade de funções por vezes contraditórias
entre si. A explosão das funções foi, afinal, o correlato da explosão da
universidade, do aumento dramático da população estudantil e do corpo
docente, da proliferação das universidades, da expansão do ensino e da
investigação universitária a novas áreas do saber. (Santos, 1995, p. 188).

Em um sentido amplo, as proposições de ampliação das funções da Universidade


têm sido incentivadas tanto por políticas e recomendações de organismos internacionais
como o Banco Mundial – BM, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico – OCDE, a Comissão Europeia, a Organização Mundial do Comércio –
OMC, de modo a serem considerados os definidores da uma nova ordem mundial no
âmbito educacional, quanto a partir de setores da própria universidade, tendo em vista a
ampliação do prestígio institucional, assim como na busca de melhorar as condições de
seu financiamento (Maués, 2004).

31
A ampliação das funções da Universidade pode ser ilustrada pelo relatório de
1987, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, que
atribui a esta dez funções principais: 1) educação geral pós-secundária; 2) investigação;
3) fornecimento de mão de obra qualificada; 4) educação e treinamento altamente
especializados; 5) fortalecimento da competitividade da economia; 6) mecanismo de
seleção para empregos de alto nível através da credencialização; 7) mobilidade social
para os filhos e filhas das famílias operárias; 8) prestação de serviços à região e à
comunidade local; 9) paradigmas de aplicação de políticas nacionais (ex. igualdade de
oportunidades para mulheres e minorias raciais); 10) preparação para os papéis de
liderança social.

Em uma análise, mesmo que ampla dessas funções, verifico que três são
concernentes às funções educativas e de formação profissional, duas estão vinculadas à
produção científica – de investigação e fortalecimento da competitividade –, e quatro
são procedentes às funções que as universidades são, contemporaneamente,
conclamadas a desempenhar, quer pelas empresas privadas no intuito de ajudá-las a
selecionar seu pessoal qualificado, quer pelas famílias aos oferecer-lhes oportunidades
de mobilidade social estando relacionadas à inserção social e uma é a de prestação de
serviços. Essas funções realizam-se de formas diversas pelas Universidades nos
diferentes países, e tendem a caracterizar-se por traços e marcas muito semelhantes, em
que pesem o valor extremamente diferenciado de suas economias e a história de
constituição de seus respectivos subsistemas de educação superior e universitário.

Nessa perspectiva, Valdemar Sguissardi (2004b) descreve que as Universidades,


da quase totalidade dos países, pressionadas pelas novas concepções e formas de
economia, pelos novos papéis atribuídos ao Estado e pelas recomendações embutidas
em relatórios, documentos e empréstimos financeiros de organismos multilaterais a
serviço dos Estados centrais, ou seja, pelas políticas de educação superior estão a adotar
um modelo, também chamado de anglo-saxônico, que as configurariam não mais como
instituições sociais, em moldes clássicos, porém como organizações sociais
neoprofissionais, heterônomas, operacionais e competitivas. E, mesmo que na
Universidade não esteja presente um modelo único, homogêneo e engessado, “o que se

32
pode afirmar, e facilmente demonstrar, é que se está em presença de uma dualidade ou
superposição de modelos.” (Sguissardi, 2004b, p. 9).

A Universidade hoje acompanha as transformações da sociedade, do Estado e


das condições sociopolíticas e culturais. Como característica central, esteve sempre em
diálogo com as forças externas, cedendo algumas vezes, resistindo em outras, até
confundir-se com a complexidade deste diálogo e entrar em crise. A crise das
Universidades se expressa, sobretudo como crise do saber, além dos aspectos
provenientes das inconsistências de infraestrutura física e material. É período de
transição, temporada vulnerável em que o modelo implantado ou em implantação
concorre com modelo emergente ou em início de implantação (Sguissardi & Silva Jr.
1997).

Boaventura de Sousa Santos (1995) apontava já na década de 90 que a crise deve


ser analisada e contextualizada no nível sistêmico, identificando o autor uma tripla crise
na universidade: a de hegemonia, a de legitimidade e a institucional. Destaca que dentre
as crises, a hegemônica é a mais ampla e afeta diretamente a Universidade por alancear
o conhecimento que produz e dissemina. Ainda segundo Sousa Santos, essa crise inicia-
se na fase do capitalismo liberal quando passa a exigir formas de conhecimento técnico,
criando a ideia de Universidade voltada para o atendimento das necessidades imediatas
do mercado. A representatividade dessa crise é o modelo da universidade alemã que
abriga a centralidade e o privilégio da produção de alta cultura e conhecimento
científico. A crise tem início no período pós-guerra e, especialmente, a partir dos anos
60 fica evidenciado as dicotomias: alta cultura-cultura popular; educação-trabalho;
teoria-prática. Constituindo essas dicotomias no cerne da crise de hegemonia das
Universidades hoje.

A crise da legitimidade, gerada a partir da crise de hegemonia, põe em risco os


destinatários e a própria aceitabilidade do conhecimento pela sociedade. Ela tem início
quando se torna socialmente visível que a educação superior e a alta cultura são
privilégios das classes superiores e passa-se, assim, a se questionar para quem e para
quê serve o conhecimento produzido no interior da Universidade. Na análise de
Boaventura Sousa Santos (1995), a falta de identidade, autonomia e estrutura

33
organizacional provoca a crise institucional, nela refletindo tanto a crise de hegemonia,
como a crise de legitimidade. Para o autor “O valor que está em causa na crise
institucional é a autonomia universitária e os fatores que têm vindo a tornar cada vez
mais problemática a sua afirmação são a crise do Estado-Providência e a desaceleração
da produtividade industrial nos países centrais.” (Santos, 1995, p. 214).

Os objetivos de uma instituição universitária para Jacques Delors (1999)


envolvem: (i) ser o lugar onde se aprende e fonte de saber; acompanhar a evolução do
mercado de trabalho; (ii) ser o lugar de cultura e de estudo aberto a todos; (iii) ser o
lugar de fazer a cooperação internacional; (iv) ser o lugar onde se produz e se socializa
o conhecimento. É uma instituição de relevante importância para a sociedade e não se
pode concebê-la sem considerar sua correlação com o desenvolvimento econômico,
social e cultural global. Nesse sentido, a produção e a disseminação do conhecimento na
Universidade deve ser voltada para a educação com foco na formação profissional, de
alta qualidade, em diversas áreas do conhecimento de modo que atenda às necessidades
do setor produtivo e da comunidade.

A posição da Universidade no contexto da sociedade do conhecimento é


conforme assinala Miguel Zabalza (2004) profundamente contraditória, uma vez que
tanto integra os planos da dinâmica de desenvolvimento social, político e econômico em
geral com contribuições para o desenvolvimento do conhecimento, como ao mesmo
tempo é questionada por ter desprezado as mudança necessárias ao processo de
formação contínua dos profissionais e sobre a rigidez de suas estruturas em
contraposição com o dinamismo da realidade contemporânea. Para o autor a principal
mudança entre a universidade e a sociedade foi a passagem de uma realidade marginal
na dinâmica social – que lhes permitia manter um alto grau de autonomia e autogestão
sem quase ter que prestar contas a ninguém – para uma realidade de plena inserção na
dinâmica central da sociedade e de participação em suas proposições. Esta interpretação
procura mostrar a amplitude e complexidade da mesma, em contraposição com outras
entidades, organismos e instituições que fazem a vida na sociedade do conhecimento e
que concorrem com as Universidades no contexto da formação cultural (profissional e
de trabalho) dos indivíduos.

34
Destaca Paulo Freire (1992) que a Universidade tem de girar em torno de duas
preocupações fundamentais, de que se derivam outras e que têm que ver com o ciclo do
conhecimento. Para o autor o ciclo do conhecimento tem dois momentos que se
relacionam permanentemente, quais sejam:

[...] um é o momento em que conhecemos o conhecimento existente,


produzido; o outro, o em que produzimos o novo conhecimento. Ainda que
insista na impossibilidade de separarmos mecanicamente um momento do
outro, ainda que enfatize que são momentos do mesmo ciclo, me parece
importante salientar que o momento que conhecemos o conhecimento
existente é preponderantemente o da docência, o de ensinar e aprender
conteúdos e o outro, o da produção do novo conhecimento, é
preponderantemente o da pesquisa (Freire, 1992, p.192).

Nesse sentido, no entendimento de que a Universidade tem por função a


formação dos cidadãos para a sua incorporação ativa como sujeitos socioculturais na
sociedade, distingo o papel dos docentes como intelectuais profissionais que têm uma
missão intensa dentro da Universidade e na própria sociedade – a de direcionar a
construção, transmissão e transformação do conhecimento científico para preparar
futuros profissionais em diferentes campos do conhecimento para a vida profissional,
em relação ao ideal de melhora da sociedade em que vivemos.

Nesse contexto de contradição, entre a valoração significativa da Universidade e


as críticas que são feitas em torno dela, a Universidade está constituída por importantes
agentes de produção de conhecimento, no qual o docente tem relevante papel social,
cultural e político. Dito de outra maneira, sem desconhecer os demais membros
institucionais do entorno universitário, são os docentes que lhe dão sentido orgânico e
totalizador, o que explica a intencionalidade deste estudo que parte da compreensão de
que esta contradição e as mudanças contemporâneas no interior da Universidade
provocam alterações nas dimensões que caracterizam e orientam a profissão acadêmica
e, de modo decorrente, podem afetar diretamente o desenvolvimento profissional dos
professores universitários, a sua identidade e imagem, com consequências para a
qualidade do ensino universitário de modo geral e para a eficiência da Universidade em
particular.

35
1.2. Tendências atuais no Ensino Superior e na Universidade - novos cenários.

A Universidade moderna tem mudado, gerando profundas modificações em seu


conceito, funções e funcionamento. As transformações políticas, econômicas,
demográficas e tecnológicas pelas quais as sociedades ocidentais têm passado nas
últimas décadas, fizeram-na transformar-se. Hoje, a Universidade é marcada por
desafios e incertezas, vinculada a uma lógica de modelo que a compromete a responder a
diversas necessidades que lhe são externas, transformando-se em uma organização
multifuncional. Conforme assinala Hélgio Trindade (2001;1998), este novo modelo
internacional deve ter uma forte ênfase na graduação e ser cada vez mais seletivo na
pesquisa, fazendo com que “a prestação de serviços econômicos e sociais faça parte em
igualdade com a pesquisa de novos conhecimentos.” (Trindade, 1998, pp.13-14).

Nessa perspectiva, os organismos multilaterais que orientam as políticas


públicas para o ensino superior, como referenciado anteriormente nesse capítulo,
assinalam tendências que enfatizam a privatização 1 e a diferenciação institucional,
aspectos que põem em questão as bases constitutivas e princípios da Universidade.

As tendências e características do ensino superior nesse cenário globalizado


apontam para a massificação do ensino, a diversificação institucional, a privatização, a
mercantilização, a transnacionalização, que estão interligadas de tal maneira que não há
possibilidade de interpretá-las de forma isoladas, senão no conjunto das múltiplas
transformações operadas na educação superior nos últimos anos. Essas transformações
amplas e complexas têm alterado o funcionamento das Universidades que se empenham
em responderem aos desafios trazidos pelo crescimento explosivo do número de
estudantes, ocasionado, de um lado, em decorrência da democratização do acesso à
universidade, e por outro, devido às determinações da economia, que em função das
novas formas de composição produtiva exigem cada vez mais uma maior qualificação

1
A privatização de acordo com Sônia Draibe por ser compreendida “[...] como deslocar a produção de
bens e serviços públicos para o setor privado lucrativo foi apresentada como uma resposta que alivia a
crise fiscal, evita irracionalidade no uso de recursos induzida pela gratuidade de certos serviços públicos e
aumenta a progressividade do gasto público ao evitar que os setores de maior poder se apropriem de
benefícios não proporcionais (maiores) à contribuição que realizam para financiá-los” (Draibe, 1993,
p.97).
- Genericamente, o termo privatização designa as iniciativas que ampliam o papel do mercado em áreas
anteriormente consideradas privativas do Estado.

36
profissional. No entanto, apesar do reconhecido fenômeno da massificação, o acesso à
formação nesse nível continua a ser diferenciado e, de certa maneira condicionado por
questões de cunho sociais e financeiras.

Em um processo caracterizado por atender a demanda de qualificação crescente,


contudo de clientela diversificada, surge à diversificação institucional e organizativa
que de certa forma rompe com a ideia tradicional de universidade fundada, conforme
assinala José Dias Sobrinho (2005), no conceito de universalidade dos campos do saber
e na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Essa diferenciação existe
porque a Universidade não é capaz de absorver toda a demanda e qualificar os
profissionais para o mercado de trabalho, conforme distingue Valdemar Sguissardi
(2000b), já que o modelo de Universidade de referência humboldtiana de pesquisa, por
ser extremamente unificado e caro seria inviável teórico e financeiramente aos
propósitos de massificação, nesse sentido, surge de forma explícita e oficial a dualidade
entre Universidades de pesquisa e de ensino.

Ao analisarem a situação no relatório para a UNESCO, Philip Altbach, Liz


Reisberg e Laura Rumbley (2009), assinalam que a necessidade de diversificação
acadêmico-institucional da educação superior surgiu para que fosse possível atender
diferentes necessidades e circunscrições, sendo essa diversificação de sistemas
vinculadas a razões financeiras, acadêmicas e vocacionais que segundo os autores,
continuará a ser central no cenário do ensino superior em uma escala mundial que se
localiza na encruzilhada da tradição com as novas possibilidades.

A demanda crescente de estudantes ao ensino superior, considerando as razões


da valoração do conhecimento na sociedade (Hargreaves, 2004), como já assinalado
anteriormente, ocasionou a necessidade de uma reestruturação no contrato social entre o
ensino superior e a sociedade, uma vez que se tornava igualmente difícil para as nações
sustentarem esse nível de ensino gratuito para a crescente demanda de estudantes que
chegam e conseguem ultrapassar o nível secundário. A base desse contrato tem como
ponto central a crescente desresponsabilização do Estado com os gastos para a educação
superior, decorrendo desse processo a necessidade da sociedade assumir esse encargo

37
com o pagamento de taxas e anuidades, que segundo a OCDE devem-se aproximar
progressivamente aos custos reais por aluno.

Todavia, com a ampliação da falta de investimento do Estado no ensino


superior, a Universidade tem procurado alternativas que possam lhe trazer rendimentos
como a oferta de cursos de extensão, pesquisas aplicadas, parcerias com empresas, entre
outras formas de diversificação de fonte de renda. Como forma de justificar mais esse
encargo à sociedade argumenta-se o excessivo deficit público e as vantagens que esse
investimento trará no futuro para os que concluem o ensino superior em termos de
ganhos de renda.

Nessa perspectiva, conforme assinalam Afrânio Catani e João Ferreira Oliveira


(2002, p.20) o Estado redefine a sua relação com o sistema de ensino superior, deixando
de cumprir o papel de financiador e “tornando-se basicamente um Estado avaliador e
gestor do sistema”. Assim, a formação nesse grau de ensino torna-se reconhecida e
valorizada não mais como um bem social mas na forma de um bem privado, um
investimento produtivo negociável no mercado de troca.

Nesse cenário se evidencia a presença da ideologia do sucesso individual,


propugnada pelo neoliberalismo, no sentido de que quanto maior for o sucesso dos
cidadãos individuais, mais aumentam as possibilidades da comunidade
em correspondente bem-estar. Desse modo, como assinala Boaventura de Sousa Santos:

[...]com a transformação da universidade num serviço a que se tem acesso,


não por via da cidadania, mas por via do consumo e, portanto, mediante
pagamento, o direito à educação sofreu uma erosão radical. A eliminação
da gratuidade do ensino universitário e a substituição de bolsas de estudo
por empréstimos foram os instrumentos da transformação dos estudantes de
cidadãos em consumidores (Santos, 2005 p.25).

Esse processo é acentuado, nos países considerados periféricos na economia, em


que o aumento do deficit público afasta gradativamente o Estado da manutenção deste
nível de ensino (Sguissardi, 2000b), incentivando, de certa forma, o crescimento do
setor privado. Nesse sentido o crescimento do ensino superior privado em todo o mundo
é uma das principais marcas do desenvolvimento das últimas décadas.

38
De acordo com a análise de Philip Altbach et al (2009) nos últimos anos o
percentual da oferta do ensino superior privado no mundo é cada vez maior, com um
crescimento acelerado. Notadamente no Brasil, onde situo essa investigação, a rede de
ensino superior privada representa um percentual superior a setenta por cento das
matrículas. A Universidade brasileira, como assinala Naomar Almeida Filho (2007)
deixou de ser o lócus de formação profissional e de quadros de direção, sendo esse
papel cumprido por outras instituições que desconhecem as missões precípuas de toda
Universidade.

De uma forma inter-relacionada, as diretrizes neoliberais orientam as políticas


públicas para o ensino superior, propiciada por recomendações dos organismos
multilaterais, como assinalei anteriormente, têm encorajando a Universidade pública a
adotar como modelo o perfil mercantil da organização privada, o que na forma de
desvantagem quantitativa a “encaminhará naturalmente para um regime de competição
com as empresas privadas e para a assimilação desse status, agora abertamente
valorizado pela própria autoridade pública.” (Silva, 2006, p.200). E, ao assumir uma
mentalidade empresarial, a Universidade pública, principalmente em um cenário de
redução de investimentos públicos, intensifica a competitividade nos mais variados
aspectos deste campo. Nesse sentido, como aponta Simon Schwartzman (2000) as
Universidades competem por fundos públicos e privados, pelos melhores professores e
alunos, pela maior quantidade de alunos e pelos melhores resultados nas avaliações e os
docentes pesquisadores competem pelos melhores fundos e contratos de pesquisa, entres
outras formas internas de competição entre pares.

De modo amplo, as instituições universitárias, notadamente as que têm a


investigação como relevância institucional, tornam-se reféns do mercado e passam a
julgar a atividade de seus pesquisadores e suas próprias atividades pela sua utilidade
imediata, na lógica do mercado. A mercantilização é fazer com que um bem funcione
como mercadoria, e é igualmente a raiz da alienação dos trabalhadores, do
competitivismo predatório, do empobrecimento das relações humanas, do fetichismo da
mercadoria, entre outras consequências nefastas do capitalismo. A rendição às forças do
mercado que o ensino superior, de modo geral, passou a apresentar, faz com que a

39
Universidade se comprometa com os interesses mais amplos da sociedade, conforme
assinala José Dias Sobrinho (2005).

O processo de mercadorização do ensino superior, de acordo com Boaventura de


Sousa Santos (2005), ocorreu por um período extenso e tem duas fases principais. A
primeira caracteriza-se pela expansão e consolidação do mercado nacional universitário,
e vai de 1980 a meados da década de 1990 e a segunda vem logo depois com o
surgimento do mercado transnacional do ensino superior e universitário. Nesse cenário,
várias instituições tradicionais definem estratégias de entrada em outros países e a
competitividade entre instituições deixa de ser local e ultrapassam fronteiras. Assinala
Boaventura de Sousa Santos (2005, p. 29) que em 2002 “o Fórum EUA/OCDE concluiu
que o mercado global de educação se estava a transformar numa parte significativa do
comércio mundial de serviços”, o que explica o interesse da Organização Mundial do
Comércio – OMC em regular sua oferta.

1.3. Internacionalização, transnacionalização e Processo de Bolonha – um cenário


entre fronteiras.

A circulação das ideias e da cultura universitária pode ser considerada como


precursora das atuais práticas intensivas de internacionalização, mesmo considerando a
sua matriz histórica comum (Lima et al., 2008). No entanto a internacionalização não
deve ser confundida com a mera presença de instituições ou grupos de instituições em
vários países além dos de origem e sim, como marco das relações entre as
Universidades, uma vez que por sua natureza de produtora de conhecimento, a
Universidade sempre teve como norma a internacionalização da função pesquisa e em
dias atuais a internacionalização do ensino se fortifica no panorama mundial.

Muitos documentos versam sobre as concepções teóricas de internacionalização


e conforme assinala Marília Morosini (2006), há os que se detêm na relação
universidade e conhecimento e os mais específicos, que buscam definir aspectos como
globalização, internacionalização, transnacionalização. Para a autora, a
internacionalização da educação superior é de complexa conceituação, pois apresenta
uma diversidade de termos relacionados. Apresenta, igualmente, diversas fases de
desenvolvimento, distinguidos como:

40
a) dimensão internacional – presente no século XX, que se caracteriza por
ser uma fase incidental mais do que organizada; b) educação internacional –
atividade organizada prevalente nos Estados Unidos, entre a segunda guerra
mundial e o término da guerra fria, preferentemente por razões políticas e
de segurança nacional; e c) internacionalização da educação superior,
posterior à guerra fria e com características de um processo estratégico
ligado à globalização e à regionalização das sociedades e seu impacto na
educação superior (Morosini, 2006, p. 115).

José Dias Sobrinho (2005) destaca que há diferenças entre os processos de


internacionalização e de transnacionalização do ensino superior. Conforme descreve o
autor, a primeira corresponderia à cooperação acadêmica, à solidariedade
interinstitucional e à liberdade de pensamento, enquanto a segunda segue os preceitos
da lógica do mercado, da mercantilização da educação como um produto negociável que
se submete às regras do comércio e da concorrência.

Marvin Bartell (2003, citado por Morosini, 2006, p.115) conceitua


internacionalização “como trocas internacionais relacionadas à educação e a
Globalização como uma avançada fase no processo que envolve a internacionalização”.
Assinala o autor a existência de diversas formas de realizar a internacionalização, entre
elas: a presença de estudantes de estrangeiros através de convênios; a realização de
projetos de pesquisa internacionais cooperativados; as associações internacionais
envolvendo consultoria para universidades estrangeiras e outras instituições; a
cooperação internacional e colaboração entre escolas, conselhos e faculdades na
universidade e o grau de imersão internacional no currículo.

Nessa perspectiva, a internacionalização envolve a produção e difusão do


conhecimento e se expressa pelas diferentes formas de intercâmbio entre instituições,
pela mobilidade de estudantes e professores. O processo foi intensificado
contemporaneamente em razão do desenvolvimento tecnológico que possibilita a
interconexão das instituições e a constituição de redes de comunicação que permitem o
acesso imediato a informações. De acordo com o documento Política de mudança e
desenvolvimento no ensino superior da UNESCO (1999, p.17):

41
A internacionalização do ensino superior é, antes de mais nada, uma
reflexão do caráter universal do aprendizado e da pesquisa. É reforçada
pelos procedimentos correntes de integração econômica e política, assim
como pela necessidade crescente de entendimento intercultural. A expansão
do número de estudantes, professores e pesquisadores que trabalham, vivem
e se comunicam num contexto internacional atesta essa tendência. A
considerável expansão de vários tipos de redes e outros tipos de ligação
entre as instituições, professores e estudantes é facilitada pelo avanço
contínuo da informação e das tecnologias de comunicações.

A transnacionalização do ensino superior evoca o serviço para o benefício


privado do capital local e para o mercado global, sem fronteira física e sem pátria. É
movida por motivações econômicas e não de cooperação institucional ou acadêmica.
Nesse sentido é um processo relacionado ao projeto neoliberal de Universidade e ocorre
sob a tutela da Organização Mundial do Comércio (OMC), no âmbito do Acordo Geral
sobre o Comércio de Bens e Serviços (AGCS). Tal como assinala Boaventura de Sousa
Santos (2005) a educação é um dos doze serviços contemplados por este acordo, que
tem por objetivo promover a liberalização do comércio de serviços por meio da
eliminação progressiva das barreiras comerciais.

No marco regulatório do Acordo Geral sobre o Comércio de Bens e Serviços, os


serviços educativos assumem caráter lucrativo e transnacional realizando por meio de
quatro alternativas de oferta de serviços universitários mercantis: (i) oferta
transfronteiriça (a educação a distância, a aprendizagem on line etc.); (ii) consumo no
exterior (com o movimento transnacional do consumidor); (iii) presença comercial (o
provedor estabelece instalações comerciais em outros países) e (iv) movimento de
pessoas físicas, com deslocamento temporário de professores ou pesquisadores a outros
países para prestação de serviços educativos.

Observado nesta ótica, o ensino superior é caracterizado como uma mercadoria


e, consequentemente, objeto passível de comercialização e de exportação ao mercado
globalizado e nesse sentido deve incorporar uma das lógicas do mercado que é a
capacidade de competir. Um mercado competitivo de educação superior, como assinala
Licínio Lima et al (2008, p.14), “requer um mínimo de regulação relativa ao
estabelecimento das grandes regras do jogo competitivo e da inclusão das instâncias
competidoras, da estrutura comum dos serviços a prestar, dos critérios de avaliação da

42
sua qualidade e da informação a prestar aos consumidores”. Como complementa os
autores:

Trata-se de uma convergência normativa,estrutural e morfológica capaz de


integrar os fornecedores de serviços educativos num sistema comum,
impondo-lhes pré-requisitos, mas, simultaneamente, num sistema
competitivo e, por essa razão, altamente diferenciado. Estaremos perante
uma convergência normativa indispensável à integração das instituições,
mas logo orientada para a divergência competitiva e diferenciadora,
baseada na rivalidade interinstitucional, dentro e fora de cada país, na busca
incessante por vantagens competitivas (Lima et al, 2008, p.14).

Da crescente oferta de produtos fronteiriços, passa a existir a necessidade de


estabelecer marcos regulatórios supranacionais e comuns, tanto dos que visam à
garantia de qualidade, como dos que permitem e facilitam a circulação de pessoas e
programas, de modo que começa uma organização no sentido da homogeneização e do
estabelecimento de regras e normas comuns entre os países como assinala José Dias
Sobrinho (2005). Esse controle transnacional, mediante instrumentos de regulação e
acreditação possibilita a compatibilidade entre os serviços oferecidos mundialmente,
assim como propicia avalizar a qualidade e o cumprimento de padrões e normas
acordados. Contudo, ao mesmo tempo contribui para a consolidação da cultura do
mercado globalizado no ensino superior e o fortalecimento, em escala mundial e
flexível, dos seus interesses econômicos.

O próprio conceito de qualidade passa a ser definido por critérios supranacionais


baseados em determinantes econômicos. Para José Dias Sobrinho (2005) se o conceito
de qualidade é muito complicado já nos sistemas locais, o é muito mais ainda, quando
aplicado a padrões transnacionais, visto que as agências supranacionais impõem sua
lógica e suas normas, independentemente de valores nacionais, princípios democráticos
e éticos. Nesse processo, abre-se mão da soberania nacional em troca de um novo centro
de poder político supranacional, que tende a pressionar para que se busquem modelos
homogêneos e mais facilmente controláveis.

Nesse contexto com padrões transnacionais de modelo mercantil, os modos de


governo e de gestão universitário alteram-se com a entrada de aspectos estruturantes
como massificação e democratização no acesso; a diversificação de percursos

43
acadêmicos e a alteração nos regimes de autonomia; a busca de fontes alternativas de
financiamento e a perda de exclusividade como fonte de conhecimento. E é neste
contexto que na Europa passar a existir a necessidade de criação do Espaço Europeu de
Ensino Superior, no qual o Processo de Bolonha constitui-se em uma política
educacional supranacional, comum aos estados-membros da União Europeia, que de
acordo com José Dias Sobrinho “era estratégico criar uma universidade européia para as
necessidades européias.” (2005, p.172).

Nesse sentido, o processo de unidade do ensino superior teve início em 1998, em


Paris. Os ministros da educação da Alemanha, França, Itália e Reino Unido assinaram
uma declaração conjunta firmando a intenção da construção de um “espaço europeu de
educação superior” – Declaração da Sorbonne – no âmbito do processo de convergência
já realizado em termos econômicos e comerciais. No ano seguinte, em 1999, os
ministros de vinte e nove estados europeus, incluindo Portugal, subscreveram a
chamada Declaração de Bolonha, em que assumem como objetivos o estabelecimento,
até 2010, de um espaço europeu de educação superior coerente, compatível, competitivo
e atrativo para estudantes europeus e de países terceiros. Conforme descreve José Dias
Sobrinho (2005), o teor da Declaração adiantava-se nas bases de reforma da educação
superior, explicitando a percepção de que para a Europa entrar de forma competitiva no
mercado global era necessária a consolidação da convergência no ensino superior.

A Declaração de Bolonha provocou na Europa um movimento com


extraordinária repercussão no plano social, cultural e econômico, cognominado por
Processo de Bolonha que tem como objetivo principal a edificação de um Espaço
Europeu de Ensino Superior que viabilize: o aumento da competitividade e a
atratividade em nível internacional do ensino superior europeu, a adaptação da formação
dos graduados europeus às demandas do mercado de trabalho e o desenvolvimento de
mobilidade interna e externa de estudantes graduados. Para atingir estes objetivos o
processo pressupõe uma articulação em torno de seis ações principais: (i) adoção de um
sistema de graus facilmente compreensíveis e comparáveis; (ii) adoção de um sistema
baseado em dois ciclos principais, que sirva para estabelecer equivalências com a escala
internacional; (iii) o estabelecimento de um sistema uniforme de créditos, o Sistema
Europeu de Transferência de Crédito - ECTS, que funcione como medida de trabalho

44
acadêmico e promova e facilite a mobilidade dos estudantes; (iv) a promoção da
mobilidade; (v) a promoção da cooperação europeia em matéria de qualidade, de forma
a estabelecer critérios e metodologias comparáveis e estabelecer a confiança mútua no
trabalho realizado pelas mais diversas instituições e (vi) a promoção da dimensão
européia da educação superior, com especial atenção para o desenvolvimento de
currículos, cooperação institucional, esquemas de mobilidade e programas integrados de
estudo, formação e pesquisa.

O desenvolvimento do Espaço Europeu de Ensino Superior objetiva a adoção de


um sistema universitário homogêneo, compatível e flexível que permita aos estudantes e
diplomados das Universidades Europeias uma maior mobilidade. Assim como em
desenvolver níveis únicos de transparência e qualidade, mediante sistemas de avaliação,
que o tornem atrativo e competitivo ao nível internacional dentro do atual processo de
globalização.

Na formação profissional, passa a ser valorizado o esforço que o estudante deve


despender para ter aprovação nas várias áreas que compõem o curso, e não somente as
horas de aulas a que deve assistir. Do mesmo modo, altera-se a filosofia de estudo,
valorizando mais a capacidade que o estudante revela ao utilizar as ferramentas de
aprendizagem do que apenas a acumulação de conhecimentos. Conforme pontua José
Dias Sobrinho (2005), o universo das profissões se tornou muito diversificado e
complexo, o que faz com que os profissionais além de preparados para diferentes novas
demandas do mercado, igualmente devem ter em condições de permanentemente se
atualizar em face das mudanças e transformações que vão ocorrendo na economia, na
sociedade e na ciência. Para além deste aspecto, os títulos, diplomas, certificações,
habilitações profissionais, entre outros conhecimentos obtidos durante a vida acadêmica
devem ser adicionados à licenciatura ou diploma acadêmico dos estudantes.

No decorrer do processo para efetivação do projeto do Espaço Europeu de


Ensino Superior, os ministros da educação europeus adicionaram novas linhas de ação
no sentido de concretização do projeto. Em maio de 2001, em um encontro realizado em
Praga, são definidas mais três medidas: a promoção da aprendizagem ao longo da vida;
o envolvimento dos estudantes na gestão das instituições de Ensino Superior e a

45
promoção da atratividade do Espaço Europeu do Ensino Superior. Em Setembro de
2003, em Berlim, os ministros responsáveis pela área do Ensino Superior de 33 países
europeus, reafirmaram os objetivos definidos em Bolonha e em Praga, adicionando mais
dois pontos.

O primeiro ponto objetivava promover vínculos mais estreitos entre o Espaço


Europeu do Ensino Superior e o Espaço Europeu de Investigação, no sentido de
fortalecer a capacidade investigadora da Europa, de forma a melhorar a qualidade e a
atratividade do ensino superior europeu, e o segundo em alargar o atual sistema de dois
ciclos, incluindo um terceiro ciclo no Processo de Bolonha, constituído pelo
doutoramento, e aumentar a mobilidade quer ao nível do doutoramento como do pós-
doutoramento. As instituições devem procurar aumentar a sua cooperação ao nível dos
estudos de doutoramento e de formação de jovens investigadores.

Os ministros de 45 países participantes do Espaço Europeu do Ensino Superior e


do Espaço Europeu de Investigação e ao Doutoramento, reunidos em maio de 2005, em
Bergen, reafirmaram a promoção de vínculos mais estreitos, do ponto de vista da
estratégia comunitária da União Europeia no sentido de fazer a economia do
conhecimento mais competitiva e mais dinâmica do mundo, apropriada a um
crescimento econômico e duradouro, acompanhado de uma melhoria quantitativa e
qualitativa do emprego e de maior coesão social.

Em outubro de 2007, em Lisboa reuniu-se o Bologna Follow-Up Group -


BFUG, organismo constituído por cerca de uma centena de especialistas, que desde a
reunião interministerial de Berlim, em 2003, tem o encargo de supervisionar de modo
geral a implementação dos acordos alcançados no âmbito do Processo de Bolonha.
Nesta reunião a pauta era a aprovação de um programa a ser seguido no período de
2007-2009, tendo como embasamento a análise das reflexões, reforços e estabilização
de diretrizes traçadas ao longo dos últimos 8 anos e da prospectiva do futuro para lá de
2010. O sentido da proposta de programa que promovesse: (i) incentivos à mobilidade
europeia; (ii) a clarificação das estruturas de qualificação nacionais e os respectivos
sistemas de graus; (iii) o incentivo à criação de estruturas para formação contínua; (iv) o
lançamento de programas doutorais inovadores; (v) a criação de um sistema de

46
reconhecimento e garantia de qualidade; (vi) incentivos a empregabilidade dos
portadores de formações de primeiros ciclos; (vii) progresso no reconhecimento de
estudos formais e não-formais; (viii) a consolidação de medidas que garantam a
dimensão social do processo e (ix) o progresso na dimensão global e na procura de
novos públicos para o ensino superior.

Não obstante, esse cenário do Processo de Bolonha constituir-se


reconhecidamente por contribuir para o crescimento social e humano, assim como um
componente indispensável para a consolidação e o enriquecimento da cidadania
europeia, dotando os cidadãos de competências necessárias para enfrentarem os desafios
da sociedade contemporânea. Há reflexões como a de Alberto Amaral (2005, p. 41) que
apontam a existência de “uma agenda oculta de Bolonha que é dominada pelas questões
da economia” e que, em detrimento da criação de uma área de ensino superior
competitiva, procura solução para o problema dos elevados salários europeus que, no
quadro da nova economia global, afetam os índices de competitividade da Europa.

Para José Dias Sobrinho (2005), Espaço Europeu do Ensino Superior,


desenvolvido no processo de Bolonha, trata-se da criação de uma sólida convergência
na educação superior europeia, de forma a que esta atenda aos desafios trazidos pela
globalização e para tal propósito é necessário adaptar os currículos ao mercado de
trabalho, impulsionar a mobilidade de alunos, docentes e pesquisadores, e tornar a
educação superior atraente no mercado global.

2. Ensino Superior na América Latina – o cenário em grandes linhas.

Na educação superior da América Latina, assim como em outros campos das


políticas públicas foi sentido o declínio do Estado de Bem-Estar Social ocasionado na
crise capitalista nos anos 70 e decorrente das políticas econômicas neoliberais. Assim,
de modo similar em quase todos os países latino-americanos, os governos foram aos
poucos implementando ações reguladas no pensamento neoliberal que estabelece como
referência de qualidade o mercado e fixa o valor econômico como critério do valor da
educação. Conforme mostra Ricardo Antunes:

47
O projeto neoliberal passou a ditar o ideário e o programa a serem
implementados pelos países capitalistas, inicialmente no centro e logo
depois nos países subordinados, contemplando reestruturação produtiva,
privatização acelerada, enxugamento do Estado, políticas fiscais e
monetárias sintonizadas com os organismos mundiais de hegemonia do
capital como FMI e BIRD, desmontagem dos direitos sociais dos
trabalhadores, combate cerrado ao sindicalismo classista, propagação de um
subjetivismo e de um individualismo exacerbados da qual a cultura
"pósmoderna" é expressão, animosidade direta contra qualquer proposta
socialista contrária aos valores e interesses do capital, etc. (Antunes, 2002,
p. 40).

No ideário neoliberal para a educação de modo geral e, notadamente ao ensino


superior em particular é conferido ao estudante universitário um valor econômico que
tenderia a aumentar a produtividade econômica e a melhor forma de fazê-lo seria
através de empresas privadas. Essa concepção atrelada “ao propalado distanciamento da
educação das então novas necessidades da economia, sobretudo do setor industrial, e em
face de uma suposta ineficiência dos serviços públicos” (Dias Sobrinho, 2003, p. 02),
influenciou as reformas educacionais dos governos que passaram a enfatizar, nas
mudanças, a função econômica da educação.

Esse quadro foi se acentuando com o agravamento da crise econômica a partir da


década de 80. Neste período as diretrizes do modelo neoliberal, conforme descreve José
Dias Sobrinho (1999) conduziram as Universidades latino-americanas a uma ampla e
densa transformação, na qual, os critérios e as expressões correntes passaram a ser a
eficiência, produtividade, rentabilidade, competitividade; qualidades que constituiriam o
conteúdo da modernidade, conforme a racionalidade funcionalista desse fetiche do
neoliberalismo, que é o mercado. De acordo com o autor: “A crítica, o debate público, a
cidadania são abafados e controlados pelo darwinismo social, pela competitividade em
todos os níveis da vida humana, desde o plano das relações interpessoais ao mercado
internacional.” (Dias Sobrinho, 1999, p. 160).

O Chile foi o país precursor dessas políticas educativas neoliberais e em seguida


o México depois do ajuste econômico pré-crise de 1995. Logo após a Argentina e
gradualmente a agenda reformista imposta pelo Banco Mundial foi se estabelecendo na
maioria dos países da América Latina como contrapartida ao financiamento e com
aceitação da introdução dos mecanismos do Estado-avaliador definindo as políticas de

48
financiamento das Universidades. As medidas implantadas tiveram impacto imediato na
oferta de vagas nos sistemas de ensino superior dos países, na própria reestruturação
jurídica do sistema e uma profunda redefinição do papel do Estado do ponto de vista
educacional por meio de políticas de descentralização, reformas curriculares e
mudanças significativas na gestão acadêmica.

Não obstante a existência de diferenças estruturais expressivas no sistema do


ensino superior de países como, por exemplo, o Chile, o México e o Brasil, as
consequências das reformas neoliberais são semelhantes, uma vez que geraram, por
ausência de investimentos, a escassez generalizada em matéria de infra-estrutura, a
diminuição das possibilidades de produção e socialização do conhecimento e as
péssimas condições para o exercício da docência e da pesquisa. Tal como descreve
Pablo Gentili (2001) as políticas neoliberais esvaziam, empobrecem e conduzem à
decadência as universidades como espaço público de produção de conhecimento
socialmente relevante e, “ao mesmo tempo, o compromisso político-democrático dos
intelectuais diminui, ao se reduzir ao extremo sua vinculação com as lutas e as
resistências protagonizadas pelos movimentos sociais e populares latino-americanos.”
(Gentili, 2001, p.111).

Na análise empreendida por Pablo Gentili (2001) o diagnóstico neoliberal da


educação para a América Latina se fundamenta em três pontos básico: (i) os governos
não são capazes de assegurar qualidade e quantidade e muito menos articulá-las; (ii) a
educação pública já se expandiu pela América Latina. Contudo, atribuem os índices de
marginalização à ineficiência de qualidade de Estado Gestor; (iii) é impossível a
combinação de qualidade e quantidade aos critérios igualitários e universais. Desse
modo, segundo o autor, estes argumentos buscam justificar a transferência da educação
da esfera política para a esfera do mercado.

Nesse sentido, apresentam-se como evidências o notável aumento das


instituições privadas, a diminuição dos gastos governamentais, e a orientação para o
incremento de mecanismos de captação de recursos privados em substituição ao
financiamento governamental para o ensino superior público, com a cobrança de taxas e
mensalidades, convênios com unidades produtivas, venda de serviços entre outras

49
medidas de captação de recursos. Notadamente no Brasil, ocorreu uma ampliação da
oferta do ensino superior privado em contraponto ao esvaziamento progressivo das
instituições públicas, o que para o autor descreve “um círculo vicioso de precariedade
que, de forma direta, coloca obstáculos para as condições de qualidade e de igualdade
que devem estruturar todo o sistema público de educação em uma sociedade
democrática.” (Gentili, 2001, p. 111).

O Banco Mundial se inscreve no cenário latino-americano como “uma instância


reguladora de políticas educacionais.” (Dias Sobrinho, 1999, p. 152). Constituindo-se
em uma instituição central na despolitização e positivação da política-educacional,
exercendo um papel central no processo de globalização do capitalismo. A exemplo
dessa afirmativa o documento “La Enseñanza Superior: las lecciones derivadas de la
experiência” (1995), nomeadamente na seção dedicada à redefinição da função do
governo, encontram-se as diretrizes do organismo para obtenção de empréstimos, as
quais evidenciam que nos países em desenvolvimento, a intervenção do Banco Mundial
no ensino superior se limitará para que a procura de financiamento ocorra de forma
equitativa e eficaz em função dos custos. Dito de outra maneira, com menos custo para
o Estado, de maneira que a educação primária e a secundária possam receber maior
atenção. Além dessa diretriz, é previsto que exclusivamente os países que promoverem
maior diversificação institucional, bem como uma base de recursos mais diversificada,
como a participação dos estudantes nos custeios, continuarão a contar com o apoio do
Banco, o mesmo ocorrendo quanto a maior diversificação das instituições e novas
modalidades de cursos de curta duração e a distância (Banco Mundial, 1995, p. 96, 98 e
100).

De modo geral, são vastos os acordos e pactos, efetivados com orientação


neoliberalita, com relação ao direcionamento das políticas educacionais na América
Latina. Estes, de acordo com Pablo Gentili, têm se transformados em ferramentas de
legitimação de ajustes no sentido da “privatização direta e indireta, descoberta ou
encoberta, da educação como (aparentemente) o único mecanismo que possibilitará uma
administração eficiente e produtiva dos recursos destinados às instituições escolares
[...].” (Gentili, 2001, p.66).

50
A investigadora Argentina Carmen García Guadilla (2003), ao realizar um
balanço da década de 90 sobre as transformações no ensino superior destaca que, apesar
da grande expansão ocorrida na metade do século XX nos países latino-americanos, os
sistemas permanecem apresentando grandes deficit em sua evolução. Essa posição é
referendada por José Dias Sobrinho (2005), que chama a atenção para o fato de que
cerca de 10% das instituições de educação superior são classificadas como
universitárias ressaltando que se for seguido rigorosamente o princípio da exigência de
pesquisa sistemática, este índice seria ainda menor. Isso quer dizer que a predominância
é a de não-universitárias, tendencialmente de natureza privada, dedicadas à formação
profissional em nível de graduação.

O quadro 01 apresenta a comparação numérica entre as instituições de ensino


superior Universitárias e não-universitárias, como pode ser observado a seguir.

Quadro 01
Instituições de Ensino Superior na América Latina

País Total Universidades País Total Universidades


IES* IES*
Brasil 2547 303 Panamá 82 33
México 2397 143 Costa Rica 76 2
Peru 1139 91 Cuba 55 17
Argentina 604 103 Nicarágua 44 39
Equador 424 72 R. Dominicana 42 34
Paraguai 354 32 El Salvador 39 26
Colômbia 289 79 Uruguai 29 6
Chile 207 61 Honduras 20 20
Venezuela 145 47 Haiti 17 13
Bolívia 106 106 Guatemala 10 1
Fonte: IESALC / MESALC/ 2006 – (elaboração própria)
* Total de instituições incluindo universidades.

Os sistemas de ensino superior latino-americanos encontram-se num processo


acentuado de passagem da oferta de ensino universitário público para formas mistas ou
privadas. Designadamente o Brasil é um dos países da América Latina que mais
privatizou o ensino superior. Cerca de 80% de suas instituições de ensino superior têm
provedores privados, como pode ser observado no quadro a seguir:

51
Quadro 02
Instituições de Ensino Superior no Brasil:
tipo de gestão/instituições – 2009

Institutos
Centros Faculdades
Indicadores Universidades Federais e Total
Universitários Isoladas
CEFET’s
Público 100 7 35 103 358
Privado 86 120 00 1.863 1.956
Total 186 127 35 1.966 2.314
Fonte: Sinopse da educação Superior 2009 – INEP (elaboração própria).

Uma parcela muito pequena das instituições de ensino superior nos países latino-
americanos desenvolve pesquisa de modo sistemático e as que a fazem são
predominantemente universidades públicas. Esse dado é agravado com a restrição dos
gastos públicos em ensino e pesquisa, sendo o investimento estatal nestas áreas, em
média, respectivamente, de 0,8% e 0,5% do PIB dos países. A existência de programas
de pós-graduação consolidados concentra-se no Brasil e México como pode ser
observado pelo gráfico 1, a seguir, que ilustra a taxa de matrícula nos programas de pós-
graduação.

Gráfico 01

Matrícula* nos programas de Pós-graduação 2005/2006

200.000
180.000
160.000
140.000
120.000
100.000
80.000
60.000
40.000
20.000
0
il a a rú bi
a a le a á ay gua ras dor
i co ras ntin u el Pe om ub hi ican nam gu
éx B e e z C C u ra n du lva
M g n ol in Pa Ur ica o a
Ar Ve C m N H El S
Do
p
Re
Fonte: IESALC / MESALC/ 2006 – (elaboração própria)
* 14 países com 94% de matrícula.

52
Analisando o contexto dos países da América Latina, Pablo Gentili (2001) e José
Dias Sobrinho (2005) apontam algumas dificuldades que os países latino-americanos
enfrentam no ensino superior como: as precariedades físicas e institucionais; problemas
de regulação dos sistemas educacionais com rigor e qualidade; graves deficiências na
profissionalização do corpo docente, especialmente no tocante aos salários e à
capacitação; baixa qualidade de formação dos estudantes nos níveis anteriores; os
estruturais deficit econômicos e sociais; as crises econômicas; os entraves derivados das
organizações políticas e as dificuldades decorrentes da competitividade internacional.

No enfrentamento desses problemas sociais e desafios políticos, os países latino-


americanos têm buscado fazer frente às forças macroeconômicas da globalização e seu
impacto sobre as políticas públicas tais como as da educação, buscando por meio de
organismos intergovernamentais de cooperação técnica o estabelecimento das agendas
educacionais para a América Latina nas últimas décadas. Nesse sentido, com o objetivo
de criar condições favoráveis ao desenvolvimento econômico, principalmente do
sistema de mercado e para a defesa da democracia na América Latina foi criada em
1980 a Associação Latino-Americana de Integração – ALADI, instituída pelo Tratado
de Montevidéu, para dar continuidade ao processo de integração econômica iniciado em
1960 pela Associação Latino-Americana de Livre Comércio – ALALC.

O processo de integração econômica da ALADI inclui o fortalecimento de um


mercado comum latino-americano e o processo de integração da região objetivando: a
eliminação gradativa dos obstáculos ao comércio recíproco dos países-membros; a
impulsão de vínculos de solidariedade e cooperação entre os povos latino-americanos; a
promoção do desenvolvimento econômico e social da região de forma harmônica e
equilibrada, a fim de assegurar um melhor nível de vida para seus povos; a renovação
do processo de integração latino-americano e estabelecimento de mecanismos aplicáveis
à realidade regional e a criação de uma área de preferências econômicas, tendo como
objetivo final o estabelecimento de mercado comum latino-americano. No sentido
assinalado por Argemiro Brum (1995), ao analisar a perspectiva atual na América
latina: "A integração permite fortalecer suas presenças no cenário mundial, pois, no
atual contexto econômico mundial, nenhuma nação consegue avançar sozinha."
(Brum,1995, p. 7).

53
No cenário de integração da América Latina, como experiências sub-regionais,
foi também constituído o Mercado Comum do Sul, uma tentativa dos países da América
do Sul de se organizarem para enfrentar conjuntamente as constantes crises políticas,
econômicas e sociais que afetam a vida do cidadão sul-americano, e com tal
abrangência permitem perspectivas de análise de diferentes áreas do conhecimento
humano, o que favorece a ampliação do horizonte de discussão e análise também no
campo educacional.

De modo geral, os países latino-americanos têm avançado no sentido de criar um


cenário propício para formar profissionais qualificados, além de proporcionar condições
de acesso ao mercado de trabalho com vistas à geração de renda e melhoria de
condições de vida. As matrículas de acesso para o ensino superior aumentaram
substancialmente nas últimas décadas e continuam se expandindo. No entanto, essas
medidas são ainda insuficientes no atendimento da demanda de acesso à formação em
nível superior, bem como em atender às necessidades de colocação de profissionais no
mercado de trabalho. Até atingir o nível desejável, as instituições de ensino superior têm
de enfrentar problemas, como o das desigualdades regionais e da qualificação docente,
notadamente em áreas específicas.

2.1. O Ensino Superior e o Mercosul.

O MERCOSUL – Mercado Comum do Sul é um processo de integração


econômica entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai iniciado em 1991 com a
assinatura do “Tratado de Assunção”. A esse processo também se associaram o Chile e
Bolívia por meio dos Acordos de Complementação Econômica, assim como a
Venezuela com a pediu adesão ao Mercado Comum do Sul (ainda em processo). O
tratado tem como objetivo a conformação de um mercado comum de livre circulação de
bens, serviços, trabalhadores e capital. Busca ainda, o desenvolvimento de uma política
comercial uniforme comum em relação a terceiros países/blocos, assim como a
coordenação das políticas macroeconômicas e harmonização das políticas alfandegária,
tributária, fiscal, cambial, monetária, de investimentos, de comércio exterior, de
serviços, de transportes, de comunicações, agrícola, industrial, trabalhista, entre outras,

54
com a harmonização dos códigos legislativos dos países-membros nas áreas definidas
como pertinentes ao processo de integração.

Além desses objetivos gerais, o Mercosul desenvolve suas ações no sentido do


aumento e diversificação da oferta de bens e serviços com padrões comuns de qualidade
e seguindo normas internacionais, a promoção de modo coordenado do
desenvolvimento científico e tecnológico, assim como a busca permanente de pautas
comuns para o desenvolvimento sustentável dos recursos regionais e o aumento da
participação dos setores privados no processo de integração. Atuando desde o ano de
1995, o bloco tem viabilizado transações comerciais, projetos de infraestrutura, e a
criação de uma universidade, denominada Universidade Federal de Integração Latino-
Americana – UNILA – com objetivo de integrar os povos latino-americanos.

No âmbito do Mercosul são efetuados diversos acordos e convênios nos campos


sociais, econômicos, culturais, científicos, tecnológicos e de formação intelectual, com
universidades dos diversos países do Mercosul e países associados. Esses convênios
demonstram a intenção de integração, uma vez que a partir deles todos os segmentos da
comunidade acadêmica têm a oportunidade de desenvolvimento intelectual em outras
Universidades, de outros países, dando forma, assim, ao processo ruptura com as
barreiras culturais, econômicas e sociais, na busca por uma maior integração entre os
países.

A emergência do Mercosul conforme salienta Maria Estela Franco (1993),


requer um debate sobre a Universidade e sua participação nessa integração,
estabelecendo um desafio para docentes, pesquisadores e discentes. No entanto,
enquanto realidade histórica, o processo de integração necessita ser traduzido para as
vivências do cotidiano, em que se objetivam as condições de existência. Ressalta a
autora que por meio do conhecimento que a universidade se insere no processo de
integração e é por este caminho que se justifica a realização de seminários, que remetem
para a produção e a disseminação do conhecimento, isto é, para a pesquisa, o ensino e as
ações que os estendam à comunidade.

Na análise de Ernani Lampert (1998) o Mercosul é uma realidade desafiante,


cujos aspectos favoráveis e desfavoráveis estão implícita e explicitamente presentes,
cabendo às universidades públicas, comumente engajadas nos problemas políticos,

55
econômicos, sociais e culturais, participar dessa integração. Salienta-se, assim, a
Universidade como propulsora da geração, sistematização, transmissão e socialização
do conhecimento, constituindo-se como elemento central de uma integração que
valorize a dimensão humana. Tal posição é também referendada por Carmen García
Guadilla (2003) que destaca que os países da América latina e, em geral, os países
avançados, têm necessidade de instituições que contribuam no desenvolvimento
nacional, de produzir investigação relevante às necessidades locais e de participar no
fortalecimento da sociedade civil. Para a autora esta “é também uma responsabilidade
para as elites intelectuais desses países, muitos deles movendo-se cada vez mais nos
espaços globais e extraterritoriais.” (Guadilla, 2003, p. 28). Para Marília Morosini
(1996) é indispensável desenvolver nos sistemas universitários dos países do Mercosul
uma cultura de integração baseada no respeito às características das nações-partes e na
rearticulação das relações existentes.

Diante desse panorama cabe assinalar alguns mecanismos implantados no


quadro de uma integração educacional sub-regional no Mercosul. No campo do
reconhecimento, verifica-se o Mecanismo Experimental de Acreditação de Cursos de
Graduação (MEXA) que propõe o reconhecimento recíproco de títulos de graduação,
para fins acadêmicos, contudo para a sua efetivação devem ser atendidos os critérios de
qualidade acordados. Em relação à mobilidade entre os países do Mercosul foi criado o
Programa de Mobilidade Acadêmica Regional para Cursos Credenciados – MARCA,
que é associado às carreiras acreditadas por meio do MEXA, e deve propiciar o
intercâmbio de estudantes, docentes, pesquisadores e gestores.

Para além desses mecanismos de integração educacional no ensino superior,


foram assinados alguns protocolos e acordo entre os países membros. A exemplo, o
“Protocolo de Integração Educacional para Prosseguimento de Estudos de Pós-
Graduação nas Universidades dos Estados Partes do Mercosul” (1996) e o “Acordo de
Admissão de Títulos e Graus Universitários para o Exercício de Atividades Acadêmicas
nos Países Membros do Mercosul.” (1999).

A proposta integrativa do ensino superior no Mercosul é, de certa forma recente,


como o próprio tratado. Nela o ensino e a pesquisa devem estar vinculados à solução
dos problemas latino-americanos de modo geral e aos países membros do Mercosul em

56
particular, contribuindo para o desenvolvimento social equilibrado e solidário. Esta
proposição, em consonância com a Declaração Mundial sobre a Educação Superior no
Século XXI (UNESCO, 1998), demanda a geração endógena e socialização de
conhecimento, capaz de interpretar e dar soluções às especificidades da região, e
consequentemente, de estabelecer a “capacidades endógenas e consolidar os direitos
humanos, o desenvolvimento sustentável, a democracia e a paz em um contexto de
justiça.” (UNESCO, 1998).

Sendo assim, não se trata somente de adequar-se aos novos requerimentos da


globalização, da sociedade do conhecimento e da informação, como assinala José Dias
Sobrinho, e sim “[...] de construir entendimentos sobre a concepção de uma educação
que seja mais apropriada às realidades de cada um dos nossos países e ao conjunto
latino-americano.” (2005, p.18).

3. A Universidade e o sistema do Ensino Superior do Brasil.

3.1. O cenário em que surge a Universidade Brasileira.

No Brasil de colonização portuguesa não houve inicialmente qualquer incentivo


de criar um sistema se ensino superior, diferentemente dos países de colonização
espanhola e inglesa. Na América Espanhola desde o século XVI foram instaladas na
Colônia pelo menos seis Universidades e no período de independência já existiam 19
instituições de Ensino Superior. Na América Inglesa, no período da independência, existiam
nove universidades. No Brasil colônia, como assinala Luis Antônio Cunha (1980), Portugal
desincentiva e proíbe a criação de Universidades e em seu lugar concede bolsas de estudo
em Coimbra, bem como permite que os jesuítas ofereçam cursos superiores de Filosofia e
Teologia. Conforme o autor o “primeiro estabelecimento de ensino superior no Brasil foi
fundado pelos jesuítas na Bahia, sede do governo geral, em 1550” (Cunha, 1980, p.152).
Nessa época os estudantes, filhos de famílias abastadas, também se deslocavam para a
Europa para obter suas graduações em outros campos, como assinala Fernando de
Azevedo (1971) a seguir:

57
Não havia, pois, na Colônia estudos superiores universitários, a não ser para
o clero regular ou secular [...] para os que não se destinavam ao sacerdócio,
mas a outras carreiras, abria-se, nesse ponto de bifurcação, o único, longo e
penoso caminho que levava às universidades ultramarinas, à de Coimbra
[...] e à de Montpellier [...]. (Azevedo, 1971, p. 532).

Frente à situação da inicial ausência de Universidades no Brasil colônia, assinala


Luis Antônio Cunha (1980) que esse é um aspecto controverso que, em boa parte, está
preso à mera questão de nome, uma vez que de acordo com o autor:

[...] não seriam muitas das universidades hispano-americanas equivalentes


aos colégios jesuítas da Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Olinda, do
Maranhão, do Pará? Equivalentes aos seminários de Mariana e Olinda, que
nunca foram chamados de universidade? Uma pesquisa dos currículos da
América espanhola poderia arrefecer boa parte do lamento da universidade
tardia no Brasil. (Cunha,1980, p. 13).

Os jesuítas organizaram e estruturaram os cursos em quatro graus de ensino,


constituindo-se em: curso elementar, de duração não definida; o curso de humanidades,
de dois anos de duração, sendo realizado em latim. O curso de filosofia, de duração de
três anos, conferia os graus de bacharel e de licenciado e o curso de teologia, de quatro
anos de duração conferia o grau de doutor. Este tipo de formação era destinado aos
filhos dos ricos proprietários da colônia (Cunha, 1980). Esse sistema de educação foi
predominante no Brasil colônia até a reforma concebida por Marquês de Pombal,
período em que os jesuítas são expulsos de Portugal e de suas colônias.

A reforma pombalina, no âmbito educacional, representava o momento de


abertura de Portugal as ideias iluministas e liberais, indo ao encontro da concepção de
mundo burguesa, que na educação volta-se ao domínio da natureza pela ciência, através
da observação e da experimentação. No Brasil colônia desestrutura-se o princípio
educacional criado pelos jesuítas, que consistia num plano sistematizado e seriado de
estudos, fundamentado numa pedagogia consistente, a Ratio Studiorum, e estabelece-se
o enciclopedismo, ministrado através de aulas avulsas e isoladas, o que foi considerado
prejudicial para o ensino no Brasil colônia, que ficou sem uma educação escolar
consistente ou equivalente à jesuítica.

58
Marília Morosini (2005) assinala que as experiências concretas no ensino
superior ocorreram somente em 308 anos após a chegada dos colonizadores com a
transferência da Monarquia portuguesa para a colônia brasileira em 1808, com duas
tendências marcantes: cursos isolados de cunho não universitário e uma preocupação
basicamente profissionalizante, notadamente em formar quadros profissionais para os
serviços públicos voltados à administração do país, principalmente com o ensino da
medicina, engenharia, direito, agricultura e de artes. Em 1808, foram criados os
primeiros estabelecimentos de ensino médico-cirúrgico de Salvador e do Rio de Janeiro.
Esse período conforme assinala a autora inaugura-se com D. João VI a fragmentação do
ensino superior consagrada por um ato institucional, marcando durante mais de um
século a fisionomia da educação brasileira

De modo geral, com a transferência da Monarquia e a chegada da Família Real


em 1808, se instalou no Rio de Janeiro o sistema administrativo da coroa portuguesa e
com ele ocorreram significativas mudanças tanto no plano econômico e político, como
no da educação, uma vez que com a criação dos cursos superiores que preparavam a
elite intelectual de jovens surgiu na segunda metade do século XIX uma corrente de
pensamento que proclamava o fim da Escolástica e a abertura ao pensamento moderno.
Essa corrente filosófica denominada Ecletismo representa conforme assinala Antônio
Paim (1974), o primeiro movimento filosófico plenamente estruturado no Brasil. No
entanto, apesar do movimento de ascensão do espírito crítico no Brasil Império,
influenciado por uma mudança de mentalidade que se multiplicava na Europa durante o
século XIX, o ensino superior brasileiro não se realizou satisfatoriamente e o número de
cursos superiores foi insuficiente para atender a demanda do Império. De acordo com
Ana Maria Freire (1993) o quadro geral da educação no Império reproduzia o elitismo e
a exclusão herdada do período Colonial, não correspondendo aos anseios das camadas
médias e populares para a educação, quer em seus níveis mais elementares, quer em
relação ao Ensino Superior.

No Brasil Império, conforme assinala Maria de Lourdes Fávero (2006),


ocorreram novas tentativas de criação de universidades, contudo sem êxito. Uma delas,
segundo a autora, foi apresentada pelo próprio Imperador em 1889, propondo a criação

59
de uma Universidade no norte do Brasil e outra no sul que poderiam constituir-se em
centros de alta organização científica e literária.

Proclamada a República em 1889, a ideia de mudanças de corrente Positivista,


sustentou a crença no progresso do capitalismo, nele o ensino superior buscava atender
aos interesses das camadas médias até esse período, de certa maneira, restrito a uma
elite. Desse modo, desde 1889 até a revolução de 1930, o ensino superior no país sofreu
várias alterações em decorrência da promulgação de diferentes dispositivos legais e
outras tentativas foram feitas em criar uma Universidade. A chamada Primeira
República é considerada um período fértil para a expansão do ensino superior, como se
segue na cronologia de Luis Antônio Cunha (1980, pp. 175-177):

 1889 – Faculdade de Medicina e Farmácia de Porto Alegre;

 1891 – Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro e a


Faculdade Livre de Direito da Bahia;

 1893 – Faculdade de Direito de Goiás e a Faculdade Livre de Direito do Estado de


Minas Gerais, em Ouro Preto;

 1896 – Escola de Engenharia de Porto Alegre e a Escola Politécnica da Bahia;

 1898 – Faculdade de Odontologia de Porto Alegre;

 1900 – Escola Politécnica de São Paulo e a Escola Superior de Agricultura de


Piracicaba, São Paulo;

 1902 – Faculdade de Farmácia de Pernambuco;

 1903- Faculdade Livre de Direito do Pará e Faculdade Livre de Direito de Porto


Alegre;

 1904 – Escola de Farmácia do Pará; Faculdade de Farmácia e Odontologia de Juiz


de Fora;

60
 1905 – Escola Livre de Odontologia do Rio de Janeiro; Escola de Farmácia,
odontologia e Obstetrícia de São Paulo; Escola de Farmácia e Odontologia do
Instituto Granbery em Juiz de Fora; Escola Livre de Engenharia de Pernambuco;
Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro e a Faculdade de
Ciências Econômicas da Bahia;

 1907 – Faculdade Livre de Direito de Fortaleza;

 1908 – Faculdade de Odontologia de Minas Gerais e a Escola Superior de


Agricultura de Lavras, em Minas Gerai;

 1910 – Faculdade de Ciências Econômicas do Rio Grande do Sul e a Escola


Nacional de Agronomia no Rio de Janeiro.

Assinala Maria de Lourdes Fávero (2006, p.21) que “embora o surgimento da


universidade, apoiado em ato do Governo Federal, continuasse sendo postergado, o
regime de ‘desoficialização’ do ensino acabou por gerar condições para o surgimento de
universidades”. Esse movimento ocorreu nos Estados e não na esfera do Governo
Federal com o surgimento em 1909, da Universidade de Manaus, em 1911 é instituída a
de São Paulo e, em 1912, a do Paraná, todas como instituições livres e que, por diversas
razões, não perduraram.

Em 1915, com a Reforma Carlos Maximiliano o Decreto nº 11.530 determina no


art. 6º que “O Governo Federal, quando achar oportuno, reunirá em Universidade as
Escolas Politécnicas e de Medicina do Rio de Janeiro, incorporando a elas uma das
Faculdades Livres de Direito, dispensando-a da taxa de fiscalização e dando-lhe
gratuitamente um edifício para funcionar” (Fávero, 2006). Desse modo, em decorrência
do Decreto é criada a primeira Universidade, a do Rio de Janeiro, devido a uma
agregação dos cursos de Direito, Medicina e da Escola Politécnica, pelo decreto nº.
14.343, de 7 de dezembro de 1920, e como assinala Maria de Lourdes Fávero (2006), às
três unidades de caráter profissional foi assegurada autonomia didática e administrativa,
não havendo, entretanto, maior integração entre elas, com cada uma conservando suas
características. Conforme acentua a autora, a Universidade do Rio de Janeiro é a
primeira instituição universitária criada legalmente pelo Governo Federal e apesar de

61
todos os problemas e contradições existentes em torno de sua criação “um aspecto não
poderá ser subestimado: sua instituição teve o mérito de reavivar e intensificar o debate
em torno do problema universitário no país” (Fávero, 2006, p.22). Em 1922 surge a
Academia Brasileira de Ciências, em substituição à Sociedade Brasileira de Ciência,
criada em 1916. Em 1924 foi criada a Associação Brasileira de Educação e em 1927 é
instituída a Universidade de Minas Gerais, segundo o modelo da primeira.

O corpo docente nesse período era predominantemente formado de profissionais


liberais, sem interesse em desenvolvimento de pesquisa e quase sempre sem experiência
no magistério. Esse modelo de docência vai perdurar por longos anos no país, contudo o
período é também marcado de movimentos no sentido de um novo sistema de ensino
superior que pudesse acolher os cientistas e suas pesquisas. As Universidades
começaram a se organizar como o lugar de ensino, mas também de pesquisa.

De modo geral, no Brasil colônia, no período do império e na primeira república,


os projetos e iniciativas no âmbito do ensino superior estavam voltados ao ensino
destinado às elites, excluindo a maior parte da população do acesso ao nível superior de
ensino. A partir de então a dualidade marca a gênese da Universidade no país, além do
caráter pragmático de quase a totalidade das iniciativas, bem como o caráter laico e
estatal, uma vez que as instituições que foram criadas por iniciativa da Corte
portuguesa, continuaram a sê-lo pelos governos imperiais, após a nossa independência
política.

3.2. O cenário de organização das Universidades brasileiras.

Na década de 30, os movimentos iniciados nos anos 20 passaram a ser mais


intensificados. Em 1932, apoiado nas assinaturas de educadores e escritores, o
Manifesto dos Pioneiros da Educação recomendava a criação de Universidades capazes
de integrar as atividades de ensino e pesquisa. O Brasil nessa época já contava com uma
centena de instituições, em sua maioria de iniciativa privada confessional católica. No
ano de 1931, o decreto nº. 19.851 institui o regime universitário e fixa os seus fins no
Brasil. O decreto presidencial organiza a administração universitária, a criação de
órgãos e funções como Reitoria, Conselho Universitário, Assembleia Universitária e a

62
Direção de cada escola. Essa ordenação, conforme assinala Vera Lúcia Jacob (1997),
consagra o princípio da organização das universidades a partir da reunião de faculdades
isoladas, seguindo a mesma formação da Universidade do Rio de Janeiro em 1920, e
determinava, ainda que o controle do ensino superior caberia ao governo central,
reflexo, segundo a autora, do regime autoritário no Estado Novo.

Seguindo o modelo anterior, em 1934 e 1935 são criadas, respectivamente, a


Universidade de São Paulo - USP e a Universidade do Distrito Federal -UDF, com ares
mais modernizantes, como assinala Valdemar Sguissardi (2004b). A USP incorporou a
Faculdade de Direito do Largo São Francisco, de 1827, a Escola Politécnica, a
Faculdade de Medicina, a Faculdade de Farmácia e Odontologia, o Instituto de
Educação e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, de Piracicaba, e a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Maria Antonia. No entanto, ambas instituições
conforme pondera o autor acabam por sofrer pressões. A Universidade do Distrito
Federal, erigida com o espírito liberal-progressista de Anísio Teixeira, foi vista como
ameaça à ordem e às boas relações Universidade-Estado. Em 1939 a UDF é extinta e
seus cursos transferidos para a Universidade do Brasil - UB por meio do Decreto nº
1.063 de 20 de janeiro. A Universidade de São Paulo, criada no espírito inovador de
Fernando de Azevedo, também sofre uma reação conservadora das escolas
profissionais.

De modo geral, no Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931, o Governo


Federal mantém seu poder de determinação sobre os cursos superiores que compunham
a universidade. Um misto de conservadorismo e de relativa abertura do acesso ao ensino
superior, deixa transparecer o caráter ambíguo da reforma do ensino superior desse
período. Ao corroborar com essa percepção Marília Morosini (2005) afirma que esta
reforma apresentou o reforço a um tipo de educação humanista e elitizante, entretanto é
inegável o seu mérito de abrir perspectivas para as universidades. Contudo, como
assinala a autora o período compreendido entre o final do século XIX até 1930 é
caracterizado por reformas consecutivas e desconexas e o sistema educacional parece
como ainda orientado por herança jesuítica de conteúdo intelectualista e alienado da
realidade.

63
Temos assim, uma organização inicial das Universidades no sistema de ensino
superior brasileiro orientadas por reunião de escolas e ou faculdades isoladas de
iniciativa do governo federal ou vinculadas ao poder local, os Estados, que não obstante
a legislação determinar existência na sua estrutura de instâncias hierárquicas, a figura
máxima deste período era ainda a do professor catedrático (Morosini, 2005).

Um cenário modernizante passa a ocorrer no ensino superior brasileiro após o


regime ditatorial de Getúlio Vargas em 1945. Com o fim do Estado Novo o país entra
em nova fase da sua história. A chamada redemocratização do país, de acordo com
Maria de Lourdes Fávero (2006, p. 27), é consubstanciada na promulgação de uma nova
Constituição, em 16 de setembro de 1946, “que se caracterizou, de modo geral, pelo
caráter liberal de seus enunciados, como se pode observar no capítulo ‘Da declaração de
direitos’ e especialmente no que trata ‘dos direitos e das garantias individuais”. Não
obstante esse processo de redemocratização do país, garantindo os direitos individuais
de expressão, reunião e pensamento, a organização educacional permanecer a mesma
(Cunha, 2000). Em outras palavras, a estrutura do ensino médio, dividida entre o ensino
propedêutico, destinado as elites, e o ensino profissional “vocacionalmente” destinado à
classe trabalhadora, por si só elegia quem poderia ser conduzido ao ensino superior.

No retorno do presidente Getúlio Vargas ao poder (1950-1954), algumas


medidas foram adotadas para equivalência dos cursos profissionais a secundário. Ocorre
neste período um forte aumento na demanda do ensino superior como consequência da
expansão do ensino médio, a qual o governo federal responde de três maneira de acordo
com a análise de Luis Antônio Cunha (2000): (i) a criação de novas faculdades onde
não havia ou onde só existiam instituições privadas; (ii) a gratuidade de fato dos cursos
das instituições federais de ensino superior, apesar da legislação prever a cobrança de
taxas; (iii) a “federalização” das faculdades estaduais e privadas, reunindo-as,
posteriormente, em universidades custeadas e controladas pelo Ministério de Educação
– MEC.

Nesse período, justificando a necessidade de modernização das Universidades e


de assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade suficientes
para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados que visam ao

64
desenvolvimento do país, foram criadas em 1951 duas agências governamentais: o
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e a
Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, atualmente
denominada Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.

As legislações Universitárias refletem a democratização política e econômica


vigente, e conforme analisa Marília Morosini (2005) essa conjuntura propiciou uma
mudança nos canais de ascensão social e os diplomas superiores passam a constituir
critério para a posse do cargo nas burocracias públicas e privadas. Contudo, apesar dos
movimentos pelas liberdades democráticas, o controle do Estado sobre a Universidade é
mantido através de legislação sobre temas específicos do período. No entanto, esse
mesmo controle é posteriormente reduzido pelo estabelecimento, em decreto-lei, da
autonomia didática, administrativa, financeira e disciplinar, com a promulgação da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, em 1961 (Vera Jacob ,1997).

Cabe destacar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº.
4.024, aprovada em 20 de Dezembro de 1961 – foi apresentada em 1948 à Câmara dos
Deputados, contudo, por seu conteúdo de orientação liberal e descentralizador sofreu
grande oposição por parte dos que defendiam o controle da educação pela União. Esta
oposição propiciou seu “engavetado” e somente em meados da década seguinte foi
retomada a discussão com a apresentação de substitutivos de orientação privatista. No
entanto, segundo Marília Morosini (2005) a nova legislação educacional não alterou as
disposições relativas às questões do ensino superior vigentes, tendo-se restringido em
determinar que a fixação dos currículos mínimos e a duração dos cursos caberiam ao
Conselho Federal de Educação – CFE, mantendo a hierarquia docente com a figura do
catedrático.

O golpe militar de 1964 encerrou a experiência democrática vivida no país desde


1946. A ditadura militar desenha um novo cenário no interior das Universidades
públicas com a intervenção do Estado. Nesse período, para Marília Morosini (2005) as
discussões universitárias de conteúdo político cederam lugar às de teor técnico. A
Universidade é pressionada por uma onda repressora, com invasões de tropas militares,

65
apreensão de livros, destituição de reitores e nomeação de reitores interventores,
demissão e prisão de professores e estudantes (Vera Jacob,1997).

No mesmo período merecem destaque três medidas oficiais adotadas em relação


à universidade. A primeira delas é o acordo MEC/USAID, no qual o Brasil por meio do
Ministério da Educação e Cultura receberia apoio técnico e financeiro da United States
Agency for International Development para implementar as reformas no modelo
econômico dependente do interesse norte-americano. A segunda medida ficou
conhecida como Plano Atcon, nome este do consultor americano Rudolph Atcon que
elaborou um documento, entre junho e setembro de 1965, convite da Diretoria do
Ensino Superior do MEC, em que segundo a autora, o resultado do estudo denominado
“Rumo à Reformulação Estrutural da Universidade Brasileira”, editado pelo MEC em
1966, preconiza “a implantação de nova estrutura administrativa universitária baseada
num modelo cujos princípios básicos deveriam ser o rendimento e a eficiência.”
(Fávero, 2006, p.31).

O Relatório Meira Mattos de 1968 é a terceira medida destacada por Maria de


Lourdes Fávero (2006), que consiste em um documento elaborado por uma comissão
especial criada pelo governo preocupado com a “subversão estudantil”, presidida pelo
General Meira Mattos. Do relatório final dessa Comissão, algumas recomendações são
absorvidas pelo Projeto de Reforma Universitária conforme descreve a autora:

Fortalecimento do princípio de autoridade e disciplina nas instituições de


ensino superior; ampliação de vagas; implantação do vestibular unificado;
criação de cursos de curta duração e ênfase nos aspectos técnicos e
administrativos. Com a proposta de fortalecer o princípio de autoridade
dentro das instituições de ensino, pretendiam Meira Mattos e os membros
da Comissão instaurar no meio universitário o recurso da intimidação e da
repressão. Tal recurso é implementado plenamente com a promulgação do
Ato Institucional nº 5 (AI-5), de 13 de dezembro de 1968, e com o Decreto-
lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969, que definem infrações disciplinares
praticadas por professores, alunos e funcionários ou empregados de
estabelecimentos públicos ou particulares e as respectivas medidas
punitivas a serem adotadas nos diversos casos (Fávero, 2006, p.32).

Esse cenário de repressão é intensificado nas Universidades públicas,


principalmente nas de maior tradição na mobilização política e de críticas ao governo.
As manifestações foram reprimidas fortemente com o Decreto-lei nº 477, com a presença

66
da Assessoria de Segurança e Informação, implantada no interior de cada Universidade
e, com o próprio clima de censura imposto à população de modo geral. No entanto,
conforme assinala José Raymundo Romeo et al (2004), em detrimento da
desmobilização e da repressão de docentes e discentes, o regime militar fez uma opção
em implantar uma política educacional vinculada ao desenvolvimento econômico do
país. Desse modo, ao Ensino Superior coube o papel preponderante em relação às
políticas de ciência e tecnologia, assim como na formação e qualificação de recursos
humanos.

A Lei nº. 5.540/68 – Lei da Reforma Universitária – acaba com a cátedra,


unifica o vestibular passando a ser classificatório, aglutina as faculdades em
universidade, visando uma maior produtividade com a concentração de recursos, cria o
sistema de créditos, permitindo a matrícula por disciplina, além do sistema
departamental como base da organização universitária. A reforma, além dessas medidas,
fragmentou as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, resultando na criação das
Faculdades ou Centros de Educação, bem como propiciou uma estruturação das
Universidades brasileiras em quatro modelos básicos descritos por Luis Antônio Cunha
(2000) como: a) a agregação dos departamentos em alguns poucos centros; b) a reunião
dos departamentos em número maior de institutos, faculdades ou escolas; c) a ligação
dos departamentos diretamente à administração superior, sem instâncias intermediárias;
e d) a superposição dos centros às faculdades, aos institutos e às escolas.

Ao analisar a reforma universitária de 1968, Marília Morosini (2005) assinala a


imbricação entre política socioeconômica e educacional no texto da Lei, o qual
evidenciam ser uma das principais metas da reforma a racionalização das atividades
universitárias, de forma a dar-lhes maior eficiência e produtividade. No entanto, não
obstante esta característica fosse marcante, na análise da autora a reforma foi ampla e
consistente, uma vez que ela legislava para o ensino com base nas universidades,
instituindo a ampliação de suas funções para o ensino, pesquisa e extensão e criando os
departamentos aliados a um complexo sistema organizacional que continha um sistema
administrativo de um lado e, do outro, um acadêmico.

67
Na compreensão de Valdemar Sguissardi (2004b), a despeito das novas forças
que assumiram o poder com o golpe de Estado de 1964, as tendências modernizantes do
ensino superior que vinham marcando a política de educação superior durante os
governos nacional-reformistas não sofreram uma mudança radical. O que mudava, de
acordo com a análise de Sguissardi (2004b), era o sentido histórico a determinar os fins
dessa modernização. Em outras palavras, o ensino superior, modernizado, passa a ser
um instrumento a mais a contribuir para a consolidação do projeto de desenvolvimento
associado e dependente dos centros hegemônicos do capitalismo internacional. Além
disso, como enfatiza Marília Morosini (2005) esta modernização veio acompanhada de
uma expansão do setor privado, que se deu através da implantação de instituições de
ensino superior isoladas que se multiplicaram nas cidades do interior e expandiu-se na
periferia dos grandes centros urbanos, oferecendo cursos de graduação com padrões
acadêmicos inferior ao desejado a uma sólida formação.

Neste cenário, o Brasil acompanhou os demais países latinoamericanos com os


ajustes estruturais promovidos pelas ditaduras com vistas a garantir os interesses da
burguesia nacional e a subordinação da economia aos ditames do capital internacional,
conforme assinalado por mim anteriormente ao discorrer sobre o ensino superior na
América Latina. Em todos os países latinoamericanos, resguardando as peculiaridades
de cada caso, submetidos a essa nova ordem ocorreu um direcionamento dos estados,
com uma orientação econômica de acordo com os interesses do capital monopólico
norte-americano, consistindo-se nos regimes militares em alguns compromissos básicos
como a desnacionalização da economia e o desmantelamento do capitalismo de Estado,
a acentuada redução das obrigações do Estado quanto ao bem-estar social, assim como a
promoção da concentração de capital e a orientação pró-monopólica do setor agrário e a
consequente pauperização da classe operária.

Em linhas gerais, o processo histórico de desenvolvimento do ensino superior no


Brasil não pode ser analisado sem considerar sua relação com o próprio
desenvolvimento sócio-histórico brasileiro. A história de nossa sociedade é assinalada
pelo elitismo e pela exclusão, como se ainda conservasse a marca da chamada “cultural
senhorial” como assinala Marilena Chauí (2001). Na análise da autora na sociedade
brasileira predomina o espaço privado sobre o público e é fortemente hierarquizada em

68
todos os seus aspectos, uma vez que “[...] nela, as relações sociais intersubjetivas são
sempre realizadas como relação entre um superior, que manda, e um inferior, que
obedece. As diferenças e assimetrias são sempre transformadas em desigualdades que
reforçam a relação de dependência.” (Chauí, 2001, p.13).

O mesmo ocorre, quando se analisa a cultura interna das instituições de ensino


superior brasileiro e o próprio sistema, uma vez que ao considerar as políticas
educativas e as reformas empreendidas do período colonial até o período da ditadura
militar, nos deparamos com os conteúdos de interesse majoritário dos grupos que
constituíam as elites e com as demandas de uma economia externa que passou dirigir as
regras no país.

3.3. Do atraso inicial ao crescimento expressivo – o cenário da graduação e da pós-


graduação de 1968 a 1997.

No cenário do ensino superior, marcadamente com a reforma universitária


instituída com a Lei nº. 5.540 de 1968, observa-se a expansão do número de instituições
de ensino superior e de Universidades. Como anteriormente abordado neste capítulo,
esse crescimento procurava de um lado, atender ao número de estudantes oriundos do
ensino secundário que exigiam a formação universitária, de outro, atender aos interesses
de grupos ligados às instâncias administrativas do governo de ditadura militar que
procuravam atrelar esse nível de ensino aos mecanismos de mercado globalizado e ao
plano político de modernização em conformidade com os ditames do crescente
capitalismo internacional. Como assinala Roberto Romano:

Quanto à criação de universidades pelo governo militar, este ponto apenas


realça a prática anterior, comentada por mim na primeira resposta acima:
para conseguir alguma legitimidade e poder de mando, o governo federal
(nas mãos de civis ou de militares) precisou do concurso das oligarquias
regionais. A instauração de muitos campi significou o aporte de recursos
financeiros aos Estados, prestígio político, lugar de emprego para os filhos
das elites. (Romano, 2006, p.19).

69
O quadro 03 expõe a evolução em número de instituições no ensino superior
brasileiro, considerando as Instituições Federais de Ensino Superior e as Instituições
privadas, em todas as categorias, ou seja, as Universidades e os estabelecimentos
isolados de ensino.

Quadro 03
Expansão do Ensino Superior de 1968 a 1997 –
Instituições públicas e privadas
Ano Sistema Federal de Ensino Superior
Ensino Superior privado

1968 25 277
1974 41 644
1980 56 682
1986 53 592
1992 57 666
1997 56 689
Fonte: 1968-1997 - Evolução do Ensino Superior MEC/INEP –
Brasília 2000 – elaboração própria.

Como pode ser observado no quadro 03, entre 1980 e 1986 ocorreu uma certa
estagnação na expansão no número de instituições de ensino superior no Brasil, fato
ocorrido tanto no setor público como no setor privado onde a taxa de crescimento
negativa foi bastante acentuada. A estagnação foi provocada por medidas emanadas,
propositadamente, pelo Governo Militar para conter a expansão ocasionada pelo
contingente de egresso do ensino secundário. Entre 1980 e 1997 o número total de
instituições federais foi mantido em 56, contudo diversificado em seu perfil, ou seja, em
1980 existiam 34 universidades e 22 estabelecimentos isolados. Entretanto, em 1997 o
número de universidades passou para 39 e o número de estabelecimentos isolados 17.
Esse dado aponta para prática de tendencialmente formar Universidades por meio da
aglutinação de instituições isoladas.

Em 1992 o número de estabelecimento de ensino superior volta a crescer


fortemente no setor privado chegando em 1997 ao número de 689 instituições, com 73
Universidades, 90 faculdades integradas ou centros universitários e 526
estabelecimentos isolados de ensino, representando 76,3% do número total das
instituições que compõem o sistema privado.

70
Em relação ao número de matrícula e de docentes no sistema de ensino superior
há um crescimento geral como pode ser observado no quadro 04.

Quadro 04
Evolução do número de matrícula e de docentes
1968-1997

Ano Número de matrícula Número de docentes


1968 278.295 44.706
1974 937.593 75.971
1980 1.377.286 109.788
1986 1.418.196 113.459
1992 1.535.788 133.135
1997 1.945.615 148.320
Fonte: MEC/INEP/Censo e Sinopses do Ensino Superior (2000) – elaboração própria.

No que tange a contratação dos docentes das Instituições Federais foi criado pelo
Decreto n° 64.086, em 1969, o Programa CONCRETIDE – Comissão Coordenadora do
Regime de Tempo Integral e Dedicação Exclusiva – que regulava o ingresso docente e o
regime de trabalho. Entretanto o programa foi de curta duração, uma vez que em 1976,
foi implantado o Plano de Classificação do Magistério do Ensino Superior, o qual
estabelecia que a contratação e as alterações de regime de trabalho passaram a ser de
responsabilidade de cada instituição. Desse modo cada instituição federal ficou
encarregada de: (i) fixar e ampliar a própria capacidade docente instalada e de promover
a melhoria na qualidade do corpo docente; (ii) absorver docentes egressos de cursos de
pós-graduação, em regime de tempo integral com ou sem dedicação exclusiva; (iii)
conceder aos docentes atividades de chefia de departamento ou coordenadorias de
cursos, de regime de 40 horas com ou sem dedicação exclusiva e (iv) atualizar
categorias funcionais dos docentes por meio de concursos de títulos e provas ou
conclusão de cursos de mestrados e doutorados.

Conforme a análise de Eunice Durham (2003), apesar da autonomia acadêmica


nas universidades com a Constituição de 1988, as universidades são submetidas a regras
rígidas no que tange a admissão e a remuneração do pessoal e ao controle orçamentário
vigente tornou letra morta a autonomia estabelecida. Conforme assinala a autora que o

71
“controle de abertura de vagas para novas contratações continuou a ser exercida
diretamente pelos órgãos governamentais centralizados, assim como a regulamentação
da carreira.” (Durham, 2003, p.230).

No que concerne à expansão da pós-graduação, até a década de 1960 as


iniciativas eram incipientes e ao estilo europeu da época, baseado em uma relação
tutorial e de seminários, com alguns doutorados e livre-docência, contudo, obedecia
mais uma função de ritual de investidura de posições docentes. Contudo, em 1965, com
a publicação do Parecer 977/65 do Conselho Federal de Educação, passar a existir
orientações mais específicas sobre a pós-graduação, com base no modelo americano.
Como descreve este Parecer a pós-graduação brasileira passa a ser definida, bem como é
feita a distinção entre pós-graduação lato sensu e stricto sensu. A Lato sensu é definida
como cursos de aperfeiçoamento e especialização, realizados em sequência à graduação,
com objetivo técnico profissional específico, sem, entretanto, abranger o campo total do
saber e não conferindo grau acadêmico. A pós-graduação stricto sensu é composta dos
cursos de mestrado e doutorado, sistematicamente organizados, objetivando aprofundar
a formação no âmbito da graduação e conduzindo à obtenção de grau acadêmico.

Nesse contexto, conforme descrevem José Raymundo Romeo et al (2004), o


sistema de pós-graduação foi reforçado e financiado. Entre outros órgãos financiadores,
estavam o Banco Nacional de Desenvolvimento – BNDE, que criou o Fundo
Tecnológico – FUNTEC e a Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP, que
administrava o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –
FNDCT. Com a reforma de 1968, a pós-graduação se tornou mais expressiva, uma vez
que “recebia os objetivos de qualificar professores para o ensino superior, capacitar
pessoal para atuar nos setores público e privado e estimular a produção de
conhecimento científico vinculado ao desenvolvimento do país.” (Romeo et al, 2004,
p.16).

As duas agências governamentais criadas em 1951 – o Conselho Nacional de


Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – e a Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES – implantaram programas de
financiamento e apoio à pós-graduação. A história da Capes e do CNPq se confundem

72
com a história da pós-graduação, principalmente nos momentos de maior
institucionalização desta pelo governo militar. A CAPES organizou um programa de
bolsas que financiou a criação e expansão de programas de pós-graduação. O CNPq
financiou bolsas de mestrado e doutorado, para a formação de pesquisadores, tanto no
Brasil como no exterior, tendo reformulado seu programa de pesquisa (Durham, 2003).

Neste período, registra-se um crescimento desordenado de programas de pós-


graduação, passando de 115 em 1968 para 645 no ano de 1974. Neste mesmo ano, 1974,
foi elaborado o Plano Nacional de Pós-Graduação que objetivava intensificar as
atividades de pesquisa, e em decorrência, propiciar o desenvolvimento científico e
tecnológico brasileiro, bem como capacitar o corpo docente das Universidades. O
quadro 05 é representativo da evolução do número de docentes e qualificação no
período de 1974 a 1997.

Quadro 05
Evolução do número de docentes do
Sistema Federal de Ensino Superior por qualificação -1974/1997

Ano Número de docentes Número de mestres


doutores

1974 26.524 4.635


1980 42.010 16.853
1986 42.768 -
1992 41.564 -
1997 50.059 29.541
Fonte: MEC/INEP/SEEC – Elaboração própria.

Em 1975 o Brasil contava 195 cursos de mestrado e 68 de doutorado que, até


1973, já havia titulado cerca de 3.500 mestres e 500 doutores. Entre avanços e
retrocessos, a crescente evolução do número de programas de pós-graduação stricto
sensu permite afirmar o crescimento da pós-graduação no país em curto espaço de
tempo, como pode ser observado na quantidade de cursos de mestrado e doutorado no
quadro 06 a seguir:

73
Quadro 06
Evolução da quantidade de Cursos de Mestrado
e Doutorado - 1976-1996
Nível 1976 1990 1996

Mestrado 490 975 1.083

Doutorado 183 510 541

Total 673 1.485 1.624


Fonte: Cadernos Indicadores da Capes – elaboração própria.

Não obstante o crescimento significativo da rede particular de ensino, como


anteriormente assinalado neste capítulo, a presença das Universidades Federais no
sistema de pós-graduação é inequívoca. Conforme apontam José Raymundo Romeo et
al (2004), as universidades públicas com especial atenção para as Federais, contribuem
com um total de 877 programas de pós-graduação, seguidas pelas instituições estaduais
e municipais, respectivamente responsáveis por 471 programas.

A expansão do ensino superior no período aqui assinalado, com a acentuada


proliferação de instituições de ensino superior privadas constitui, conforme assinala
Carlos Benedito Martins (2009), um desdobramento da Reforma de 1968, uma vez que
as modificações introduzidas nas Universidades federais não conseguiram ampliar
satisfatoriamente suas matrículas para atender à crescente demanda de acesso,
entretanto, a simples ampliação de vagas no setor privado não ofereceu nenhuma
garantia para sua democratização. Para o autor “o funcionamento do ensino privado de
perfil empresarial, regido pelo livre jogo do mercado, transformou um direito da
cidadania moderna num privilégio individual, convertendo sua clientela em
consumidores de produtos educacionais.” (Martins,2009, p.29).

A Carta Magna de 1988 prevê que o acesso à educação é direito e garantia


fundamental de todo cidadão brasileiro. A educação, como dever do Estado, deve ser
promovida no sentido do alcance do pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para
o exercício da cidadania, por meio do ensino básico e sua qualificação para o trabalho
com o ensino superior. Com base nesta premissa inicia-se no país um período de intenso
e longo de debate sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que

74
culminou com a aprovação, aproximadamente após oito anos de tramitação, pelo
Congresso Nacional em 20 de dezembro de 1996 e que ficou conhecida por Lei Darcy
Ribeiro.

A Constituição Federal no que concerne à Universidade assinala que estas


gozam de autonomia didático-científica, administrativa, e de gestão financeira e
patrimonial, e que devem manter indissociáveis o ensino, a pesquisa e a extensão. Esse
preceito aponta para a intenção de que o ensino superior brasileiro estimule, entre seus
objetivos, a criação cultural e o desenvolvimento científico, bem como em formar
indivíduos qualificados a inserirem-se nos diversos setores profissionais do mercado de
trabalho. Assim, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN nº
9.394 de 1996, inicia-se outro período de expansão do ensino superior, ainda que com
características diferentes de governo, uma vez que como anteriormente descrevi, o
primeiro foi instituído com o período de ditadura e o segundo, que passo sucintamente a
abordar, se inscreve na efervescência da democracia brasileira. Contudo, ambos
períodos de expansão favoreceram o aumento da rede particular de ensino superior.

3.4. O Sistema Nacional de Ensino Superior – o cenário contemporâneo.

No contexto da década de 1990, o ensino superior brasileiro tem se caracterizado


pelo crescimento das Instituições privadas, fato esse relacionado à promulgação da
LDBEN, de 1996, que flexibilizou o mercado de educação superior e por políticas de
privatizações e desregulamentação do governo. Conforme assinala, Afrânio Catani e
João Oliveira (2002) constitui-se em marco de referência para o início do processo de
reestruturação da educação superior no Brasil. Para os autores, no primeiro mandato do
governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), inicia-se uma ampla reforma
objetivando modificar o panorama da educação no país, notadamente da educação
superior, com a introdução de mudanças no padrão de avaliação, de financiamento, de
gestão, de currículo e de produção do trabalho acadêmico, produzindo transformações
significativas no campo universitário e na identidade das Instituições de ensino superior
e, nesse sentido, promoveu a elaboração e a aprovação de um arcabouço legal capaz de
alterar as diretrizes e bases que davam sustentação ao modelo que vinha sendo
implementado desde a reforma universitária de 1968.

75
Conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN nº 9.394,
a atual configuração da educação brasileira constitui-se em três sistemas de ensino que
devem conviver de forma integrada, são eles: Sistema Federal de Ensino; Sistemas de
Ensino dos Estados e do Distrito Federal e Sistemas Municipais de Ensino. Com relação
ao Sistema Federal de Ensino o Art. 16º dispõe que o mesmo compreende: I - as
instituições de ensino mantidas pela União; II - as instituições de educação superior
criadas e mantidas pela iniciativa privada e III - os órgãos federais de educação.”
(LDBEN nº 9.394, 1996, p. 05).

Os Estados e o Distrito Federal (Brasília) têm os seus sistemas de ensino


constituídos por: instituições de Ensino mantidas pelo Poder Público Estadual e do DF;
instituições de Ensino Superior mantidas pelo Poder Público Municipal; instituições de
Ensino Fundamental e Médio, criadas e mantidas pela iniciativa privada e órgãos de
educação dos Estados e do Distrito Federal. Os sistemas estaduais têm aspectos
constitutivos próprio que podem apresentar diferenças de estado para estado, bem como,
mantêm legislação própria em relação às instituições de Ensino Superior, estaduais e
municipais, que a eles se subordinam.

Os Sistemas Municipais de Ensino compreendem: as instituições de Ensino


Fundamental, de Ensino Médio e de Educação Infantil mantidas pelo Poder Público
municipal; as instituições de Educação Infantil, criadas e mantidas pela iniciativa
privada; e os Órgãos Municipais de Educação. Os municípios podem constituir o seu
próprio sistema. Integrarem-se ao sistema estadual ou compor, com ele, um sistema
único de educação básica.

Nos artigos 8º e 9º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as


competências e as responsabilidades dos diferentes níveis de governo – Federal,
Estadual e Municipal – definem que os sistemas de ensino devem ser organizados em
regime de colaboração, contudo cabe à União responsabilizar-se em coordenar a política
nacional de educação, o que inclui as tarefas de articulação dos diferentes níveis e
sistemas e também do exercício das funções normativa, redistributiva e supletiva em
relação às demais instâncias educacionais (LDBEN nº 9.394, 1996).

76
A educação superior, de acordo com o artigo 43 da Lei nº 9.394/96, tem como
finalidades: (i) estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e
do pensamento reflexivo; (ii) formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento,
aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento
da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; (iii) incentivar o trabalho
de pesquisa e investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência e da
tecnologia e da criação e difusão da cultura e, desse modo, desenvolver o entendimento
do homem e do meio em que vive; (iv) promover a divulgação de conhecimentos
culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar
o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; (v)
suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a
correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos
numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração; (vi)
estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais
e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma
relação de reciprocidade e (vii) promover a extensão, aberta à participação da
população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural
e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição (LDBEN nº 9.394, 1996).

Estabelecidas as finalidades da educação superior o art. 44 prevê que, além dos


cursos de graduação e de pós-graduação, o ensino superior contempla cursos
sequenciais e de extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos
estabelecidos pelas instituições de ensino. Esta modalidade representou uma inovação,
não obstante os cursos sequenciais não ser considerado como de graduação, ainda que
sejam de nível superior. Foi inspirada nos Junior Colleges e Community Colleges norte-
americanos, concebidos logo após o fim da segunda grande guerra mundial como
solução ao processo de massificação do ensino superior.

Na realidade brasileira os cursos sequenciais são ofertados por campo de saber,


com níveis de abrangência de formação específica e de complementação de estudos,
tendo a duração média com dois anos, só podendo ser ofertado por instituições de
ensino superior credenciadas e que possuam cursos de graduação reconhecidos. Nele, o
estudante pode definir trajetórias individuais ou coletivas que lhe permita complementar

77
os estudos realizados no ensino médio, obter formação específica e com maior
especificidade do que os cursos de graduação exigem. Conforme assinala Luiz Antônio
Cunha (2004), os cursos sequenciais “deveriam ser uma alternativa à rigidez dos cursos
de graduação, em especial quando eles estavam submetidos a currículos mínimos, que,
[...] além de não permitirem a indispensável flexibilidade diante das mudanças no
mundo do trabalho.” (Cunha, 2004, p.805). No entanto, conforme ressalta o autor, o que
ocorreu foi distinto do projetado, uma vez que, de modo geral, foram as instituições
privadas “de mais baixo nível” que demonstram preferência por esse tipo de curso por
não conseguirem completar as vagas ofertadas nos cursos de graduação, como forma de
reduzir sua capacidade ociosa.

No que se refere à legalização das Instituições de ensino superior existem


diferenças quando as mesmas se constituem como Universidades ou Centros
Universitários ou como Instituições Não-Universitárias de Ensino Superior. Um ano
após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, foi alterado por
dois decretos governamentais o formato do Sistema de Ensino Superior que passou a
ser: universidades; centros universitários; faculdades integradas; faculdades, institutos
superiores ou escolas superiores. Posteriormente, de forma normalizar o sistema de
avaliação implantado, o Decreto Federal n° 5.773, de 09 de maio de 2006, prevê no Art.
12 que as instituições de educação superior, de acordo com a sua organização e
respectivas prerrogativas acadêmicas, serão credenciadas como: I – faculdades; II –
centros universitários e III – universidades (Decreto Federal n° 5.773, 2006).

O aparecimento dos centros universitários, conforme assinala Luiz Antônio


Cunha (2004) foi uma novidade. Definidos como instituições de ensino
pluricurriculares, caracterizam-se por ter excelência no ensino oferecido, que deve ser
comprovada nas avaliações coordenadas pelo Ministério da Educação, na qualificação
do corpo docente e nas condições de trabalho acadêmico. Enquanto centros
universitários têm autonomia para criar, organizar e extinguir cursos e programas de
educação superior, além de outras atribuições definidas em seu credenciamento pelo
Conselho Nacional de Educação. Ao refletir sobre esse os centros universitários o autor
considera que eles “ocuparam o lugar, no discurso reformista oficial, da universidade de

78
ensino, definida esta por oposição à universidade de pesquisa, que seria a universidade
plenamente constituída.” (Cunha, 2004, p.807).

Em uma visão de conjunto, é possível inferir que, com base nos marcos
regulatórios fixados com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº
9394/96, bem como considerando que “os efeitos da LDB no ensino superior fizeram-se
sentir em seus silêncios tanto quanto em suas determinações explícitas” (Cunha, 2004,
p.805), a educação superior brasileira insere-se em um quadro mais amplo de regulação
que a sujeita ao ordenamento com os princípios da concepção neoliberal. Nesse sentido,
inicia um processo de regulação, através das orientações curriculares, com a publicação
de Diretrizes Curriculares Nacionais para todos os níveis de ensino, bem como com uma
numerosa e expressiva emissão de regulamentações sobre o ensino superior, com
destaque para a estruturação de um consistente Sistema de Avaliação.

Em vigência desde 14 de abril de 2004 (Lei n° 10.861), o Sistema Nacional de


Avaliação da Educação Superior – SINAES, tem com objetivo de assegurar o processo
nacional de avaliação das instituições de Educação Superior, dos cursos de graduação e
do desempenho acadêmico de seus estudantes. Nele, os resultados da avaliação de
instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes constituirão o referencial
básico dos processos de regulação e supervisão da educação superior, neles
compreendidos o credenciamento e a renovação de credenciamento de instituições de
educação superior, a autorização, o reconhecimento e a renovação de reconhecimento
de cursos de graduação.

O SINAES compreende: (i) a Avaliação Institucional, realizada por uma auto-


avaliação coordenada por uma Comissão Própria de Avaliação – CPA – e, por uma
avaliação externa in loco, desenvolvida por avaliadores institucionais capacitados pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira – INEP; (ii) a
Avaliação de Curso realizada por avaliadores externos (INEP), por estudantes, através
do questionário de Avaliação Discente da Educação Superior que é enviado aos
estudantes da amostra do ENADE, por coordenadores de curso, mediante questionário
dos coordenadores e com avaliações realizadas pelos docentes dos cursos e a Comissão

79
Própria de Avaliação e (iii) a Avaliação do Desempenho dos estudantes ingressantes e
concluintes por meio do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – ENADE.

No que concerne aos professores que exercem a docência no ensino superior,


pouco se refere a Lei de Diretrizes e Bases nº 9394/96 sobre o exercício da profissão
acadêmica, que permanece sem regulamentação específica como ocorrem nos demais
níveis de ensino. Prevê a legislação que o docente universitário deve ser preparado,
prioritariamente, em programas de mestrado e doutorado (Art. 66), contudo ao
estabelecer que a Universidade como instituição pluridisciplinar de formação dos
quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo
do saber humano, deve manter em seu quadro o percentual de um terço de professores
com mestrado ou doutorado (art. 52, inc. II) e um terço de professores com tempo
integral (art. 52, inc. III). Esta orientação torna-se a ser efetivamente uma exigência,
apesar de a mesma legislação estabelecer o prazo de oito anos para que o disposto nos
incisos acima referenciados fosse cumprido, uma vez que este passa a ser um dos
critérios de avaliação, tanto de cursos como institucional, para efeitos de
credenciamento e recredenciamento.

Essa exigência foi estendida a instituições não universitárias e em novembro de


2005 o Ministério da Educação determina que a Secretaria de Educação Superior –
SESu notifique as instituições de educação superior no sentido de verificar o
cumprimento dos referidos incisos. A verificação dos incisos tem caráter complexo e
inerente à própria configuração do sistema nacional de ensino superior e da diversidade
regional do país.

Desse modo, em relação à qualificação docente a realidade se apresenta de


maneira diferente entre instituições públicas e privadas e até mesmo entre as instituições
de mesma natureza administrativa, visto possuírem trajetórias institucionais distintas e
histórico de desenvolvimento próprio. Assim, o que se verificou, inicialmente, foi uma
crescente busca por qualificação em nível de pós-graduação stricto sensu, notadamente
por parte dos docentes com vínculo empregatício com instituições privadas, por ser o
diploma de mestrado ou doutorado garantia de contratação em condições diferenciadas.
Ocorreu também um grande volume de admissão de professores já titulados, e o

80
consequente despedimento de docentes sem a titulação exigida, bem como foi possível
observar o elevado investimento na capacitação dos docentes nas instituições públicas.

Conforme os dados apresentados pelo Censo da Educação Superior de 2010,


pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP,
divulgado em novembro de 2011, verifico uma elevação progressiva da titulação
docente, de 2001 a 2010, como ilustrado no quadro 07 a seguir.

Quadro 07
Número Total de Docentes em Exercício, por Grau de Formação e
Categoria Administrativa – 2001-2010

Ano /Categoria Total Sem Graduação Especialização Mestrado Doutorado


Administrativa Graduação
2001* Brasil 219.947 301 32.380 68.155 72.978 46.133
Pública 90.950 145 12.951 19.553 27.446 30.855
Privada 128.997 156 19.429 48.602 45.532 15.278
2004 Brasil 279.058 165 38.302 83.496 98.664 58.431
Pública 93.800 54 13.909 17.599 25.716 36.522
Privada 185.258 111 24.393 65.897 72.948 21.909
2006 Brasil 302.006 47 34.672 90.739 108.965 67.583
Pública 100.726 17 11.955 17.639 28.479 42.636
Privada 201.280 30 22.717 73.100 80.486 24.947
2008 Brasil 321.493 86 33.702 96.004 114.537 77.164
Pública 111.894 71 13.721 17.704 30.783 49.615
Privada 209.599 15 19.981 78.300 83.754 27.549
Brasil 345.335 381 17.150 99.318 130.291 98.195
2010 Pública 130.789 270 10.206 17.299 37.787 65.227
Privada 214.546 111 6.944 82.019 92.504 32.968
Fonte: MEC/INEP/DEED – elaboração própria
*Dados considerando docentes em exercício e afastados.

Com base nos dados apontados no quadro 07 e tomando como análise os


docentes com mestrado e doutorado, uma vez que a exigência da legislação é para a
qualificação do corpo docente em pós-graduação stricto senso, verifico que no conjunto,
considerando as categorias administrativas pública e privada, ocorreu um aumento
significativo do número de mestres e doutores no ensino superior. Em números
percentuais o número de docente de mestrado aumenta 78,5% entre 2001 e 2010, e de
doutorado a ampliação é de 112,8% considerando o mesmo período de anos.

81
Na especificidade da categoria pública, o percentual de docentes com doutorado
passam de 35,9%, em 2001, para 49,9%, em 2010, o que demonstra o investimento na
capacitação docente. Em relação ao mestrado, observo que o percentual ficou
relativamente estável, passando de 26,9%, em 2001, para 28,9%, em 2010, o que me
leva a inferir, com base em uma análise mais ampla, que além da capacitação, os
concursos públicos para a carreira docente passaram a exigir como titulação o
doutorado. Para o grupo de docente com especialização, observo a diminuição do
percentual em 16,1%, totalizando 21,2% em 2010.

Na categoria privada, ocorreu um aumento significativo de docentes com


mestrado, que passa de 35,4%, em 2001, para 43,1% em 2010, decorrente tanto da
contratação de docentes com essa titulação como de investimento em capacitação do
corpo docente, em que pese esse investimento não ser tão significativo. Para o grupo
com especialização, que era predominante em 2001 com um percentual 52,0 ocorreu
uma queda de mais de 10% em relação a 2001 e passa a representar 41,5% dos docentes
em 2010, uma vez que em algumas instituições ocorreu despedimento de docentes com
essa titulação. Finalmente, o doutorado passa de 12,1% em 2001 para 15,4% em 2010.

O inciso III (art. 52 da Lei no 9.394/96) exige que um terço do corpo docente de
cada Instituição deve ser em regime de tempo integral de trabalho. Esclarece a
legislação que o regime de trabalho docente em tempo integral compreende a prestação
de quarenta horas semanais de trabalho na mesma instituição, nele reservado o tempo de
pelo menos vinte horas semanais para estudos, pesquisa, trabalhos de extensão,
planejamento e avaliação. Esse dispositivo legal apresenta uma maior complexidade de
ser implantado nas instituições privadas, uma vez que nessa categoria administrativa
eram predominantes o regime de trabalho de tempo parcial e horista. Além disso,
argumentam as instituições privadas que esse preceito foi elaborado com base na
realidade da instituição pública, que tem em seu regime de trabalho a categoria
funcional docente com dedicação exclusiva, que prevê ao docente a obrigação de prestar
40 horas semanais de trabalho em 2 turnos diários completos e o impede do exercer
outra atividade remunerada pública ou privada.

82
No período de 2001 a 2010 ocorreu um aumento na categoria de docente de
tempo integral, tanto nas instituições públicas como nas privadas, entretanto conforme
apresentado no quadro 08, esse aumento é mais significativo nas instituições privadas
que apresentou um percentual de 135 % de elevação. Este dado está associado ao fato
das instituições públicas serem mais antigas e possuírem quadros mais estáveis, o
mesmo não ocorrendo com as instituições privadas que, nesse segundo grande período
de expansão, como me referi anteriormente, se proliferaram quantitativamente e em
muitas casos a situação funcional dos docentes não atendia os preceitos legais.
Entretanto, como pode ser observado na base de dados do último senso do ensino
superior, as instituições públicas apresentaram um aumento de 52,57 % na função
docente em regime de tempo integral. O percentual de horista na categoria
administrativa privada tem redução de 19,67 % e no regime parcial a redução é de 44%.

Quadro 08
Número Total de Docentes em Exercício por
Organização Acadêmica e Regime de Trabalho – 2001-2010

Ano Categoria Total Tempo Tempo Horista


Administrativa Integral Parcial
2001* Pública 90.950 68.793 22.157 -
Privada 128.997 21.838 107.159 -
2004 Pública 100.424 74.629 17.980 7.815
Privada 192.818 27.632 45.335 119.851
2006 Pública 106.999 80.094 16.964 9.941
Privada 209.883 33.754 47.949 128.180
2008 Pública 119.368 91.608 18.756 9.004
Privada 219.522 40.774 50.431 128.317
2010 Pública 130.789 104.957 16.924 8.908
Privada 214.546 51.413 60.164 102.969
2010 Brasil - total 316.882 113.848 64.913 138.121
Fonte: MEC/INEP/DEED – elaboração própria.
* Dados considerando docentes em exercício e afastados.

O que se observa nos últimos oito anos na categoria administrativa privada é que
as instituições, notadamente os novos Centros Universitários e mesmo as Universidades
estão-se ajustando às exigências legais de contar, em seus quadros, com docentes
titulados e com maior tempo de dedicação. Contudo, esse processo requer, entre outras
providências, um ajuste em contratar docentes com maior disponibilidade de tempo,
para dedicarem-se às atividades docentes e, ao mesmo tempo, com maior titulação, o
que implica por outro lado o despedimento de professores.

83
Nesse cenário, o conjunto de medidas legais que periodicamente emanam dos
órgãos governamentais, tem implicado que muitas das instituições de ensino superior
privado, categorizadas como não universitárias ou faculdades isoladas, já não têm o
mesmo interesse em elevar-se à categoria de Universidade ou até mesmo Centro
Universitário cuja exigência são maiores, principalmente em aprimorar seu ensino por
meio da qualificação do corpo docente. O que tem ocorrido é um crescimento
quantitativo e, diante da concorrência baixam as mensalidades cobradas aos alunos e
diminuem os seus custos, notadamente com um processo que tem se caracterizado por
baixa qualidade do ensino e o subemprego acadêmico.

De fato, o cenário do ensino superior no Brasil tem propiciado a desvalorização


da função docente e o não cumprimento de um conjunto de direitos profissionais
duramente conquistados ao longo dos anos, o que como decorrência tem suscitado a
instabilidade cada vez maior do corpo docente, bem como a fragilização do princípio da
coletividade com a possibilidade de condições muito distintas de trabalho e incentivos
ao desempenho individual na promoção da produtividade acadêmica.

Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, são


alvitradas de mudanças importantes na organização e funcionamento do ensino superior
brasileiro, as quais são intensificadas no governo do presidente Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002), tendo continuidade no governo de Luiz Inácio Lula da Silva
(2003- 2010), mediante introdução de novas sistemáticas de avaliação, bem como de
outras medidas voltadas à busca da melhoria da qualidade dos cursos e das instituições
que o oferecem. Contudo, algumas dessas medidas se coadunam com a política
neoliberal de expansão do ensino superior, levando à proliferação de novas instituições
particulares, e no sistema público tem ocorrido o crescimento da produtividade por meio
da abertura de turmas no período noturno e do aumento do número de alunos em sala de
aula.

Neste sentido, a política para o ensino superior público tem reduzido de forma
drástica o financiamento do governo federal e em decorrência há constrição de
orçamento e de salários do corpo docente e técnico-administrativo que em aspectos

84
gerais estimula a privatização no interior das Universidades, por meio da oferta de
serviços pagos, bem como do fomento de parcerias com fundações privadas.

3.5. O Ensino Superior brasileiro e a reforma universitária.

Na lógica da reforma do ensino superior, ou reforma universitária se aceito a


denominação largamente utilizada no meio acadêmico, posta em prática por meio de um
conjunto de medidas e ações governamentais, mediadas por um discurso em prol da
modernidade e da preparação para o exercício da cidadania, está implícito os desafios
globais impostos pelo mercado. Além deste aspecto, a reforma universitária de base
neoliberal, contempla uma proposta de diversificação em termos institucionais e no
plano da formação acadêmica. Dito de outra maneira, a reforma indica com nitidez a
diversificação das instituições de ensino superior e dos cursos e a diversificação das
fontes de financiamento, que conforme assinala Kátia Lima (2007) faz parte do rol de
políticas elaboradas pelo Banco Mundial, entre outros organismos internacionais, para
os países da periferia do capitalismo.

A reformulação no ensino superior, notadamente no setor público, está inserida


num amplo reordenamento do Estado brasileiro, caracterizado pela diluição das
fronteiras entre o público e o privado, com o decréscimo da participação do Estado nas
áreas sociais públicas, por meio da redução de financiamento na saúde, na assistência
social e na educação. No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-
2002) foi expressivamente o período onde mais ocorreram privatizações no país, na
tentativa de adaptá-lo às novas realidades da economia mundial. Assim, passou a fazer
parte do cotidiano político nacional, temas como a reforma administrativa e
previdenciária, a desregulamentação de mercados, a flexibilização das regras de
contratação de mão-de-obra e o fim do monopólio estatal nas áreas de siderurgia,
energia e telecomunicações.

Em relação ao ensino superior, ocorreu um espantoso aumento de vagas,


principalmente no setor privado, onde as matrículas cresceram mais de 115% entre 1995
a 2002, enquanto que nas instituições públicas, no mesmo período, cresceram apenas
38%, como pode ser observado no gráfico 2.

85
Gráfico 2
Número de matrículas por categoria
administrativa – 1998 – 2002
3.500.000

3.000.000

2.500.000
Pública
2.000.000 Privada
Total
1.500.000

1.000.000

500.000
1998 1999 2000 2001 2002

Fonte: MEC/INEP/DEED – elaboração própria.

Posteriormente a esse período de expansão ocorreu um arrefecimento na


matrícula no ensino superior privado, sentido, notadamente, em decorrência da
progressiva queda do poder aquisitivo de sua clientela, advindo com um período de
baixo crescimento econômico brasileiro, assim como na própria incapacidade das
Universidades públicas em atender a demanda de acesso ao ensino superior público,
direito esse previsto na Constituição Federal que ao estabelecer que o acesso à educação
básica e superior é direito fundamental do cidadão brasileiro, fez com que os governos
federais, impulsionados por marcos regulatórios defendidos pelos organismos
internacionais, como o Banco Mundial, bem como fundamentado no discurso da justiça
social e no aumento da oferta de vagas, lançassem mão de políticas compensatórias de
modo a propiciar o acesso ao ensino superior a selecionadas parcelas da população
brasileira, como no caso da instituição de cotas para alunos afros-descendentes, de
reserva de vagas para egressos de escolas públicas, assim como de programas de
assistência social ao Ensino Superior e de reestruturação e expansão das Universidades
Federais.

Nesse cenário, em 13 de janeiro de 2005 a Lei nº 11.096, o governo federal


institui o Programa Universidade para Todos – PROUNI, inicialmente objeto da Medida
Provisória em 2004, que regulamenta a atuação de entidades beneficentes de assistência
social no ensino superior. Tal programa destina-se à concessão de bolsas de estudo

86
integrais e parciais que podem variar em valores percentuais de 50% ou de 25% para
estudantes de cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições
privadas de ensino superior, em que pese se as instituições que se vinculem ao
Programa sejam caracterizadas legalmente como de fins lucrativos ou não.

As instituições que aderiram ao PROUNI são beneficiadas por isenção de


tributos federais, no período de vigência do termo de adesão e exclusivamente para as
atividades ou serviços que se refiram às bolsas. Dito de outra maneira, nos termos do
art. 13, da Lei nº 11.096, as instituições aderentes passarão a pagar a quota patronal para
a previdência social de forma gradual, durante o prazo de cinco anos, na razão de 20%
do valor devido a cada ano, cumulativamente, até atingir o valor integral das
contribuições devidas.

Desse modo, temos no país uma política de inclusão social no ensino superior,
uma vez que os egressos do ensino médio postos, não tendo possibilidade de acesso às
instituições públicas, na conformidade dos critérios determinados na Lei nº
11.096/2005, poderão ingressar nas instituições privadas, mediante financiamento do
Estado. Trata-se também, de uma política de melhoria da qualificação dos professores
da rede pública, da educação básica, uma vez que o Art. 2º, inciso III, possibilita ao
professor da rede pública de ensino, concorrer à bolsa, desde que para os cursos de
licenciatura, normal superior e pedagogia, destinados à formação do magistério da
educação básica, independentemente do valor da renda do docente.

As críticas ao PROUNI são contundentes em apontar o programa como uma


operacionalização da sistemática redução de recursos públicos para o financiamento do
Ensino Superior (Lima, 2006; 2007) e, conforme salienta Roberto Leher (2004), o que
está em evidência é “um contexto de dramático estrangulamento orçamentário das
instituições públicas, vítimas do draconiano superavit primário que fez secar as políticas
públicas.” (Leher, 2004, p.879).

Na mesma linha, o governo federal criou o programa de apoio a Planos de


Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI, Decreto Nº. 6.096, de
24 de abril de 2007, que tem como um dos principais objetivos dotar as Universidades
Federais das condições necessárias para ampliação do acesso e permanência no ensino

87
superior, bem como o melhor aproveitamento de recursos físicos e humanos havidos nas
Universidades federais, que tem como diretrizes: (i) a redução das taxas de evasão; (ii) a
ocupação de vagas ociosas; (iii) o aumento de vagas no período noturno e (iv) a
reorganização dos cursos de graduação, buscando a constante e progressiva elevação da
qualidade.

Em uma análise linear o REUNI propõe-se como um programa que busca a


reafirmação do ensino superior público frente ao privado. No entanto, o assunto é de
maior complexidade, uma vez que as novas perspectivas acadêmicas, que são
estimuladas pelas diretrizes do programa, trazem à tona um debate acerca do modelo de
ensino superior para Universidades Federais, que independente do seu crescimento
quantitativo impõe uma flexibilização que, ao mesmo tempo, possibilita certa
precarização da educação promovida comprometendo a indissociabilidade ensino-
pesquisa-extensão.

Por tal prisma, é possível afirmar que distante de atingir a autonomia prevista no
artigo 207 da Constituição Federal, as medidas implantadas promovem o controle
gerencial do governo sobre as universidades por meio de contratos de desenvolvimento
institucional, cujo objetivo central é o aumento do número de vagas. Para Roberto Leher
(2001) a retórica da defesa da autonomia universitária pelo governo brasileiro é
inspirada no ideário neoliberal, por meio do Banco Mundial. Conforme assinala o autor,
para introduzir sua política de autonomia, o governo teve de operar uma contradição:
“negar a autonomia universitária constitucionalmente estabelecida (art.207) por meio de
sua ressignificação: autonomia diante do Estado para interagir livremente no mercado.”
(Leher, 2001, p. 153).

Isto quer dizer que as políticas para a educação superior que estão sendo
implantadas ao longo dos últimos anos têm introduzido mudanças que visam à
adaptação da Universidade às premissas do modelo neoliberal, desconstruindo o modelo
de Universidade pública, aproximando-a das leis do mercado com seus princípios de
performance e eficiência. Nessa perspectiva, as medidas e ações em prol da
revitalização do sistema público de ensino superior assumem o eixo central no processo
da reforma e consiste-se, de certo modo, como modelo de reorganização tanto do

88
sistema público, como do sistema privado. Esse processo implica em ajustes estruturais
na proposição de políticas, na lógica de organização, gestão e no padrão de
financiamento da educação superior.

Nesse sentido, no cenário atual do ensino superior brasileiro é possível observar


a predominância do pragmatismo neoliberal enquanto paradigma central, em que pese
as reações contrárias de pequenas parcelas de docentes, estudantes e até de outros
segmentos da sociedade civil organizada, caracterizando-se em produzir consequências
que afetam a identidade institucional, a condução dos processos formativos
(flexibilização), a avaliação (controle) e o financiamento público e privado. Tal como
ressaltam Marília Morosini e Maria Estela Dal Pai Franco (2004), a paisagem do ensino
superior brasileiro vem se reconfigurando na última década.

O sistema de ensino superior apresenta-se extremamente centralizado,


dependente da regulação da União para autorização, reconhecimento, renovação de
reconhecimento, expansão de vagas e outras questões. A partir de 2007, com a criação
pelo MEC do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais - REUNI, tem início um novo processo de aumento de vagas,
com a ampliação ou abertura de cursos noturnos. De acordo com os dados do
Inep/Sesu/MEC, eram oferecidas 139,9 mil vagas em instituições federais, passando-se
para 235,6 mil em 2011.

O número de alunos matriculados no ensino superior, na totalidade das


modalidades presencial e a distância, entre o período de 2007 e 2010 apresentou uma
grande variação, segundo dados dos censos divulgados pelo INEP. Dos 5,25 milhões em
2007, com 3,91 milhões na rede privada e 1,34 milhão na rede pública, passou para 6,38
milhões em 2010, com 4,74 milhões na rede privada e 1,64 milhão na rede pública. Isso
significa que enquanto na rede privada o aumento foi de 830 mil alunos matriculados,
na rede pública o aumento foi de 300 mil.

No ano de 2010, segundo o INEP, havia 2.378 instituições, sendo 228 públicas
e 2.100 privadas. O último censo do ensino superior (2010) diagnosticou que das 2.378
instituições de Ensino Superior: 7,99% são Universidades; 5,29% são Centros

89
Universitários; 85,16% são Faculdades; e 1,56% são Institutos Federais e CEFETs,
como pode ser observado com os números apresentados no quadro 09.

Quadro 09
Número Total de Instituições de Ensino Superior por
Organização Acadêmica– 2010

Instituições Total Universidades Centros Faculdades Institutos


/Categoria geral Universitários Federais
Administrativa CEFETs*

Total 2.378 190 126 2.025 37


Pública 228 101 7 133 37
Privada 2.100 89 119 1.892 -
Fonte: MEC/INEP/DEED – elaboração própria.
*IF/CEFET - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia e Centro Federal de Educação
Tecnológica.

Em uma publicação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo


– FAPESP – Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo, de 2010, o
Brasil está entre os cinco países com maior porcentagem de estudantes no ensino
superior no setor privado, que representam, segundo os dados do INEP, um percentual
de 89,4. São 2.100 instituições privadas cadastradas e 3.987.424 milhões de estudantes
matriculados na graduação presencial, que comparativamente as instituições públicas,
com 1.461.696 de estudantes matriculados e 228 instituições, são reveladores o quanto o
ensino superior brasileiro concentra-se na iniciativa privada, o que representa uma
oferta diversificada e notadamente voltada para cumprir a função de ensino sem
compromisso com a pesquisa, extensão ou com a pós-graduação (mestrado e
doutorado), constituindo-se este modelo em prerrogativa estabelecida legalmente, como
mencionei anteriormente e, conforme assinala Dilvo Ristoff (2006) aponta para “um
sistema altamente elitista e excludente, carente, portanto, de um agressivo processo de
democratização do acesso e da permanência.” (Ristoff, 2006, p.39).

Na lógica neoliberal a redução do papel do Estado no ensino superior é


consequência natural do processo de desenvolvimento, na qual o Estado deve liberar os
serviços sociais para exploração do mercado capitalista. Como forma de contrapartida o
Estado muda de estratégia e assume a condição de regulador e avaliador, ou seja, o
Estado abranda a sua presença no controle do acesso e no processo de ensino, contudo

90
foca sua atenção no produto das universidades (Morosini, 2000). É na qualidade de
regulador, avaliador e financiador das políticas sociais que o Estado ostenta a condição
de expressão dos interesses do capital, produzida nas relações sociais de produção,
patrocinadas, notadamente, pelo Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial.

Neste cenário a Universidade vem modificando sua organização interna,


adequando-se ao padrão empresa. De um lado, a redução de custos, o enxugamento do
corpo docente e técnico-administrativo, o aligeiramento da formação com a
reformulação curricular para adequação de perfil profissional de mercado, de outro,
busca tornar-se mais competitiva e produtiva. E nesse sentido, conforme analisa
Valdemar Sguissardi (2004b) esboça-se um modelo novo de Universidade brasileira,
que vem tomando forma a partir da década de 90 – um modelo de universidade público
e privado – neoprofissional, heterônomo e competitivo, em que o poder de setores
externos tem papel preponderante na definição de sua missão, bem como na agenda e
nos produtos das Universidades.

Em dezembro de 2004 a Reforma Universitária passa a ser uma das prioridades


do Governo Lula da Silva para a educação, com a divulgação do Anteprojeto de Lei, na
versão preliminar, com o propósito de recolher críticas, sugestões e opiniões visando à
redação do anteprojeto definitivo. Dito de outra maneira, o anteprojeto prevê um
calendário de debates com entidades representativas de todos os segmentos acadêmicos
e sociais, instituindo para acompanhar o processo o Grupo Executivo da Reforma
Universitária. Posteriormente, em 30 de maio de 2005 o Ministério da Educação divulga
uma segunda versão do anteprojeto de reforma e, em 29 de julho do mesmo ano é
entregue a versão definitiva da lei da reforma da educação superior ao Presidente da
República que encarregou a Casa Civil de promover uma nova série de estudos para,
então, remetê-lo sob forma de Projeto de Lei ao Legislativo Federal.

A equipe econômica vetou muitos pontos pretendidos pelo Ministério da


Educação, criando um impasse. Depois de superadas as dificuldades políticas internas o
Governo concluiu a quarta versão da proposta e encaminhou, em junho de 2006, o
documento ao Congresso Nacional. A proposta, ao chegar à Câmara dos Deputados,
recebeu o número PL 7.200, de 2006, que enfrenta hoje no Congresso Nacional forte

91
resistência do setor privado que tem agido para paralisar sua tramitação. A sistemática
utilizada é a da apresentação de centenas de emendas, quase em sua totalidade no
sentido antagônico ao do proposto no projeto.

O que observo nesse cenário é a antiga disputa entre os que concebem a


educação como bem público, a serviço do desenvolvimento do país, e os que defendem
os interesses privados, pautados na premissa da desregulamentação e liberalização do
ensino superior. Conforme expresso na Exposição de Motivos do anteprojeto de lei da
reforma da educação superior (2005), hoje o sistema de ensino superior brasileiro
encontra-se fragmentado e desse modo ocorreu uma banalização do conceito de
Universidade, bem como houve uma progressiva expansão das instituições privadas,
com critérios frouxos de regulação e supervisão. Conforme o documento, “[...] Essa
combinação entre uma forte expansão do setor privado sem qualquer planejamento e um
sistema público com universidades de pequeno porte, em termos latinoamericanos é
uma das questões centrais enfrentadas pela proposta da Reforma da Educação
Superior.” (MEC, 2005, p. 06).

Nos eixos centrais apresentados no anteprojeto estão as relações entre Estado e a


tensão permanente a respeito da autonomia universitária, o financiamento das
instituições públicas federai, e as complexas relações entre o poder público e o setor
privado, requerendo regulação estatal. De modo geral as diretrizes da reforma
demonstram no seu conjunto a compreensão da necessária expansão do Ensino superior,
contudo, na expansão, deve ser resguardada e consolidada a qualidade acadêmica, assim
como deve ser desenvolvida no sentido de promover a inclusão social. Neste propósito,
deve contar com a efetiva participação de todos os seguimentos envolvidos,
notadamente a comunidade de docentes, estudantes e gestores, uma vez que a
participação coletiva é condição imprescindível no processo de transformação e reforma
no Ensino Superior.

92
4. Síntese do capítulo

Organizei este capítulo em cenários, referenciada por dois procedimentos


complementares que me possibilitaram percorrer o espaço do ensino superior,
compreendendo-o em seu formato social, político, econômico e cultural, caracterizado
como lugar onde a ação docente transcorre, bem como na perspectiva de espaço
psicológico que exprime as vivências dos personagens que nele atuam. Utilizei-os como
ferramentas cognitivas que me possibilitaram descrever a Universidade em sua origem e
a partir de sua determinação histórica caminhar até o momento presente para, de dentro
dele, descrever as mudanças que vêm ocorrendo no campo da educação superior e na
especificidade da Universidade decorrente das políticas públicas, procurando
especificamente destacar seus impactos nas reformas, organização e desenvolvimento
do sistema de ensino superior brasileiro.

No primeiro cenário a trajetória percorrida conduziu-me a percepção da


Universidade em dias atuais atravessada por diversas crises: ora seguindo o movimento
motivado pela globalização e por dificuldades econômicas; ora atrelada ao presente
ritmo de desenvolvimento e produção do conhecimento, impulsionado por inovações
tecnológicas; e por vezes, acompanhando o processo vertiginoso de cobrança por
produtividade e eficiência do mundo do trabalho. Em uma visão abrangente, observo a
crescente necessidade da Universidade responder a todas essas expectativas, tarefas e
funções, contemporaneamente alargadas, contraditórias e complexas.

No segundo cenário, ao me aproximar das tendências das políticas para o ensino


superior na América Latina, coube destacar o papel que os organismos multilaterais e as
consequentes reformas tiveram sobre a mudança significativa dos sistemas de ensino
superior nos respectivos países, com o real destaque para a ampliação do setor privado
na composição dos respectivos sistemas. De uma maneira geral as transformações
advindas das orientações de tendências neoliberais têm sido sublinhadas por mecanismos
que impõem a expansão da educação superior por meio da privatização e diversificação dos
sistemas de ensino, estabelecendo uma forma de controle e avaliação sistemática sobre as
instituições e os sujeitos que as constituem.

93
Adentro na educação superior no Brasil, no terceiro cenário. Encontro em sua
origem um país sem tradição universitária, não obstante que a fundação das primeiras
universidades latino-americanas datem de 1538, somente em 1920 foi fundada a
primeira universidade brasileira. O processo de desenvolvimento do ensino superior
brasileiro foi constituindo-se sem uma concepção própria de Universidade, e em
decorrência dessa ausência as instituições sofreram diferentes influências e dependendo
do período em questão, tais influências se modificaram ao sabor de interesses políticos e
pessoais.

Destaco que no Brasil, membro integrante dos países da América Latina,


igualmente foi implementado um conjunto de ações reguladas por organismos
multilaterais, que impuseram às políticas públicas e às reformas a adoção de ações
privatistas que configuraram os contornos que a educação superior nacional e seu
sistema de ensino foram assumindo, notadamente nos anos 90. Há de se enfatizar que
sob os padrões contemporâneos e globais, nos quais se redefine a educação superior, a
Universidade brasileira tendencialmente ajusta-se às exigências do tempo histórico de
adaptação ao mercado, de organização eficaz e pautada no tecnicismo produtivista.

A partir dessa nova configuração, a Universidade procura reconstruir a sua


identidade por meio de procedimentos que a desinstitucionalizam e, no qual se observa
a presença de fenômenos como a assimilação de critérios extrínsecos como paradigmas
do modo de ser, da organização e da gestão da universidade, a apropriação dos
mecanismos neoliberais de redução do papel do Estado no financiamento das
instituições de educação superior, que conduz a um processo crescente de privatização e
de e subordinação ao mercado. Estas tendências e transformações têm alterado a
natureza do trabalho acadêmico, impondo ao docente uma nova configuração do ensino
superior. As mudanças na identidade da instituição universitária e do trabalho do
professor estão relacionadas com a manutenção das margens de produtividade do capital
e sua internacionalização, herança do século XX que a naturalizou.

De modo geral, as discussões apresentadas neste capítulo não esgotam e o debate


existente sobre as influências da configuração econômica sobre a educação superior, no
entanto apontam as tendências nesta área atualmente. Nesse sentido, cabe retomar em

94
Burt Norton de Thomas S. Eliot (1967) a ideia que todas as realidades estão presentes
simultaneamente – a intercessão dos tempos, o passado desaguando no presente que
aponta ao futuro.

Nessa perspectiva, no próximo capítulo procuro refletir a respeito dos reflexos


na identidade e imagem dos professores dos atuais cenários apontados para o Ensino
Superior brasileiro. Em outras palavras, a intenção é a partir da mudança estrutural do
ensino superior brasileiro compreender a situação do docente universitário.

95
96
CAPÍTULO II

PROFISSÃO ACADÊMICA – DOCÊNCIA, IDENTIDADE E IMAGEM.

Assim, tendo nós, ao mesmo tempo, consciência do


exterior e do nosso espírito, e sendo o nosso espírito
uma paisagem, tempos ao mesmo tempo consciência
de duas paisagens. Ora, essas paisagens fundem-se,
interpenetram-se, de modo que o nosso estado de
alma, seja ele qual for, sofre um pouco da paisagem
que estamos vendo [...].

Fernando Pessoa.
Cancioneiro – excerto de Notas Introdutórias.

No capítulo anterior procurei sistematizar algumas percepções sobre o processo


histórico de constituição da Universidade e as transformações ocorridas no âmbito do
Ensino Superior no século XX e início do século XXI, estabelecendo como fio condutor
de análise às amplas reformas no âmbito do ensino superior. Conforme salientei
anteriormente, não pretendi construir uma análise sobre as políticas públicas
educacionais para o ensino superior, mas sim, abordá-las como agentes delineadores das
transformações ocorridas. Desse modo, busquei situar a Universidade a partir de um
conjunto de ideias que a constitui, do que preservou ou excluiu como valor ao longo de
sua história, para posteriormente introduzir-me na especificidade do sistema de ensino
superior brasileiro, apresentando percursos e dados relacionados a sua configuração e as
especificidades das reformas.

Nesse contexto de redefinição da Universidade – da ideia de produção autônoma


do conhecimento para as necessidades sociais e do mercado –, pretendo no presente
capítulo estabelecer algumas aproximações em torno do professor universitário, na
percepção de que as contemporâneas transformações no ensino superior e na
Universidade como instituição, provocam significativas mudanças na profissão
acadêmica, na identidade profissional docente e na sua imagem socioprofissional.

97
Para iniciar referencio-me nas palavras do poeta português Fernando Pessoa que
nas Notas Introdutórias do Cancioneiro descreve o fenômeno da criação poética. Na
compreensão do poeta essa criação envolve a percepção de dois mundos – um mundo
interior e um mundo exterior – cuja relação será a responsável por ver materializar o
estado na alma. Continua o poeta: “Ora, essas paisagens fundem-se, interpenetram-se,
de modo que o nosso estado de alma, seja ele qual for, sofre um pouco da paisagem que
estamos vendo.” (Pessoa, 2001, p.101).

Não ambiciono elaborar uma analogia entre a criação poética e a docência


universitária. Ainda que considere as similaridades, percebo a fluidez de tal
aproximação e as possíveis imperfeições que uma análise mais detalhada poderia
revelar. No entanto, ao iniciar a escrita deste capítulo, não pude evitar em estabelecer a
relação entre os dois mundos da criação poética e a existência de um mundo interior e
de outro exterior na docência universitária. Dito de outro modo – há em cada um de nós
que exercemos a docência no ensino superior a percepção de dois mundos. Um interior
que nos é particular, relativo a nossas vivências e percursos pessoais e, um outro
exterior, relativo aos aspectos coletivos no qual exercemos a profissão acadêmica. Os
dois mundos se interpenetram, conforme assinala Fernando Pessoa.

Não tenho a pretensão de embrenhar-me no mundo interior docente. Atenho-me


ao mundo exterior e nele, delimito como campo de reflexão neste capítulo a profissão
acadêmica, os atuais cenários do ensino superior brasileiro e seus reflexos na identidade
e imagem profissional do professor universitário. Com essa intencionalidade, as
explicitações e aproximações conceituais que procuro desenvolver acabam por
“arrastar” alguns estudos desenvolvidos sobre a profissão docente para outros níveis de
ensino, uma vez que são de certa forma recentes, nomeadamente em meados do século
XX, as discussões desse aspecto no âmbito do ensino superior. Contudo, ao trazer esses
autores, busco situá-los a partir do sentido que emprestam à docência e aos docentes de
modo geral, para assim aproximar-me da construção de conhecimentos relacionados à
profissão acadêmica, o espaço de formação e qualificação didático-pedagógica do
docente universitário e sobre o próprio professor universitário no que concerne a sua
identidade e imagem profissional.

98
1. Breve apontamento sobre identidade e imagem profissional do professor
universitário.

A identidade é um desses conceitos que operam “sob rasura”, no


intervalo entre a inversão e a emergência: uma ideia que não pode ser
pensada da forma antiga, mas sem a qual certas questões-chave não
podem ser sequer pensadas.
(Hall, 2000, p.104).

A imagem de si mesmo é a matéria-prima


da construção identitária.
(kaufmann, 2004, p. 63).

A imagem profissional docente é aqui considerada como um conjunto de


significados pelos quais os professores são conhecidos e através dos quais as pessoas se
lembram e se relacionam com estes. Uma imagem é formada quando se adiciona a
percepção de algo externo a si mesmo, aos conhecimentos, crenças, sentimentos e
sensações. Dessa forma, a imagem seria a realidade assim como é compreendida pelos
indivíduos. Nesse sentido, a coletividade dos professores universitários não tem uma
imagem, mas várias, em função das crenças, valores ou sentimentos, sempre subjetivos,
em que emergem as diferentes associações mentais e do background informativo de
cada pessoa.

Nesta perspectiva, compreendo que a dimensão profissional da identidade e


imagem docente adquire relevância especial, quando considero as novas configurações
que a profissão acadêmica assumiu nos últimos anos no âmbito das transformações
ocorridas no Ensino Superior no século XX e início do século XXI, e de como as
decorrentes consequências condicionaram de modo particular a reconstrução das
imagens e dos perfis identitários sociais/profissionais dos professores universitários.

Embora reconhecer que as transformações acima mencionadas resguardam a


singularidade das instituições universitárias de países diferentes, considero que fazem
parte de um conjunto de diretrizes políticas guiadas por orientações internacionais
advindas de acordos econômicos estabelecidos que, em última instância, ao atingir a
identidade educacional do país, exerce influência na configuração dos sistemas de

99
ensino superior e como decorrência na identidade profissional do professor
universitário, em um movimento que pode ser analisado de fora para dentro ou vice-
versa, contudo sempre estará afetando a construção de imagens e o desenvolvimento das
identidades profissionais locais.

A Universidade, em seu papel principal de criar condições para que o


pensamento hegemônico seja repensado como questões, é cenário ao exercício da
profissão acadêmica, espaço onde decorre a ação docente e, também, no qual
desenvolve a constituição de ser professor – no contexto das opções pessoais e das
condições coletivas de trabalho – e que de uma maneira simbiôntica, desempenha papel
fundamental na constituição da própria Universidade.

Desse modo, compreendo a construção dos perfis identitários, também


denominados de formas ou configurações identitárias, como processo social que
constitui um tema que assumiu particular importância na contemporaneidade, isso
porque a modernidade possibilitou, além do rompimento com a ideia de identidade do
passado, o surgimento de uma nova concepção do sujeito singular e de sua identidade,
notadamente a partir da segunda metade do século XX, com a crescente complexidade
das sociedades modernas e na perspectiva apontada por Zygmunt Bauman (1998, 1999a
e b e 2001) da impossibilidade da sociedade manter uma mesma forma durante longos
períodos de tempo, considerando a sua fluidez e a sua efemeridade no que diz respeito
aos vínculos sociais. Como observa o crítico cultural Kobena Mercer, “a identidade
somente se torna uma questão quando está em crise, quando algo que se supõe como
fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza” (Mercer,
1990, citado por Hall, 2006, p.43).

Ciente da complexidade que envolve o refletir sobre a imagem e identidade


profissional docente cabe destacar que optei por aproximar-me dos Estudos Culturais ao
realizar essa discussão teórica sobre a identidade social/profissional do professor
universitário e da Teoria das Representações Sociais na perspectiva de refletir sobre as
imagens da profissão acadêmica de modo geral, bem como em relação à imagem do
professor universitário, de modo particular. Nesse sentido, inicio, com base na
compreensão de que esta é uma possibilidade dentre outras formas possíveis e

100
igualmente válidas de analisar algumas das questões que este estudo busca elucidar:
Quais aspectos envolvidos na configuração de ser professor universitário ao exercer a
profissão acadêmica em um contexto marcado por um conjunto de mudanças que
desestabilizam e questionam antigas referências que davam sustentação às suas
identidades e imagens? Que representações da docência são incorporadas na
configuração identitária de ser professor universitário? Mas afinal, qual é a imagem que
o professor universitário tem de si próprio enquanto profissional? Será que essa imagem
se tem alterado ou resiste perante as evidentes transformações no cenário da
Universidade? E o que pensam os estudantes universitários sobre seus professores e a
profissão acadêmica?

1.1. Os Estudos Culturais – alternativa de compreensão da identidade profissional


do professor no ensino superior.

Entre os estudos contemporâneos que abordam as questões da identidade e da


identidade profissional, situam-se os Estudos Culturais que apresentam novas
perspectivas para a análise da diversidade e as relações de poder e dominação que fazem
parte do cenário das transformações ocorridas no Ensino Superior nos últimos anos,
conforme apresentado no capítulo anterior e que estabeleceram as novas configurações
que a profissão acadêmica assumiu e as consequentes modificações na imagem e na
identidade social e profissional do professor universitário.

Não pretendo realizar uma discussão sobre os Estudos Culturais e os autores que se
situam nessa abordagem, entretanto cabe efetuar uma exposição sucinta, aproximando-me
de suas bases conceituais e sua contribuição no desenvolvimento deste capítulo.
Inicialmente considero que os Estudos Culturais é uma corrente de estudos, uma área de
pesquisa que tem como eixo básico de investigação “[...] as relações entre a cultura
contemporânea e a sociedade, isto é, suas formas culturais, instituições e práticas
culturais, assim como suas relações com a sociedade e as mudanças sociais [...]”
(Escosteguy, 2006, pp. 138-139). O que caracteriza e gera singularidade aos Estudos
Culturais é uma concepção particular de cultura e seu enfoque sobre a dimensão cultural
contemporânea. Conforme destaca John Storey (1997, citado por Escosteguy, 2006,
p.3).

101
O que os une é uma abordagem que insiste em afirmar que através da
análise da cultura de uma sociedade – as formas textuais e as práticas
documentadas de uma cultura – é possível reconstituir o comportamento
padronizado e as constelações de ideias compartilhadas pelos homens e
mulheres que produzem e consomem os textos e as práticas culturais
daquela sociedade. É uma perspectiva que enfatiza a “atividade humana”, a
produção ativa da cultura, ao invés de seu consumo passivo.

Em outras palavras os Estudos Culturais amplia o conceito de cultura


compreendendo-a como heterogênea e que pode manifestar-se de maneira diferenciada
em qualquer formação social ou época histórica, constituindo-se em intervenções ativas.
Nessa perspectiva construíram uma tendência importante da crítica cultural resultante da
convicção de que é impossível abstrair a análise da cultura das relações de poder e das
estratégias de mudança social (Escosteguy, 2006).

Assinala Tomás Tadeu (2003, p. 133) que “o que distingue os Estudos Culturais
de disciplinas acadêmicas tradicionais é seu envolvimento explicitamente político. As
análises feitas nos Estudos Culturais não pretendem nunca ser neutras ou imparciais.”
Isso significa que, além de tomar partido dos grupos que estão em desvantagem nas
relações de poder, os Estudos Culturais pretendem que suas análises funcionem como
uma intervenção na vida política e social. A multiplicidade de objetos de investigação
também caracteriza os Estudos Culturais.

Conforme descreve Ana Escosteguy (2006) em seus apontamentos, que


originalmente os Estudos Culturais podem ser considerados uma invenção britânica do
final dos anos 50. Contudo, tornou-se contemporaneamente uma problemática teórica de
repercussão internacional, decorrente principalmente da observação sobre a
desestabilização das identidades sociais, ocasionada conforme ressalta a autora, pela
aceleração do processo de globalização. Nessa perspectiva, o foco central passa a ser a
reflexão sobre as novas condições de constituição das identidades sociais,
nomeadamente com os estudos de Stuart Hall (2003).

O processo de estilhaçamento do indivíduo em múltiplas identidades transforma-


se em tema de estudo. Sobre esse fenômeno Stuart Hall (2003) com base em autores
como David Harvey e Ernest Laclau (1992) explicita, do ponto de vista teórico, os
processos de descentração que desarticulam e fragmentam as identidades

102
contemporâneas. Para Hall as sociedades são caracterizadas pela ruptura, pela
fragmentação e pela inexistência de um princípio ou centro organizador único. A
realidade das sociedades modernas, do que ele denomina modernidade tardia, não se
desenvolve de acordo com uma única causa ou lei. Ao contrário, ocorre um
“deslocamento” em que não há a substituição de um centro por outro, mas por uma
pluralidade de centros. As sociedades da modernidade tardia são “atravessadas por
diferentes divisões e antagonismos sociais que produzem diferentes ‘posições de
sujeito’ – isto é, identidades – para os indivíduos.” (Hall, 2003, p.17).

Neste panorama, só a categoria da classe social não pode ser mais utilizada
como única dimensão de identificação do sujeito. Categorias como questões de gênero,
opção sexual, etnias, movimentos ecológicos e outros movimentos sociais, mobilizam a
sociedade e provocam rupturas nas identidades que passam a se constituir não mais a
partir de um único referencial, mas de vários. Explica ainda Stuart Hall (2003), que o
deslocamento das identidades é provocado por um complexo de processos e forças a
que ele denomina de globalização, definida por processos atuantes numa escala global,
que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e
organizações em novas combinações de espaço-tempo, o que torna o mundo, em
realidade e experiência, mais interconectado. Para o autor “essas novas características
temporais e espaciais, que resultam na compressão de distâncias e de escalas temporais,
estão entre os aspectos mais importantes da globalização a ter efeito sobre as
identidades culturais.” (Hall, 2003, p.68).

Nesse sentido, permite a globalização (que tem como característica o comprimir


do espaço-tempo) que acontecimentos, fatos e eventos ocorridos em lugares distantes
tenham repercussão imediata em quase todo o globo terrestre. Por esse prisma, é
possível compreender como as identidades são construídas com base em representações
localizadas em um determinado espaço e tempos simbólicos e como o consequente
encolhimento espaço-tempo no mundo globalizado produz alterações na forma como as
identidades passam a ser situadas. Dessa forma, compreendo que as identidades são
construídas com base em tradições, mitos, eventos históricos, narrativas, códigos e
imagens próprios de um tempo e lugar que sofrem os impactos do processo de
globalização. Como assinala Hall (2003), quanto mais a vida social torna-se mediada

103
pelo comercio global de estilos, lugares e imagem, assim como por viagens
internacionais, por imagem da mídia e nos sistemas de comunicação globalmente
interligados, “mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos,
lugares, histórias e tradições específicos e parecem flutuar livremente.” (Hall, 2003,
p.75).

Nesta perspectiva, Stuart Hall (2003) reafirma sua posição sobre a consequência
da globalização nas identidades.

(...) a globalização tem, sim, o efeito de contestar e deslocar as identidades


centradas e “fechadas” de uma cultura nacional. Ela tem um efeito
pluralizante sobre as identidades, produzindo uma variedade de
possibilidades e novas posições de identificação, e tornando as identidades
mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas e
unificadas ou trans-históricas. (Hall, 2003, p. 87).

A confrontação com os apelos da globalização tem implicações


desestabilizadoras sobre as identidades locais, provocando um alargamento na
probabilidade de constituição de novas posições de sujeito, de identidades plurais e
contestadas. De acordo com a análise de Helder Pereira (2004), apesar de haver essa
reticência ao se falar na identidade, principalmente por ser ela uma forma subjetiva de
expressão de uma cultura, o fato é que por meio da globalização o homem tornou-se um
sujeito de identidades provisórias e instáveis, não somente pelo fato de ela buscar a
quebra de barreiras nacionais, criando um grande continente global e sem fronteiras,
mas porque ela trabalha com a base de que “[...] o indivíduo (...) só é tolerado na
medida em que sua identidade incondicional com o universal está fora de questão.”
(Horkheimer, Adorno, 1985, p.144, citado por Pereira, 2004).

Inacabamento, efemeridade e instabilidade são características das identidades


que são tidas como essenciais nas apreciações de autores como Helder Pereira (2004);
Stuart Hall (2003); Henry Giroux (2003); Tomáz Tadeu da Silva (2002); Woodward
(2004); Herscovici, (2001); Claude Dubar (1997 e 2006); Zygmunt Bauman (2005) e
Maria Santos (1998), e que a conceituam como um processo, algo em movimento, uma
ação incessante de construção de representações de si mesmo. O sujeito contemporâneo é
“[...] conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente.”
(Hall, 2003, p.12). Na mesma perspectiva Zygmunt Bauman (2005) utiliza uma

104
metáfora para aponta o caráter passageiro e frágil das identidades. Para o autor estamos
passando da fase sólida da modernidade para uma fase fluida. “E os ‘fluidos’ são assim
chamados porque não conseguem manter a forma por muito tempo e, ao menos que
sejam derramados num recipiente apertado, continuam mudando de forma sob a
influência até mesmo das menores forças.” (Bauman, 2005. p. 57).

Claude Dubar (2005) assinala que “cada configuração identitária assume um


misto de conflito e aceitação entre as antigas lógicas e as novas tentativas de
racionalização econômica, administrativa ou social” (2005, p. 330). O termo
configuração identitária é compreendido como um espaço de síntese sempre provisória,
do movimento dialético da realidade, designando a tendência inata que possui o espírito
humano para emprestar a realidade uma determinada ordem, forma, arranjo.

Apresentado por Norbert Elias (1994 e 1999) o conceito de configuração parece,


portanto, confrontar-se com o esforço da linguagem em sustentar a ideia moderna de
ordem e, por conseguinte, em negar ou excluir o acaso e a contingência. Constitui-se na
e pela ambivalência, ambivalência que é uma desordem específica do esforço de
nomear, por nascer da autoconstituição da ordem. Para o autor o terreno em que se
movem as configurações é fugidio, não se prende a determinismos nem a leis
científicas. Interpretar as forças compulsivas significa mergulhar em singularidades para
contemplar o seu movimento e descrevê-lo, não impondo o trabalho de elaboração de
leis. O “equilíbrio flutuante” é muitas vezes reiterado por Elias como “uma
característica do fluxo de cada configuração.” (1999, p. 143).

O mundo vivido do trabalho, a trajetória socioprofissional e a formação,


constituem-se em três dimensões de análise propostas por Claude Dubar (2005) para as
configurações identitárias, que resultam, cada uma, em uma dupla transação. Na
especificidade do campo profissional, há de um lado a transação entre o indivíduo e a
instituição e, de outro, entre o indíviduo e o seu passado. A própria identidade no campo
profissional é representada na interação do movimento da continuidade com o
movimento de ruptura. A continuidade diz respeito a identidades construída em um
sistema profissional no qual o sujeito segue um percurso contínuo, sucessivo, que exige
o reconhecimento de suas competências de maneira que o possibilite validar a imagem

105
de si. A ruptura envolve a identidade construída na dualidade entre o espaço de crenças
pessoais e o espaço de aspirações profissionais, que torna possível a construção de uma
nova identidade. A transação objetiva dá início a um processo que pode constituir-se em
reconhecimento social ou de não reconhecimento.

Para o autor, a transação é essencial para interpretação das configurações


identitárias. A transação objetiva é compreendida na relação que o indivíduo estabelece
com seu espaço de trabalho e a transação subjetiva compreende a relação temporal do
indivíduo com a profissão. Dito de outro modo, a transação subjetiva são projeções
realizadas para si e a identidade é construída ao longo de sua vida com base nos
contextos sociais e nos valores da identidade constituída na família desde seu
nascimento. A transação subjetiva pode ser vivenciada com projeções de si no futuro,
em termos de continuidade, ou quando não projeta para si um futuro, com a ruptura. As
duas transações são interdependentes, articuladas, de forma que quando a transação
subjetiva se estabeleça sobre a base da ruptura, tanto o movimento de continuidade com
o movimento de ruptura da transação objetada são possíveis. Para Claude Dubar (2005,
p. 293), “a transação objetiva e transação subjetiva se fortalecem e se confirmam
mutuamente na construção de uma identidade tanto reconhecida pela empresa quanto
socialmente legitimável.”

A identidade profissional, na compreensão de Claude Dubar (2005) são


identidades especializadas, relacionadas a saberes específicos e a papéis vinculados à
divisão social do trabalho. No entanto, a identidade profissional e a identidade
profissional docente não devem ser confundidas com a identidade social, todavia as
duas conservam uma relação muito próxima, uma vez que a identidade social nada mais
é que o “resultado a um só tempo estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e
objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que,
conjuntamente, constroem os indivíduos e definem as instituições.” (Dubar, 2005,
p.136).

Ao destacar a identidade profissional, nomeadamente a docente, não pretendo


desvincular sua compreensão de outros tipos de identidade, e sim enfatizar um
determinado aspecto da construção da identidade, que é o profissional. E para

106
compreendê-lo é necessário perceber o processo de socialização conforme analisado por
Claude Dubar (1997) e Peter Berger e Thomas Luckmann (1998). Assim, a socialização
poderá definir-se “antes de mais, pela imersão dos indivíduos naquilo que se chama
‘mundo vivido’, o qual é, simultaneamente, um ‘universo simbólico e cultural’ e um
‘saber sobre este mundo.’” (Dubar, 1997, p. 94).

No processo de socialização, o primeiro momento, denominado de


“socialização primária” (Berger & Luckmann, 1998), constitui a introdução do
indivíduo no mundo social em que vive não como um mundo possível entre outros, mas
como o único mundo possível, constituindo-se no mundo de referência para as
posteriores socializações. No segundo ocorre a “socialização secundária”, entendida
como um processo mais racional, voluntário e circunscrito à percepção da existência de
“submundos institucionais especializados” e com a interiorização submundos por meio
da “aquisição de saberes específicos e de papéis direta e indiretamente enraizados na
divisão do trabalho” (Berger & Luckmann, 1986, citado por Dubar, 1997, p. 96).
Modernamente, o processo de socialização secundária ocorre no interior de instituições
especializadas, a exemplo das Universidades e organizações profissionais. Refere-se à
incorporação de saberes profissionais, incluindo-se o vocabulário e procedimentos,
compondo um universo simbólico de veiculação de uma concepção de mundo, “mas
que contrariamente aos saberes de base da socialização primária, são definidos e
construídos por referência a um campo especializado de atividades [...].” (Berger &
Luckmann, 1986, citado por Dubar, 1997, p. 96).

A socialização é um processo permanente e nunca concluído, implicando


esforços contínuos de atualização. A socialização secundária é processada com base na
socialização primária, mas não necessariamente pressupõe a simples substituição desta
por aquela ou o simples prolongamento desta e podem ocorrer diversas gradações e
mesmo sobreposições. Nesse sentido, o indivíduo ao optar por uma profissão, o faz
tentando construir sua identidade profissional de modo a se encaixar da melhor maneira
possível neste novo mundo. Esse processo é realizado mediante a incorporação dos
valores, comportamentos e atitudes, compreendido como necessários para o profissional
ideal.

107
Claude Dubar (1997) ao referenciar-se em Everett Hughes (1955) assinala a
socialização profissional como uma iniciação à cultura profissional e uma conversão do
indivíduo a uma nova concepção do eu e do mundo, em resumo, a uma nova identidade.
Na base da identidade profissional estão, conforme o autor, quatro elementos: (i) a
natureza das tarefas; (ii) a concepção do papel; (iii) a antecipação das carreiras e (iv) a
imagem do eu. Como ressalta Dubar (1997) três mecanismos específicos da socialização
profissional são particularmente explicitados por Hughes. O primeiro designa de
“passagem através do espelho” que consiste em olhar o mundo às avessas, é uma
espécie de imersão na “cultura profissional” levando à descoberta da realidade
desencantada do mundo profissional. O segundo diz respeito ao que se poderia chamar
“a instalação na dualidade” entre o “modelo ideal” que caracteriza a “dignidade da
profissão”, a sua imagem de marca, a sua valorização simbólica, e o “modelo prático”
que diz respeito “às tarefas quotidianas e aos trabalhos pesados” e que, conforme
explicita, mantém poucas relações com o primeiro.

Este segundo mecanismo é de particular interesse na maneira como compreendo


a identidade profissional docente e a imagem da profissão acadêmica, uma vez que
como observa Dubar (1997), Everett Hughes formula aquilo que chama de esquema
geral de referência para estudar a formação para profissões muito diversas. Assim:

Hughes assinala que esta distância entre os “modelos sagrados” e as


“diversas vias da prática quotidiana” é objecto de um debate constante no
seio dos grupos profissionais e que as lutas para manter o controlo das
tarefas nobres “constituem uma chave para a compreensão do meio
profissional, caracterizado por uma tendência constante para que as
actividades auxiliares e rotineiras se tornem fins em si”. Assim, no processo
de socialização intervém “uma série de escolhas de papéis”, ou seja,
“interacções com os outros significativos que tentam reduzir esta dualidade
e representam passagens constantes de um modelo a outro”. A formação de
um “grupo de referência” no seio da profissão, representando em
simultâneo uma antecipação das posições desejáveis e uma instância de
legitimação das suas capacidades, constitui um mecanismo essencial de
gestão desta dualidade. (Dubar, 1997, p.116).

Em outras palavras, a identidade profissional (aqui a especificidade da profissão


acadêmica) é uma negociação permanente, por isso inacabada, que organiza as relações
do indivíduo com os outros e, no interior dos grupos profissionais se apresenta na

108
dualidade entre o modelo ideal (imagem de marca) e o modelo prático (imagem real),
que pode acabar com o abandono e rejeição de estereótipos que constitui a solução
habitual da fase de conversão última assinalada por Everett Hughes (1955, citado por
Dubar, 1997, p.116).

O último mecanismo se refere ao ajustamento da concepção do “eu”, de


dualidade entre o modelo ideal e as normas práticas, que implica a tomada de
consciência por parte dos indivíduos das suas capacidades físicas, mentais e
profissionais, dos seus gostos e desgostos, relacionando-as com as hipóteses de carreira
que o profissional pode realisticamente esperar no futuro.

O professor universitário, nessa perspectiva constrói sua identidade pelo


“diálogo entre a experiência e a história, entre uma experiência e outra e outras, o
confronto das práticas com a teoria, num movimento de desvelar, pela análise da
prática, a teoria em ação e o processo de investigação da prática” (Pimenta et al, 2003,
p. 273). Nesse sentido, os aspectos estruturais contributivos à construção da identidade
profissional se definem com base no reconhecimento recíproco dos indivíduos
identificados através de um determinado grupo social e a sua prática, interpretada como
trabalho. No entanto, conforme assinala Stuart Hall (2003), o contexto contemporâneo é
marcado pela chamada crise da identidade na pós-modernidade. Em lugar de um núcleo
interior, há uma pluralidade no sujeito que o constitui de forma diversa e descontínua.
Destaca o autor que o sujeito pós-moderno não tem uma identidade fixa e essencial, ou
seja, ele está em permanente mutação de acordo com as diferentes mudanças de
representações do universo cultural que nos cerca.

Nesse sentido, ao considerar o professor universitário como sujeito


historicamente definido e, como tal, atravessado por divisões e antagonismos sociais,
compreendo que esse processo contemporâneo desestabilizou as imagens construídas
historicamente sobre o professor universitário, assim como provocou no próprio
professor a fragmentação de antigas referências que davam sustentação a sua identidade
docente, provocando rupturas, que podem ser compreendidas num processo mais amplo
de deslocamento e mesmo de fragmentação do indivíduo moderno. Esse movimento é
considerado por Stuart Hall (2003) como a crise de identidade.

109
Os quadros de referência que davam ao indivíduo uma certa sensação de
pertinência em um universo centrado, de alguma forma, entram em crise, e passam a se
constituir em algo descentrado e fragmentado. Para Hall (2003, p.8) o próprio conceito
“(...) identidade, é demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco
compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova.”
Nesse aspecto, os estudos de Marília Morosini (2000), Wedna Galindo (2004) e António
Bolívar et al (2005), sobre a identidade docente têm apontado para o movimento e a
dinâmica de desestruturação e reestruturação das múltiplas identidades no processo de
transformação e desenvolvimento do ensino superior.

Desse modo reconheço como importante compreender a identidade profissional


docente nos diversos movimentos da sociedade contemporânea, e de modo particular no
que diz respeitos as profundas alterações no âmbito do ensino superior, que desafiam a
homogeneização acadêmica em função da singularidade cultural e do controle dos
docentes sobre suas próprias vidas e ambientes de trabalho. Manoel Castells (1999) ao
estudar os movimentos sociais distingue que as identidades coletivas, a partir de
relações de poder, podem ser categorizadas em: (i) identidades legitimadoras, instituídas
pelas instituições dominantes; (ii) identidade de resistência, que representam os grupos
contra hegemônicos e (iii) identidades de projeto, provocada na ação de transformação,
de perspectiva construtivista em que os atores sociais constroem uma nova identidade,
capaz de redefinir sua posição na sociedade. Complementa o autor que do ponto de vista
sociológico, todas identidades são construídas. Contudo:

[...] A principal questão, na verdade, diz respeito a como, a partir de


quê, por quem e para quê isso acontece. A construção de identidades
vale-se de matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia,
instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por
fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho
religioso. Porém todos esses materiais são processados pelos
indivíduos, grupos sociais e sociedades, que organizam seus
significados em função das tendências sociais e projetos culturais
enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de
tempo/espaço. (Castells, 1999, p. 23).

110
Nessa perspectiva, é pertinente salientar a capacidade que a identidade coletiva
possui de significar as realidades dos sujeitos que nela se percebem, e que conforme
assinala o autor, “[...] para que isso aconteça, faz-se necessário um processo de
mobilização social, isto é, as pessoas precisam participar de movimentos urbanos (não
exatamente revolucionários), pelos quais são revelados e defendidos interesses em
comum, e a vida é, de algum modo, compartilhada, e um novo significado pode ser
produzido.” (Castells, 1999, p.79).

As conquistas docentes mais recentes, na análise de Gimeno Sacristán (2002),


expressam uma espécie de “identidade pluridimensional”, posto que estão inseridos no
mundo globalizado de múltiplas inserções, divergências e convergências identitárias.
Infiro assim, que há múltiplos campos de vivências identitárias que, de acordo com Hall
(2003), são definidas historicamente e não biologicamente. O sujeito para Hall assume
identidades diferentes em diferentes momentos, “identidades que não são unificadas em
torno de um eu coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em
diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente
deslocadas.” (2003, pp. 12-13).

Para Jean-Claude Kaufmann (2004), a identidade deve ser compreendida como


um conceito moderno que se desenvolve historicamente, sendo as identificações
coletivas o primeiro momento histórico no processo de construção da identidade. Para o
autor, a identidade tem sido essencialmente definida pela capacidade de criação
subjetiva, sendo esta criação o movimento pelo qual o indivíduo reformula cada vez
mais a substância social que o constitui e, nesse sentido, por mais que a subjetividade
não comande tudo, ela está no centro da fabricação moderna das identidades e salienta
que “a identidade ganhou uma aparência mais aberta e dinâmica, e impôs-se
progressivamente uma forma: a narrativa. A identidade é a história de si mesmo, que
cada um se conta” (Kaufmann, 2004, p.131). Entretanto, afirma o autor que a identidade
não é um simples processo reflexivo ou narrativo, o seu papel de maior importância
encontra-se nas condições de ação na modernidade. A modernidade, de acordo com
Jean-Claude Kaufmann (2001), intima o indivíduo a definir ele próprio a sua identidade.

111
A compreensão da identidade pressupõe a compreensão da diferença, já que a
identidade se afirma também por aquilo que ela não é. A identidade é produzida a partir
da diferença. A diferença é o que separa uma identidade da outra, portanto a identidade
é relacional (Woodward, 2004). Identidade e diferença estão em relação de
interdependência. Dizer o que somos é também dizer o que não somos. Para Tomás
Tadeu da Silva (2004, p.82) “A identidade e a diferença, se traduzem, assim, em
declarações sobre quem pertence e quem não pertence, sobre quem está incluído e quem
está excluído. Afirmar a identidade significa demarcar fronteira, significa fazer
distinções entre o que fica dentro e o que fica fora.”

A identidade e a diferença são processos produzidos cultural e socialmente, não


são naturais, não se constituem essências. É através da linguagem que criamos a
identidade e a diferença e lhes atribuímos sentido. A identidade e a diferença só podem
ser entendidas dentro de um sistema de significação (representação) que lhes confere
sentido através da linguagem. Diferentes objetos, fatos, atitudes, gestos, símbolos
adquirem diferentes significados a partir das representações que deles são feitas.

Com as transformações ocorridas no Ensino Superior nos últimos anos, altera-se


a concepção de docência universitária, quer pela influência do mercado, exigindo
permanente capacitação de recursos humanos, quer pela flexibilização da aprendizagem
e intensificação da competitividade (Morosini, 2000). Novos paradigmas e realidades
vão apontando para o surgimento de outros elementos, outros significados, outras
práticas que se confrontam, rompem ou se juntam as anteriores num processo constante
de desestruturação e reestruturação e, nesse cenário é possível compreender o
movimento e a dinâmica de desestruturar e reestruturar as múltiplas identidades
docentes. Isso quer dizer que “as identidades são, pois, pontos de apego temporário às
posições-de-sujeito que as práticas discursivas constroem para nós.” (Hall, 2003, p.112).

Assim, no contemporâneo panorama social, econômico, político, educacional e


cultural em que as transformações são velozes e constantes, a identidade profissional
docente estável e única abre-se para a construção de novas identidades e a produção de
novos sujeitos através de rupturas e recomposições. Esse processo produz o sujeito pós-
moderno, considerado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A

112
identidade torna-se assim uma “celebração móvel” (Hall, 2003), formada e
transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou
interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam.

No entanto, cabe aqui a compreensão assinalada por Manoel Castells (1999) de


que essa mobilidade da identidade não pode ser confundida como um processo de
identificação momentâneo ou efêmero, uma vez que, na perspectiva do autor
apresentada no segundo volume de sua trilogia sobre a sociedade pós-industrial
intitulado “O Poder da Identidade”, a identidade apresenta traços afetivos, vincula-se a
valores, engendra-se a partir de possibilidades, de histórias coletivas, todavia quer se
constitua em uma identidade cultural ou individual, pode sustentar múltiplas
identidades.

Nessa perspectiva, é possível inferir que a identidade profissional docente é


produzida ao longo do tempo, segundo diferentes significados e representações e opõe-
se a uma compreensão rígida, fixa, unificada. Ao contrário, o processo de construção da
identidade profissional dos professores universitários é nesse estudo compreendido
como fragmentado, complexo e contraditório. Constrói-se e reconstrói-se nas relações
objetivas e subjetivas com todos que compartilham da complexa rede cultural e
científica do ambiente universitário, em processos ao longo do tempo, entre gerações
com posicionamentos similares ou antagônicos, na interação entre o individual e o
coletivo. É nesta paisagem que elementos, práticas, símbolos, significados e códigos
que interagem na composição da identidade docente são hoje questionados, substituídos,
superados.

1.2. A teoria das representações Sociais – caminho de aproximação da imagem


docente.

No intuito de estabelecer um apoio teórico na identificação das representações


sobre a profissão acadêmica, na especificidade da docência no ensino superior,
analisando imagens sociais da docência incorporadas na configuração identitária dos
professores universitários, acerco-me da Teoria das Representações Sociais
considerando que esta opção teórica me permite uma aproximação da realidade social,

113
que nesse estudo é recortada para delimitar o campo de investigação, restringindo-a à
realidade social acadêmica no ensino superior, sem desvinculá-la da realidade social
mais ampla, que é compreendida como processo em permanente construção, decorrente
das interações subjetivas dos agentes sociais em seus contextos de vida e trabalho.

Na perspectiva de Serge Moscovici (1978; 2003) as representações são


construídas coletivamente para dar sentido a determinados objetos do mundo social,
portanto, devem ser entendidas como resultante da ação do indivíduo sobre si mesmo e
sobre o mundo exterior. Assim, toda representação é uma representação de um objeto e
também de um sujeito. Conforme assinala Moscovici:

[...] as representações se mostram semelhantes a teorias que ordenam ao


redor de um tema (as doenças mentais são contagiosas, as pessoas são o que
elas comem, etc.) uma série de proposições que possibilita que coisas ou
pessoas sejam classificadas, que seus caracteres sejam descritos, seus
sentimentos e ações sejam explicados e assim por diante. (...) Na verdade,
do ponto de vista dinâmico, as representações sociais se apresentam como
uma 'rede' de ideias, metáforas e imagens, mais ou menos interligadas
livremente e, por isso, mais móveis e fluidas que teorias. (Moscovici, 2003,
pp. 209-210).

Nessa perspectiva, a Teoria das Representações Sociais vem para este estudo
como um campo teórico do qual posso refletir sobre as representações da profissão
acadêmica e a imagem social do professor universitário, bem como compreender os
significados da docência no ensino superior a partir do fio condutor de análise que
estabeleci no capítulo anterior que envolve considerar as amplas reformas no âmbito da
educação superior brasileira guiadas por orientações internacionais que, em última
instância, provocam transformações na Universidade, descaracterizando-a como
instituição autônoma, alterando sua identidade institucional, função social e dinâmica,
acarretando repercussões sobre o trabalho docente e na imagem socioprofissional do
professor universitário.

Ao pretender refletir sobre as representações da docência universitária, devo


considerar que estas construções simbólicas trazem na sua essência o sentido de
pertencimento social dos sujeitos produtores e suas relações socialmente localizadas.
Dito de outro modo é necessário localizar o lugar de onde se produzem as
representações que, nesse estudo é o cenário contemporâneo universitário,

114
anteriormente caracterizado no item 3.4. do capítulo I. Conforme assinala Denise
Jodelet (2001) “[...] a particularidade do estudo das representações sociais é o fato de
integrar na análise desses processos a pertença e a participação, sociais ou culturais, do
sujeito.” (2001, p. 27).

Segundo Serge Moscovici (2003), a representação social é um sistema de


valores, ideias e práticas, com uma dupla função. A primeira, conforme descreve o autor
tem como função estabelecer uma ordem que possibilitará às pessoas orientar-se em seu
mundo material e social e controlá-lo e a segunda deverá possibilitar que a comunicação
seja possível entre os membros de cada comunidade, fornecendo-lhes um código para
nomear e classificar, sem ambiguidade, os vários aspectos do seu mundo e da sua
história individual e social (Moscovici, 2003, p. xiii).

Nesse sentido, as representações que estão relacionadas às interações, são


sempre produtos da interação e comunicação no interior de um grupo. Uma vez criadas
as representações elas assumem vida própria em um movimento de novas criações e
recriações (Moscovici, 2003). As representações sociais são, portanto, produções
simbólicas, relacionadas aos sentidos interiorizados pelos sujeitos representacionais e às
condições objetivas do interior das quais se produzem esses sentidos. Nesta perspectiva,
as representações constituem-se em construções imagéticas que ocorrem a partir da
apreensão dos significados e subjetividades espaciais presentes no cotidiano social e
refletem a percepção e compreensão sociocultural dos indivíduos que as produzem,
decorrentes de diferentes pontos de vista em direção ao que é representativo e simbólico
e, que se situa na base da relação entre o sujeito, o signo e a imagem construída na
sequência.

De forma complementar a esta concepção, Maria Laura Franco (2004) assinala


que as representações sociais são elementos simbólicos que os homens expressam
mediante o uso de palavras e de gestos. Essas mensagens, mediadas pela linguagem, são
construídas socialmente e estão necessariamente ancoradas no âmbito da situação real e
concreta dos indivíduos que as emitem. Portanto, para estudá-las, em primeiro lugar é
indispensável conhecer as condições de contexto em que os indivíduos estão inseridos
mediante a realização de uma cuidadosa análise contextual.

115
De modo geral a Teoria das Representações está voltada para o estudo dos
sentidos atribuídos pelos sujeitos aos diferentes objetos do mundo social, como a escola,
o local de trabalho, a casa, a família, dentre outros. O seu caráter metodológico
possibilita apreender os elementos constituintes da prática social, superar o caráter
puramente analítico do trabalho e identificar a gênese das condutas e das comunicações
humanas. Sua natureza interpretativa possibilita a observação dos mais variados
componentes da realidade individual e coletiva, na qual estão expressos explícita ou
implicitamente os resultados da ação do homem em sociedade. Em decorrência, os
sentidos atribuídos pelo grupo social direcionam o comportamento humano e, “nestes
termos, o tipo de relacionamento que o indivíduo mantém com o grupo ao qual pertence
será decisivo na análise das representações sociais que possui” (Souza apud Anadon &
Machado, 2001, p.107).

É no interior psíquico do homem que se processa a representação social. Nele


registra-se toda a realidade física e social que está inserida na interação grupal, em
permanente troca orientada por um sistema de valores e normas, que permite ao homem
a sua sobrevivência social. Nessa perspectiva, no que se refere às representações da
profissão, nomeadamente da profissão docente por se constituir no tema deste estudo, as
informações são classificadas, ordenadas, hierarquizadas, conforme as influências do
grupo social de pertencimento dos sujeitos. Este grupo social apresenta as matrizes de
interpretação da realidade para as informações. No entanto, para torná-la concreta é
preciso objetivá-la em imagens, já conhecidas na memória, que formarão o núcleo
figurativo no campo representativo. (Moscovici, 1978).

A imagem só é construída com o seu significado e, nesse sentido, efetua a


integração ao pensamento constituído que forma o conceito, com base das vivências dos
sujeitos, dos seus interesses e valores provenientes de seus grupos sociais. Conforme
assinala Jean-Claude kaufmann (2004) a imagem de si está fortemente unida à
construção da identidade, constituindo-se em uma imagem simbolizada e representada
em uma esfera social – “A imagem de si mesmo é a matéria-prima da construção
identitária.” (kaufmann, 2004, p. 63).

116
Nessa perspectiva, quando busco aproximar-me das representações que os
docentes e alunos constroem sobre a profissão acadêmica, bem como dos significados
que a profissão acadêmica adquire para os professores universitários, em um contexto
marcado por complexas transformações do ensino superior, que em última instância
orientam suas condutas profissionais, devo também considerar que o resultado dessas
representações, traduzidos em construções simbólicas de sentido, em imagens,
constituem uma parte do conjunto estruturado de disposições 2 interiorizadas e que essas
disposições refletem na maneira como os próprios docentes compreendem a profissão e
agem no interior dela.

As representações sociais, as imagens que os professores têm da docência


enquanto profissão dirige ou orientam o comportamento e as ações nesse âmbito
profissional. Nesse sentido, a representação social se configura como teoria da
interpretação do real. As representações sociais vão além do que é imediatamente dado
na ciência ou na filosofia, da classificação de fatos e eventos. São teorias do senso
comum que se elaboram coletivamente nas interações sociais, sujeito-sujeito e sujeito
instituições, em um determinado tempo, numa cultura e num espaço próximo.

Destaco a importância de refletir sobre as representações da profissão docente e


do professor universitário no conjunto das transformações da educação superior e na
compreensão de que é necessário antecipadamente conhecer, conforme orienta o
caminho metodológico da Teoria das Representações Sociais, a posição dos docentes no
campo que a constitui e os condicionamentos sociais que os afetam. Procurarei no
desenvolvimento dos itens a seguir destacar essa posição dos professores universitários
no contexto contemporâneo do ensino superior e de modo especial, na especificidade
das reformas no ensino superior no Brasil.

2
As disposições são, conforme assinala Philippe Corcuff, “inclinações a perceber, sentir, fazer e pensar
de certa maneira, interiorizadas e incorporadas, geralmente de maneira inconsciente [...]” (2001. p. 51),
ou conforme Pierre Bourdieu (1992), se refere “motivos préconscientes da ação.”

117
2. Profissão acadêmica – novos desafios à docência.

A Universidade mudou, quer por motivação própria ou devido às exigências das


transformações em seu tempo. Nessa nova configuração a profissão acadêmica exige
um novo perfil do docente, como um profissional de múltiplas funções ou exercendo
várias profissões no interior da própria Universidade como pontua Silvio Botomé
(1996), ou como assinalam Francesc Pedró e Salvador Sala (2002) ocorrendo a
separação entre as funções de ensino e pesquisa. A redefinição de docentes que se
dedicam exclusivamente para o ensino, por um lado, e para a investigação, por outro
lado, é uma medida que promove a busca da excelência, tendo em conta que professores
também executa uma terceira função relacionada com a gestão do acadêmico.

As investigações voltadas para o conhecimento da profissão acadêmica e,


notadamente, do professor universitário, abrangem ampla variedade de referenciais que
implicam diferentes formas de conceber a profissão. Considero que tais dimensões são
relevantes no sentido de traçar o cenário em que se desenvolve a docência universitária,
bem como os aspectos da sua complexidade, conflitos e contradições, compreendendo-
os como condição indispensável para se refletir sobre o que é ser professor universitário
nos tempos atuais.

Assinalo que o termo docência é nesse estudo compreendido como o trabalho


dos professores, cujo conjunto de funções ultrapassam o exercício de ministrar aulas.
Em termos de atribuição, a docência no ensino superior ou docência universitária, uma
vez que o termo “universitário” é também utilizado para designar o nível em que ocorre
a prática docente, compreende todas as atividades desenvolvidas pelos professores
regidas pelo mundo da profissão docente, que nesta especificidade, tem lugar nas
instituições de ensino superior. A designação profissão acadêmica é, de certa forma,
recente e decorre do processo de modernização do ensino superior e da complexidade
que o exercício profissional docente assumiu. Nesse sentido, termos como: docência
universitária, trabalho docente, trabalho acadêmico, exercício profissional docente,
prática docente/acadêmica, profissão docente/acadêmica, são utilizados para descrever o
conjunto de atividades desempenhadas pelo professor, não com o mesmo significado,
mas sim, no sentido que tomam no contexto de referência.

118
Para Maria Isabel da Cunha (2010) a profissão docente, no âmbito universitário
constituiu-se em meios embebidos pela lógica neoliberal, na qual os projetos individuais
envolvendo pesquisa e as aproximações com empresas impregnaram esses espaços. As
próprias políticas públicas, de acordo com a autora, promoveram grande incentivo a
essas iniciativas, na medida em que valorizavam o docente universitário apenas como
pesquisador e não como professor pesquisador que investe tempo na qualificação da sua
ação docente nessas duas dimensões da sua profissionalidade.

Tal como apontado por Paulo Freire (1992), toda docência implica pesquisa e
toda pesquisa implica docência, não há, conforme assinala o autor, docência “[...]
verdadeira em cujo processo não se encontre a pesquisa como pergunta, como
indagação, como curiosidade, criatividade, assim como não há pesquisa em cujo
andamento necessariamente não se aprenda porque se conhece e não se ensina porque se
aprende” (Freire,1992, p.192). Este é um aspecto de relevante reflexão, uma vez que a
articulação e ou a desarticulação da docência com a pesquisa produz um tipo de
compreensão acerca do papel da universidade na contemporaneidade e, por conseguinte,
a ação do docente universitário acaba por se embasar na valoração ou não dessas
atividades no desenvolvimento da sua intervenção profissional.

Qual é a natureza da docência universitária? Em que se constitui o campo de


atuação desse profissional? Em que medida os professores universitários constituem
uma profissão? Nos últimos anos alguns estudos têm sido eficazes na discussão de
questões vinculadas tanto à profissão acadêmica, aos aspectos profissionais e de
formação, como aos relacionados à personalidade, aos sentimentos pessoais, ao gênero,
às experiências de vida dos docentes, às motivações para o ingresso na profissão.
Retratam as transformações que nos últimos anos afetam a natureza do trabalho docente
no ensino superior, que em seu conjunto formam o que se denomina de profissão
docente ou, utilizando uma termologia com vinculação mais restrita ao contexto do
ensino superior – profissão acadêmica.

Simon Schwartzman (2005) assinala que o conceito de uma “profissão


acadêmica” é, de certa forma, recente no cenário acadêmico, e decorre do surgimento
das modernas universidades de massa, com seus milhares de professores que fazem do

119
trabalho universitário sua identidade mais central. De acordo com o autor há uma
diferenciação em termos de desenvolvimento evidenciada por dois elos cruciais entre as
instituições da sociedade e os governos: “[...] uma profissão docente bem estruturada e
organizada, para a educação básica e uma profissão acadêmica bem constituída para o
ensino superior.” (Schwartzman, 2005, p.26).

A profissão acadêmica conforme assinala Maria Isabel Martins (sd), tem sido
referida como sendo a “profissão chave”, distinguindo-se das demais categorias
profissionais. O termo “profissão chave” (key profession) foi evidenciado por Harold
Perkin (1969) para descrever o lugar dos docentes na sociedade moderna, considerado
pelo historiador como um dos setores mais influentes na formação da opinião ilustrada
da sociedade, tendo um forte impacto também na organização de outros setores da
sociedade. Para a autora, os sistemas de ensino superior passam por mudanças
estruturantes, mudanças estas que alteram as características tradicionais da profissão
acadêmica e que estão relacionadas com: a massificação do ensino superior e
consequentes mudanças nas expectativas dos estudantes; a pressão financeira incluindo
o financiamento ao ensino e a pesquisa; ao aumento de responsabilidade e
implementação de avaliações qualitativas; aos processos de transição e de mudança de
regulamentos estatais; um novo conjunto de prioridades políticas para o ensino superior
e pesquisa; a novos modelos de gerenciamento e de poderes de gestão e aos processos
de internacionalização e globalização.

Rui Santiago e Teresa Carvalho (2011) igualmente utilizam o termo profissão


acadêmica ao divulgarem uma ampla investigação sobre como os docentes portugueses
estão lidando com as novas condições de produção de conhecimento científico ligadas à
emergência da sociedade/economia do conhecimento e à crescente mercantilização e
managerização da educação superior. Conforme assinalam os autores, os docentes no
ensino superior detinham um quase-monopólio da produção e difusão do conhecimento
científico, que além de lhes conferirem legitimação social e simbólica, os propiciava
manter autonomia com base em uma estrita relação que mantinham com a ciência.
Contudo, a partir dos anos 80 essa situação começou a ser questionada, passando a
profissão acadêmica a enfrentar significativos desafios em sua base de legitimação
tradicional.

120
Descrevem Rui Santiago e Teresa Carvalho (2011, p. 405) que entre os desafios,
o mais relevante se refere à “ênfase na pesquisa como um bem que tem um preço em
face das leis da oferta e da procura”, o que pode contribuir para o enfraquecimento da
profissão acadêmica. A investigação dos investigadores portugueses, referenciada em
vários autores, notadamente no âmbito da sociologia do trabalho/profissões, com os
estudos de Eliot Freidson (2001), Christine Musselin (2008) e Steven Brint (1994), e na
história social com Harold Perkin (1969), assinala que esse contexto “tem conduzido ao
desenvolvimento da tese da ‘desprofissionalização’ dos acadêmicos, ou, pelo menos, de
um forte enfraquecimento da sua ideologia profissional.” (Santiago & Carvalho, 2011,
p. 209).

Ao analisarem a profissão acadêmica nos países da União Europeia, Francesc


Pedró e Salvador Sala (2002) assinalam que a separação das funções de docência e
investigação do professorado universitário responde à tendência em direção a uma
diversificação do pessoal acadêmico e à exigência de aumento da qualidade
universitária. Apontam os autores que a redefinição de docentes que se dediquem
exclusivamente ao ensino, por uma parte, e à investigação por outra, “é uma medida que
favorece a busca da excelência, tendo em conta também que os professores realizam
uma terceira função relacionada com a gestão acadêmica” (Pedró & Sala, 2002, p. 66).
No entanto, conforme assinala José Camilo dos Santos Filho (2010), em decorrência
desse aumento da busca por qualidade ocorreu, na profissão acadêmica, uma crise
crescente com a introdução da pesquisa como sua principal função. Para o autor, a
“prioridade da pesquisa na universidade levou os docentes a privilegiarem as atividades
a ela relacionadas, especialmente em decorrência dos critérios adotados para possibilitar
o ingresso, a ascensão e a estabilidade na carreira acadêmica” (Santos Filho, 2010, p.2).

Sendo assim, as transformações da universidade e do trabalho do docente


universitário levaram a uma progressiva incoerência com o desenvolvimento da
pesquisa como critério de valorização da carreira acadêmica. Cabe destacar que o
trabalho docente na Universidade era tradicionalmente circunscrito à docência, por meio
do ensino de graduação e pós-graduação e a realização de atividades de pesquisa.
Entretanto para Antolí Benedito, Virgínia Ferrer e Vicent Ferreres (1995), essa é uma

121
visão reducionista da profissão docente, uma vez que fazem parte de suas atividades na
Universidade:

a) o estudo e a pesquisa; (b) a docência, sua organização e o


aperfeiçoamento de ambas; (c) a comunicação de suas investigações; (d) a
inovação e a comunicação das inovações pedagógicas; (e) a orientação
(tutoria) e a avaliação dos alunos; (f) a participação responsável na seleção
de outros professores; (g) a avaliação da docência e da investigação; (h) a
participação na gestão acadêmica; (i) o estabelecimento de relações com o
mundo do trabalho, da cultura etc.; (j) a promoção de relações e
intercâmbio departamental e interuniversitário, e (k) a contribuição para
criar um clima de colaboração entre os professores. (Benedito et al, 1995,
p. 119).

As características do trabalho universitário docente, apontadas Antolí Benedito,


Virgínia Ferrer e Vicent Ferreres (1995), se agregadas à lógica da avaliação quantitativa
vinculada ao pagamento de gratificações e financiamento de pesquisas conforme a
produtividade, podem ser apresentadas pela tese da intensificação do trabalho docente
universitário ou de uma sobrecarga no âmbito das carreiras acadêmicas que envolvem
os docentes em uma multiplicidade no desempenho de funções e atividades no cotidiano
universitário. (Brandão & Lelis, 2003).

No contexto das transformações que impingem ao ensino superior uma nova


configuração, a profissão acadêmica vem enfrentando significativos desafios, cujos
diversos fatores podem afetar o empenho dos docentes em relação as suas instituições e
carreiras (Altbach, 2009). Esse quadro de desafios é erigido no contexto contemporâneo
de reformulação dos sistemas de ensino superior e do próprio processo de reestruturação
da sociedade, vinculados a reestruturação da economia mundial na perspectiva da
organização de mercados comuns, implementada pelas políticas neoliberais conforme
distingue Boaventura de Sousa Santos (1995;2002). O neoliberalismo pode ser definido
como uma expressão da estratégia política do capitalismo para sair de sua crise e
reconstruir suas margens de lucro. Seu surgimento está atrelado aos marcos da forte
crise do capital da década de 1970 como uma maneira de superá-la através do impulso
ao setor privado.

122
Os discursos neoliberais, que se desenvolvem a partir de governos
neoconservadores, trazem severas implicações para o ensino superior e para a educação
de modo geral, como assinalam Pablo Gentili e Tomas Tadeu da Silva (1994), bem
como também são integrantes do ambiente de globalização e imposição de mercado que
demandam reformas políticas, estruturais e curriculares no interior da Universidade
trazendo transformações para a profissão acadêmica em termos de controle e
intensificação do trabalho acadêmico realizado.

As funções acadêmicas foram se tornando de maior complexidade com o


surgimento de novas condições de trabalho na Universidade. Nesse processo de
ampliação e complexificação, o professor universitário precisa ser um profissional
múltiplo, chegando a desenvolver ao mesmo tempo várias profissões (Botomé, 1996). A
exemplo disso, para além de ser um especialista no seu campo de trabalho, o docente
universitário deve ser competente como pesquisador em uma área do conhecimento. Em
relação ao ensino, precisa ser capaz de ensinar e formar profissionais, bem como deve
estar apto para ser um administrador, uma vez que pode deparar-se com a obrigação
acadêmica de coordenar grupos de trabalho e órgãos da estrutura administrativa
universitária, bem como de gerenciar projetos de pesquisa e de ensino. Destaca Silvio
Botomé (1996), que o professor universitário também deve ser um escritor razoável.

Em meio à multiplicidade de funções ou profissões é possível que a docência, a


atividade de ensinar propriamente dita, se transforme em uma atividade marginal na
profissão acadêmica ou como pontua Nicolau Sevcenko (2000, citado por Mancebo,
2007, p.77).

O professor ideal agora é um híbrido de cientista e corretor de valores.


Grande parte do seu tempo deve ser dedicado a preencher relatórios,
alimentar estatísticas, levantar verbas e promover visibilidade para si e seu
departamento. O campus vai se reconfigurando num gigantesco pregão. O
gerenciamento de meio acabou se tornando fim na universidade. A ideia é
que todos se empenhem, no limite de suas forças [. . .].

A intensificação do trabalho docente na universidade impõe uma nova lógica às


rotinas acadêmicas, conferindo uma dinâmica diferenciada ao cotidiano universitário.
Desse modo, as atividades docentes se veem duplamente atingidas pela organização
produtiva emergente. Segundo Deise Mancebo (2007), o docente na nova organização

123
de trabalho na Universidade é ao mesmo tempo trabalhador e mercadoria. Trabalhador
por estar vinculado a um sistema similar ao produtivo-industrial, em que sua eficiência e
produtividade são objetivadas em índices e, mercadoria, uma vez que é produtor de
força de trabalho competente, desenvolvendo tecnologia e conhecimento científico,
fundamentais na dinâmica do novo funcionamento socioprodutivo. Contudo, toda esta
conjuntura de reestruturação socioprodutiva pode apresentar variações conforme o país
em questão.

As consequências desse processo de transformação do trabalho acadêmico são


múltiplas. Contudo, é possível enfatizar que a precarização do trabalho, a flexibilização
das tarefas e uma nova relação que se estabelece com o tempo de trabalho são aspectos
que, relacionados entre si, encontram-se presentes na contemporânea organização do
trabalho acadêmico na Universidade. Notadamente a precarização está presente tanto no
setor privado de oferta do ensino superior, como nas grandes Universidades públicas
onde proliferam as contratações temporárias de professores, principalmente para
ministrarem aulas nos cursos de graduação. Este é um dos aspectos da precarização que
“aumenta o sofrimento subjetivo, neutraliza a mobilização coletiva e aprofunda o
individualismo, atingindo, obviamente, não somente os trabalhadores precários, mas
carreando grandes consequências para a vivência e a conduta de todos aqueles que
trabalham nas instituições de ensino superior.” (Mancebo, 2007, p.77).

A flexibilização implica em diminuição ou desaparecimento de algumas das


atribuições docentes, principalmente com a informatização de alguns serviços. No
entanto, surge o aparecimento de novas atribuições, algumas delas advinda do
enxugamento do quadro de funcionários de apoio, o que tem conduzido os docentes a
um crescente número de tarefas para o funcionamento da Universidade. Relativamente a
uma nova relação que se estabelece com o tempo de trabalho na profissão acadêmica,
Deise Mancebo (2007), descreve que esta pode ser verificada por uma aceleração da
produção docente e do prolongamento de tempo que o docente despende com o trabalho
na academia. Nesse sentido, o trabalho docente é atravessado por exigências diversas e
por “mudança na jornada de trabalho de ordem intensiva (aceleração na produção num
mesmo intervalo de tempo) e extensiva (maior tempo dedicado ao trabalho),
particularmente facilitada pela introdução das novas tecnologias” (Mancebo, 2007,

124
p.77). De modo geral, o trabalho acadêmico e, até o administrativo, acompanha o
docente para além dos muros da universidade, nos momentos institucionalmente
destinados ao descanso e lazer.

A propagação e alicerçamento da ideia de que os docentes devem ser muito mais


produtivos é uma realidade. No entanto o termo “produtivo” corresponde a quantidades
de produtos acadêmicos e não a fecundidade intelectual que deve acompanhar a vida
acadêmica, uma vez que para ser considerado bem-sucedido o docente deve ministrar
aulas (graduação e pós-graduação), orientar, publicar, desenvolver tecnologias, registrar
patentes, ter projetos aprovados por agências de financiamentos etc. O exemplo desse
direcionamento de mercado é evidenciado nos editais dos órgãos de fomentos à
produção científica que ditam o padrão para a produção científica, em que a qualidade
da produção acadêmica passa então a ser mensurada pela quantidade da própria
produção e por valores monetários que o docente consegue agregar ao seu salário e à
própria instituição, o que de acordo com Deise Mancebo (2004, p.246) acarreta “[...] a
superficialidade das comunicações virtuais e dos produtos acadêmicos, muitas vezes
repetidos diante das exigências de rápida produção.”

As exigências que contemporaneamente são colocadas aos docentes em


consequência das novas titulações, assim como o fato de que a profissão docente se
exercita em um contexto espaço-temporal determinado, com pessoas determinadas, que
exigem uma adaptação particular àquelas condições e características no sentido das
quais é necessário preparar o docente, constitui-se em razões cabíveis para considerar
que “a docência universitária é importante e a formação de seus profissionais já não
admite demora.” (Benedito et al, 1995, pp.186-187).

No sentido proposto por Philip Altbach et al (2009), uma revolução acadêmica


está em curso desde a última metade de século passado. Revolução essa marcada por
alterações nunca anteriormente vista no campo da profissão acadêmica, tanto em
finalidade como em diversidade. Para os autores, a modificação é algo inevitável e é
inerente à passagem do tempo, contudo, na modernidade, o ritmo do movimento parece
estar acelerando e acarretando desafios em maior complexidade.

125
3. O conhecimento pedagógico-didático na formação do professor universitário.

A docência universitária em sua especificidade e complexidade requer o


movimento de um conjunto de saberes ao se exercido, o que provoca a necessidade de
se refletir sobre as questões pedagógicas no interior da Universidade. Ainda que aqui eu
não me aprofunde em discutir essas questões, cabe, contudo pontuá-las mesmo que
brevemente e, para tanto, algumas indagações são postas: qual o processo de aprender a
ser professor universitário? Como se constrói o conhecimento pedagógico-didático na
docência universitária?

Tais proposições me conduzem inicialmente a apontar uma certa rejeição que o


termo pedagogia universitária suscita no interior da Universidade. Rejeição essa que de
um lado parece esta ainda vinculada ao próprio termo pedagogia – do grego paidagôgia
(séc XV) e do latim paedagogia (séc.XIV) – associado ao conceito de conduzir crianças
à escola, uma função considerada “menor” se comparada ao da formação superior,
como designa o próprio nome, ou por outro, a reboque da lógica prescritiva na qual para
ser bom professor universitário basta ter como alicerce o domínio dos conteúdos da
especialidade. Existe uma lacuna na percepção dos docentes e das instituições
universitárias, sobre a importância e necessidade da formação específica para exercer da
docência no ensino superior e, de que a sua ausência contribui para a desvalorização da
profissão acadêmica. Contudo, para além das hipóteses da falta de percepção e de
rejeição, há volumosas formas de situar em que se constitui a pedagogia universitária,
campo epistêmico que vem se ampliando com estudos e discussões sobre a formação
dos professores universitários.

Epistemologicamente, José Carlos Souza Araújo (2008) situa a Pedagogia


Universitária na fronteira de diversas áreas, particularmente à área da Educação, que
incorpora a Filosofia, a Sociologia, a Política, a História, a Economia entre outras, bem
como na perspectiva que múltiplos saberes, que são desde o filosófico-educacional aos
científico-educacionais, “mas também aos saberes técnicos expressos pela constituição
da própria pedagogia e da didática” (Souza Araújo, 2008, p.34). No campo de uma
concepção transformadora a tendência é situá-la mais além, envolvendo o docente como
intelectual e protagonista do ato pedagógico e formativo, de forma que a prática

126
pedagógica não se reduza às questões didáticas ou metodológicas de ensinar, devendo
ser compreendida como uma prática social considerada no âmbito dos sentidos e
significados que lhe são atribuídos em tempos e espaços diferentes, complexos e
culturalmente situados.

Em uma caracterização dilatada, mas não simplista, uma vez que trás contido em
cada aspecto o desdobramento e complexidade dos elementos destacados, a formação
do professor universitário constitue o ato de dotá-lo de referencial didático, pedagógico
e profissional para o exercício da docência. Para Sylvia Helena Batista (2002) significa
o “reconhecimento das trajetórias próprias dos homens e mulheres, bem como exige a
contextualização histórica dessas trajetórias, assumindo a provisoriedade de Teses de
formação de determinada sociedade” (Batista, 2002, p.136). Nessa perspectiva, a
formação docente adquire a propriedade do inacabamento, do percurso processual
vinculado à história de vida de cada sujeito/professor, que segundo Paulo Freire (1998,
p.25) “[...] desde o começo do processo, vai ficando cada vez mais claro que, embora
diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-
se e forma ao ser formado”.

No sentido proposto por Paulo Freire (1998) a formação do sujeito envolve um


conjunto de relações, trocas, experiências, aprendizagens, interações sociais, bem como
o modo particular como cada pessoa age, reage e interage em seus contextos levando-se
em conta a singularidade da sua história. Desse modo, a formação, fruto da reflexão
sobre a prática e de reconstrução da identidade pessoal, demanda investimento nas
pessoas e nos saberes procedentes da experiência. Logo, no “processo de formação pode
assim considerar-se a dinâmica em que se vai construindo a identidade de uma pessoa.
Processo em que cada pessoa, permanecendo ela própria e reconhecendo-se a mesma ao
longo da sua história, se forma, se transforma, em interação” (Moita, 1992, p.115). Cabe
assim, pressupor que na formação didático-pedagógica docente se propicie o convívio
acadêmico e troca de experiências entre os professores em um movimento reflexivo
que, conforme ressalta António Nóvoa (2007, p.8) “só fazem sentido se forem
construídas dentro da profissão, se forem apropriadas a partir de uma reflexão dos
próprios professores sobre o seu próprio trabalho”.

127
A ideia de formação, entretanto, pode ser interpretada de maneira extremamente
equivocada, do ponto de vista pedagógico, através de duas definições: formar como
modelar – buscar dar forma aos indivíduos. “Eles são formados na medida em que são
modelados, isto é, são transformados no tipo de produto que se toma como modelo”
(Zabalza, 2004, p. 40). Neste caso, o que marca a identidade é sempre um fator externo.
Formar como conformar – a intenção é “fazer com que o indivíduo aceite e conforme-se
com o planejamento de vida e de atividades para o qual foi formado”. É o sentimento de
renúncia a si mesmo. A alusão à formação é reiterada nos procedimento vinculados à
formação profissional. De acordo com Miguel Zabalza (2004) o valor da formação
deriva de sua necessária vinculação ao crescimento e ao aperfeiçoamento das pessoas,
que segundo o autor deve ser entendido em um sentido global de crescer como pessoas.
A formação, assim como os demais processos de intervenção pedagógica, fazem parte
do que Foucault (1985) denominava “tecnologias do Eu”, ou seja, os processos
liberados que visam influenciar, direta ou indiretamente, as pessoas no que tange ao
processo de construir a si mesmas.

Jorge Larrosa (2002) aponta que a prática docente não se relaciona com o que o
professor sabe, com sua competência profissional, mas com o que o ele é, com o valor e
o sentido que confere à sua prática, com sua autoconsciência profissional. Para o autor,
o sujeito da experiência é um sujeito “ex-posto” e o que importa, do ponto de vista da
experiência, não é nem a posição ou oposição, mas sim o que se “ex-põe”. Conclui
enfatizando que é “incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem nada
lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, não o afeta,
a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre.” (Larrosa, 2002, p. 24-25).

Essa compreensão propicia inferir que o exercício da docência é, em boa parte,


determinado por aquilo que o professor é enquanto pessoa, pela forma como pensa, age,
seu valor, sua vivência, sua personalidade. No desempenho do trabalho acadêmico o
professor lida com relações interpessoais que são sempre únicas, inter-relacionadas com
os aspectos afetivos, valorativos e psicológicos. Interferem nessas relações, elementos
que perpassam a existência de cada um dos indivíduos que participam do grupo:
elementos culturais, familiares, religiosos, situação econômica, experiências vividas,

128
diferentes formas de ser e estar no mundo e interesses diversos formando assim, uma
imbricada rede de interações.

Nesse contexto, o ensino é aqui compreendido como uma prática social


concreta, dinâmica, multidimensional, interativa, sempre inédita e imprevisível, bem
como um processo que sofre influências de aspectos econômicos, psicológicos,
técnicos, culturais, éticos, políticos, institucionais, afetivos, estéticos. Assim,
compreender o ensino como prática social, vivenciada a partir de interações pessoais,
significa reconhecer que sua abordagem não se limita a um conhecimento preciso,
objetivo e instrumental e que a profissão docente na Universidade não possa contar com
um referencial teórico para fundamentar sua prática pedagógica. Para indicar o processo
de ensino como uma prática social complexa, efetivada entre professor e aluno, em uma
situação de ensino da qual decorra necessariamente a aprendizagem, Léa Anastasiou
(1998) utiliza a expressão “ensinagem” que na percepção da autora permite a superação
da falsa dicotomia entre ensinar e aprender, uma vez que envolve superar a simples
transmissão do conteúdo por parte do professor e propiciar a compreensão e apreensão
da parte do aluno.

Nesse caminho, Gimeno Sacristán (1995) aponta que “a capacidade operativa


do conhecimento e da investigação pedagógica na prática depende da possibilidade de o
conhecimento ampliar a consciência dos problemas educativos e dos modelos
alternativos.” (Sacristán, 1995, p.87). A fundamentação teórica didático-pedagógica, em
estreita interação com a prática a partir de uma reflexão sistemática sobre ela,
oferecerão subsídios para ampliar as possibilidades de ação refletida do professor no
ensino superior. A relação teoria e prática fertiliza, enriquece e oferece elementos de
superação à ação docente. Assim, espera-se do professor que ele seja capaz de dominar
o conhecimento pedagógico teórico e prático, bem como desenvolva a habilidade de
utilizar recursos metodológicos para a socialização desses conhecimentos. Selma
Garrido Pimenta (2005, p.26) afirma “que o saber docente não é formado apenas da
prática, sendo também nutrido pelas teorias da educação”. Dessa forma, o conhecimento
didático-pedagógico tem importância fundamental na formação do docente
universitário, uma vez que dota os sujeitos de variados pontos de vista para uma ação

129
contextualizada, oferecendo perspectivas de análise para que o professor compreenda os
diversos contextos vivenciados por ele.

O permanecer em estado de formação sugere uma intencionalidade pessoal, um


querer fazer livre e criativo sobre o percurso e projetos próprios com o objetivo de
construir uma identidade e, por conseguinte, emerge uma perspectiva de processo, de
percurso de formação que, segundo Silvia Isaía (2003a) é construído na inter-relação
das dimensões pessoal e profissional, em que a pessoa do professor se reconhece ao
longo do percurso, formando-se e transformando-se em interação com grupos com os
quais interage, fundamentado em um esforço constante de reflexidade crítica sobre a
prática e de construção de uma identidade pessoal que excede a dimensão da
acumulação de conhecimentos, envolvendo a valorização da experiência construída ao
longo da vida.

A atenção ao professor universitário, no contexto de seu percurso como pessoa e


profissional proposto por Silvia Isaía (2001), assinala para a necessidade de olhar o
professor como um ser unitário a partir do pressuposto de que “o mesmo é uma pessoa
que se constrói nas relações que estabelece com os outros que lhe são significativos,
com a história social que o permeia e com sua própria história” (Isaia, 2001 p. 35).
Destaca ainda, que as transformações ocorridas ao longo do tempo, contribuem para o
conhecimento de ser professor, sua condição de sujeito e ator do processo educativo
superior. Os estudos da autora centram-se na vida adulta, justificando por ser esta a
etapa da vida em que os professores universitários se encontram. Para a autora, que se
apoia teoricamente em Riegel (1979), Erikson (1981;1985) e Levinson (1982;1986),
nessa etapa, as transformações continuam acontecer e, portanto, transformando os
adultos e o mundo, influenciando-se mutuamente. Descreve a necessidade de que os
estudos sobre a docência universitária estejam voltados para a compreensão da dinâmica
dos acontecimentos que contribuem para contextualizar a trajetória de
constituição/construção desse professor, tendo por horizonte a inerente relação percurso
pessoal/profissional. “O professor e a pessoa do professor não podem estar dissociados
sob pena de fragmentar-se a compreensão que dele se possa ter.” (Isaía, 2001, p. 59).

130
A reflexidade sistemática sobre a prática é um dos conceitos utilizado pelos
investigadores quando se referem à necessidade de formação do professor. Cabe
destacar que conceito de pensamento reflexivo já era utilizado por Jonh Dewey, quando
se referia que o essencial é a reflexão sobre as práticas. Dewey (1959) aponta três
atitudes necessárias para ação reflexiva dos professores, a fim de que se tornem
responsáveis por sua aprendizagem: a abertura de espírito, a responsabilidade e a
sinceridade. Kenneth Zeichner baseado na obra de Dewey, define a ação reflexiva como
sendo um ato que implica consideração ativa, persistente e cuidadosa daquilo em que se
acredita ou que se pratica, à luz dos motivos que as justificam e das consequências que a
conduz. (Zeichner, 1993, p.18).

Assim, volta à cena nos final dos anos 80 e na década de 90 com os escritos de
Donald Schön (1995) e Kenneth Zeichner (1995) o que se denominou de professor
reflexivo em oposição à racionalidade técnica que, herdada do positivismo, considera a
prática profissional como essencialmente instrumental e dirigida para a solução de
problemas mediante a aplicação rigorosa de teorias e técnicas científicas. Para Perez
Gómez (1992) a reflexão na ação é um processo de grande riqueza na formação do
profissional do professor e pode, segundo o autor “considerar-se o primeiro espaço de
confrontação empírica com a realidade problemática, a partir de um conjunto de
esquemas teóricos e de convicções implícitas do profissional.” (Gómez, 1992, p.104).
Quando o profissional se revela flexível e aberto ao cenário complexo de interações da
prática, a reflexão-na-ação é o melhor instrumento de aprendizagem.

A reflexão dever ter um lugar privilegiado na construção do conhecimento


profissional dos docentes universitários, pelo reconhecimento da prática como fonte de
um conhecimento específico. Marlene Grillo (2001 p.137) destaca que o
“reconhecimento da prática como fonte de um conhecimento específico só pode ser
construído em contato com esta mesma prática.” O professor ao teorizar um
conhecimento prático profissional, no exercício da própria atividade é capaz de
descrevê-las e explicá-las e esse processo proporciona um momento de reorganizar o
pensamento, questionar antigos posicionamentos, rever conceitos.“É preciso que a
reflexão seja ponto de partida para novos questionamentos, experimentações e

131
intervenções pedagógicas que definem o professor como um investigador.” (Grillo,
2001, p. 147).

O professor universitário que busca construir indicadores de base epistemológica


sobre a sua formação profissional, necessita aprender a refletir sobre os princípios que
estruturam a vida e prática da docência, ou seja, saber o quê faz e por que faz e não
apenas repassar fórmulas, métodos e conteúdos enrijecidos e inalterados e que negam a
necessidade do pensamento crítico. Para Henry Giroux (1997) a carreira docente está
enfraquecida em todos os níveis e isso é a principal causa da crise na educação. Assim,
uma das maiores ameaças aos professores universitários é o desenvolvimento crescente
de “[...] ideologias instrumentais que enfatizam uma abordagem tecnocrática para a
preparação dos professores e também para a pedagogia de sala de aula.” (Giroux, 1997
p.158).

De modo geral, as investigações a propósito da docência no ensino superior


buscam subsidiar a compreensão da prática pedagógica do professor universitário e da
necessidade de especializar a sua formação. Espera-se que o professor universitário seja
um especialista na sua área com conhecimento legitimado academicamente no seu
campo científico. Entretanto, conforme afirma Selma G. Pimenta, o professor “precisa
se indagar sobre o significado que esses conhecimentos têm para si próprio, o
significado desses conhecimentos na sociedade contemporânea, a diferença entre
conhecimentos e informações, conhecimento e poder (...). Isso requer preparação
científica, técnica e social.” (Pimenta, 2002, p. 80-81).

No entanto, Miguel Zabalza (2004) adverte que é intricado construir uma


identidade profissional vinculada à docência, uma vez que sua identidade profissional
assenta-se primeiramente no conhecimento sobre a especialidade que domina e não no
conhecimento sobre o exercício da docência. Para o autor, esse aspecto é de certa forma
natural, porque o preparo para exercer a docência no ensino superior esteve sempre a
cargo da valoração do domínio científico e/ou para o exercício das atividades
profissionais vinculadas a ele.

132
Este quadro é possível de ser alterado se o professor, necessariamente, se
predispor a instruir-se, sendo acessível a um processo de desconstrução/construção de
saberes para seguir as transformações da sociedade. Segundo Ernani Lampert (1999),
grande parcela dos profissionais que se dedicam à carreira docente universitária tiveram
formação acadêmica conservadora, com referências da escola tradicional, que de modo
decisivo, influenciam negativamente na sua prática docente. O professor, cuja formação
foi regulada pelo autoritarismo, pela inibição da criatividade, pela omissão da crítica e
pela aquisição de conteúdos sem questionar sobre a ideologia subjacente, sofre com a
presente necessidade de ruptura. Para aceitar o desafio de mudar, é preciso abandonar as
convicções anteriores a fim de começar de novo (Lampert, 1999).

A necessidade de inovação e de diálogo na incerteza na docência universitária é


descrita por Délcia Enricone (2001), que tece considerações focalizando a perspectiva
emancipatória na ação docente. Para a pesquisadora no “desenvolvimento de inovações
sobre o ensino é imperioso que exista uma reflexão crítica sobre o valor educativo e sua
qualidade” (Enricone, 2001, p. 41). Assinala em seus estudos, algumas características
para definir um professor inovador, tais como: abertura às contradições; permanente
reflexão sobre a atividade pedagógica individual e coletiva; atualização teórica;
transformação da informação em conhecimento; ressignificação da própria
aprendizagem.

A dificuldade de se chegar à figura e ao trabalho do professor universitário é


uma preocupação levantada por Miguel Zabalza (2004). Para Zabalza são diversas as
dimensões e os componentes que definem a ação docente na universidade e se
apresentam de forma inter-relacionados. Para analisar a figura do professor
universitário, o pesquisador elenca três dimensões que ressalta não serem excludentes;
são elas a profissional, pessoal e a administrativa. A dimensão profissional está atrelada
a componentes básicos que definem a profissão, quais sejam: exigências, identidade
profissional, dilemas do exercício profissional. Na dimensão pessoal destaca o tipo de
envolvimento, ciclos de vida, problemas de ordem pessoal, fontes de satisfação e
insatisfação. Por último, a dimensão administrativa que pode ser configurada por
sistemas de seleção e promoção, incentivos, obrigações vinculadas ao exercício
profissional.

133
Um dos fatores primordiais da qualidade na Universidade está relacionado,
segundo Miguel Zabalza, com a formação dos professores universitários, no sentido da
qualificação científica e pedagógica. Sendo que este fator estabelece interdependências
com a concepção de profissionalismo que, para o pesquisador está vinculada em
considerar a “docência universitária como uma atividade profissional complexa que
requer uma formação específica” (Zabalza, 2004, p.145), com as novas proposições de
formação continuada no desenvolvimento pessoal e profissional e com a pressão
permanente por qualidade dos serviços prestados pelas universidades. De acordo com as
investigações do autor, no novo cenário institucional e profissional algumas questões
devem ser enfrentadas quanto à formação do professor universitário, questões estas que
levarão a um grande leque de dilemas formativos, que no sentido utilizado por ele como
“instrumento para abordar situações, às vezes complexas, às vezes, dicotômicas [...]”
(Zabalza, 2004, p.117). As questões abrangem o sentido e relevância da formação; o
conteúdo da formação; os destinatários; os agentes, no sentido de quem deve ministrá-la
e a organização da formação, com modelos e metodologias.

Miguel Zabalza (2004) lista três dilemas ou contradições referentes ao sentido e


relevância da formação: o dilema entre uma formação para o desenvolvimento pessoal
ou uma formação para a resolução das necessidades da instituição; o dilema entre a
obrigatoriedade e a voluntariedade da formação e o dilema entre a motivação intrínseca
e a motivação pelo reconhecimento (os efeitos da formação na carreira docente).

Sob o conteúdo da formação está o dilema entre formação generalista e


formação específica vinculada à própria área de conhecimento; o dilema entre formação
para a docência e formação para a pesquisa; o dilema entre uma formação para o ensino
ou para a aprendizagem; e o dilema sobre a formação para tarefas de gestão, de relações
externas.

Ao abordar a quem se destina a formação, apresenta o dilema entre a formação


específica aos professores novatos ou uma formação para o conjunto de professores de
uma universidade, ressaltando que dada a atual situação é pouco viável a criação de
programas de formação destinados a todo; o dilema da formação de professores

134
substitutos, sem vinculação; o dilema das diferentes culturas existentes entre os
professores e o pessoal administrativo e gerencial.

Na questão de quem deve ministrar a formação aponta: o dilema da


responsabilidade da formação concluindo que as universidades precisam criar uma
instância capaz de estimular e coordenar as iniciativas de formação; o dilema sobre as
competências dos formadores; o dilema que a formação ocorre com pessoal próprio da
universidade ou alheio a essa e o dilema da profissionalização dos formadores.

Por último, descreve os dilemas pertinentes à organização da formação,


evidenciada nos modelos e metodologias mais eficazes: dilema entre formação
fundamentada nos sujeitos ou em grupos ou unidades funcionais; dilema entre
iniciativas de formação em curto prazo e a médio e longo prazo; dilemas das diversas
modalidades de formação e suas contribuições e dilema da vantagem dos modelos
democráticos e participativos sobre os modelos centralizadores nos processos de
formação dos professores universitários.

Os dilemas expressos pelo professor e pesquisador espanhol oferecem


visibilidade aos desafios na formação de professores universitários que, segundo sua
análise, precisam ser enfrentados nos próximos anos. A “moral da história”, como ele
mesmo se refere, “é ter uma orientação distinta para sua função, é transformá-los em
profissionais da ‘aprendizagem’, em vez de especialistas que conhecem bem um tema e
sabem explicá-lo.” (Zabalza, 2004, p.169). Como conclusão as suas reflexões sobre a
formação dos professores universitários destaca cinco linhas básicas de
desenvolvimento de programas de formação, sendo elas: a passagem de uma docência
baseada no ensino para a docência fundada na aprendizagem; a incorporação das novas
tecnologias; o estágio prático; flexibilização do currículo universitário e a busca da
qualidade através da revisão das práticas docentes.

Seguramente, a formação dos professores universitários em programas e projetos


de formação, não se exaure na adoção medidas esparsas e descoladas do contexto
institucional. Deve ser um esforço coletivo e compromissado dos protagonistas do
cenário universitário, em sintonia com as instituições, num diálogo que desvele
contradições e que busque pontos de confluência. Nesse prisma, a análise dos dilemas

135
sobre a formação do professor universitário configura-se em uma contribuição sobre os
dualismos, as dicotomias que habitam o campo da docência e dos processos formativos.
Conforme assinala Pierre Dominicé (1988, p. 60) “A formação assemelha-se a um
processo de socialização (…) onde o indivíduo se constrói e reconstrói a partir de um
processo de socialização permanente que decorre paralelamente ao processo de
formação e que se prolonga durante toda a vida do indivíduo.”

As questões sobre a formação pedagógica do docente universitário e sua relação


com o desenvolvimento de práticas de ensino que sejam inovadoras na educação
superior, é o foco de discussões da professora Elisa Lucarelli (2004), investigadora
Argentina que desenvolve investigações na Universidade de Buenos Aires sobre a
formação e prática docente. Descreve a autora que a análise dos processos que ocorrem
no interior das aulas universitárias revela um micro espaço de articulação entre o
subjetivo e o social como lugar privilegiado de onde se manifestam as tendências das
instituições quanto as suas possibilidades de mudança, sendo que o ensino revela tal
dinamismo institucional e as tensões que se geram em torno do poder.

Nesse sentido, o professor universitário é componente principal na edificação de


um espaço de qualidade de ensino no nível superior. Entretanto, apesar do docente ser
reconhecido por seu elevado grau de preparo específico em seu campo disciplinar, essa
formação não está amparada por conhecimentos voltados sobre a prática de ensino
(Lucarelli, 2004). Uma inovação em relação à prática de ensino, segundo a
pesquisadora, pressupõe um rompimento com um modo didático imposto por uma
epistemologia de caráter positivista, que explica como aquele discurso sobre o
conhecimento fechado, acabado, que torna o acadêmico um ser inerte destinado a
simplesmente receber o conteúdo transmitido.

O ensino na Universidade é descrito por Selma G. Pimenta et al (2003) como um


serviço de educação que se efetiva pela docência e investigação. Entre suas funções
estão a criação, desenvolvimento, transmissão e crítica da ciência, da técnica e da
cultura; preparação para o exercício das atividades profissionais que exija a aplicação de
conhecimentos e métodos científicos e para a criação artística; apoio científico e
técnico no desenvolvimento cultural, social e econômico da sociedade. Estas

136
características do ensinar na Universidade exigem uma ação docente diferenciada da
tradicionalmente praticada, envolvendo uma revisão da prática pedagógica docente e
uma mudança de paradigma. Em outras palavras, constitui-se na efetivação de uma
docência baseada no ensino para a docência baseada na aprendizagem. Todavia, como
destacam Selma Pimenta e Lea Anastasiou (2003), é preciso estar atento a certos
reducionismos que se fazem presentes na relação entre pedagogia e a docência
universitária. O primeiro, diz respeito à preparação do docente universitário a uma
disciplina pedagógica, considerando-se a pedagogia como um corpo de conhecimentos
técnicos e instrumentais capazes de apresentar receitas às situações de ensino. O
segundo é o de considerar o campo da pedagogia reduzido a tema da aprendizagem de
crianças e adolescentes, como apontado anteriormente. Outro ainda é o que reduz a
docência ao espaço acadêmico e, por último, o que considera a pedagogia com um
campo disciplinar em competição e conflito com os demais campos disciplinares.

O complexo panorama da formação didático-pedagógica do professor


universitário demanda um novo posicionamento das funções sociais da educação
superior, dos determinantes regulatórios das políticas públicas para o ensino superior, da
profissão acadêmica. Exige investimento na história pessoal e na trajetória constitutiva
de inserção na docência universitária o que implica, tomando de empréstimo as palavras
de António Nóvoa (2009), ter também o professor no centro das preocupações
educativas.

O campo de estudo do professor António Nóvoa (2004) não trata,


especificamente, na docência no ensino superior. Contudo, seu modo de dizer a
educação e a formação dos professores é alargado, fruto de seus estudos individuais e
coletivos, do conhecimento e de sua experiência profissional como professor e gestor, o
que me permite efetuar uma espécie de “arrastamento”, como assinalei anteriormente,
de suas proposições para o contexto do ensino superior e do professor universitário, o
que, de certa maneira, também ocorreu, com alguns dos autores referenciados não
somente neste capítulo, como em outros. Assim, trago a seguir recente contributos
descritos por Nóvoa (2004) para, utilizando suas próprias palavras, provocar um debate,
abrindo novos horizontes para a educação.

137
O momento atual, nas palavras de António Nóvoa é o das sociedades do
espetáculo, da competição, do consumo e do conhecimento que, de maneira
interligadas, reconfiguram contemporaneamente as práticas no campo educativo
(Nóvoa, 2004), o que demanda um novo perfil de professor, com uma imagem
atualizada e qualificada. Cada uma dessas dimensões das sociedades traz consequências
ao trabalho docente e solicita de cada um de nós um novo posicionamento, uma outra
forma de se relacionar, exigindo novas “disposições” na prática de formação do
professor, que de maneira inevitável, devem ocorrer no local das práticas. Argumenta
António Nóvoa que:

Ao sugerir um novo conceito, disposição, pretendo romper com o círculo


vicioso de um debate sobre as competências que me parece saturado.
Adopto um conceito mais “liquído” e menos “sólido”, construído a partir
dos trabalhos sobre a modernidade líquida (Zygmunt Bauman), que
pretende olhar preferencialmente para a ligação entre as dimensões pessoais
e profissionais na produção identitária dos professores.

Não se nega a necessidade de compreender o “repertório de competências”


a mobilizar no trabalho docente, mas coloca-se a tónica numa (pre)
disposição que não é natural, mas construída, na definição pública de uma
posição com forte sentido cultural, numa profissionalidade que não pode
deixar de se construir no interior de uma pessoalidade do professor.
(Nóvoa, 2004, p. 2).

No livro intitulado “Professores – Imagem do futuro presente”, publicado em


Lisboa em 2009, António Nóvoa, no capítulo 2, escreve que há um excesso de discurso
sobre a educação e o campo da formação docente em que textos, dissertações, teses e
artigos repetem os mesmos conceitos, as mesmas ideias, as mesmas propostas, que é
difícil não ficar contaminado por esse “discurso gasoso” (2009, p.27). Inclui, nesse
capítulo, as cinco disposições essenciais à definição dos professores nos dias de hoje,
são elas: o conhecimento, uma vez que é esse o objeto do trabalho docente; a cultura
profissional, ressaltando que o registro das práticas a reflexão sobre o trabalho e o
exercício da avaliação são elementos centrais para o aperfeiçoamento e avaliação; o tato
pedagógico, destacado pelo inevitável cruzamento das dimensões profissionais e
pessoais e nesse sentido a compreensão de que o processo de ensinar não está ao
alcance de todos; o trabalho em equipe, num reforço das dimensões coletivas e
colaborativas em torno de “comunidades de prática” e como quinta disposição o

138
compromisso social, descrito como a necessidade de ir além, no sentido dos princípios,
dos valores, da inclusão social, da diversidade cultural.

A partir dessas considerações o professor Nóvoa (2009) elabora algumas


propostas de renovação dos programas das práticas de formação docente. A primeira
proposta evidencia que a formação do professor deve assumir um forte componente da
práxis, na qual as práticas são investidas de pontos de vistas teóricos e metodológicos,
produzindo assim, a construção de um conhecimento profissional docente. A segunda,
diz respeito a devolver a formação aos próprios professores, aspecto que há muito
tempo tem sido destaque nos textos de Nóvoa nos últimos anos, quer seja, de maior
presença da profissão na formação, “com referância na lógica do acompanhamento, de
formação em situação, da análise da prática e da integração na cultura profissional
docente.” (Nóvoa, 2009, p.38). Reforçar a pessoa-professor e o professor-pessoa é a
terceira proposta, em que a formação do professor deve dedicar uma atenção especial às
dimensões pessoais da profissão docente. A quarta proposta é sobre a partilha, em que a
formação deve valorizar o trabalho em equipe e o exercício coletivo da profissão,
assumindo uma ética profissional que se constrói no diálogo com o outro profissional.

O princípio da responsabilidade social e da participação profissional no espaço


público da educação é a quinta proposta. Nela António Nóvoa assinala para a ausência
da voz dos professores nos debates públicos e aponta para a necessidade de
comunicação dos professores e de um reforço de sua presença pública, pois “a
sobrevivência da profissão depende da qualidade do trabalho interno nas escolas, mas
também da sua capacidade de intervenção no espaço publico da educação.” (Nóvoa,
2009, p.44).

Nesse sentido, permito-me trazer para o campo da docência universitária e, de


modo especial, para a formação didático-pedagógica as proposições assinaladas por
Nóvoa e, com base nela, a compreensão da formação do professor universitário
construir-se no âmbito relacional, em permanente movimento de des-construção e
construção, de comprometimento político, de desenvolvimento como pessoa, com
valores éticos e morais, centrada na ideia maior de educação e ensino, sendo
fundamental, neste processo, a reflexão crítica que permite avançar num seguimento de

139
transformação da prática pedagógica universitária, mediante sua própria transformação,
buscando maior competência no fazer pedagógico e coerência entre o eu pessoal e o eu
profissional.

3.1. O caminho da formação docente universitária no Brasil.

A estrutura do Ensino Superior brasileiro é complexa. São diferentes instituições,


com distintos modos de organização acadêmico-administrativa, de objetivos e
compromissos para com a oferta do ensino superior, que envolvem diversas
possibilidades de atuação na profissão acadêmica e de desenvolvimento profissional
docente. Esse processo é acentuado nos últimos anos por uma rápida expansão e
diversificação do ensino superior brasileiro e por um aumento significativo do
contingente de profissionais de áreas diversas que ingressaram no magistério a esse
nível. O cenário é de fato de alargamento quantitativo das funções docentes,
notadamente no ensino superior privado, como apontei no capítulo anterior.

No âmbito qualitativo, na especificidade da profissão acadêmica, tem se


evidenciado, nas duas últimas décadas, um aumento significativo de estudos e
investigações sobre a docência universitária que trazem reflexões sistemáticas sobre a
constituição da profissão docente no ensino superior, sua identidade, saberes e
competências, bem como sobre a qualidade da sua formação profissional diante de uma
sociedade competitiva e excludente, amparada por documentos de referências tanto
nacionais, como internacionais.

No plano legal, conforme apontado no capítulo anterior, a formação para o


exercício do magistério superior deve ser realizada, de acordo com a legislação vigente
no país, em nível de pós-graduação, apontando a necessidade de desenvolvimento de
competências. De modo geral a qualificação elevada e a responsabilidade do próprio
indivíduo por esta qualificação, são os dois fatores evidentes nas reformas. A legislação
prevê que o docente universitário seja preparado, quer em cursos stricto sensu, sendo
este nível fortalecido pela exigência de no mínimo um terço do corpo docente com
titulação de mestrado ou doutorado nas universidades, quer em cursos lato sensu, não

140
sendo este obrigatório. Por esse prisma, a pós-graduação stricto sensu torna-se lugar
privilegiado para a formação docente, além de assumir contornos de um instrumento de
avaliação do perfil profissional, o que aponta para a utilização distorcida do conceito e
objetivo da pós-graduação. A pós-graduação se confunde hoje, de certa maneira, com
oportunidade de trabalho, onde a carreira e a formação profissional estão entrelaçadas.

Com base nesse princípio regulatório, o perfil do professor universitário no


Brasil sofre um reducionismo, no qual apenas a competência cientifico profissional
garantiria a condução do processo de ensinar e de aprender no âmbito da formação no
ensino superior. Como escreve Marilia Morosini (2000, p.16), “[...] no plano da
capacitação da área de conhecimento, os parâmetros são claros” e a competência técnica
é compreendida como domínio da área de conhecimento e requisito para a docência no
ensino superior, sem que haja uma definição ou exigência de formação didático-
pedagógica. De fato, a legislação acaba por estabelecer a formação docente como
preparação para o exercício do magistério superior, resumindo-a à titulação acadêmica.

Entre a condição legal para a docência universitária e o desempenho exigido do


professor há contradições. Além da falta de clareza nos documentos legais no que se
refere à formação didático-pedagógica, o professor universitário é medido em seu
desempenho, até mesmo o didático, por meio de decretos e resoluções emanadas da
reforma da Educação Superior que, de maneira abrangente, determinam os indicadores
de avaliação do desempenho global do Sistema de Educação Superior; a avaliação do
desempenho individual das Instituições, que destaca as funções universitárias; a
avaliação do ensino de graduação e a avaliação da pós-graduação stricto sensu.
(Morosini, 2000, p.19).

Na segunda metade dos anos noventa, o governo brasileiro implementou


políticas que, em consonância com as diretrizes dos órgãos de financiamento
internacionais, privilegiaram os processos de avaliação externa dos sistemas
educacionais, com vistas à produtividade e universalização de padrões de qualidade. Em
1993 é criado o Programa de Avaliação das Universidades Brasileiras – Paiub, que
orienta um sistema de avaliação institucional adaptável a cada realidade instituição. No
entanto, com parâmetros nacionais e mais recentemente, com a implementação do

141
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES. Criado pela Lei n°
10.861, de 14 de abril de 2004, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
é formado por três componentes principais: a avaliação das instituições, dos cursos e do
desempenho dos estudantes. A avaliação proposta nos SINAES compreende o ensino, a
pesquisa, a extensão, a responsabilidade social, o desempenho dos alunos, a gestão da
instituição, o corpo docente, as instalações em todos seus aspectos e vários outros
elementos institucionais (INEP, 2004).

De acordo com Maria Isabel da Cunha (2003) mesmo que esse processo
avaliativo possa trazer alguns resultados positivos para a qualidade da educação “[...]
representa um perigo ao tornar-se o padrão único que provém de um ethos externo,
anulando as configurações de autoria das universidades de um projeto político-
pedagógico próprio.” (Cunha, 2003, p.51). Enfatiza a pesquisadora que atualmente
temos a preocupação de que os processos avaliativos externos, propostos pelos
organismos internacionais e incorporados pelas políticas públicas brasileiras, tenham
um importante papel regulador na concepção de docência.

Esse panorama fica evidenciado quando ao analisar a situação atual constata-se


que as políticas públicas do Estado-Avaliador estão interferindo no ideário que as
universidades construíram e constroem para si, fundamentadas em sua história, na sua
situação real e projetada e em seus compromissos sociais. E o que torna esse panorama
mais complexo, é a percepção de que de modo geral esse processo não fica
adequadamente exposto às novas demandas, avançando numa condição subliminar de
construção de novas subjetividades. Os atores principais da ação acadêmica –
professores, alunos e gestores – vão-se deixando invadir pela nova ordem, sem uma
reflexão mais crítica de seus pressupostos (Cunha, 2003).

Em referência ao mercado de trabalho do docente universitário, observa-se que a


ampliação de vagas docente, o sistema de seleção e promoção, acionam a
competitividade e a escolha de pós-graduação stricto sensu em virtude do
direcionamento da carreira e interesse pela vida acadêmica como construção do
desenvolvimento profissional do professor. Selma Garrido e Léa Anastasiou (2002) têm
razão quando referem que a profissão docente emerge em dado contexto e momento

142
históricos, tomando contornos conforme necessidades postas pela sociedade e se
constrói a partir dos significados sociais a ela atribuídos. Nomeadamente, no contexto
do Ensino Superior brasileiro as mudanças tiveram uma clara incidência na vida e no
trabalho do professor universitário, fato esse que, se observado por outro lado,
demonstra haver um avanço na formação de docentes quanto ao método de pesquisa,
uma vez que o objetivo fundamental da pós-graduação é a prática sistemática da
pesquisa.

A investigação realizada por Maria Isabel da Cunha (2003), intitulada


“Pedagogia Universitária no Rio Grande do Sul: movimentos e energia”, em que
identifica as tendências da pedagogia universitária com base na análise de dados
colhidos em instituições de Ensino Superior, assim como sua relação com a teoria,
buscando incorporar as dimensões tempo e política de cada uma das Universidades
investigadas, evidencia que a inquietação com a formação pedagógica do professor do
ensino superior acompanha a trajetória das referidas instituições, assumindo, entretanto,
as tendências políticas e epistemológicas que caracterizaram cada época, assim como o
estágio de desenvolvimento em que viviam as Universidades e as legislações
definidoras das práticas acadêmicas.

Destaca a investigação, que os anos 70 foram significativamente importantes


para a construção das bases de uma pedagogia universitária identificada no contexto da
tendência tecnicista da educação, sendo os movimentos de organização política nas
universidades sufocados por um regime autoritário vivido na época. Nos anos 80, com a
abertura para um contexto mais democrático, com discussões decorrentes das teorias
críticas das ciências sociais e educação, conforme descreve a investigação, é que se
estabeleceram os órgãos de apoio pedagógico, em que grande número de instituições
constituiu estruturas para tornar exequível essa ação. Os anos 90 tornam o campo da
pedagogia universitária mais abrangente e nesse sentido, as Pró-Reitorias de Graduação
vislumbram o valor dos processos pedagógicos e efetuam investimentos em assessorias,
com intuito de subsidiar essas reflexões. Com essa visão, o aparelhamento de uma
equipe pedagógica torna-se uma realidade, entretanto, como afirma Maria Isabel da
Cunha, “[...] foram necessárias algumas condições e estruturas que garantissem a
possibilidade de a universidade tomar as rédeas de seus processos de reflexão e

143
proposição.” (2003, p. 30). Salienta, a autora que houve uma tendência das
Universidades organizarem parcerias e intercâmbios, na consolidação de uma pedagogia
universitária, todavia as suas estruturas criadas eram frágeis e muitas vezes dependiam
da sensibilidade ou compromisso dos dirigentes institucionais e que “[...] seria ilusório
atribuir-lhe uma legitimação que ainda estava longe de alcançar” (Cunha,2003, p. 31).

Destaco, de acordo com a referida investigação, que ao finalizar os anos noventa,


houve um abalo nesse movimento da pedagogia universitária no Brasil, ocasionado
pelas políticas do Ministério da Educação, subsidiadas pelo processo de globalização da
economia, valorizando a racionalidade instrumental e mercantil, mensurando e
quantificando os resultados acadêmicos, desconsiderando, assim, os processos
educativos e as especificidades locais. Ainda de acordo com Maria Isabel da Cunha
(2003), as instituições de ensino superior rendem-se ao processo produtivo e aos
modelos de qualidade de mercado, afastando-se da autonomia e de sua condição de
geradora de um pensamento independente. Assim, as ações da pedagogia universitária
vão se adequando a um processo utilitário e competitivo, voltando-se para “[...]
auxiliarem os Cursos a se adaptarem à norma legal, centrando energias na interpretação
de pareceres e revisão dos documentos produzidos.” (Cunha, 2003, p. 33).

Concernente há estudos mais amplo sobre o Ensino Universitário brasileiro, a


Biblioteca Virtual Universitas agrupa a produção científica sobre educação superior no
Brasil no período de 1968-2002. Esse banco de dados se constituiu em fonte de coleta
de informações para a investigação intitulada “O estado do conhecimento sobre
Educação Superior em Periódicos Nacionais (1968-1995)”, coordenado por Marília
Morosini (2001). A investigação procura avaliar e apontar as perspectivas da produção
científica em periódicos, dissertações, teses e livros sobre Educação Superior,
congregando pesquisadores e seus orientandos das cinco regiões brasileiras, ligados ao
Grupo de Trabalho Política de Educação Superior da Associação Nacional de Pesquisa e
Educação – ANPED.

No bojo dessa investigação, destacam os investigadores que o fator definidor


para seleção do docente universitário, de acordo com as determinações da legislação de
ensino superior, era o conhecimento e a competência científica na área, pois a exigência

144
centra-se na competência técnica, compreendida como domínio da área de
conhecimento. Evidencia a referida pesquisa que em relação ao plano da formação
didática dos docentes universitários, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -
LDB (Lei n° 9394/96) abstém-se, entretanto, embora os parâmetros não sejam claros em
relação à docência, é possível relacionar ao plano de capacitação da área de
conhecimento. Tornam-se definidores: um cidadão competente e competitivo; inserido
na sociedade e no mercado de trabalho; com maior nível de escolarização e de melhor
qualidade; utilizando tecnologias de informação na sua docência; produzindo seu
trabalho não mais de forma isolada, mas em redes acadêmicas nacionais e
internacionais; dominando o conhecimento contemporâneo e manejando-o para a
resolução de problemas, etc. (Morosini, 2001, p.16).

Ao destacar as diferentes características em relação à formação e organização


acadêmica, Marília Morosini (2001) verifica que existe um predomínio de docentes com
especialização nas instituições não universitárias e um predomínio dos docentes com
formação stricto sensu nas universidades, sendo que nas universidades públicas, há uma
tendência acentuada para percentuais de doutores similares aos de mestres. As
conclusões apresentadas pela autora sintetizam que não existe uma identidade única
para professores universitários no Brasil; o sistema de educação superior brasileiro é
variado e complexo; não há uma política direta para formação de professores para o
ensino superior, o governo determina os parâmetros de qualidade institucional e a
Instituição de Ensino Superior seleciona e desenvolve uma política de capacitação; o
governo não estabelece normas de capacitação didática do docente, outros indicadores
apontam para a qualidade da pedagogia universitária.

Nesse sentido, o cenário futuro assinala para o agravamento desse quadro, uma
vez que a sociedade da informação transfere “a posse do bem para a posse do
conhecimento e isto implica capacitação continuada dos recursos humanos” (Morisini,
2001, p.32). A duplicação de matrículas no ensino superior é ainda projetada para os
próximos anos e o consequente crescimento no número de professores universitários
far-se-á imprescindível para atender a nova demanda. No entanto, com o processo de
ampliação de vagas e a concomitante amplitude das mudanças no ensino superior
brasileiro, é possível vislumbrar, com a necessária cautela, que conteúdos de formação

145
didático-pedagógica passem a fazer parte com maior intensidade dos cursos de pós-
graduação stricto sensu em virtude do direcionamento que apontam para carreira na
profissão acadêmica dos professores universitários, constituindo-se em critério
obrigatório para o ingresso e permanência no magistério superior.

Na percepção de Marcos Masetto (2003), não é muito recente a consciência dos


professores universitários sobre seu papel de docente no ensino superior, que como
qualquer profissão, seu exercício exige capacitação própria e específica que não se
restringe ao diploma de mestre ou doutor, ou ainda o exercício de uma profissão. Essa
percepção evidencia que os valores, crenças e princípios que orientam a docência nesse
nível de ensino têm origem em um universo mais amplo, que reflete a própria
construção da identidade do professor universitário.

Sob essa ótica, o compromisso das instituições de ensino superior em definir


princípios e oportunizar a formação didático-pedagógica aos docentes é determinante,
assim como o estabelecimento de uma política interna institucional que tenha sintonia
com o projeto pedagógico é um passo decisivo no desafio de um longo caminho para a
qualificação das relações de ensino e aprendizagem no âmbito da Universidade no
Brasil.

4. O trabalho docente no cenário das reformas universitárias no Brasil – algumas


imagens.

Entre os desafios postos aos docentes universitários nesse início de século, está a
condução do trabalho docente no contexto da reforma do ensino superior brasileiro que
está em curso. O trabalho, de modo geral “está no centro do processo de construção,
destruição e reconstrução das formas identitárias, porque é no e pelo trabalho que os
indivíduos, nas sociedades salariais, adquirem o reconhecimento financeiro e simbólico
da sua actividade.” (Canário, 2003, p.51). Com efeito, as mudanças no cenário do
ensino superior, concomitante às modificações no mundo do trabalho, uma vez que não
se pode deixar de considerar a organização do trabalho como uma forma específica de
organização do trabalho sob o capitalismo (Antunes, 1999), tem modificado o conjunto
do trabalho docente impondo nova configuração à profissão acadêmica, por meio da

146
flexibilização das relações contratuais do trabalho docente nas instituições, das
transformações que incidiram sobre a sua produção, notadamente o ensino, pesquisa e
extensão e das alterações vivenciadas na cultura das instituições de Ensino Superior no
Brasil. (Mancebo, 2010).

Retomo aqui a ideia da intercessão dos tempos, conforme emprestei de Thomas


S. Eliot (1967) para dar início ao capítulo anterior – em que, o passado como produto
histórico deve ser compreendido como critério orientador, o presente como o estágio
transitório entre a carga do passado e a expectativa do futuro – . Assim, compreendo ser
oportuno assinalar o modo como o trabalho docente foi se configurando no
desenvolvimento do ensino superior brasileiro, percorrendo, desde a primeira, as
reformas universitárias até a que se encontra em curso.

Desse modo, temos inicialmente a figura do professor catedrático, uma aquisição


histórica do período da monarquia, cujo regime é instituído no Brasil como o núcleo das
instituições de Ensino Superior. As legislações da época deixam em evidência o sentido
de propriedade de cátedra e a sua vitaliciedade nas instituições universitárias públicas
do país, “embora tais vantagens devessem ser adquiridas mediante concursos de títulos
e provas, na prática, isso nem sempre ocorreu.” (Fávero, 2000, p.2). Com a Proclamada
República e as reformas de ensino decorrentes é ainda mantida a cátedra, por nomeação
do governo, garantido-se a vitaliciedade dos catedráticos.

Após a Revolução de 1930 é aprovada, em 1931, a Reforma do Ensino Superior


que reafirma o professor catedrático como o primeiro na hierarquia do corpo docente,
exigindo para o cargo o concurso público de títulos e provas. Rege a legislação que a
primeira nomeação do professor catedrático é válida por 10 anos, após esse período
precisa se candidatar novamente ao cargo e, com a recondução adquiria garantias de
vitaliciedade e irremovibilidade que somente acabava com a aposentadoria, após trinta
anos de magistério ou quando atingisse sessenta e cinco anos.

A imagem do professor catedrático era quase que inabalável, uma vez que
somente por valor de sentença judiciária poderia sair de seu cargo. A marca de sua
autoridade era hierarquizada na divisão dos espaços institucionais e demarcada, em sala
de aula, na existência do tablado de elevação que definia a relação de poder e

147
obediência. Esse poder também se constituía junto ao professores auxiliares, que mesmo
escolhidos por professores catedráticos, dependiam quase sempre deles para a
permanência no cargo, bem como em relação à nomeação de professores sem concurso,
uma vez que por indicação do catedrático o mesmo poderia ser efetivado desde que
tenha se destacado com alguma invenção ou descoberta de alta relevância ou tenha
publicado obra doutrinária de excepcional valor.

Com a manutenção da cátedra na reforma do Ensino Superior de 1931 a criação


de uma carreira do magistério é deixada para trás, notadamente quando nas
Constituições de 1934 e 1946 se estabelece a garantia da liberdade de cátedra; a
admissão docente por concurso de títulos e provas aos cargos do magistério oficial,
assegurada a vitaliciedade e da irremovibilidade, assim como, especificamente na
legislação de 1946 é garantido a liberdade de cátedra. Como assinala Maria de Lourdes
Fávero (2000) a cátedra e seu poder se mantêm até os anos 60, mesmo que não ocorra
de forma mecânica e linear. Nesse período transcorrem as lutas políticas e sociais, com
mobilizações populares e o surgimento do Movimento de Educação de Base – MEB, as
campanhas de alfabetização de adultos, os centros de cultura popular.

Inicia-se em 1964 o período de ditadura militar por meio de um golpe de Estado


instalando-se no país um regime ditatorial que durou 21 anos (1964-1985). A ditadura
restringiu o exercício da cidadania e reprimiu com violência todos os movimentos de
oposição, no qual ocorreram afastamento e prisões compulsórias de docentes e
estudantes por meio da promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em dezembro de
1968, representando o fechamento completo do sistema político e dotando o governo de
prerrogativas legais que permitiram a ampliação da repressão policial-militar. Nas
Universidades as discussões de caráter político eram cerceadas e seu lugar era ocupado
pelas discussões técnicas, em torno do Plano Atcon, dos acordos MEC-Usaid e do
relatório Meira Mattos (Morosini, 2005, p. 313), abordados anteriormente neste
capítulo.

Em 1967 a nova Constituição brasileira revoga a vitaliciedade como privilégio


da cátedra e institui nas universidades públicas a carreira docente constante de concurso
de títulos e provas para os níveis inicial e final e, com a reforma universitária de 1968,

148
fica extinta a cátedra na organização do Ensino Superior e o departamento passa a
existir sob o princípio da corresponsabilidade de todos os membros dele integrantes. No
entanto, no que se refere aos departamentos, as críticas apontam de um lado para a
ausência de uma conceituação mais definida, como foco do corporativismo acadêmico,
e ou por outro, por um processo representativo da inflexibilidade e atraso na gestão. A
eliminação do sistema de cátedra abriu espaço para a criação de programas de pós-
graduação, pesquisa científica e para a contratação de professores.

A reforma educacional de 1968, juntamente com a inquietude de certos setores


governamentais com relação ao desenvolvimento científico e tecnológico, permitiu que
a educação brasileira desenvolvesse o maior sistema de pós-graduação e pesquisa
científica entre os países em desenvolvimento. Como anteriormente abordado neste
capítulo, ocorre um crescimento no Ensino Superior impulsionado com a demanda de
estudantes oriundos do ensino secundário que exigiam a formação Universitária, bem
como no sentido de atender aos interesses de grupos ligados às instâncias
administrativas do governo militar que procuravam atrelar o Ensino Superior aos
mecanismos de desenvolvimento e ao plano político de modernização do país.
Conforme assinala Simon Schwartzman (1986, sp):

A partir dos grandes ideais dos anos anteriores. Do ponto de vista formal, a
Reforma Universitária consagrou em lei muitas das reivindicações dos
professores mais ativos e do movimento estudantil do período pré-64. A
odiada cátedra foi abolida, e substituída pelo sistema colegiado de
departamentos. A criação de institutos centrais, reunindo disciplinas que
antes se repetiam por várias faculdades e cursos, foi feita com objetivo de
reduzir a duplicação de esforços, e aumentar a eficiência das universidades.
Foi introduzido o ciclo básico, como forma de dar aos estudantes uma
formação geral antes da especialização profissional, compensando desta
maneira as limitações do ensino secundário. Finalmente, a legislação
consagrou a indissolubilidade do ensino, pesquisa e extensão, e estabeleceu
o ideal de que todo o ensino superior do país se organizasse em
universidades, e não simplesmente em escolas isoladas.

No que concerne aos docentes universitários, a reforma de 1968 permitiu


generalizar o sistema de contratação de professores em regime de tempo integral,
existente em instituições de elite. De modo geral, a reforma estabelece a carreira
universitária aberta e baseada no mérito acadêmico. No entanto com a escassez de

149
pessoal qualificado o perfil docente predominante era composto por profissionais
liberais de origem burguesa e pequena burguesa, cujos salários inferiores não podiam
ser equiparados com a renda proveniente da atividade profissional ou por quem
buscavam a docência como alternativa de trabalho, uma vez que em algumas áreas o
mercado profissional era restrito. Contudo, com a expansão dos cursos de graduação e
de pós-graduação os docentes foram contratados para constituírem os novos
departamentos, dedicando-se ao ensino e a pesquisa, na maioria das vezes sem
qualificação para a docência. Essas características do corpo docente contribuíram para
que a qualidade do ensino e a produtividade em pesquisa ficassem muito aquém das
expectativas, se excetuado algumas instituições no país.

Com o clima que se instaurou no interior da Universidade o pensamento


pedagógico emancipador foi de certa maneira sufocado e inúmeros professores e
pesquisadores foram perseguidos e condenados ao exílio. Por outro lado, como observa
Roberto Romano (2006), alguns docentes se apresentaram como colaboradores do
regime militar. Segundo o autor:

Muitos quadros valorosos resistiram à ditadura dentro da universidade,


entregando os cargos intactos aos cassados quando houve a anistia. Outros
docentes agiram de modo tíbio ou conivente com os militares. O “livro
negro” da Usp traz exemplos melancólicos de colaboração entre a ditadura
e os campi. [...] A Revista da Adusp editou um número especial sobre a
colaboração da reitoria da Usp com os órgãos repressivos, com provas
irrefutáveis. A regra geral, no período da ditadura, foi o conúbio entre
autoridades acadêmicas e as de repressão. Nomes importantes dos campi
foram elevados, também não por acaso, aos ministérios que se
encarregavam de exercer o arbítrio no país, como o Ministério da Justiça. A
universidade cumpriu muitos papéis durante o regime castrense. Alguns de
seus membros foram heróicos na tarefa da manter a qualidade superior da
pesquisa e do ensino. Outros, entregaram-se à colaboração sem freios éticos
com os donos do mando político da hora. (Romano, 2006, p.19).

Em 1978, o presidente Ernesto Geisel (1974-1979) revogou o AI-5 e restaurou o


habeas corpus. Nesse governo, se iniciou o processo de distensão lenta e gradual em
direção à abertura e à redemocratização e em decorrência da diminuição significativa da
repressão às oposições políticas e os movimentos estudantis e docentes começaram a se
reorganizar. A partir da década de 80, o movimento sindical de docentes das instituições

150
de Ensino Superior – ANDES, criada em fevereiro de 1981 – concebem o trabalho
docente como parte de seu projeto de universidade e compreendem a carreira como
condição para o exercício pleno da docência, bem como garantia da indissociabilidade
entre ensino, pesquisa e extensão. Nesse período os docentes das instituições federais
não possuíam carreira nacional, havendo diferenças de natureza jurídica entre os que
atuavam nas instituições federais autárquicas e as fundações implantadas no período da
ditadura. Nas instituições fundacionais o contrato de trabalho era regido pela
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, com salários mais atraentes, mas com menos
direitos previdenciários e de estabilidade presentes nas instituições autárquicas.

Nas reivindicações dos docentes constava, entre outras exigências: a unificação


jurídica das instituições federais de Ensino Superior; a consolidação de uma carreira
unificada para todos os professores; a progressão por titulação e pelo mérito acadêmico;
o ingresso exclusivamente por meio de concurso público e estabilidade no emprego
como condição para a autonomia intelectual docente. Em 1981, após uma extensa greve,
os docentes conquistaram uma nova tabela de vencimentos para os docentes das
instituições federais autárquicas e a incorporação dos professores colaboradores em seus
quadros efetivos. Em 1987 é aprovado o Plano Único de Classificação e Retribuições de
Cargos e Salários e assim acabam as diferenças entre os docentes do regime
administrativo federal. No bojo dessas conquistas é alcançado o direito à greve e de
organização sindical com a Constituição de 1988, bem como a autonomia da
Universidade e a indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão, condição precípua para
que uma instituição fosse denominada Universidade.

Cabe ressaltar, que na origem da Associação Nacional dos Docentes do Ensino


Superior estão as Associações Docentes, nascidas no interior de cada Universidade que,
inicialmente, reivindicam aumento de salários, carreira docente e benefícios
corporativos em geral. No entanto, como assinala Regina Otranto (2000), no momento
em que as associações docentes se integram entre si adquirem um caráter
essencialmente político. Esse processo fortaleceu o movimento dos docentes que se
impôs como um sujeito coletivo organizado de forma autônoma em relação ao governo,
apesar de conter em si mesmo profundas ambiguidades.

151
O movimento docente coletivo, notadamente ligado às instituições federais é
caracterizado por sucessivas greves durante a década de 90 e reivindicava ao mesmo
tempo a melhoria salarial e condições de trabalha acadêmico, e, sobretudo, a defesa da
Universidade pública, gratuita e de qualidade. No âmbito das instituições privadas
também ocorreram movimentos em busca de melhoria salarial e de condições do
trabalho acadêmico, inicialmente apoiado na ANDES. Contudo, os movimentos
reivindicatórios dos docentes da rede particular são contidos nas mantenedoras por meio
de mecanismos como a demissão.

No contexto da conjuntura econômica e política, os professores universitários


podem ser caracterizados por meio do posicionamento assumido nos diversos grupos
que se estabeleceram no interior da Universidade. Um grupo que gozava de prestígio
intelectual e debatia a reforma em função da defesa de valores acadêmicos, e outro, com
acentuada vertente política. A partir desse contexto, o movimento adquire o caráter de
contestação atraindo para a sua bandeira todos os setores de esquerda da universidade
buscando legitimar as reivindicações salariais e a participação igualitária. Há ainda os
que de maneira silenciosa e, de certa forma dissimulada, dão apoio a vertente política
uma vez que a obtenção de melhores salários e a definição de uma carreira profissional
interessava à maioria.

Nesse cenário, é possível deduzir que emergem identidades coletivas (Dubar,


1998), na compreensão de que são resultantes da razão político-estratégicas dos atores
sociais. Dito de outra maneira, apesar da identidade coletiva não conduzir a
homogeneidade, diante de uma mesma conjuntura social, os diferentes grupos ou
integrantes de um mesmo movimento social adotam um sistema comum de alianças.
Nesse sentido, posso inferir que diante da crise econômica que atingia o ensino superior
que se refletiu no achatamento salarial e nas dificuldades do mercado de trabalho,
interferindo diretamente na vida pessoal de cada professor, quer esteja ele ligado a uma
instituição pública ou particular, as identidades coletivas proporcionam a integração de
interesses e de princípios social, constituindo-se em uma maneira de vivenciar a
profissão.

152
A partir da década de 90 se inicia no Brasil um consistente processo de redução
de gastos públicos federais que de um lado afetam as instituições federais de Ensino
Superior e, por outro, desencadeia a retomada da expansão do Ensino Superior privado,
de forma mais acentuada do que na época do regime militar. Tal fato acentua o processo
de proletarização vivido pelo magistério superior brasileiro, não somente do setor
público, mas também o privado, uma vez que o crescimento de instituições privadas
ampliou o mercado de trabalho docente, sem, contudo melhorar as condições de
trabalho e salariais. De modo geral, as instituições privadas admitiram um elevado
número de docentes sem a formação acadêmica necessária ao desenvolvimento de
ensino com qualidade.

É nesse período que se institui a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


de 1996, que contribui substantivamente no sentido de uma nova Reforma no Ensino
Superior. É também nele que se intensifica a precarização do trabalho docente
universitário e a crescente perda do seu status social. Os docentes universitários no
regime federal passam a depender de uma gratificação de desempenho, sustentada por
orientação da política neoliberal. A Gratificação de Estímulo à Docência – GED, Lei
9678, de 03 de julho de 1998 torna-se parte substancial da remuneração docente, que
para adquiri-la torna-se dependente de sua produtividade individual e de um sistema de
pontuação que estabelece parâmetros para a avaliação da prática docente, bem como
serve como instrumento de como deveria ser a prática profissional acadêmica.

Essa perspectiva, de cunho produtivista, é incorporada ao Plano Nacional de


Pós-Graduação concernente ao período de 2005-2010, que, ao invés de avaliar os
programas com base na sua potencialidade e relevância tanto institucional como
regional, concentra os indicadores nos docentes credenciados para atuarem nos
programas de pós-graduação, exigindo um padrão produtivista dentro de um campo
restrito de periódicos qualificados indicados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior – CAPES. Observa-se, ainda, conforme o ponto de vista das
políticas para o ensino superior implementadas no modelo produtivista, que a própria
remuneração docente é articulada sob esse prisma.

153
A exemplo desse cenário, a concorrência por bolsas de produtividade em
pesquisa, em desenvolvimento científico e inovação tecnológica oferecidas por meio do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, bem como
por outras agências, que assumem grande relevância, quer ocasionada à
complementação salarial que proporciona, bem como por significar prestígio ao docente
e, em decorrência ampliando a possibilidade de alcance de outros modelos de bolsas
adicionais, assim como apoio a viagens nacionais e internacionais com a participação
em congressos, cursos e estágios pós-doutoral, entre outros. Essas bolsas têm como
critério para a concessão e manutenção, que a produção docente (livros, capítulos,
artigos, protótipos etc.) seja ininterrupta e conforme destacado anteriormente, divulgada
no âmbito restrito de periódicos qualificados. Conforme assinalam Sheila Slaughter e
Larry Leslie (1997) o trabalho dos professores está cada vez mais dirigido para a
pesquisa e desenvolvimento. Em outros termos, para o campo da investigação, contudo
com caráter maior no produtivismo do profissional do que da investigação em si.

Com o cuidado de não tender para uma postura reacionária, compreendo a


relevância acadêmica das produções se as analiso de maneira isoladas. No entanto é
discutível o determinismo dos critérios quantificáveis vinculados a uma lógica
produtivista e mercantil em que “o que importa é publicar mais e mais, não
necessariamente textos inéditos, criativos e originais, mas ser lido, citado e (re)
conhecido nacional e internacionalmente.” (Paula, 2012, p.55). Essa mesma lógica tem
conferido ao trabalho acadêmico uma nova configuração que, como assinalado
anteriormente, tem como decorrência uma considerável precarização das condições
salariais e de trabalho.

A intensificação do trabalho docente que tem ocasionado, em muitos casos, a


um processo de adoecimento, acompanhado do sequestro da subjetividade dos
professores universitários (Sguissardi & Silva Júnior, 2009). Dito de outro modo,
submetido às exigências que lhe são institucionalmente atribuídas, bem com as que ele
próprio se impõe dado o caráter competitivo que tem se instaurado no ambiente
acadêmico, o docente pode apresentar no corpo as marcas do sofrimento sob a forma de
doenças ocupacionais, com algumas delas relacionadas à saúde mental, em que o
psiquismo pode ser afetado pelo sentimento de impotência e desvalorização.

154
Entre as doenças ocupacionais causadas por conta do trabalho, está a de
Burnout, definida, por alguns autores, como uma das consequências mais marcantes do
estresse profissional, caracterizando-se por exaustão emocional, avaliação negativa de si
mesmo, depressão e insensibilidade com relação à quase tudo e todos. Pesquisas citadas
por Burke e Greenglass (1989) relacionam Burnout a fatores como, diminuta
autonomia, reduzida possibilidade de desenvolver uma carreira, burocratização das
tarefas e trabalho, ambiguidade de papéis, sobrecarga de tarefas e baixa remuneração,
baixo prestígio social, conflitos com os colegas, mudanças rápidas na estrutura
acadêmica (currículos, programas acadêmicos).

As mudanças que se vem produzindo ao longo do período de 1995 até a


atualidade, e as consequências decorrentes delas modificam a identidade profissional
docente e alteram as relações entre o docente, a sociedade e as instituições. Isso quer
dizer que os docentes universitários que buscam viver na condição de tempo integral e
dedicação exclusiva, como, igualmente, os que trabalham em regime horista, atuando
em instituições públicas ou privadas, são impelidos por necessidade de sobrevivência a
ajustarem-se as novas configurações do ensino superior no Brasil, implicando em um
processo acentuado de mudança do ser social professor. Como assinala João dos Reis
Silva Júnior (2009, p.162), o professor deve “neste contexto, adaptar-se à nova
instituição universitária e ao novo pacto social, que se inspira grandemente no
pragmatismo que se vem construindo desde os governos de Fernando Henrique
Cardoso, com fiel continuidade nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva.”

Não há dúvida de que as reformas do ensino superior, tanto as anteriores como a


que está em curso (proposta de reforma da educação superior sob a PL 7.200, de 2006),
antecipada por meio de uma profusão de documentos regulatórios isolados, muitas
vezes conflituosos entre si, têm propiciado a diversificação e diferenciação no ensino
superior em consonância com a política de caráter produtivista que acabaram
ocasionando mudanças na organização acadêmica, afetando significativamente a
profissionalidade docente, termo utilizado para designar “o modo de resgatar o que de
positivo tem a ideia de profissional no contexto das funções inerentes ao trabalho
docente” (Contreras, 2002, p. 73), que abarcam varias dimensões, entre elas a
competência profissional.

155
A profissionalidade é compreendida como o processo de desenvolvimento das
competências necessárias ao exercício de uma profissão, que se manifestam como um
conjunto dado de características de uma profissão e a um processo externo (Gauthier,
2000) e não deve ser confundida com o profissionalismo, relacionado à reivindicação de
um status particular, ou seja, distinto dentro da divisão social do trabalho. Ambos
processos se articulam ao mesmo tempo, de maneira diferente, mas complementares.
Para Contreras (2002, p.51) “[...] falar de profissionalidade significa não só descrever o
desempenho do ofício de ensinar, mas também expressar valores e pretensões desejáveis
de alcançar e desenvolver na profissão”. Neste sentido, a profissionalidade docente para
ser compreendida deve ser situada num determinado contexto sóciopolítico e cultural e,
conforme assinala Gimeno Sacristán (1995), relacionam-se aos conhecimentos,
habilidades e atitudes necessárias ao exercício profissional, constituindo-se em um
conjunto de requisitos profissionais para o exercício docente. Considera o autor que a
atividade docente “[...] não é exterior às condições psicológicas e culturais dos
professores. Educar e ensinar é, sobretudo, permitir um contacto com a cultura, na
acepção mais geral do termo; trata-se de um processo em que a própria experiência
cultural do professor é determinante.” (Sacristán, 1995, p. 67). Esse processo provoca
uma discussão sobre a subjetividade do professor, enquanto sujeito histórico.

Como decorrente dessa conjuntura de mudanças na organização do tempo-


espaço do trabalho acadêmico, assinala Stephen Ball (2001) que tanto o ato de ensino
como a subjetividade do professor alterou-se, gerando dois efeitos, como descreve a
seguir:

(...) por um lado, o aumento da individualização, que inclui a destruição


das solidariedades baseadas numa identidade profissional comum, na
filiação sindical e na construção de novas formas de filiação institucional
e, por outro, a geração de uma “comunidade” - cultura corporativa – que
envolve a reconfiguração das relações entre o compromisso individual e a
ação na organização, aquilo que Willmott (1993, p. 517) denomina
“governo da alma dos empregados.” (Ball, 2001, p. 109).

De forma complementar, Maria Isabel da Cunha (2003) assinala que nos últimos
anos têm se instaurado, no interior da Universidade, uma prática individualizada
decorrente da intensificação do trabalho, da competição entre pares e do extremo

156
esforço de arregimentar docentes para algum trabalho coletivo. Ressalta a autora que o
professor universitário está envolvido em um crescente processo de intensificação de
seu trabalho que excedem os horários destinados ao trabalho acadêmico e adentram aos
espaços privados de convivência social, fato esse agravado com a utilização das novas
tecnologias da informática. A produção intelectual passa a ser realizada aos sábados,
domingos e feriados privando-o das necessárias horas de lazer, “submetendo a si
próprios e às suas famílias, a um processo estressante de corrida acadêmica, à procura
do troféu da produtividade.” (Cunha, 2003, p. 61).

Nesse sentido, a compreensão contemporânea do trabalho docente no ensino


superior é um exercício complexo, notadamente porque esse trabalho resulta de uma
série de tarefas na maioria das vezes divergentes e incompatíveis com o próprio
conceito de trabalho, de carreira e de planos de trabalho estabelecidos nos espaços
acadêmicos próprios da universidade e nesse sentido é possível inferir que também
afetem a identidade e imagem docente, uma vez que a constituição das mesmas envolve
a cultura do grupo de pertença profissional, sendo integrada ao contexto sóciopolítico.
Conforme assinala Claude Dubar (1997):

[...] o investimento privilegiado num espaço de reconhecimento identitário


está intimamente dependente da natureza das relações de poder neste
espaço, do lugar que o indivíduo ocupa e do seu grupo de pertença. [...] O
espaço de reconhecimento das identidades é inseparável dos espaços de
legitimação dos saberes e competências associados às identidades. A
transação objetiva entre os indivíduos e as instituições é, antes de mais,
aquela que se organiza à volta do reconhecimento e do não-reconhecimento
das competências, dos saberes e das imagens de si que constituem os
núcleos duros das identidades reivindicadas. (Dubar, 1997, p. 118 - grifos
do autor).

O momento presente é de grandes desafios à profissão acadêmica, em que as


profundas e rápidas transformações geraram mudança no contexto de trabalho
acadêmico e nos papéis dos docentes, que, em última instância, colocam em xeque sua
função, sua identidade e imagem. É ainda possível constatar que as representações que
se têm sobre ela são divididas por uma linha tênue, que de um lado tende em considerá-
la como um ofício ou uma semiprofissão, visto que a especificidade das práticas e o
monopólio das regras e dos conhecimentos da atividade exercida são critérios que não
se aplicam totalmente à função docente, quando comparada em uma perspectiva

157
sociológica com outras profissões liberais clássicas, por outro, sem que isso implique
necessariamente uma compreensão puramente técnica, tende a compreendê-la como
uma profissão, reconhecida e socialmente instituída.

5. Síntese do capítulo

Busquei no desenvolvimento deste capítulo situar a profissão acadêmica, em


uma aproximação da identidade e imagem profissional dos professores universitários no
conjunto de reformas do ensino superior brasileiro, apoiando-se nos Estudos Culturais e
na Teoria das representações Sociais. A intenção amparava-se na percepção de que as
contemporâneas transformações no ensino superior e na Universidade como instituição
provocam significativas mudanças na profissão acadêmica, na identidade profissional
docente e na sua imagem socioprofissional.

A compreensão da identidade docente que acompanhou o desenvolvimento do


capítulo, a situa como complexa no que se refere à sua composição como à sua
dinâmica, “não sendo nem as expressões psicológicas de personalidades individuais
nem os produtos de estruturas ou de políticas económicas impostas lá do alto. Elas são
construções sociais que implicam a interacção entre as trajectórias individuais e os
sistemas de emprego, de trabalho e de formação.” (Dubar, 1997, p.264).

Ao situar a profissão acadêmica no contexto das reformas no ensino superior foi


possível inferir, tal como apontado por vários outros estudos, que a docência
universitária vem sendo afetada pelo ritmo acelerado das mudanças ocorridas no mundo
do trabalho, nomeadamente do trabalho acadêmico, com a acelerada expansão do
sistema de educação superior, que tem suas bases na denominada síndrome do ensino
para a sociedade de massa. Nesse processo, inserem-se as exigências em relação à sua
qualificação, vinculadas a uma lógica avaliativa – já não basta ser mestre ou doutor, é
preciso ser produtivo –, assim como à flexibilização de suas atividades com o
decorrente incremento do número de tarefas a ser realizada.

158
A configuração de ser professor extrapolou a concepção outrora baseada na
docência como vocação, inspirada da imagem do professor ideal, para fundamentar-se
em uma perspectiva de ordem mais política, social e epistemológica. Na complexidade
que se instaurou no interior da Universidade evidencia-se a fragmentação da sua
identidade profissional, bem como, se sobressaem as questões relativas à sua
profissionalidade, notadamente sobre a sua formação didático-pedagógica e os desafios
e perspectivas referentes às transformações do contexto do trabalho, questões essas que
por certo, tanto as Universidades do Brasil como as de outros países vêm enfrentando
quando colocados frente às exigências das diretrizes/políticas educacionais para esse
nível de ensino.

As inferências aqui assinaladas destacam a profissão acadêmica e a


especificidade da docência como um tema complexo, entretanto, também provocativo e
convidativo à investigação. Nesse sentido, no próximo capítulo busco situar o estudo
em suas bases metodológicas. Nele, explicito o caminho trilhado na elucidação das
questões em que me propus estudar e que me auxiliaram a compreender a identidade
profissional docente e sua imagem socioprofissional no contexto contemporâneo
universitário.

159
160
CAPÍTULO III - DO PROBLEMA INICIAL AOS PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS.

A fé na cultura moderna era triste: era saber que amanhã


ia ser em todo o essencial igual a hoje, que o progresso
consistia só em avançar com todos os sempres sobre um
caminho idêntico ao que já estava sob nossos pés.
Um caminho assim é a bem dizer uma prisão que,
elástica, se alarga sem nos libertar.

J. Ortega y Gasset, A Rebelião das Massas

No capítulo anterior procurei estabelecer algumas aproximações em torno do


professor universitário, na percepção de que as contemporâneas transformações no
ensino superior e na Universidade como instituição provocaram significativas mudanças
na profissão acadêmica, na identidade profissional docente e na sua imagem
socioprofissional. Nessa intencionalidade, inicialmente procurei explicitar um quadro
conceitual referenciando-me nos Estudos Culturais, de modo a auxiliar a discussão
teórica sobre a identidade social/profissional do professor universitário e na Teoria das
Representações Sociais, na perspectiva de refletir a propósito das imagens sobre a
profissão acadêmica, bem como em relação à imagem do professor universitário, de
modo particular. Na continuidade teci algumas considerações sobre a profissão
acadêmica na contemporaneidade e a formação didático-pedagógica do professor
universitário. Por último, busquei assinalar o modo como o trabalho docente foi se
configurando no desenvolvimento do ensino superior brasileiro.

No presente capítulo, pretendo situar a pesquisa em suas bases metodológicas.


Nele explicito o caminho trilhado na elucidação das questões abordadas na elaboração
do quadro teórico referencial, em um estudo que se inscreve no contexto da profissão
acadêmica, na qual me insiro, e na perspectiva de que as contemporâneas
transformações no Ensino Superior e na universidade como instituição provocaram
significativas mudanças na profissão acadêmica, na identidade profissional docente e na
sua imagem socioprofissional.

161
Assim o lugar de onde falo e no qual este estudo desenvolve-se é a
Universidade, compreendida como um amplo espaço de compartilhamento de
conhecimento, de produção, de distribuição e de aprendizagens, cujo objetivo,
contemporaneamente, é o ensino, a pesquisa e os serviços. Como espaço, nos termos de
Michel Certeau (1994, p.202) seria um “lugar praticado” no qual os homens atuam
cotidianamente e, desse modo, a Universidade aponta a inúmeras possibilidades, entre
as quais, em ser também espaço de construção e reconstrução da identidade docente.

O capítulo está organizado em três eixos estruturantes. No primeiro apresento o


problema em estudo, as questões levantadas e os objetivos da investigação, que de
forma articuladas, desempenham papel central na definição da metodologia a ser
utilizada. No segundo eixo detenho-me em apresentar o desenho metodológico, no
entendimento de que é essencial a existência de coerência entre o objeto de estudo, o
propósito com que este é elaborado, os pressupostos que o orientam e a opção
metodológica adotada. Descrevo, nesse eixo, o porquê da inscrição deste estudo em uma
abordagem descritiva e interpretativa de investigação com caráter predominantemente
qualitativo e da opção em trabalhar metodologicamente com a complementaridade
quanti-qualitativa de coletas de dados. Seguidamente, fundamento teoricamente as
técnicas de coleta e análise das informações pelas quais optei e a maneira como os
instrumentos foram construídos e aplicados. O plano amostral e seu detalhamento
também são apresentados.

No terceiro eixo descrevo as características do universo empírico da


investigação e os cuidados éticos tomados na elaboração de um estudo que envolve
docentes e alunos, mas que em sua essência é um estudo sobre o professor universitário,
no qual os objetos em análise são a identidade e imagem docente que pretendo
compreender a partir do pondo de vista do próprio docente e na perspectiva dos
estudantes universitários.

162
1. O problema, as questões e os objetivos da investigação.

O estudo que me propus a desenvolver inscreve-se num conjunto de


preocupações decorrentes de minha atividade profissional e na compreensão de que as
mudanças contemporâneas nos sistemas de ensino superior provocaram alterações nas
dimensões que caracterizam e orientam a profissão acadêmica e, condicionam, de modo
particular, uma reconfiguração nas imagens e nos perfis identitários sociais/profissionais
dos professores universitários

A investigação insere-se em uma realidade complexa, na qual tomo consciência


das implicações decorrentes da proximidade no contexto em que sou ator e investigador,
o que exige um esforço de aproximação e distanciamento. Ao mesmo tempo o olhar de
quem sabe onde está e a surpresa de enxergar por outro ângulo o conhecido.

Desse modo, partindo do pressuposto de que a profissão acadêmica, em razão


das transformações da Universidade, vem passando por uma expansão de tarefas e ao
mesmo tempo por uma crise crescente com a introdução da pesquisa como sua principal
função (Santos Filho, 2005), o que ocasiona, conforme Francesc Pedró e Salvador Sala
(2002), uma divisão do trabalho acadêmico e a valorização salarial dos docentes
envolvidos com a pesquisa, depreendo que essas transformações, para além das
significativas mudanças na profissão acadêmica, também provocam alterações na
configuração da identidade profissional docente e na sua imagem socioprofissional.

Para Tomas Popkewitz (1997) a imagem contemporânea do professor é


construída sobre sutis padrões de mudança, que privilegiam os sistemas de valores do
pesquisador e da “ciência”, intermediados pelo expert. Há também um desajuste entre o
que ele faz e o que se espera que ela faça, ou em outras palavras “o que se espera deles,
as demandas que lhes são feitas variam ao sabor das grandes mudanças estruturais e
funcionais que a universidade sofreu.” (Zabalza, 2004, p. 30). Esse descompasso e
desajuste evoluem a um estado de desmotivação e insatisfação profissional que
consequentemente afetam os esquemas representativos de sua identidade profissional,
esquemas esses construídos nas experiências pessoais, profissionais, sociais, afetivas,

163
éticas, estéticas, ou seja, mediante os aspectos da realidade que são apropriados pelos
indivíduos.

Nessa perspectiva o tema identidade docente e sua imagem profissional está


posto no cenário contemporâneo e emerge como uma questão sociológica, erigida na
crise de pertencimento de uma época denominada por Zygmunt Bauman (2005) de
líquido-moderna. Contudo, já afirmavam Antônio Flávio Moreira e Elizabeth Macedo
(2002), que embora houvesse uma acentuada preocupação com questões relacionadas à
identidade em idos passados, sua origem não é recente. Está associada aos períodos de
crise, conforme acentua Claude Dubar (2005), na incerteza quanto ao futuro, no
desconforto diante das transformações em que os padrões passados não convêm e os
próximos não estão ainda estabelecidos. E desse modo, não é improvável compreender
que o cenário de transformação, e por isso de instabilidade, que perpassa o ensino
superior acarreta implicações na profissão acadêmica, sendo indicadora de identidades e
imagens contestadas.

Apoiada nesses construtos, assinalo que é no interior da Universidade, agente


sociocultural na vida da sociedade, impulsionadora do pensamento científico e da
produção do conhecimento, contribuidora na realização integral do ser humano, que o
professor desenvolve a constituição de ser docente, em um movimento entre a imagem
do eu, que é constituída na relação com a realidade em que se está inserido (Vygotsky,
1994 e 1993; Habermas, 1987 e 1990), e a imagem social (Dubar, 1997), imagem do
outro. Nesse sentido, a percepção que o professor tem de si mesmo e as imagens que os
outros têm sobre ele se encontram em movimento contínuo de interação. Por vezes, a
imagem e realidade se confundem – a imagem parece ser mais real do que o próprio
real. (Deleuze, 2000). Portanto, o professor universitário deve ser considerado tanto no
que se refere à identidade pessoal, quanto no que se refere à identidade profissional. A
identidade pessoal diz respeito à própria construção pessoal do sujeito. A identidade
profissional, por sua vez, refere-se à pessoa considerada membro de uma mesma
categoria, por características comuns, o que caracteriza o campo da identidade comum,
independentemente de conviverem juntos.

164
A identidade com base nessa concepção pode ser decomposta em três
elementos: (i) representação de si próprio pelos outros; (ii) interpretação das
representações de si próprio e (iii) interpretação das representações de outros
significativos (Wallon, 1975). Assim, considerar a constituição da identidade do
professor inserida nesse jogo pressupõe uma percepção do sujeito humano como
portador da capacidade de simbolizar, de representar, de criar, de refletir e compartilhar
significados em relação aos sujeitos e situações com os quais convive (Galindo, 2004).
Nesse sentido, os aspectos estruturais contributivos à construção da identidade se
definem com base no reconhecimento recíproco dos indivíduos identificados através de
um determinado grupo social e a sua prática, interpretada como trabalho.

Na contramão do processo de construção da identidade profissional, revela-se,


também, a crescente depreciação e desqualificação da profissão acadêmica, O
reconhecimento profissional é fundamental ao se tratar da questão da constituição de ser
docente. Reconhecimento esse que emana das relações sociais, na interação com a
universidade enquanto instituição promotora e reguladora de sua ação, na interação com
alunos, com outros docentes e na interlocução com a sociedade em um modo geral. De
acordo com suas experiências pessoais, profissionais, sociais, afetivas, éticas, estéticas,
espirituais, vão-se construindo esquemas representativos de sua configuração identitária.
A identidade, portanto, se forma no jogo das relações sociais na medida em que o
docente se apropria das regras, valores, normas e formas de pensar de sua cultura. Em
relação a isso Maria de Fátima Santos (1998) afirma que “ter uma identidade é, ao
mesmo tempo, ser alguém único, com características idiossincráticas e ser alguém igual
aos outros, no sentido de compartilhar com o grupo, significados comuns.” (Santos,
1998, pp.152-153).

Ao considerar a profissão docente universitária como um espaço de


reconhecimento, compreendo a identidade profissional como um elemento constitutivo
da profissão, por ser a instância de referência que favorece o reconhecimento social e o
auto-reconhecimento do professor. Há no professor uma busca da identidade estruturada
de forma definitiva. Estruturada de um modo tal que uma vez constituída a imagem
primeira, ela tende a se perpetuar (Lacan, 1996). No entanto, o que o caracteriza
enquanto ser humano é exatamente a possibilidade de mutabilidade constante, de se

165
(re)significar. Como assinala Tomás Tadeu Silva (2004, p.97), a identidade não é uma
essência, não é um dado, não é fixa, não é estável, nem coerente ou unificada, tampouco
é homogênea, ou definitiva e idêntica. É instável, contraditória, fragmentada,
inconsistente, inacabada. É uma construção.

A imagem do professor universitário ainda não está politicamente explicitada. Se


tomar de empréstimo a visão de Henry Giroux (1986), encontro várias imagens
representativa dos docentes que, por vezes são vistos como funcionários públicos,
pertencentes à classe média, por outras são oriundos das classes trabalhadoras. Todavia,
as condições postas à profissão docente na atualidade acabam por influir no grau de
realização, na satisfação gerada por meio de sua atividade, revelando diferentes
sentimentos e emoções.

Quais aspectos envolvidos na configuração de ser professor, ao exercer a


profissão acadêmica em um contexto marcado por um conjunto de mudanças que
desestabilizam e questionam antigas referências que davam sustentação às suas
identidades e imagens? Que representações da docência são incorporadas na
configuração identitária de ser professor universitário? Mas afinal qual é a imagem que
o professor universitário tem de si próprio enquanto profissional? Será que essa imagem
se tem alterado ou resiste perante as evidentes transformações no cenário de
transformações da Universidade? É de novo uma imagem que subsiste ou é uma imagem
que se alterou? E o que pensam os estudantes universitários sobre seus professores e a
profissão acadêmica?

A questão central na qual procuro desenvolver nesse estudo reside na percepção


de que as contemporâneas transformações no ensino superior e na Universidade como
instituição, provocaram significativas mudanças na profissão acadêmica, na identidade
profissional docente e na sua imagem socioprofissional.

O objetivo geral que orienta este estudo se concretiza em descrever e analisar a


configuração identitária profissional docente e sua imagem socioprofissional no
contexto das transformações ocorridas no ensino superior.

166
Com essa intenção os objetivos decorrentes foram assim especificados:

 compreender as mudanças que vêm ocorrendo na Universidade decorrentes das


reformas no âmbito da educação superior;

 analisar as reformas da educação no cenário do ensino superior brasileiro e a forma


como foi se configurando a profissão acadêmica;

 evidenciar as novas condições da profissão acadêmica decorrente das


transformações ocorridas na Universidade e seus reflexos na identidade e imagem
dos professores;

 identificar concepções, dilemas e possibilidades da docência universitária,


analisando-as no contexto contemporâneo universitário;

 compreender o movimento construtivo de ser professor universitário, evidenciando


os aspectos envolvidos na construção e desenvolvimento da sua identidade
profissional;

 analisar os significados e sentidos da profissão acadêmica e da imagem dos


professores junto aos estudantes universitários.

2. O desenho da investigação

2.1. Os pressupostos metodológicos

Em consonância com os objetivos que nortearam o desenvolvimento dessa


investigação, considerei oportuno utilizar, de modo complementar, uma abordagem
metodológica qualitativa e quantitativa como procedimentos paralelos que buscam dar
respostas, por vias diferentes, a uma mesma realidade social. A intenção não foi
meramente somatória, muito menos em buscar a convergência ou a confirmação dos
dados mas sim, contar simultaneamente com duas imagens que enriquecessem a
compreensão sobre os aspectos envolvidos na construção e desenvolvimento da
identidade e imagem socioprofissional dos professores universitários.

167
No sentido apontado por Maria Cecília Minayo (1994), o conjunto de dados
qualitativos e quantitativos não são opostos e sim complementares. A abordagem
quantitativa quando não exclusiva serve, portanto de fundamento do conhecimento
produzido pela pesquisa qualitativa, uma vez que enquanto os métodos quantitativos são
usados para descrever um determinado fenômeno de forma objetiva, os métodos
qualitativos ajudam a entender a construção de sentido em uma natureza subjetiva.
Assim a utilização complementar de ambos permitem uma maior aproximação com a
realidade do problema em estudo, contrabalançando as lacunas de um com as riquezas
do outro.

De acordo com John Creswell (2007), a utilização de metodologias quantitativas


e qualitativas de forma conjunta, surgiu em entre os anos 1960 e 1980, ocorrendo
importante expansão a partir dos anos 1990. Destaca o autor que sua origem evidencia-
se quando “Campbell e Fiske usaram métodos múltiplos para estudar a validade das
características psicológicas. Eles encorajaram outros a empregar seu ‘modelo
multimétodo’ para examinar técnicas múltiplas de coleta de dados em um estudo.”
(Creswell, 2007, p. 32).

Para Roberto Richardson (1999), a conjunção das metodologias qualitativas e


quantitativas pode ser justificada quando se toma a ideia de que o caráter qualitativo de
uma pesquisa pode surgir, inclusive, nos dados colhidos por estudos essencialmente
quantitativos. Na mesma perspectiva, ao referirem-se sobre a complementaridade quali-
quantitativa, Santos Filho e Silvio Gamboa (1995), ressaltam o dinamismo na vida
cotidiana e nos fenômenos sociais. Para os autores, uma concepção dinâmica da
realidade não pode deixar de considerar que as mudanças qualitativas estão interligadas
às mudanças quantitativas, o que pressupõe a possibilidade de articular as duas
dimensões na compreensão da realidade que, naturalmente, comporta a
multidimensionalidade como referência basilar.

No modelo de investigação quantitativa, conforme assinala Uwe Flick (2005a),


as investigações são delineadas, na medida do possível, de forma a excluir a influência
do investigador, procurando-se o controle das situações em que os fenômenos e as
relações estudadas ocorrem. Ao contrário da abordagem qualitativa, cuja interação do

168
investigador com o campo e os seus membros é vista como parte explícita da produção
do saber. “A subjectividade do investigador e dos sujeitos estudados faz parte do
processo de investigação.” (Flick, 2005a, p.6).

De acordo com Robert Bogdan e Sari Biklen (1994, pp.47-48), uma investigação
qualitativa tem como características básicas o ambiente natural como fonte direta de
dados e o pesquisador como seu principal instrumento, assim como os dados coletados
são predominantemente descritivos e a preocupação maior é com o processo e não o
produto. Assinalam, ainda, que o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida
devem ser o foco de atenção especial pelo pesquisador que deve seguir um processo
indutivo na análise dos dados.

Para Maria Cecília Minayo (2004), a metodologia qualitativa deve ser pensada
não como uma alternativa ideológica às abordagens quantitativas, mas uma forma de
aprofundar o caráter social e as dificuldades de construção do conhecimento. Para a
autora, cada uma das abordagens abrange alguns aspectos particulares e relegam outros,
revelando “o inevitável imbricamento entre conhecimento e interesse, entre condições
históricas e avanço das ciências, entre identidade do pesquisador e seu objeto, e a
necessidade indiscutível da crítica interna e externa na objetivação do saber.” (Minayo,
2004, p.12).

Nesse sentido a utilização de abordagens metodológica qualitativa e quantitativa


– com uso nesta investigação de questionários para professores e alunos e da entrevista
aos professores, além da pesquisa bibliográfica que referencia os capítulos de aporte
teórico à análise das dimensões do questionário e análise interpretativa das entrevistas –
configura-se na triangulação metodológica ou mais especificamente na combinação de
métodos e dados (Flick, 2005a e 2005b), no sentido de ser uma busca de interpretações
adicionais mais do que a confirmação de um único significado.

A triangulação pode significar [...] a combinação de métodos qualitativos e


quantitativos. Aqui, as distintas perspectivas metodologias se
complementam mutuamente no estudo de um problema, e isso se concebe
como compensação complementar dos pontos débeis e cegos de cada
método individual.”(Flick, 2005a, p. 280).

169
Na mesma perspectiva Norman Denzin (1989, citado por Duarte, 2009),
descreve quatro tipos diferentes de triangulação – a triangulação de dados, a
triangulação do investigador, a triangulação teórica e a triangulação metodológica. De
acordo com o autor:

– A “triangulação de dados” refere-se à recolha de dados recorrendo a


diferentes fontes. Distinguindo subtipos de triangulação, Denzin propõe
que se estude o fenómeno em tempos (datas – explorando as diferenças
temporais), espaços (locais – tomando a forma de investigação
comparativa) e com indivíduos diferentes;

– Na “triangulação do investigador”, os investigadores recolhem dados


independentemente uns dos outros sobre o mesmo fenómeno em estudo
e procedem à comparação de resultados. Trata-se de comparar a
influência dos vários investigadores sobre os problemas e os resultados
da pesquisa;

– Na “triangulação teórica”, são usadas diferentes teorias para


interpretar um conjunto de dados de um estudo, verificando-se a sua
utilidade e capacidade;

– Na “triangulação metodológica”, são utilizados múltiplos métodos


para estudar um determinado problema de investigação. Denzin
distingue dois subtipos: a triangulação intramétodo – que envolve a
utilização do mesmo método em diferentes ocasiões – e a triangulação
intermétodos – que significa usar diferentes métodos em relação ao
mesmo objecto de estudo. (Denzin 1989, citado Duarte, 2009, p.11)

Assinala, ainda, que de acordo com os estudos de Valerie Janesick (1994, citado
por Duarte, 2009), a essa diversidade de definições, pode ser acrescentada a
triangulação interdisciplinar que se caracteriza por um processo de investigação que não
se realiza unicamente no âmbito de uma disciplina, mas de várias disciplinas.

Assim sendo, referenciada nas características assinaladas, considerei relevante


analisar o objeto de estudo na perspectiva da triangulação, como uma forma de integrar
diferentes perspectivas no fenômeno em estudo e, com essa intencionalidade, tomo
inicialmente como referência que os estudos existentes sobre a identidade são plurais,
com dimensões sociais, culturais, pessoais e profissionais e, nesse sentido, a
compreensão da identidade e imagem do docente universitário é uma tarefa complexa.
Abarca um movimento de crenças, percepções, valores e sentimentos em um campo de

170
transformações complexo e atravessado por contradições, conforme é assinalado no
próprio documento de proposta de reforma da Educação Superior apresentada pelo
governo federal:

Hoje, o sistema de educação superior brasileiro está fragmentado:


banalizou-se o conceito de universidade e expandiram-se as instituições
privadas com critérios frouxos de regulação e supervisão. Essa combinação
entre uma forte expansão do setor privado sem qualquer planejamento e um
sistema público com universidades de pequeno porte em termos latino-
americanos é uma das questões centrais enfrentadas pela presente proposta
de Reforma da Educação Superior (MEC, 2005, § 27).

Nesse contexto de fragmentação das Universidades públicas e de expansão


pouco criteriosa de instituições de Ensino Superior privadas, as condições de trabalho e
de sobrevivência dos docentes universitários foram sendo fortemente comprometidas, e
essa realidade me conduziu a optar por desenvolver um estudo que privilegia a
abordagem qualitativa, sem deixar, conforme apontado anteriormente, de considerar a
dimensão quantitativa como complemento. Ambas abordagens são pertinentes quando
busco adentrar na realidade dos professores universitários tanto no que diz respeito à
imagem dos professores por si mesmo, como no que se refere às imagens dos estudantes
universitários sobre a docência.

Trata-se, assim de uma investigação descritiva e interpretativa de caráter


predominantemente qualitativo, sem, contudo, desconsiderar a importância do
quantitativo. Descritiva porque expõe características de uma determinada população e por
estar fundamentado na pesquisa qualitativa que é por princípio descritiva; interpretativa
por buscar compreender as múltiplas relações do fenômeno estudado, tentando captar os
significados, os valores, os procedimentos e as interpretações que os professores dão à
profissão acadêmica. A investigação descritiva, de acordo com Eva Lakatos e Marina
Marconi (1999), aborda quatro aspectos: descrição, registro, análise e interpretação de
fenômenos atuais, objetivando o seu funcionamento no presente. Esse tipo de pesquisa
visa o conhecimento do comportamento sem necessariamente descer às análises sobre
causas e efeitos, ou à tentativa de interpretação.

171
A investigação interpretativa de acordo com Frederick Erickson (1989, p. 119),
coloca o “interesse central no significado humano na vida social e na sua elucidação e
exposição por parte do investigador”, sendo esta a característica distintiva deste tipo de
investigação, ou seja, a sua orientação para a depuração dos pontos de vista do
indivíduo observado. Contudo, a investigação também se aproxima de um estudo
exploratório por estar se tratando de um tema ainda pouco explicitado e, como assinala
Maria Cecília Minayo (1994, p.25), “diferente da arte e da poesia, que se concebem na
inspiração, a pesquisa é um labor artesanal, que não prescinde da criatividade, se realiza
fundamentalmente por uma linguagem fundada em conceitos, proposições, métodos e
técnicas.”

Nesse sentido, o desenho metodológico parte da utilização do questionário


como instrumento de investigação quantitativa, como forma de aproximação da
realidade de maneira objetiva e generalizável ao conjunto de professores e estudantes
universitários. Com base em uma seleção de diversas variáveis demográficas e
profissionais, e do estabelecimento de um conjunto de dimensões de estudo, busco
desvelar algumas das conexões que se produzem entre elas. Posteriormente, de forma
complementar, realizo a entrevista, dentro do enfoque narrativo (Bauer &
Jovchelovitch, 2003), no sentido de dar voz aos professores a partir de suas histórias na
carreira profissional docente.

A intenção é escutar os professores, sua narrativa e o modo como atribuem


sentidos as suas vivências na docência universitária, a trajetória profissional, o que, de
certa maneira, também a aproxima do enfoque biográfico-narrativo proposto por
Antonio Bolívar et al (2001), para o qual “cada indivíduo representa uma reapropriação
singular do universo social e histórico em que viveu, pelo qual podemos conhecer o
social partindo da irredutível especificidade da prática individual.” (Bolívar, 2001, p.14.
tradução própria). O que significa, de acordo com os autores, restabelecer a
subjetividade em ciências sociais, em que uma história individual é um meio de acesso,
e às vezes o único possível para o conhecimento do sistema social. A entrevista, sob
esse enfoque, é um meio ideal para que, de maneira individual, os professores
universitários reconstruam suas identidades profissionais por meio da narrativa.

172
As narrativas autobiográficas consistem em dar ordem ao conjunto de
eventos passados, encontrando um fio condutor que estabeleça as relações
necessárias entre o que o narrador era e o que hoje é; desta maneira a
mediação narrativa entre o passado, presente e futuro, entre as experiências
acontecidas e o significado que agora vão adquirindo para o narrador em
relação aos projetos futuros.(Bolívar et al, 2001, p. 92. Tradução própria).

No sentido do que me propus a desenvolver, as narrativas constituem-se em


uma forma de aproximação do modo como os professores universitários percebem,
sentem e interpretam subjetivamente a realidade da profissão acadêmica,
consubstanciando-se em uma abordagem mais direta para a compreensão do objeto de
investigação. Nessa perspectiva a recolha das narrativas desenvolve-se de acordo com
as orientações metodológicas da entrevista semi-estruturada e com base em um guião,
definido em função das finalidades da entrevista, nomeadamente: recolher uma
narrativa autobiográfica esclarecedora de configurações identitárias e identificar nessas
configurações as imagens da docência, compreendendo-as no contexto contemporâneo
universitário.

Desse modo, a entrevista narrativa com enfoque autobiográfico possibilita uma


visão longitudinal e pessoal do processo de desenvolvimento profissional dos
professores universitários, particularizando aspectos gerais indicados no questionário.
Contempla informações relevantes sobre a concepção da docência universitária, o
percurso profissional, a formação, a percepção da imagem de si e pelo outro na
profissão acadêmica.

A análise dos dados, tendo como referência a triangulação metodológica, centra-


se nesse estudo, de um lado, na análise da estatística descritiva, através da frequência e
da distribuição da amostra, no caso do questionário e na criação de tipologia, no caso da
entrevista, por meio da análise de conteúdo e da categorização qualitativa das
informações. As informações obtidas nos dois instrumentos de coletas de dados são
interpretadas em uma perspectiva de complementaridade como abordado anteriormente,
permitindo uma representação mais completa e holística do objeto em estudo. De
acordo com Teresa Duarte (2009), ao referenciar-se nos estudos de Udo Kelle (2001),
tendo em consideração a noção de complementaridade de métodos, “o que se pretende
não é corroborar ou infirmar resultados com o recurso a diferentes métodos [...], mas,

173
antes, produzir um retrato do fenómeno em estudo que seja mais completo do que o
alcançado por um único método.” (Duarte, 2009 p.14). Nessa perspectiva, o mapa de
análise constitui-se em aberto e flexível, procurando articular o quadro conceptual e os
dados empíricos, de modo a evidenciar, na medida do possível, novas percepções
conceituais.

O quadro teórico-conceitual que inicialmente norteou essa investigação tem


como referência os Estudos Culturais, de modo a auxiliar a discussão sobre a identidade
socioprofissional do professor universitário e a Teoria das Representações Sociais, na
perspectiva de refletir a propósito das imagens sobre a profissão acadêmica, bem como
em relação à imagem do professor universitário, de modo particular. Esse quadro
teórico inicial foi ampliado no processo de construção de análise dos eixos categoriais
nos capítulos VI e V, uma vez que tive o cuidado de que a análise das informações
obtidas, tanto por meio do inquérito a professores e alunos universitários, como da
entrevista aos professores, não se constituísse em um inventário de dados, e que as
interpretações fossem respaldadas em uma discussão teórico-conceitual, bem como
procurei escrevê-las com objetividade, mas com o cuidado em captar a subjetividade do
fenômeno estudado.

A complexidade do objeto de investigação e seu desdobramento conduziram-me


por ampliar, para além do quadro teórico-conceitual descrito inicialmente, com a
utilização de uma perspectiva teórica multirreferencial, que se propõe estudar os
fenômenos “a partir da conjugação de várias perspectivas teóricas, que se desdobra em
nova perspectiva epistemológica na construção do conhecimento sobre os fenômenos
sociais, principalmente os educativos” (Martins, 2000, p. 55). Em outras palavras,
objetivando compreender a identidade profissional docente e sua imagem
socioprofissional no contexto contemporâneo universitário, fui aproximando-me de
outras dimensões intrinsecamente relacionadas como a profissão acadêmica, a formação
didático-pedagógica, a valorização docente e seu desenvolvimento profissional, entre
outras dimensões que possibilitam uma aproximação maior com o objeto em estudo.

174
Assim, abordar essas dimensões multirreferencialmente denota assumir uma
atitude epistemológica distinta da proposta pelo positivismo e/ou cartesianismo, ou seja,
significa reconhecer a complexidade dos fenômenos e de que o conhecimento se
constrói a partir de heterogeneidade/pluralidade, recolocando assim a discussão a
respeito do processo de construção do conhecimento.

João Batista Martins (2004), ao estudar as “Contribuições epistemológicas da


abordagem multirreferencial para a compreensão dos fenômenos educacionais”, assinala
que a mesma foi esboçada inicialmente por Jacques Ardoino (1998a), professor da
Universidade de Vincennes (Paris VIII) e seu grupo de trabalho. Enfatiza que o
aparecimento da ideia da abordagem multirreferencial no âmbito das ciências humanas,
e especialmente da educação, está diretamente relacionada com o reconhecimento da
complexidade e da heterogeneidade que caracterizam as práticas sociais. De acordo
com o próprio Jacques Ardoino “foi efetivamente, em 1966, especialmente em
Communications et Relations Humaines [...], no prefácio a La pedagogie
institutionnelle, de Michel Lobrot [...], e na revista Education Nationale [...], de junho
de 1967, que foram delineadas as primeiras noções deste procedimento a respeito das
situações educativas representadas como complexas” (citado por Barbosa, 1998, p.
200).

A abordagem multirreferencial se inscreve no contexto do debate sobre a


dimensão complexa da realidade. Para Jacques Ardoino (1998a), a complexidade não
está no objeto, mas sim no olhar que o pesquisador lhe dirige, trata-se de uma hipótese
do pesquisador, conforme descreve:

[... ]tudo acontece um pouco como se os objetos de pesquisa, no campo das


ciências do homem e da sociedade, devessem ser representados como mais
ou menos mestiços. Uma tal complexidade, mais ou menos “holística”,
global, isto é, fugindo definitivamente da intenção de decomposição
(análise) e de redução em elementos cada vez mais simples. […] um tipo de
olhar que finalmente tenta mais entender do que explicar, que tem por
objeto uma realidade suposta explicitamente heterogênea. A complexidade
não deve, portanto, ser concebida como uma característica ou uma
propriedade que certos objetos possuiriam por natureza e outros não, mas
[…] uma hipótese que o pesquisador elabora a respeito do objeto. (Ardoino,
1998a, p. 36).

175
A complexidade, a partir desta concepção, refere-se à diversidade de interativos.
Por essa razão, para Edgar Morin (1991, p. 21), a complexidade supõe “constituintes
heterogêneos inseparavelmente associados”. É complexo, portanto, tudo aquilo que
reúne em si vários elementos, ou diversos constituintes interativos. Para Morin nem
sempre a realidade poderá ser compreendida, explicada e transformada dentro de uma
mesma lógica. Afirma o autor que o termo complexidade traz, em seu cerne, a nossa
confusão e incapacidade para “definir de maneira simples, para nomear de maneira
clara, para pôr ordem em nossas ideias” (Morrin, 1991, p. 21). E nesse sentido, o
pensamento complexo é para Edgar Morin:

“ [...] viagem em busca de um modo de pensamento capaz de respeitar a


multidimensionalidade, 3 a riqueza, o mistério do real, e de saber que as
determinações – cerebral, cultural, social, histórica – que se impõem a todo
o pensamento co-determinam sempre o objeto de conhecimento. É isso que
eu designo por pensamento complexo.” (Morin, 1995, citado por Martins,
2004, p. 88).

Nesta perspectiva, considero que a complexidade não é intrínseca aos


fenômenos, mas se constrói a partir do olhar do pesquisador, que aproxima várias
abordagens, para desvelar os fenômenos (Martins,2004), e isto significa dizer que, no
contexto da abordagem multirreferencial, há uma pluralidade de olhares dirigidos a uma
realidade e também uma pluralidade de linguagens para traduzi-la, incluindo a tradução
dos olhares dirigidos a ela. É, conforme assinala Jacques Ardoino (1998a, p.205), “[...]
uma resposta à constatação da complexidade nas práticas sociais e um esforço para dar
conta, de um modo um pouco mais rigoroso, desta mesma complexidade, diversidade e
pluralidade.”

Ao assumir a hipótese da complexidade, a abordagem multirreferencial se


propõe em realizar uma leitura plural de seus objetos práticos ou teóricos, com base em
diversas e diferentes perspectivas, implicando tanto visões específicas quanto
linguagens apropriadas às descrições exigidas, em função de sistemas de referências
distintos (Ardoino,1998a).

3
Observo que Jacques Ardoino não utiliza o termo muldimensionalidade, mas sim multirreferencialidade.

176
Assinala Jacques Ardoino (1998a e 1998b), a dificuldade para o pesquisador
explicar os fenômenos humanos com base em única referência teórica, sugere que, com
a finalidade de melhor aproximar-se o objeto de estudo, pode-se utilizar várias
referências, mesmo que, eventualmente, possam parecer antagônicas. Critica a
utilização de uma linguagem unidimensional na análise da realidade, afirmando que
essa visão produz alienação e, por vezes, separa o que deve permanecer interligado.
Descreve a insatisfação com uma abordagem exclusivamente positivista cujo saber
mono-racional e hegemônico perdeu todo seu sentido. Para o filósofo e psicólogo
francês a multirreferencialidade situa-se em diferentes olhares que procuram dar conta,
cientificamente, dos fenômenos ligados à educação e, nesse sentido, uma análise
multirreferencial parte do mundo em direção a si mesmo e de si mesmo em direção ao
mundo, desenvolvendo-se em três níveis: compreensão, interpretação e explicação.

Nas características assinaladas por Jacques Ardoino (1998a e 1998b), a


multirreferencialidade é uma exigência inerente a toda análise científica, como é o caso
do problema desta investigação que reside na percepção de que as contemporâneas
transformações no ensino superior e na Universidade como instituição, provocam
significativas mudanças na profissão acadêmica, na identidade profissional docente e na
sua imagem socioprofissional.

Assim, a profissão acadêmica, a identidade e imagem socioprofissional docente


assumem caráter pluridisciplinar e cada um desses aspectos deve ser compreendido em
suas complexidades: sociológica, psicológica, antropológica, econômica, filosófica,
política, histórica. Nessa perspectiva, busquei desenvolver este estudo no
entrelaçamento de vários territórios teóricos. Entretanto, ao fazê-lo, tive a percepção e o
cuidado de não o transformar em uma “colcha de retalhos”, multicolorida.

Desse modo, a investigação tem por base os princípios da multidimensionalidade


do fenômeno e multirreferencialidade de dialogar com a diversidade de autores
inseridos nesses territórios que favorecem o aprofundamento do estudo. A estrutura da
tese é apresentada na figura 01.

177
Figura 01
Desenho do Estudo

Identidade e Imagem
Docência Universitária

Multirreferencialidade teórica
Leitura plural em diversas e diferentes perspectivas

Estudo Descritivo- Complementaridade quali-


interpretativo quantitativa

Triangulação de Dados
bibliográficos – descritivos – interpretativos

Questionários Entrevista com enfoque


Docentes e alunos narrativo
Docentes

Análises
De conteúdo e
Descritiva – Interpretativa

Fonte: Elaborado pela autora

2. 2. Instrumentos de recolha de informações.

A perspectiva em que situo esta investigação – descritivo-interpretativa, de


natureza predominantemente qualitativa – em que o objetivo é descrever, compreender e
interpretar uma realidade social evidentemente complexa que é a profissão acadêmica, e
nela a imagem e identidade do professor universitário, compreendo como pertinente
utilizar instrumentos normalmente associados aos métodos quantitativos de análise,
desde que subordinados a uma orientação qualitativa na investigação.

178
Assim sendo, na conjugação de metodologias qualitativas e quantitativas
(Richardson, 1999), utilizo como instrumentos de recolha de dados a entrevista e o
questionário, buscando efetuar a triangulação de informações que possibilitará uma
maior profundidade e compreensão dos resultados. A recolha de dados, por questionário
e entrevistas deve ter o mesmo objetivo em termos metodológicos, isto é, a “produção
de discursos [pelos actores] tornando-os fontes directas de informação” (Barbier, 1990,
p.213). Contudo, a opinião Robert Bogdan e Sari Biklen (1994, p.17), diverge dessa
posição, uma vez que consideram que “na investigação qualitativa não se recorre ao uso
de questionários”.

A qualidade e quantidade tendem a enriquecer a interpretação dos dados quando


adentro na realidade dos professores universitários. De acordo com Maria Cecília
Minayo (1994, p.22), “o conjunto de dados quantitativos e qualitativos, porém, não se
opõem. Ao contrário, se complementam, pois a realidade abrangida por eles interage
dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia.” Para a autora, a diferença é de natureza,
pois enquanto abordagem quantitativa trabalha com estatística apreendendo dos
fenômenos apenas a região visível, ecológica, morfológica e concreta, a abordagem
qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um
lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas.

2.2.1. O questionário eletrônico.

O questionário, na versão eletrônica, foi o instrumento escolhido para conduzir


a investigação quantitativa como forma de aproximação da realidade de maneira
objetiva e generalizável ao conjunto de professores e estudantes Universitários. De
modo geral, o questionário é o instrumento mais amplamente utilizado em pesquisa em
Ciências Sociais, composto de um repertório de perguntas, devidamente estruturado
para obter fatos específicos de um conjunto de indivíduos. Sua função essencial é
estabelecer uma ligação entre os objetivos da pesquisa e a realidade da população-alvo
(Creswell 2007; Lakatos & Marconi, 1999). Sua elaboração sustenta-se em traduzir os
objetivos da investigação em perguntas concretas que suscitem respostas sinceras por
parte dos respondentes.

179
Ao elaborar o questionário, o pesquisador deve ter em conta diferentes tipologias
de perguntas, segundo a natureza da resposta. De acordo com a classificação
apresentada por Tim May (2004), as questões de um questionário podem ser: Abertas;
Semi-abertas e Fechadas. As questões fechadas compreendem três subtipos: de múltipla
escolha, dicotômicas e de escala de opinião.

As questões abertas são aqueles em que o entrevistado constrói a resposta com


seu próprio vocabulário. Esta forma de questão apresenta a vantagem de que o
respondente pode concentrar-se na resposta, expressando seus pontos de vista de
maneira mais detalhada e minuciosa. Tem o inconveniente de apresentar maior
dificuldade na hora da categorização e tabulação das respostas. De modo contrário, as
questões fechadas são padronizadas e, de certo modo, mais fáceis de codificar e
analisar. Apresenta-se ao respondente uma lista de respostas previstas e a instrução de
preenchimento que podem variar de formas, como por exemplo: indicar a reposta mais
adequada; indicar vários itens de forma livre ou fixa quanto ao número de respostas
possíveis; ordenar todas ou parte das respostas em função de um certo parâmetro
(Ghiglione & Matalon, 1992). As questões semi-abertas são as que introduzem uma
possibilidade de resposta para além das previstas, ou a justificação de uma resposta
padronizada.

As questões fechadas podem ser agrupadas em três sub-tipos (Ghiglione &


Matalon, 1992; May, 2004; Lakatos & Marconi, 1999):

(a) Dicotômicas, com duas alternativas de resposta, por exemplo, "sim" ou


"não". Tem a vantagem de facilitar a tabulação e análise dos dados e como
desvantagens fomentar a ocorrência de erros sistemáticos. Caso o respondente não
concorde com as duas opções de respostas ele pode optar por uma das alternativas,
mesmo não consistindo em sua opinião ou não responde a questão;

(b) Múltipla escolha, com várias opções de respostas, elas devem informar se é
para ser escolhida apenas uma resposta ou, opcionalmente, o respondente pode escolher
mais de uma. Suas vantagens são as mesmas das perguntas dicotômicas, além de coleta

180
de dados mais aprofundados. Como desvantagem, pode ocorrer obliquidade ou faltar
opções mesmo em questões que tenha a opção “outros”;

(c) De escala de opinião, em que as opções de resposta podem estar na forma de


escala, para o respondente indicar o seu grau aceitação ou satisfação sobre um assunto.
Utiliza-se para medir atitudes e opiniões que, embora expressem ideias e sentimentos,
podem ser quantificadas e expressadas em números. Há vários tipos de escalas. A escala
de atitudes de Likert é muito conhecida podendo apresentar cinco ou sete níveis de
resposta, ser verbal ou numérica e em que o grau intermédio é normalmente neutro.

A utilização do questionário apresenta variadas vantagens, uma vez que nele o


investigador não influencia no momento da recolha de dados, assim como é possível aos
inquiridos manter o anonimato. Permite, ainda, atingir a grandes amostras, embora a
representatividade nunca seja absoluta dado que está sempre limitada por uma margem
de erro. Possibilita trabalhar amostras dispersas geograficamente, quantificar uma
multiplicidade de dados e proceder a análises de correlação. Contudo, supõe uma
ordenação rígida das perguntas e as alternativas de respostas têm o conteúdo e
profundidade da informação, relativamente limitados. Em aspectos suscetíveis do
conteúdo pode provocar mecanismos de defesa, mesmo que de forma inconsciente,
assim como a dissimulação da verdade, em que o inquirido assinala alternativas para
agradar ao investigador. A sua credibilidade é frágil e pode sacrificar a análise intensiva
das unidades observadas, principalmente quando não se adota a rigorosidade na sua
elaboração, entretanto por possibilitar a confidencialidade, o inquirido pode responder
as questões com franqueza e sinceridade.

Na especificidade do questionário em formato eletrônico adotado nesse estudo,


cabe ressaltar que a sua utilização apresenta algumas vantagens, entre elas a sua
agilidade na aplicação, no controle e seguimento conforme destaca Joseph Hair et al
(2005), assim como a flexibilidade e diversidade na elaboração de questões e a
possibilidade de atingir uma amostra maior. Ao ser construído, os cuidados devidos e as
necessárias adequações para esse tipo de formato, permitem ao pesquisador a
confiabilidade dos dados coletados e maior organização e agilidade na apuração dos
mesmos. De acordo com o programa utilizado, o pesquisador pode, ainda, controlar a

181
apresentação das questões que dependem de respostas a questões anteriores, bem como
controlar o preenchimento incorreto do questionário, impedindo que o inquirido avance
para a questão seguinte, se a questão não for respondida de modo correto.

Em geral, ademais dos aspectos positivos, existem alguns aspectos negativos que
podem ocorrer e que foram considerados, com destaque para a impossibilidade de
acesso a computadores e/ou internet por uma parte da amostra, principalmente dos
estudantes ou por falta de familiaridade com esses equipamentos e recursos, dos
professores.

Para contrabalançar algumas carências do uso exclusivo do questionário como


instrumento de investigação, se considera adequado complementar os dados coletados
por meio desse instrumento com informações obtidas em entrevistas. A utilização de
ambos instrumentos pode promover a riqueza dos resultados finais, uma vez que
enquanto o primeiro permite obter dados genéricos sobre uma amostra ampla e
representativa da população em estudo, a segunda contribui para aprofundar de maneira
mais detalhada aspectos específicos da investigação, proporcionando uma compreensão
de maior amplitude do objeto de estudo.

Nessa perspectiva, e como abordado anteriormente neste capítulo quando


descrevi os pressupostos teóricos e metodológicos, deve haver uma complementaridade
entre abordagens qualitativas e quantitativas, no sentido de que a articulação de ambas
possibilite uma melhor compreensão da realidade acadêmica do professor universitário,
especificamente sua identidade e imagem que naturalmente comporta a
multidimensionalidade como referência básica.

2.2.1.1. Processo de construção, validação de conteúdo e teste-piloto dos


questionários.

Uma vez realizada a leitura a bibliografia multirreferencial que referencia este


estudo, assim como, de outras complementares que por opção própria não constam nas
referências bibliográficas, dei início à construção dos questionários – um modelo
destinado ao docente universitário e outro aos estudantes.

182
- Questionário de aplicação ao docente.

O questionário destinado ao docente, após passar por várias fases e versões, é


composto de 26 questões fechadas e 173 alternativas, contemplando: uma (01) questão
de caráter dicotômico; dezenove (19) questões de múltipla escolha, contendo entre elas
duas questões com mais de uma alternativa a ser assinalada, respectivamente, cinco (05)
e três (03) itens e seis (06) questões de escala de opinião. No total, cada professor
inquirido respondeu a 84 ou 83 itens, visto a existência de uma questão que elimina
responder uma outra.

O questionário docente que pode ser visualizado de modo integral no anexo 1,


foi estruturado com base em três dimensões:

I – Identificação, visando traçar um perfil socioprofissional dos entrevistados,


contemplando os seguintes aspectos: área de vinculação funcional; faixa etária;
titulação; situação funcional; regime de trabalho; tempo de docência; carga horária;
quantidade de instituições que trabalha e situação acadêmica no exercício da docência.

II– Compreensão da docência, buscando significados e sentidos da profissão


acadêmica (imagem docente), composta por questões que consideram: a inserção na
docência universitária; o que os motivou na escolha; modelo docente de referência; o
exercício profissional paralelo e; continuidade na docência.

III- Compreensão sobre o exercício da profissão acadêmica no contexto


universitário, no sentido de averiguar o posicionamento docente diante de questões que
envolvem: ambiente acadêmico; reconhecimento social; funções acadêmicas; prestígio e
valoração; docência e a formação; trabalho acadêmico; dilemas acadêmicos;
modificações na carreira e auto-imagem docente.

- Questionário de aplicação ao aluno.

Para que os estudantes universitários não perdessem o interesse no processo de


assinalar as respostas do questionário, caso este se mostrasse demorado, muito prolixo e
de difícil compreensão, optei por elaborar um questionário breve, tanto em relação ao
número de itens quanto ao tempo que deveria ser aplicado ao respondê-lo.

183
Desse modo, o questionário dirigido aos alunos (anexo 1) é composto por 04
questões fechadas, com respectivamente duas (02) de escolha múltipla e duas (02) de
escala de opinião, com posições entre o concordo plenamente e o discordo. Apresenta
um total de quarenta e dois (42) itens, em que cada aluno responde a vinte seis (26). Foi
estruturado em duas dimensões. A primeira abarca a compreensão dos estudantes sobre
os professores universitários, buscando identificar a imagem docente na compreensão
dos alunos. Na segunda dimensão os itens tratam sobre profissão acadêmica e a imagem
social da docência.

Em ambos questionários o processo de seleção dos itens originou-se pela criação


de um conjunto alargado de itens, com mais de um item por elemento constituinte dos
aspectos de cada dimensão, tendo em vista uma maior cobertura do domínio de
conhecimento objeto desse estudo. O número final de itens foi definido com base em
critérios de qualidade, em que considerei a utilização de uma linguagem isenta de
ambiguidade, compreensível à população-alvo, livre de viés e ênfase para não
direcionar a resposta dos inquiridos (Günther, 2003), assim como possibilitassem o
alcance dos objetivos do estudo.

Interessava-me, também, identificar a existência de alguma consonância entre


docentes e alunos sobre um conjunto de aspectos da imagem do professor e da profissão
acadêmica – será que entre docente e alunos há similitude sobre a imagem social do
profissional professor? – será que as dissonâncias são significativas? Nesse sentido,
decidi replicar no questionário elaborado para os alunos algumas das questões ou itens
temáticos contidos no questionário do docente. Em alguns casos, para facilitar a
compreensão, assim como adequar a estrutura dos itens do questionário dos alunos,
construído em questões de escala de opinião, as assertivas de caráter positivo foram
reelaborados no sentido inverso, evidenciados como aspectos negativos e vice-versa. O
quadro a seguir é ilustrativo do cruzamento de questões.

184
Quadro 10
Cruzamento de questões no questionário de docentes e estudantes

Itens temáticos Questões


Docentes Alunos
Questão 26 - assertiva 4 Questão 4 - assertiva 7
Aspectos pedagógico- Questão 25 - assertiva 1 Questão 3- assertiva 4
didáticos Questão 26 - assertiva 5 Questão 4 - assertiva 2
Questão 21 - assertiva 3 Questão 3 - assertiva 1
Questão 25 - assertiva 5 Questão 3- assertiva 5
Questão 19 - assertiva 8 Questão 3- assertiva 3
Aspectos Inter- Questão 21 assertiva 3 Questão 3- assertiva 2
relacionais Questão 25- assertiva 11 Questão 3- assertiva 14
Questão 25 - assertiva 3 Questão 3- assertiva 10
Questão 26 - assertiva 13 Questão 3 - assertiva 12
Questão 25 - assertiva 8 Questão 3- assertiva 13
Prestígio acadêmico Questão 23- assertiva 6 Questão 4 – assertiva 3
Questão 26 - assertiva 11 Questão 3- assertiva 11
Questão 26 - assertiva 12 Questão 4- assertiva 4
Questão 23 - assertiva 2/5 Questão 4 - assertiva 10
Reconhecimento Questão 26 - assertiva 9 Questão 4 - assertiva 08
socioprofissional Questão 18 - assertivas Questão 4 - assertiva 5
1/4
Fonte: Dados dos questionários aplicados aos docentes e aos alunos de 04/10 a 03/12 de 2010.
Elaboração própria.

Os questionários, após assumirem uma versão quase definitiva, com a


organização das questões, com capa e formatação já em seu estado final, foram
submetidos à validade de conteúdo. A validade de conteúdo (Almeida & Freire, 2000)
consiste no exame sistemático do conteúdo do questionário para assegurar que os itens
de fato representam o constructo em estudo, e se todos os aspectos fundamentais da área
a ser analisada estão adequadamente representados pelos itens das questões. Geralmente
a validade de conteúdo é examinada de maneira subjetiva, qualitativamente, por meio de
painel de especialistas, constituído por pesquisadores ou profissionais com reconhecido
conhecimento na área. O resultado do painel de experts auxilia a definir os itens que
serão mantidos, revisados ou eliminados.

O conjunto de especialistas que analisou o questionário de aplicação a docentes


e alunos foi composto por doutores da área das Ciências da Educação e vinculados a
Programas de Pesquisa e Pós-Graduação, conforme apresentado no quadro a seguir.

185
Quadro 11
Especialistas que realizaram a validação de conteúdo

Especialistas Instituição
Prof. Dr. Carlos Jorge Paixão Universidade da Amazônia
Profa. Dra. Cely do Socorro Costa Nunes Universidade de Lisboa
Profa. Dra. Ilda Estela Amaral de Oliveira Universidade Federal do Pará
Profa. Dra. Jacqueline da Cunha Serra Freire Universidade da Integração
Internacional da Lusofonia Afro-
Brasileira
Profa. Dra. Josenilda Maria Maués da Silva Universidade Federal do Pará
Prof. Dr. Ronaldo Marcos Lima Araújo Universidade Federal do Pará
Profa. Dra. Terezinha Fátima Andrade Universidade Federal do Pará
Monteiro dos Santos
Fonte: elaborado pela autora.

A cada um dos professores especialista enviei, por meio do correio eletrônico,


uma solicitação inicial convidando-os a participar na validação de conteúdo dos
questionários. Posteriormente, com a aceitação de todos, encaminhei os questionários e
os instrumentos de validação, elaborados especificamente para facilitar a análise de cada
item. Os instrumentos de validação de conteúdo (anexo 2), foram construídos tendo
como referência algumas especificações de Leandro Almeida e Teresa Freire (2000) em
que procurei elaborá-lo de maneira objetiva.

No geral, os professores especialistas emitiram uma avaliação positiva de todos


itens, oferecendo algumas recomendações, bem como a clarificação de algumas itens.
Após a validação e com base nas observações e contribuições recebidas, procedi às
modificações sugeridas sem que a estrutura geral que serviu de base fosse alterada.

Os questionários foram submetidos a um teste-piloto (Lakatos & Marconi,


1999), aplicado a um grupo de 10 professores e 30 alunos. Os respondentes, envolvidos
no teste-piloto foram informados sobre os objetivos do estudo e de que as informações
concedidas e a identidade dos participantes seriam confidenciais e preservadas pelo
anonimato. O teste-piloto com os questionários ocorreram por meio da plataforma on
line, nas mesmas condições similares na qual seriam aplicados os questionários
definitivos. Para tanto, foi necessário contar com a colaboração de alunos de turma do

186
curso de Letras da Universidade da Amazônia que gentilmente cederam seus endereços
de e-mail e que se prontificaram a respondê-lo, assim como com os dez professores
voluntários. O universo dos inquiridos no teste-piloto não foi incluído na amostra final.

2.2.1.2. A aplicação dos questionários.

O processamento dos questionários por computador, por meio da Internet,


mediante um sistema adequado de codificação é de grande auxílio quando se está
trabalhando com um volume grande de dados e amostra, como é o caso da investigação
que desenvolvo. De modo geral os softwares permitem guardar os dados coletados de
maneira acessível, organizá-los e analisá-los tanto descritiva quanto inferencialmente,
facilitando o uso de técnicas de análise estatísticas variadas.

Para Joseph Hair et al (2005) as investigações por inquérito com utilização de


questionários realizadas pela internet são mais flexíveis e as taxas de respostas parecem
ser mais elevadas por garantir o anonimato dos participantes. Os autores destacam a
segurança de acesso às “surveys” mantidas na WEB 4, que de modo geral é controlado
por senhas codificadas para garantir que somente os respondentes qualificados na
amostra respondam os questionários. Destacam, ainda, que as pesquisas pela internet
são mais rápidas, oferecem dados de alta qualidade, contudo são tanto ou mais caras do
que os modelos impressos “devido aos custos de programação de sites na Web” (Hair et
al, 2005, p. 162).

A aplicação dos questionários para docentes e alunos ocorreu por meio


eletrônico. Inicialmente encaminhei a amostra definida de docentes e estudantes uma
carta de apresentação da pesquisa por meio do endereço eletrônico (e-mail).
Posteriormente enviei a amostra, uma outra correspondência em que constava o modo
de acessar a plataforma da pesquisa.

4
A World Wide Web – Rede de alcance mundial – conhecida como Web, é um sistema de documentos
em hipermídia que são interligados e executados na Internet.

187
A plataforma de acesso aos questionários e o repositório dos dados são
integrantes de um software desenvolvido pela Universidade da Amazônia – UNAMA,
por meio da Coordenação de Tecnologia da Informação e da Comunicação – CTIC.
Para acessar o questionário, cada um dos participantes recebeu um protocolo de acesso
codificado através de um link 5, em que exclusivamente e somente por uma única vez
poderia participar. O software, contudo, possibilita interromper o processo de resposta e
retomá-lo quando possível, sem anular as respostas anteriores.

O trabalho de coleta dos dados transcorreu durante 61 dias ininterruptos, no


período de 04 de outubro a 03 de dezembro de 2010. Durante o processo, acompanhei o
fluxo das respostas e reforcei com outras correspondências, conforme o caso.
Posteriormente, ao final do preenchimento do inquérito cada respondente recebeu outra
correspondência de agradecimento pela participação.

2.2.2. A entrevista.

A entrevista está associada, de modo geral, a uma das principais técnicas


qualitativas da investigação social. De acordo com Robert Bogdan e Sari Biklen (1994),
é o melhor instrumento de abordagem para o estudo de pessoas que partilham uma
característica particular. Aquilo que partilham entre si revelar-se-á mais claramente
quando cada um puder falar de suas perspectivas, mais do que quando observado em
suas atividades. Consiste em obter informação oral mediante a interação entre o
entrevistado e o investigador, sendo utilizada para recolher dados descritivos na
linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador entrar em contato com as
crenças, valores, atitudes, conhecimentos e experiências do entrevistado, bem como
ascender ao conjunto de representações mentais que o indivíduo constrói sobre suas
vivências através da narração e, de modo geral, pode ser caracterizada como uma
“conversa a dois, feita por iniciativa do entrevistador, destinada a fornecer informações
pertinentes para um objeto de pesquisa, e entrada (pelo entrevistador) em temas

5
Hiperligação, hiperlink, link ou simplesmente ligação é uma referência num documento em hipertexto a
outras partes deste documento ou a outro documento. A hiperligação pode ser combinada com uma rede
de dados e um protocolo de acesso adequado e assim ser usada para ter acesso direto ao recurso
referenciado.

188
igualmente pertinentes com vistas a este objetivo.” (Kahn & Cannell, 1962, citado por
Minayo, 2004, p. 108).

De acordo com Maria Cecília Minayo (2004, p. 108.), mediante a entrevista


podem ser obtidos dados: (i) que se referem a fatos que o pesquisador poderia conseguir
através de outras fontes [...] e, (iii) os que se referem diretamente ao indivíduo
entrevistado, isto é, suas atitudes, valores e opiniões, sendo os dados coletados,
informações ao nível mais profundo da realidade que os cientistas sociais costumam
denominar “subjetivos”, que somente podem ser conseguidos com a contribuição dos
atores sociais envolvidos.

Nessa perspectiva a entrevista torna-se útil para obter informações de caráter


pragmático, ou seja, de como os sujeitos agem e reconstroem o sistema de
representações sociais em suas práticas individuais e reciprocamente as sociais. Parte de
uma visão paradigmática de orientação compreensiva e fenomenológica ao interpretar o
comportamento dos atores em um mesmo marco de referência onde atuam, mas não
como um processo de variáveis isoladas, e sim como um todo inter-relacionado apenas
compreensível de uma maneira histórica, dinâmica e concreta, ligada ao sentido que os
próprios indivíduos atribuem a sua ação.

A entrevista é, assim, um recurso metodológico que busca, com base em teorias


e pressupostos definidos pelo investigador, recolher respostas a partir da experiência
subjetiva de uma fonte, selecionada por deter informações que se deseja conhecer. Os
dados, dessa maneira, não são apenas colhidos, mas também resultado de interpretação
e reconstrução pelo pesquisador, em diálogo inteligente e crítico com a realidade. Nessa
trajetória de descobertas, as perguntas elaboradas permitem explorar um assunto ou
aprofundá-lo, compreender o passado, analisar, discutir e fazer prospectivas, uma vez
que, segundo Gaskell (2003, p. 65) “a compreensão dos mundos da vida dos
entrevistados e de grupos sociais especificados é a condição sine qua non da entrevista
qualitativa.”

Conforme assinala Pierre Bourdieu (2003, p.695), a entrevista é uma “espécie de


intrusão arbitrária” e ao considerar essa característica, o entrevistador deve ter o cuidado
em estabelecer uma interação com o entrevistado, uma vez que, algumas vezes, o

189
entrevistado pode sentir-se impelido a falar ou, em direção oposta, sentir-se
constrangido e ameaçado nas perguntas que lhe são dirigidas. Por essa razão, um dos
cuidados que tomei no decorrer da entrevista com os docentes foi o de respeitar o que
Pierre Bourdieu (2003) designa de “princípio da troca”, no qual para obter as
informações com a máxima fidedignidade é necessário informar o entrevistado e dessa
maneira colocá-lo em condições de “compreender o que pode ser dito e o que não pode,
as censuras que o impedem de dizer certas coisas e as incitações que encorajam a
acentuar outras.” (Bourdieu, 2003, p. 695). Entretanto, como ressaltam William Goode
e Hatt Paul (1977), o entrevistador deve ter o cuidado de não informar acerca do que
pensa, porque há a tendência de que o entrevistado modifique suas respostas na
expectativa de aproximar-se das concepções do pesquisador, tidas como corretas ou
aceitáveis.

Para Maria Cecília Minayo (2004, p.113) “[...] a entrevista não é simplesmente
um trabalho de coleta de dados, mas sempre uma situação de interação na qual as
informações dadas pelos sujeitos podem ser profundamente afetadas pela natureza de
suas relações com o entrevistador.”

Diante dessas recomendações, os professores entrevistados foram informados da


intenção da pesquisa em discutir a docência universitária no contexto contemporâneo do
Ensino Superior e os motivos que os levaram a escolher a profissão acadêmica e, por
isso, a importância de sua colaboração, sem, no entanto, explicitar questões relacionadas
à identidade e imagem profissional docente.

Assim, conforme assinalado anteriormente, para a recolha dos dados qualitativos


utilizei a entrevista, procurando situá-la no enfoque narrativo, em uma aproximação
com a teoria biográfico-narrativa proposta por Antonio Bolívar et al (2001, p.159), que
consiste em que o entrevistador através de suas perguntas e escuta ativa, permita ao
entrevistado “[...] refletir e recordar episódios da vida, onde a pessoa conta coisas a
propósito de sua biografia (vida profissional, familiar, afetiva etc.)”, cujo objetivo não é
apenas representar a realidade, mas tentar reconstruir o sentido das experiências vividas,
narradas e interpretadas numa relação dialógica, dando origem a um texto co-produzido
por investigador/sujeitos de investigação (Bolívar et al, 2001).

190
A entrevista narrativa, como assinalam Martin Bauer e Sandra Joychelovitch
(2003), serve para reconstruir acontecimentos sociais e investigar representações a partir
da perspectiva do informante, ou seja, o discurso desenvolvido na entrevista narrativa é
conduzido como um todo através da situação na qual o entrevistado se encontra depois
dos acontecimentos no passado, uma vez que o ato de narrar reatribui significados aos
eventos. De acordo com os autores:

As entrevistas narrativas são infinitas em sua variedade, e nós as


encontramos em todo lugar. Parece existir em todas as formas de vida
humana uma necessidade de contar; contar histórias é uma forma elementar
de comunicação humana e, independentemente do desempenho da
linguagem estratificada, é uma capacidade universal. (Bauer &
Joychelovitch, 2003, p. 91).

Ao fazer a opção por essa abordagem, tenho nitidez de que não atendo
rigorosamente a todas especificações metodológicas recomendadas por Martin Bauer e
Sandra Joychelovitch (2003) e Antonio Bolívar et al (2001), contudo busco aproximar-
me da trajetória vivencial dos professores universitários, os movimentos construtivos da
docência, o modo como articulam o pessoal, o profissional e o institucional e,
consequentemente, como vão formando e transformando suas identidades e imagens no
decorrer da carreira docente. Acredito que com base no narrado pelos docentes posso
compreendê-los como pessoas e como profissionais.

2.2.2.1. Elaboração do guião de entrevista, sua aplicação e transcrição.

O guião de entrevista, de acordo com Maria Cecília Minayo (2004), deve ser
facilitador de abertura, de ampliação e de aprofundamento da comunicação, constando
nele, apenas alguns itens que se tornam indispensáveis para o delineamento do objeto e
“contribua para emergir a visão, os juízos e as relevâncias a respeito dos fatos e das
relações que compõem o objeto do ponto de vista dos interlocutores.” (Minayo, 2004, p.
99). Nesse sentido, elaborei um guião de entrevista semi-estruturado, uma vez que se
aproxima dos esquemas mais livres, menos estruturados, proposto no enfoque
biográfico-narrativo.

191
O guião da entrevista, anexo 3, foi organizado a partir dos três eixos temáticos:

 Docência no contexto universitário - concepções, dilemas, possibilidades


 Percurso profissional - inserção e formação
 Imagens da docência - imagem de si e do outro

Em cada um dos eixos temáticos as perguntas foram elaboradas e organizadas no


sentido de que cada um dos professores entrevistados, através de suas narrativas
pudesse: (i) refletir sobre sua percepção da docência, da profissão acadêmica no
contexto dos dilemas e possibilidades vivenciados no cotidiano das instituições
universitárias; (ii) relembrar o caminho cronológico da trajetória profissional à inserção
na docência no ensino superior e da sua formação/preparação e (iii) reconstruir suas
representações sobre como percebem a si mesmo – Imagem de si – e de como entendem
como os alunos universitários em particular e a sociedade de modo geral percebem a
imagem do professor universitário – Imagem do outro.

Cabe ressaltar que em referência à perspectiva da complementaridade (Santos


Filho & Gamboa,1995; Kelle, 2001), que norteia o desenvolvimento desta investigação,
estabeleço um diálogo entre as informações obtidas por meio dos questionários
aplicados aos docentes e alunos e a elaboração das questões que compõem o guião de
entrevista. A intenção, conforme anteriormente assinalado, não é procurar a
convergências ou confirmação de dados, não obstante esse aspecto possa emergir na
triangulação analítica dos mesmo, mas sim aprofundar aspectos poucos evidenciados e
contar simultaneamente com duas imagens que enriquecessem a compreensão sobre a
construção e desenvolvimento da identidade e imagem dos professores universitários
em seu desenvolvimento profissional. Segundo Maria Cecília Minayo:

O que torna a entrevista instrumento privilegiado de coleta de informações


é a possibilidade de a fala ser reveladora de condições estruturais, de
sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela mesma um deles) e ao
mesmo tempo ter a magia de transmitir, através de um porta-voz, as
representações de grupos determinados, em condições históricas, sócio-
econômicas e culturais específicas. (Minayo, 1994, p.109).

192
Nesse sentido, as entrevistas narrativas foram realizadas em cada uma das
instituições, uma vez que conta com cinco (05) participantes de cada uma. As sessões
foram agendadas de acordo com a disponibilidade dos docentes, mas adequada ao
período programado no cronograma de desenvolvimento da tese, para o cumprimento
dessa etapa. A prévia concordância dos docentes e cumpridas as formalidades legais dos
estudos que envolvem seres humanos, as narrativas foram gravadas em fitas magnéticas
(K7).

Para Pierre Bourdieu (2003), para se obter uma narrativa natural não é
interessante fazer uma pergunta direta, mas sim fazer com que o pesquisado relembre
parte de sua vida. Para tanto, o pesquisador pode ir suscitando a memória do pesquisado
com perguntas feitas levando em conta a sequência do pensamento do entrevistado, ou
seja, procurando dar continuidade na conversação, conduzindo a entrevista com sentido
lógico para ambos. Assim, numa média de sessenta (60) a oitenta (80) minutos fui
conduzindo o docente entrevistado a falar de sua trajetória na vida acadêmica
universitária, a forma como ocorreu a escolha e a inserção na docência, bem como
procurei conduzir a narrativa, de acordo com o guião pré-elaborado, para que narrassem
a percepção que tem de si enquanto profissional e da docência enquanto profissão.
Minha atenção também estava voltada para captar os sinais não verbais emitidos pelos
docentes, assim como, de maneira interativa, enviar sinais de entendimento e de
estímulo, com gestos, acenos de cabeça, olhares e também sinais de incentivo a
continuidade da narrativa. Também procurei intervir o mínimo possível para não
quebrar a sequência de pensamento de cada entrevistado.

De modo a preservar o anonimato dos participantes recomenda-se a utilização de


um código (letra, número ou nome fictício) que também possibilite identificar
rapidamente cada elemento da amostra de depoimento a ser analisado. A garantia do
anonimato pode favorecer uma relação entre o entrevistado e o pesquisador mais
descontraída e espontânea e, consequentemente, contribuir para a revelar dados que
poderiam comprometer o entrevistado se a sua identidade não fosse protegida. Cabe
ressaltar que não só a denominação fictícia garante o anonimato. É necessário assumir
outros cuidados para assegurar que o contrato de confidencialidade firmado seja
garantido.

193
Assim sendo, cada entrevistado recebeu o nome de identificação fictício, uma
vez que parto da compreensão de que um nome denota maior pessoalidade. Além disso,
uma das medidas adotadas foi não revelar a Universidade de vinculação dos docentes
entrevistados e dados da situação funcional que os pudessem identificar.

O quadro a seguir apresenta alguns dados dos docentes e da realização da


entrevista:

Quadro 12
Caracterização dos professores entrevistados

Data de Curso Tempo


realização da Nome formação atuação de
Sexo Titulação
entrevista fictício Docência
Superior
14/09/2010 Pedro Masculino Biologia Ciências Biológicas Doutor 28
16/09/2010 João Masculino Direito Administração Doutor 19
10/09/2010 Antônio Masculino Administração Administração Mestre 16
20/09/2010 Ana Feminino Fisioterapia Fisioterapia Mestre 10
23/09/2010 Sara Feminino Letras Letras Doutor 22
27/09/2010 Paulo Masculino Física Matemática Doutor 12
29/09/2010 Mateus Masculino Odontologia Odontologia Mestre 19
01/10/2010 Ruth Feminino Pedagogia Ciência da Educação Doutor 22
04/10/2010 Thiago Masculino Psicologia Psicologia Doutor 23
06/10/2010 Maria Feminino Engenharia Civil Engenharia Civil Doutor 20
Fonte: protocolo de entrevista – elabora pela autora.

A transcrição da entrevista se caracteriza como uma etapa importante na


investigação e destina-se, de acordo com Paul Thompson (1992, p.57), “à mudança do
estágio da gravação oral para o escrito”, na qual, segundo o autor, o que deve vir a
público é um texto trabalhado, sem vícios de linguagem, erros gramaticais e palavras
repetidas, contudo, à parte da necessidade de correção, deve-se manter o sentido
intencional articulado pelo narrador. Nesse aspecto, Martin Baeur e George Gaskell
(2003, p. 106), afirmam que: “O nível de detalhes das transcrições depende das
finalidades do estudo. O quanto uma transcrição implica elementos que estejam além
das meras palavras empregadas, varia de acordo com o que é exigido da pesquisa.”

Para Pierre Bourdieu (2003) uma transcrição de entrevista não é um mero ato
mecânico de transcrever para o papel a narrativa gravada. Para o autor de algum modo o
investigador tem que apresentar os silêncios, os gestos, os risos, a entonação de voz do

194
entrevistado durante a entrevista. Os sentidos e expressões que um gravador de voz não
consegue captar podem ter importância na análise, uma vez que demonstram aspectos
subjetivos do narrador. Considera Bourdieu (2003), tal como afirma Paul Thompson
(1992), que o investigador deve dar legibilidade ao texto, aliviando-o de certas frases
confusas de redundâncias verbais ou tiques de linguagem. Ressalta, ainda, que o
investigador deve ter o cuidado de não trocar uma palavra por outra e jamais alterar a
ordem das perguntas. O ideal é que o próprio pesquisador faça a transcrição da
entrevista.

Nas perspectivas acima referenciadas, transcrevi as entrevistas com os docentes


em um processo delicado que implicou ouvir um trecho da entrevista, transcrever para
um texto, utilizando o Word, ouvir novamente, lendo o conteúdo escrito para realizar as
eventuais correções. Procurei me manter fiel à ideia das narrativas, porque de acordo
com Paul Thompson (1992, p.297) ao passar a narrativa para a forma impressa, o
investigador “precisa desenvolver uma nova espécie de habilidade literária que permita
que seu texto escrito se mantenha tão fiel quanto possível, tanto ao caráter quanto ao
significado do original.”

À medida que transcrevia as narrativas, pude perceber, em seu conteúdo, tratar-


se de discursos permeados de subjetividade, de lembranças de como a docência
universitária foi inserindo-se em suas vidas e de como poderia ter sido de outra maneira,
lembranças de uma trajetória que envolvem contradições, conflitos, harmonia, alegrias,
encanto e desencanto que podem ser encontrados na profissão acadêmica.

A transcrição integral de cada entrevista foi encaminhada aos respectivos


professores para leitura e, se assim o desejassem, ajustar o texto transcrito. Esse
procedimento foi acompanhado do Protocolo de Validação da Entrevista (anexo 4),
juntamente com a assinatura do Termo de Cessão de Direitos sobre Depoimento Oral e
Escrito (anexo 5).

195
2.3. Tratamento e análise dos dados.

No que concerne à análise de dados, Robert Bogdan e Sari Biklen (1994)


consideram-na como um processo de busca e organização, uma tarefa analítica para sua
compreensão e interpretação. Para os autores:

[...] um campo que era anteriormente dominado pelas questões da


mensuração, definições operacionais, variáveis, testes de hipóteses e
estatística alargou-se para contemplar uma metodologia de investigação
que enfatiza a descrição, a indução, a teoria fundamentada e o estudo
das percepções pessoais (Bogdan & Biklen, 1994, p.11).

Nesse sentido, analisar os dados significa interpretar e dar sentido a todo o


material de que se dispõe a partir da recolha de dados (Bogdan & Biklen, 1994).
Assinalam os autores que a análise de dados pressupõe diversas atividades: organizar e
subdividir os dados; sintetizá-los; procurar padrões; descobrir relevâncias. Durante todo
o processo o pesquisador terá que ler nas entrelinhas, ou seja, ele tem que ser capaz de
reconhecer as estruturas invisíveis que organizam a narrativa do entrevistado.

O processo de análise de dados, apontado por Frederick Erickson (1989), segue a


mesma direção, uma vez que o autor caracteriza essa etapa como de reflexão deliberada
e duradoura sobre a documentação obtida. A reflexão, de acordo com Erickson, impõe
exame deliberado do observador sob seu ponto de vista interpretativo, sob suas fontes
de teoria formal, sua formação cultural e seus valores pessoais, sendo que os materiais
coletados no campo não devem ser considerados por eles mesmos. Os dados precisam
ser construídos através de meios formais de análise, em que “o processo de análise
converte os recursos documentários em dados” (Erickson, 1989, p.149), ou seja, o
pesquisador vai percebendo regularidades e padrões que constituem as categorias de
codificação ou os meios para sua classificação e/ou agrupamento. Na categorização,
Menga Lüdke e Marli André (1986, p.42-43), assinalam a criatividade que o
investigador deve ter no processo de construção. Ressaltam as autoras que o processo é
essencialmente indutivo, exigindo grande rigor intelectual, inúmeras leituras e releituras
dos dados.

196
Os pressupostos acima assinalados foram por mim adotados no trabalho de
análise dos dados quantitativos, obtidos por meio de questionários destinados a docentes
e estudantes e, na análise das informações qualitativas, oriundas das entrevistas com
enfoque narrativo com docentes. Conforme descrito por Albano Estrela (1994),
considerei que a abordagem quantitativa carece de interpretação que possibilite alcançar
a relevância dos significados dos dados numéricos e a abordagem qualitativa uma vez
que apreende o vivido, necessita de organizá-lo e alargá-lo passando-o ao plano da
análise quantitativa.

Os procedimentos adotados em cada das abordagens metodológicas e nos


métodos de análise passam a ser em seguida explicitados.

2.3.1. Análise dos dados obtidos com os questionários.

A análise dos dados obtidos por meio dos questionários é um processo que
envolve a descrição dos dados coletados e a interpretação que se desdobra em um
processo de reflexão sobre o que foi descrito, à luz de conhecimentos mais amplos, e
que pode ser organizado nos procedimentos de estabelecer categorias para a análise,
tabular e distribuir as frequências, colocando os dados em tabelas para verificar as
relações que apresentam entre si. A apresentação dos dados pode ser sob a forma de
frequências absolutas (números), frequências relativas (percentual) e frequências
acumuladas.

Os dados de caráter quantitativos são, geralmente, submetidos à análise


estatística, que é realizada com ajuda de softwares, que dependendo do aplicativo
utilizado, podem calcular médias e percentagens, analisar dados coletados para
averiguar se possuem significância estatística, pode ainda, calcular correlações, bem
como possibilitar vários estilos de análise multivariada como a regressão múltipla ou a
análise fatorial. As análises estatísticas permitem, em última estância extrair sentido dos
dados coletados. Essas análises podem também se efetuar manualmente, com o auxílio
da calculadora.

197
No processo de análise e interpretação dos dados quantitativos, é realizada
primeiramente uma tabulação aos dados coletados e, na continuidade, efetua-se a
análise estatística que é procedida em dois níveis: a descrição dos dados e a avaliação
das generalizações obtidas a partir desses dados. De modo geral os dados coletados
podem ser tratados tanto de forma quantitativa quanto de forma qualitativa ou de forma
conjunta (Creswell, 2007), e nesse sentido, utilizam-se os investigadores da estatística
descritiva para apoiar uma interpretação considerada subjetiva.

Assinala Roberto Richardson (1999), que a utilização de um método quantitativo


de análise representa, em princípio, a intenção de garantir a precisão dos resultados,
evitar distorções de análise e interpretação, possibilitando consequentemente, uma
margem de segurança quanto às inferências. Dito de outra forma, o quantitativo é
utilizado quando se procura identificar quantitativamente o nível de conhecimento, as
opiniões, impressões, hábitos, comportamentos, do ponto de vista do universo
pesquisado. Para o autor, o método qualitativo, de modo contrário, não pretende
numerar ou medir unidades ou categorias homogêneas, e sim interpretar o objeto em
termos do seu significado. O aspecto qualitativo de uma investigação, de acordo com
Roberto Richardson (1999) pode estar presente até mesmo nas informações colhidas por
estudos essencialmente quantitativos.

Para proceder à análise, utilizei a metodologia quanti-qualitativa de natureza


descritiva e interpretativa, na perspectiva de que “[...] o estudo quantitativo pode gerar
questões para serem aprofundadas qualitativamente, e vice versa.” (Minayo &
Sanches,1993, p.247). Nesse sentido desenvolvi a análise dos dados oriundos dos dois
questionários utilizando uma abordagem interpretativa, de interação entre informação,
pensamento teórico e linguagem, pautada na afirmação de que, de acordo com Gilles
Granger (1982, citado por Minayo & Sanches,1993, p.246) “um verdadeiro modelo
qualitativo descreve, compreende e explica, trabalhando exatamente nesta ordem.”

No processo de análise que adotei nessa investigação, os dados coletados com os


questionários de docentes e alunos foram transferidos da base de dados do software de
coleta, de acesso ao questionário eletrônico, para planilhas de Excel. Esta transferência
foi necessária, uma vez que, devido ao número elevado da amostra de estudantes o

198
software não conseguiu “ler” as informações. O processo foi demorado e comprometeu
o período destinado para essa etapa no cronograma da tese.

Depois de superada essa dificuldade, os dados foram organizados em um


ficheiro Excel e seguidamente processados para tratamento com a utilização do
Programa Statistical Package for Social Sciences - SPSS (for Windows versão 15.0.). O
SPSS é considerado o software estatístico por excelência nas áreas das Ciências Sociais
para tratar dados provenientes de questionários, embora consista também em um
instrumento muito utilizado noutras áreas, quer no meio acadêmico quer no meio
empresarial.

Este instrumento me permitiu guardar dados de maneira acessível, organizá-los e


analisá-los tanto descritiva quanto inferencialmente. Na estatística inferencial, o teste do
Qui Quadrado 6, simbolizado por χ2, permitiu estudar a ocorrência de variações
significativas com as características dos inquiridos, com particular destaque para o
estudo, no caso dos docentes universitários, da variação com o tempo de docência,
procurando encontrar algumas correlações com o ciclo de vida profissional, e,
sobretudo, para estabelecermos o confronto sobre: (i) a compreensão dos professores
sobre si, enquanto docentes universitários (imagem de si) e (ii) a apreciação dos
professores sobre o exercício da profissão acadêmica no contexto universitário (imagem
da docência).

O cálculo do Qui-quadrado é obtido por meio da seguinte fórmula:

2= [(observado - esperado)² ]


esperado

Os dados obtidos através da estatística descritiva, são apresentados em tabelas e


gráficos, contudo, de modo a não tornar exaustivo a leitura do capítulo IV, em que
apresento a análise dos questionários, preferi não incorporar as tabelas no corpo da
análise e, em sua totalidade, apresentá-los nos anexos. Entretanto, alguns gráficos são

6
O Qui Quadrado é um teste de hipóteses que se destina a encontrar um valor da dispersão para duas
variáveis nominais, avaliando a associação existente entre variáveis qualitativas.

199
incorporados ao texto do capítulo de forma a apresentar graficamente a análise.
Relativamente a alguns itens, recorri à utilização de indicadores associados de forma a
possibilitar uma leitura comparativa, assim como em outras situações os dados de
alunos e professores estão ajustados por bloco de itens e assertivas.

Na interpretação dos dados dos questionários trabalhei com a perspectiva de que


a análise não se restringe à leitura de informações estatísticas, mas que envolveria
extrapolar os percentuais apresentados nas tabelas e gráfico, buscando compreendê-los e
interpretá-los à luz da multirreferencialidade (Ardoino, 1998a e 1998b) que acompanha
o estudo que desenvolvo. Busquei realizar uma leitura plural dos dados evidenciados,
procurando olhar além deles a partir de diferentes ângulos e situações, em função de
referências não redutíveis umas as outras, mas da articulação entre elas.

Nessa intenção, com base nas dimensões que nortearam a estruturação dos
questionários de docentes e alunos, evidenciadas anteriormente neste mesmo capítulo
(item, 2.2.1.1. Processo de construção, validação de conteúdo e teste-piloto dos
questionários), emergiram da estatística descritiva as tabelas e frequências e,
posteriormente, com o olhar posto nesses dados, organizei-os em categorias e
subcategorias qualitativas de análise, conforme apresentado no capítulo IV.

2.3.2. Análise das informações da entrevista narrativa.

No contexto da investigação que me propus a desenvolver, de caráter descritivo


e interpretativo, em uma abordagem de complementaridade quanti-qualitativa, com a
seleção da entrevista narrativa para a coleta dos dados qualitativos, a análise tem por
objetivo descobrir padrões de conduta, ideias e explicações sobre as informações,
seguindo um processo indutivo que permite alcançar algumas conclusões finais. De
acordo com Amanda Coffey e Paul Atkinson (2005, p.25), a análise dos dados
qualitativos configura-se “como o processo pelo qual o pesquisador expande e estende
os dados além da narrativa descritiva.”

200
Nessa perspectiva, para a análise das narrativas dos docentes universitários,
recolhidas por meio da entrevistas semi-estruturadas, utilizei procedimentos
metodológicos da análise de conteúdo (Bardin,1977; Laville & Dionne,1999), que,
conforme assinala Manuela Esteves (2006, p.107), permite “lidar com comunicações
frequentemente numerosas e extensas para delas extrair um conhecimento que a simples
leitura ou audição cumulativa não permitiria formar.” Assim, o investigador descreve os
dados e também faz inferências que podem ser contestadas ou corroboradas por outros
procedimentos de recolha e tratamento de dados, daquela ou de investigações futuras.

A análise de conteúdo como descreve Laurence Bardin, (1977) é uma técnica de


refino, portanto delicada, que exige do investigador dedicação, tempo, intuição e
imaginação para perceber o que é importante, além de criatividade para escolher as
categorias. O investigador deve ter disciplina, perseverança e rigor ao decompor um
conteúdo ou ao contabilizar resultados ou análises. De acordo com o autor a análise de
conteúdo pretende “tomar em consideração a totalidade de um texto, passando-o pelo
crivo da classificação e do recenseamento, segundo a frequência de presença (ou de
ausência) de itens de sentido.” (Bardin,1977, p.37). Organiza-se em três partes: a pré-
análise; a exploração do material; o tratamento dos dados, a inferência e a interpretação.

Na etapa da pré-análise, realiza-se a leitura dos dados contidos nos instrumentos.


Nessa fase, é estabelecido um esquema de trabalho que deve ser preciso, com
procedimentos bem definidos, embora flexíveis. A segunda fase, que contempla a
exploração do material, consiste em realizar operações de codificação e parte-se para
exploração das informações coletadas. Na terceira fase, desenvolve-se o tratamento dos
resultados, a inferência e a interpretação, e por fim, apresentam-se as informações
codificadas e categorizadas, destacando as mais importantes para a análise. Nesse
processo, de acordo com Laurence Bardin (1977, p.101), “o analista, tendo à sua
disposição resultados significativos e fiéis, pode então propor inferências e adiantar
interpretação a propósito dos objetivos previstos, ou que digam respeito a outras
descobertas inesperadas.”

201
No sentido proposto por José Olabuenaga e Maria Antonia Ispizua (1989), a
análise de conteúdo tem como base uma série de pressupostos, os quais, no exame de
um texto, servem de suporte para captar seu sentido simbólico. Este sentido nem sempre
é manifesto e o seu significado não é sequencial e linear, mas apresenta-se de forma
cíclica e circular e podendo ser interpretado em função de diferentes perspectivas. Um
texto, de acordo com os autores (Olabuenaga & Ispizua, 1989, p.185), contém muitos
significados:

- o sentido que o autor pretende expressar pode coincidir com o sentido


percebido pelo leitor do mesmo;
- o sentido do texto poderá ser diferente de acordo com cada leitor;
- um mesmo autor poderá emitir uma mensagem, sendo que diferentes
leitores poderão captá-la com sentidos diferentes;
- um texto pode expressar um sentido do qual o próprio autor não esteja
consciente.

De certo modo a análise de conteúdo é uma interpretação pessoal por parte do


pesquisador com relação à percepção que tem dos dados, não sendo possível uma leitura
neutra, uma vez que toda leitura se constitui numa interpretação (Moraes, 1999). É
possível, como assinalam Christian Laville e Jean Dionne (1999), trabalhar com o
conteúdo manifesto em uma interpretação do que não é aparente. Destaca, os autores,
que a análise de conteúdo não é um método rígido com etapas que devam ser seguidas
como uma receita, entretanto, tais etapas fornecem um direcionamento no trabalho do
pesquisador.

No livro intitulado “A construção do saber” – um manual de metodologia da


pesquisa em ciências humanas – , Christian Laville e Jean Dionne (1999), apontam que
a análise de conteúdo é principalmente aplicada nos dados que se apresentam como
discurso que abrange tanto textos extraídos de documentos como respostas obtidas em
perguntas abertas. O princípio que rege a análise de conteúdo é definido na
demonstração da estrutura e dos elementos desse conteúdo para esclarecer diferentes
características e extrair sua significação. Para os autores canadenses, a análise inicia-se
com a coleta das informações (materiais) e a primeira organização, posto que, toda
coleta é preliminarmente orientada pela questão de partida, “não é acumulação cega ou
mecânica: à medida que colhe informações, o pesquisador elabora sua percepção do

202
fenômeno e se deixa guiar pelas especificidades do material selecionado.” (Laville &
Dionne,1999, p. 215).

As etapas do processo de análise de conteúdo, conforme descrevem Christian


Laville e Jean Dionne (1999.), podem ser assim sintetizados:

a. Recorte de Conteúdos - o conteúdo coletado e organizado passa primeiramente por


um recorte, em que os relatos são decompostos para em seguida ser recompostos para
melhor expressar sua significação. Os elementos recortados devem alcançar o sentido
profundo do conteúdo, das ideias essenciais e, “vão constituir as unidades de análise,
ditas também unidades de classificação ou de registro.” (Laville & Dionne,1999, p.
216). As unidades consistem em fragmentos do discurso manifesto como palavras,
expressões, frases ou ainda ideias referentes a temas recortados.

b. Definição das categorias analíticas - os elementos recortados são agrupados por


parentesco de sentido e organizados sob as devidas categorias analíticas, que podem
assumir três modelos: Aberto, com categorias não fixas no início, mas que tomam forma
no curso da análise; Fechado, com a definição a priori as categorias apoiadas em um
ponto de vista teórico que submete frequentemente à prova da realidade e Misto no qual
as categorias são selecionadas no início, mas o pesquisador se permite modificá-las em
função do que a análise aportará.

c. Categorização final das unidades de análise - que se refere a uma análise de


reconsideração da alocação dos conteúdos e sua categorização com base em um
processo iterativo, característico do modelo circular da pesquisa qualitativa. Este
processo permite uma análise aprofundada dos recortes, com base em critérios
discutidos e incorporados, no qual analisa-se “uma a uma as unidades à luz dos critérios
gerais de análise, para escolher a categoria que convém melhor a cada uma.” (Laville &
Dionne,1999, p. 223).

De modo geral, para os autores um bom conjunto de categorias deve ser


pertinente, tão exaustiva quanto possível, não demasiada, precisa e mutuamente
exclusivas.

203
A categorização em Laurence Bardin (1977) é um processo de tipo estruturalista,
realizado em duas etapas. Na primeira formula-se um inventário em que se isolam
elementos e na segunda a classificação, onde se repartem os elementos, procurando
impor certa organização às mensagens. Conforme descreve o autor é “uma operação de
classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e,
seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia) com critérios
previamente definidos” (Bardin, 1977 p.117). Nesse sentido, a categorização é um
processo fundamental na análise de conteúdo, uma vez que faz a ligação entre os
objetivos de pesquisa e os seus resultados. As categorias devem percorrer todo o
conjunto do texto (exaustivas), os mesmos elementos não podem pertencer a diversas
categorias (exclusivas), e as características devem ser claras (objetivas) de modo a
permitir seu uso por diferentes analistas e conteúdo tratado. A pertinência pressupõe a
adaptação das categorias ao quadro de referência que permeia o texto ou a situação.

No que concerne à amplitude e precisão das categorias, Roque Moraes (1999),


com base nos apontamentos teóricos de Laurence Bardin (1977) e Klaus Krippendorff
(1990), assinala que as mesmas estão relacionadas ao número de categorias, de modo
que, quanto mais subdivididos os dados e quanto maior o número de categorias, maior a
precisão da classificação. Contudo, ressalta o autor, é preciso ter em consideração que
um número grande de categorias pode introduzir dificuldades de compreensão, uma vez
que o objetivo básico da análise de conteúdo é produzir uma redução dos dados de uma
comunicação, o que, em geral, exigirá um número reduzido de categorias.

Desse modo, com base nas referências teórico-metodológicas apontadas, o


processo de análise das informações inicia-se com a própria transcrição das entrevistas,
uma vez que ao ouvi-las inúmeras vezes, busco estabelecer uma compreensão das
narrativas coletadas procurando situá-las nas questões que orientaram a investigação. A
aproximação entre a rede conceitual e a rede metodológica engendra conceitos
produzidos nesta interface. Na etapa da pré-análise, realizo a leitura dos protocolos de
entrevistas (anexo 10) que foram numerados de acordo com a ordem de realização das
mesmas. Nessa fase, procurei estabelecer contato com as narrativas dos professores.
Após uma primeira leitura, procedi a uma segunda, já procurando aprofundar as ideias,
para reorganização e ressistematização. É uma fase que implica a retomada de cada

204
leitura por várias vezes com a intenção de vincular as ideias entre si, sendo para
Laurence Bardim (1977, p.95), uma fase de “organização propriamente dita [...] e tem
por objetivo tornar operacionais e sistematizadas as ideias iniciais, de maneira a
conduzir a um esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas, num
plano de análise.”

A problemática dessa investigação parte do pressuposto de que as novas


condições que a profissão acadêmica assumiu nos últimos anos no âmbito das
transformações ocorridas no ensino superior condicionaram, de modo particular, uma
reconfiguração nas imagens e nos perfis identitários sociais/profissionais dos
professores universitários. A profissão acadêmica, em razão das transformações que
ocorrem na universidade, vem passando por uma expansão de tarefas e ao mesmo tempo
por uma crise crescente com a introdução da pesquisa como sua principal função.
Depreende-se que essas transformações, para além das significativas mudanças que
impuseram ao trabalho docente, provocaram uma nova configuração na identidade
docente e na sua imagem socioprofissional. Essa problemática evidencia três eixos
temáticos, que assumem o status de categorias: (i) a docência no contexto universitário -
concepções, dilemas, possibilidades; (ii) o percurso profissional - inserção e formação
acadêmica e (iii) imagens da docência - imagem de si e do outro.

As sub-categorias de análise foram definidas com referência nos dados coletados


e são analisadas no capítulo V, intitulado Docência universitária: similitudes e
dissonâncias de imagens. De acordo com Leonor Arfuch (2002, p.196), procuro com
base na análise das narrativas dos docentes, “a possibilidade de construir tramas de
sentido por meio da confrontação e negociação – entre personagens, argumentações,
temporalidades distintas, línguas diferentes, vozes protagônicas e secundárias e articulá-
las em relatos cuja lógica interna seja suscetível de ser mostrada, não imposta de uma
exterioridade”, marcam a intencionalidade do capítulo.

Realizo a análise das narrativas no intuito de nos dilemas e desafios, com que se
defronta o docente universitário na contemporaneidade, buscar imagens da docência
incorporadas na configuração identitária docente, articulando as categorias, sub-
categorias e teorias de investigação em unicidade. O esquema apresentado a seguir

205
explicita os eixos temáticos e as categorias de análise pré-definidas com base nas
questões problematizadoras da investigação. Esse quadro categorial foi ampliando no
processo de leitura dos protocolos de entrevistas, originando sub-categorias que são
apresentadas e analisadas no capítulo V.

Figura 02
Unidades temáticas e categorias pré-definidas

Docência Universitária: Similitudes e dissonâncias de imagens

Unidade temática I Unidade temática II Unidade temática III


Concepção da Trajetória Imagem da
Docência Docente docência

Preparação Imagem Imagem


para a de si do outro
docência

Interpretações conclusivas do capítulo

Fonte: elaboração própria.

Uma vez definidas as categorias e identificado o material constituinte de cada


uma delas, conforme apresentados nas grelhas categoriais (anexo 9), procedi a análise
descritiva na qual expresso o conjunto de significados presentes em cada uma das
unidades de análise, incluindo em um diálogo com as teorias e os autores, em uma
abordagem multirreferencial, fazendo o uso de citações diretas dos dados originais. A
etapa da descrição, conforme assinala Roque Moraes (1999), com base nos
apontamentos teóricos de Laurence Bardin (1977) é de extrema importância na análise
de conteúdo. É, segundo o autor, o momento de expressar os significados captados e
intuídos nas narrativas analisadas, constitui-se, geralmente, em um texto produzido
como resultado da análise onde se poderá perceber a validade da pesquisa e de seus
resultados.

206
No texto produzido que compõe o capítulo V, empreendi um esforço no sentido
de ultrapassar a descrição dos significados captados e intuídos na narrativa dos
docentes, procurando atingir uma compreensão aprofundada do conteúdo por meio da
interpretação. Neste movimento, procurei ir além dos conteúdos manifestos pelos
docentes, buscando os latentes, os ocultados consciente ou inconscientemente nas
narrativas das experiências vividas na trajetória profissional dos docentes. De acordo
com Laurence Bardin (1977, p.41):

A leitura efetuada pelo analista do conteúdo das comunicações não é, ou


não é unicamente, uma leitura à ‘letra’ mas antes o realçar de um sentido
que se encontra em segundo plano. Não se trata de atravessar significantes
para atingir significados, à semelhança da decifração normal, mas atingir
através de significantes ou de significados (manipulados), outros
‘significados’ de natureza psicológica, sociológica, política, histórica,
etc.[...]

2.4. O plano amostral.

O plano amostral de uma investigação constitui-se de acordo com Paula Vicente,


Elisabeth Reis e Fátima Ferrão (1996), como o momento da exploração em que se
selecionam os elementos a partir dos quais se vão recolher os dados necessários a uma
investigação. De modo geral pode ser descrito por meio das seguintes etapas: definir a
população alvo; identificar a base de sondagem; escolher uma técnica amostral;
determinar a dimensão da amostra; selecionar os elementos da amostra e recolher a
informação necessária dos elementos da amostra.

- A população alvo

Segundo Eva Maria Lakatos e Marina Marconi (1999), a população alvo a ser
pesquisada ou universo da pesquisa, é definida como o conjunto de indivíduos que
partilham de, pelo menos, uma característica em comum. Constitui-se na totalidade dos
elementos sobre os quais incide a investigação e dos quais se pretende obter informação
(Vicente et al, 1996).

207
Assim, de onde parti e para o qual pretendo generalizar as conclusões, é o conjunto
de docentes e estudantes de duas Universidades brasileiras, ambas situadas no Estado do
Pará, região norte do Brasil, constituindo-se em uma pública e outra privada,
respectivamente a Universidade Federal do Pará – UFPA e a Universidade da Amazônia
– UNAMA. Desde o princípio fiz a opção por não fazer um estudo comparativo entre o
público e o privado, e embora saiba tratar-se de realidades distintas, focalizo meu
interesse em compreender o fenômeno e suas manifestações no conjunto dos
professores e alunos universitários.

O critério para a seleção das instituições Universitárias teve por base a facilidade
de acesso e acolhimento, uma vez que mantenho vínculo profissional docente em ambas
instituições. Contudo, para além do vínculo institucional, a intenção desde o início, no
projeto, era desenvolver um estudo com professores universitários por considerar que,
diferentemente das instituições não universitárias, a Universidade enquanto lócus do
desenvolvimento da profissão acadêmica, caracteriza-se por tratar como indissociável o
ensino, a pesquisa e a extensão, baseada na tese da pesquisa como mediação para o
ensino e para a extensão. Dito de outra forma, uma das linhas fundamentais de
demarcação interna entre a Universidade e as instituições não universitárias, constitui-se
na instituição da pesquisa e da excelência acadêmica, uma vez que as demais
instituições são caracterizadas basicamente pela oferta de ensino, excetuando-se,
possivelmente, os centros universitários, que deverão ofertar ensino de excelência.

A Universidade caracteriza-se como uma organização complexa, portadora de


objetivos, sistemas hierárquicos e estruturas diferenciadas das demais organizações,
bem como por um contexto marcado pela diversidade de interrelações com os ambientes
interno e externo, transpondo fronteiras de nações e servindo de elo agregador de uma
linguagem universal e globalizada – o conhecimento. Na complexidade do sistema
universitário, desempenhado múltiplas funções está o professor. O papel que o professor
desempenha na Universidade é extremamente complexo, repleto de ambiguidades e
contradições que influenciam na constituição de sua identidade e imagem profissional,
bem como na imagem da profissão acadêmica de modo geral. Como assinala Ida Berger
(1974, citado por Lima, 1996, p.51), o docente se encontra sempre, consciente ou
inconscientemente, em contradição consigo próprio.

208
O contexto universitário, complexo e multidiversificado, constitui-se por várias
comunidades, com objetivos diversificados e, por vezes conflitantes. Entre elas está a
dos estudantes, que constituem na sociedade de hoje, em um segmento da população
particularmente decisivo pelo seu protagonismo social, quer enquanto jovens
estudantes, quer nos seus destinos sociais potenciais e pelo fato de neles se revelarem
muitas das dinâmicas de mudança social e, consequentemente, da própria universidade.

- A base de sondagem

A base de sondagem é uma listagem dos elementos da qual se vai selecionar a


amostra (Vicente et al, 1996). Compõe-se de listas, mapas ou qualquer outro registro da
população de onde será retirada a amostra. Nesse sentido, no estudo que desenvolvo
sobre o professor universitário, identidade e imagem, a base de sondagem é a totalidade
de docentes e alunos das duas Universidades. Entretanto, dada a grande dimensão dessa
base e a dificuldade de abrangê-la, optei em delimitar a população alvo.

Os quadros 13, 14, 15 e 16 a seguir são representativos da base de sondagem das


Universidades pesquisadas.

Quadro 13

– Universidade Federal do Pará - UFPA


Quantitativo de docentes

Docentes efetivos QUANT.


Graduado 74
Aperfeiçoado/Especialista 176
Mestre 874
Doutor/Pós-Doutor 1.030
Docentes temporários
Substituto do 3º Grau 96
Substituto do 1º e 2º Graus 24
Visitante 8
Total 2.282
Fonte: DINFI/PROPLAN/ SisRH – relatório anual 2010
– elaboração própria.

209
Quadro 14
Universidade Federal do Pará - UFPA
Quantitativo de Alunos

Profissional/
Graduação Pós-graduação Tecnológica/
Cursos livres
Capital Interior Doutorado Mestrado Residência Especialização Cursos Cursos
Médica
técnicos livres
18.891 13.278 833 3.179 133 2.957 380 6.431
32.169 7.102 6.811
Fontes: PROPESP /SIE/UFPA/ ICA, ILC e Casa de Estudos Germânicos - relatório anual 2010 –
elaboração própria.

Quadro 15
Universidade da Amazônia - UNAMA
Quantitativo de docentes

Docentes efetivos Quant.

Doutorado 94
Mestrado 268
Especialização 136
Graduação 26
TOTAL 524
Fonte: Departamento de pessoal – relatório anual 2010
– elaboração própria

Quadro 16
Universidade da Amazônia - UNAMA
Quantitativo de Alunos
Tipo de Curso Alunos
Graduação Capital 9.817
Graduação Interior 121
Formação Específica (Interior) 207
Pós-graduação Stricto Sensu 82
Pós-graduação Lato Sensu 1.986
Total 12.213
Fonte: Secretaria de assuntos acadêmicos – relatório anual 2010
- Elaboração própria.

210
A Universidade Federal do Pará caracteriza-se como uma instituição
universitária multicampi, contudo, para a delimitação da população alvo optei por
considerar como universo somente docentes e alunos do campus universitário situado na
capital do Estado, bem como, também delimitei a população a docentes que mantém
vínculo institucional efetivo, ficando de fora os efetivos vinculados ao Ensino Básico
pertencentes à Escola de Aplicação de uma instituição pesquisada e os professores
visitantes ou com contrato temporário de trabalho, uma categoria denominada de
substitutos.

A população alvo de estudantes foi delimitada aos que estão matriculados em


cursos de graduação, não considerando os alunos matriculados nos curso de pós-
graduação lato e stricto senso. Nesse sentido, o quadro 17 a seguir é representativo da
população alvo de docentes efetivos e alunos da graduação das Universidades
pesquisadas consideradas para a amostra, delimitadas a partir da base de sondagem.

Quadro 17
População alvo

População alvo UFPA UNAMA Total da população alvo

Docentes Efetivos 1.558 524 2.082


na Capital
Alunos da graduação 18.891 9.804 28.695
Capital
Fonte: Relatório anual 2010 de Unama e da Ufpa. Elaboração própria

- Escolha de uma técnica amostral.

Conforme assinala Roberto Richardson (1999, p. 103), “cada unidade ou


membro de uma população, ou universo, denomina-se elemento e quando se toma certo
número de elementos para averiguar algo sobre a população a que pertencem, fala-se de
amostra”, assim, depois de definida a população alvo deve-se proceder à seleção dos
elementos da amostra. Essa etapa importa distinguir os métodos de amostra a ser
utilizado, se probabilísticos ou não probabilísticos, de acordo com Jack Levin (1985, p.
19):

211
[...] posto que o pesquisador trabalha com tempo, energia e recursos
econômicos limitados, raras vezes ele estuda individualmente todos os
sujeitos da população na qual está interessado. Em lugar disso, o
pesquisador estuda apenas uma amostra – que se constitui de um número
menor de sujeitos tirados de uma determinada população. Através do
processo de amostragem, o pesquisador busca generalizar (conclusões) de
sua amostra para a população toda, da qual essa amostra foi extraída.

Os métodos probabilísticos estão associados à seleção de amostras aleatórias,


caracterizada por dar a cada elemento da população uma probabilidade de inclusão na
amostra calculável e diferente de zero, ou seja, cada elemento da população tem uma
probabilidade conhecida de ser escolhido, uma vez que no momento da seleção se
considera toda a população a alvo. Uma amostra é considerada não aleatória quando
determinados elementos da população não têm possibilidade de ser escolhidos. É um
procedimento que permite a escolha dos indivíduos a incluir na amostra segundo
determinado critério mais ou menos subjetivo. Nesse caso não se pode conhecer a
probabilidade de determinado elemento ser selecionado. Conforme assinalado por Paula
Vicente et al (1996), os principais tipos de amostragem aleatória são: simples,
sistemática, estratificada, por clusters, multi-etapas e multi-fases. Nas amostras não
aleatórias são: por Conveniência, Bola de Neve e amostragem por quotas.

No estudo que desenvolvo optei em utilizar duas técnicas amostral, cada uma
acompanha, respectivamente as duas etapas do estudo de campo desenvolvido, quais
sejam: inquérito por questionários e entrevista.

Na primeira etapa, o inquérito por questionários, aplicados a docentes e alunos


das duas Universidades, buscou evidenciar: (i) a compreensão dos professores sobre si,
enquanto docentes universitários;(ii) a apreciação dos professores sobre o exercício da
profissão acadêmica no contexto universitário; (iii) a compreensão dos alunos sobre os
professores universitários e (iv) sobre a profissão acadêmica. Nesta etapa utilizei uma
amostra aleatória simples.

A amostra aleatória simples é uma amostra escolhida de tal forma que cada
pessoa na população tem a mesma probabilidade de ser incluída. Dito de outra forma se
a população tem um tamanho N, cada pessoa desta população tem a mesma
probabilidade igual a 1/N de entrar na amostra (Vicente et al ,1996).

212
Na segunda etapa do estudo de campo, realizo entrevista com docentes das duas
Universidades. O método escolhido para a seleção da amostra foi o não probabilístico.
A técnica utilizada foi a da amostragem por cotas, que consiste em uma amostra por
julgamento em duas etapas. A primeira consiste em desenvolver categorias ou quotas de
controle de elementos da população alvo e a segunda na seleção de elementos da
amostra com base no julgamento. Essa técnica é de certa forma subjetiva, baseada na
decisão pessoal do investigador. De acordo com Paula Vicente et al (1996) a
amostragem por quotas conduz a uma amostra em que a proporção de elementos que
possuem uma determinada característica é aproximadamente igual à proporção de
indivíduos na população que possuem essa mesma característica.

- A dimensão e seleção da amostra para o inquérito por questionário com docentes


e alunos.

Uma amostra deve ser representativa da população, isto é, tem de apresentar os


aspectos típicos, pois a amostra é um modelo em miniatura da população. De acordo
com Maria Cecília Minayo (1994), uma das características que diferenciam a
investigação qualitativa da quantitativa em relação à amostragem é o número de
elementos sociais investigados. Este número não deve ser muito grande, contudo deve
ser de maneira satisfatória de forma a permitir que o investigador seja capaz de
conhecer com propriedade o objeto de estudo. Para a autora nas investigações
qualitativas há uma preocupação menor com a generalização, uma vez que a relevância
constitua-se de um maior aprofundamento e abrangência da compreensão do fenômeno.

Desse modo, para a seleção da dimensão da amostragem por inquérito por


questionário de caráter probabilístico aleatório utilizei as seguintes fórmulas:

- Para o cálculo do erro amostral tolerável.

n = n0 = __1___
E 0²

213
- para o cálculo da amostragem.

n = N.n0
N + n0
Em que para a amostra de docentes:

 N = tamanho da população alvo – 2.082 docentes


 E0 = erro amostral tolerável – de 5% - (E0 = 0,05)
 n0 = primeira aproximação do tamanho da amostra – 400 docentes
 n = tamanho da amostra – 335 docentes

n = 2.082 x 400 / (2.082 + 400) = 335 docentes

Em que para a amostra de alunos:

 N = tamanho da população alvo – 28.695


 E0 = erro amostral tolerável – de 2% – (E0 = 0,02)
 n0 = primeira aproximação do tamanho da amostra – 2.500 alunos
 n = tamanho da amostra – 2.300 alunos

n = 28.695 x 2.500 / (28.695 + 2.500) = 2.300 alunos

Para a seleção da amostra não realizei sorteio prévio, uma vez que a finalidade
era de que os docentes e alunos o fizessem de modo voluntário, por motivações próprias
e, para tanto, ao universo da população alvo de docentes efetivos e alunos da graduação
foi encaminhada uma correspondência prévia por meio de correio eletrônico,
informando sobre a pesquisa e, convidando-os a participarem voluntariamente.
Posteriormente, encaminhei a este mesmo universo uma outra correspondência na qual
constava o modo de acessar a plataforma da pesquisa. Conforme já explicitado
anteriormente, cada elemento do universo da população alvo recebeu um protocolo de
acesso codificado através de um link em que exclusivamente esse respondente e

214
somente por uma única vez poderia participar. Desse modo, a dimensão da amostragem
assumiu uma meta a ser atingida para garantir o nível de confiança e representatividade.

- A dimensão e seleção da amostra para as entrevistas.

A dimensão da amostra não probabilística dos docentes para a entrevista não


envolveu cálculo. Nela os docentes universitários que integram a amostra das
entrevistas foram inicialmente selecionados com base nas informações obtidas no
preenchimento do inquérito por questionário, obedecendo aos critérios de:

 tempo de atuação na docência, no qual o tempo mínimo fosse 10 anos e o máximo


30, na percepção de que o intervalo fosse representativo da experiência com a
docência na universidade (10 < TP < 30);
 formações acadêmicas, distribuídas entre as grandes áreas de conhecimento;
 titulação mínima de mestre, no entendimento da importância da mesma na formação
acadêmica do docente;
 participação dos docentes nos cursos de graduação e pós-graduação, tendo em conta
a relevância da docência em sala de aula.

Essa de seleção gerou dois grupos com 10 elementos cada, sendo um de cada
Universidade.

Na segunda etapa, de caráter intencional, foram selecionados 10 participantes,


cinco de cada Universidade, para os quais encaminhei um convite para participar da
entrevista. A intenção era que se não houvesse adesão ao convite, recorreria ao banco de
reserva. Fato esse que ocorreu com um professor convidado que, por motivo de viagem
não estaria presente no período definido para a realização da entrevista. Constituem-se
assim em 10 participantes, 05 de cada instituição, qualificados de acordo com os
critérios estabelecidos e aptos a alimentar uma produtiva interlocução durante a análise,
uma vez que, como assiná-la Maria Cecília Minayo (1994, p.102), “[...] numa busca
qualitativa, preocupamo-nos menos com a generalização e mais com o aprofundamento
e abrangência da compreensão seja de um grupo social, de uma organização, de uma
instituição, de uma política ou de uma representação.”

215
- A recolha das informações

As informações colhidas de docentes e alunos envolveram o acesso on line ao


questionário. Esse processo, referente à participação dos docentes, foi acompanhado por
vários e-mails, quer ao não-respondentes com solicitação de participação, quer aos
respondentes parciais para que concluíssem o preenchimento do mesmo. Em alguns
casos os e-mails não eram válidos, apesar da listagem ser fornecida pelos setores das
instituições, que implicou solicitá-los às unidades de vinculação dos docentes.

De modo geral, obtive um total de 3.191 válidos respondidos pelos alunos, o que
significa uma taxa de retorno de mais de 100% da amostragem pretendida e, em relação
aos dos docentes dos 2.082 questionários enviados o retorno foi de 363 questionários
respondidos, dos quais só puderam ser considerados 309 válidos, com uma taxa final de
retorno de 85 %.

3. O universo empírico da investigação – da região norte do Brasil ao perfil das


Universidades.

O universo empírico da investigação são duas Universidades brasileiras, situadas


na região norte do país, em uma unidade da federação, o Estado do Pará e
especificamente na sua capital a cidade de Belém. A região norte é a maior região do
Brasil em área, com 3.869.639,9 quilômetros quadrados, com mais de 45% do território
brasileiro e conta com uma população de 15.865.678, de acordo com o censo (2010) do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, constituindo na menor parcela da
população por quilômetro quadrado – apenas 7% do total de habitantes, ou 2,91 por
quilômetro quadrado. Sub-divide-se em sete (07) estados: Amazonas (capital Manaus),
Roraima (capital Boa Vista), Acre (capital Rio Branco), Rondônia (capital Porto Velho),
Pará (capital Belém), Amapá (capital Macapá) e Tocantins (capital Palmas). Apresenta
como característica marcante a Floresta Amazônica.

O Estado do Pará tem uma população de 7.588.078 (Censo IBGE 2010) e a sua
capital Belém uma população de 1.392.031 (Censo 2010). Sua economia baseia-se no
extrativismo mineral (ferro, bauxita, manganês, calcário, ouro, estanho) e vegetal

216
(madeira), na agricultura, na pecuária, na indústria e no turismo. A cidade de Belém,
sede das duas Universidades na qual desenvolvo o estudo empírico, tem a sua fundação
datada do início do século XVII, especificamente do ano de 1616, quando foi erigido o
Forte do Castelo. Sua história remonta na época da bonança da extração da borracha,
onde deve seu impulso socioeconômico, nos finais do século XIX e início do século
XX.

- Universidade Federal do Pará – UFPA.

A Universidade Federal do Pará – UFPA – foi criada através da Lei nº 3.191, de


2 de julho de 1957, consistindo-se na primeira universidade pública federal da Região
Norte e da Amazônia Legal e a oitava universidade federal brasileira criada no âmbito
do plano nacional de expansão universitária de 1931. A instituição congregou,
inicialmente, as sete unidades de ensino superior já existentes e consolidadas, na capital
paraense, sendo elas as faculdades de: Medicina; Direito; Farmácia; Engenharia;
Odontologia; Ciências e Letras e de Ciências Econômicas, Contábeis e Atuariais.

Ao tomar como referência o curso de Medicina que foi implantado em 1919, a


Instituição conta com uma história de aproximadamente 92 anos de existência e tem
assumido a função central na formação de recursos humanos e auxiliado no
desenvolvimento da pesquisa em toda a Região Amazônica o que a torna uma das
maiores e mais importante instituição acadêmica pública e gratuita do Trópico Úmido.
Sua missão segundo o que preconiza seu atual Regimento Geral é “Gerar, difundir e
aplicar o conhecimento nos diversos campos do saber, visando à melhoria da qualidade
de vida [...], aproveitando as potencialidades da região mediante processos integrados
de ensino, pesquisa e extensão[...]” (UFPA, 2002, p. 24).

Sua sede administrativa, com a reitoria, pró-reitorias e suas principais faculdades


e institutos estão localizados na Cidade Universitária Professor José da Silveira Netto,
na cidade de Belém, capital do Estado do Pará, no campus do Guamá, ocupando uma
área de 2.235.404,50 m2 (dois milhões, duzentos e trinta e cinco mil, quatrocentos e
quatro metros e cinquenta centímetros quadrados), entre áreas construídas e não
construídas. As atividades distribuem-se em 11 (onze) campi e 55 (cinquenta e cinco)
pólos distribuídos pelas seis Mesorregiões do Estado.

217
As atividades acadêmicas, no campus sede, no qual realizamos a coleta de
informações, estão distribuídas em: 44 (quarenta e quatro) faculdades, que abrigam 98
(noventa e oito) cursos de graduação e que atendem a 18.891 (dezoito mil oitocentos e
noventa e um) alunos; 13 (treze) institutos acadêmicos; cinco núcleos; uma escola de
aplicação (Educação Básica); uma escola de música; uma escola de teatro e dança e dois
hospitais universitários.

Em números gerais, de acordo com o anuário base 2010, a Universidade federal


do Pará abriga uma comunidade composta por mais de 50 mil pessoas, distribuídas em:
2.282 professores, incluindo efetivos do ensino superior, efetivos do ensino básico,
substitutos e visitantes; 2.309 servidores técnico-administrativos; 7.102 alunos de cursos
de pós-graduação, sendo 4.012 estudantes de cursos de pós-graduação stricto sensu;
32.169 alunos matriculados nos cursos de graduação, 18.891 na capital e 13.278 no
interior do Estado; 1.886 alunos do ensino fundamental e médio, da Escola de
Aplicação; 6.431 alunos dos Cursos Livres oferecidos pelo Instituto de Letras e
Comunicação Social (ILC), Instituto de Ciência da Arte (ICA), Escola de Teatro e
Dança, Escola de Música e Casa de estudos Germânicos, além de 664 alunos dos cursos
técnico-profissionalizantes do ICA. Oferece 513 cursos de graduação, 116 na capital e
45 programas de pós-graduação, com 43 cursos de mestrado e 22 de doutorado.

No que diz respeito ao número de cursos, a Universidade Federal do Pará


apresenta-se em contínuo crescimento, tanto nos cursos de graduação quanto nos de
pós-graduação, tanto stricto sensu como lato sensu. Na graduação, do ano de 2000
para 2010, houve um crescimento percentual que se aproxima dos 96%. Na pós-
graduação, na somatória dos dois níveis, o percentual de crescimento é de
aproximadamente 128%.

Os dados evidenciam, que a maior expansão ocorreu nos cursos de pós-


graduação, com destaque para os cursos de especialização, que expandiram 287%. Em
seguida, os cursos de doutorado apresentaram uma expansão de 217%, no número de
alunos matriculados, e de 143%, no de cursos ofertados, passando de sete cursos, em
2000, para 22, em 2010, demonstrando que a política institucional de expansão tem
como prioridade a pós-graduação, o que é de extrema importância para a Região

218
Amazônica. Esse crescimento, também é relacionado ao crescimento do número de
docentes com titulação de doutorado. Há na instituição um forte política de incentivo a
qualificação docente, como pode ser observado pelo crescimento no número de doutores
que em 2000 era de 328 (trezentos e vinte oito), passando para 1.030 (um mil e trinta)
em 2010. Esse resultado elevou o Índice de Qualificação Docente – IQCD que era de
2,8 em 2000, para 3.99, em 2010, em uma escala que vai até cinco.

No cenário nacional, comparativamente a outras Universidades do Brasil, a


UFPA ocupa a 11ª posição em relação ao número total de alunos matriculados, entre
todas as instituições das duas esferas administrativas (públicas e privadas); a terceira
colocação, entre as instituições públicas (federais, estaduais e municipais), ficando
atrás da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (UNESP); e é a primeira colocada, neste quesito, entre as
universidades federais brasileiras. Entretanto, o número relacionado ao aumento do
quadro docente é de 19%, considerado baixo quando comparado a outras Instituições
Federais de Ensino Superior que têm percentual médio de 27%.

Em relação à pesquisa, a UFPA contava em 2010, com 958 projetos em


desenvolvimento, com a participação de 1.500 docentes e 70 técnicos. Na extensão
eram 40 programas em desenvolvimento e 97 projetos.

- Universidade da Amazônia – UNAMA.

A Universidade da Amazônia – UNAMA – é uma Universidade privada e, a


primeira universidade particular a ser reconhecida na Região Norte do país, em 21 de
outubro de 1993. Foi instituída com a fusão em 1987 entre a Faculdades Integradas
Colégio Moderno – FICOM e Centro de Estudos Superiores do Estado do Pará –
CESEP, ambas existentes desde 1974. Com a fusão foi criada a União de Ensino
Superior do Pará e seis anos mais tarde Universidade da Amazônia.

A Universidade possui quatro campi na capital. No campus Alcindo Cacela


funciona sua sede administrativa, com duas Pró-Reitorias, respectivamente, de Ensino e
de Pesquisa, Pós-graduação e Extensão, além de 04 Centros e 1 Instituto de Ciências
Jurídicas. Cada Centro possui um Conselho de Centro e cada Curso uma Congregação

219
de Curso. No mesmo nível hierárquico das Pró-Reitorias encontra-se uma Diretoria
Administrativa e Financeira que atua na área de recursos humanos, financeiros e de
conservação e manutenção predial. A Reitoria possui Assessoria Jurídica, de
Planejamento, um Núcleo de Comunicação, uma Coordenação Pedagógica e uma
Ouvidoria.

O centro da missão da Universidade é o homem da Amazônia. Para cumprir,


entretanto, seu papel institucional, a UNAMA busca construir sua identidade como
centro de referência do saber amazônico. A organização, qualidade e comunicação
constituem o tripé no qual procura se assentar a Universidade e o alunado reconhece que
são marcas principais da UNAMA a organização e o planejamento.

De acordo com o relatório do ano de 2010, a UNAMA ofereceu 33 Cursos de


Graduação, com ingressos semestrais, tendo sido ofertadas 1.805 vagas no primeiro
semestre e, para o segundo semestre foram ofertadas 800 vagas. Manteve, nesse ano, 4
programas de pós-graduação stricto sensu: Mestrado em Direito; Mestrado em
Administração; Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano; Comunicação, Linguagem
e Cultura. Ofertou, em média, 35 cursos de pós-graduação lato sensu. Além de seis
cursos superiores de Formação Específica, sendo um deles presencial e cinco, sob a
forma semi-presencial, em caráter experimental. Além disto, ofereceu o curso de
Administração de Empresas e Ciências Contábeis, em convênio com o Instituto Virtual
Brasileiro - IUVB.

A Unama desenvolve o programa de Interiorização das Licenciaturas, com oferta


dos Cursos de Letras, Matemática e Pedagogia, funcionou no ano de 2010 em quatro
municípios do interior do Estado, entretanto, desde o início de seu funcionamento, em
2000 até hoje, atuou em 62 municípios do Estado e já formou 3.502 professores.
Somado tudo, é da ordem de 57.503 o total de concluintes da UNAMA.

O Programa de Iniciação Científica da Universidade da Amazônia visa


promover a iniciação à formação de cientistas e pesquisadores, capazes de absorver e
participar dos avanços nas fronteiras mundiais do conhecimento e responder ao desafio
de contribuir para a ciência, para a tecnologia e para a inovação tecnológica na
Amazônia e no País. Destina-se a alunos regularmente matriculados em seus cursos

220
superiores de graduação e de formação específica, considerando a excelência do
rendimento nos estudos e o potencial de talento investigativo dos alunos que a ele se
candidatarem. No ano de 2010, foram oferecidas 36 bolsas.

A qualificação da pesquisa tem sido reforçada pela criação e investimentos em


uma Biblioteca específica para a pós-graduação e pesquisa. Professores, docentes,
discentes e funcionários da UNAMA, têm acesso imediato à produção científica
mundial, através de assinaturas de Base de Dados Científicas com importantes fontes de
informações acadêmicas e com acesso pela Internet. Os programas de pós-graduação, de
pesquisa e de graduação da Instituição ganham em qualidade, produtividade e
competitividade com a utilização dessas Bases de Dados que estão em permanente
atualização.

Na área da extensão, em 2010, foram oferecidas 35 vagas, envolvendo 17


docentes e 6 técnicos administrativos em 10 projetos. Nesta área, a Universidade tem
contado com o apoio da UNESCO e do UNICEF em muitos de seus projetos. Além da
UNB, no país, a UNAMA é a segunda universidade a contar com um Observatório de
Violências nas Escolas. Possui 2 Escritórios Técnicos e 3 Clínicas as quais
administrativamente são vinculadas à área de extensão.

Em 2010, o corpo docente da UNAMA totalizava 524 professores atuantes na


instituição. 94 (17,94%) possuem o título de Doutor e 268 (51,15%) são Mestres,
perfazendo um total de 362 (69,08%). Nos 162 (30,91%) restantes, há 136 docentes
(25,95%) com titulação de Especialistas e 26 (4,96%) que, titulados como graduados em
diferentes áreas do conhecimento, possuem larga experiência profissional.

A Universidade vem adotando, em seus cursos superiores, o permitido pela


legislação vigente no que tange ao uso do ensino a distância, já tendo produzido mais de
300 disciplinas nessa modalidade, com autoria dos professores e preparação adequada
pelo Setor de Ensino a Distância (EAD).

Quatro são os princípios norteadores da Universidade: (1) a promoção da


indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; (2) a qualidade do fazer
educacional, busca incessante que deve nortear todas as ações da Universidade, não

221
apenas no processo de ensino-aprendizagem, mas também no ordenamento de seu
trabalho acadêmico e científico; (3) a permanente construção do saber regional sem
perder de vista a dimensão nacional do conhecimento que a Universidade deve buscar,
e, (4) a comunicação permanente, interna e externa, de, sobretudo, constituir-se num
ente consolidado no campo interno e de preferência no campo externo.

4. O risco e benefício da investigação – os cuidados éticos.

Uma das recomendações que deve ter todo investigador é em relação aos
cuidados éticos no desenvolvimento de um estudo, tanto nos aspectos que envolvam
seres humanos, por meio da coleta de informações, quer nos aspectos de revisão
bibliográfica com o cuidado com a referência dos autores e de direitos autorais. Como
assinala Robert Bogdan e Sari Biklen (1994, p.75) em uma investigação “[...] a ética
consiste nas normas relativas aos procedimentos considerados corretos e incorretos por
determinado grupo”, que segundo os autores:

[...] são fruto de considerável reflexão e sensibilizam os respectivos


membros para dilemas e questões morais com as quais se podem
defrontar; outros são menos ambiciosos e funcionam mais como forma
de proteção do grupo profissional do que como repositórios de normas
de conduta. (Bogdan & Biklen, 1994, p. 75).

No Brasil, no ano de 1996 foi emitida a Resolução nº 196 do Conselho Nacional


de Saúde – CNS – que fixa as Diretrizes e Normas Regulamentadoras sobre Pesquisa
Envolvendo Seres Humanos. Entre as determinações está a da formação dos Comitês de
Ética em Pesquisa – CEP – nas instituições brasileiras, com base em documentos
internacionais e nacionais que defendem os direitos e deveres dos seres humanos. De
maneira geral a resolução prevê como princípios éticos: o consentimento livre e
informado dos participantes ou responsáveis; a explicitação do nível de risco, prejuízo e
benefícios; a garantia que os danos previsíveis serão evitados e a relevância social da
pesquisa.

222
Assim, ao projeto de investigação desenvolvido como um dos requisitos para
obtenção da titulação de Doutor em Educação, foram incorporadas as exigências e
procedimentos da Resolução 196/96, bem como, a preocupação ética acompanhou todo
o processo de condução da investigação.

Nesse sentido, o projeto de investigação foi submetido ao Comitê de Ética em


Pesquisa – CEP, da Universidade da Amazônia, uma vez que nessa Universidade
integro o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Desenvolvimento, fazendo
parte do grupo de pesquisa de Ensino Superior, devidamente registrado e certificado no
Diretório de Grupos de Pesquisa, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico – CNPq. O projeto obteve aprovação em Reunião plena do Comitê, como
pode ser observado no anexo 8. A Investigação recebeu o número de registro nº
380152/10 do CONEP. Esse registro foi inserido nos e-mails enviados aos inquiridos.

Inicialmente solicitei à Universidade Federal do Pará e à Universidade da


Amazônia autorização para tê-las como universo empírico da investigação, por meio de
correspondência encaminhada à Pró-Reitoria de Ensino, na UFPA e à Pró-Reitoria de
Pesquisa, Pós-Graduação e extensão da UNAMA. A correspondência foi acompanhada
da folha de rosto da Comissão Nacional de Ética em pesquisa – CONEP, para a
assinatura das Universidades.

De posse da autorização, solicitei aos setores competentes da cada uma das


Universidades, notadamente o Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação –
CTIC, da UFPA e a Coordenação de Tecnologia da Informação e da Comunicação –
CTIC, da UNAMA, os endereços eletrônicos dos docentes e alunos da população alvo.
Esse procedimento foi posteriormente, aprofundado junto à UFPA, nos Institutos de
vinculação docente, para confirmar e ou atualizar alguns endereços eletrônicos.

Para a obtenção da anuência dos participantes, elaborei o Termo de


Consentimento Livre e Esclarecido, anexo 6, no qual ao assinalá-lo, no caso dos
questionários eletrônicos, os inquiridos ficavam cientes de que a investigação tinha a
finalidade estritamente acadêmica, esperando contribuir para um maior conhecimento
da temática estudada, assim como concordavam com a utilização das informações
coletadas. O formulário para além dessas informações, garantia aos participantes que

223
seus dados de identificação ficassem resguardados pelo sigilo. Um protocolo de
identificação e intenção fez parte dos questionários eletrônicos, de forma a esclarecer
ainda mais o participante sobre os objetivos do estudo e sua importância.

Para a especificidade dos docentes que participaram da segunda etapa do estudo


empírico, solicitamos a concordância de ter a entrevista gravada por meio do Termo de
Cessão de Direitos sobre Depoimentos Oral e Escrito (anexo 5), bem como foi também
elaborado um Protocolo de Validação das Entrevistas (anexo 4), no qual os docentes
entrevistados após as transcrições, validavam o conteúdo transcrito e concordavam com
a sua divulgação. Os docentes entrevistados receberam um nome de identificação
fictício, assim como uma das medidas também adotadas foi a de não revelar a
Universidade de vinculação dos docentes e dados da situação funcional que os pudesse
identificar.

Conforme assinala Gilberto Velho (1986), o risco existe sempre que um


investigador lida com indivíduos próximos, às vezes conhecidos, com os quais
compartilha preocupações, valores, gostos, concepções. Contudo, destaca que, quando o
investigador toma sua própria sociedade como objeto de pesquisa, é preciso sempre ter
em mente que sua subjetividade precisa ser “incorporada ao processo de conhecimento
desencadeado” (Velho,1986, p.16). Ao incorporar a subjetividade não significa que
abrirá mão do compromisso com a obtenção de um conhecimento mais ou menos
objetivo, e sim implicará em buscar formas igualmente adequadas de lidar com o objeto
da investigação.

5. Síntese do capítulo.

Esse capítulo teve como objetivo central explicitar os procedimentos


metodológicos que nortearam esta investigação. Nele esclareci as opções tomadas, em
função dos pressupostos teóricos inerentes à epistemologia das ciências sociais e à
metodologia de investigação em educação, apresentando o problema, os objetivos do
estudo e as questões que nortearam o planejamento da investigação. Do mesmo modo
procurei fundamentar teoricamente as técnicas de recolha e análise da informação e os
procedimentos envolvidos na construção dos instrumentos selecionados. Especifiquei o

224
desenho do plano amostral, assim como procurei situar o universo empírico da
investigação com uma breve descrição das Universidades. Por último, mas sem a
finalidade de acabamento, apresentei os cuidados direcionados aos aspectos éticos.

No próximo capítulo trago à discussão e análise os resultados obtidos com a


aplicação dos questionários eletrônicos a docentes e alunos e, com isso, aproximar-me
de respostas a alguns dos objetivos e questões desse estudo que vem sendo construído
na percepção de que as contemporâneas transformações no Ensino Superior e na
universidade como instituição, provocaram significativas mudanças na profissão
acadêmica, na identidade profissional docente e na sua imagem socioprofissional.

225
226
CAPÍTULO IV

PROFESSORES E ALUNOS NO EXPRESSAR DE CONSIDERAÇÕES SOBRE


DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA

A pluralidade humana, condição básica da ação e do discurso, tem duplo


aspecto de igualdade e diferença. Se não fossem iguais, os homens seriam
incapazes de compreender-se entre si e aos seus ancestrais, ou de fazer
planos para o futuro e prever as necessidades das gerações vindouras. Se não
fossem diferentes, se cada ser humano não diferisse de todos os que
existiram, existem ou virão a existir, os homens não precisariam do discurso
ou da ação para se fazer entender. Com simples sinais e sons, poderiam
comunicar suas necessidades imediatas e idênticas.

Hannah Arendt (1987, p.188).

No capítulo anterior explicitei os procedimentos metodológicos que nortearam


esta investigação. Nele esclareci as opções adotadas, em função dos pressupostos
teóricos inerentes à epistemologia das ciências sociais e à metodologia de investigação
em educação. Procurei fundamentar teoricamente as técnicas de recolha e análise das
informações e os procedimentos envolvidos na construção dos instrumentos
selecionados. Especifiquei o desenho do plano amostral, assim como procurei situar o
universo empírico da investigação com uma breve descrição das Universidades e os
cuidados direcionados aos aspectos éticos.

Neste capítulo, apresento os resultados do inquérito por questionário junto a uma


amostra de docentes e alunos de duas universidades brasileiras da região norte do país,
da cidade de Belém, Estado do Pará. A interpretação e análise cruzam o tratamento
quantitativo e descritivo-analítico (qualitativo) sobre as respostas de 3.191 alunos e de
309 professores a questões fechadas, introduzidas em dois questionários aplicados por
meio de correio eletrônico, sendo um modelo de aplicação aos alunos e um outro para
os docentes, que buscaram evidenciar os aspectos envolvidos na construção e
desenvolvimento da identidade dos professores universitários em seu desenvolvimento
profissional; o grau de identificação com as diferentes funções do trabalho acadêmico;
as principais razões para iniciar uma carreira docente na Universidade; o grau de
satisfação e prestígio conferidos pelos professores às funções acadêmicas; as

227
concepções e as imagens da docência e os significados e sentidos da profissão
acadêmica e do professores na percpção dos estudantes universitários.

Proponho-me, nesse capítulo, a identificar e analisar as imagens da docência


universitária e da profissão acadêmica na compreensão dos alunos e dos próprios
docentes, assim como, ao final, de maneira conclusiva, elaborar um encontro entre as
imagens, procurando as similitudes e dissonâncias. Interessa-me saber, portanto: (i) a
compreensão do professor sobre si, enquanto docente universitário (imagem de si); (ii) a
apreciação do professor sobre o exercício da profissão acadêmica no contexto
universitário (imagem da docência); (iii) a compreensão dos alunos sobre os professores
universitários (imagem docente) e (iv) sobre a profissão acadêmica (imagem social da
docência).

O capítulo subdivide-se em quatro itens. No primeiro, apresento uma breve


descrição dos procedimentos metodológicos, tendo em vista que no capítulo III consta o
detalhamento metodológico utilizado no desenvolvimento da tese, assim como, analiso
o perfil dos docentes e alunos participantes da pesquisa no contexto universitário. No
segundo e terceiro itens apresento, respectivamente, os dados emanados do inquérito
aplicado aos professores e aos alunos nas duas universidades pesquisadas. O quarto item
trata do encontro de imagens, das similitudes e dissonâncias da compreensão de
professores e alunos sobre a docência universitária.

1. Descrição metodológica do capítulo.

Neste capítulo, adoto uma metodologia de natureza descritivo-analítica para a


análise dos dados obtidos por meio dos inquéritos aos docentes e alunos, sendo esta
caracterizada por buscar identificar e analisar as características de determinada
população, nesse caso, professores e alunos universitários. Utilizei diferentes teorias em
uma perspectiva multirreferencial (Ardoíno, 1998a; Martins, 2004), para interpretar os
dados, buscando identificar e analisar as imagens da docência universitária na
compreensão dos alunos e dos próprios docentes.

228
A população alvo foi selecionada em duas Universidades, ambas situadas no
Estado do Pará, região norte do Brasil, sendo composta por docentes efetivos e alunos
dos cursos de graduação de cada um do campus universitários sediados na capital do
Estado, na cidade de Belém, sendo desconsiderados professores e alunos dos campi
avançados.

A amostra de alunos como de professores tem caráter aleatório simples, ou seja,


é uma amostra escolhida de tal forma que cada pessoa na população alvo tem a mesma
probabilidade de ser incluída. No entanto, a finalidade era de que os participantes o
fizessem de modo voluntário, por motivações próprias. Para tanto, ao universo da
população alvo, de docentes efetivos e alunos que atuam nas duas universidades
cenários da investigação, foi encaminhada uma correspondência prévia por meio de
correio eletrônico, informando sobre a pesquisa e convidando-os a participarem
voluntariamente. Posteriormente, encaminhei a este mesmo universo uma outra
correspondência na qual constava o modo de acessar a plataforma da pesquisa.
Conforme já explicitando anteriormente no capítulo 3, cada elemento do universo da
população recebeu um protocolo de acesso codificado através de um link, no qual
poderia participar. Ressalto, que os docentes participantes da amostra mantém vínculo
institucional efetivo, ficando de fora da amostra os docentes efetivos vinculados ao
Ensino Básico pertencentes à Escola de Aplicação de uma instituição pesquisada e os
professores visitantes ou com contrato temporário de trabalho, uma categoria
denominada de substitutos.

A escolha do questionário, com questões fechadas, como instrumento de recolha


de dados (Ghiglione & Matalon,1992) e a forma de submetê-lo aos participantes foi a
opção por mim desenhada de inquirir um número maior de professores efetivos e alunos
da graduação, tendo em conta as características singulares de quem faz parte do
contexto universitários, como a sobrecarga nas atividades acadêmicas e os horários
diferenciados. Assim, mesmo tendo como pressuposto que, por maior que sejam a
amostra e o rigor adotado, não há como abarcar a realidade, mas tão somente apontar
probabilidades, a aplicação do questionário ofereceu algumas vantagens, entre elas um
menor riscos de distorção da resposta, maior tempo e liberdade para os professores
responderem e mais uniformidade na avaliação (Lakatos & Marconi, 2003).

229
A construção dos itens, que compõem os questionários, teve o apoio do quadro
teórico anteriormente situado, em uma perspectiva multirreferencial que se propõe
estabelecer um olhar mais plural sobre os fenômenos sociais, principalmente o
educativo, a partir da conjugação de várias concepções teóricas (Martins, 2004). Os dois
questionários foram estruturados com base em dimensões orientadoras. A primeira, em
ambos, compreende questões relativas a um perfil do respondente, sendo que no
questionário destinado aos professores universitários a segunda e terceira parte
envolvem, respectivamente, questões que abarcam a compreensão dos professores sobre
si, enquanto docentes universitários e sobre o exercício da profissão docente no
contexto universitário. No questionário destinado aos alunos, uma dimensão envolve a
compreensão sobre os professores universitários, buscando identificar a imagem
docente na compreensão dos alunos e, na outra, os itens tratam sobre a carreira
acadêmica e a imagem social da docência.

Os dois questionários foram submetidos à validação de conteúdo por um grupo


de especialistas, doutores na área das Ciências da Educação e vinculados a Programas
de Pesquisa e Pós-Graduação. Posteriormente foi aplicado a um grupo de 10 professores
e 30 alunos para um teste-piloto. Todos os procedimentos éticos que envolvem uma
investigação com seres humanos foram cuidadosamente adotados e encontra-se o
detalhamento desse processo referenciado no capítulo anterior.

O desenvolvimento da investigação ocorreu em duas Universidades brasileiras,


situadas na cidade de Belém, Estado Pará, região norte do país, sendo elas:
Universidade Federal do Pará – UFPA, integrante do sistema público federal da
educação superior, é atualmente uma das maiores instituições do Trópico Úmido,
abrigando, de acordo com os dados do ano de 2010, uma comunidade composta por
2.398 professores, incluindo efetivos do ensino superior, efetivos do ensino básico,
substitutos e visitantes; 7.102 alunos de cursos de pós-graduação; 32.169 alunos
matriculados nos cursos de graduação, 18.891 na capital e 13.278 no interior do Estado;
oferece 513 cursos de graduação e 45 programas de pós-graduação, com 43 cursos de
mestrado e 22 de doutorado e; Universidade da Amazônia – UNAMA tem o perfil de
uma istituição jovem, com uma história institucional de inovação e de tradição e um
posicionamento relevante na região. É uma instituição privada com ênfase no Ensino, na

230
Pesquisa e na Extensão, sendo a primeira e até a presente data única Universidade
privada do Estado do Pará. Atualmente possui quatro campi e conta aproximadamente
10.000 alunos, 524 docentes, de acordo com os dados do ano de 2010. Oferta 33 Cursos
de Graduação, 4 programas de pós-graduação Stricto Sensu e 35 cursos de
especialização. Conta com 06 cursos superiores de Formação Específica.

A opção por essas instituições foi fundamentada em características intrínsecas


das referidas instituições e por motivações pessoais próprias. No que concerne às
características intrínsecas, ambas instituições são Universidades, sendo essa a condição
primeira, uma vez que a intenção no estudo que desenvolvo é identificar as imagens da
docência no contexto universitário. Sendo assim, não cabia fazê-lo em instituições não
universitárias. Considerei, também o tempo de existência enquanto Universidades e o
que representam de valoração no contexto social. Nesse parâmetro, a UFPA tem 54
anos de existência e a UNAMA 18 anos. Entretanto, cabe evidenciar que ambas são
mais antigas e atuantes no cenário estadual, uma vez que se originaram da reunião de
faculdades isoladas, o que faz com que a UNAMA tenha uma história institucional de
37 anos de atuação e a UFPA, tomando como referência o curso de Medicina que foi
implantado em 1919, conta com uma história de aproximadamente 92 anos de
existência.

Nos vínculos profissionais docentes que mantenho com cada Universidade,


encontro a motivação pessoal que me fez optar por tê-las como universo de pesquisa e,
apesar da natureza administrativa diferenciada de cada uma, jamais tive como intenção
realizar um estudo comparado entre o público e o privado. No entanto, não posso
desconsiderar que o trabalho docente deve ser compreendido na realidade multifacetada
das instituições universitárias, uma vez que, de acordo com Deise Mancebo (2004,
p.248), “há diferenças abissais nas condições de trabalho, na qualificação dos
professores, nas origens sociais dos docentes, na participação em órgãos de classe e nas
práticas que desenvolvem no ensino, na pesquisa e na extensão.”

Pondero que o atual quadro político-social da Universidade assumiu um estatuto


global, com similitude institucional e organizacional. E, nesse sentido, a preferência em
não analisar os dados tendo em conta a vinculação institucional dos participantes, mas

231
considerá-los no contemporâneo processo global de profundas mudanças ocorridas na
relação Estado/universidade/professor (Marilia Morosini, 2000), que ocasionam
inúmeras consequências na imagem docente e na identidade do professor universitário,
o que, do ponto de vista elegido neste estudo, confere à identidade o status de um
conceito-chave para a compreensão dos principais tensionamentos pós-moderno,
identificados por Stuart Hall (2003, p.7), pela “crise de identidade” e pelas “rupturas
com as estruturas sólidas e totalizantes que forneceram aos sujeitos[....] uma ancoragem
estável no mundo social.”

O trabalho de coleta dos dados transcorreu no período de 04 de outubro a 03 de


dezembro de 2010. A plataforma de acesso aos questionários e o repositório dos dados
foram desenvolvidos pela Universidade da Amazônia – UNAMA, através da
Coordenação de Tecnologia da Informação e da Comunicação – CTIC.

Para proceder à análise, utilizei a metodologia quanti-quanlitativa de natureza


descritiva. Os dados obtidos através da estatística descritiva, são apresentados em
tabelas e gráficos, contudo, de modo a não tornar exaustivo o capítulo, optei por
incorporar apenas algumas tabelas no corpo da análise e, em sua totalidade apresentá-las
nos anexos.

Na interpretação dos dados dos questionários trabalhei com a perspectiva da


multirreferencialidade que, de acordo com Jacques Ardoino (1998a e 1998b), surge no
contexto educacional relacionada ao reconhecimento da complexidade e da
heterogeneidade no processo educativo. A multirreferencialidade propicia que o
investigador compreenda a complexidade da realidade em uma perspectiva
multidisciplinar, bem como é uma abordagem analítica aberta a interiorização
significante do sujeito observador e não fechada entre si, uma vez que assume a
perspectiva da heterogeneidade. Assim sendo, utilizo múltiplas referências que me
possibilitam uma maior compreensão sobre o professor universitário e a profissão
acadêmica, em uma perspectiva de olhá-os de forma complexa, na abrangência de suas
identidades e imagens.

Para a interpretação dos dados, tomo como procedimento inicial as dimensões


que nortearam a estruturação dos questionários de docentes e alunos, evidenciadas

232
anteriormente no capítulo 3. Dos dados obtidos através da estatística descritiva,
emergiram as categorias e sub-categorias qualitativas de análise, conforme explicitado
no quadro 18, a seguir:

Quadro 18
Eixos temáticos, categorias e sub-categorias de interpretação e análise dos dados
do inquérito aplicados aos docentes e alunos na Universidade

Eixos temáticos Categorias Sub-categorias


Exercício da profissão  Qualificação acadêmica
acadêmica  Tempo de docência
 Situação funcional
Condições de trabalho no  Regime de trabalho
exercício da docência  Carga horária
 Vinculação
 Ambiente acadêmico
EIXO I – Imagens docente na
compreensão dos professores Constituição da docência  Inserção na docência
universitária  Exercício profissional
 Continuidade na carreira
 Professor de referência
Contexto do trabalho  Funções acadêmicas
acadêmico  Prestígio e valoração
 Reconhecimento social
Complexidade da profissão  Docência e a formação
acadêmica  Trabalho acadêmico
 Dilemas acadêmicos
 Modificações na carreira
 Necessidades
contemporâneas
Imagem social a auto-  Trabalho acadêmico
imagem docente  Valorização acadêmica
 Auto-imagem docente
 Imagem pedagógica
EIXO II – Imagens sociais Imagens do professores  Imagem socioprofissional
da docência e da profissão  Imagem pessoal
acadêmica na apreciação dos
alunos Profissão acadêmica e  Condições profissionais
imagem social da docência  Imagem social da docência
Cultura profissional  Aspectos pedagógico-
docente didáticos
EIXO III – Encontro de  Aspectos Inter-relacionais
imagens de docentes e alunos
Valorização profissional  Prestígio acadêmico
 Reconhecimento
socioprofissional

Fonte:Questionários docentes e alunos - elaboração própria.

233
2. Docentes e alunos no contexto universitário: um perfil.

Neste item, as informações coletadas pelos dados obtidos por meio dos
questionários aplicados a docentes e alunos universitários foram organizadas em tabelas
e gráficos que permitem a visualização das características demográficas dos
participantes, sendo apresentadas na forma de percentual, com a intencionalidade de
revelar a representatividade das seguintes categorias: faixa etária e área de
conhecimento de vinculação acadêmica dos alunos; e a faixa etária, área de
conhecimento de vinculação acadêmica, tempo de docência universitária, formação,
situação funcional, regime de trabalho, carga horária semanal, situação acadêmica e
número de instituições de vinculação dos professores voluntários da amostra.

A vinculação acadêmica dos docentes e alunos está representada na tabela 01 por


áreas de conhecimento, de acordo com a classificação da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes (2009). A distribuição dos
inquiridos por área de conhecimento tem a finalidade de organizar, de maneira
funcional, os dados que foram coletados nas Universidades pesquisadas, traduzindo-os
para uma linguagem mais abrangente.

Tabela 01
Distribuição dos docentes e alunos por área de conhecimento

Área de conhecimento/ Vinculação Docentes % Alunos %


Ciências Exatas e da Terra 4,2 0,5
Ciências Biológicas 3,2 0,5
Engenharias 20,7 12,5
Ciências da Saúde 18,1 17,5
Ciências Sociais Aplicadas 25,5 47,6
Ciências Humanas 23,2 21,0
Linguística, Letras e Artes 4,2 0,2
Multidisciplinar 0,9 0,2
Totais 100 100
Fonte: Dados dos questionários aplicados de 04/10 a 03/12 de 2010.

234
O maior percentual dos respondentes ao inquérito situa-se na área de
conhecimento das Ciências Sociais Aplicadas com 25,5% dos docentes e 47,6% dos
alunos. Nessa área de conhecimento, saliento que 32,6% dos respondentes são alunos do
curso de Direito, vinculados ao Instituto de Ciências Jurídicas. Entretanto, como pode
ser observado na tabela 01, também houve uma participação expressiva de docentes e
alunos das Engenharias e das Ciências da Saúde.

No conjunto observo que a concentração de respondentes na área de Ciências


Sociais Aplicadas vai ao encontro da própria realidade brasileira em que essa área ocupa
a maior concentração de matrícula, com mais de 40% do total. Os cursos de
Administração e Direito são os de maior procura no Brasil e o de Ciências sociais é o
que menos concentra matrículas nessas áreas.

Em relação à faixa etária, nos dados apresentados na tabela 02, no anexo 11, a
média predominante dos docentes é de 40 a 59 anos, com percentual de 64,1%,
indicativo de uma população docente mais madura, com estabilidade profissional,
maturidade política, visão crítica do mundo e amadurecimento nos relacionamentos. Os
docentes da faixa etária de 30 a 39 anos representantes de 18,8% estão no caminho da
consolidação profissional com busca constante de aperfeiçoamento e querendo o melhor
de si no exercício da docência. Os docentes acima de 60 anos, um percentual de 13,3,
foram pouco representativos na amostra, o que me conduz a deduzir um certo
distanciamento com as questões da docência. Nos alunos, a faixa etária que predomina é
de 21 a 30 anos com percentual médio de 48,3%, entretanto os dados apontaram que
38% dos alunos, que voluntariamente responderam a pesquisa, estão acima dos 31 anos.

Foi-me possível observar que a faixa etária em que os docentes e alunos estão
conjuntamente situados é a de acima de 31 anos, correspondente a um percentual de
18,8% de professores e 38% dos alunos, o que me leva a ponderar que dificilmente pode
ocorrer dificuldade quanto à delimitação de papéis e exercício da autoridade, tendo
como parâmetro a maturidade que os alunos e docentes já se encontram.

235
3. Os professores universitários no exercício da profissão acadêmica.

3.1. Qualificação acadêmica.

A qualificação acadêmica dos docentes participante do inquérito, nas duas


instituições, revela uma concentração de docentes mestres (49%) e doutores (33,7),
como apontado no Gráfico 03. O percentual de pós-doutores é apresentado na tabela 03,
anexo 11, ainda que esses títulos não configurem graus de formação. Entretanto, como
se trata de um aprofundamento intelectual considerado nos programas de pós-graduação
brasileiro é pertinente ser evidenciado.

Gráfico 03

Qualificação Docente

Pós-Doutorado; 4,5%
Especialização; 12,6%

Doutorado; 33,7%

M estrado; 49,2%

Fonte: Dados do questionário aplicado aos Docentes - de 04/10 a 03/12 de 2010

Os dados da qualificação são coerentes com a realidade dos docentes


universitários da região Norte do Brasil, a qual segundo relatório do Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP/MEC, 2009), apresenta os índices mais
baixos do país em relação à titulação docente, contando com apenas 3,7% dos doutores
e 6,2% dos mestres. Porém, o Estado do Pará concentra o índice mais elevado de
doutores 45,6% (1.579) e de mestres 38,3% (3.063) da região Norte.

236
A titulação docente é fundamental para a qualidade do ensino superior na
medida em que aponta para uma formação acadêmica mais aprofundada por parte do
corpo docente. Não obstante a associação entre titulação e qualidade do corpo docente
não se constitua válida como variável única para o desempenho dos docentes
individualmente, é relevante quando se considera o conjunto do sistema da educação
superior. Ainda que os cursos de pós-graduação stricto senso se aprofundem em uma
área especifica do conhecimento e da pesquisa, tornando-se responsáveis, conforme
assinala Graziela Pachane (2004) mesmo que não intencionalmente, por reproduzir e
perpetuar a crença de que para ser professor basta ter conhecimento aprofundado de
determinado conteúdo ou ser um bom pesquisador, a importância da formação didático-
pedagógica e a construção de um novo perfil para docentes universitários começa a ser
uma realidade. A correlação entre a formação vulgarmente oferecida em cursos de pós-
graduação stricto senso e a melhoria da qualificação do professor para o exercício da
docência no ensino superior têm se constituído em elemento de investigação,
nomeadamente quando se discute a qualidade do ensino superio.

3.2. Tempo de docência e situação funcional.

Na interpretação concernente ao tempo de docência na universidade, a análise


dos dados tem como referência os estudos de Klaus Riegel (1979) e Michael Huberman
(1992). Contudo, não segui rigorosamente as delimitações temporais descritas por cada
um dos autores, uma vez que este estudo não tem como base o ciclo de vida dos
professores universitários, assim como tendo em conta que o ingresso e o término da
carreira docente sofreram modificações nas últimas décadas.

A concepção do desenvolvimento para toda vida, ancorada nos estudos de Klaus


Riegel (1979), considera que o indivíduo vai mudando à medida que a estrutura social
se transforma, denominado pelo autor de perspectiva dos Eventos da Vida. O
desenvolvimento, segundo o autor, é influenciado por processos de maturação:
biológico interno; extrafísico (evento traumático); psicológico e processo de maturação
sociológica. A capacidade de interagir em sociedade envolve o amadurecimento
psicológico e sociológico. De uma forma ampla, Klaus Riegel considera que tanto o

237
desenvolvimento pessoal quanto profissional podem ser concebido como “um processo
dialético, integrando forças internas e externas, importando, para sua compreensão, o
modo como estas forças são enfrentadas concretamente ao longo da vida e da carreira.”
(citado por Isaia, 2001,p.26).

Para Michael Huberman (1992, p. 38), o desenvolvimento de uma carreira é “[...]


um processo e não uma série de acontecimentos. Para alguns, este processo pode
parecer linear, mas, para outros, há patamares, regressões, becos sem saída, momentos
de arranque, descontinuidades”. Em outras palavras, as sequências de desenvolvimento
não são vividas na mesma ordem e nem todos os professores percorrem todos os
elementos da profissão.

Desse modo, agrupei os anos de docência no ensino superior em cinco períodos:


01 a 05 anos; 06 a 10 anos;11 a 20 anos; 21 a 30 anos; e mais de 30 anos. Nessa
perspectiva, os dados sobre o tempo de exercício na docência universitária revelam que
a amostra voluntária atingiu, mesmo que de forma não intencional, professores do início
(1- 5 anos) ao final da carreira (mais de 30 anos). No entanto, os docentes do período
intermediário (11 a 30 anos) na carreira foram mais representativos, alcançando um
percentual de 57,3%. Dados estes reveladores de que a amostra possui uma relativa
vivência na docência universitária, com acúmulo de conhecimentos e experiências e,
portanto carregam uma identidade profissional de suas ocupações e uma imagem de si
enquanto profissionais.

Nesse sentido, o tempo de docência constitui-se em aspecto que deve ser


considerado, uma vez que possibilita ao professor a identificação da imagem que ele
tem de si em relação à conjuntura em que está inserido. Em relação à situação funcional,
os dados revelam-se compatíveis com o tempo de docência, uma vez que a progressão
ocorre a cada dois anos, através da avaliação acadêmica e por titulação. A amostra
aponta que os docentes com tempo médio de 20 anos na carreira docente, pertencem à
categoria funcional de adjuntos.

238
3.3. Condições de trabalho no exercício da docência – regime de trabalho, carga
horária, instituições de vinculação e ambiente acadêmico.

No que concerne aos aspectos que denominei de condições de trabalho no


exercício da docência, fiz a opção por trabalhar com os dados de forma associada,
conforme apresentado na tabela 05, (anexo 11), com a visualização dos aspectos
referentes ao regime de trabalho, a carga horária semanal, ao número de instituições em
que trabalham e o ambiente acadêmico universitário. A situação acadêmica no exercício
da docência, mesmo integrante do item condição de trabalho é apresentada
separadamente no sentido de não tornar a tabela 05 exaustiva. De modo geral, a análise
desses aspectos reveste-se de importância na configuração da imagem docente
contemporânea, uma vez que, de acordo com Selma Pimenta e Lea Anastasiou (2002),
esses aspectos do trabalho docente interferem na conquista da identidade do professor,
uma vez que as condições de sobrevivência e vida digna poderão estar primariamente
implicadas.

No regime de trabalho dos docentes pesquisados, constato que a maioria possui


regime de dedicação exclusiva, esses estão vinculados a UFPA. Nos que mantém
contrato de trabalho de 20 e 40 horas semanais, correspondente a uma totalidade de
37,3% dos docentes. Uma faixa de 21,4% possue outro vínculo empregatício na
docência, o que, de acordo com um estudo elaborado por Sandra Gasparini et al (2005),
é justificado na busca de uma melhor condição de vida pela inadequação salarial, e
assim, ultrapassar a jornada de trabalho de 40 horas semanais é uma realidade no
contexto do Ensino Superior brasileiro nas últimas décadas, uma vez que a categoria dos
professores universitários está entre as que têm períodos mais intensos de trabalho, e
cada vez mais novas funções são agregadas, e mais complexo torna-se o exercício
profissional (Zabalza, 2004).

No caso das instituições particulares, esse processo é ainda mais agravado, uma
vez que, apesar da legislação brasileira estabelecer as regras de formação dos quadros
profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão para um terço do corpo docente
em regime de tempo integral e regulamentar que esse regime compreenda a prestação de

239
quarenta horas semanais de trabalho na mesma instituição, nele reservado o tempo de
pelo menos vinte horas semanais para estudos, pesquisa, trabalhos de extensão,
planejamento e avaliação, a vinculação de grande parcela dos docentes fica atrelada aos
interesses institucionais e à condição de horista, conforme aponta o percentual de 28,5
dos professores inquiridos.

A lógica da intensificação e sobrecarga do trabalho docente, que gera


consequências físicas, psicológicas e acadêmicas, pode ser medida pelo índice
apontados no percentual de 37,9% dos professores com carga horária semanal de
trabalho acima de 40 horas. Essa lógica define as características que os docentes vêm a
assumir contemporaneamente, pois de acordo com Silvio Botomé (1996), o professor
universitário precisa ser um profissional múltiplo, ou seja, constituir-se em um técnico e
especialista num campo de trabalho, ser competente como pesquisador ou cientista em
uma área do conhecimento, ser capaz de ensinar e preparar profissionais, além de um
administrador e coordenador de projetos de pesquisa e de ensino, de grupos de trabalho
e órgãos da estrutura administrativa universitária. Para além dessas multiplicidades de
funções, o docente tem que ser um razoável escritor para atender as exigências de
produtividade dos programas de pós-graduação e das agências de fomento à pesquisa. É
o “produtivismo aplicado à lógica acadêmica” (Oliveira, 2009, p.48).

A multiplicidade de atividades e funções, que envolvem os professores no


contexto universitário, trata-se, segundo Zaia Brandão e Isabel Lelis (2003), de uma
sobrecarga no âmbito das carreiras acadêmicas, com encargos simultaneamente
profissionais e burocráticos. Tal situação foi identificada junto aos docentes inquiridos
e organizada na tabela 06, anexo 11, sendo a amostra bastante diversificada em relação
às atividades/ funções desempenhadas no exercício da docência. Nela, um percentual de
17,5 dos docentes ministram aulas na graduação e pós-graduação, além de participar ou
coordenar projeto de pesquisa ou extensão; 14,6% atua somente na graduação e
participa ou coordena projetos; 9,7 % ministram aulas na graduação e pós-graduação,
participam ou coordenam projetos e também atuam na gestão; 4,9% ministram aulas
somente na graduação, participam ou coordenam projetos e também atuam na gestão;
4,9% ministram aulas na graduação e pós-graduação e atuam na gestão de curso ou
setor; 4,5% ministram aulas na graduação e atuam na gestão de curso ou setor; 0,9%

240
ministram aulas na pós-graduação, participam ou coordenam projetos e também atuam
na gestão; 4,8% estão exclusivamente em funções de gestão na universidade; 12%
exercem exclusivamente a docência na graduação e pós-graduação e, por último 25,6%
dos docentes não estão envolvidos em outra atividade senão a de ministrar de aulas nos
cursos de graduação.

O gráfico 04 apresenta a configuração do exercício docente no contexto


universitário, no entanto, para facilitar a visualização agrupei os dados por número de
atividades /função desempenhada por um mesmo professor.

Gráfico 04

Número de funções desempenhadas no exercício da docência

2 funções; 33%

3 funções; 27%

1 função; 30%

4 funções; 10%

Fonte: Dados do questionário aplicado aos docentes de 04/10 a 03/12 de 2010.

Os dados apresentam uma imagem bastante singular do exercício da docência,


uma vez que 30,4% dos professores têm como atividade única a docência na graduação,
sendo que desse percentual, uma parcela de 4,9% atua exclusivamente na gestão de
setores acadêmicos na universidade. A totalidade de docentes no desempenho de duas a
quatro funções /atividades é de 69,6%, configurando um processo apontado por Miguel
Zabalza (2004), como de ampliação do campo da docência universitária. De acordo com
o autor, as reformas estruturais no Ensino Superior, impulsionadas por políticas
educacionais de efeitos globais, estabelecem ao professor universitário um grande
número de incumbências para além das tradicionalmente consagradas. Descreve ainda,

241
que além das três funções tradicionalmente atribuídas aos professores universitários – o
ensino, a pesquisa e a extensão – há o envolvimento com a administração em diversos
setores da instituição e para além destas, novas funções agrega-se a estas, tornando mais
complexo o exercício profissional. Como exemplo, aponta o business que se caracteriza
pela busca de financiamento, negociação de projetos e convênios com empresas e
instituições, assessorias, participação como especialistas em diversas instâncias
científicas, etc. e as relações institucionais que compreendem a representação da própria
universidade nas inúmeras áreas em que é exigida, até a criação e a manutenção de uma
ampla rede de relações com outras universidades, empresas e instituições buscando
reforçar o caráter teórico e prático da formação e, em alguns casos, seu caráter
internacional.

De certa forma, como se quisessem minimizar os dados apontados acima, os


professores consideraram, o ambiente acadêmico no contexto universitário, entre o
satisfatório (37,5%) e parcialmente satisfatório (34,65), sendo pequena a parcela dos
docentes que o considerou insatisfatório (4,9). Para Denise Leite et al (1998), a
insatisfação do docente universitário é motivada pelos salários baixos, pela falta de
didática para ensinar melhor e na perda crescente de seu status profissional na
sociedade.

A satisfação/insatisfação é um estado subjetivo e pode variar de pessoa a pessoa,


de circunstância para circunstância, ao longo do tempo para a mesma pessoa e estar
sujeita a influências de forças internas e externas ao ambiente de trabalho imediato. É
um terreno onde questões como valoração e motivação estão presentes. O próprio
conceito de satisfação carece de uma definição mais exata. No entanto, Earnest Archer
(1997), define que a satisfação ocorre quando existe o atendimento ou a eliminação de
uma necessidade. Distingue o autor, a necessidade e o fator satisfação, sendo que a
primeira nasce da necessidade humana (interna), enquanto a segunda é gerada por
variáveis que atendem a essa necessidade (externa).

Nesta perspectiva, quando inquiri os docentes sobre o ambiente acadêmico,


agreguei uma variável – o crescimento profissional – criando assim um parâmetro para
a avaliação dos inquiridos, e desse modo, a apreciação sobre a satisfação passa a ser

242
sobre um objeto específico, não deixando, contudo de ser subjetiva, uma vez que para
Edwin Locke (citado por Cecília Bergamine & Roberto Coda, 1990 p.66) a “satisfação
no trabalho é um estado de prazer emocional resultante da avaliação que um
profissional faz sobre até que ponto o seu trabalho apresenta a capacidade de facilitar ou
permitir o atendimento de seus objetivos e valores.” Nesse sentido, posso inferir que em
relação ao crescimento acadêmico, o ambiente na Universidade é para uma média de
31,7 % dos respondentes satisfatório, contribuindo para desenvolvimento profissional
docente. Contudo, considero que este desenvolvimento não surge meramente como
decorrência de diferentes acontecimentos na vida do professor, mas representa "um
processo dialético entre os múltiplos fatores ambientais e a construção pessoal que os
sujeitos fazem destes fatores” (Santaella, 1998, p. 262).

Nesta conjuntura, em que tanto se pugna pela qualidade na formação


universitária, verifico que de um modo geral o professor está sobrecarregado, uma vez
que o seu trabalho foi sucessivamente sendo alterado pela reestruturação dos aspectos
conceituais e organizacionais no Ensino Superior, que trouxe como consequência o
surgimento de um processo que tem alterado de sua condição de trabalho, que pode ser
identificado pela intensificação e/ ou aumento da jornada de atividades, acúmulo de
funções, diminuição dos ganhos salariais e aumento da instabilidade no emprego, no
caso do vínculo em instituições privadas, provocando, no âmbito da valoração social,
um desgaste na imagem da docência.

4. A constituição da docência universitária na vida dos professores.

A inserção profissional na docência universitária envolve um percurso relacional,


vivenciado e construído em um conjunto de etapas ou fases, que assumem
características próprias, em espaços e tempos vividos (Ortega y Gasset, 1970).
Configura-se como um processo que envolve o pessoal e o profissional, suas crenças,
valores, opções e o contexto social, ou seja, envolve uma dependência indissociável
entre o pessoal, profissional e institucional (Bell & Gilbert, 1994), neste sentido, a
trajetória profissional se entrelaça com as situações específicas da vida pessoal de tal
modo, que são inúmeros os fatores intervenientes na construção da profissão docente e,
nesse sentido, os dados que passo a analisar permitem uma aproximação com a opção

243
profissional dos inquiridos, nas suas trajetórias, definidas por Bourdieu (2004, p.81)
como uma “série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um
mesmo grupo), em espaço ele próprio em devir e submetido a transformações
incessantes.”

Nessa perspectiva, busco compreender em uma porção do tempo que permeia a


vida do professor, aspectos que estão relacionados com a motivação pelo exercício
profissional da docência universitária; quando foi feita essa opção e com qual
referencial ou modelo; as atividades que exercem além da docência e como percebem o
exercício da docência em relação à outra profissão; o desejo de permanecer na docência
ou de optar por outra profissão e a expectativa de futuro. Para facilitar a análise desses
dados, estruturei as informações de forma agrupada na tabela 07, que se encontra no
anexo 11, optando por apresentar gráficos isolados quando for pertinente sua
visualização para melhor compreensão na análise.

4.1. Inserção na docência e exercício de outra atividade profissional.

Inicialmente, tomo como referência os dados sobre a trajetória de inserção à


docência universitária, sem, contudo, desconsiderar a dimensão pessoal inerente ao
percurso. Assim, dos docentes inquiridos, um percentual de 6,5 assinala que nunca
pensou em ser professor universitário, o que me leva a ponderar que a inserção para
esses professores ocorreu de forma circunstancial, ou seja, não representou uma escolha
efetiva da vida profissional, por vezes sendo pela oportunidade de trabalho que
representa. Contudo, uma parcela de 14,2% manifestou o desejo em ingressar na
carreira profissional docente no ensino superior antes mesmo de ingressar em um curso
de graduação e, significativamente, a maioria dos docentes, representada por 35,9% da
amostra, decidiu entrar para a docência no Ensino Superior quando se encontrava no
processo de formação inicial em cursos de graduação (bacharelado e Licenciatura), o
que me conduz a inferir, com base nestes dados, que a atratividade pela docência
universitária está relacionada com a imagem positiva que tinham como aluno sobre a
docência.

244
Um percentual de 24,6 dos professores apontou que a decisão de inserir-se na
docência ocorreu quando cursavam a pós-graduação, na qual está implícita a etapa de
mudança no percurso profissional e que envolve a maturidade humana e um
conhecimento a respeito do trabalho, ou seja, esses professores escolheram a docência
em um estágio de vida em que já dispunham de melhores condições e conhecimentos
para tal escolha. Essa constatação é ampliada, quando verifico que 27,5% dos inquiridos
afirmaram que a docência universitária sempre foi a opção desejada, ou seja, o desejo
partiu de uma posição pessoal. Apenas 7,4% dos professores apontaram a influência de
amigo e familiares nessa decisão.

A entrada na docência no ensino superior pela possibilidade de trabalho foi


afirmada por 34% dos professores, assim como, 21,4% indicaram que a opção pela
docência decorreu em função de questões de ordem interna na atividade profissional
exercida, e nessa perspectiva, ao analisar esses indicadores, tomo como base que a
possibilidade de escolha profissional não está relacionada unicamente às características
pessoais, mas envolve o contexto histórico e ao ambiente sociocultural em que se vive, e
nesse sentido, a docência no ensino superior é atrativa na realidade brasileira pela
perspectivas que proporciona. Entre elas assinalo: o mercado de trabalho em expansão,
mesmo que moderado, no Ensino Superior; a tão divulgada flexibilidade de horários e
liberdade na condução acadêmica; a estabilidade em se tratando do setor público.

No entanto, visto por um outro prisma, ao observar que um percentual de 47,2%


dos docentes pesquisados exercem outra atividade profissional além da docência, posso
deduzir que para alguns professores do Ensino Superior, a docência pode constituir
apenas uma forma de complementação salarial (Pimenta & Anastasiou, 2002). Para
complementar esta informação, solicitei que esses docentes se posicionassem em
relação às atividades que desenvolvem, tendo como parâmetro a área da docência que
atuam. Nas informações obtidas infiro que muitos deles são profissionais liberais que se
destacam em seu ramo de atividade e são convidados a dar aulas nas Instituições de
Ensino Superior privado, com o pressuposto de que a competência profissional em um
campo específico o habilita a dar aula, outros são profissionais que consideram a
docência como uma valorização de sua carreira. No gráfico 05, a seguir, é possível
visualizar estes aspectos.

245
Gráfico 05

Atividade profissional exercida concomitante à docência universitária

funcionário de empresa privada de


38,4% outra área

33,6% empresário de outra área

profissional liberal de outra área

empresário na mesma área de


conhecimento da docência

funcionário de empresa privada na


área de conhecimento da
docência
funcionário público de outra área
6,8%
4,8% 5,5% 5,5%
3,4%
2,1% funcionário público na área de
conhecimento da docência

profissional liberal na área de


conhecimento da docência

Fonte: Dados do questionário aplicado aos docentes de 04/10 a 03/12 de 2010.

Na percepção sobre o exercício paralelo de duas atividades profissionais, sendo


que uma delas, a docência, os valores percentuais significativos de respostas centraram-
se em dois aspectos. No primeiro, com 42,7% das respostas, os inquiridos indicaram
que o exercício de outra atividade enriquece a docência; no segundo, com 36,6% o
exercício da docência enriquece o desenvolvimento de outra atividade profissional.
Ambos aspectos, envolvem questões que podem ser interpretadas por várias posições
teóricas, contudo, considerando a leitura transversal das respostas, minha posição é de
situar o primeiro aspecto, no campo no qual a estrutura do ensino superior brasileiro,
desde o seu início, em que pese às modificações que ocorrem atualmente, privilegiou o
domínio do conhecimento e da experiência profissional com os únicos requisitos para a
docência universitária baseado no modelo franco-napoleônico – do quem sabe fazer
sabe ensinar. Adotando esse paradigma, uma boa parte dos docentes acaba por
privilegiar a formação técnico-profissional associada à experiência do exercício da
profissão em substituição a de competência pedagógica, ou seja, os professores tendem

246
a encarar com ceticismo ou descaso os aspectos pedagógicos da docência universitária.
Para Marcos Masetto (2003, p.11) “[...] esses profissionais veem-se como profissionais
bem-sucedidos e professores que ensinam bem suas matérias. Então, perguntam: por
que debater novas exigências ou possíveis modificações na sua ação docente?”

Ao segundo aspecto, que diz respeito à forma como uma parcela dos inquiridos
considera que o exercício da docência enriquece o desenvolvimento de outra atividade
profissional, pode ser agregada outra parcela, de 6,5% dos respondentes, que indicaram
o status de ser professor universitário como facilitador para a inserção no exercício de
outra atividade profissional. Sobre esse aspecto, Selma Pimenta e Lea Anastásiou
(2002) assinalam que exercer a docência na educação superior para alguns profissionais,
é na maioria das vezes, indicação de valorização social do título de professor. Assim, de
um lado, encontro a valorização da docência atrelado à produção do conhecimento, com
a vinculação à pesquisa e os dividendos para uma carreira profissional paralela a
docência, de outro, a identificação de professor universitário confere um status social
relacionado ao saber e à credibilidade docente.

Para alguns dos inquiridos, o exercício de outra atividade profissional


concomitante à docência na Universidade pode contribuir para a não profissionalização
do profissional docente (4,5%) e, para outros, o exercício paralelo da atividade docente
com outra atividade profissional pode produzir conflitos de identidade. De modo geral,
conforme observa Miguel Zabalza (2004, p.107), “a docência universitária é
extremamente contraditória em relação a seus parâmetros de identidade
socioprofissional”, e nesse sentido, nas informações dos professores sobre o exercício
de outra atividade profissional concomitante à docência é possível inferir sobre as
dificuldades dos docentes em construir uma identidade profissional voltada à docência.
Em outras palavras, “os professores veem a si mesmos mais como pesquisadores (no
campo científico) ou como profissionais (no campo aplicado) do que como professor de
fato" (Zabalza, 2004, p. 114).

247
4.2. A docência como opção única profissional e a continuidade na carreira.

O contexto, inegável, da crise no ensino superior e dos novos contornos e


definições de seu papel social, colocam em evidência a docência universitária. A esse
respeito, Cunha (2005, p. 6) afirma que “[...] o professor é hoje posto em xeque
principalmente pela sua condição de fragilidade em trabalhar com os desafios da
época.” Referendando esta percepção, um percentual de 51,4 dos inquiridos optaria pela
carreira docente se tivessem que fazer a uma escolha entre a docência e o exercício de
outra atividade profissional. Contudo, essa opção estaria condicionada à melhoria de
condições do exercício docente, sobretudo melhoria salarial. Nesse sentido, a
insatisfação com o salário tende a ser significativa, representando o descompasso entre a
remuneração recebida e as exigências inerentes ao trabalho desenvolvido na
Universidade. O fato de 17,2% dos docentes afirmarem que as limitações nas condições
de trabalho e o baixo rendimento econômico os conduziriam a optar por outra atividade
profissional, corrobora com o sentimento de insatisfação apontado.

Um número, também expressivo dos professores, de 31,4%, optariam pela


docência como atividade única. Entretanto, se tomo como referência que 42,7% dos
respondentes estão no regime de dedicação exclusiva, encontro um percentual de 11,3
de professores que não escolheriam a docência como profissão e, nesse sentido, posso
deduzir que esses docentes não têm qualquer identificação com a docência ou, em
outras palavras, o motivo que os levou à docência não era a intenção inicial de ser
professor, mas a falta de oportunidades de trabalho no campo profissional, ou ainda a
possibilidade de desenvolvimento de pesquisas e projetos na universidade.

Para Selma Pimenta e Lea Anastasiou (2002), os aspectos acima apontados


perpassam o modo como os professores do Ensino Superior se identificam
profissionalmente, ou seja, aqueles que mantêm atividades fora da universidade como
autônomos costumam se identificar de acordo com a profissão que exercem (médico,
advogado, engenheiro), contudo ressaltam que também são professores universitários,
indicando clara valorização social da profissão docente. Entretanto para as autoras, o
título de professor sozinho sugere uma identidade menor, visto que socialmente pode se
referir aos professores secundários e primários.

248
Em um estudo sobre o “Trabalho docente: subjetividade, sobre implicação e
prazer”, Deise Mancebo (2007), salienta que apesar de toda a conjuntura que se
desenhou na Universidade não conseguiu tornar inócuo seu encanto, enquanto lugar de
estar e pensar com um outro. Para a autora, no contexto universitário “[...] persistem
práticas docentes que remetem à construção de alianças, de compartilhamento dos
conhecimentos, de produção de novos sentidos e significados, mesmo que em espaços
específicos e em momentos particulares.” (Mancebo, 2007, p.79). Tal afirmativa vai ao
encontro de um percentual de 70,9% dos docentes, que apontaram continuar no
exercício da docência enquanto fisicamente for capaz, da qual posso inferir que o
exercício da docência permite um estado emocional prazeroso, de acordo com a
percepção de cada um sobre como o trabalho na Universidade o satisfaz ou permite
satisfação de seus valores (Locke, 1969;1976, citado por Bergamine & Coda, 1990).
Entretanto, 25,2 % dos inquiridos afirmaram que permaneceram no exercício docente
até completar o tempo para aposentadoria, e 2,6% até que apareça algo melhor. Um
percentual ínfimo (1,3%) dos inquiridos pretende deixar a docência brevemente.

A análise deste item aponta um aparente paradoxo, em que de um lado há o


empenho de continuar no exercício docente até quando for fisicamente capaz,
caracterizando a existência da satisfação e do compromisso profissional, de outro lado,
o desejo de abandonar a docência e de procurar algo melhor, aponta para a desistência,
que pode estar associada ao quadro de intensificação e precarização do trabalho. De
fato, o contexto universitário pode ser compreendido como contraditório o que por si só
já indica as múltiplas determinações que envolvem as posições assinaladas. Trata-se de
um terreno denso que compreende as relações do professor com o trabalho na
universidade, com os seus pares e com o mundo, que de um lado gera satisfação, mas
por outro, pode gerar dinâmicas de resistência e desistência. Entretanto, não obstante a
carreira do docente universitário tenha passado por inúmeras transformações nos
últimos vinte anos, tornar-se professor universitário é provavelmente a aspiração de
grande parte dos doutorandos que desejam continuar trabalhando em pesquisa e na
formação superior e, nesse sentido, alguns estudos apontam a influência de bons
professores como um dos fatores que instigam a escolha da docência universitária.

249
4.3. Características marcantes do professor de referência.

A fim de verificar as características dos professores que foram ou são referência


na atuação como docente, solicitei aos inquiridos que as apontassem, com base em uma
listagem pré-elaborada. Assim, cada inquirido pode selecionar 5 características e desse
modo o percentual total foi elevado para 500% e, como pode ser observado no gráfico
06, as três características mais marcantes para os inquiridos são o domínio de conteúdo,
a competência e a ética, sendo que a flexibilidade foi a característica de menor
percentual.

Gráfico 6

Características marcantes do professor de referência

12,6%
flexibilidade
inovação 24,9%

exigência 27,2%
29,1%
bom humor
31,7%
criatividade
36,6%
organização
38,8%
boa conduta pessoal
entusiasmo 55,0%
70,6%
ética
82,2%
competência
91,3%
domínio de conteúdo

Fonte: Dados do questionário aplicado aos docentes de 04/10 a 03/12 de 2010.

Em um estudo sobre o professor ideal, Newton Costa (1998), assinala que há três
grupos principais de qualidades docentes: as técnicas, relacionadas à experiência no
campo pedagógico, no campo em que ensina, e o conhecimento amplo da matéria ou
matérias que leciona; as físicas, que diz respeito à saúde, higiene e asseio pessoais; e as
morais que envolvem o sentimento do dever, respeito à pessoa humana, decência e
humanidade básica. Com base nessa classificação, as características com maior
percentual, para os inquiridos nesse estudo, estão no grupo das qualidades técnicas, o

250
que pode evidenciar a valorização dada ao domínio do conhecimento e da experiência
profissional com requisitos para a docência universitária, conforme assinalei
anteriormente.

Para Maria Isabel da Cunha (1992), não existe delineado um padrão ideal de
professor, por isso as características e/ou atributos que compõem a ideia de bons
professores são frutos do julgamento individual de cada avaliador. Nesse sentido, as
características relacionadas à conduta profissional docente são construções sociais,
localizadas em um contexto histórico-social e por isto não é fixa, modificando-se
segundo as necessidades dos seres humanos situados um determinado tempo e no
espaço. Conforme Agner Heller (1989), o valor é uma categoria ontológica-social
dependente das atividades dos seres humanos, sendo resultado e expressão de relações e
situações sociais. Assim sendo, a ação docente do professor e seus atributos,
acompanham a evolução dos tempos, portanto, altera-se em função das mudanças no
mundo.

Maria Eugênia Castanho (2001, p.159), ao escrever sobre os professores


marcantes, pondera que “o professor que marca seus alunos é geralmente aquele cujas
palavras repercutem positivamente neles”, embora por vezes poucos visíveis, as
imagens e representações sobre os professores estão enraizadas em nossas experiências
e podem relacionar-se a um conjunto de significados, a diferentes associações mentais
que consolidam uma imagem – a do bom professor. A essa imagem, agregam-se as
qualidades profissionais e pessoais que o elevam a esse patamar de professor marcante e
que podem servir de referência para uma futura prática docente, como assinalado por
Antolí Benedito el al (1995), ao descrever que o professor universitário, inicialmente
segue a rotina de outros professores, notadamente dos que lhes são ou foram
significativos. Em outras palavras, posso inferir que seja possível que a prática docente
universitária inicial relaciona-se diretamente a imagens simbólicas interiorizadas de
professores marcantes.

Por conseguinte, as imagens simbólicas interiorizadas contribuem na construção


da identidade profissional, e como assinala Peter Berger (2005, p. 65) a “[...] nossa vida
é constituída de uma determinada seqüência de acontecimentos, cuja soma representa

251
nossa biografia [...]. Embora nem todos os acontecimentos sejam incluídos e interfiram
diretamente na construção de nossa identidade, fazem parte de nossa história e em
algum momento de nossa ‘atuação’ ficam evidentes.”

5. Percepção docente sobre o contexto do trabalho acadêmico.

5.1. Grau de identificação com as funções do trabalho acadêmico.

No âmbito do trabalho acadêmico, da atividade complexa e multifacetada que é o


exercício profissional da docência na Universidade, solicitei aos participantes da
pesquisa que avaliassem o grau de identificação com a execução das seguintes funções
na profissão acadêmica: exercício da docência na graduação; exercício da docência na
pós-graduação lato sensu; exercício da docência em mestrado e doutorado;
desenvolvimento de programas/projetos de extensão; desenvolvimento de projeto de
pesquisa; produção científica; participação na administração acadêmica; participação
em redes nacionais e internacionais e captação de financiamento. O percentual
alcançado por cada função consta da tabela 08, no anexo 11, e demonstram o alto grau
de identificação dos professores inquiridos com o exercício da docência na graduação,
com percentual de 84,8%, e na pós-graduação lato sensu com 67,6% e na docência em
cursos de mestrado e doutorado com 50,8%.

De fato, o trabalho dos professores universitários em termos de docência, na


perspectiva reducionista do entendimento da docência enquanto ensino, tem destaque
quando se trata das funções exercidas pelos professores, e sobre esse aspecto, Antolí
Benedito et al (1995) ressaltam que a própria docência tem sido identificada somente
com as atividades que os professores realizam quando estão na sala de aula com seus
alunos. No entanto, reduzir a tarefa dos professores a estas duas dimensões é
descontextualizá-los de um processo de mudança global no qual se inserem as
instituições de ensino superior, e também, desconsiderar as alterações na organização do
trabalho que acabam por afetar a própria organização das instituições de ensino.

252
No que diz respeito às outras funções docentes, os dados obtidos demonstram
que há graus estratificados de identificação. Os professores universitários têm índices
médios de identificação na coordenação de projetos de pesquisa, busca de
financiamento, elaboração e divulgação de relatório, participação em redes científicas
de pesquisa e cooperação nacional e internacionais, o mesmo ocorrendo com as
atividades de extensão, envolvendo os curso de formação ou capacitação, atendimento
clínico/serviço à comunidade, empresas, órgãos públicos. No que se refere à produção
científica e ao envolvimento na gestão acadêmica de setores na universidade, o grau de
identificação foi de média à baixa identificação.

De uma maneira geral em relação às funções exercidas, para além do ensinar na


graduação e pós-graduação, percebo que os docentes incorporaram a necessidade de
envolverem-se em dimensões muitos mais amplas, o que exige uma adaptação de cada
um a condições e características do trabalho docente na universidade em dias atuais.
Para Antolí Benedito et al (1995), as funções que contemporaneamente fazem parte do
trabalho do professor universitário são: o estudo e a pesquisa; o ensino e a sua
organização; a comunicação de suas investigações; a inovação e a comunicação das
inovações pedagógicas; a orientação e a avaliação dos alunos; a participação na seleção
de outros professores; a avaliação da docência e da investigação; a participação na
gestão acadêmica; o estabelecimento de relações com o mundo do trabalho, da cultura
etc.; a promoção de relações e intercâmbio departamental e interuniversitário e a
contribuição para criar um clima de colaboração entre os professores.

5.2. Prestígio e valoração docente no exercício das funções acadêmicas.

Em relação a esse aspecto, os docentes foram inquiridos a posicionarem-se sobre


o grau de prestígio que cada uma das funções conferem ao professor como profissional,
e como pode ser observado, na tabela 09, a valoração destas dimensões foi bastante
diversificada. As funções consideradas de maior prestígio são, em ordem decrescente
em um intervalo < 100 > 90 do percentual dos participantes, o exercício da docência em
cursos de mestrado e doutorados, o ensino nos cursos de pós-graduação lato sensu e a
produção científica.

253
Tabela 09
Grau do prestígio das funções do trabalho docente

Variáveis Percentual
Maior Prestígio

Exercício da Docência em Mestrado e Doutorado 96,1


Exercício da Docência na Pós-Graduação 92,6
Publicação de Produção Científica 90,0
Desenvolvimento de Projeto de Pesquisa 87,1
Desenvolvimento de Programa/Projeto de Extensão 76,1
Exercício da Docência na Graduação 74,8
Participação na Administração Acadêmica 57,0
Participação em redes nacionais e internacionais 51,5
Captação de financiamento 35,0
Fonte: Dados do questionário aplicado aos docentes de 04/10 a 03/12 de 2010.

Para 74,8% dos professores inquiridos, o exercício da docência na graduação


ocupa o sexto lugar no grau de prestígio do profissional docente, mesmo quando se tem
em conta que este item faz parte da avaliação da progressão na carreira docente.
Contudo, conforme assinalado por Lucíola Santos (2005), o fato de a avaliação envolver
o número de aulas ministradas poderia aumentar o interesse dos professores pela
atividade docente na graduação, entretanto, segundo a autora, se há motivação, ela é
meramente quantitativa, já que lastreada pela pontuação na avaliação e não por uma
preocupação com a qualidade do ensino.

A participação na administração acadêmica e em redes de pesquisa nacionais e


internacionais foram consideradas pelos inquiridos como funções que conferem pouco
prestígio, sendo a captação de recursos para projetos de pesquisa e extensão vista por
65% dos professores uma atividade de menor prestígio. No âmbito destas dimensões do
trabalho docente, a função de captador de recursos externos à Universidade pode, por
um lado, resultar na possibilidade de desenvolvimento de um projeto de pesquisa ou
extensão, e além desse efeito econômico, proporciona status no campo acadêmico. Por
outro lado, pode constituir-se em uma distorção dos objetivos essenciais da instituição e
um distanciamento do docente das atividades de ensino, tendo em conta o envolvimento
em toda a burocracia que essa atividade arrola.

254
Essas funções compreendem o que Miguel Zabalza (2004) denomina de
“business”, que se caracteriza pela busca de financiamento; negociação de projetos e
convênios com empresas e instituições; assessorias; participação como especialista em
diversas instâncias científicas, além das relações institucionais com outras
Universidades, empresas e instituições.

A agregação dessas funções ao trabalho docente, além do ensino, da pesquisa e


da extensão, torna ainda mais complexo o exercício profissional da docência, e nesse
sentido, Deise Mancebo e Maria Estela Franco (2003) esclarecem que, no processo de
flexibilização 7 do trabalho docente, algumas mudanças afetam o professor, gerando uma
perda de identidade, ainda mais quando se tem como referência que a construção da
identidade profissional do docente universitário é um processo complexo e contraditório
que se desenrola entre a docência, a investigação e a gestão, as quais competem entre si
em tempo e esforço, originando alguns conflitos (Zabalza, 2003).

Em um estudo sobre os significados atribuídos ao trabalho docente e condições


de desenvolvimento profissional de docentes universitários, Alvenize Ferenc e Maria da
Graça Mizukami (2008), alertam que o exercício da docência exige compreender a
cultura organizacional, as diversas regulações do campo, as regras que definem os
desempenhos, e nesse sentido, o que se percebe é que o trabalho docente universitário
cada vez mais se intensifica, exigindo-se dos professores maior contribuição no campo
do ensino, com o significativo aumento do número de alunos e turmas, da pesquisa e da
extensão, com busca de financiamento, elaboração e divulgação de relatório,
participação em redes científicas de pesquisa e cooperação nacional e internacional, e da
administração acadêmica, quase que simultaneamente. Entretanto, para Tomás Escorza
(2003), as maiores recompensas atribuídas à investigação levam a que o docente
universitário se concentre mais nessa atividade em detrimento das outras funções. Valor
igual também é atribuído à produção científica, em que os estímulos para a atuação e os

7
A proposta de flexibilização da gestão das instituições de ensino superior, por exemplo, tem favorecido
contratos de trabalho mais ágeis e econômicos, como “temporários”, “precários”, “substitutos” e outras
denominações já em vigor, reproduzindo no âmbito da universidade o mercado de trabalho diversificado e
fragmentado, composto por poucos trabalhadores centrais, estáveis, qualificados e com melhores
remunerações e um número cada vez maior de docentes periféricos, temporários, em mutação e
facilmente substituíveis ( Mancebo & Estela Franco, 2003, p.193).

255
critérios de progressão na carreira têm se fundamentado mais na produção científica que
no exercício da docência.

Para Miguel Zabalza (2004), não é de estranhar a tendência dos professores


universitários em construir a identidade profissional com base na produção científica e
nas atividades produtivas que geram mérito acadêmico e que, consequentemente, trazem
benefícios econômicos e profissionais. Nesse sentido, apesar do envolvimento com a
pesquisa ter obtido o quarto lugar no prestígio dos professores, não há como contestar
sua relação com as três funções de maior valoração para os professores inquiridos,
contudo, certamente a atividade de ensino nos curso de mestrados e doutorados confere
ao professor maior visibilidade, principalmente em algumas áreas de conhecimento e
como decorrência aumenta a possobilidade de convites para eventos, artigos
encomendados, participação como coordenadores de pesquisa, consultorias etc.

Zygmunt Bauman (2008) assinala que uma vez supridas as necessidades básicas
de sobrevivência, uma vida feliz é permeada por relações que valorizem o indivíduo e
aumentem o seu sentimento de pertencimento a um grupo social específico. Além da
necessidade de pertencimento a um grupo, a valorização dentro deste grupo também é
almejada. Os indivíduos como destaca o autor, precisam chamar atenção para si, para
seus atributos e potenciais para tornarem-se, visíveis.

5.3. Reconhecimento social da docência - prestígio acadêmico e remuneração.

Tendo como referência que me propus neste estudo a descrever e analisar a


configuração identitária profissional do professor universitário e sua imagem
socioprofissional no contexto das transformações ocorridas no ensino superior, parto da
compreensão de que o reconhecimento social docente e o prestígio conferido a cada
uma das funções do trabalho acadêmico é elemento relevante ao propósito pretendido,
uma vez que a representação que a sociedade tem sobre os professores universitários
está imbricada com a concepção de que a crise por qual passa a Universidade envolve o
baixo desempenho dos professores, a falta de compromisso com a instituição e o
excesso de liberdade de atuação (Lemos, 2011), porque escapam da compreensão do
conjunto da sociedade as medidas complexas que são panos de fundo desse cenário.

256
Nesse sentido, busquei verificar de forma mais extensiva o entendimento dos
professores em relação ao reconhecimento social docente, nos aspectos que envolvem o
prestígio acadêmico e a remuneração. Assim sendo, solicitei aos inquiridos que
assinalassem três alternativas que melhor expressassem a situação atual na
Universidade, conforme apresentado na tabela 10 (anexo 11). Cabe destacar, que
geralmente o prestígio está relacionado com a produtividade de pesquisa do corpo
docente de uma Universidade e nem sempre está conexo com a qualidade do
desempenho docente no ensino, uma vez que, de acordo com Lee Hansen & Michael
Jackson (1996, pp. 211-212) “apesar do extenso discurso sobre a qualidade, a atividade
nuclear das universidades – a docência – permanece em grande medida intacta.” Sobre
este aspecto, Selma Pimenta e Lea Anastasiou (2002), ressaltam que os elementos chave
do processo de pesquisa não são os mesmos do ensino, e tal como afirmam Lee Hansem
& Michael Jackson (1996), apontam as autoras que ser um pesquisador de prestígio não
é garantia de excelência pedagógica.

Em um estudo sobre “Elites acadêmicas e escolarização dos filhos”, Zaia


Brandão e Isabel Lelis (2003), identificam que os docentes da elite acadêmica e
econômica têm titulação elevada e contam com capacidade de ampliação e conversão de
capitais econômicos, culturais, acadêmicos, sociais, simbólicos, entre outros,
potencializadores de mobilidade e capitalização de recursos na luta concorrencial por
melhores posições no espaço social. Tal identificação, considerada em seu sentido
amplo, foi referendada pela posição dos inquiridos diante das assertivas relacionadas
com o prestígio acadêmico. Assim assinalam os respondentes:

 46% - a produção e divulgação do conhecimento estão intimamente associadas ao


prestígio acadêmico;
 33,3% - a imagem construída ao longo da carreira acadêmica é que confere o
prestígio ao professor;
 29,8% - o prestígio acadêmico também está associado às políticas públicas do
Ensino Superior, à valorização da profissão, ao reconhecimento dos direitos dos
docentes;
 26,9% - as dificuldades de publicação da produção acadêmica, de participação em
eventos limitam o prestígio.

257
Com esse resultado é possível compreender que, além de popularidade, a
produção e divulgação do conhecimento igualmente possibilita a influência e o poder de
decisão no meio acadêmico, aumentando as oportunidades de se ter um projeto
financiado e, consequentemente, elevando o prestígio acadêmico. Notadamente, o
prestígio acadêmico para os inquiridos centra-se na figura do professor pesquisador, ou
seja, a pesquisa e o ensino são, em um sentido amplo, atividades concorrentes, em que a
cultura do desprestígio ao ensino é de certa forma forjada em um ambiente que valoriza,
como critério de avaliação da qualidade docente, a pesquisa e a consequente produção
acadêmica. Nessa perspectiva, a formação para o exercício do magistério no ensino
superior passa a ser negligenciada, cabendo aos cursos de pós-graduação stricto senso a
formação de habilidades próprias aos métodos de pesquisa. Para um percentual de 20,1
dos inquiridos o prestígio acadêmico está longe de ser alcançado pela maioria dos
docentes, e somente 11,3% dos inquiridos apontaram que a falta de formação para a
docência compromete o prestígio acadêmico, quer individual, quer institucional.

No que concerne à remuneração, 23% dos inquiridos consideram-na não


satisfatória e concordam que muitos professores aproveitam-se do prestígio obtido para
incrementar o orçamento e um percentual de 63,1 assinalaram que a remuneração
docente não com condiz com as atuais exigências impostas de eficiência no ensino, na
pesquisa e na produção acadêmica. Essa situação é abordada por Maria Emilia Silva
(2009), quando assinala que o salário dos professores universitário, nas últimas décadas,
é a expressão da precarização do trabalho docente no Brasil. Nessa mesma perspectiva,
Denise Lemos (2011) aponta que a lógica do mercado que está sendo absorvida na
universidade e a política intervencionista do Estado atingem de forma significativa o
elemento central do Ensino Superior que é a autonomia docente. Segundo a autora as
medidas “colocam os professores como receptáculo de uma forte pressão, definida por
uma burocracia estatal e institucional, dirigida por uma racionalidade estranha (a da
produtividade) em relação às características intrínsecas do fazer universitário.” (Lemos,
2011, p.114).

É possível inferir que a questão da remuneração da profissão acadêmica é um


dos aspectos que pode motivar ou não a escolha profissional, gerar satisfação
profissional e pessoal, mas que, igualmente pode gerar insatisfação com o ofício. As

258
reivindicações por melhorias salariais, por reestruturação do plano de carreira da
categoria que contenha conceitos que valorizem a atividade acadêmica e de condições
de trabalho acompanham a própria história do ensino superior no Brasil, como assinalei
anteriormente no capítulo I.

6. A pessoa e o profissional diante da complexidade do exercício da profissão


acadêmica.

As mudanças que vêm sendo sentidas no interior das organizações universitárias


afeta, direta ou indiretamente, o trabalho docente e podem conduzir a crises identitárias,
uma vez que, de acordo com Claude Dubar (1997), a profissão é uma importante
dimensão da identidade dos indivíduos, e desse modo, as transformações nas categorias
do trabalho e do emprego refletem-se diretamente na construção das identidades sociais
e profissionais do indivíduo. Assim, na perspectiva de compreender como os
professores universitários sentem-se em relação às dimensões que têm configurado a
docência, advindas de um processo de mudança global no qual se inserem as
instituições de ensino superior e nomeadamente as Universidades, solicitei aos docentes
que indicassem a sua posição, em uma escala de concordância e discordância, a
assertivas pré-definidas, como pode ser visto na tabela 11, no anexo 11.

As assertivas, propositalmente, acentuam os aspectos poucos positivos da


docência e do ambiente acadêmico na universidade. Na elaboração das mesmas, parti do
pressuposto, de que se descortina, na sociedade atual, a desvalorização, a intensificação,
a proletarização e a flexibilização do trabalho docente, que conduz a desmotivação
profissional (Botomé, 1996; Leite,1998; Pimenta & Anastasiou, 2002; Mancebo, 2007).
A intenção é que, diante de cada assertiva os inquiridos se posicionassem de forma a
revelar a identidade social enquanto representação social de uma pertença na docência,
e desse modo, a análise deste item do inquérito, privilegiará as posições de
concordância ou discordância quando for mais adequada ao propósito pretendido.

259
6.1. Sobre a docência e a formação docente.

Os dados obtidos demonstraram que 65% dos inquiridos concordam


parcialmente que a docência os completa como pessoa e profissional apesar de faltar
algumas condições acadêmicas, sociais e econômicas, assim como consideram que o
ambiente universitário é propício à criatividade e à inovação e sentem-se motivados.
Entretanto, 57,9% acham que apesar do trabalho docente ser admirável, inexistem
políticas de valorização e reconhecimento dos docentes e esses fatores são inibidores da
atuação e por isso estão desmotivados. Somente 15,9% discordam dessa afirmativa.

É interessante observar, que em relação à falta de preparo específico para o


exercício da docência na universidade e da inexistência ou insuficiente de investimento
institucional no aperfeiçoamento para a docência, um percentual de 53,4 dos professores
discordou da assertiva e 46,6% concordaram. Ao cruzar esse item com o tempo de
docência, conforme a tabela 12, no anexo 11, constato que o maior percentual dos
inquiridos que concordaram, assim como dos que discordaram têm entre 11 a 20 anos
de docência, o que pode indicar que uma parte significativa dos professores, apesar de
ter vários anos de experiência docente, sente a necessidade de formação pedagógica, tal
como assinalam Marcos Masetto (2003) e Maria Isabel da Cunha (2005). Segundo os
autores, alguns docentes que atuam no ensino superior apresentam necessidade de
formação na área pedagógica, fato este que pode ser explicado pela pouca ou nenhum
valorização ou incentivo de formação nessa área pelas instituições de ensino superior,
ou porque os próprios docentes a consideram supérflua ou desnecessária para o seu
desenvolvimento docente.

De acordo com Silvio Botomé (1996), existe uma preparação desigual no


atendimento das demandas da vida na universidade. A pós-graduação, que deveria
capacitar o professor universitário em mestre de nível superior ou cientista (doutor) em
uma área do conhecimento, tem aumentado a sua especialização técnica em um assunto
e em técnicas de pesquisa. O resultado é que os professores se preparam mais para a
dimensão de especialista e de pesquisador do que em relação às demais exigências.
Descreve o autor:

260
O profissional desenvolve uma experiência que, com frequência muito
grande, não o leva a completar as lacunas em sua formação, mas a
desenvolver e fortalecer o que é aceito, o que funciona ou o que lhe dá
poder, capacidade de influência no meio social ou institucional. Com isso,
consolida-se um poder cada vez maior, que o leva a agir sobre os demais e
sobre a instituição, de maneira a consolidar não o que vale a pena a longo
prazo, para a instituição e para a sociedade, mas o que o leva a ganhar,
sentir-se seguro, obter mais poder, ser aceito e reconhecido (Botomé, 1996,
p.29).

Ainda nos estudos de Silvio Botomé (1996), encontro referência à intensificação


e sobrecarga de trabalho que afetam os professores no Ensino Superior e trazem
consequências em termos de desgaste físico e psíquico. Os baixos salários, as relações
interpessoais conflitantes, a desvalorização profissional são alguns dos fatores que
colaboram para agravar o contexto do trabalho docente. Essa é para Richard Sennett
(2004), uma característica das mutações do trabalho e suas implicações para as relações
de produção. Para o autor a compreensão a respeito do trabalho que se desempenha é
fraca, inconsistente, o que leva as pessoas a perderem a identificação com seus cargos.
Ainda nesse sentido, Christopher Dejours (1992), partindo da análise da psicodinâmica
das situações de trabalho, descreve que o trabalho pode tornar-se fonte de tensão e
desprazer, dando origem ao sofrimento e até ao desenvolvimento de patologias, sendo a
insatisfação uma das formas principais de sofrimento no trabalho.

6.2. Sobre o trabalho acadêmico e os sentimentos envolvidos.

Solicitei ao professores inquiridos, que se posicionassem diante de assertivas que


abordavam a sobrecarga de trabalho, o desgaste físico e emocional, a desmotivação e a
desvalorização acadêmica. Cruzei as respostas com o tempo de docência, tendo em
conta que essa variável poderia me subsidiar na análise, com base nos eventos da vida
de Klaus Riegel (citado por Isaia, 2001), que considera que a pessoa vai se
transformando à medida que a estrutura social se transforma. Assim, como ilustra a
tabela 13 (anexo 11), um percentual significativo dos docentes que discordaram das
assertivas têm em média 21 a 30 anos ou já se encontram no final da carreira, ou seja, já
houve um estabelecimento da carreira e na atuação como professores. São considerados

261
os anos mais efetivos da carreira, o que de certa maneira explica o fato de não se
sentirem sobregarregados e de ter sentimentos positivos sobre o trabalho acadêmico.

A representação positiva pode indicar a noção de superioridade intelectual em


relação aos professores iniciantes que atuam no ambiente acadêmico. Isso demonstra,
conforme expõe Serge Moscovici (1978), aqui parafraseado, como as representações
que determinados profissionais constroem sobre si e suas práticas vão se cristalizando,
tendendo a ser contraditória pelas representações que os usuários da universidade fazem
sobre o professor. Há um confronto entre os que pensam o grupo de professores sobre si
e sua prática e os que pensam os usuários da universidade sobre esse grupo profissional
e as suas práticas, o que resulta em conflito, sendo que os professores tendem a se
fechar corporativamente, agindo em autodefesa.

Os professores, que concordaram com as assertivas, têm entre 11 a 20 anos de


docência no Ensino Superior, estando em fase de consolidação profissional, e nesse
processo “sofre a pressão das representações sociais dominantes na sociedade e é nesse
meio que pensa ou exprime seus sentimentos” (Moscovici, 2001, p.49), e sendo um
fenômeno cognitivo envolvem, de acordo com Denise Jodelet (2001, p.22), “a pertença
social dos indivíduos com as implicações afetivas e normativas, com as interiorizações
de experiências, práticas, modelos de condutas e pensamento, socialmente inculcados
ou transmitidos pela comunicação social que a ela estão ligadas.”

De modo geral, os percentuais diante das assertivas demonstram que de um lado,


os docentes se reconhecem como profissionais da docência no ensino superior e
identificam valores positivos na função que desempenham, uma vez que, como ficou
evidenciado, não concordam com as representações do outro, por outro lado, convivem
com os significados negativos atribuídos à profissão docente, em um conflito
profissional expresso na contradição entre como se reconhecem e como são
reconhecidos pelos outros. Isso quer dizer que o sentimento de pertença ao grupo
socioprofissional dos docentes universitários, conduz os professores a agir em termos
dos interesses coletivos. Sentimento que também se evidencia quando 96,8% dos
inquiridos assinalam que estão engajados em atividades educativas voltadas para o
efetivo desenvolvimento de futuros profissionais e que têm consciência que influenciam

262
positivamente a vida de outras pessoas através do trabalho acadêmico. Nessa
perspectiva, de acordo com Paulo Meksenas (2003), o conteúdo das identidades sociais
construídas no interior de um grupo social define as diversas dimensões das
comparações sociais, que reforçam o sentido dessa identidade.

6.3. Sobre os dilemas acadêmicos contemporâneos.

O sentimento de pertença, a categoria profissional de professor universitário, foi


novamente evidenciado quando solicitei aos inquiridos que indicassem quais estratégias
utilizam para enfrentar os dilemas acadêmicos contemporâneos que afetam o trabalho
acadêmico no interior da Universidade, e que implica novos sentidos para a profissão
acadêmica apresentados na tabela 14, no anexo 11. Assim, um percentual de 51,1 dos
inquiridos procura os colegas para partilhar os dilemas e procurar alternativas coletivas.
Os docentes que assinalaram essa alternativa estão na faixa etária de 50 a 59 anos e têm
em média 35 anos na carreira acadêmica, correspondendo a uma maturidade etária e
profissional, consolidados quanto ao estabelecimento na carreira profissional docente.
Os docentes que assinalaram uma postura contrária, de não envolvimento com as
questões, estão na faixa etária de 40 a 49 anos e têm em média 20 anos de docência no
ensino superior. O gráfico 07 é ilustrativo dos dados obtidos.

Gráfico 07
Estratégias perante os dilemas acadêmicos

Partilhar os dilemas e procurar alternativas na 51,1%


colegialidade

Adaptação as exigências contemporâneas e busca de 20,4%


autonomia

Preservação do espaço individual, isolamento 19,1%


acadêmico e participativo

Adoção de uma postura de aparente neutralidade e 9,4%


autocontrole diante das pressões

Fonte: Dados do questionário aplicado aos docentes de 04/10 a 03/12 de 2010.

263
O termo dilema é empregado, conforme descreve Miguel Zabalza (2004), diante
de demandas que não têm uma solução única e, que nesse estudo, envolvem situações
complexas na docência. Contudo, está igualmente relacionada com a questão da
identidade e implica conforme descreve Anthony Giddens (2002) alguns dilemas.

A construção das identidades contempla para Anthony Giddens (2002) quatro


dilemas fundamentais. O primeiro transcorrer entre a unificação que refere à construção
de uma narrativa coerente sobre nós diante das mudanças promovidas pela globalização
e fragmentação que significa uma diversificação dos contextos de interação. O segundo
caracteriza-se entre a impotência diante de determinadas instituições de alcance global e
a apropriação de diversas formas de interagir em diversos ambientes, e de nos tornarmos
bastante diferenciados. O terceiro dilema é o que contrapõe autoridade e incerteza. Para
Giddens vivemos hoje diante de um pluralismo de autoridades, de diferentes visões que
nos fornece várias opções, mas nos colocam diante das incertezas. O quarto dilema é o
da experiência personalizada versus experiência mercantilizada e nele enfatiza o autor
que podemos ultrapassar a mercantilização e reagir criativamente, e seletivamente, aos
processos de padronização.

O posicionamento dos docentes deixa transparecer de um lado a posição de


enfrentamento dos dilemas, que pode ser traduzida como maneiras de lidar com as
mudanças no cotidiano acadêmico, mas por outro é também reveladora do que
Valdemar Sguissardi e Silva Júnior (2009, p. 185) interpretam como naturalização do
sacrifício em que “o conformismo ou a alienação parece poder justificar-se pelo prazer
do trabalho”.

Deise Mancebo (2004, p.248) ao realizar uma análise a produção escrita sobre
trabalho docente em tempos de globalização, evidencia que as atuais exigências na
Universidade sob diversas formas e, notadamente sobre a de maior produtividade, criam
diversos processos e pressões sobre os professores suscitando diferentes formas de
enfrentamento e de defesa, assim como diferentes efeitos sobre a sua produção e prática
e, conforme a autora a consequência é o surgimento de múltiplos desenhos que o corpo
docente pode assumir e que precisam ser compreendidos considerando o contexto
mundial globalizado.

264
Ao examinar a profissão acadêmica na Inglaterra, Henry Miller (1991;1992)
assinala que o ambiente e a pressão sobre determinadas tarefas têm alterado as
experiências de trabalho e seus significados, o que afeta tanto os professores como as
instituições de ensino. Entre as modificações mais significativas, segundo o autor, é a
massificação do ensino, que afeta de maneira direta o trabalho acadêmico.

6.4. Sobre as modificações na carreira e no trabalho cotidiano.

No exercício da profissão acadêmica, os docentes habitualmente desempenham


atividades que contemporaneamente se tornaram rotineiras, que vão desde de a
ministração de aulas na graduação e na pós-graduação a manter-se atualizados com os
novos conhecimentos. Contudo, conforme Miguel Zabalza (2004), a categoria
profissional docente é analisada e avaliada por parâmetros que levam em conta a
produtividade, corporificada na produção acadêmica com publicações, em projetos de
pesquisa financiados, participações em congressos com apresentação de trabalhos
científicos e as disciplinas que leciona.

Nesse sentido a identidade profissional do professor univeritário torna-se


fundamentada no que ele produz, sem considerar os constituintes da sua identidade
pessoal, e, por conseguinte conforme apontei anteriormente, as mudanças que afetam os
docentes, podem gerar perda de identidade (Mancebo & Franco, 2003), e ainda,
conforme argumenta Christophe Dejours (1992), do choque entre um indivíduo dotado
de uma história personalizada, de uma identidade, e a organização do trabalho,
portadora de uma injunção despersonalizante, em que o desejo do capital se sobrepõe ao
desejo do trabalhador, emerge uma vivência de sofrimento psíquico. Para o autor, o
sofrimento começa quando ocorrer o “choque entre uma história individual (do
trabalhador), portadora de projetos, de esperanças e desejos, e uma organização do
trabalho que os ignora.” (Dejours, 1992, p.133).

Os professores inquiridos foram solicitados a posicionarem diante das


modificações que, nos últimos anos, tem ocorrido na carreira e no trabalho cotidiano do
professor universitário. Percebo assim, conforme os dados da tabela 15, no anexo 11,
que os professores posicionam-se de maneira dicotômica em relação as consequências

265
dessas modificações no trabalho docente, uma vez que, para 60,5% dos respondentes as
mudanças no processo acadêmico-científico e na organização da carreira docente são
necessárias ao desenvolvimento de uma nova concepção do trabalho acadêmico e não
implica necessariamente a precarização e intensificação do trabalho docente. Entretanto,
para 56,3% é inegável que esse processo conduza ao produtivismo acadêmico, à
intensificação e precarização do trabalho docente, o que gera sentimentos pessimistas
quanto ao futuro da docência universitária. Tal fato pode ser compreendido, de um lado,
pela via da alienação, em que os professores negam a si mesmo a condição de
trabalhadores, descaracterizando sua identidade e função social, por outro lado, a
supervalorização da individualidade, em que o docente prioriza suas experiências
pessoais e aspectos subjetivos em detrimento dos aspectos objetivos e coletivos,
caracterizando a docência inoperante e adaptada, o que de certa forma, também conduz
à alienação (Soares, 2006).

Em relação às implicações dessas mudanças na prática cotidiana do trabalho


docente, houve um equilíbrio no percentual de resposta dos inquiridos, como um
percentual de 52,2 dos docentes reconhece a existência de modificações, mas acreditam
que as mesmas não alteram de forma substancial a prática docente, pois a maioria dos
professores continua ministrando aulas na graduação e não se envolvem com pesquisa,
pós-graduação e nem com a produtividade exigida no meio acadêmico, no entanto,
48,9% não concordam com essa situação. Para um percentual de 51,1% dos inquiridos
essas mudanças, como um fenômeno da globalização, têm afetado o trabalho docente e
sua autonomia. A conjuntura atual aponta para gradativa redução salarial, para aumento
na relação professor/aluno e ampliação das exigências de produção no campo da
pesquisa e pós-graduação e perda de autonomia, em que pese um percentual de 48,9 %
discordarem dessa tendência.

Esse quadro aponta para o que afirma Denise Lemos (2011), quando destaca que
há um nível geral de desinformação nos docentes e uma contradição entre o grau de
autonomia percebido pelos professores e a autonomia existente no âmbito institucional,
ou seja, “a autonomia percebida pelo professor é muito maior do que a autonomia que,
de fato, é possível exercer.” (Lemos, 2011,p.117).

266
No contexto que a Universidade se acha envolvida, com as mudanças
decorrentes de fatores extrínsecos e intrínsecos, ordena um novo perfil do professor
universitário que vem sendo construído a partir de alterações significativas no cotidiano
da prática acadêmica docente, na qual a formação pedagógica é um aspecto
preponderante. Em outras palavras, a qualificação científica e pedagógica docente é um
dos fatores básicos da qualidade da própria Universidade (Zabalza, 2004),e por isso,
exige-se do professor a ampliação de suas competências no processo do
desenvolvimento das atividades profissionais.

6.5. Sobre as necessidades contemporâneas da docência.

A compreensão da docência universitária como uma atividade profissional


complexa, que requer formação específica e pressupõe um processo de atualização
constante, nem sempre é incorporada pelos que fazem parte dessa categoria profissional.
Como apontei anteriormente, ainda coexiste a prática fundamentada na crença de “quem
sabe, automaticamente, sabe ensinar” (Masetto, 1998, p.11), e esse aspecto colabora na
representação de uma imagem docente que não coaduna com a evolução
contemporânea, com as transformações da sociedade do conhecimento e da informação,
assim como, da que a própria organização econômica mundial propõem ao Ensino
Superior, exigindo das organizações a esse nível, um repensar de suas missões e
funções.

Nessa direção, os professores foram inquiridos a se posicionar diante de


assertivas que envolvem aspectos do desenvolvimento profissional docente e, mais
especificamente, sobre o que denominei de necessidades contemporâneas da docência,
no sentido do desenvolvimento profissional docente universitário. Assim sendo, a tabela
16 (anexo 11) apresenta o grau de importância atribuída pelos professores a cada uma
das assertivas, entretanto para a análise aqui empreedida adoto como referência os
percentuais apontados como de muita importância.

Assim, 61,8 dos inquiridos consideraram de muita importância a disposição


docente para aquisição de conhecimentos, competências próprias e formação específica;
63,4% consideraram o exercício da docência universitária como profissão; 74,8%

267
compreendem que o compromisso profissional, as atitudes e normas de conduta
adequadas às ações desenvolvidas como muito importante; para 84,5% a postura ética
nas relações estabelecidas na academia; 82,5% o comprometimento no exercício das
funções de planejamento, ensino e avaliação das aprendizagens; 76,1% a construção de
redes de trabalho coletivas baseadas na partilha e no diálogo profissional; 66,7% a
participação política e social no espaço público da educação; 85,8% a postura aberta
para a reflexão e auto-reflexão pessoal e profissional; 84,1% o desenvolvimento de
saberes relacionados com a prática pedagógica, envolvendo desde o “saber transmitir”
até motivar os alunos e entender como os mesmos aprendem; 78% o desenvolvimento
de pesquisa acadêmica, fomentando a aliança entre educação e avanço do conhecimento
e 47,9% a participação de órgãos de classe e associações profissionais demonstrando
engajamento político profissional. Contudo, nesta variável, um percentual de 32% a
considerou de pouca importância.

Uma primeira apreciação, das assertivas assinaladas como de muita importância


para os inquiridos, me remete ao debate instalado a partir da Declaração Mundial sobre
a Educação Superior no Século XXI: visão e ação (United Nations Educational,
Scientifc and cultural Organization – UNESCO, 1998, p.26), que no artigo 10 assinala
que devem ser tomadas providências adequadas para pesquisar, atualizar e melhorar as
habilidades pedagógicas, por meio de programas apropriados de desenvolvimento de
pessoal, estimulando a inovação constante dos currículos e dos métodos de ensino e
aprendizagem, que assegurem as condições profissionais e financeiras apropriadas ao
profissional, garantindo assim a excelência em pesquisa e ensino, de acordo com as
provisões da “Recomendação referente ao Estado do Pessoal Docente da Educação
Superior” aprovado pela Conferência Geral da UNESCO em novembro de 1997. Neste
cenário, a docência universitária, que de certa forma se mantinha inquestionável no que
diz respeito ao ensino e a aprendizagem na Universidade, “transita por uma
reconstrução do conceito tanto no reconhecimento de uma especificidade da função
docente, para além do domínio disciplinar, como do próprio sentido da instituição
universitária no Ensino Superior” (Ramos, 2010b, p.563).

268
Observo ainda, um movimento dos inquiridos no sentido da superação de uma
profissionalidade intuitiva para uma profissionalidade fundamentada (Ramos, 2010b),
compreendida no âmbito da ruptura do conhecimento disciplinar. Os posicionamentos
convergem para a compreensão da docência na sua complexidade, envolvendo a saberes
específicos e conhecimento didático-pedagógico, assim como, demonstram que os
docentes não estão indiferentes à adoção de uma postura aberta para a reflexão e auto-
reflexão pessoal e profissional, a construção de redes de trabalho coletivas baseadas na
partilha e no diálogo profissional e a participação política e social no espaço público da
educação. De modo geral, a análise deste item do inquérito, aponta para o
reconhecimento dos docentes de que a docência na Universidade envolve compreensão
e conhecimento (Cunha, 2006b).

7. O professor universitário – da imagem social a auto-imagem docente.

A educação universitária tem, ao longo de sua existência, se empenhado em


transmitir e disseminar conhecimento. Conhecimento, que ocupa lugar central nos
processo que configuram a sociedade contemporânea, e que conduz, na relação
estabelecida entre a sociedade e as instituições de educação superior, ao fortalecimento
do papel estratégico da educação superior, para o desenvolvimento sociocultural e
econômico da sociedade, preconizado há 13 anos, na Declaração Mundial sobre a
Educação Superior (Bernheim & Chauí, 2008).

Neste contexto, a consciência da importância deste tipo de educação confere à


Universidade e aos docentes que dela fazem parte, o reconhecimento de suas
responsabilidades, uma vez que, para Miguel Zabalza (2004, p. 11), “nenhuma inovação
é pensável à margem daqueles que a têm de realizar: os professores transformam-se
sempre nos mediadores e agentes básicos das inovações das universidades (sempre
como aplicadores e, com frequência, como instigadores e mentores das mudanças)”. O
processo de mudança, no qual a docência no ensino superior tem papel preponderante,
exige, como apontei anteriormente, um novo perfil do professor universitário e
ampliação de sua competência. Entretanto, os impactos da reconfiguração da sociedade
contemporânea, e nomeadamente, na crise no âmbito da educação superior, evidenciam-
se nas representações pouco positivas sobre a função docente.

269
As representações sociais sobre a docência estão presentes no discurso dos meios
de comunicação social, nas produções cinematográficas, nas narrativas literárias, nas
expressões culturais e, nesse sentido, cabe salientar que o termo representação social
engloba os fenômenos presentes no cotidiano dos grupos sociais, tem suas raízes nos
conceitos elaborados pelo senso comum, nas interações contínuas e na objetivação
realizada por cada grupo e se concretiza num campo específico de conhecimento no
contexto da psicologia social. Segundo Denise Jodelet (1984, p.15), são “uma forma de
conhecimento específico, o saber de sentido comum [..] em sentido mais amplo, designa
uma forma de pensamento social [...]" uma vez que, "as representações sociais
constituem modalidades de pensamentos práticos orientados para a comunicação, a
compreensão e o domínio do meio social, material e ideal".

Os professores universitários, no exercício da profissão acadêmica, constroem


interpretações decorrentes das representações que possuem do exercício da sua
profissão, e são também confrontados com uma pluralidade de expectativas, de imagens
e de papéis. Tal fato me instigou no sentido descrever e analisar a configuração
identitária profissional do professor universitário e sua imagem socioprofissional no
contexto das transformações ocorridas no ensino superior, sendo esse o objetivo sobre o
qual tenho me debruçado na elaboração desse estudo. Assim sendo, elaborei para o
inquérito destinado aos professores uma questão com a intencionalidade de evidenciar
algumas das imagens apresentadas pelos meios de comunicação social, por entender que
esses discursos estão disponíveis à sociedade de um modo mais abrangente e que
considerei representativas de aspectos concernentes à função docente e à imagem
profissional e profissional do professor universitário.

Com essa intencionalidade, a formulação das assertivas, para essa questão, foi
construída no sentido de apreciar as tendências gerais da representação docente
universitária, com a compreensão de que constitue um dos processos de construção da
identidade profissional docente, denominado por Claude Dubar (1997), de identidades
herdadas. Para esse autor, as identidades visadas pelos indivíduos são estabelecidas a
partir da aceitação ou da recusa das identidades precedentes. Os mecanismos que
conduzem a concordância ou rejeição destas identidades herdadas são instituídos com

270
base na maneira como elas são reconhecidas pelas instituições legítimas e pelos agentes
diretamente relacionados com os sujeitos em causa.

Tomando como referência este cenário, os inquiridos assinalaram seu grau de


identificação com algumas das representações sobre a imagem da docência e da
condição pessoal e profissional do professor universitário. O grau de identificação das
representações compõe a tabela 17 (anexo 11). Contudo, ao considerar que as
representações são passíveis de mudança, uma vez que se ancoram nas crenças e valores
culturalmente difundidos (Moscovici, 2003;1988), cruzei os dados com o tempo de
exercício da docência no ensino superior, conforme a tabela 18, no anexo 11.

Para efeito de melhor compreensão das 14 representações da docência


consideradas neste estudo, e tendo como apontador as propaladas pelos meios de
comunicação social, considerei pertinente apresentá-las de forma agrupadas em tópicos
analíticos e, quando for necessário, utilizar a representação gráfica.

7.1. O trabalho acadêmico.

A imagem do ensino e da pesquisa como dimensões centrais do trabalho


acadêmico tem alta identificação para a maioria dos inquiridos, sendo mais significativa
para os docentes com 11 a 20 anos na docência e, de baixa identificação, para os
professores com mais de 20 anos na carreira. O percentual de 100% dos docentes com
06 a 10 anos na carreira não aceita a imagem da centralidade do ensino e da pesquisa.
Os dados apontam nesse sentido para uma divergência de opinião entre os docentes
inquiridos sobre as funções do trabalho acadêmico. Enquanto alguns acolhem as
atividades de ensino, pesquisa e extensão como ações próprias de sua prática
profissional, há os que rejeitam as atividades de pesquisa e nomeadamente a de
extensão. Parece haver uma participação dos professores mais jovens nas funções de
administração ou gestão universitária, não como essência de seu trabalho acadêmico ou
como constituinte da essência de seu trabalho acadêmico, mas no sentido de
desempenharem funções que denotem poder e influências nas decisões administrativas e
acadêmicas.

271
O trabalho acadêmico é caracterizado, de modo geral, pela área de conhecimento
da formação de origem e o meio em que se exerce essa atividade (Morosini, 2000).
Conforme prescreve o artigo 207, caput, da Constituição Federal, o trabalho acadêmico
de professores no âmbito da universidade se constitui da indissociabilidade das
atividades de ensino, pesquisa e extensão. A indissociabilidade é reiterada na Lei de
Diretrizes e Bases 9.394/96, em seu artigo 52. Por conseguinte, o distanciamento entre
as três funções pode gerar uma fragmentação da identidade do professor universitário.
Uma dissociação entre ser professor e ser pesquisador (Isaia, 2003a).

Os professores percebem que a prática acadêmica na universidade baseia-se na


transmissão do conhecimento, centrada em um modelo reprodutivista. Esta imagem
obteve alta identificação, encontrando-se os que consideraram essa identificação na
faixa de 11 a 20 anos de docência. Os professores no final de carreira, acima dos 30
anos de docência, também consideraram significativa esta imagem da docência. Esses
dados refletem o cenário da ênfase do processo de ensino em detrimento do processo de
aprendizagem (Masetto, 1998, 2003), bem como na forte tradição disciplinar que marca
a identidade docente dos professores universitários, e que igualmente é proveniente da
área específica de conhecimento dos docentes.

Em relação à representação de que a maior parte dos professores que vem


atuando nas universidades não possui formação pedagógica, para atuar no campo da
docência, valendo-se do conhecimento específico como o principal esteio no trabalho
acadêmico, observei que nos docentes existe identificação com essa imagem, havendo
variações poucos significativas entre os graus de identificação. Em outras palavras, para
os docentes inquiridos essa imagem altera-se de alta a baixa identificação, no entanto
um percentual muito baixo não concorda com essa representação (nenhuma
identificação). Os docentes, com alta identificação com essa imagem, têm 11 a 20 anos
de docência e os que não se identificam, estão na faixa dos 21 a 30 anos de exercício na
profissão docente. Portanto os dados são indicadores da preponderância da formação de
origem na condução do trabalho acadêmico e da prática pedagógica fundamentada na
experiência de vários anos de docência. A experiência é inegável da formação do
professor universitário, todavia não pode ser o cerne da formação docente.

272
A própria legislação é omissa em relação à formação do professor universitário,
uma vez que não se refere à formação dos professores do ensino superior, e sim à sua
preparação. Como assinalei anteriormente, aos cursos de pós-graduações cabe a função
de preparar os docentes para esse nível de ensino, sendo esse o processo formativo mais
usual do professor universitário. Para Silvia Isaia (2003a) até mesmo com as
perspectivas de renovação que se delineiam na atualidade, “a cultura acadêmica
continua valorizando as atividades voltadas para a formação dos professores como
pesquisadores, tanto em termos de progressão funcional, a tônica está na titulação e na
produção, consideradas como garantia para a qualificação docente como um todo”.
(Isaia, 2003, p. 244). A própria Universidade não tem como critério de seleção à
docência os elementos da formação pedagógica, portanto deveria prover meios
específicos para que o docente preenchesse essa lacuna em serviço. (Anastasiou, 2002).

Os professores inquiridos não se identificam com a imagem do trabalho


acadêmico exercido em condições inadequadas. Essa imagem foi considerada de média
ou nenhuma identificação para os professores, sendo que, conforme a tabela 18 no
anexo 1, um percentual de 39,7 dos que a consideraram sem nenhuma identificação tem
em média 11 a 20 anos de docência no ensino superior. Estes foram dados que de certa
maneira me surpreenderam, uma vez que como assinalo anteriormente nos capítulo I e
II, a história da docência universitária no Brasil é de constantes reivindicações e lutas
por melhores condições para o desenvolvimento da profissão acadêmica.
Nomeadamente nas últimas décadas as alterações são visíveis no contexto das
Universidades, em que é observada no cotidiano do trabalho acadêmico a contradição
entre precarização das condições de trabalho e as exigências de produtividade.
Resultado de políticas públicas econômica, educacionais e de ciência e tecnologia que
compreendem a subordinação da produção do conhecimento e dos processos de
formação aos interesses mercantis.

Uma análise geral deste item me remete igualmente para a discussão sobre o
trabalho acadêmico na configuração de uma nova reforma universitária, com destaque
para o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais - REUNI, instituído no Decreto nº 6.096 de 24 de abril de 2007, que recebe
apreciação diferenciada conforme os diversos protagonistas sociais, gerando debates de

273
maneira especial com referência a uma de suas metas que prevê a elevação gradual da
taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para noventa por cento e
da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito, ao
final de cinco anos, a contar do início de cada plano (instituicional). Essa diretriz do
REUNI tem repercussão direta no cotidiano do trabalho acadêmico por meio da
intensificação e precarização, conforme manisfestação do Sindicato Nacional dos
Docentes – ANDES. No entanto na análise de Luiz Antônio Cunha (2007), o programa
tem um caráter positivo, com destaque no crescimento do alunado do ensino superior.

7.2. A valorização da docência

A imagem de uma carreira profissional acadêmica afetada pela condição


econômica e social dos professores obteve alta identificação para 64,4% dos
professores, principalmente para os docentes entre 11 e 20 na carreira acadêmica. Um
percentual de 22,0 de docentes assinalaram média identificação com essa imagem e
somente 1,3% entende que essa não é uma imagem real do profissional docente, sendo
que esses respondentes têm na sua maioria entre 06 e 10 anos na docência. Portanto, os
dados são indicadores da situação da carreira acadêmica. A imagem da docência que se
expressa com a crise financeira, é resultante de um conjunto de transformações sociais,
políticas e econômicas que vem afetando a categoria docente e, de modo relevante esse
quadro é agravado por uma política educacional que impõe um intenso controle da
carreira acadêmica, um novo ethos do trabalho acadêmico pautado no individualismo,
na dissociação dos interesses coletivos e na concorrência competitiva e na competência
individual. Assim, o que vemos no ensino superior brasileiro é insuficiência e, em
alguns aspectos a ausência: de um plano de carreira consolidado, da isonomia salarial,
com diferenças salariais movimentadas por uma produtividade que deixa de lado
parâmetros da qualidade acadêmica; de gratificações não-incorporadas ao salário e à
aposentadoria. Esse quadro de precarização além de impulsionar a competitividade
entre os docentes, conforme assinalei anteriormente, e provoca igualmente a procura de
formas de complementação salarial, por meio de parcerias, consultorias, projetos
financiados, etc. Consequências típicas da adoção de políticas neoliberais.

274
Não houve variação significativa, se considero o tempo de docência, quanto à
imagem de que nos dias atuais são frágeis as condições de existência social, econômica
e intelectual dos docentes universitários. Contudo, se observo os percentuais integrais,
evidencia-se que 40,1% dos inquiridos assinalam que têm média identificação com esta
imagem e que para 28,8% a identificam é alta. Um percentual de 26,5 tem baixa
identificação, o que me conduz a compreender que concordam parcialmente com essa
imagem dos profissionais do ensino universitário. Essa parcialidade pode ser justificada
por uma rejeição ao crescente processo de precarização, por meio do achatamento
salarial e da vulnerabilidade da condição da profissão acadêmica. O problema salarial
dos professores universitários associa-se a atratividade da carreira acadêmica e a
permanência nela. Não é invulgar que bons professores universitários abandonem a
docência em favor de outras áreas profissionais.

A valorização docente centrada no ensino na pós-graduação, compreendendo


que dessa atividade faz parte orientação de dissertações e teses, foi considerada por
40,1% dos docentes com média identificação e de alta identificação para 36,9% dos
inquiridos. No que concerne ao tempo de docência, a análise da tabela 18 (anexo 11),
evidencia que esses percentuais estão concentrados nos docentes que tem entre 11 a 20
anos. O envolvimento do corpo de docentes titulados com a pós-graduação, em
detrimento da graduação, é uma realidade assente nas Universidades. A própria
manutenção dos cursos de pós-graduação stricto sensu depende em grande parte da
titulação docente e da produção acadêmicas dos professores, o que contribui para a
cultura da performatividade ou da excelência (Sguissardi, 2008).

A imagem de que os professores têm um nível econômico baixo ocasionado pela


redução real do poder aquisitivo dos salários, mas, por outro lado um nível social
elevado ligado ao conhecimento, não obteve identificação por parte dos inquiridos. Se
somar os percentuais de baixa e de nenhuma identificação ultrapassa 50%. O tempo de
docência mais representativo é dos docentes que têm entre 11 a 20 anos. Novamente
observo de um lado a contraditória rejeição da real proletarização da docência
universitária e, por outro, tendo a inferir que os docentes têm a identidade da docência
fortemente atrelada ao status do trabalhador intelectual.

275
7.3. A auto-imagem docente.

Miguel Arroyo (2000) assinala que a auto-imagem docente é apreendida em


múltiplos espaços e tempos, em múltiplas vivências, como resultado das condições
psicológicas e sociais que afetam a docência no sentido de que cada professor reconhece
o que o identifica com o magistério e como ocorreu esse processo de identificação.
Portanto esse processo pressupõe considerar a existência da intersecção entre o processo
biográfico e o processo relacional. Dito de outro modo, a identidade contém em si uma
dimensão individual, relacionada com as ideias, concepções e representações que
construímos sobre nós mesmos, e uma dimensão coletiva, referente aos papéis sociais
que desempenhamos em cada um dos grupos que pertencemos. (Dubar, 1997).

Destacam Juan Mosquera e Claus Dieter Stobäus (2006, p. 84) que a auto-
imagem é uma espécie de organização da própria de cada pessoa, “[...] é composta de
uma parte mais real e de outra mais subjetiva, convertendo-se em uma forma
determinante e de grande significado para poder entender o meio ambiente em que vive,
tentando perceber significados antes atribuídos ao meio, que depois são seus.”
Conforme assinalam a auto-imagem surge na interação da pessoa com seu contexto
social, conseqüência de relações estabelecidas com os outros e para consigo mesmo.

Nesse processo estão presentes aspectos da subjetividade e da afetividade


humana. Por conseguinte, nas relações estabelecidas com os outros fazem parte as
nossas próprias representações, mas igualmente a do outro por um processo de
identificação ou rejeição.

Os docentes inquiridos apresentam média e baixa identificação à assertiva de


que a imagem pública do professor universitário pode ser compreendida como a figura
do trabalhador assalariado, entretanto foram poucos que assinalaram não ter nenhuma
identificação com essa imagem. A parcela mais representativa destes respondentes tem
entre 11 e 20 anos de docência no ensino superior, o que me conduz igualmente a inferir
sobre a percepção idealizada ou distanciada da real situação em que sendo concebido
como um trabalhador assalariado, sua inserção no mercado de trabalho compreende uma
relação de compra e venda de sua força de trabalho com organismos empregadores quer
estatal ou privados.

276
No que concerne à representação, de que a baixa qualidade do ensino
universitário é decorrente da prática docente de maus profissionais, comportamento
próprio de quem não tem que prestar contas sobre o seu trabalho, os docentes
inquiridos, na sua maioria, apresentaram média e baixa identificação com esta imagem.
Já uma parcela significativa assinalou não ter nenhuma identificação, estando os
respondentes entre os 11 e 30 anos de docência. Um percentual mínimo dos inquiridos
tem alta identificação com essa imagem, sendo eles docentes com mais de 11 e menos
de 20 anos de docência. Os dados apontam para uma situação complexa uma vez que
vários indicadores concorrem quando se discute a qualidade do ensino superior. No
entanto a posição de não concordância com essa imagem já é um indicador da
preocupação docente com a qualidade do ensino e da formação dos profissionais.

A questão da qualidade de ensino universitário, conforme assinala Maria Isabel


da Cunha (2006a) tem sido objeto de disputa ideológica. Representa, de um lado a
possibilidade de um sistema que atenda as exigências do mundo produtivo, e como tal
competitivo, respeitando a estrutura de poder que articula os países ricos com os
dependentes. De outro, significa o desenvolvimento de uma cultura crítica e
fundamentada, capaz de acenar com uma condição emancipatória, indicadora da
solidariedade.

A imagem de que o prestígio do professor universitário alicerça-se, basicamente,


nas atividades de pesquisa, incluindo as publicações e participações com trabalho
acadêmico em eventos, está presente não só na sociedade de modo geral, mas também
de forma acentuada no ambiente acadêmico. A maioria dos professores inquiridos tem
identificação média com essa imagem, e poucos, nenhuma identificação como pode ser
observado no gráfico 8.3. Em relação ao tempo de docência, as identificações
apresentam-se bastante diversificadas. Entretanto, somente 9,1% dos professores com
tempo de docência de mais de 30 anos assinalaram não se identificar com essa imagem.
Essa constatação assinala a existência junto aos docentes, da aceitação dessa
representação da docência e que o ensino na graduação acontece como decorrência das
demais atividades. Há o deslocamento das atividades de ensino para as de pesquisa. É
como se houvesse uma linha divisória entre os professores que se dedicam ao ensino na

277
graduação e os que fazem pesquisa e, por conseguinte atuam na pós-graduação. Ao
primeiro grupo a visibilidade, o prestígio, ao segundo o anonimato da sala de aula.

Ter muitos títulos acadêmicos confere ao professor uma boa imagem


profissional, mas não dá garantia alguma de boa atuação em sala de aula. A respeito
desta imagem, os docentes têm média (48,2%) e altas (35,6%) identificação, sendo
inferior o percentual com baixa e nenhuma identificação. Os com média e alta
identificação tem na sua maioria 11 a 20 anos de docência, os com baixa e nenhuma
também estão nessa faixa de tempo de docência. Há diversificação nos percentuais, o
que me leva a inferir que a busca de titulação, por parte dos docentes, pode, de certa
maneira, estar relacionada com a diferenciação que pode proporcionar em relação à
concorrência interna institucional, mas também pode dispor-se a busca de novos
conhecimentos, como condição fundamental para sua capacitação.

A imagem dos professores universitários com bom nível cultural, e de que


estimulam os alunos a apreciarem a literatura clássica, a música erudita e as artes,
obteve média identificação para 55,3% dos inquiridos e apenas 8,7% consideraram alta
a identificação com essa imagem. Para 20,1% a identificação com essa imagem foi
baixa e 15,9% não há nenhuma identificação. Os docentes com 11 a 20 anos de
docência foram os que mais assinalaram nenhuma identificação com essa imagem. Para
Kathryn Woodward (2004) a identidade profissional docente vive momento conflituoso
ocasionados por mudanças e cobranças oriundas dos setores sociais do mundo
contemporâneo. A formação contínua é uma necessidade imprescindível uma vez que
proporciona o aperfeiçoamento profissional teórico e prático e dela deve fazer parte o
desenvolvimento de uma cultura geral mais ampla para além do exercício profissional.
Nesse sentido, também se faz necessário na competência profissional do professor
atitudes promotoras da apreciação da cultura geral, que transcenda o domínio de
habilidades e técnicas.

Os gráficos 8.1, 8.2, 8.3, 8.4 e 8.5 apresentam o grau de identificação dos
inquiridos com as imagens sociais, que envolvem aspectos pessoais e profissionais do
professor universitário.

278
Gráfico 8.1 Gráfico 8.2
A imagem pública do professor Os professores são maus profissionais
universitário como assalariado

30,4%
25,6%
8,4%
25,2%

21,0% 37,9%

45,0%
6,5%

Gráfico 8.3 Gráfico 8.4


O prestígio do professor alicerça-se na Títulos acadêmicos conferem uma boa
pesquisa imagem profissional

17,5% 48,2%

7,1%

16,8%
35,6%
58,6% 6,8%
9,4%

Gráfico 8.5
Os professores universitários têm bom nível cultural
20,1%

55,3% 15,9%

87,0%

Legenda:
alta média baixa nenhuma
identificação identificação identificação identificação
Fonte: Dados do questionário aplicado aos docentes de 04/10 a 03/12 de 2010

279
No âmbito geral, posso inferir, ao analisar o grau de identificação dos docentes
inquiridos, nas representações sociais retratadas nos meios de comunicação social, que o
tempo de atuação no magistério no ensino superior interfere no processo de
identificação do docente com as imagens sociais da profissão acadêmica, quer seja uma
imagem positiva ou não. Os docentes com 11 a 20 anos de docência foram os que mais
se posicionaram frente às assertivas com graus de identificação alta ou média. Esta
constatação vai ao encontro de uma das fases instituídas por Michael Huberman (1992),
uma vez que de acordo com o construto, os professores são caracterizados pelo elevado
grau de motivação, dinamismo, empenho com as questões e são os que mais assumem
responsabilidades administrativas por ambição pessoal e correm atrás de prestígio
acadêmico.

8. Os estudantes universitários – a percepção de imagens sociais da docência e da


profissão acadêmica.

A imagem do professor universitário é uma das questões na qual procuro


desenvolver esse estudo e, nesse sentido, compreendo que para ter a imagem docente
como objeto de investigação é preciso reconhecer o limite de tal complexidade, uma vez
que há múltiplos níveis de reconstrução discursiva que envolve aspectos histórico-
sociais. Assim, tendo em conta esse construto, a finalidade deste item é analisar os
elementos mais significativos das imagens que os alunos fazem da docência, que
envolve a profissão acadêmica e a pessoa do professor

Inicialmente, tomo como referência que as representações sociais sobre a


profissão docente se processa no interior psíquico do aluno (indivíduo) que, em uma
operação mental, registra a realidade física e social. As informações decorrentes desse
processo são classificadas, ordenadas, hierarquizadas conforme as influências do grupo
de pertença social, que fornece matrizes de interpretação da realidade para essas
informações. Contudo, de acordo com Serge Moscovici (1978), para tornar as
informações concretas, é preciso objetivá-las em imagens, já conhecidas na memória,
que formarão o núcleo figurativo no campo representativo. A imagem, de acordo com
Gaston Bachelard (2003), é a síntese de uma dialética que se dá na intimidade, e como

280
tal não é o suporte, mas o resultado, por isso, conforme o autor, tudo o que se imagina,
toda matéria imaginada, é a imediata imagem de uma intimidade (Bachelard, p.03).
Nessa perspectiva, o imaginário expressa conteúdos simbólicos, morais e culturais,
constituindo-se numa memória coletiva que possibilita ao indivíduo a correlação das
ideias sobre o real.

O questionário, destinado aos alunos dos cursos de graduação das duas


Universidades pesquisadas, foi composto de três partes, na primeira consta os dados de
identificação, consolidados e analisados, inicialmente, no item 2, deste capítulo. A
segunda parte envolve a compreensão dos discentes sobre os docentes universitários,
buscando identificar a imagem do professore universitários na percepção dos alunos. A
terceira parte, tem como intencionalidade uma aproximação da imagem que os alunos
têm sobre a profissão acadêmica e a imagem social da docência. Nesse sentido, os itens
que compõem as duas questões foram organizados em assertivas que também fazem
parte do questionário destinados aos docentes, de forma a possibilitar o encontro entre
as imagens dos docentes e dos alunos. As assertivas, as quais julgo representativas das
perspectivas apresentadas, foram organizadas em uma escala de concordância,
compreendida entre concordo plenamente, concordo, concordo parcialmente e discordo.

8.1. Imagens do professores universitários na percepção dos alunos.

Com a intenção de melhor elucidar a imagem docente na percepção dos


estudantes universitários, retomo as cinco disposições essenciais à definição dos
professores nos dias de hoje, descritas por António Nóvoa (2009), assinaladas
anteriormente no capítulo II, bem como as dimensões da docência, apontadas por
Terezinha Rios (2002). Para António Nóvoa (2009), a docência envolve: o
conhecimento, uma vez que é esse o objeto do trabalho docente; a cultura profissional,
em que o registro das práticas, a reflexão sobre o trabalho e o exercício da avaliação são
elementos centrais para o aperfeiçoamento e avaliação; o tato pedagógico, destacado
pelo inevitável cruzamento das dimensões profissionais e pessoais e nesse sentido a
compreensão de que o processo de ensinar não está ao alcance de todos; o trabalho em
equipe, num reforço das dimensões coletivas e colaborativas em torno de “comunidades

281
de prática”; e como quinta disposição o compromisso social, descrito como a
necessidade de ir além, no sentido dos princípios, dos valores, da inclusão social, da
diversidade cultural.

Para Terezinha Rios (2002), a competência docente é articulada por quatro


dimensões: técnica, que diz respeito à capacidade de lidar com os conteúdos, conceitos,
comportamentos e atitudes, e a habilidade de construí-los e reconstruí-los; a política,
que prevê uma visão crítica das ações e do compromisso com as necessidades da
sociedade; a ética, que age como elemento de mediação entre a técnica e a política,
garantindo, assim, uma reflexão de caráter crítico sobre os valores presentes na prática
do indivíduo em sociedade e, por fim, a estética, que é a presença da sensibilidade como
elemento constituinte do saber e do fazer docente.

8.1.1. Imagem pedagógica.

Um percentual significativo dos estudantes inquiridos, conforme a tabela 19


(anexo 11), concorda que os professores universitários: têm domínio do conteúdo em
suas áreas de especialidade e estão atualizados; são comprometidos no exercício das
funções de planejamento, ensino e avaliação das aprendizagens e que são bons
orientadores, indicam bibliografias atualizadas e corrigem de forma crítica a produção
acadêmica dos alunos. Nesses aspectos, não houve concordância plena dessa
representação, no entanto os percentuais de discordância foram mínimos.

Em relação, ao estímulo para a participação dos estudantes em programas de


iniciação científica e do próprio envolvimento docente em projetos de pesquisas, os
alunos concordam parcialmente com essa dimensão da docência e, um índice
expressivo, discorda que haja esse estímulo aos acadêmicos.

As informações analisadas conduzem-me a considerar que na percepção dos


estudantes universitários a representação, que denominei de imagem da prática
pedagógica, é expressivamente favorável, e nesse sentido, compreendida como um
misto entre a dimensão técnica, que diz respeito à capacidade de lidar com os
conteúdos, conceitos, comportamentos e atitudes, e a habilidade de construí-los e

282
reconstruí-los e o domínio do conhecimento, como disposição à docência descrita por
António Nóvoa (2009).

O gráfico 09 é ilustrativo da imagem favorável dos estudantes em relação a


alguns aspectos da prática pedagógica dos professores universitários.

Gráfico 09
Imagem da prática pedagógica na percepção dos alunos

41,8% 41,8%
38,3%
35,2%
32,9%
30,2%
29,3% 28,9%
25,9%
23,5% 23,5%
23%

13%

6,5%
4,5%
2,3%

Têm domínio do São comprometidos com São bons orientadores Desenvolvem projetos
conteúdo e estão o planejamento, ensino e de pesquisa e estimulam
atualizados. avaliação das a participação à iniciação
aprendizagens. cientifica.

Concordo plenamente Concordo Concordo parcialmente Discordo


Fonte: Dados do questionário aplicado aos alunos de 04/10 a 03/12 de 2010.

8.1.2. Imagem socioprofissional.

Na imagem socioprofissional, situo o docente universitário aos níveis sociais e


relacionais, no âmbito do exercício da profissão acadêmica. Nesse sentido, e de acordo
com as informações consolidadas na tabela 20 (anexo 11), os percentuais são
equilibrados entre o concordo e o concordo parcialmente, no que diz respeito ao
engajamento dos professores universitários em atividades educativas voltadas para o
efetivo desenvolvimento de futuros profissionais. O mesmo ocorrendo quando os alunos
se posicionaram sobre a influencia positiva dos professores na vida dos estudantes, pelo

283
exemplo do trabalho acadêmico que desenvolvem. Entretanto, no que concerne ao
relacionamento acadêmico, por meio de fórum on line de discussão, os alunos
discordam que os docentes proporcionem esse tipo de interação.

A participação dos docentes em redes científicas de pesquisa e cooperação


nacionais e internacionais é uma imagem com concordância parcial por parte dos
alunos, sendo que para outros alunos essa atividade de relacionamento e partilha
acadêmica não é contemplada no cotidiano da docência. Essa tendência também se
evidenciou quando os alunos apontaram que o docente pouco participa de órgãos de
classe e associações profissionais, e de certa forma demonstra fraco engajamento
político profissional.

Neste sentido, evidencio, na representação dos alunos em relação à imagem


socioprofissional docente que os professores universitários demonstram compromisso
com as necessidades dos alunos, em uma clara demonstração da dimensão política e
ética da docência e da disposição para o compromisso social. Contudo, na percepção
dos alunos falta ao docente a disposição para o trabalho em equipe, das dimensões
coletivas e colaborativas em torno de “comunidades de prática”, conforme denominada
por António Nóvoa (2009).

8.1.3. Imagem pessoal.

A imagem pessoal, que os alunos têm dos docentes, está relacionada, para o que
aqui me propus elucidar, com a percepção profissional, no plano representacional da
profissão acadêmica, posto que o caráter estritamente pessoal envolve a subjetividade e
valores intrínsecos a cada indivíduo e, nesse sentido, os alunos se posicionaram diante
de comportamento pessoais docentes no âmbito do trabalho acadêmico, uma vez que, “o
professor é a pessoa; e uma parte importante da pessoa é o professor.” (Nias, 1991,
citado por Nóvoa, 1995a, p. 15).

Os alunos, em sua maioria, concordam parcialmente com a imagem de que os


professores universitários têm prestígio acadêmico, mas se observo todos os
indicadores, apresentados na tabela 21 (anexo 11), os percentuais são favoráveis à

284
imagem de prestígio acadêmico dos profissionais da docência universitária. O mesmo
não se comprova em relação ao nível cultural docente, visto que um percentual
significativo discorda que os professores tenham bom nível cultural e que estimulem os
alunos na apreciação da literatura clássica, da música erudita e das artes.

Os alunos concordam parcialmente que os professores universitários têm uma


postura aberta para a reflexão e auto-reflexão pessoal e profissional, e nesse sentido
Marlene Grillo (2001, p. 138), descreve que o “professor necessita ser um pesquisador
que questiona o seu pensamento e a sua prática, age reflexivamente no ambiente
dinâmico, toma decisões e cria respostas mais adequadas porque construídas na própria
situação concreta”, e nesse sentido, onde quer que ocorra a reflexão, ela contribui para o
aprimoramento do docente (Schön, 1983,1987).

Não houve variação significativa, entre o concordo e o concordo parcialmente,


diante da assertiva que aborda aspectos da relação interpessoal dos docentes, na
Universidade, ou seja, a imagem do professor aberto ao diálogo e atencioso às
necessidades dos estudantes é validada por maior parte dos inquiridos, o que me leva a
inferir o desenvolvimento da dimensão estética como elemento constituinte do saber e
do fazer docente. Essa constatação é ampliada, quando observo que um percentual
expressivo dos alunos concorda plenamente com esta imagem docente.

O gráfico 10 ilustra a imagem pessoal docentes na percepção dos alunos em


relação: ao prestígio, nível cultural docente; a reflexão e auto-reflexão pessoal e
profissional e a relação interpessoal.

Gráfico 10
Imagem pessoal dos docentes na percepção dos alunos

Bom nível cultural

13,1%
34,6%

32,6%

19,8%

285
Auto-reflexão pessoal e profissional.

11,6% 17,1%

33,6%
37,7%

Relações interpessoais

7,9%
25,9%

33,5%

32,7%

Prestígio acadêmico

12,3% 20,7%

32,3%

34,7%

Concordo Concordo concordo discordo


plenamente parcialmente

Fonte: Dados do questionário aplicado aos alunos de 04/10 a 03/12 de 2010.

8.2. Profissão acadêmica e a imagem social da docência – o olhar discente.

Na profissão acadêmica, nos anos recentes, tem ocorrido mudança significativa


que afetam aspectos de natureza objetiva, relacionados às condições históricas, sociais e
materiais, e de natureza subjetiva, que envolve o modo como os professores percebem
as carreiras e a si próprios no contexto do trabalho profissional docente no ensino
superior. As modificações, em última análise, apresentam implicações na atratividade
da atividade acadêmica, em um cenário onde, de um lado a carreira docente deixa de ser
uma opção profissional, pela precarização e flexibilização das condições efetivas, mas

286
por outro lado, de acordo com Maria Helena Castro (2005), torna-se atraente pela
estabilidade de emprego, longas férias, aposentadoria pródiga, contrato de tempo
integral com uma carga docente mais leve e tempo suficiente para pesquisa; autonomia
acadêmica e prestígio. De modo geral, essas transformações interferem nas relações
entre a docência e a sociedade, e, nas identidades sociais e profissionais dos docentes.

Nesse contexto de mudanças, a representação social da docência universitária


tem alterado a imagem da docência universitária, que tem sido caracterizada por um
contínuo processo de desvalorização da profissão. Tal fato é evidenciado, quando
observo o crescente relato, na literatura acadêmica, da sucessiva perda de controle, por
parte dos docentes universitários, dos seus meios de produção, do objeto de trabalho e
da organização de suas atividades (Enguita, 1991).

Desse modo, busquei compreender o sentido de que se reveste a profissão


acadêmica e a imagem social da docência para os alunos dos cursos de graduação,
expressos por meio de suas representações sociais, que constitui valioso material, sobre
o qual tento me aproximar das imagens docentes que circulam nos diversos contextos
discursivo e foram sendo apropriadas e ressignificadas pelos próprios docentes. Neste
sentido, amparo este estudo na teoria das Representações Sociais que, conforme assinala
Michel Gilly (2001), tem contribuído com pesquisas na área da educação, na medida em
que centra a atenção dos estudos nos significados da situação e dos interlocutores no
ensino e fornece explicações para suas condutas.

8.2.1. As condições da profissão acadêmica.

Como pode ver-se na tabela 22, no anexo 11, os alunos dos cursos de graduação,
das Universidades pesquisadas, têm uma imagem favorável das condições de trabalho
da docência universitária, para 69,6%, somando os indicadores de concordo plenamente
e concordo, as condições do trabalho acadêmico na universidade são adequadas ao bom
exercício da docência. Entretanto, um percentual de 26,1% não concorda totalmente
com essa imagem e 4,3% discordam que as condições de trabalho sejam boas.
Corroborando com esta posição, para um percentual de 55,2% há investimentos em

287
laboratórios, bibliotecas, materiais didáticos e tecnológicos como recurso à docência.
Para 32, 3 % essa imagem é parcial e, 12,5% discordam desta posição.

Em relação à remuneração do professor universitário a imagem não é tão


positiva, uma vez que para um percentual de 36,0 a remuneração não é satisfatória,
assim como não é adequada ao nível acadêmico dos professores. Para 32,4% dos
inquiridos a satisfação com a remuneração é parcial, sendo que 10,2% concordam que é
adequada. A maioria dos estudantes também considera, que na carreira docente, o
prestígio alicerça-se nas atividades de pesquisa, incluindo as publicações e participações
em eventos. O percentual foi de 69,0 se adoto os indicadores de concordância plena e
concordância. O percentual de 26,9% concorda parcialmente e 4,2% discorda.

Aceitando como indicador de que os estudantes universitários estão pouco


informados da heterogeneidade do campo do magistério superior, que assume
configurações diversas, dependendo do tipo de instituição no qual o professor esteja
inserido, posso compreender que a representação social da profissão acadêmica é ainda
relacionada a uma visão ingênua, menos amadurecida. O aluno ancora, sua
representação sobre a docência, em uma visão romantizada da profissão acadêmica, na
qual o exercício das atividades rotineiras como o ministrar aulas, corrigir trabalhos e
provas, realizar pesquisas, redigir artigos, participar de eventos, orientar a produção de
trabalhos científicos, participar de projetos de extensão, além da busca de atualização de
novos conhecimentos, é visto fora da lógica da avaliação quantitativa vinculada ao
pagamento de gratificações, da cobrança de produtividade, da massificação do ensino,
pelo movimento de expansão de vagas nos cursos de graduação das universidades, da
progressiva perda de autonomia e a proletarização da categoria docente.

Esse processo de idealização de imagem da profissão acadêmica, distinta da


realidade, pode ser compreendido em Gaston Bachelard (2003). Para o filósofo e
ensaísta francês “A imaginação, como mescalina, muda a dimensão dos objetos [...]. As
imagens que são forças psíquicas primárias são mais fortes que as ideias, mais fortes
que as experiências reais.” (Bachelard, 2003, p. 16 e 17).

288
8.2.2. A imagem social da docência.

A imagem da docência vinculada à titulação, que confere uma boa imagem aos
docentes universitários, está presente como imagem social para 61% dos estudantes e
somente para 3,9% essa não é uma imagem real, conforme a tabela 23 (anexo 11). Esses
percentuais confrontam-se com o que se constata no cenário acadêmico, em que a
titulação não é o único requisito na formação de competência e garantia de qualidade. A
titulação é requisito essencial na empregabilidade docente no âmbito das universidades,
principalmente dadas as exigências dos órgãos oficiais, das instituições e do mercado de
trabalho e, talvez por isso, seja associada à boa imagem docente.

Em relação ao prestígio social da profissão docente, verifico que para 79% dos
inquiridos o exercício da docência no Ensino Superior é uma profissão de prestígio
social; 16,7% consideram essa imagem parcialmente verdadeira e 4,3% discordam que
o exercício da profissão acadêmica tenha prestígio na sociedade. Esses dados me
remetem ao fato de que as mudanças que decorrem no ensino superior, e que pesam
sobre os professores, vem acompanhada por um lado, de uma ruptura na valorização da
docência, mas por outro, permanece inalteradas no passado nostálgico da profissão
docente, o sentimento de admiração pelo exercício da docência. Para Maria Isabel da
Cunha (2009), o que confere prestígio não são os saberes da docência, mas as
competências relacionadas com a pesquisa.

Para um percentual de 85,6 dos estudantes inquiridos, o comportamento


profissional do professor universitário pode influenciar na valorização da profissão
acadêmica; 9,7% concordam parcialmente com essa imagem e 0,8% discorda. Esse
dado é revelador da centralidade da valorização da profissão acadêmica no profissional
docente. Esta imagem transfere aos docentes uma parte do compromisso que deve ser
assumido de modo macro nas políticas públicas para a Educação Superior e
materializados pelos sistemas de ensino público (federal, estadual e municipal) que
devem promover a valorização da carreira acadêmica em seus contemporâneos aspectos
multidimensionais, assegurando garantias que abarcam desde as concernentes à
remuneração, como inclusive, o aperfeiçoamento profissional, de forma continuada.
Para Antolí Benedito el al (1995), a própria docência tem sido vista com excessivo

289
reducionismo ao ser identificada somente com as atividades que os professores realizam
quando estão na sala de aula com seus alunos.

Um percentual de 20,2 dos inquiridos concorda plenamente com uma imagem


favorável em relação à formação pedagógica dos professores que atuam no campo da
docência universitária. Essa imagem é validada por um percentual de 34,7 dos
inquiridos que concordam. Entretanto, para 28,2% esta concordância é parcial e 16,8%
discordam dessa imagem. Sobre esse aspecto, vários estudos, assinalados anteriormente
no capítulo II apontam para a necessidade de formação dos docentes no campo da
pedagogia universitária, e desse modo, tendo a considerar que seja resultado das
iniciativas de formação contínua implementadas nas universidades pesquisadas. Para
Graham Gibbs (2004), as práticas pontuais de formação de professores universitários
por meio de seminários, simpósios, palestras, oficinas são iniciativas para melhorar a
qualidade da docência. Todavia, as abordagens tendem a assumir uma fragmentada e
descontinuada, assim como têm como foco o docente e seu ensino de modo tradicional.

Corroborando com esta tendência, para um percentual de 80,9 dos inquiridos a


imagem da docência, desenvolvida por meio de práticas educativas baseadas na
transmissão de conhecimento é muito presente. Para 17,4% esta imagem é parcial e
1,7% discorda. A cristalização dessa imagem não se ajusta às novas demandas postas à
formação acadêmica dos estudantes. Reivindica-se, contemporaneamente, uma
renovação no contexto da sala de aula universitária e nas metodologias de ensino
universitário, uma renovação que envolve o sair do paradigma que enfatiza o ensino e ir
ao encontro do que dá ênfase à aprendizagem, substituindo assim as práticas
tradicionais reprodutivistas.

A imagem pública do professor universitário que a sociedade constrói, revela


ambiguidades própria da profissão. Essa representação é também evidenciada nos
percentuais de concordância e discordância assinalados pelos alunos. Um percentual de
47,5 concorda que a imagem pública do professor universitário pode ser compreendida
como a figura do trabalhador assalariado. Entretanto 24,8% discorda e 27,6% não têm
muita certeza de que os professores podem ser enquadrados na figura do trabalhador
assalariado.

290
Esses dados me conduzem a compreender que a imagem de elevado status
social e cultural que os professores universitários gozavam, ainda há poucos anos,
continua presente sob outra ótica. Em outras palavras, assiste-se, contemporaneamente,
a desconsideração da carreira acadêmica, e isso é também sentido por toda a sociedade,
entretanto, a imagem do trabalhador assalariado é ainda fortemente vinculada a do
operário, ou das profissões com menor prestígio, o que a impede de também vincular o
professor universitário nessa categoria. A profissão docente acaba por adquirir um
status social, é considerada de prestígio e consideração, mesmo que seus professores
sejam mal remunerados.

9. Similitudes e dissonâncias - o encontro de imagens de alunos e professores.

Procurei, ao longo deste capítulo, identificar e analisar as imagens da docência


universitária na percepção dos alunos e na percepção dos próprios docentes e, de forma
mais específica, busquei as imagens dos professores sobre si, enquanto profissionais da
docência, e sobre o exercício da profissão acadêmica no contexto universitário, assim
como a imagem dos alunos sobre os professores e a carreira acadêmica. Agora,
evidencio as similitudes e dissonância no cruzamento das imagens de alunos e
professores, e neste sentido, como explicitado no capítulo III, algumas questões dos
questionários dos professores foram repetidas nos questionários dos alunos, adequando-
se a linguagem quando necessário.

Deste modo, o quadro 19 apresenta as comparações estabelecidas em algumas


respostas de 309 professores e 3.191 alunos dos cursos de graduação das universidades
pesquisadas. As comparações foram inicialmente agrupadas em duas categorias
analíticas: (i) Cultura profissional docente – que diz respeito a imagens de algumas
dimensões dos aspectos pedagógico-didáticos e aspectos inter-relacionais; (ii)
Valorização profissional – envolvendo imagens de algumas dimensões do prestígio
acadêmico e do reconhecimento socioprofissional da docência universitária. Desta
categorização emergiram quatro subcategorias, de acordo com o que se vê a seguir.

291
Quadro 19
Cruzamento de imagem de docentes e estudantes

Categorias Subcategoria Indicadores


Docentes Alunos
Questão 26 - assertiva 4 Questão 4 - assertiva 7
Questão 25 - assertiva 1 Questão 3- assertiva 4
Aspectos pedagógico- Questão 26 - assertiva 5 Questão 4 - assertiva 2
didáticos Questão 21 assertiva 3 Questão 3 - assertiva 1
Questão 25 - assertiva 5 Questão 3- assertiva 5
Cultura Questão 19 - assertiva 8 Questão 3- assertiva 3
profissional
docente Questão 21 assertiva 3 Questão 3- assertiva 2
Aspectos Inter-
relacionais Questão 25- assertiva 11 Questão 3- assertiva 14
Questão 25 - assertiva 3 Questão 3- assertiva 10
Questão 26 - assertiva 13 Questão 3 - assertiva 12
Questão 25 - assertiva 8 Questão 3- assertiva 13
Prestígio acadêmico Questão 23- assertiva 6 Questão 4 – assertiva 3
Questão 26 - assertiva 11 Questão 3- assertiva 11
Valorização Questão 26 - assertiva 12 Questão 4- assertiva 4
profissional Questão 23 - assertiva 2/5 Questão 4 - assertiva 10
Reconhecimento Questão 26 - assertiva 9 Questão 4 - assertiva 08
socioprofissional Questão 18 - assertivas 1/4 Questão 4 - assertiva 5
Fonte: Dados dos questionários aplicados aos docentes e aos alunos de 04/10 a 03/12 de 2010 – elaboração própria.

Para realizar este encontro de imagens fiz o cruzamento das respostas recorrendo
a indicadores agregados (Alves Pinto & Teixeira,1995). Dito de outra maneira,
considerei, para a análise, a agregação dos percentuais dos indicadores das questões e
assertivas consideradas para o encontro de imagens, de modo a evidenciar o propósito
de comparação. Cabe ressaltar, que algumas assertivas nos questionários dos alunos
foram construídas no sentido contrário as do professor, mas na ocasião de criar o
indicador agregado, elas foram invertidas e, atendendo a seriedade na descrição e
análise das informações recolhidas, especificarei quando forem apresentadas. A análise
busca verificar as similitudes e dissonâncias de opiniões sobre determinados aspectos
que, de acordo com a percepção que percorre este estudo, são pertinentes no sentido de
identificar as imagens da docência incorporadas na configuração identitária dos
docentes, compreendendo-as no contexto contemporâneo universitário.

292
9.1. Imagens de docentes e estudantes – Cultura profissional docente.

9.1.1. Aspectos pedagógico-didáticos.

Alunos e professores têm imagem semelhante em relação à prática educativa dos


professores universitários. Para ambos, a prática docente ainda é baseada na transmissão
do conhecimento, centrada em um modelo reprodutivista. Comparativamente ao
percentual de concordância com essa imagem, a discordância obteve pontuação maior
dos professores em relação aos alunos. Esta representação da prática docente evidencia
que, apesar do processo de mudanças no interior da universidade e das exigências
sociais recaírem na educação superior, a docência ainda continua guardiã e transmissora
do conhecimento, ou como assinala Paulo Freire (1979, p.38), “o professor ainda é um
ser superior que ensina a ignorantes”, e nessa perspectiva, o modelo pedagógico
tradicional não teve a sua lógica rompida no interior da Universidade.

Os professores valorizam a disposição para aquisição de conhecimentos,


competências próprias e formação específica. Os alunos percebem que os professores
têm domínio do conhecimento e que procuram atualizar-se. Desse modo, os percentuais
apontam para uma imagem de similaridade, no que tange ao conhecimento da área de
especificidade da docência universitária. Já para um percentual significativo dos alunos
(25,7%), essa imagem não é real, uma vez que para eles, muitos docentes não têm
domínio em suas disciplinas.

Professores e alunos percebem de maneira diferente a formação pedagógica


docente para atuação na Universidade. Essa assertiva foi construída de modo positivo
no questionário do aluno e de forma negativa no inquérito do professor. Dito de outra
maneira, inquiri aos alunos se a maior parte dos professores possue formação
pedagógica e, para os professores, a imagem que os apresentei foi da representação
social da docência sem formação pedagógica, valendo-se do conhecimento específico
como esteio da docência. Desse modo, temos imagens dissonantes, uma vez que, para
os próprios professores a maior parte dos docentes não possue formação pedagógica e,
os alunos estão divididos entre a concordância ou discordância dessa imagem. Isso quer
dizer que, na percepção dos alunos, os professores têm competência pedagógica para

293
atuar na docência e como destaca Miguel Zabalza (2004), a representação ideal do
professor universitário, de modo geral, remete à condição de uma pessoa com grandes
conhecimentos em sua disciplina e que sabe explicá-los com nitidez e segurança aos
seus alunos.

A representação de que a docência na universidade deve envolver atividades


educativas voltadas ao desenvolvimento profissional dos alunos é um aspecto similar
para docentes e alunos. Porém, os percentuais indicam que os docentes sentem-se mais
engajados com esse compromisso social, do que os alunos assim o percebem. Para um
percentual significativo dos alunos inquiridos, os professores não têm preocupação com
o desenvolvimento profissional. A mesma percepção ocorre em relação ao compromisso
no exercício das funções de planejamento, ensino e avaliação das aprendizagens, em
que a maioria dos docentes inquiridos se percebem com maior compromisso e os
alunos, de modo contrário, têm uma imagem de que esse compromisso não é assumido
por todos.

A imagem da docência universitária que participa em redes nacionais e


internacionais de pesquisa e cooperação científica não é aceita pela maioria dos alunos,
no entanto de modo contrário o é para os professores inquiridos, que entendem ser essa
dimensão da docência universitária bastante significativa. Essa dissonância entre alunos
e professores é, de certa maneira, explicada pelo fato de que muitos dos docentes que
estão envolvidos em atividades de pesquisa e de ações cooperativas com instituições
brasileiras e de outros países, por vezes pouco atuam como docentes nos cursos de
graduação, atuando quase que de forma exclusiva em cursos stricto sensu.

O gráfico 11 apresenta a visualização dos aspectos analisados nessa categoria,


sendo os dados nela contidos, oriundos da tabela 25, constante no anexo 11.

294
Gráfico 11
Imagens de docentes e estudantes – Aspectos Pedagógico-didáticos

99,7% 98,4%
96,8%

80,9%
74,3% 73,4%
70,2%
65,3%
59,3% 60,2% 59,0%
54,9%

45,1%
40,7% 39,8% 41,0%
34,7%
29,8%
25,7% 26,5%
19,1%

0,3% 2,6% 1,6%

Professor Aluno Professor Aluno Professor Aluno Professor Aluno Professor Aluno Professor Aluno

Desenvolvem práticas Têm domínio do Possuem formação Engajados em Participam de redes Compromisso nas
educativas baseadas conteúdo em suas pedagógica para atuar atividades educativas cientificas de pesquisa funções de planej,
na transmissão de áreas de especialidade no campo da ao desenvolvimento e cooperação. ensino e avaliação.
conhecimento. e estão atualizados. docência. profissional.

Concordância Discordância

Fonte: Dados dos questionário aplicados aos docentes e aos alunos de 04/10 a 03/12 de 2010.

De modo geral, na categoria dos aspectos pedagógico-didáticos, alunos e


professores têm algumas representações similares e outras dissonantes, conforme
sintetizadas a seguir.

- Imagens similares:

 Continua a ser exercida na Universidade a prática docente baseada na transmissão


do conhecimento, centrada em um modelo reprodutivista;
 Os docentes demonstram ter domínio do conteúdo em suas áreas de especialidade e
conhecimentos atualizados.

- Imagens dissonantes:

 Para os professores a maior parte dos docentes na Universidade não possuem


formação pedagógico-didática e, na percepção dos alunos, os professores têm

295
competência pedagógica para atuar na docência.
 Os docentes sentem-se engajados em atividades educativas voltadas ao
desenvolvimento profissional dos alunos, entretanto para os alunos os professores
não têm preocupação com seu desenvolvimento profissional.
 Os professores sentem-se compromissados no exercício das funções de
planejamento, ensino e avaliação das aprendizagens, e, os alunos de modo contrário,
têm uma imagem de que esse compromisso não é assumido por todos os
professores.
 Para os professores é bastante significativa a participação em redes nacionais e
internacionais de pesquisa e cooperação científica, contudo os alunos não percebem
o envolvimento docente nessa área acadêmica.

9.1.2. Aspectos Inter-relacionais.

No aspecto inter-relacional, visualizado em percentuais na tabela 26 (anexo 11),


o exercício da docência envolve a mobilização de habilidades atitudinais,
comunicacionais e afetivas e devem ser apreciadas como fontes que permitam conhecer
melhor a influência e a relação que estabelecem com a sociedade. Neste sentido, os
professores e alunos se posicionaram de maneira semelhante no que concerne à
representação de que os professores influenciam positivamente os alunos, com o
trabalho acadêmico que desenvolvem, apesar de haver um percentual significativo de
alunos que não concorda que exista essa influência.

Os docentes inquiridos percebem a imagem da docência com engajamento


político profissional, com participação em órgãos de classe e associações, diferente dos
alunos que discordam que essa participação seja efetiva. Esta dissonância é, de certa
forma, justificada, uma vez que na percepção que o docente tem do seu próprio papel, a
docência universitária passa a existir como campo ideal para o exercício da crítica
social, mas quando se trata da participação efetiva, propriamente dita, os alunos têm
uma imagem mais próxima do real.

296
A busca da formação de novos profissionais requer uma prática docente que
envolva a abertura ao diálogo, atenção às necessidades dos alunos, atitudes e normas de
conduta adequadas. Esta imagem é similar entre alunos e professores, todavia um
percentual elevado (40,6%) dos alunos não concorda que os docentes da Universidade
façam dessa dimensão da docência um compromisso profissional, e nesse sentido, cabe
aqui relembrar Paulo Freire (1998), para quem o diálogo é uma das dimensões mais
fundamentais do processo educativo. Ensinar, para o autor, exige estética e ética que
devem emergir da mais profunda experiência afetiva com o outro.

A representação da docência, compromissada com a reflexão e auto-reflexão


pessoal e profissional foi considerada tanto por alunos como para os docentes.Os dados
apontam que os professores se dizem mais reflexivos (94,9%) em relação à imagem que
os alunos têm deles. Dito de outra maneira, um percentual 49,3% dos alunos não
concorda com a imagem do professor Universitário aberto à reflexão e auto-reflexão, o
que, talvez, possa ser explicado pelo discurso vazio em torno de um modismo, ou em
outras palavras, conforme apontado por António Nóvoa (2007), a afirmações sobre a
importância e necessidade da reflexão e auto-reflexão na docência, não podem ser
meras declarações retóricas, que têm impacto limitado na vida do professor, ou seja,
“elas só fazem sentido se forem construídas dentro da profissão, se forem apropriadas a
partir de uma reflexão dos próprios professores sobre o seu próprio trabalho.”
(Nóvoa,2007 p.8).

Professores e alunos discordam no que concerne ao nível cultural dos docentes,


assim como de que estimulam os alunos a apreciarem a literatura clássica, a música e as
artes. Os professores projetam a si mesmos a imagem da docência na universidade com
bom nível cultural e estimuladora dos estudantes e, os alunos, por outro lado, percebem
nos docentes a ausência de uma cultura geral, de uma imagem difundida do
reconhecimento do papel de intelectuais desempenhado pelos professores na
universidade e na sociedade. Essa dissonância é muito peculiar, uma vez que demonstra
o grau de maturidade dos alunos em relação à formação, não só profissional, igualmente
a de caráter mais cultural e, não menos importante.

297
Para M´hammed Mellowki e Clermont Gauthier (2004), os professores como
profissionais cultos, intelectuais, têm a responsabilidade de velar diariamente pela
cultura, de dar acesso a ela e “por intermédio e para além das atividades habituais do
ensino, é a de despertar nos jovens um interesse pelas culturas e civilizações e
desenvolver neles a faculdade crítica que lhes permita serem consumidores conscientes
da cultura.” (Mellowki & Gauthier, 2004, pp.560-561).

9.2. Imagens de docentes e estudantes – Valorização profissional.

9.2.1. Prestígio acadêmico.

Professores e alunos têm compreensão dissonante em relação a variável


relacionada ao comportamento profissional e valorização da profissão acadêmica. Como
visualizado no gráfico 12, correspondente aos dados da tabela 27, anexo 11, os
professores não concordam que o comportamento profissional dos docentes pode
influenciar na valorização da profissão acadêmica. Contudo, os alunos têm uma
apreciação diferenciada sobre essa imagem da docência, visto que para um percentual
de quase 90% o comportamento profissional influencia na valorização docente.

Por outro lado, tanto professores e alunos concordam com a imagem social de
que os títulos acadêmicos conferem uma boa imagem profissional, bem como, estão em
consonância com a percepção de que uma parte do prestígio acadêmico alicerça-se nas
atividades de pesquisa, incluindo as publicações e participação em eventos, sendo que
neste aspecto os alunos foram menos incisivos dos que os docentes inquiridos, uma vez
que a diferença percentual entre a concordância e discordância da assertiva foi de 6,0%,
em outras palavras, uma parte significativa dos alunos respondentes não considera que
seus professores têm prestígio acadêmico.

298
Gráfico 12
Imagens de docentes e estudantes – Prestígio acadêmico

89,6%
88,0%
83,8%
75,4%
66,7%

53,0%
47,0%

33,3%
24,6%
16,2%
10,4% 12,0%

Docentes Alunos Docentes Alunos Docentes Alunos

Comportamento influencia a Têm prestígio acadêmico Os títulos acadêmicos


valorização da profissão. com pesquisa, publicações e conferem uma boa imagem
acadêmica participações em eventos. profissional.

Concordância Discordância
Fonte: Dados dos questionário aplicados aos docentes e aos alunos de 04/10 a 03/12 de 2010.

A análise dos dados obtidos, no qual alunos e professores veem o prestígio


acadêmico assentado mais em função da produção científica do que em qualquer outra
evidência de que são bons docentes e, em que alunos, por esse motivo, consideram que
seus professores não têm prestígio acadêmico, conduz-me a corroborar com a imagem
de que a produção de pesquisa, a publicação de teses, artigos e livros, quando
amplamente divulgados e colocados em destaque, atribuem ao docente prestígio e
reconhecimento acadêmico.

De maneira abrangente, tais representações fixam no imaginário social um modo


contemporâneo de se relacionar com a profissão acadêmica, em que não se deve
desconsiderar a dimensão pessoal da profissão docente, uma vez que de acordo com
Silvia Isaia (2009,p.105), “[...] as transformações pelas quais o professor passa ao longo
de sua carreira docente estão ligadas a alterações vivenciais mais amplas, que envolvem
a dimensão pessoal.” Dito de outra maneira, o fato da indissociabilidade entre a pessoa e
o profissional torna a valorização profissional imbricada com o comportamento
profissional docente e, mesmo com exceções, acaba contribuindo na construção social
de uma imagem positiva ou negativa para a profissão.

299
9.2.2. Reconhecimento socioprofissional.

A tabela 28 apresenta os percentuais obtidos, com as respostas de alunos e


docentes, sobre a subcategoria analítica do reconhecimento socioprofissional, como se
vê a seguir.

Tabela 28
Imagens de docentes e estudantes – Reconhecimento socioprofissional

Subcategoria Variáveis
Reconhecimento Docentes Alunos
socioprofissional Concordância Discordância Concordância Discordância
Remuneração satisfatória e
adequada ao nível acadêmico 36,9% 63,1% 31,7% 68,3%
docente.
A imagem pública de
trabalhador assalariado. 76,0% 34,0% 47,5% 52,5%

Condições do trabalho
acadêmico, adequadas ao
60,5% 39,5% 69,6% 30,4%
exercício da docência, ao
crescimento profissional.
Fonte: Dados dos questionário aplicados aos docentes e aos alunos de 04/10 a 03/12 de 2010.

Nela, observo que há maior similitudes do que dissonâncias na representação


social que envolve a valorização profissional. No que se refere ao âmbito institucional,
as condições do trabalho acadêmico propiciadoras do bom exercício da docência, do
crescimento profissional por meio da qualificação e capacitação docente, alunos e
professores concordam que as mesmas são adequadas.

Docentes e alunos têm a mesma imagem sobre a remuneração docente, ou seja,


compreendem que a mesma não é satisfatória e adequada ao nível acadêmico docente.
Entretanto, quando se trata do reconhecimento da imagem pública docente, como a de
um trabalhador assalariado, um percentual significativo dos docentes inquiridos rejeita
essa imagem, ao contrário da posição dos alunos. Mesmo que não seja tão significativo
o percentual entre a concordância e discordância dessa imagem, eles compreendem a
profissão acadêmica inserida no mesmo contexto valorativo de outras profissões,
quando se trata da remuneração.

300
Esse aspecto versa sobre um terreno movediço, passível de análises cautelosas, e
historicamente inserido no contexto no qual a profissão acadêmica, de acordo com Rui
Santiago e Teresa Carvalho (2011), perdeu seu estatuto de profissão-chave da
sociedade, sendo os professores equiparados, nos dias atuais, a outros trabalhadores de
conhecimento especializado. Para os autores, em diferentes sistemas de ensino superior
a profissão acadêmica enfraqueceu suas bases tradicionais de legitimação, sendo, de
acordo com os autores, referenciados nos estudos de Perkin, 1969, Brint, 1994,
Musselin, 2008, identificado um “[...] novo contexto de produção do conhecimento que
tem conduzido ao desenvolvimento da tese da ‘desprofissionalização’ dos acadêmicos,
ou, pelo menos, de um forte enfraquecimento da sua ideologia profissional (Freidson,
2001, citado por Santiago & Carvalho, 2011, p. 409).”

De alguma forma, parece ser importante para os docentes a permanêcia de uma


autoimagem dissociada da imagem do trabalhador assalariado, das classes
trabalhadoras. Essa postura é em certa parte contraditória, visto ser o Estado ou as
empresas de serviços educacionais seu empregador, o que torna os professores
universitários trabalhadores assalariados em sua totalidade, conforme aponta Kêmia
Miranda (2005) em seu trabalho sobre a organização dos trabalhadores em educação sob
a forma-sindicato no capitalismo neoliberal. Segundo a autora “[...] o professor não
pode exercer sua profissão com fins de sobrevivência sem estar devidamente
empregado, ou seja, em contato direto com os demais instrumentos e meios de produção
da educação.” (Miranda, 2005, p.6).

Em suma, o que parece como pano de fundo na percepção dos docentes são
imagens da identidade profissional docente resultante de concepções tradicionais,
fundadas na ideia de pertencimento a elites intelectuais (Bauer, 2009) e, tal como aponta
os estudos de Rui Santiago e Teresa Carvalho (2011), se veem como produtores e
difusores de um conhecimento, como socialmente útil e importante, apto a produzir
impactos positivos na melhoria da sociedade e, nesta linha de raciocínio, não podem ser
equiparados a trabalhadores assalariados, uma vez que tendem a situar a natureza
sociohistórica do seu trabalho como imaterial, fundamentado na ideologia meritocrática
de acordo com a análise der Armando Boito (2004). De acordo com autor “O mérito da
profissão é, no mais das vezes, afirmado por oposição ao suposto demérito de outras

301
profissões ou do trabalho manual [...]” (Boito, 2004 p.24). Ou seja, os docentes
protestam pela dignidade negada pelo Estado capitalista, procurando afirmá-la ao
comparar-se em termos salariais com outros trabalhadores que não a sua formação e
qualificação, mas que fazem jus a salários equiparados ou até maiores.

O trabalho docente apresenta peculiaridades que o torna distinto de outros tipos


de trabalho (Martins, 2005), todavia vários estudos (Sguissardi, 2000a; Silva Junior &
Sguissardi, 2001; Santiago & Carvalho, 2011), apontam que a reestruturação produtiva
caracterizada como um novo padrão de produção e acumulação do capital, independente
de sua natureza, reflete no mundo do trabalho docente, implicando uma nova
reorganização, um novo profissionalismo, sendo este, de acordo com, Eliot Freidson
(1998, p.141) “definido por meio das circunstâncias típico-ideais que fornecem aos
trabalhadores, munidos de conhecimento, os recursos através dos quais eles podem
controlar seu próprio trabalho [....].”

10. Síntese conclusiva.

Este capítulo foi construído com a intenção de identificar imagens da docência


universitária, na compreensão de professores e alunos, analisando-as no contexto
contemporâneo de mudança que atinge as instituições de Ensino de Superior, assim
como, elaborar um encontro entre as posições, procurando as similitudes e dissonâncias
nas imagens da docência universitária. Nesse sentido, cruzei o tratamento quantitativo e
descritivo-analítico sobre as respostas de 3.191 alunos e de 309 professores a questões
fechadas, introduzidas em dois questionários aplicados por meio eletrônico, sendo um
modelo de aplicação aos alunos e outro para os docentes.

A análise dos dados revelou que o professor universitário carrega uma identidade
profissional de suas ocupações e uma imagem de si enquanto profissional. Dito de outra
maneira, parte dos docentes tem como referência identitária a formação técnico-
profissional, sendo esse aspecto mais valorizado do que a formação e a competência
pedagógica, entretanto o status de ser professor universitário é percebido como
facilitador para a inserção no exercício de outra atividade profissional. Nesse sentido, a
dificuldade docente em construir uma identidade profissional voltada a docência, torna-

302
se evidente, uma vez que os docentes veem a si mesmos mais como pesquisadores ou
como profissionais do que como professores.

De modo geral, a imagem que os docentes têm de si mesmos, enquanto


acadêmicos e da profissão acadêmica revelam-se um pouco estereotipada, baseada em
falsas idealizações e até certo ponto mais próxima de uma visão romântica da profissão,
embora, por vezes poucos visíveis, as imagens e representações sobre a docência
estejam enraizadas nas experiências de cada um e relaciona-se a um conjunto de
significados, a diferentes associações mentais que consolidam uma imagem – a do bom
professor. A essa imagem agregam-se as qualidades profissionais e pessoais que elevam
o docente a esse patamar e que podem servir de referência para a prática docente.

Na apreciação dos estudantes universitários, os dados apontam para uma visão


positiva sobre a profissão acadêmica e favorável aos docentes enquanto profissionais.
Os alunos têm uma boa imagem em relação à competência didático-pedagógica e sobre
a influência positiva dos docentes em suas vidas profissionais. Consideram na carreira
acadêmica, que o prestígio alicerça-se na atividade de pesquisa e que a titulação
acadêmica confere uma boa imagem ao docente.

De modo geral, a análise me conduz a compreender que a imagem de elevado


status social e cultural que os professores universitários gozavam, ainda há poucos anos,
continua presente no imaginário social, contudo sob outra ótica, a imagem pública do
professor universitário também é compreendida como a figura do trabalhador
assalariado, com remuneração não satisfatória, assim como não adequada ao nível
acadêmico dos professores.

A análise dos dados revelados em cada dimensão apresentada nesse capítulo,


permite-me concluir que os alunos foram mais homogêneos em suas representações
sobre a docência do que os próprios docentes. Em uma hipótese, talvez isso ocorra
porque os professores têm percursos distintos, assinalados por acontecimentos próprios,
ou como melhor pontua Luis Miguel Villar Ângulo (1993, citando Lawrence &
Blackburn,1985, p.141), ao enfatizar que um único modelo teórico não pode representar
a diversidade de interesses e atividades profissionais. Todavia, em que pese a influência
da trajetória particular de cada um, nota-se, claramente, que os contornos assumidos no

303
Ensino Superior na contemporaneidade, afeta a maneira como os docentes exercem a
profissão acadêmica e implica novos princípios estruturadores na sua identidade
profissional.

Portanto, as modificações que vêm ocorrendo no sistema de Ensino Superior, em


diversas partes do mundo, são inseparáveis das mudanças no universo do trabalho e do
emprego, e podem repercutir nos processos de configurações identitária docente,
processo denominado por Claude Dubar (2005), de crise da modernidade, porque para o
autor, a mudanças de normas, de modelos, suscitam uma desestabilização das
referências, dos sistemas simbólicos anteriores e instaura uma situação de crise que
afeta os processos de subjetivação. A “crise de identidades” manifesta-se de diferentes
modos, entre eles “no desconforto diante das transformações, na confusão das
categorias que servem para se definir e para definir os outros (...).” (Dubar, 2005 p.
XXV).

No capítulo V, a intenção é aprofundar a compreensão a respeito das


significações da docência universitária, em identificar as imagens da docência,
compreendendo-as no contexto contemporâneo universitário por meio do diálogo entre
a teoria e as narrativas dos professores, colhida através de entrevistas semi-estruturadas.

304
CAPÍTULO V

DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA: SIMILITUDES E DISSONÂNCIAS DE


IMAGENS

Esse estranho que mora no espelho


Olha-me de um jeito
De quem procura recordar quem sou...

Mário Quintana – Quem somos?


(Preparativos de viagem, 1987).

No capítulo anterior, apresentei e analisei os dados obtidos no inquérito com 309


docentes e 3.191 alunos, com a aplicação de dois questionários por meio eletrônico,
sendo um modelo concernente aos alunos e outro aos docentes. A intenção foi
aproximar-me das imagens da docência universitária e da profissão acadêmica, na
compreensão dos alunos e dos próprios docentes e na percepção de que as
contemporâneas transformações no ensino superior e na Universidade estabeleceram
novas condições ao trabalho docente, provocando significativas mudanças na profissão
acadêmica.

A análise incidiu sobre três dimensões: (i) imagens da docência na percepção


dos professores; (ii) imagens sociais da docência e da profissão acadêmica na percepção
dos alunos e (iii) o encontro de imagens de docentes e alunos, que, de modo amplo,
indicaram que a percepção que os docentes têm de si mesmos, enquanto acadêmicos, e
da profissão acadêmica revelam-se um pouco estereotipada, baseadas em falsas
idealizações e até certo ponto mais próxima de uma visão romântica da profissão. Por
outro lado, as imagens sociais da docência e da profissão acadêmica na percepção dos
estudantes universitários, apontam para uma percepção mais realista sobre a docência e
os docentes enquanto profissionais. No encontro de imagens, apesar da perspectiva do
docente e da profissão acadêmica ser representada de forma global positiva, foi possível
evidenciar momentos de conflito, caracterizado por tensões e debates permanentes entre
os valores pessoais, os sentimentos que o exercício profissional envolve, os papéis a
desempenhar e as responsabilidades a cumprir nas instituições universitárias.

305
No presente capítulo, busco aprofundar-me em alguns dos aspectos apontados no
capítulo anterior na perspectiva de evidenciar o professor universitário, percebê-lo na
imagem e reflexo de seu desenvolvimento pessoal e profissional. Imagem no sentido da
constituição de ser professor, das dimensões pessoais e profissionais. Reflexo no sentido
da materialidade do seu fazer.

Inicio com um excerto de um poema do brasileiro Mário Quintana (1987), para


indagar qual espelho reflete a face contemporânea do professor? Que sentimento
desenvolve em relação à sua profissão? Será ele um personagem arquétipo que produz,
em cada geração, a repetição e a elaboração das mesmas experiências? Ou estará
introspecto, mergulhado no problema antropológico de se refazer pela raiz, de se tornar
o que é? A metáfora do espelho é por mim utilizada para delinear o caráter ilusório do
duplo na representação da imagem, todavia também a emprego para ilustrar a acentuada
complexidade, e por isso suscetível de ambiguidade, da constituição identitária
profissional em seus aspectos objetivos e simbólicos.

A imagem especular simboliza, da forma como o utilizo nesse estudo, o auto-


reconhecimento do professor, da forma como ele se percebe constituído e, enquanto
imagem simbólica, pressupõe um olhar crítico sobre si. Como assinala Umberto Eco “se
as imagens do espelho tivessem que ser comparadas, as palavras seriam iguais aos
pronomes pessoais: como o pronome eu, que se eu mesmo pronuncio quer dizer mim, e
se uma outra pessoa o pronuncia quer dizer aquele outro.” (Eco, 1989, p.21). Assim, a
partir dessa perspectiva metafórica a percepção na qual pretendo orientar o olhar sobre
as entrevistas que passo a analisar é a de que o “ser professor universitário” se inscreve
no campo do reconhecimento – de como ele se reconhece (imagem interior) e o de
como é reconhecido pelos outros (imagem exterior).

A intenção a ser alcançada neste diálogo entre a teoria e a narrativa dos


professores é ampliar a compreensão a respeito das significações da docência
universitária e da profissão acadêmica, cujo suporte da análise centra-se, assim, em
identificar as imagens da docência incorporadas na configuração identitária dos
docentes, na percepção de que as contemporâneas transformações no ensino superior e
na Universidade estabeleceram novas condições ao trabalho docente e provocaram
significativas mudanças na profissão acadêmica.

306
O capítulo divide-se em cinco grandes itens que se desdobram em subitens
organizados em relação às categorias de análise. No primeiro, descrevo sucintamente os
procedimentos metodológicos utilizados na realização das entrevistas e posteriormente
na análise, tendo em vista que o capítulo III contém o detalhamento do conjunto
metodológico adotado para o desenvolvimento da tese. No segundo, apresento a
caracterização dos professores entrevistados, de modo a situá-los no contexto das
atividades acadêmicas desenvolvidas nas instituições pesquisadas, incluindo uma breve
contextualização dos professores participantes da entrevista, com a apresentação e
análise do quadro de caracteres dos entrevistados.

O terceiro item abrange a concepção da docência apresentada pelos


entrevistados, nele, busco percebê-la no contexto dos dilemas e possibilidades
vivenciados pelos professores no cotidiano das instituições universitárias. No quarto, a
unidade temática analisada aborda a trajetória profissional docente com a
intencionalidade de evidenciar o caminho percorrido pelos professores para a inserção
na docência no ensino superior. Esta unidade temática comporta uma subcategoria
analítica que trata da preparação para a docência universitária, no entendimento de que
esse item de análise é relevante para o entendimento da profissionalidade docente e, por
último, o quinto ponto, versa sobre a imagem da docência e está dividido em duas
subcategorias, respectivamente a de como os professores percebem a si mesmo –
Imagem de si – e de como entendem como os alunos universitários, em particular e a
sociedade de modo geral, percebem a imagem do professor universitário – Imagem do
outro.

1. Apontamentos metodológicos à entrevista.

Os docentes universitários, que integram a amostra das entrevistas foram


selecionados com base nas informações obtidas no preenchimento do inquérito. A
amostragem por quotas e intencional obedeceu aos critérios de: (i) tempo de atuação na
docência, em que o tempo mínimo fosse 10 anos e o máximo 30, na percepção de que o
intervalo fosse representativo da experiência com a docência na universidade (10 < TP
< 30); (ii) formações acadêmicas, distribuídas entre as grandes áreas de conhecimento;
titulação mínima de mestre, no entendimento da importância da mesma na formação

307
acadêmica do docente; (iii) participação dos docentes nos cursos de graduação e pós-
graduação, tendo em conta a relevância da docência em sala de aula. Constituem-se
assim em 10 participantes, 05 de cada instituição, qualificados de acordo com os
critérios estabelecidos e aptos a alimentar uma produtiva interlocução durante a análise.

Os procedimentos éticos foram cuidadosamente adotados durante todo o


processo. Inicialmente os professores foram informados do registro da pesquisa junto ao
Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade da Amazônia e esclarecidos sobre a
intenção e desenvolvimento do estudo, e de que as informações concedidas e a
identidade dos participantes seriam confidenciais e preservadas pelo anonimato. Nesse
sentido, cada um dos professores assinou, antes da efetivação da entrevista, o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, no qual concordava em participar e de que estava
devidamente informado e esclarecido sobre a investigação e os procedimentos nela
envolvidos. A transcrição integral de cada entrevista foi encaminhada aos respectivos
professores para leitura e, se assim o desejassem, ajustar o texto transcrito. Esse
procedimento foi acompanhado do Protocolo de Validação da Entrevista, juntamente
com a assinatura do Termo de Cessão de Direitos sobre Depoimento Oral e Escrito.

As entrevistas narrativas foram colhidas de forma dialógica, em cada uma das


duas Instituições que foram cenários da pesquisa, em salas que permitiram a privacidade
e um bom local de permanência sem interrupções. As sessões de entrevista foram
subordinadas à disponibilidade da agenda de cada um dos professores, mas ajustadas ao
período programado no cronograma da investigação. Duraram em média 60 a 80
minutos, embora não havendo acordo prévio nesse sentido. Com prévia autorização de
cada interlocutor, as sessões foram gravadas e a maior parte delas foram bem objetivas.

Ao escolher a entrevista, como um dos instrumentos para a coleta de dados no


presente estudo, explicito meu desejo pela tomada dos depoimentos de interlocutores
como concepções, histórias e trajetórias que isoladamente dão corpo ao componente
central dessa investigação – identificar as imagens da docência incorporadas na
configuração identitária dos docentes, compreendendo-as no contexto contemporâneo
universitário. Nesta perspectiva, as entrevistas foram idealizadas, conforme afirma
George Gaskell (2003, p. 73), em um espaço de troca de ideias e significados em que
“várias realidades e percepções são exploradas e desenvolvidas”, um momento de

308
encontro, principalmente do interlocutor com ele próprio, ou conforme assinala Antonio
Bolívar et al (2001), na narrativa o sujeito reinventa sua vida, toma consciência dos
fatos e pode imaginar possibilidades diferentes.

Ao ter em conta essas observações, o guião semi-estruturado da entrevista foi


elaborado de modo a permitir ir além da mera busca de dados, no sentido da construção
da narrativa, coerente assim, com o que aponta Maria Isabel da Cunha (1997b), ao tratar
das narrativas como alternativas pedagógicas na pesquisa e no ensino, advertindo,
entretanto, que ao mesmo tempo em que o sujeito organiza suas ideias para o relato -
quer escrito, quer oral - ele reconstrói sua experiência de forma reflexiva e, portanto,
acaba fazendo uma auto-análise que lhe cria novas bases de compreensão de sua própria
prática. Martin Bauer e Sandra Jovchelovitch (2003), sustentam que a narrativa
possibilita que os interlocutores coloquem as experiências em uma sequência, que
encontrem possíveis explicações para elas e possam jogar com os acontecimentos que
constroem a vida individual e social.

As transcrições das entrevistas, contidas no anexo 10 foram numeradas de


acordo com a ordem de realização, sendo fiéis ao depoimento, mantendo-se a linguagem
falada de cada interlocutor, sem buscar adequá-las à norma padrão da língua.
Posteriormente, foram reunidas em um corpo analítico de modo a possibilitar a
definição das categorias temáticas. Para Laurence Bardin (1977), o tema é entendido
como uma “unidade de significado que se liberta naturalmente de um texto analisado
segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura. O texto pode
ser recortado em ideias constituintes, em enunciados e em proposições portadoras de
significações isoláveis.” (Bardin, 1977, p.105).

Deste modo, depois das inúmeras leituras das transcrições das entrevistas, em
uma fase exploratória, em que foram feitos recortes em unidades de contexto e de
registro, organizo as unidades temáticas em três principais categorias, em uma fase
denominada de categorização, observando-se a homogeneidade, pertinência,
objetividade, fidelidade e produtividade. Seguidamente, passo à fase de tratamento,
inferências e interpretação.

309
O quadro 20 é ilustrativo das unidades temáticas, categorias e sub-categorias
apresentadas e analisadas nesse capítulo.

Quadro 20

Eixos temáticos, categorias e sub-categorias de análise da entrevista

Eixo Temático I
Categoria Aspectos Evidenciados
analítica
Caracterização da docência universitária
Concepção da Dilemas da docência universitária
Docência Possibilidade da docência universitária
Orientação sobre a docência
Eixo Temático II
Categoria Sub-categorias Aspectos Evidenciados
analítica
Exercício de outra profissão
Exercício profissional
A inserção na concomitante ou anterior a
Trajetória da docência docência universitária
Docência Trajetória percorrida para a
docência universitária
Preparação à
docência
Eixo Temático III
Categoria Sub-categorias Aspectos Evidenciados
analítica
Imagem da Imagem de si Percepção de si
docência imagem do outro Percepção da docência
Percepção dos alunos
Fonte: elaboração da própria.

2. Os docentes universitários interlocutores da entrevista.

Os docentes interlocutores da entrevista são vinculados a duas instituições


universitárias – Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade da Amazônia
(UNAMA) – situadas na região norte do país, na cidade de Belém, Estado do Pará. A
UFPA é uma instituição pública e federal de ensino superior, organizada sob a forma de
autarquia, vinculada ao Ministério da Educação (MEC). A UNAMA é uma instituição
privada, pluridisciplinar, pluralista, apartidária, dialogal e vocacionadamente católica,
que tem como entidade mantenedora a União de Ensino Superior do Pará – UNESPA.

310
Os entrevistados são professores que ministram aulas na graduação e pós-
graduação, com vinculação aos Programas de Mestrados e ou Doutorados das suas
respectivas instituições, sendo quatro do sexo feminino e seis do sexo masculino. No
que se refere à formação acadêmica, sete são doutores e três mestres. Todos possuem
regime de trabalho de 40 horas e, no que concerne à situação funcional, nove são
professores adjuntos e um é professor assistente. Com relação ao tempo de docência no
ensino superior, observa-se que o que tem maior tempo de serviço possui vinte e oito
anos de docência e os dois com menor, possuem 10 e doze anos, respectivamente,
ficando os demais com a média de 20 anos. Em termos de faixa etária, os docentes
interlocutores têm idade mínima de 38 anos e máxima de 57 anos.

As duas instituições possuem um Plano de Carreira Docente vinculado às


exigências legais, pública ou privada, de acordo com a natureza institucional. O
ingresso na carreira é realizado através de Concurso Público de Provas e Títulos na
Universidade Federal do Pará ou Seleção Pública, na Universidade da Amazônia.

O quadro a seguir é ilustrativo das características dos docentes e foi organizado


pela ordem crescente de datas das entrevistas.

Quadro 21
Identificação e características dos entrevistados.

Curso Titulaçã Tempo Situação


Idad Sexo o Docência
Nome e Superior funcional
Fictício Formação Atuação
Antônio 38 Masculino Administração Administração Mestre 16 40h - Adjunto
Pedro 51 Masculino Biologia Ciências Doutor 28 40h - Adjunto
Biológicas
João 57 Masculino Direito Administração Doutor 19 40h - Adjunto
Ana 38 Feminino Fisioterapia Fisioterapia Mestre 10 40 h - Assistente
Sara 59 Feminino Letras Letras Doutor 22 40 h - Adjunto
Paulo 49 Masculino Física Matemática Doutor 12 40h - Adjunto
Mateus 57 Masculino Odontologia Odontologia Mestre 19 40h - Adjunto
Ruth 56 Feminino Pedagogia Ciência Doutor 22 40h - Adjunto
Educação
Thiago 53 Masculino Psicologia Psicologia Doutor 23 40h - Adjunto
Maria 45 Feminino Engenharia Engenharia Doutor 20 40h - Adjunto
Civil Civil
Fonte: Protocolos de entrevistas (anexo 10) - elaboração própria.

311
2.1. Perfil descritivo dos docentes entrevistados.

Para assegurar a garantia do anonimato dos interlocutores e oportunizar a rápida


identificação, utilizei um nome próprio fictício para cada entrevistado. A adoção de
nomes fictícios é um procedimento tradicional em pesquisa, entretanto, pode não
garantir o anonimato se forem mencionados os seus cargos e funções (Bevilaqua, 2003).
Assim, o inabalável compromisso ético que assumi com meus interlocutores conduziu-
me a não vinculá-los as suas instituições, igualmente em não descrever qualquer item
que possibilitasse a identificação.

Nesta perspectiva, passo à descrição sucinta dos docentes entrevistados, no


sentido de esboçar um desenho preliminar das conexões de suas trajetórias.

- os docentes entrevistados.

O professor Antônio possui graduação em Administração e mestrado em


Marketing Administrativo. Encontrar-se como docente na universidade há 16 anos,
atuando no curso de graduação em Administração, assim como tem experiência em
cursos de pós-graduação na área de conhecimento. Exerceu atividade como profissional
de marketing antes da docência.

O professor Pedro possui graduação em Ciências Biológicas e é Doutor em


Biologia celular e molecular. Atua como docente no curso de Ciências Biológicas e é
vinculado ao Programa de Mestrado e Doutorado na mesma área. Têm 28 anos de
exercício da docência na universidade, com coordenação e participação em pesquisas,
publicações. Não exerce e nunca exerceu outra atividade profissional a não ser a
docência universitária.

O professor João é graduado no curso de Direito e possui doutoramento em


Direito Administrativo. Está vinculado ao curso de Administração onde atua na
graduação, assim como ao Programa de Mestrado. Tem publicação na área do Direito
Administrativo e experiência em pesquisa. Está a 19 anos no exercício da docência
universitária e exerce atividade profissional na área da advocacia.

312
A professora Ana é Fisioterapeuta e Mestre em Ciências da Reabilitação.
Ministra aulas no curso de fisioterapia e está vinculada a um Programa de Pós-
Graduação, em um curso de especialização. Tem 10 anos na docência universitária e
coordena pesquisa na área. Trabalhou como fisioterapeuta antes de exercer a docência.

A professora Sara é graduada em Letras na área de linguística com


doutoramento na mesma área. Tem 42 anos de exercício da docência, sendo 10 de
atuação na Educação Básica e 22 anos de exercício docente na universidade.
Desempenha a docência na graduação no curso de Letras e mantém vínculo no
Programa de Mestrado. Desenvolve atividades de pesquisa e conta com publicações na
área de conhecimento da linguística.

O professor Paulo é graduado em Física com doutoramento na mesma área.


Iniciou a docência no Ensino Fundamental e atualmente a exerce no Ensino Médio e na
Universidade. Conta com um total de 19 anos do exercício profissional da docência,
sendo 12 anos no curso de graduação em Matemática. É vinculado ao programa de pós-
graduação em Educação Matemática.

O professor Mateus é professor do curso de Odontologia, com graduação na


mesma área e mestrado em Ortodontia. Exerce a docência universitária há 19 anos e
atuou em consultório odontológico por 15 anos. Está vinculado ao Programa de
Mestrado e desenvolve pesquisa na área de conhecimento.

A professora Ruth é Graduada em Pedagogia, habilitação em Administração e


Supervisão Escolar. É doutora em Educação, vinculada ao Programa de Mestrado e
Doutorado, coordena uma linha de pesquisa e tem trabalhos acadêmicos publicados.
Atua na docência há 34 anos, sendo 12 na educação Básica onde também exerceu
atividades técnicas e 22 na universidade.

O professor Thiago é psicólogo de formação, atua como psicoterapeuta e exerce


a docência universitária há 23 anos no curso de graduação em Psicologia. É doutor em
Psicologia, tem vinculação no Programa de mestrado e doutorado, assim como
desenvolve projetos e pesquisa e extensão.

313
A professora Maria é graduada em Engenharia Civil e doutora na área da
engenharia e pós-doutora. Tem 20 anos no exercício da docência na universidade, com
experiência profissional anterior a docência. É vinculada ao Programa de Doutorado e
Mestrado, desenvolve projetos de pesquisa e extensão, assim como tem publicação na
sua área de conhecimento.

3. Docência no contexto universitário – Concepções, dilemas e possibilidades.

A concepção da docência universitária como uma atividade complexa, que


envolve em seu exercício condições singulares, exigindo uma multiplicidade de saberes,
competências e atitudes que devem ser apropriados e compreendidos em sua relação,
estão presentes nos estudos de vários autores como Maria Isabel Cunha (1997, 2003,
2005 e 2006a), Denise Leite (1998), Marcos Masetto (2003), Marília Morosini (2001, e
2003), Elisa Lucarelli (2004), Pimenta e Anastasiou (2002), Franco e Krahe (2007),
Silvia Isaia (2003, 2006), Miguel Zabalza (2004), Manuela Esteves (2008), e Morosini
(2001). De modo geral estes estudos, com distintas abordagens, olham a docência no
âmbito de sua complexidade e, neste sentido, trazem contributos que permitem aos
poucos uma reconceitualização da docência universitária. Tratam da questão da
complexidade pela via da formação para o exercício da docência universitária, pela
valorização da pedagogia no meio acadêmico e a complexidade do ensino e da
aprendizagem na universidade. Há os que tratam na perspectiva da Pedagogia
Universitária, do percurso identitário. De forma implícita ou explicita, de acordo com
Kátia Ramos (2010a, p.97), “esses estudos, entre outros aspectos, tratam da questão da
profissionalização do docente universitário e concordam com a pertinência de uma
formação, entendendo que essa é necessária enquanto contributo que possibilita a
revisão do saber –fazer.”

No entendimento de que o movimento da construção da profissionalidade


docente universitária irrompe-se, sobretudo, no momento em que esses profissionais
assumem o magistério superior, os professores entrevistados foram instados a falar
sobre a concepção da docência que os envolvem: suas características, dilemas e

314
possibilidades. Com a intencionalidade de compreender a concepção da docência dos
docentes, o guião da entrevista contemplou os seguintes aspectos:

 Caracterização da docência universitária.


 Dilemas da docência universitária no cenário atual.
 Possibilidade da docência universitária.
 Orientação sobre a docência.

3.1. As concepções da docência – os docentes em construção.

O exercício da docência universitária vincula a identidade do eu profissional


com o eu pessoal. Vai além do conhecimento específico, visto que abarcar ações e
questões complexas envolvem o compromisso com o outro, a responsabilidade
consciente e o autoconhecimento. Segundo Silvia Isaia (2003a), a docência superior
pode ser entendida como:

“[...] atividades desenvolvidas pelos professores, orientadas para a


preparação de futuros profissionais. Tais atividades são regidas pelo mundo
de vida e da profissão, alicerçadas não só em conhecimentos, saberes e
fazeres, mas também em relações interpessoais e vivências de cunho
afetivo, valorativo e ético, indicando que a atividade docente não se esgota
na dimensão técnica, mas remete ao que de mais pessoal existe em cada
professor.” (Isaia, 2003a, p. 372).

Tal qual apontado por Silvia Isaia (2003b), as concepções de docência, podem
ser abordadas a partir de três delimitadores: o primeiro abarca a implicação com a
docência, que trata de como os sentimentos podem ser dinamizadores na docência, na
medida em que os professores estão envolvidos com a atividade de ser professor; o
segundo compreende a centração em áreas específicas de conhecimento, implicando a
desconsideração da realidade escolar e integração com conhecimentos de natureza
pedagógica; o terceiro, e último delimitador é caracterizado pela dimensão pessoal da
docência, que compreende simultaneamente consciência e pessoa. Afirma ainda a autora
(2002), que a concepção de docência envolve o modo como o professor percebe a si
mesmo ao relacionar seu próprio fazer pedagógico, os alunos, os colegas, a instituição e
o sistema de ensino no qual está inserido.

315
Desse modo, ao dar início em evidenciar as imagens que os docentes
entrevistados têm acerca da docência, perguntei inicialmente a cada professor como
caracterizavam a docência universitária. A intenção era – em um sentido amplo e
genérico – traçar um delineamento com elementos que me possibilitassem demarcar as
concepções sobre a docência. Para Silvia Isaia (citado por Morosini, 2003, p. 264),
“estas concepções brotam da vivência, apresentando componentes explícitos
(diretamente percebidos) e implícitos (indiretos, ocultos). Seu sentido é atravessado por
expectativas, sentimentos e apreciações que acompanham a linha temporal da trajetória
docente, tanto em termos retrospectivos quanto prospectivos.” Foi dito.

A docência é responsável pela formação humana e técnica dos alunos. Os


professores universitários devem ser produtores e incentivadores do
conhecimento, mas não podem perder de vista a responsabilidade com a
formação humana e integral dos seus alunos (Ruth).

Neste depoimento, o sentido dado à docência é permeado por expectativas,


sentimentos e apreciação, tal qual afirma Silvia Isaia (2003a), a docência é entendida
como uma ação que vai para além da sua dimensão técnica, sendo permeada não só por
conhecimentos científicos, mas também por afinidades, vivências de cunho afetivo e
ético entre as pessoas. A dimensão pedagógica favorece a aquisição do saber e do saber-
fazer e, juntamente com a dimensão política, configuram o compromisso que o docente
deve ter com a sociedade. Nomeadamente, este depoimento explicita o entendimento da
docência em processo de constante aprendizagem, o que também foi referenciado pelos
depoimentos a seguir.

(a docência) Distingue-se pela forte necessidade de constante atualização e


qualificação docente. Entretanto, envolve aspectos pedagógicos, de
qualificação e de infra-estrutura (Antônio).

Como formador de profissionais, o docente universitário precisa estar


constantemente revendo suas práticas pedagógicas e neste ir e vir é que está
a possibilidade de reconstruir sua atitude docente, como também, o
contexto em que atua, principalmente quando tem a possibilidade de estar
trocando, conversando, com os demais professores e alunos, ou seja, na
especificidade das situações vividas na prática pedagógica, os professores
devem estabelecer relações pessoais, interpessoais e sociais, com a
intencionalidade pedagógica e educativa (Maria).

316
Estes depoimentos reconhecem e consideram a dimensão pedagógica da
docência universitária. Demonstram, que não basta simplesmente o saber ministrar uma
aula, mas a necessidade de aprimoração desse saber. Para além do domínio de
conhecimentos próprios da sua área, os docentes precisam apreender os princípios
básicos do processo de ensino e aprendizagem do contexto universitário e construir um
ambiente universitário no qual seu papel seja mobilizador e orientador de
aprendizagens, com a utilização de estratégias e técnicas que favoreçam a aquisição do
saber (Masetto, 2003).

O domínio do conteúdo e a relação interpessoal, componentes respectivamente


da dimensão pedagógica e da dimensão política, estão presentes no depoimento dos
professores. Entretanto, outros depoimentos apontam para o entendimento de que o
conhecimento por si só seja a garantia da docência, ou seja, em considerar o professor
como transmissor do conhecimento. Afirmam João e Sara:

A docência universitária tem que passar pelo domínio do conhecimento do


assunto que vai ser ministrado. No meu entendimento, isso vem antes,
inclusive, de aspectos didáticos. Creio na docência como uma alternativa ao
conhecimento produzido pela televisão e principalmente pela Internet. É
tarefa árdua transformar as informações trazidas pelos alunos em
conhecimento. Desenvolver pontos de vista é a razão de ser da sala de aula
universitária.

Discutir temas não é uma questão meramente pessoal, é antes, defender


razões e crenças. A docência se caracteriza pelo compromisso com o
conhecimento. Se a docência universitária não trabalhar nesta perspectiva
muito pouco tem a assegurar aos alunos (João).

Para mim, docência universitária é a atuação institucionalizada de um


professor capacitado para tal, de modo a apresentar o conhecimento já
consagrado em uma comunidade (Sara).

Diante destes depoimentos, compreendo que apesar das mudanças que ocorrem
contemporaneamente no interior das universidades, onde a docência deve transcender a
visão fragmentada do conhecimento, a disciplinaridade e a supervalorização do
conhecimento técnico, que ainda está presente a ideia do professor transmissor, não se
evidenciando uma preocupação expressiva com os conhecimentos pedagógicos. É o
paradigma tradicional de transmissão do conhecimento ainda presente. Como afirma

317
Luisa Cortesão (2000, p.40), “os docentes universitários ensinam geralmente como
foram ensinados, garantindo, pela sua prática, uma transmissão mais ou menos eficiente
de saberes e uma socialização idêntica àquela de que eles próprios foram objeto.”

Os depoimentos revelam que o papel de transmissor de conhecimento está sendo


superado pela busca de uma prática pedagógica inovadora, em que o docente
universitário supere a ideia de, como diz Marcos Masetto (1998, p.11), “quem sabe,
automaticamente, sabe ensinar.” Essa superação pode ser interpretada na perspectiva da
ruptura com o paradigma da transmissão, em busca de novas formas de pensar o ensinar
e o aprender numa perspectiva emancipatória (Cunha, 1997a), a exemplo dos seguintes
depoimentos.

A docência deve envolver todas aquelas competências, habilidades para a


formação do aluno, visando sua atuação futura. Penso que o docente
universitário deva priorizar que o aluno tenha uma visão crítica do mundo,
assim como uma leitura crítica dos fatos, mas que isto não seja sua maior
preocupação (Ana).

Hoje nós temos os professores das diferentes áreas da saúde com uma
inserção muito importante na área pedagógica e isto tem feito sem dúvida
diferença na formação do nosso egresso. Os docentes passaram a ter uma
visão muito maior em termos pedagógicos, especialmente no momento em
que passa da questão somente ensinar uma prática para um processo de
aprender a aprender (Mateus).

Caracterizo a docência universitária como uma atividade responsável,


atualizada e provocadora de ideias, alternativas, com uma postura crítica e
consciente diante do conhecimento (Sara).

No cômputo geral, os depoimentos expressos pelos professores indicam que as


concepções de docência envolvem um processo de construção, que é marcado pela
preocupação com a qualidade dos resultados da educação superior, no caminho da
valorização da dimensão pedagógica e da superação do paradigma tradicional da
transmissão do conhecimento, revelando a importância da formação científica,
pedagógica e política na docência universitária. Neste sentido, é relevante destacar que
para os professores entrevistados, o ato de ensinar, além de preparação nas áreas dos
conhecimentos específicos e pedagógicos, está relacionado com as opções éticas, com o

318
compromisso nos resultados do ensino e com a sensibilidade e sabedoria dos
professores.

A compreensão dos docentes interlocutores sobre a docência na universidade


pode ser assim sintetizada:

 Docência como responsabilidade no que diz respeito à formação humana e técnica dos
alunos;
 Docência como compromisso em relação ao conhecimento;
 Docência como transmissão;
 O reconhecimento da importância da dimensão pedagógica na condução da docência;
 Docência com formação contínua, em que o docente universitário precisa estar
constantemente revendo suas práticas pedagógicas.

3.2. Os dilemas contemporâneos da docência universitária.

O presente item abrange a análise desenvolvida na categoria conceitual


concepções da docência, tendo como cenário os dilemas contemporâneos da docência
universitária. Cabe previamente elucidar a concepção de termo contemporâneo que
perpassa este estudo, tendo como indicativo o seu valor, enquanto significado de modo
temporal, principalmente quando se aborda a construção da trajetória docente dos
professores universitários. O termo “contemporâneo” é pensado como um delimitador
do tempo em que se situa o fenômeno de que se está falando e como um indicador da
sua natureza histórica. É “este presente ao qual pertencemos” (Foucault, 1989, p. 104-
105). No entanto, “não podemos tratar o contemporâneo somente enquanto um
sinônimo de presente e atual” (Costa & Fonseca, 2007, p. 07), uma vez que, “no
contemporâneo habita a conjunção dos diversos tempos que constroem seu instante,
buscando uma customização temporal a partir desta heterogeneidade flexível e
singular” (Costa & Fonseca, p.10).

319
Nessa perspectiva, os dilemas contemporâneos da docência universitária
inserem-se em um contexto onde estão presentes questões e circunstâncias
contraditórias, dúbias, ambivalentes, que requerem reflexão e ações a partir da
significação social da profissão docente, assim como, de uma constante revisão em seus
movimentos, possibilidades e limitações. Reflexão e ações com consciência histórica,
política e crítica de valorização profissional e enfrentamento dos dilemas e desafios, na
atual configuração da realidade social, política, econômica e cultural. A docência no
ensino superior – em si – já é, de acordo com Arilene Medeiros (2007), um dilema
provocativo e convidativo ao debate. Para Miguel Zabalza (2004, p.117):

A característica principal dos dilemas é que nenhuma de suas posições


extremas é convincente. Os pólos da questão são posições legítimas, mas
na medida em que negam o outro pólo, são insuficientes ou inapropriadas.
A solução costuma estar na busca do equilíbrio.

O uso do termo “dilemas” deve ser empregado, conforme Miguel Zabalza,


“diante de questões que não têm uma solução linear e única.” (2004, p.179). A adoção
do termo neste estudo está relacionada no entendimento de situações que na docência
universitária, por vezes, podem configurar-se como complexas, dicotômicas ou
tangenciais.

De tal modo, para a análise dos depoimentos dos professores, a propósito do


cenário atual das universidades e seus dilemas é necessário considerar que tenham
formulado um referencial de ideal de universidade. É provável que os referenciais por
eles elaborados não se encontrem fundamentados por leituras e reflexões sistematizadas
sobre a universidade, e sim, provavelmente refletem as experiências acumuladas por
meio da convivência no contexto universitário. Ao discorrer sobre a Universidade: nove
séculos de história, Ricardo Rossato (1998), descreve que o Brasil se configura em um
país sem tradição universitária, não obstante que a fundação das primeiras universidades
latino-americanas datem de 1538, somente em 1920 foi fundada a primeira universidade
brasileira. Afirma ainda, que não foi concebido, no Brasil, uma concepção de
Universidade própria, e em decorrência dessa ausência, as instituições sofreram
diferentes influências e dependendo do período em questão, tais influências se
modificaram.

320
A leitura das entrevistas com os docentes evidenciou dilemas que podem ser
caracterizados em duas dimensões: institucionais e pedagógicos. No concernente aos
dilemas institucionais, evidenciam-se nos depoimentos os dilemas indicativos ao
contexto universitário e seus reflexos no cotidiano da docência universitária, conforme
pode ser observado a seguir:

A crise da Universidade me atinge e houve um momento que eu não estava


mais fazendo o que tinha que fazer que era dar aula direitinho, cumprir
toda burocracia e aquilo começou a me deixar muito mal porque não tem a
ver comigo, mas começou a acontecer, não tinha vontade, diminuía as
aulas, terminava antes, não conseguia (Thiago).
O ambiente na Universidade já não é mais o mesmo de quando entrei, e
isso não saudosismo, pois acredito na evolução, o que quero dizer e que já
é um pouco demais tanta pressão. É publicação, produtividade, pesquisa,
atividades representativas, colegiadas, funções administrativas, entre tantas
outras que é difícil enumerá-las aqui (Maria).

Considerando os depoimentos apresentados, a leitura que faço é que a crise da


universidade deriva dos conflitos e tensões provocadas pela multiplicidade de funções a
ela atribuída, que provocam choques agudos entre concepções ideológicas sobre a
missão da universidade e entre interesses de diferentes instâncias do contexto
universitário, como também, as multiplicidades de funções que os professores
universitários desenvolvem. A explosão das funções de acordo com Boaventura Sousa
Santos, “foi, afinal, o correlato da explosão da universidade, do aumento dramático da
população estudantil e do corpo docente, da proliferação das universidades, da expansão
do ensino e da investigação universitária a novas áreas do saber.” (Santos,1995, p.188).

A universidade tem-se modificado quanto a seus objetivos e finalidades – da


ideia de produção autônoma do conhecimento para as necessidades sociais e do
mercado – em um contexto de luta hegemônica na relação com a sociedade. Assim
originou-se, ainda de acordo com Boaventura Santos (1995), a crise hegemônica na
universidade, fruto da contradição entre as funções tradicionais da universidade e
aquelas que, ao longo dos últimos cem anos, passaram a lhe ser atribuídas. Num certo
sentido, conforme explicitado por António Magalhães (2006, p.15) “o ensino superior
esteve sempre em crise, mas, presentemente, está a confrontar-se com dilemas com que
porventura antes jamais se havia tão radicalmente confrontado.”

321
A exemplo dessa proposição está a dicotomia público/privado, apontada no
depoimento da professora Sara:

O cenário no ensino superior padece com o enriquecimento das


universidades particulares em oposição ao baixo poder aquisitivo da
grande maioria de seus alunos; com o retórico acesso ao ensino superior
público por alunos advindos das classes mais privilegiadas; pela
tecnologização de alguns cursos e as dificuldades de toda a espécie que as
licenciaturas enfrentam; pelo descompasso entre os cursos oferecidos pela
universidade e o mercado de trabalho necessário para o real crescimento
de uma comunidade; pelo evidente e crescente aumento da carga de
trabalho dos docentes (Sara).

Esse é um tema polêmico e suscetível de inúmeras interpretações. Todavia, em


Hannah Arendt (2001), tem-se a clareza de que o público e o privado são dois conceitos
antagônicos e que as características de cada um são únicas e singulares, mesmo que no
âmbito social convivam. Essa convivência ocorre no ensino superior brasileiro em que,
de acordo com Simon Schwartzman (1996), o ideal universitário não sobreviveu ao tipo
de expansão do ensino superior adotado. A expansão tendeu a uma diferenciação do
sistema em público e privado, com o crescimento de instituições isoladas, mais
dedicadas ao ensino do que à pesquisa.

De um modo amplo, a oferta de cursos no ensino privado está intrinsecamente


relacionada às demandas e às oscilações do mercado de trabalho, sendo este, na maioria
das vezes, o destino de alunos trabalhadores ou dos que não tiveram possibilidade de
acesso ao ensino público. Nessa mesma linha, um estudo sobre o Ensino Superior no
Brasil – o setor privado, de Helena Sampaio (2000), referenda por meio da sua pesquisa
junto a jovens universitários, a grande inversão existente entre os tipos de formação.
Descreve que a elite que se forma no ensino médio na escola privada dirige-se à
universidade pública, enquanto que os alunos das classes menos favorecidas oriundos da
escola pública, têm o setor privado, de larga oferta e menor concorrência, como a única
possibilidade de entrar na universidade.

Nos dilemas pedagógicos, os depoimentos dos professores manifestam questões


mais específicas da sala de aula e da docência. Cabe, entretanto, ressaltar que o
entendimento dos dilemas pedagógicos, neste estudo, faz referência a todo um conjunto
de situações conflitantes que se apresentam ao docente universitário, que se produzem

322
ou não em situações didáticas. A essência dos dilemas pedagógicos para Miguel
Zabalza (2003), diz respeito ao conjunto de situações bipolares ou multipolares que se
apresentam ao professor no desenrolar da sua atividade profissional. Esses dilemas são
expressos com a preocupação das demandas da formação, da prática pedagógica e do
próprio docente, como apresentado a seguir:

Muitos são os dilemas. Entre eles destaco a intensificação do trabalho


docente a exemplo o aumento da carga horária de trabalho com
planejamento, correções, estudos, reuniões, exigências burocráticas para
além, muitas vezes, do suportável; a crescente desvalorização que envolve
desde uma formação continuada inadequada, pois na maioria das vezes
não atende às suas necessidades, interesses até a falta ou precariedade de
recursos materiais, bibliográficos, tecnológicos que enriquecem e
complementam seu trabalho, passando pelo número de alunos em sala de
aula, assessoramento pedagógico, salário; a falta de incentivo e
investimento na pesquisa, ou quando estes existem é para as áreas
“prioritárias”, as que têm maior repercussão e podem gerar mais
investimento para a instituição, o que provoca a desmotivação, o
desestímulo do professor para tal; o despreparo dos alunos para o
enfrentamento com o ensino superior (Ruth).

O nome diz por si – Ensino Superior – mas o que fazemos realmente de


superior nesse processo se temos que lidar com alunos com grandes
deficiências? (Paulo).

Sinto-me por vezes incomodado com as mudanças constantes que afetam


as minhas atividades. Incomoda-me a crescente massificação do ensino
superior e os dilemas, em decorrência disso, se apresentam
cotidianamente. (Antônio).

Os dilemas revelados pelos docentes entrevistados abordam questões um tanto


quanto mais complexas, uma vez que abarcam a própria função social da Universidade,
concebida como o espaço de excelência na formação de inúmeros profissionais,
incluindo-se os professores. Os dilemas relatados perpassam o cotidiano da docência
universitária e deveriam implicar uma tomada de decisão, quer pela instituição, quer
pelos próprios docentes quanto à posição a assumir diante dessas questões. Tal como é
evidenciada por Selma Garrido Pimenta et al (2003), o ensino na Universidade deve
constituir-se em um processo de busca e de construção científica e de crítica ao
conhecimento produzido, ou seja, de seu papel na construção da sociedade. Essas

323
peculiaridades do ensinar na Universidade exigem uma ação docente diferenciada da
tradicionalmente praticada. Para os autores, a Universidade é entendida como:

[...] um serviço de educação que se efetiva pela docência e investigação,


suas funções podem ser sintetizadas nas seguintes: criação,
desenvolvimento, transmissão e crítica da ciência, da técnica e da cultura;
preparação para o exercício de atividades profissionais que exijam a
aplicação de conhecimentos e métodos científicos e para a criação artística;
apoio científico e técnico ao desenvolvimento cultural, social e econômico
das sociedades (Pimenta et al, 2003, p. 270).

Na concepção de Universidade, acima referenciada, o processo se ensinar


constitui-se em um serviço de educação que tem a pesquisa como alimento e se compõe
em um processo de busca, tanto do docente como do aluno, tendo em vista a produção
de conhecimento e não a sua mera reprodução. Essa nova postura acadêmica exige uma
revisão da habitual e tradicional prática de caráter informativo da docência universitária,
em que para o professor basta dominar sua área de conhecimento e na qual o aluno,
elemento receptor e assimilador, somente reage em resposta a alguma pergunta emanada
pelo docente.

Nesse sentido, Miguel Zabalza (2004) traz contribuições interessantes para a


compreensão que a adoção de uma nova postura institucional e acadêmica não se trata
ingenuamente de uma simples equação que se alicerce na atuação docente. Para o autor,
as atividades universitárias devem atingir três aspectos sobre as quais se projeta o
sentido da formação, quais sejam: “o desenvolvimento pessoal, o desenvolvimento de
conhecimentos e competências específicas e uma visão mais ampla do mercado de
trabalho a fim de agir nele com mais autonomia” (Zabalza 2004 p.45). Os depoimentos
de dois professores evidenciam essa preocupação:

Então a transformação da universidade, da prática docente, é uma


necessidade imperiosa. Na área da saúde e na Odontologia, o grande dilema
que nós vivemos é de “tu fazer” com que o aluno compreenda que a
formação dele é maior do que boca e dentes (Mateus).

324
Percebo que os professores buscam cada vez mais se aperfeiçoar. Sinto que
há uma preocupação maior com a forma de ensinar, com as pedagogias ou
com o que podemos chamar de uma pedagogia universitária. Hoje
conversamos mais entre nós, trocamos mais ideias e informação, ou seja, há
uma relação de partilha, principalmente no campo da pesquisa (Maria).

A mudança de postura, de foco, altera significativamente a condução da


docência, ampliando a dimensão de sua competência,em que ser professor é ir muito
além de ensinar. Exige, de acordo com Ronald Barnett (2002, p.220-221), “uma
transformação nas pedagogias da Universidade (...) tanto em suas formas internas como
em suas formas externas de interação, tanto em suas definições de investigação e
erudição como em seus propósitos educativos e relações pedagógicas”. No quadro dessa
situação, para além do domínio disciplinar a docência é impelida a dar atenção aos
dilemas de outras ordens. O dilema sobre o ponto de referência – o indivíduo ou o
mundo que o cerca, o dilema entre especialização e formação geral de base e o dilema
entre o local e o universal, tal qual descritos por Miguel Zabalza (2004) e que aqui trago
para uma breve reflexão:

[...] há um conjunto de dimensões formativas que têm esse sentido:


melhorar nossa qualidade de vida, nosso nível cultural, nossa autonomia,
nossa capacidade de aproveitar a vida. Não há um ganho, ao menos direto
(indiretamente, ele sempre existe, na medida em que, como fora
demonstrado, quanto mais competentes e cultos somos, ou quanto mais
satisfeitos estejamos, trabalhadores mais capazes seremos), no trabalho ou
no emprego, mas nem por isso tais dimensões resultam menos importantes
para nós (Zabalza, 2004, p. 48).

O primeiro dilema tem como direção orientadora o indivíduo ou o mundo que o


cerca, onde a formação universitária oscila entre contemplar a dimensão pessoal ou o
contexto, o mundo exterior. Conclui o autor que “na verdade, há a necessidade de
equilibrar a formação entre esses extremos: o que supõe acomodação às exigências
externas e o que supõe crescimento pessoal e recuperação da própria autonomia.”
(Zabalza, 2004, p. 48). O segundo dilema situado entre a especialização e a formação
geral de base, centra-se em priorização de um em detrimento do outro. Entretanto, os
indicativos do mercado de trabalho apontam que a formação geral começa a predominar

325
de modo a permitir a mobilidade profissional, conforme prescrito nas Diretrizes
Curriculares Nacionais que de modo amplo abaliza um caráter mais generalista na
formação universitária. Conforme acentua Miguel Zabalza:

Em relação a esse ponto, nem as orientações acadêmicas nem as demandas


do mercado são claras. De qualquer forma, parece que hoje em dia, começa
a predominar a ideia de que é preferível, inclusive do ponto de vista dos
empregadores, que os indivíduos tenham uma formação geral
suficientemente ampla e polivalente a ponto de permitir a mobilidade
profissional. (Zabalza, 2004, p. 49).

O confronto entre o local e o universal é apontado pelo autor como o terceiro


dilema, especificando que “uma das missões que a sociedade e as leis atribuem à
universidade é que ela fomente o desenvolvimento social, cultural, científico e técnico
do país e da região a que pertence” (Zabalza, 2004, p. 52), isto é, para Miguel Zabalza a
pressão da internacionalização gerou uma grande responsabilidade para as
universidades e “o interessante nessas novas proposições internacionalistas é que elas
devem estar bem articuladas com os compromissos que cada universidade assume com
seu próprio contexto local.” (Zabalza, 2004, p. 52). De modo geral, a triangulação de
dilemas trás contribuições reflexivas para redimensionar a formação universitária, até
mesmo a formação docente.

Neste contexto a docência universitária e a própria Universidade encontram-se


em processo de reconfiguração de suas identidades, e nomeadamente a docência
caminha no sentido de construção/apropriação de competências inerentes à ação de
ensinar e formar pessoas/profissionais. Competências, no sentido do conjunto de
saberes, intenções, motivações, capacidades e atitudes. Tal como evidenciado no
seguinte depoimento:

Como formador de profissionais, o docente universitário precisa estar


constantemente revendo suas práticas pedagógicas, e neste ir e vir é que
está a possibilidade de reconstruir sua atitude docente, como também, o
contexto em que atua, principalmente quando tem a possibilidade de estar
trocando, conversando, com os demais professores e alunos, ou seja, na
especificidade das situações vividas na prática pedagógica, os professores
devem estabelecer relações pessoais, interpessoais e sociais, com a
intencionalidade pedagógica e educativa (Maria).

326
No âmbito geral dos depoimentos, evidenciam-se nas narrativas dos professores
entrevistados uma preocupação e carência de processos formativos para a docência
universitária. Em função disso, cabe aqui ressaltar a importância da responsabilização
institucional e individual mais efetiva com a docência e o necessário enfrentamento de
desafios na sua reconstrução diante das contemporâneas exigências postas a
profissionalidade docente. Realço ainda, que de acordo com Maria Isabel da Cunha “os
saberes constitutivos da profissão docente implicam consciência, compreensão e
conhecimento” (2006b, p. 80). Nesta perspectiva, o depoimento dos professores Sara, João
e Ana expressam questões estruturais e conjunturais a enfrentar:

Muitos são os dilemas. Entre eles destaco a intensificação do trabalho


docente e a exemplo o aumento da carga horária de trabalho com
planejamento, correções, estudos, reuniões, exigências burocráticas para
além, muitas vezes, do suportável; a crescente desvalorização que envolve
desde uma formação continuada inadequada, pois na maioria das vezes não
atende às suas necessidades, interesses até a falta ou precariedade de
recursos materiais, bibliográficos, tecnológicos que enriquecem e
complementam seu trabalho, passando pelo número de alunos em sala de
aula, assessoramento pedagógico, salário; há falta de incentivo e
investimento na pesquisa ou quando estes existem é para as áreas
“prioritárias”, as que têm maiores repercussões e podem gerar mais
investimento para a instituição, o que provoca a desmotivação, o
desestímulo do professor para tal; o despreparo dos alunos para o
enfrentamento com o ensino superior (Sara).

Acho que um dos dilemas que enfrento é ser menos professor e mais
administrador. E o cenário da universidade é esse. A docência em si fica de
lado. Tudo é política, ajustamento às políticas e envolvimento político
partidário. Passamos a maior parte do tempo lutando com a burocracia
interna e ainda se tem que ir atrás de financiamento para pesquisa, percorrer
os editais das agências e produzir para poder dar aulas na pós-graduação.
Sinto que minha participação poderia ser mais efetiva, mas não há ambiente
comunitário para que isso ocorra (João).

Eu diria que são situações conflitantes e que cabe a nós entender os prós e
os contras. Existe, com certeza, a questão da competição e da falta de
cooperação. Essas seriam uma delas. Há também discussões sobre o
número efetivo de horas-aula que o professor tem que cumprir; o caráter
não explicitado de todo o restante de atividade que tem que cumprir. Há
sem dúvida um acréscimo, uma intensificação do trabalho docente que
assombra as atividades cotidianas (Ana).

327
Os dilemas relacionados constroem um panorama, que gera entraves e
dificuldades para o estabelecimento de um trabalho acadêmico de qualidade. Perpassam
questões que abrangem o despreparo dos acadêmicos para enfrentar o ensino superior, a
organização curricular, o regime de trabalho que por vezes impossibilita tempo para o
planejamento, há falta de incentivo e financiamento para pesquisa, a preocupação com a
postura docente e a importância de momentos de reflexão conjunta. Esse cenário,
expresso pelos professores são concernentes ao contexto das instituições de
pertencimento dos mesmos, mas que também refletem a realidade de outras
universidades. No contíguo, esses dilemas representam as situações conflitantes que se
apresentam ao docente universitário e devem ser encaradas como desafios. Para Miguel
Zabalza (2004), os desafios mais relevantes são a passagem da docência baseada no
ensino para a baseada na aprendizagem; a incorporação de novas tecnologias na
educação e no mundo do trabalho; a flexibilização do currículo universitário; a busca da
qualidade e a revisão das práticas docentes, que exigem um novo perfil para o professor
universitário.

O conjunto dos depoimentos dos docentes entrevistados ilustra os dilemas


enfrentados na Universidade e as consequências que suscitam na prática docente. Esses
dilemas expressam os desafios a ser superados, assim como as contradições presentes
no meio universitário e são sintetizados para melhor compreensão:

 Intensificação do trabalho docente.


 Conciliação das atividades de ensino com as administrativas.
 Formação continuada pouca ou inadequada.
 Falta de incentivo e investimento na pesquisa.
 A precariedade das condições matérias e de infra-estrutura.

3.3. Docência universitária – Há possibilidades ou há esperanças?

Há uma linha tênue entre a possibilidade e a esperança sobre a docência


universitária apontada nas falas dos docentes universitários. A possibilidade, de
acordo com o Dicionário Aurélio (2006), está relacionada com: (i) Qualidade ou

328
condição do possível; (ii) Acontecimento ou circunstância possível, que pode ser, ter
sido ou vir a ser. É aquilo que pode acontecer. A esperança significa, de acordo com o
mesmo dicionário: 1. Ato de esperar o que se deseja; 2. Expectativa; 3. Fé em conseguir
o que se deseja. É uma crença emocional na possibilidade de resultados relacionados
com eventos e circunstâncias da existência das pessoas. Esperança com o sentido de
futuro, de mudança, tal como explicitado por Jean-Paul Sartre a seguir:

É preciso tentar explicar porque é que o mundo de agora, que é horrível,


não passa de um momento no longo desenvolvimento histórico, e que a
esperança sempre foi uma das forças dominantes das revoluções e das
insurreições - e como sinto, ainda, a esperança como minha concepção do
futuro. (Sartre, citado por Levy, 1986, p. 63).

Quando perguntei aos professores sobre as possibilidades da docência


universitária, verifico que, para além de responder a pergunta, houve um movimento
reflexivo de olhar para a própria prática e condição docente e, com base neste exercício,
vislumbrar as possibilidades/esperanças para a docência universitária, como infero nos
seguintes depoimentos:

Sim. A docência universitária apesar da crescente dificuldade que atravessa,


pelos dilemas que expus e outros, continuará, pois tem um compromisso
ético com a sociedade, afinal ela existe em função de uma sociedade, sendo
ela que organiza o conhecimento científico que disponibiliza de certa forma
esse conhecimento para a comunidade. Essa é a minha esperança (Sara).

Tenho esperança que sim. Como eu trabalho em curso de formação técnica


eu tenho priorizado que os alunos estejam preparados instrumentalmente
para serem excelentes profissionais. Eu tenho me atualizado regularmente,
principalmente na área pedagógica e acredito que estou hoje em dia num
caminho bem melhor no sentido de avaliar. Esse caminho melhora a minha
docência e de modo geral a universitária em si. Há de haver também melhor
investimento institucional na nossa formação pedagógica, investimento e
melhoria na carreira docente (Ana).

Eu acredito que nós teríamos muito mais possibilidades, se fosse resgatado


o sentido da universidade e consequentemente da docência. Que realmente
a universidade fosse vista como um meio de se chegar a um fim, que fosse
uma instituição que realmente estivesse a serviço da comunidade e não
ficasse só neste mundinho restrito, reduzida à pesquisa muita vezes sem
essência nenhuma (Paulo).

329
Por estes depoimentos, considero que as expectativas dos docentes entrevistados
são pontuadas de esperanças “por um futuro de possibilidades plurais e concretas,
simultaneamente utópicas e realistas, que se vão construindo no presente através das
actividades de cuidado” (Santos, 2002, p.21). Trazem a esperança de que é necessária e
possível a reinvenção da Universidade, da prática docente universitária, em uma
perspectiva emancipatória. Essa reinvenção, na perspectiva freireana, estende-se pela
revalorização profissional marcada pelo trabalho como princípio educativo e como
espaço de mobilização ética e política, como possibilidade de transformação. A
possibilidade é, para Boaventura Sousa Santos (2002, p.23), o movimento do mundo e
os “momentos dessa possibilidade são a carência (manifestação de algo que falta), a
tendência (processo e sentido) e a latência (o que está na frente desse processo).”

Os depoimentos a seguir acenam para a necessidade de formação teórico-


pedagógica, inclusive em superar o discurso vulgar desenvolvido e instalado na prática
docente universitária, de que basta o domínio do conhecimento específico em
detrimento dos saberes relacionados à educação. A docência, conforme descreve
Marcos Masetto (1998), exige capacitação própria, como a pesquisa ou o exercício de
qualquer profissão. Para o autor “o exercício docente no ensino superior exige
competências específicas, que não se restringem a ter um diploma de bacharel, ou
mesmo de mestre ou doutor, ou, ainda, apenas o exercício de uma profissão” (Masetto,
1998, p. 11). Nesse sentido, afirmaram os docentes:
Vislumbro crescimento e valorização na carreira. Entendo que o quadro
atual é passageiro e que tomaremos rumos melhores. Percebo que os
professores buscam cada vez mais se aperfeiçoar. Sinto que há uma
preocupação maior com a forma de ensinar, com as pedagogias ou com o
que podemos chamar de uma pedagogia universitária. Hoje conversamos
mais entre nós, trocamos mais ideias e informação, ou seja, há uma relação
de partilha, principalmente no campo da pesquisa (Maria).

Eu acho que a gente tem hoje um grupo de professores que está mais bem
qualificado, que faz pesquisa e que a produção científica tem ampliado. Eu
acho que a docência na área da saúde começa a ter a compreensão de que
seu papel é muito maior que formar um técnico. Tornam-se docentes 40
horas, fazendo pesquisa, a profissão dele é docente universitário. Mesmo
que isso implique abdicar de algumas coisas, pois a docência não nos dá
suficientemente recursos financeiros, comparando com outras áreas
profissionais, mas eu vejo que pelo menos nos últimos dez anos houve um
crescimento nesse sentido (Mateus).

330
Alguns depoimentos acenam para a necessidade de formação pedagógica na
docência universitária e reconheço que no contexto universitário brasileiro, de modo
genérico, observo que a formação de maior peso está relacionada ao conhecimento
específico e denso da disciplina a ser ensinada, vinculada a uma área de conhecimento,
e que ainda são incipiente as exigências de formação na área pedagógica. Nesse campo,
nos estudos de Antolí Benedito, Virgínia Ferrer e Vicent Ferreres (1995), Marcos
Masetto (1998), Marília Morosini (2000), Selma Pimenta e Lea Anastasiou (2002),
encontro três conjunturas que contribuem para que a formação pedagógica dos
professores universitários universitários não seja contemplada entre as ações prioritárias
no contexto universitário.

A primeira está imbricada na própria gênese da docência universitária,


historicamente constituída como uma atividade onde o bom desempenho profissional
era determinante, na crença de qualquer um que tivesse competência profissional estaria
habilitado a exercer a docência. Com o desenvolvimento das instituições universitárias,
notadamente inclinadas à produção do conhecimento, a preparação docente voltou-se
para a pesquisa, para a formação do pesquisador, e em decorrência dessa ênfase tem-se
a segunda conjuntura, uma vez que o critério de avaliação de produtividade e qualidade
centra-se na produção acadêmica e, consequentemente, o desenvolvimento da pesquisa
é laureado em detrimento das atividades de ensino. Essa conjuntura é ressaltada por
Lucíola Santos (2005a) em um artigo sobre “ O observável e o imensurável na
universidade do desempenho”:

Os professores são contratados para a universidade como docentes, mas seu


mérito não vem do bom desenvolvimento das atividades de ensino. Seu
prestígio vem da pesquisa que, na verdade, é a atividade que lhes confere
maior status acadêmico. Os grupos de pesquisa que conseguem maior
financiamento e têm maior índice de publicação terminam tendo um grande
poder na universidade. No interior desses grupos criam-se estratificações
baseadas na visibilidade acadêmica de seus membros, em termos de
coordenação de projetos, ocupação de cargos em associações de área,
participação em comitês e prestação de assessoria a órgãos ou empresas de
destaque. (Santos, 2005a, pp. 210- 211).

Por último, a própria legislação educacional brasileira é omissa em relação à


formação pedagógica dos professores universitários. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei n. 9.394/96), se limita no Art.66 a expressar que a preparação

331
para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação,
prioritariamente em programas de mestrado e doutorado, consequentemente, fica sob o
encargo dos regimentos da cada universidade o oferecimento de formação pedagógica
aos docentes. Ressalto que essa conjuntura não é somente presente na realidade
brasileira, pois em âmbito internacional as investigações também dão conta dessa
situação, com maior ou menor complexidade. A exemplo, o estudo de Antolí Benedito,
Virgínia Ferrer e Vicent Ferreres (1995, p. 149) sobre o ensino superior na Espanha
verificam que “a formação de professores universitários não tem contado, até agora,
com um respaldo legislativo como ocorre com os outros níveis educativos.”

Nesse sentido, as dificuldades que envolvem a formação pedagógica dos


professores universitários não podem ser vistas por um único prisma. É necessário
pensar na formação continuada, que no entendimento de Miguel Zabalza (2003, p. 151)
deve ser proposta pela Universidade “sob uma perspectiva que integre duas dimensões:
programas e atividades de formação, que devem ser interessantes, e ao mesmo tempo,
ter repercussões benéficas para os professores em relação ao reconhecimento
institucional”. Os estudos realizados no Brasil por Silvia Isaia (2003, 2005a, 2006);
Silvia Isaia e Doris Bolzan (2005, 2007a, 2008); Doris Bolzan e Silvia Isaia (2006);
Selma Pimenta e Lea Anastasiou (2002); Maria da Graça Mizukami (2006) e Maria
Isabel da Cunha (2008), ratificam a carência de espaços formativos institucionalmente
organizados e capacitados em atender a especificidade da docência universitária,
promovendo a aprendizagem docente. Espaço formativo, segundo expressa Maria Isabel
da Cunha, ao qual se atribui um sentido, ou seja:

[...]como espaço ao qual atribuímos sentido, ou seja, reconhecemos a sua


legitimidade para localizar ações, expectativas, esperanças e possibilidades.
Quando se diz “esse é o lugar de” extrapola-se a condição de espaço e
atribui-se um sentido cultural, subjetivo e muito próprio ao exercício de tal
localização. (Cunha, 2008, p.7).

A esse respeito, destaco alguns depoimentos que revelam essa


possibilidade/esperança de investimento institucional na promoção de espaços de
formação docente e para a melhoria das condições gerais da profissão docente.

332
Tenho esperança que sim. Como eu trabalho em curso de formação
técnica eu tenho priorizado que os alunos estejam preparados
instrumentalmente para serem excelentes profissionais. Eu tenho me
atualizado regularmente, principalmente na área pedagógica e acredito
que estou hoje em dia num caminho bem melhor no sentido de avaliar.
Esse caminho melhora a minha docência e de modo geral a universitária
em si. Há de haver também melhor investimento institucional na nossa
formação pedagógica, investimento e melhoria na carreira docente
(Ana).

Apesar da crescente desvalorização dos professores, vislumbro


perspectivas boas, com a possibilidade de crescimento pessoal e
profissional, com a melhoria e investimento institucional e a
consagração da autonomia universitária. (Antônio)

Nós professores temos que ter melhores condições de trabalho. E isso


vai desde a remuneração à carga de hora aula, a possibilidade da
pesquisa e da extensão. Há tanto que fazer! (João).

Considerando os depoimentos apresentados, compreendo que a preocupação com


a formação pedagógico-didática e a melhoria das condições da docência, refletem o
compromisso social e a constituição da profissionalidade nos professores universitários.
O compromisso social pressupõe o desenvolvimento de práticas pedagógicas que
corroborem para os processos construtivos de formação dos alunos, da cidadania, da
superação de fracasso e desigualdades (Selma Pimenta, 2002), na adoção por parte dos
docentes de princípios e valores éticos. Portanto, a profissionalidade docente não se
refere exclusivamente ao desempenho do ensinar, mas nomeadamente em manifestar
valores que se pretendem alcançar no exercício da profissão. Isto, de acordo com José
Contreras (2002, p.74), diz respeito às “qualidades da prática profissional dos
professores em função do que requer o trabalho educativo.”

O posicionamento docente no que se refere a possibilidades/esperanças revela os


esforços individuais e coletivos, assim como a adoção de uma postura clara em relação
às especificidades do cotidiano da docência na Universidade. O posicionamento diante
das situações tende a estimular o docente a desenvolver estratégias reflexivas sobre a
sua profissionalidade. Neste cenário, as possibilidades da docência universitária na
contemporaneidade, apontadas nos depoimentos dos professores, podem ser assim
sintetizadas:

333
 Compromisso ético com a sociedade.

 A formação pedagógico-didática como caminho para a melhoria da docência e da


Universidade em si.

 Crescimento e valorização na carreira docente.

 Espaços institucionais organizados e capacitados em atender a especificidade da


docência universitária.

 Desenvolvimento de práticas pedagógicas que corroborem para os processos


construtivos de formação dos alunos.

3.4. Orientação para a docência universitária - a perspectiva dos professores


entrevistados.

Com a intencionalidade de ampliar a compreensão sobre as imagens da docência


no contexto universitário, centrando-me, consecutivamente, em identificar as imagens
da docência incorporadas na configuração identitária dos docentes, considerei
interessante saber se os docentes entrevistados orientariam alguns de seus alunos a
seguir a carreira do magistério no ensino superior e, em caso de uma posição afirmativa,
quais recomendações fariam acerca da profissão.

Na forma respondente a esta questão, os professores podem ser situados em dois


blocos. Os que orientariam, quer direta ou indiretamente, alguns de seus alunos a seguir
a carreira de docência na Universidade (Mateus, Paulo, Thiago, Sara, Maria, Antônio e
Pedro) e os que não o fariam (Ruth, Ana e João). Os que orientariam podem, ainda, ser
situados em torno de três pontos comuns: a experiência e qualificação profissional como
condição primeira da docência; o domínio do conhecimento e a necessária qualificação,
tanto o específico da área de atuação, como científico e cultural; a competência
pedagógica para a docência universitária.

334
No primeiro ponto, os depoimentos dos docentes são reveladores da forte
presença do componente do conhecimento especifico, não havendo preocupações mais
profundas com a necessidade do preparo pedagógico do professor (Masetto, 1998). Essa
visão reducionista do ensino universitário ainda é presente na prática pedagógica de
muitos professores que atuam nas universidades. Esquecem de que para o exercício
profissional da docência, é necessário, além da competência científica no âmbito do que
vai ser ensinado, ter competência pedagógica comprometida com a formação e a
aprendizagem dos estudantes. Em relação a outros profissionais que também atuam
como docentes, Marcos Masetto pondera que só há muito pouco tempo é que os
professores universitários tomaram consciência de que seu papel no ensino superior
como o exercício de qualquer profissão, “exige capacitação própria e específica que não
se restringe a ter um diploma de bacharel, ou mesmo de mestre ou doutor, ou ainda
apenas o exercício de uma profissão. Exige isso tudo, e competência pedagógica, pois
ele é um educador.” (Masetto, 2003 p.13). Sob este aspecto, assim se posicionaram os
docentes:

Entendo que para seu um bom docente, principalmente em uma área técnica
como o marketing, é preciso primeiramente ser um profissional
qualificado e com experiência e infelizmente a academia não proporciona
a experiência necessária. É preciso atuar diretamente com o mercado. O
Marketing é uma ciência que não tem como objetivo a exatidão, mas para
chegar ao sucesso não basta apenas conhecer a ciência, deve-se usar com
sabedoria tudo o que está disponível no mercado. Copiar é muito fácil,
roubar ideias dos outros é simples, mas ser um profissional de Marketing
legítimo é duro e trabalhoso, faz com que os estudos sejam constantes e a
busca por informações é parte do que mais agrada ao trabalhar com o
Marketing, pois não existe sorte sem trabalho.

Em 95% dos casos o Marketing funciona perfeitamente pelos estudos,


conhecimentos, dedicação e sabedoria aplicadas em cada dado coletado.
Por isso, antes de indicar a docência como caminho profissional, digo aos
alunos que primeiro devem ter muita experiência profissional (Antônio).

Além de conhecimento e domínio de conteúdo, é responsabilidade do


professor ser exemplo para os alunos não só nas questões éticas, mas
também profissionais. O professor tem obrigação de ser um profissional
de mercado muito capaz em sua área, para que os alunos também assim
o queiram ser (Maria).

335
O que eu digo sempre para os alunos em sala de aula é que eles têm que se
tornar um profissional, mesmo que ele seja autônomo, seja empregado, e
que devem responder às demandas sociais e aí eu não sei até que ponto isso
está na cabeça deles. Se entrarem para a docência é consequência (Thiago).

O exercício da profissão docente para Miguel Zabalza (2004, p.144) “requer uma
sólida formação, não apenas nos conteúdos científicos próprios da disciplina, como
também nos aspectos correspondentes a sua didática e ao encaminhamento das diversas
variáveis que caracterizam a docência”, ou seja, a docência universitária exige sólida
formação científico-pedagógica como foi explicitado pelo professor Paulo. Uma base
de conhecimento para o ensino, compreendendo conhecimentos, habilidades e
disposições, todos necessários e indispensáveis à atuação profissional.

Para Lee Shulman (1986, 2005), a base de conhecimento compreende um


repertório profissional no qual se inclui um conjunto de categorias de conhecimento que
dizem respeito à compreensão que o professor necessita para promover aprendizagens
dos alunos. As categorias apontadas por Lee Shulman são agrupas em conhecimento do
conteúdo específico conhecimento pedagógico geral e conhecimento pedagógico do
conteúdo. Os depoimentos a seguir revelam a presença dessas categorias na condução
da docência universitária. Explicitam:

Falo sempre a eles da importância de atuar em todos os níveis de ensino e


da importância do docente de matemática ser qualificado e competente.
Sempre os estimulo a prosseguir nos estudos e ir em busca de titulação e
qualificação (Paulo).

Dentre os elementos que envolvem a docência um deles é a compreensão


por parte do docente das suas limitações em termos de conhecimento,
forçando que ele sempre busque se reciclar, se aprofundar no
conhecimento. Diria isso a meus alunos, mas não percebo neles a
inclinação para esse caminho profissional (Mateus).

No terceiro ponto, observo que as “recomendações” sobre o exercício da


docência são representativas do envolvimento e do compromisso com as aprendizagens
de seus alunos. Para esses professores a docência universitária é vivenciada em uma
perspectiva mais colaborativa, sustentada em princípios da interatividade com os alunos,
abarcando os aspectos afetivos, éticos e políticos que transformam o ser humano. Neste

336
sentido, entendem que seus papéis enquanto profissionais vão além de ensinar na sala de
aula. Afirmam os docentes:

Demonstro-lhes que os docentes têm que ter uma interação com os seus
alunos. Têm que ser ousado e propor coisas novas, ser uma pessoa que
propõe possibilidades, além de um indivíduo extremamente criativo, com
elevado conhecimento científico e cultural. (Pedro)

Considero relevante na atuação acadêmica a coerência entre o discurso e a


ação. Por isso orientaria-os a priorizar, em sala de aula, o desenvolvimento
da criticidade, tendo em vista situações reais de nosso cotidiano (Sara).

Contrariamente ao depoimento de Sara, três professores expressaram que o foco


de suas atenções é a formação profissional dos alunos e em não os orientar ou fazer
recomendações quanto a seguirem uma carreira profissional na docência. Este
posicionamento é passível de análise por diversas posições teóricas, entretanto, opto por
apreciá-lo do ponto de vista do preconceito em relação à docência universitária.
Preconceito que pode ter dois enfoques. No primeiro, considero que pode haver, por
parte desses professores, uma rejeição subjetiva em relação à própria docência e, como
segundo enfoque, o preconceito em relação à capacidade dos próprios alunos. Em outras
palavras, os docentes subestimam a qualificação dos alunos para o exercício de uma
profissão, compreendida mais pela relevância da “missão” e “dom”, do que pela
qualificação profissional.

Um trecho do depoimento da professora Ana fornece indicativos dessa posição


como a seguir – “creio que nem todos estão para a docência, assim como para
qualquer profissão. Tem que haver aquela inclinação, pois nem todo bom profissional
será um bom professor” (grifo meu). Há, todavia, indícios na narrativa desses três
depoentes, de que o preconceito acima assinalado esteja relacionado com a ausência ou
crise na identidade como docente. Os depoimentos afirmam:

Tenho como foco a formação do profissional de fisioterapia, de um sujeito


com competência e responsabilidade social. Então, penso que as duas
formações não são excludentes. Entretanto, creio que nem todos estão para
a docência, assim como para qualquer profissão. Tem que haver aquela
inclinação, pois nem todo bom profissional será um bom professor.
Entendo que aos professores, na universidade, cabe conduzir a formação do
profissional, mas no sentido de que eles mesmos, tendo como base essa
formação, possam fazer as suas próprias opções de carreira (Ana).

337
Não orientaria para diretamente ingressarem na docência do ensino
superior, pois apesar de atuar em um curso de formação de professores, a
grande maioria dos alunos nele inseridos não têm qualquer experiência com
a docência. Eu diria até que quase nenhuma intenção em atuar como
professores. Para alguns, foi a maneira de entrarem no ensino superior e
darem uma satisfação imediata em casa, mas pretendem buscar outra
formação profissional. Então, não vejo sentido nessa abordagem (Ruth).

Dificilmente conheço bem os alunos. Não é um assunto tratado em sala.


Percebo que uma grande parcela dos alunos não vai para uma carreira
acadêmica e, quase com certeza, não vai para um mestrado ou doutorado.
Então temos em sala de aula um aluno que provavelmente esteja estudando
formalmente pela última vez (João).

De modo geral, as razões para orientar ou não os alunos a seguirem uma carreira
como docentes universitários, podem ser vinculadas as três dimensões, apontadas por
Miguel Zabalza (2004), que compreendem a identidade docente: a dimensão
profissional que enfoca as necessidades de formação inicial e permanente, as exigências
e os principais dilemas que caracterizam o exercício profissional; a dimensão pessoal
que está relacionada com o tipo de envolvimento e compromisso pessoal característico
da profissão docente, como a trajetória de vida e circunstâncias pessoais que os afetam,
como idade, condição social, etc e as dificuldades de ordem pessoal que costumam
acompanhar o exercício profissional entre elas o burnout, o estresse e a desmotivação e
a dimensão administrativa que envolve os aspectos relacionados com as condições
contratuais, com os sistemas de seleção e promoção, com os incentivos e com as
condições de trabalho como a carga horária, horários, obrigações vinculadas ao
exercício profissional.

Os posicionamentos sobre a orientação de alunos a seguir a carreira do


magistério no ensino superior e as recomendações acerca da profissão, podem ser assim
sistematizados:

 A experiência e qualificação profissional como condição primeira da docência.

 A necessidade do domínio do conhecimento e a necessária qualificação, tanto o


específico da área de atuação, como científico e cultural.

338
 A formação (competência) pedagógica para a docência universitária.

 A docência universitária vivenciada em uma perspectiva de mais colaborativa,


sustentada em princípios da interatividade com os alunos, abarcando os aspectos
afetivos, éticos e políticos que transformam o ser humano.

 Uma rejeição subjetiva em relação à própria docência.

 Subestimam a qualificação dos alunos para o exercício da docência.

 Docência compreendida mais pela relevância da “missão” e “dom”, do que pela


qualificação profissional.

4. Percurso profissional do docente universitário – o processo de inserção e alguns


componentes da formação.

O quarto ponto desse capítulo, aborda a trajetória profissional docente com a


intencionalidade de evidenciar o caminho percorrido pelos professores para a inserção
na docência no ensino superior. Esta unidade temática comporta uma subcategoria
analítica, que trata da preparação para a docência universitária, no entendimento de que
esse item de análise é relevante para a percepção da constituição da profissionalidade
docente. Assim, os professores entrevistados responderam indagações que envolveram
as suas percepções sobre:

 O exercício profissional concomitante ou anterior à docência universitária.


 A trajetória percorrida para a inserção na docência universitária.
 A preparação para a docência universitária.

Inicialmente, parto do pressuposto de que a construção da docência universitária


se ergue entre os desejos subjetivos dos professores e a realidade concreta institucional,
ou seja, entre a profissionalidade que desejamos e as exigências contemporâneas ao
exercício da docência como: a pressão por produtividade quantitativa, os baixo salários,
o aumento da carga horária de trabalho, entre outros (Mauricio Fagundes et al., 2008).
Nesse contexto, há de se compreender que o caminho profissional da docência

339
universitária envolve questões de ordem valorativa, atitudinal, política, sociocultural,
profissional, configurando um processo multifacetado, com amplas dimensões e que
afetam os docentes como um “fenômeno pertubardor”, descrito por Geneviève Dahan-
Seltzer (2008), nos quais os indivíduos vivenciam um sentimento de vertigem, de perda
de sentidos e ficam em busca de marcos de referência, em busca de redes e recursos,
como que em um movimento perpétuo, ou seja, “as trajetórias profissionais não são
mais tão ascensionais e previsíveis quanto costumavam ser” (Dahan-Seltzer, 2008,
p.25), uma vez que, as trajetórias da instituição e dos indivíduos que delas fazem parte,
podem ir a um mesmo sentido por um tempo, no entanto, de repente podem tornassem
antagônicas. Ressalta, ainda, a pesquisadora que cabe “a cada um fazer um esforço de
reflexividade e analisar os contextos nos quais ele evolui para construir sua trajetória
profissional, sob pena de recesso, senão de rejeição, com todas as conseqüências que
isso envolve no percurso de vida”. (Dahan-Seltzer, 2008, p.25).

A trajetória (o percurso profissional docente) é compreendida nesse estudo,


conforme a noção explicitada por José Ortega y Gasset (1970), como o tempo vivido,
duração e, como tal, complementada pela ideia de que os diferentes momentos da vida
são entrelaçados e convivem harmoniosamente. A trajetória, de acordo com Silvia Isaia
(2003, 2005a, 2005b, 2006) e Silvia Isaia e Doris Bolzan (2004), pode ser definida
como as porções de tempo que permeiam a vida do professor, seja na vida pessoal ou
profissional, tornando-se a representação temporal desta e entrelaçando as diversas fases
que a compõe. Assim, a percepção que cada um dos entrevistados têm da trajetória que
os conduziu à docência, é indispensável para interpretar as imagens construídas sobre a
própria profissão e poderá suscitar elementos que auxiliem em descrever e analisar a
configuração identitária profissional do professor universitário e sua imagem
socioprofissional no contexto das transformações ocorridas no ensino superior, objetivo
último que me propus a estudar nessa tese. Desse modo, há de se considerar a
importância da trajetória de inserção à docência universitária, valorizando a dimensão
pessoal inerente ao percurso.

Quando lhes perguntei se exercem ou já exerceram outra profissão além da


docência e que opinião têm sobre o exercício de outra atividade profissional
concomitante ou anterior à docência universitária, três professores afirmaram que

340
exercem atualmente outra atividade profissional concomitante à docência universitária,
sendo que um deles é na docência no ensino médio. Sete professores têm a docência na
universidade como única atividade profissional, entretanto um deles se manifestou
desconfortável com a situação, conforme pode se ver no depoimento a seguir:

Infelizmente não, pois tenho um contrato de trabalho que não me permite


ter outro vínculo empregatício, mas faço alguns trabalhos de consultoria, o
que é muito gratificante (Antônio).

O depoimento do professor Antônio pode ser revelador de um certo desconforto


em relação à docência. Sobre esse aspecto, no processo de construção da identidade, é
muito importante o significado social atribuído pelos professores a si mesmo e à própria
universidade. O significado social atribuído à docência tem implicações nas
experiências do que é ser professor na universidade. Esse significado, por vezes, já é
formando antes mesmo do profissional se tornar docente, oriundo das representações e
estereótipos que a sociedade contemporânea tem formado a respeito da atividade
docente.

A esse respeito, Selma Pimenta e Lea Anastasiou (2002, p. 79), dizem que esse
sentimento gera uma dicotomia entre o ser e o fazer do professor, uma vez que “[...] na
maioria das vezes não se identificam como professores, uma vez que olham o ser
professor e a universidade do ponto de vista do ser aluno”, sendo o desafio construir
uma identidade de professor universitário para o que os saberes da experiência não
bastam. Um outro aspecto é concernente à identificação da profissão de origem em
detrimento à docente, ou seja, há maior valorização dos aspectos ligados à experiência
profissional do que de aspectos ligados à carreira acadêmica.

Entre os dez professores entrevistados, nove afirmaram, em seus depoimentos,


ter exercido uma atividade profissional anterior a docência universitária, sendo que três
deles ainda continuam a exercê-las. Estes apontaram como cada profissão enriquecia a
outra, sendo que um deles ponderou que as influências mútuas resultavam em práticas
melhores nas duas profissões. Afirmam os docentes:

Isso é extremamente necessário na psicologia. Sim, também é relevante em


todas as áreas (Thiago).

341
Acho que a experiência profissional na área de conhecimento da docência
deveria ser critério na seleção dos docentes (Paulo).

Acho importante. É uma troca, a docência não traz clientes para o


escritório, mas como necessariamente tenho que estar atualizado acaba por
beneficiar e as causas que são tratadas nele também acabam por ser
debatida em sala (João).

No sentido da experiência do exercício profissional na profissão de origem e as


consequências para a profissão docente, alguns dos depoimentos foram indicativos de
como a experiência prática é repassada aos alunos e dos aspectos positivos que traz:

A experiência profissional, no meu caso, possibilitou ter um conhecimento


prático do conteúdo que ministro em sala de aula, com capacidade de
através das associações mostrar a importância do conteúdo da minha
disciplina para o profissional que está se formando. Toda a teoria da sala
de aula se transforma em prática com os exemplos que posso dar, com base
na minha experiência prática (Maria).

Acho que a experiência profissional é imprescindível para a realização da


docência. A ligação teoria prática fica mais real e participativa se o docente
tem vivência (Mateus).

Não há dúvidas de que foi muito importante ter tido esta experiência
anterior para o desempenho da minha atividade docente (Antônio).

Acho que o professor deve ter dedicação integral à docência, porém


entendo que a minha experiência foi também muito importante. A vivência
nos dá confiança, a mim foi importante (Ana).

Três entre os professores entrevistados demonstraram que consideram de pouca


importância a experiência profissional para a condução da docência universitária. Assim
se posicionaram:

Em algumas áreas acho que deveria ser condição para o exercício da


docência universitária, para outras acho que é dispensável, todavia, do
ponto de vista da relação teoria-prática acho relevante ter experiência
profissional, pois hoje, mais do que nunca, é preciso recuperar o sentido de
unidade, de totalidade, uma vez que nenhuma forma de conhecimento se
dá de modo aleatório, sem integrações, interações, vinculação com outras
formas de conhecimento. Entendo que a docência deve ter prioridade como
atividade profissional para que ela possa ser desenvolvida com seriedade e
competência (Ruth).

342
Na especificidade da disciplina que ministro, na minha área de pesquisa,
não faz diferença ter ou não experiência. Não trabalho com as
metodologias, mas acho que em algumas disciplinas ter experiência
profissional auxilia na condução da docência (Sara).

Entendo que o mais relevante é o compromisso que devemos ter com o


aprendizado do aluno (Pedro).

Em uma primeira abordagem, posso afirmar, na linha dos autores aqui


referenciados, que os docentes que integram o presente estudo têm consciência de que
as suas profissões anteriores ou exercidas concomitantemente, repercutiram em suas
práticas pedagógicas docentes na universidade. Segundo Selma Pimenta e Lea
Anastasiou, quando exerce a docência na educação superior, o profissional de outra
área, na maioria das vezes, se identifica em seu lugar de trabalho como professor
universitário, “indicando uma clara valorização social do título de professor” (Pimenta
& Anastasiou, 2002, p. 35). Nessa mesma direção, é possível afirmar que na sua
trajetória, ocorra o que foi denominado por Ricardo Vieira como “incidentes críticos”
ou seja, “acontecimentos, interacções com pessoas ou fases da vida que operam
mudanças nas condutas e no pensamento das pessoas e, claro, dos professores, em
construção pessoal, social e profissional.” (Vieira, 1999, p. 21).

4.1. Evidenciando o caminho percorrido para a inserção na docência Universitária.

Procurando compreender as similitudes e dissonâncias do percurso efetuado para


inserção na docência universitária, ouvi cada docente sobre a trajetória percorrida para
se tornar professor na Universidade. Esse caminho, na perspectiva apontada por Paulo
Freire (1992, p. 155), revela que “ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem
aprender a fazer o caminho caminhando, sem aprender a refazer, a retocar o sonho por
causa do qual a gente se pôs a caminhar.” Neste sentido, inicialmente busquei nos
depoimentos “um porquê”, o que os motivou à carreira da docência universitária. As
razões explicitadas pelos docentes foram agrupadas no quadro 22, a seguir:

343
Quadro 22
Razões da inserção na docência universitária

O porquê da docência como atividade profissional


Envolvimento com a pesquisa quando aluno.
Aperfeiçoamento profissional.
Sonho/desejo antigo ser professor na universidade.
Oportunidade do exercício de mais uma profissão.
Busca de qualificação / melhoria da prática docente.
Incentivo externo - professor /família/ amigo/ colega.
Fonte: protocolos de entrevistas – elaboração própria.

A presença de professores universitários na família, por identificação positiva,


foi também ressaltada como um motivo ou estímulo à inserção na carreira acadêmica.
De modo geral, uma rápida análise sobre o porquê da inserção na docência evidencia
que fatores pessoais e profissionais se articulam e se complementam no ingresso (e
permanência) na docência no ensino superior. Sobre esse aspecto, os estudos de Silvia
Isaia (2001) apontam que “o professor e a pessoa do professor não podem estar
dissociados sob pena de fragmentar-se a compreensão que dele se possa ter.” (Isaia,
2001, p. 59). Os depoimentos a seguir são ilustrativos da articulação desses fatores:

Era um desejo antigo que guardo desde a minha infância, mas a


oportunidade de mais uma profissão influenciou meu ingresso na
docência, aí quando decidi que era a hora fui atrás de cursos de pós-
graduação e com o mestrado consegui ingresso na docência. A docência
m e auxilia muito na carreira profissional, a questionar aquilo que eu sei, a
me perguntar outras coisas, até querer buscar outras coisas (Thiago).

Iniciei minha atividade como profissional de marketing. O marketing é feito


de inovações e, portanto, de riscos. Nele devemos recusar duas posições
extremas. Uma é não estudar o mercado e confiar apenas na nossa intuição
ou experiência e a outra é explorar indefinidamente os estudos e praticar um
marketing de gabinete. Essa posição me fez buscar um curso de mestrado.
Após o mestrado, na verdade durante o curso, achei que a docência poderia
ser uma alternativa para continuar aliando essa posição. Assim inscrevi-me
no concurso e aqui estou a mais de quinze anos (Antônio).

344
Nas trajetórias de inserção à docência universitária, narradas pelos professores
entrevistados, é possível verificar que pelo tempo médio de experiência na docência no
ensino superior em torno de 19 anos, sendo o maior tempo de 28 anos e o menor com 10
anos, alguns desses professores entraram na Universidade por serem bons profissionais
em suas áreas e, pela lógica, ensinariam seus alunos a serem bons profissionais como
eles, assim, pouco mais lhes foi exigido do que a formação inicial e cursos de
especialização na área. Aos mais novos, que entraram a partir da década de 90, a
exigência passou a ser o mestrado e doutorado, esse último é exigência mais recente na
presente década. Os depoimentos assim narram:

Em primeira foi o envolvimento com a pesquisa, que na área que atuo é


essencial. Sem a pesquisa não há o que ensinar aos alunos. Entrei na
universidade como docente, logo após a conclusão no meu curso de pós-
graduação. Depois na busca de qualificação através do mestrado, do
doutoramento, pude ascender na carreira docente. Também busco atualizar-
me constantemente, participar de eventos e fazer publicações. Entendo que
o profissional tem que estar preparado. Infelizmente, pelos inúmeros
afazeres, por vezes dificulta desenvolver esse aspecto da docência (Pedro).

Entrar para a universidade era um desejo latente. Meu pai foi professor
dessa universidade. Quando trabalhava na Secretaria tinha um colega que
era professor e me falou da abertura de um concurso. Daí para diante foi
percorrer o caminho que todos fazem. Na época, não era exigida titulação o
que tornou a seleção de certa maneira mais voltada para a docência
propriamente dita. Já dentro da academia fui, oportunamente, fazendo os
cursos de pós-graduação. A academia de certa maneira te cobra isso. Enfim
tornei-me professor sendo professor (João).

Como falei anteriormente, trabalhei muitos anos no consultório, em uma


clínica cooperada que recebia alunos estagiários. O contato com seus
supervisores me levou à universidade e depois fui contaminado pela
docência. Me vejo mais docente do que odontólogo (Mateus).

Considero significativo indicar que a inserção de parte dos professores à carreira


docente ocorreu de forma circunstancial, não representando uma escolha efetiva, tal
como foi evidenciado no estudo de Silvia Isaia e Doris Bolzan (2008). Há de se
compreender que alguns podem ter ingressado sem saber o significado de ser professor
em uma instituição universitária. De acordo com Selma Pimenta e Lea Anastasiou a sua
“passagem para a docência ocorre ‘naturalmente’; dormem profissionais e
pesquisadores e acordam professores!” (2002, p. 104). Os docentes disseram:

345
Na época que fazia o curso de mestrado, fui incentivada por um professor
que achava que eu tinha jeito para ministrar aulas. Também fui monitora na
época da graduação e gostei muito da experiência (Ana).

Iniciei a carreira docente num período de substituição de um professor na


universidade, que coincidiu justamente com a conclusão da minha
especialização. Na ocasião, já tencionava dar continuidade na minha
qualificação, com o mestrado. No período como professora substituta, dois
anos, fiz a seleção para o mestrado e logo após o concurso para professor
auxiliar (Maria).

Eu considero que me fiz docente universitário sendo docente do


fundamental. Como te falei, sou professor do ensino médio e já trabalhei
com o fundamental, também já dei aulas em cursinho, mas essa não foi uma
boa experiência. A entrada na docência no ensino superior foi por
intermédio de um colega. Fiz a seleção (Paulo).

Alguns depoimentos foram também reveladores de que a inserção na docência


no ensino superior foi uma escolha pessoal, demarcada por um envolvimento de afetivo
com a docência anterior a opção profissional (Isaia & Bolzan, 2008) como pode ser
evidenciado nas narrativas de Sara e Ruth a seguir:

Sempre almejei ser professor na universidade e me preparei para isso, na


verdade nunca saí da universidade. Fiz a licenciatura no curso de Letras,
logo em seguida uma especialização, posteriormente o mestrado e foi nessa
época que fiz o concurso, um pouco depois de ter concluído (Sara).

O percurso percorrido por mim foi trilhado por minha consciência de ser
um profissional de educação e nunca ter me desviado da prática
pedagógica, ao contrário, exigiu que eu assumisse cada vez mais um
compromisso social. Assim, entendo que o ingresso na universidade foi
consequência desse compromisso que me fez sempre ir a busca de
qualificação e melhoria da minha prática. Ingressei por concurso público
(Ruth).

Em síntese e na continuidade das evidências apontadas pelos depoimentos dos


docentes, concluo que a particularidade mais marcante frente à inserção à docência na
Universidade é a falta de preparação prévia específica para atuar no ensino superior,
visto que, para a maioria docente essa inserção foi de certa forma “circunstancial.”;
assim como é possível também afirmar que o período de inserção na docência é
diferenciado, caracterizando-se, tal qual afirmam Silvia Isaia e Doris Bolzan (2008, p.
2), “como o caminho de ‘converter-se’ em professor. Não é um salto no vazio entre a

346
formação inicial e a contínua – tem um caráter distinto e determinante para um
desenvolvimento profissional coerente e evolutivo.” As evidências sobre o caminho da
inserção à docência universitária podem ser assim sintetizadas:

 Razões da docência como atividade profissional.

 Envolvimento com a pesquisa quando aluno.

 Aperfeiçoamento profissional.

 Sonho/desejo antigo ser professor na universidade.

 Oportunidade do exercício de mais uma profissão.

 Busca de qualificação / melhoria da prática docente.

 Incentivo externo - professor /família/ amigo/ colega.

 Fatores pessoais e profissionais se articulam e se complementam no ingresso (e


permanência) na docência no ensino superior.
 A inserção de parte dos professores à carreira docente universitária ocorreu de
forma circunstancial.
 Poucos são os docentes que a inserção na docência no ensino superior foi uma
escolha pessoal, demarcada por uma inclinação afetiva.
 Falta de preparação prévia específica para atuar no ensino superior.

4.2. Movimento construtivo à docência universitária – caminhos de formação.

A imagem da docência universitária, orientada pelo olhar docente sobre si


mesmo, buscando percebê-la no reflexo do desenvolvimento pessoal e profissional
docente e no sentido da materialidade do fazer pedagógico é um dos foco da atenção do
estudo que desenvolvo. Assim, a docência universitária, na sua especificidade e
complexidade é materializada na figura do professor, protagonista nessa empreitada. E
com esse propósito, no diálogo estabelecido com os entrevistados, perguntei-lhes: De
que maneira se prepara para a docência universitária? Como aprendeu a ser professor?

347
O exame das respostas obtidas com essas perguntas me forneceu suporte a
estruturação de uma subcategoria analítica que trata da preparação para a docência
universitária. A finalidade foi perceber o caminho formativo que os professores
entrevistados percorreram na docência universitária, no sentido de encontrar as relações
estabelecidas na construção identitária docente, uma vez que, conforme Selma Pimenta
(2002), a identidade pode ser compreendida como espaço de construção da profissão e,
como complementa António Nóvoa (1992, p.16):

A identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um


produto. A identidade é um lugar de lutas e conflitos, é um espaço de
construção de maneiras de ser e estar na profissão. Por isso, é mais
adequado falar em processo identitário, realçando a mescla dinâmica que
caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor.

Os estudos de Selma Pimenta e Lea Anastasiou (2002), apontam que a


preparação e iniciação ao processo identitário dos profissionais das diferentes áreas,
inicia-se já nos primeiros anos passados na Universidade, no percurso de formação
inicial como alunos. Destacam as autoras, que se o professor universitário é oriundo da
área da educação ou de uma licenciatura, traz consigo referenciais identitários
pertinentes à docência, mesmo que direcionados a outro grau de ensino. Entretanto,
como ocorre na maioria das situações, dada a pluralidade de áreas de formação nas
universidades, se o docente for de outro quadro profissional, trará consigo uma
performance desarticulada das funções e objetivos da Educação Superior. Essa
constatação pode ser traduzida no seguinte depoimento:

Enfim tornei-me professor sendo professor. De início acho que o mais


importante é ter domínio do conteúdo, o conhecimento é o que te dará
confiança para o exercício da docência. Uma boa oratória também é
relevante, prende a atenção dos alunos. Uso a aula expositiva e discursiva,
pois trabalho com a legislação e não há muito que inventar (João).

Na trajetória de constituir-se em professor no ensino superior encontrei, nos


depoimentos dos docentes, relatos de experiências prévias que os direcionaram na
carreira docente universitária. O percurso envolve experiências da docência em outro
grau de ensino, de monitorias, curso de pós-graduação latu sensu e strito sensu e
atuação como professor substituto. Constituíram-se assim, como uma espécie de

348
formação inicial nas relações estabelecidas com a dinâmica educativa. Como nos diz
Terezinha Rios (2001, p. 32) “somos (...) o que fazemos para transformar o que somos.
A identidade não é uma peça de museu, quietinha na vitrine, mas a sempre assombrosa
síntese das contradições nossas de cada dia”. Foi Dito:

É ate engraçado, mas foi mesmo assim. Claro que teve o período de estágio
e se me recordo bem, foi uma boa experiência, mas não é a mesma coisa.
Também fui monitora tanto na graduação como no mestrado e isso também
foi importante (Sara).

O curso de pós-graduação em docência no ensino superior foi muito


importante. Tu aprendes muita coisa, mas também observa a prática dos
teus professores. Acho que esse foi meu caminho inicial, o resto veio com a
prática, mas sempre me pergunto se estou fazendo a coisa certa, me
questiono o tempo todo (Thiago).

O processo de organização pedagógica e sua relação com as ações do professor


constituem o que Silvia Isaia e Doris Bolzan (2008, p.7) denominam de “conhecimento
pedagógico compartilhado.” Segundo as autoras, esse “é um conceito de base centrado
em uma rede de relações interpessoais e que compreende o domínio do saber fazer
(estratégias pedagógicas) e do saber teórico e conceitual e suas relações.” Implica,
portanto, em troca cognitivas e socioculturais ao longo da trajetória formativa dos
docentes universitários. Não é possível, afirmam as autoras, pensar no processo de
aprender a ser professor sem a efetivação de uma rede de interação que se caracteriza
pela atividade compartilhada. Nesse sentido, encontrei nas narrativas dos docentes
entrevistados, destaque para a importância do estabelecimento dessas relações e de
como se sentiram mais bem preparados para o exercício da docência na Universidade.
Tais destaques se evidenciam nas narrativas colhidas.

(...) De toda maneira acho que iniciei a docência tendo como referência a
prática de dois professores, um da graduação e outro do mestrado. Eles
foram excelentes professores, organizados, didáticos, amigos e
profissionais no que faziam. Já na academia foram sempre eles que me
auxiliaram no início, me apoiaram e me trouxeram para o circuito da
docência na pós-graduação. Foram eles meus espelhos, minha referência
(Sara).

349
(...) procuro e faço os cursos que a própria universidade oferece, participo
em eventos e sempre estou atento na prática que observo, pois aprendemos
mesmo com a prática dos outros, com as boas práticas (Antônio).

(...) também busquei me preparar por meio de leituras e conversas com os


colegas que sempre são de grande auxílio (Maria).

Selma Pimenta e Léa Anastasiou (2002), assinalam em seus estudos que os


professores iniciantes na docência universitária, espelham-se nos professores que foram
significativos em suas vidas, que contribuíram para a sua formação pessoal e
profissional. A esse respeito Antolí Benedito el al (1995, p.131) apontam que “[...] o
professor universitário aprende a sê-lo mediante um processo de socialização em parte
intuitiva, autodidata ou [...] seguindo a rotina dos ‘outros’”. Para os autores não se pode
descartar a capacidade autodidata do professorado, entretanto ela não é suficiente. Em
alguns depoimentos é possível observar essa realidade:

Quando há empenho e vontade não há grandes dificuldades, quando se tem


domínio de conteúdo. Passamos boa parte da vida na escola, na
universidade, é impossível que não aprendamos a distinguir os professores
competentes, os bons, assim como a má prática. De tudo isso se tira uma
maneira própria de ensinar, uma metodologia sua. O importante é fazer com
que os alunos tenham interesse e aprendam (Pedro).

No início não foi tão fácil, mas tive apoio de um colega e isso foi muito
importante. As coisas foram acontecendo e eu me tornei o professor que
hoje sou. Todos temos referências dos professores que passaram em nossas
vidas e que marcaram positivamente, mas há os que foram experiências
negativas, e também tento não cometer os mesmos erros. Acho mesmo que
é isso, temos na memória os bons e maus professores e esse é um recurso
do espelho ou algo parecido com isso (Mateus).

(...) De toda maneira acho que iniciei a docência tendo como referência a
prática de dois professores, um da graduação e outro do mestrado. Eles
foram excelentes professores, organizados, didáticos, amigos e
profissionais no que faziam (Sara).

É interessante observar, que alguns dos docentes entrevistados passaram a


exercer a profissão acadêmica em decorrências do envolvimento com a pesquisa, como
alunos dos cursos de especialização ou mestrado. Assim, se esses cursos tendem para
uma área específica do desenvolvimento profissional, como comumente o é, a formação

350
direcionada à docência no ensino superior ficará incompleta. Faltará, por exemplo, a
competência pedagógica que, do ponto de vista de Maria Lucia Vasconcelos (1998, p.
86), “há pouca preocupação com o tema da formação pedagógica de mestres e doutores
oriundos dos diversos cursos de pós-graduação do país. A graduação tem sido
‘alimentada’ por docentes titulados, porém, sem a menor competência pedagógica.” De
acordo com Rui Canário (2001), a qualificação conduz à obtenção de títulos
acadêmicos, diplomas, graus, certificados, que constituem uma prévia garantia de
aquisição dos saberes requeridos por situações de trabalho específicas, enquanto que a
competência refere-se a “um não-sei-quê através do qual a qualificação se torna
eficiente e se atualiza numa situação de trabalho.” (Canário, 2001,p,37). Nesse sentido,
é possível afirmar que a qualificação se realiza num processo cumulativo, enquanto as
competências só podem ser construídas em contexto, a partir da experiência de trabalho.
Os depoimentos de Pedro e Antônio assim falam:

Em primeiro foi o envolvimento com a pesquisa, que na área em que atuo é


essencial. Sem a pesquisa não há o que ensinar aos alunos. Entrei na
universidade como docente, logo após a conclusão no meu curso de pós-
graduação. Depois a busca de qualificação, através do mestrado, do
doutoramento, pude ascender na carreira docente (...) (Pedro).

Após o mestrado, na verdade durante o curso, achei que a docência poderia


ser uma alternativa para continuar aliando essa posição. Assim inscrevi-me
no concurso e aqui estou a mais de quinze anos (Antônio).

Sempre almejei ser professor na universidade (...), na verdade nunca saí da


universidade. Fiz a licenciatura no curso de Letras, logo em seguida uma
especialização, posteriormente o mestrado e foi nessa época que fiz o
concurso, um pouco depois de o ter concluído. (Sara).

A ideia do docente como aprendiz e a consciência da necessidade de preparação


pedagógica para o exercício da docência na Universidade, também foram evidenciadas
em algumas entrevistas. De acordo com Donald Schön (2000), o exercício constante da
reflexão sobre a atuação profissional proporciona ao docente um olhar mais crítico,
mais consciente de seu papel como interlocutor nas questões profissionais, sociais e
políticas, como registrado nos depoimentos a seguir:

351
Essa foi sempre uma preocupação quando me decidi a ser professor
universitário. Como te falei antes, não foi ao acaso, pois eu quis ser
docente, então busquei me preparar por meios de cursos. Também estou
sempre atento às inovações, procuro e faço os cursos que a própria
universidade oferece, participo em eventos e sempre estou atento na prática
que observo, pois aprendemos mesmo com a prática dos outros, com as
boas práticas. Gosto de inovar nas aulas, de propor coisas novas e o preparo
é essencial para que eu possa dominar o que faço (Antônio).

A minha vida toda é de preparação para a docência. Não vejo grande


diferença de ser docente na universidade ou em uma escola. As dificuldades
são quase da mesma ordem, o empenho deve ser o mesmo, pois afinal o que
se quer é contribuir na formação dos alunos (Ruth).
Sempre busquei me aperfeiçoar, participar em eventos e ações de formação
promovidas pela universidade. Claro que por vezes a falta de tempo por
excesso de atividade me impedem de participar de coisas que seriam bem
proveitosas para a minha prática docente, mas no geral preocupo-me se
estou ensinado bem, se meus alunos estão aprendendo e como posso
melhorar (Ana).
Também busco atualizar-me constantemente, participar de eventos e com
publicações. Entendo que o profissional tem que estar preparado.
Infelizmente, pelos inúmeros afazeres por vezes dificulta desenvolver esse
aspecto da docência (Pedro).
O curso de pós-graduação em docência no ensino superior foi muito
importante. Tu aprendes muita coisa, mas também observa a prática dos
teus professores. Acho que esse foi meu caminho inicial, o resto veio com a
prática, mas sempre me pergunto se estou fazendo a coisa certa, me
questiono o tempo todo (Thiago).

De modo geral, a análise dos depoimentos dos docentes, concernente à


subcategoria analítica que trata da preparação para a docência universitária, me leva a
considerar que se vive contemporaneamente um momento de renovação da docência
universitária. Essa renovação da docência é sustentada conforme Miguel Zabalza
(2004), pela mudança de eixo do ensino para a aprendizagem, pelo incremento da
aprendizagem autônoma do estudante e pelo desenvolvimento de competências de
formação global. A docência universitária tem assumido um novo sentido e requer
atenção especial. Nesse sentido, para Juana Noguera:

Tanto a formação pedagógica inicial como o desenvolvimento profissional


do professorado universitário requer uma política global da universidade
que dignifique e valorize as funções docentes como fundamentais para se
alcançar a ‘excelência’. Só quando se gera um clima no qual a alta

352
qualificação na docência seja um indicador mais valorizado que os
resultados de uma pesquisa ou o custo, às vezes desproporcional, de
aparatos de infra-estrutura, será possível estimular a auto-reflexão sobre o
fazer docente e a implicação dos professores da educação superior em
8
programas de formação pedagógica (cidato por Feixas, 2004, p.41):

Por esta razão, a própria Universidade encontra-se em transformação em um


contexto denominado por Ronald Barnett (2002) de era de supercomplexidade. O autor
britânico defende a ideia de que a universidade precisa construir as capacidades para
responder e prosperar em meio às incertezas radicais. E nesse sentido, a formação do
docente universitário deve superar o conceito de capacitação em curtos períodos de
tempo, organizada e ofertada em cursos de curta duração ou palestras que, de um modo
geral, tem o foco na aquisição de informações. Em uma era de supercomplexidade,
segundo o autor, não pode se ter fronteiras fixas na universidade. “A vida universitária
tem que se fazer nômade, de modo que as identidades e os propósitos se experimentem
em campos fronteiriços.” (Barnett, 2002, p.145). Assim, no quadro desse contexto de
complexidade, as estratégias formativas do professor universitário configuram-se como
um desafio e devem, segundo Silvia Isaia (2006), ser sistematicamente organizadas,
envolvendo esforços pessoais e institucionais concretamente desenvolvidos.

Os aspectos que tratam das ideias dos docentes acerca da preparação para a
docência universitária podem ser assim sintetizados:

 As experiências prévias direcionaram os professores na carreira docente


universitária. Esse movimento envolve experiências da docência em outro grau de
ensino, de monitorias, curso de pós-graduação latu sensu e strito sensu e atuação
como professor substituto.

8
"Tanto la formación inicial pedagógica como el desarrollo profesional del profesor universitario
requieren una política global de la universidad que dignifique y valore lãs funciones docentes como
fundamentales para la consecución de la 'excelencia'. Sólo si se genera un clima en el cual la alta
calificación en la docencia sea un indicador más querido que los resultados concretos de una
investigación o el coste, a veces desproporcionado, de unos aparatos o infraestructuras, podrá estimularse
una autorreflexión sobre la tarea docente y la implicación de los profesores de la educación superior en
los programas de formación pedagógica." (Noguera, 2001, p.276).

353
 Os professores sentem-se mais bem preparados para o exercício da docência na
universidade a partir do estabelecimento de uma rede de interação que se caracteriza
pela atividade compartilhada.

 Os docentes iniciantes espelham-se nos professores que foram significativos em


suas vidas, que contribuíram para a sua formação pessoal e profissional.

 Há consciência da necessidade de preparação pedagógica para o exercício da


docência na Universidade.

5. Percepções e sentidos – o reflexo da imagem do professor universitário.

Inicialmente, retomo aqui o trecho do poema de Mário Quintana (1987), com o


qual inicio este capítulo – “Esse estranho que mora no espelho, olha-me de um jeito de
quem procura recordar quem sou...” – A metáfora do espelho é ilustrativa da
possibilidade docente de se observar como os outros o veem. Esta função ótica
“permite, ao mesmo tempo, um distanciamento - é assim que o outro me vê - e uma
aproximação consigo mesmo - então, sou assim. (...) Esta experiência do nosso
reconhecimento já pressupõe um olhar crítico, de como nossa imagem é percebida por
nós e pelos outros” (Roncalio, 2003, p.1). É como se o professor e a sua imagem fosse
uma coisa só, que se divide quando se vê refletida. A percepção que o professor tem de
si mesmo e as imagens que os outros têm sobre ele se encontram em movimento
contínuo de interação. Por vezes, imagem e realidade se confundem – a imagem parece
ser mais real do que próprio real (Deleuze, 2000).

Nesta percepção, o quinto e último ponto deste capítulo trata da análise


categorial III denominada imagem da docência e está dividida em duas subcategorias
analíticas: (3.1) como os professores percebem a si mesmo como docentes do ensino
superior – Imagem de si e (3.2) como compreendem como os alunos universitários, em
particular e a sociedade de modo geral, percebem a imagem do professor universitário –
Imagem do outro. Com essa perspectiva, a minha intenção é a captura dos sentidos da
docência universitária na percepção e nas imagens manifestadas pelos docentes
entrevistados, dando visibilidade e significado à análise que desenvolvo nesse processo

354
de investigação que trata, em última instância, em compreender imagens
contemporâneas da docência universitária. Neste sentido, o guião da entrevista
contemplou os seguintes aspectos:

 Imagem de si - Como o senhor se vê enquanto professor universitário?


 Imagem docente na sociedade - Na sua percepção qual a imagem que a sociedade
tem da docência universitária?
 Imagem docente nos alunos - Na sua percepção qual a imagem que os alunos têm
dos professores universitários?

Embora tenha consciência de que estou a pisar em um terreno da subjetividade,


já que “cada indivíduo é uma parte componente de numerosos grupos, acha-se ligado
por vínculos de identificação em muitos sentidos e construiu seu ideal do ego segundo
os modelos mais variados” (Freud, 1987, p.163), parto do entendimento de que posso
compreender, a partir das alocuções dos professores entrevistados, algumas imagens
docentes na relação estabelecida entre os aspectos pessoal e profissional. Na percepção
de que “compreender supõe, antes de tudo, perguntar-se algo e abrir com isso um
espaço de novas significações e sentidos” (Puig, 1998). Sendo assim, é pertinente
esclarecer alguns conceitos que permearam a análise desse eixo categorial, e que por
certo são complementares ao que me propus desenvolver.

Adoto inicialmente a ideia na qual o processo de constituição do ser professor


ocorre no movimento entre a “imagem do eu”, que é constituída na relação com a
realidade em que se está inserido (Habermas, 1987 e 1990), e “imagem social” (Dubar,
1997). Deste modo, as dimensões que a docência universitária assumem devem ser
compreendidas como um processo de constantes transformações, por isso temporal, uma
vez que a “reflexividade da vida social moderna consiste no fato de que as práticas
sociais são constantemente examinadas e reformuladas à luz de informação renovada
sobre essas próprias práticas, alterando assim seu caráter.” (Giddens, 1991, p.45). Em
outras palavras, a prática docente compreendida como construção social, assume o
caráter de reflexividade ou reconstrução com base em conhecimentos sempre renovados
e constantes sobre a prática (conhecimento reflexivamente aplicado). De acordo com
Selma Pimenta, uma identidade profissional docente se constrói:

355
(...) pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor, confere à
atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores, de seu modo de
situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas representações, de seus
saberes, de suas angústias e anseios, do sentido que tem em sua vida o ser
professor (Pimenta, 2002, p. 19).

Para Claude Dubar (1997, p. 105) “a identidade não é mais do que o resultado
simultaneamente estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo,
biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que, em conjunto,
constroem os indivíduos e definem as instituições”, entretanto, alerta o autor que a
identidade profissional docente não pode ser confundida com a identidade social,
mesmo que em ambas aja uma estreita relação. Assim, as identidades profissionais dos
professores universitários são consideradas por mim, neste estudo, como continuamente
construídas e (re) construídas e, recorrendo novamente a Claude Dubar (1997), devemos
percebê-las em articulação entre duas lógicas: uma subjetiva, interna ao indivíduo e
outra objetiva ou relacional, externa entre o indivíduo e as instituições. Conforme
complementa Jean-Claude Kaufmann (2004), ainda que uma grande carga de
subjetividade direcione a construção identitária, o sujeito não comanda tudo, ele é
secretamente conduzido pela memória social que interiorizou.

Nesta perspectiva, a contínua construção da identidade profissional dos


professores universitários é efetivada no contexto do exercício profissional no cotidiano
das instituições universitárias e no interior das relações estabelecidas com seus pares. A
transação objetiva entre os indivíduos e as instituições são antes de tudo aquela que se
organiza à volta do reconhecimento e do não-reconhecimento das competências, dos
saberes e das imagens de si que constituem os núcleos duros das identidades
reivindicadas (Dubar, 1997). A Imagem de si está intimamente ligada à construção da
identidade, sendo esta simbolizada e representada em uma esfera social – “A imagem de
si mesmo é a matéria-prima da construção identitária” (kaufmann, 2004, p. 63), o que
significa que a identidade e a imagem de si não são a mesma coisa, mas é necessário
compreender sua inter-relação. A imagem que o indivíduo faz de si mesmo está
relacionada à interpretação que dá às suas experiências cognitivas e sociais e à
interpretação que dá às informações recebidas de outras pessoas durante suas
experiências sociais. Nesta lógica, a imagem docente representa a maneira como os

356
professores se percebem, e ainda como acreditam que os outros o veem, sendo
influenciada e moldada pelo contexto social.

Neste sentido, a imagem profissional docente pode ser compreendida como um


conjunto de significados pelos quais as pessoas se lembram ou relacionam com esta. E,
sendo assim, a profissão docente não tem uma imagem, mas várias, em função de
crenças, valores, sentimentos em que emergem as diferentes associações mentais e do
contexto informativo de cada pessoa. A imagem ideal da docência universitária pode ser
consolidada na expressão – Bons professores. A Imagem de bons professores está
relacionada com aspectos concernentes a uma formação de alta qualidade, a capacidade
de comunicação, a capacitação técnica, entre outros atributos variáveis. Por isso, para
compreender a imagem da docência universitária é preciso tê-la contextualizada, ou
seja, considerar o contexto socioeconômico, cultural, político, etc. em que estão situados
os professores. Com tal intenção abordei no capítulo II alguns itens que discutem a
profissão acadêmica na contemporaneidade.

Assim, tendo explicitado os dois conceitos – identidade e imagem – que


percorreram a análise deste eixo categorial, mas considerando que outros podem ser
utilizados, tendo como premissa não se tratar de um caminho fechado, mas aberto às
significações múltiplas, passo à análise da subcategoria 3.1. denominada Imagem de Si,
na qual busco desvelar as imagens docentes que os professores universitários têm de si
mesmos.

5.1. A imagem da docência universitária na perspectiva se si – a auto-imagem


docente.

A cuidadosa e redobrada leitura da grelha subcategorial, possibilitou-me


desenhar duas imagens dos docentes: (i) a imagem docente carregada de sentimentos
positivos em relação a si mesmo como profissional docente e (ii) a imagem docente em
busca de afirmação profissional. No primeiro desenho, a imagem docente universitária
está carregada de sentimentos positivos em relação à profissão e a imagem de si. Os
professores sentem-se envolvidos e responsáveis pela formação dos alunos,
demonstrando consciência da dimensão ética da docência. Evidenciam ter ciência da

357
complexidade do exercício profissional docente, mas o compromisso profissional e o
reconhecimento são aspectos que conduzem os profesores ao sentimento positivo e a
boa imagem que têm de si mesmo. A auto-imagem, de acordo com Juan Mosquera et al
(2006) é mais o (re)conhecimento que fazemos de nós mesmos, como sentimos nossas
potencialidades, sentimentos, atitudes e ideias. Nesse sentido, a auto-imagem positiva
evidenciada pelos docentes entrevistados, mobiliza-os no agir profissional, dando
suporte para enfrentar as vivências cotidianas na universidade. Assim se posicionaram
os docentes:

Eu considero a docência universitária uma profissão, uma qualidade, de


extrema importância e de extrema responsabilidade. Sinto que contribuo e
que pertenço a um grupo seleto (Pedro).
Nesse contexto acho que, apesar das dificuldades sou uma profissional bem
sucedida. Tenho compromisso e dedicação com o que faço e busco
contribuir na formação dos meus alunos. Tenho um papel social a cumprir
que envolvem questões éticas e compromisso com a ciência, além do
empenho em contribuir na formação do ser humano, do cidadão (Ruth).
A docência é uma profissão que me satisfaz plenamente. Sem dúvida é um
trabalho cansativo que toma todo meu tempo, pois além de preparar as
aulas, estou envolvido em pesquisa e em produzir textos e artigos, mas não
o faço como obrigação, não entro no circuito de produtividade de alguns
colegas. Sinto-me cotidianamente desafiada e estimulada a mediar a
construção do conhecimento com meus alunos, perceber suas reais
necessidades (Maria).

Como um bom profissional e com muita responsabilidade. Gosto de ser


professor e sou dedicado Na minha aula eu priorizo o conhecimento (João).

Como um profissional que gosta do que faz sinto-me totalmente envolvida


pela docência, com a responsabilidade de formar profissionais que façam a
diferença no mercado de trabalho. Ainda ouço algumas pessoas e até
familiares falarem que tenho uma “boa vida” por ser professor na
universidade, querendo dizer que é uma profissão “fácil”. Isso porque
tenho, de certa forma, maior facilidade em gerir meu tempo. Acham que é
só chegar na sala de aula e ministrar as aulas. Eles não têm conhecimento
das horas que me dedico a prepará-las, nos estudos e pesquisa que
desenvolvo, nas infindáveis reuniões de congregação de curso, nas
exigências de publicações e nas pressões internas. Enfim em tudo que
envolve a academia (Ana).

Como um profissional, com qualificação. Procuro a mediação do


conhecimento que só pode ser feita mediante o uso do discurso (Sara).

358
No segundo desenho, a imagem docente evidencia um certo desconforto, pois os
professores universitários acham que são mal interpretados profissionalmente pela
sociedade. A ideia da deterioração da imagem e de seu status social está presente na fala
dos professores e afeta a sua auto-imagem. De algum modo, esses professores não
definem claramente sua posição perante si mesmo e carregam um processo contínuo de
desintegração identitária. Em outras palavras, o que desenvolvem no seu contexto
profissional às vezes não os corresponde como fonte de satisfação, principalmente em
uma conjuntura na qual, historicamente, a falta de credibilidade é atribuída a esses
profissionais. Nesse sentido, Selma Pimenta e Maria Lima (2004), assinalam que o
fortalecimento da identidade e o desenvolvimento de sentimentos positivos em relação à
profissão estão ligados às condições de trabalho e ao reconhecimento e valorização
conferida pela sociedade à categoria profissional. Foi dito:

Ainda ouço algumas pessoas e até familiares falarem que tenho uma “boa
vida” por ser professor na universidade, querendo dizer que é uma profissão
“fácil”. Isso porque tenho, de certa forma, maior facilidade em gerir meu
tempo. Acham que é só chegar na sala de aula e ministrar as aulas. Eles não
têm conhecimento das horas que me dedico a prepará-las, nos estudos e
pesquisa que desenvolvo, nas infindáveis reuniões de congregação de curso,
nas exigências de publicações e nas pressões internas. Enfim em tudo que
envolve a academia (Ana).
O momento que estou vivendo hoje é para me perguntar sobre como
ensinar, o que fazer, como e quem eu estou formando, como estou
administrando isso. Eu estou muito na batida de quem está fazendo
pesquisa, que está se perguntando sobre essas questões e isso talvez esteja
refletindo, mesmo que não diretamente, no conteúdo que estou trabalhando.
Talvez eu esteja nesse impasse e isso aparece na sala de aula, de questionar
o que eu estou desenvolvendo (Thiago).
Eu tinha vontade de expandir essa minha docência, ter outras experiências,
até em outras universidades, mas eu sinto que está tão difícil, até pela
minha formação. As licenciaturas estão passando por uma crise muito
grande e eu nem sei se é crise, porque crise vem e passa, não sei se não é
caos. Não sei se esta crise vai passar e nós vamos voltar a ter esperanças
numa licenciatura. Mas eu vejo que o sistema não nos ajuda, enquanto
professor de uma licenciatura. Já fomos mais valorizados enquanto
formadores de professores. Isso dá uma tristeza porque tu vês que o pessoal
quer, mas não tem tesão para vir. É um balde de água fria em cima do
outro. A mídia não nos ajuda em nada e ainda nos atrapalha. Quando faz
uma reportagem é para meter pau e estragar tudo. Nunca tem nada bom. As
universidades têm professores ótimos e isso não aparece. Aparece o que é
negativo e isto é uma defasagem na nossa imagem (Paulo).

359
O grande desafio para mim é conseguir fazer para esse aluno o que meus
professores não fizeram comigo, na minha formação. Penso que meu
compromisso ultrapassa a mera formação prática para um exercício
profissional, pois busco formar o profissional que enxergue o ser humano por trás
de uma boca. Assim que me vejo, como um professor que se constrói a cada dia e
que se dedica com o que faz (Mateus).

De fato, a imagem pública do professor universitário pode ser compreendida


como um espaço social de referência, no qual ele se situa e se reconhece. Entretanto,
essa imagem política e socialmente construída, portanto histórica, tem se alterado nos
últimos tempos. Da figura respeitável, detentora do saber inquestionável, com domínio
de cultura e, de maneira geral proveniente das camadas médias e altas da sociedade,
para a figura do trabalhador assalariado, com baixo reconhecimento social.

De modo específico, pode-se verificar esta realidade na situação dos baixos


salários, na sobrevalorização da pesquisa em detrimento do ensino, na identificação da
profissão de formação em detrimento à docência e na baixa auto-estima manifestada por
uma parcela dos docentes. No entanto, não se pode cair no erro em desconsiderar que
dessa representação faz parte a própria personalidade do professor, sua história de vida e
relações familiares e sociais que, no conjunto, corroboram na capacidade subjetiva de
encontrar significado na ação docente que desenvolvem e que influenciam construção
da imagem que tem de si mesmo e, nesse sentido, há de se considerar prioritário o
entendimento do professor, indissociavelmente da sua pessoa (Abraham, 1987).

Um caminho de equilíbrio entre essas questões estende-se pelo cuidado de si 9


(Foucault, 2004), tendo em vista de que são necessárias algumas atitudes mais críticas
em relação à docência, assim como a atualização das suas competências profissionais, o
alargamento de relações positivas com o outro, o engajamento em projetos inovadores e
a busca do sentido do seu fazer docente. De uma forma ampla, o contínuo questionar
propicia ao professor universitário avançar no sentido do aprofundamento da

9
O cuidar de si não é o estar interessado em si mesmo ou ter fascínio por si, mas é uma estratégia que
requer uma atitude de trabalhar ou de estar preocupado consigo, atitude esta que implica saber, técnica e
atenção sobre si enquanto prática constante.

360
compreensão de sua prática e, nesse sentido, a capacidade crítica é um catalisador
poderoso para tornar a imagem que tem de si mesmo, cada vez melhor. Como evidencia
Miguel Arroyo (2000), é entre construções e desconstruções que o docente vai
organizando a sua auto-imagem através das suas vivências.

No conjunto dos depoimentos, a imagem dos professores sobre si mesmo como


docentes do ensino superior pode ser assim sintetizada:

 A imagem docente universitária está carregada de sentimentos positivos em relação


à profissão e a imagem de si.
 A auto-imagem positiva evidenciada pelos docentes entrevistados os mobiliza no
agir profissional, dando suporte para enfrentar as vivências cotidianas na
universidade.
 O compromisso profissional e o reconhecimento são aspectos que os conduzem ao
sentimento positivo e a boa imagem que têm de si mesmo.
 A imagem docente evidencia um certo desconforto, pois os professores
universitários acham que são mal interpretados profissionalmente pela sociedade.
 A ideia da deterioração da imagem e de seu status social está presente na fala dos
professores e afeta a sua auto-imagem.

5.2. A Imagem do outro na perspectiva docente – como os alunos universitários e a


sociedade de modo geral, percebem a imagem do professor universitário.

Neste item de análise, cujos dados estão contidos na grelha subcategorial 3.2
(anexo 7) – Imagem do outro – optei por fazer uma análise conjunta das duas
percepções, quais sejam: (i) de que maneira os docentes entrevistados percebem a
imagem que os alunos têm sobre os docentes e (ii) como compreendem que a imagem
da docência está configurada na sociedade de um modo geral. Isto decorreu a partir
leitura da grelha, na qual pude identificar as afinidades em relação aos posicionamentos
dos docentes.

361
Parto do pressuposto de que, na forma como os professores entrevistados
representam a imagem que os outros têm do professor, da docência universitária no
coletivo, podem emergir valiosas minúcias que se transformarão em informações sobre
como percebem a si mesmo. Entretanto, cabe considerar a não neutralidade da imagem
e, ter em conta, as suas funções e objetivos implícitos ou explícitos, uma vez que, na
imagem docente está associada uma concepção de docência e os significados a ela
atribuída historicamente. Nesse sentido, as representações aqui apresentadas são
construções mentais elaboradas coletivamente pelos sujeitos a partir de seus referentes
culturais, que atribuem significações particulares aos objetos sociais.

Essas significações servem para orientar os comportamentos e práticas


individuais e coletivas, o que constitui uma característica intrínseca às representações
sociais, que são um conjunto de elementos simbólicos que possuem uma lógica própria,
uma linguagem particular e uma estrutura que tem como base tanto valores quanto
conceitos. Não se constituem em opiniões pueris sobre alguma coisa ou imagens de
algum objeto. São verdadeiras teorias construídas coletivamente, destinando-se à
interpretação e à construção da realidade (Moscovici, 2003).

No que respeita a maneira como os docentes entrevistados percebem a imagem


que a sociedade, de modo geral, e os alunos têm sobre os docentes, os depoimentos
apontaram que sobressai, na percepção dos docentes, uma imagem com tendências mais
negativas do ponto de vista do exercício profissional e da valorização da imagem
pública da docência. Para uma melhor visualização dessa imagem, o quadro 23
apresenta o conjunto de recortes dos depoimentos em que pode ser observado o aspecto
ou fator assinalado como preponderante por cada professor.

362
Quadro 23
A imagem do outro - A percepção dos professores
Entrevis- Imagem na Sociedade Imagem nos alunos
tados Aspectos que colaboram para uma percepção negativa
PEDRO Os problemas da universidade colaboram para De modo amplo, tenho que considerar
a imagem negativa sobre os professores. que a imagem está riscada.
ANTONIO Somos todos profissionais não reconhecidos Não valorizam os professores. Acham
pelo nosso trabalho. Todos acham que podem que aprenderão tudo quando estiverem no
ser professores. Esse sentimento torna a mercado de trabalho.
profissão desvalorizada.
THIAGO A crise na universidade causa mal estar, até Os alunos não gostam dos professores
descaracterização da nossa própria profissão. que os fazem pensar. A imagem também
não é lá muito boa.
RUTH A imagem que a população tem da docência Os alunos têm imagens mais pessoais dos
está atrelada à própria ineficiência da professores. Alguns eles admiram (...),
universidade. Então a imagem não é boa. outros não são respeitados por um ou
outro aspecto. Acham a profissão
docente, nem é bem uma profissão.
Percebem-na como desvalorizada, sem
prestígio social.
ANA De uma “boa vida profissional” (...). Para Percebo que os alunos sabem fazer a
mim, essa imagem do “trabalho fácil” e diferença entre os professores (...), mas,
descompromissado têm interferências sérias não é possível aceitar o crescente
na imagem dos professores na universidade. descrédito pela docência.
São muitos os aspectos que envolvem essa
desvalorização do professor universitário.
JOÃO (...) podemos perceber que a universidade não A imagem dos professores está sofrendo e
cumpre a contento a sua missão e, (...) nós, sendo constantemente achincalhada na
também estamos acomodados e deixando de sociedade. Uma grande parte dos alunos
nos envolver. Esse descaso compromete a perdeu o respeito pela função docente,
imagem docente. acha-a dispensável.
SARA A imagem da docência está atrelada a da A dicotomia teoria/prática, e
própria universidade (...). A população criou principalmente em sala de aula, é para
imagens negativas de acordo com as greves mim a questão mais evidente para a
rotineiras, falta de profissionalismo, imagem negativa que os alunos têm dos
pesquisas, preparação ao mercado de trabalho, professores.
imagens veiculadas pela imprensa.
PAULO A mídia não nos ajuda em nada e ainda nos A desvalorização docente está atrelada à
. atrapalha (...). Nunca tem nada bom. As desvalorização da educação. O
universidades têm professores ótimos e isso reconhecimento profissional dos
não aparece. Aparece o que é negativo e isto é professores depende, em parte, da postura
uma defasagem na nossa imagem. que assumimos, tanto junto à
universidade, como junto aos alunos.
Aspectos que colaboram para uma percepção positiva
MATEUS Acho que boa, apesar de não ser uma Mesmo quando não são tão professores
profissão cobiçada pelas óbvias questões assim, de modo geral são bons
financeiras e até sociais. profissionais, a grande maioria tem nome,
por isso eles têm uma boa imagem.
MARIA (...) de certa forma há uma distinção maior ao Acho que as imagens são individualizadas
professor universitário, apesar de não termos (...). Unem as características do bom
um status elevado na sociedade. profissional, qualificado, competente com
a pessoa do professor, ou seja, sabem
reconhecer bons professores.
Fonte: Protocolos de entrevistas – elaboração própria

363
Na medida em que a educação escolar e o trabalho docente são presentes na vida
das pessoas, em que todos são familiarizados com o ambiente escolar, torna-se
simplificador conceber que a docência se inscreve no cotidiano das pessoas, e que sobre
ela pode-se compreender seu valor, seus sentidos 10 e os seu significados. Para Miguel
Arroyo (2002), o que somos como docentes depende do reconhecimento social dos
tempos da vida humana de que fazemos parte. Isto é, a imagem que imaginamos nos ser
atribuída e a imagem que nos atribuímos não estão desvinculadas dos valores dos
tempos que sustentam a produção do discurso. Neste sentido, as representações que os
professores universitários têm das imagens dos outros – alunos e sociedade no que
concerne o âmbito desse item de investigação – sobre o docente, em particular, e a
docência de um modo geral, devem ser consideradas como resultantes de uma produção
social, cultural e histórica e, configuram-se em imagens que têm em um passado
distante e imediato a base principal de sua constituição.

Olhando para o quadro 23, e tendo como referência a crise de identidade do


Ensino Superior, apontada por António Magalhães (2004), não é difícil encontrar
justificativa para a “imagem riscada da docência”, apontada no depoimento do professor
Pedro e os aspectos que colaboram com uma imagem da docência pouco positiva,
também apontado por outros docentes entrevistados. Guardando os devidos limites –
para não cair em um reducionismo simplista em apontar uma relação imediata das
questões da docência universitária e da própria Universidade – os aspectos apontados
pelos docentes vão ao encontro das exigências demandadas a partir da Declaração
Mundial sobre a Educação Superior no Século XXI: Visão e ação (UNESCO, 1998),
para a necessidade de uma redefinição dos “sentidos e significados da Educação
Superior” (António Magalhães, 2004.), assim como para uma reconfiguração de saberes
e fazeres no contexto da docência universitária (Bazzo, 2007; Bazzo & Scheibe
2008;Cunha, 2010; Ramos, 2010a).

10
O termo “sentido” é compreendido conforme Mary Jane Spink e Benedito Medrado (2000, p.41), como
“uma construção social, um empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as
pessoas [na dinâmica das relações sociais e historicamente datadas e culturalmente localizadas]
constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos à sua volta.”

364
Quando o professor universitário preocupa-se com a valorização profissional da
docência, não está buscando tão somente corresponder a uma imagem social valorizada,
mas igualmente, procura partilhar de uma certa compreensão do que seja essa “identidade
de professoralidade configurada nos/pelos espaços de discursos que se propõem a esse fim.”
(Oliveira, 2004, p. 15). Assim, é na concordância ou na recusa simultâneas das imagens que
vêm do outro que o professor universitário vai construindo a sua auto-imagem. Esse
movimento é percebido nas afirmações como as seguintes:

Não acho que há muita diferença entre a valorização da profissão docente,


na educação básica ou no ensino superior. Somos todos profissionais não
reconhecidos pelo nosso trabalho. Todos acham que podem ser professores.
Esse sentimento torna a profissão desvalorizada. Já foi o tempo que ser
professor fazia a diferença, hoje não é mais assim e de certa maneira os
próprios colegas contribuem para essa imagem, que do ponto de vista do
marketing é uma imagem que precisa ser trabalhada.

Como formador de opinião, o professor é um referencial modelo para o


aluno e, no exercício de sua profissão, ele mostra a sua imagem pessoal e
profissional, representa a imagem do corpo docente e vende a da instituição
na qual trabalha (Antônio).

Para mim, essa imagem do “trabalho fácil” e descompromissado tem


interferências sérias na imagem dos professores na universidade. Claro que
há ainda os maus professores, os que têm comportamento inadequado,
tanto do ponto de vista acadêmico quanto pessoal e que colaboram para
denegrir essa imagem. A situação é muito complicada. São muitos os
aspectos que envolvem essa desvalorização do professor universitário.
Mas, contraditoriamente, eu me sinto muito valorizada (Ana).

Nos depoimentos dos docentes encontrei afirmações de olhar externo positivo


em relação à imagem da docência, mesmo que sobre essas imagens recaiam algumas
afirmações em relação ao desprestígio do exercício profissional da docência. Afirmam
os professores:
Percebo que somos vistos de forma diferente dos professores da educação
básica, de certa forma há uma distinção maior ao professor
universitário, apesar de não termos um status elevado na sociedade. O
que quero dizer é que já foi melhor, ser professor da universidade era
prestígio e hoje não tanto e acho que isso é devido a crise que atinge as
universidades; tem a ver com a falta de qualificação dos profissionais que
são colocados no mercado de trabalho ( ...). Acho que as imagens são
individualizadas. (Maria).

365
Vou te dar um exemplo. Os alunos conversam entre si, trocam informações
e falam dos professores. Unem as características do bom profissional,
qualificado, competente com a pessoa do professor, ou seja, sabem
reconhecer bons professores (Maria).

Acho que boa, apesar de não ser uma profissão cobiçada pelas óbvias
questões financeiras e até sociais(...). Mesmo quando não são tão
professores assim, de modo geral são bons profissionais, a grande maioria
tem nome, por isso eles têm uma boa imagem (Mateus).

De modo amplo, os depoimentos suscitaram o entendimento de que, mesmo de


maneira implícita, os docentes universitários têm consciência acerca do que representam
e do papel que desempenham no contexto de construção do conhecimento e formação
profissional e, apesar de transferirem uma culpabilidade para a crise dos sistemas de
Ensino Superior e, de certa maneira isentarem-se do processo, percebem que as
mudanças que ocorrem contemporaneamente têm uma clara incidência em suas vida e
no trabalho acadêmico nas Universidades, e que não estão como expectadores nesse
processo. Foi dito:

(...) nós, professores, também estamos acomodando e deixando de nos


envolver. Esse descaso compromete a imagem docente (João).

O reconhecimento profissional dos professores depende, em parte, da


postura que assumimos, tanto junto à universidade, como junto aos alunos
(Paulo).

A dicotomia teoria/prática, e principalmente em sala de aula, é para mim a


questão mais evidente para a imagem negativa que os alunos têm dos
professores. Para a maioria dos alunos, não é somente um ponto crítico a
ser melhorado no ensino universitário, mas um dever para ser profissional
(Sara).

Mary Jane Spink e Benedito Medrado (2000) partem do pressuposto de que a


principal característica da vida humana é dar sentido ao mundo, em meio a práticas
discursivas. Produzir sentidos é o motor principal da vida cotidiana, uma força poderosa
e necessária nas trocas com os outros e com a realidade (Spink, 2004). Deste modo, a
consciência que o docente possui acerca do papel que desempenha, implica na sua
maneira de atuação, e a sua maneira de agir perante as mudanças estruturais e
funcionais, que transcorrem na Universidade, colaboram para a construção de sua
profissionalidade. Sobre a consciência do papel profissional docente é pertinente

366
lembrar que, de acordo com Zygmunt Bauman (2005), o princípio de responsabilidade é
o primeiro ato de qualquer envolvimento na vida pública.

A profissionalidade docente, termo polissêmico e conceito em construção,


conforme expressa Kátia Ramos (2010a) em seus estudos sobre a “reconfiguração da
profissionalidade docente universitária”, assume um caráter dinâmico no
desenvolvimento profissional. Não é algo que se impõe, de acordo com Maria do Céu
Roldão (2005), mas o resultado de uma construção. Define-a Roldão (2005, p.108)
como “aquele conjunto de atributos, socialmente construídos, que permitem distinguir
uma profissão de outros muitos tipos de atividade, igualmente relevantes e valiosas.” O
saber próprio do docente talvez seja, de acordo com a autora, “o elo mais fraco na
construção social da sua afirmação como profissional pleno” (Roldão, 2005, p.114),
entretanto é a “alavanca capaz de reverter o descrédito, o desanimo, o escasso
reconhecimento” (Roldão, 2005, p.6), da docência universitária, conforme foi apontado
nos depoimentos dos professores entrevistados.

A maneira como os docentes entrevistados percebem a imagem que os alunos


têm sobre os docentes e, como compreendem que a imagem da docência está
configurada na sociedade de um modo geral, podem ser assim sintetizadas:

 Uma imagem com tendências mais negativas do ponto de vista do exercício


profissional e da valorização da imagem pública da docência;
 Uma imagem riscada pela falta de competência e compromisso profissional de
alguns professores;
 Uma imagem do “trabalho fácil” e descompromissado;
 Uma imagem positiva que os distinguem como profissionais de áreas específicas;
 Uma imagem na qual os docentes universitários têm consciência acerca do que
representam e do papel que desempenham no contexto de construção do
conhecimento e formação profissional.

367
6. Síntese do capítulo

Neste capítulo busquei ampliar, por meio da análise das entrevistas semi-
estruturadas com os professores universitários, em um diálogo com estudos e
investigações, a compreensão a respeito das significações da docência universitária. O
suporte da análise centrou-se em identificar as imagens da docência incorporadas na
configuração identitária dos docentes, na percepção de que as contemporâneas
transformações no ensino superior e na Universidade estabeleceram novas condições ao
trabalho docente e provocaram significativas mudanças na profissão acadêmica. Para
tanto, inicialmente elaborei um breve detalhamento dos procedimentos metodológicos
adotados e seguidamente, uma contextualização dos professores participantes na
entrevista, com a apresentação e análise do quadro de caracteres dos entrevistados.

O primeiro ponto de análise evidenciou as concepções da docência apresentada


pelos entrevistados, buscando percebê-la no contexto dos dilemas e possibilidades
vivenciados pelos professores no cotidiano das instituições universitárias. Neste sentido,
as conclusões apontam que ainda está presente a ideia do professor transmissor, não se
evidenciando uma preocupação expressiva com os conhecimentos pedagógicos,
entretanto, há indicação de que as concepções de docência envolvem um processo de
construção, sendo marcada pela preocupação com a qualidade dos resultados da
educação superior, no caminho da valorização da dimensão pedagógica e da superação
do paradigma tradicional da transmissão do conhecimento, revelando a importância da
formação científica, pedagógica e política na docência universitária. Para os professores
entrevistados, o ato de ensinar, além de preparação nas áreas dos conhecimentos
específicos e pedagógicos, está relacionado com as opções éticas, com o compromisso
com os resultados do ensino, e com a sensibilidade e sabedoria dos professores.

Os dilemas enfrentados no cotidiano da profissão acadêmica perpassam questões


que abrangem o despreparo dos acadêmicos para enfrentar o ensino superior; a
organização curricular; o regime de trabalho que por vezes impossibilita tempo para o
planejamento; a falta de incentivo e financiamento para pesquisa; a preocupação com a
postura docente e a importância de momentos de reflexão conjunta. Todavia, as
possibilidades na docência revelam os esforços individuais e coletivos de investimento

368
institucional na promoção de espaços de formação docente e para a melhoria das
condições gerais da profissão docente.

Verifica-se que o posicionamento diante das situações cotidianas tende a


estimular o docente a desenvolver estratégias reflexivas sobre a sua profissionalidade.
As orientações sobre a carreira do magistério no ensino superior e as recomendações
acerca da profissão, emitidos pelos docentes universitários, envolvem a experiência e
qualificação profissional como condição primeira da docência; a necessidade do
domínio do conhecimento e a necessária qualificação, tanto a específica da área de
atuação, como científica e cultural e a formação (competência) pedagógica para o
exercício da docência universitária.

O segundo ponto de análise envolveu o caminho percorrido e a preparação para


a docência universitária. Nesse item, as conclusões evidenciam que para a maioria
docente a inserção na docência universitária ocorreu de forma “circunstancial”, estando
entre as razões mais relevantes apontadas, o envolvimento com a pesquisa quando
aluno, a oportunidade do exercício de mais uma profissão, sendo que os fatores pessoais
e profissionais se articulam e se complementam no ingresso (e permanência) na
docência no ensino superior. Em relação à preparação específica para a docência
universitária, as narrativas dos docentes indicam que inicialmente eles espelham-se na
imagem dos professores que foram significativos em suas vidas, que contribuíram para
a sua formação pessoal e profissional. Ao longo do exercício profissional, sentem-se
mais bem preparados para o desenvolvimento da docência na universidade, a partir do
estabelecimento de uma rede de interação que se caracteriza pela atividade
compartilhada. Evidenciam que há consciência da necessidade de preparação
pedagógica para o exercício da docência na Universidade, aspecto que demonstra a
consciência e o compromisso no papel que exercem no atendimento das demandas da
educação e do mundo do trabalho, que é influenciado na natureza da formação
pedagógica do professor universitário que deve ser orientada para que essa formação
não assuma um caráter de concentração no ensino, uma vez que o exercício da docência
universitária abarca competências que ultrapassam o cotidiano da sala de aula, e
enveredam-se por outros aspectos de caráter também educativo.

369
No último ponto de análise busquei as Imagens da Docência com a
intencionalidade de verificar como os professores percebem a si mesmo – Imagem de si
– e como entendem como os alunos universitários, em particular e a sociedade de modo
geral, percebem a imagem do professor universitário – Imagem do outro. A imagem que
os professores têm de si mesmos como profissionais docentes revelou dois aspectos:
uma imagem docente carregada de sentimentos positivos em relação a si mesmo como
profissional docente e outra imagem docente em busca de afirmação profissional.

A primeira imagem está carregada de sentimentos positivos em relação à


profissão e a imagem de si. Os professores sentem-se envolvidos e responsáveis pela
formação dos alunos, demonstrando consciência da dimensão ética da docência.
Evidenciam ter ciência da complexidade do exercício profissional docente, contudo o
compromisso profissional e o reconhecimento são aspectos que os conduzem ao
sentimento positivo e a boa imagem que têm de si mesmos. A segunda imagem
evidencia um certo desconforto, pois os professores universitários acham que são mal
interpretados profissionalmente pela sociedade. A ideia da deterioração da imagem e de
seu status social está presente na percepção dos professores e afeta a sua auto-imagem.

Ao considerar que as imagens docentes, desenhadas na narrativa dos professores


entrevistados – imagens pluralizadas e sem rosto – seja uma representação do próprio
docente, não obstante ser os próprios docentes narradores da “imagem do outro”,
compreendo-a como uma construção social, que passa a existir nas interações
vivenciadas no contexto sociocultural, de onde emanam os valores e ideologias que
tendem a ser incorporadas pelos profissionais (Popkewitz, 1997). Esse outro que faz a
crítica, permite a configuração da imagem que funciona como o ponto de ancoragem
para a construção da representação que os docentes têm de si. É na aceitação e recusa
simultâneas das imagens que veem do outro que o professor universitário vai
construindo a sua imagem/representação.

O comportamento e atitudes explicitamente reconhecidos como valores coletivos


da cultura profissional acadêmica tem importante valor na construção da identidade de
cada docente. O sentimento de pertença a categoria profissional leva-os a agir em
termos dos interesses coletivos. Nomeadamente quanto mais inserido no contexto da

370
profissão acadêmica, quanto maior for o compromisso junto ao grupo profissional e
assimilação das normas, atitudes e comportamentos, mais consolidada será a identidade
na profissão acadêmica.

Por fim, compreendo que o processo identitário profissional do professor


universitário deriva de sucessivas interações que são estabelecidas com os diversos
meios sócio-culturais e profissionais nos quais está inserido em distintas ocasiões. Essas
interações permitem que cada professor construa uma identidade docente diferenciada,
de acordo com as diversas apropriações experenciais que faz ao longo de sua vida. Na
perspectiva apontada por Zygmunt Bauman (2005, p. 19), “as identidades flutuam no ar,
algumas de nossa própria escolha, mas outras infladas e lançadas pelas pessoas em
nossa volta, e é preciso estar em alerta constante para defender as primeiras em relação
às últimas.”

No próximo capítulo procurarei estabelecer uma análise conclusiva na


perspectiva da triangulação.

371
372
APROXIMAÇÕES CONCLUSIVAS

Somos, enfim, o que fazemos para transformar o que somos.


A identidade não é uma peça de museu, quietinha na vitrine,
mas a sempre assombrosa síntese das contradições nossas de cada dia.

Eduardo Galeano
O livro dos abraços -1997.

Ao dar início às aproximações conclusivas do estudo que desenvolvi e que


intitulei Imagem e identidade: estudo sobre o professor universitário, cabe assinalar a
compreensão de que a dinâmica da construção da identidade profissional do professor
universitário deve ser compreendida no interior das transformações contemporâneas da
própria Universidade. Esta percepção contempla a ideia da intercessão dos tempos,
conforme assinalei no capítulo inicial ao referenciar-me em Thomas S. Eliot (1967), e,
ainda quando considero que “a identidade é uma relação particular e necessária entre o
passado e o futuro, dado o presente. O passado é fonte de sentido e o sentido de uma
identidade nunca pode mudar sem se mudar de identidade” (Lopes, 2002, p.74). Esta
concepção se insere na compreensão de que a identidade, socialmente construída, sofre
a ação do tempo e da história, possibilitando a evolução das categorias pertinentes à
identificação social e profissional.

A história dos professores universitários e a história da própria Universidade se


confundem e, ainda que o pensamento mais futurista possa imaginar um contexto
diferente, não houve e não há Universidade sem professores. A Universidade, em seu
papel histórico de criar condições para que o pensamento hegemônico seja repensado
como questões, é cenário ao exercício da profissão acadêmica, espaço onde decorre a
ação docente e, também, no qual se desenvolve a constituição de ser professor – no
contexto das opções pessoais e das condições coletivas de trabalho – e onde, de uma
maneira simbiôntica, o professor desempenha papel fundamental na constituição da
própria Universidade.

373
Esta simbiose integrante da história dos professores se constitui como parte
indissolúvel do processo de construção de sua identidade profissional e social. Para
compreendê-las fiz um corte de característica espaço-temporal, trazendo à discussão as
transformações ocorridas no Ensino Superior no século XX e início do século XXI. O
cenário no qual procurei aproximar-me das contemporâneas configurações das imagens
e das identidades socioprofissional dos professores universitários é o da realidade
brasileira. A partir dela elegi como fio condutor de análise as amplas reformas no
âmbito do ensino superior, decorrentes das políticas educacionais orientadas por
organismos multilaterais. No entanto, conforme tenho me posicionado ao longo deste
estudo, não pretendi desenvolver uma análise sobre política educacional para a
educação superior, e sim, abordá-la como agente delineador das transformações
ocorridas na profissão acadêmica e as decorrentes consequências no trabalho do
professor universitário que, por conseguinte, implicaram a reconfiguração da identidade
e da imagem docente.

Nessa perspectiva, a questão central que procurei desenvolver neste estudo


reside na percepção de que as contemporâneas transformações no ensino superior e na
Universidade estabeleceram novas condições ao trabalho docente, provocando
significativas mudanças na profissão acadêmica, na identidade e na imagem profissional
do professor universitário. Em outras palavras, considerei para este estudo que as novas
condições que a profissão acadêmica assumiu nos últimos anos no âmbito das
transformações ocorridas no ensino superior condicionaram, de modo particular, uma
reconfiguração nas imagens e nos perfis identitários socioprofissional dos professores
universitários.

O objetivo geral que orientou o desenvolvimento deste estudo foi descrever e


analisar a configuração identitária profissional do professor universitário e sua imagem
socioprofissional no contexto das transformações ocorridas no ensino superior.

Compreendo que esta é uma possibilidade dentre outras formas possíveis e


igualmente válidas de analisar as questões que este estudo buscou elucidar: Quais
aspectos envolvidos na configuração de ser professor universitário, ao exercer a
profissão acadêmica em um contexto marcado por um conjunto de mudanças que

374
desestabilizam e questionam antigas referências que davam sustentação às suas
identidades e imagens? Que representações da docência são incorporadas na
configuração identitária de ser professor universitário? Mas afinal qual é a imagem que
o professor universitário têm de si próprio enquanto profissional? Será que essa imagem
se tem alterado ou resiste perante as evidentes transformações no cenário da
Universidade? E o que pensam os estudantes universitários sobre seus professores e a
profissão acadêmica?

Nesse sentido, no estudo empírico que desenvolvi procurei inicialmente


aproximar-me da: (i) compreensão do professor sobre si, enquanto docente universitário
(imagem de si); (ii) apreciação do professor sobre o exercício da profissão acadêmica no
contexto universitário (imagem da docência); (iii) compreensão dos alunos sobre os
professores universitários (imagem docente) e (iv) sobre a profissão acadêmica (imagem
social da docência). Com essa intenção, foram aplicados questionários para os
professores e alunos universitários, de acordo com procedimentos metodológicos que
compõe o capítulo IV. Posteriormente, de forma a ampliar a compreensão a respeito das
significações da docência universitária e da profissão acadêmica, realizei entrevistas
com docentes, em uma aproximação com a teoria biográfico-narrativa proposta por
Antonio Bolívar et al (2001), cujo suporte da análise pretendeu identificar as imagens
da docência incorporadas na configuração identitária dos docentes.

Trata-se, assim de uma investigação descritiva e interpretativa, na qual trabalhei


metodologicamente com uma abordagem da complementaridade quanti-qualitativa de
coletas de dados (Minayo,1994; Creswell, 2007), na perspectiva da triangulação
(Denzin 1989), como uma forma de integrar diferentes perspectivas do fenômeno em
estudo. Nesse sentido, a complexidade do objeto de investigação e seu desdobramento
conduziram-me por ampliar, para além do quadro teórico-conceitual descrito
inicialmente, a contribuição de diversos autores em uma perspectiva teórica
multirreferencial (Ardoino, 1998a; Martins, 2000). Em outras palavras, objetivando
compreender a identidade profissional docente e sua imagem socioprofissional no
contexto contemporâneo universitário, fui aproximando-me de outras dimensões
intrinsecamente relacionadas, como a formação didático-pedagógica, a valorização
docente e seu desenvolvimento profissional, entre outras dimensões, que possibilitam

375
uma aproximação maior com o objeto em estudo. Para a interpretação dos dados
quantitativos elegi a análise da estatística descritiva, através da frequência e da
distribuição da amostra, no caso dos questionários e a criação de tipologia, no caso das
entrevistas, por meio da análise de conteúdo e da categorização qualitativa das
informações.

Em conformidade com o percurso metodológico assumido no capítulo III, este é


o momento em que procedo às considerações provisoriamente formuladas, interpretando
de forma conjunta as percepções e sentidos depreendidos da análise dos questionários e
das entrevistas. A intenção não é chegar a uma conclusão, uma vez que considero a
transitoriedade das configurações identitárias e das imagens do professor universitário, a
finalidade é a interpretação dos resultados integrantes das análises efetuadas. Nesse
sentido, destaquei alguns pontos pertinentes às questões que me propus a elucidar,
sendo eles: Universidade no cenário contemporâneo; a profissão acadêmica – imagem e
identidades nas reformas da educação superior; o movimento construtivo de ser
professor universitário – trajetória de inserção e caminhos de formação; a Docência no
contexto universitário – concepções e dilemas; os significados e sentidos da profissão
acadêmica – a percepção dos estudantes; as transformações na profissão acadêmica, na
identidade e na imagem profissional do professor universitário

- A Universidade no cenário contemporâneo.

O universo em que os sujeitos desta investigação exercem a profissão acadêmica.

A Universidade implica ser compreendida na simultaneidade dos tempos que a


constituem. Essa possibilidade conduziu-me a percebê-la atravessada por diversas
crises: ora seguindo o movimento motivado pela globalização e por dificuldades
econômicas; ora atrelada ao presente ritmo de desenvolvimento e produção do
conhecimento, impulsionado por inovações tecnológicas e por vezes, acompanhando o
processo vertiginoso de cobrança por produtividade e eficiência do mundo do trabalho.
Em uma visão abrangente, observa-se a crescente necessidade da Universidade
responder a todas essas expectativas, tarefas e funções, contemporaneamente alargadas,
contraditórias e complexas.

376
No século XXI, a Universidade consiste-se em uma organização social, cultural
e política que tem como cenário específico e especializado a formação profissional dos
indivíduos. Esta atribuição é assinalada com maior vigor no momento em que a relação
de valor nas economias é dada pela construção, utilização, gestão e processamento do
conhecimento, da informação como um instrumento de poder na sociedade da
informação. Esse fenômeno contemporâneo ocorre de tal maneira que, de uma
instituição para o enobrecimento do homem em sua origem, a Universidade se
converteu em uma organização que tem que competir com outras instituições na
formação cultural para o campo de trabalho. E ao mesmo tempo, procura resolver os
grandes dilemas da humanidade em diferentes campos do saber, tendo a pesquisa, o
ensino e a gestão como matriz de sua valoração social e cultural e compreendendo-os
como critérios de qualidade.

A partir dessa nova configuração, a Universidade procura reconstruir a sua


identidade por meio de procedimentos que a desinstitucionalizam e, no qual se observa
a presença de fenômenos como a assimilação de critérios extrínsecos como paradigmas
do modo de ser, da organização e da gestão, a apropriação dos mecanismos neoliberais
de redução do papel do Estado no financiamento das instituições de educação superior,
que conduz a um processo crescente de privatização e de subordinação ao mercado.
Estas tendências e transformações têm alterado a natureza do trabalho acadêmico,
impondo ao docente uma nova configuração do ensino superior. As mudanças na
identidade da instituição universitária e do trabalho do professor estão relacionadas com
a manutenção das margens de produtividade do capital e sua internacionalização,
herança do século XX que a naturalizou.

De uma maneira geral, as transformações advindas das orientações de tendências


neoliberais têm sido sublinhadas por mecanismos que impõem a expansão da educação
superior por meio da privatização e diversificação dos sistemas de ensino, notadamente
nos países que compõem a América Latina e, de modo particular no Brasil,
estabelecendo uma forma de controle e avaliação sistemática sobre as instituições e os
sujeitos que as constituem.

377
As mudanças contextuais que vem reconfigurando a Universidade não se
concentram exclusivamente no nível estrutural, nas buscas de financiamento, na relação
com outros países e com a sociedade em geral, mas igualmente desenvolve-se no âmbito
do processo de ensino e aprendizagem, no currículo, nas metodologias e em relação ao
conhecimento e a aprendizagem, decorrendo deste processo mudanças significativas de
como a Universidade se organiza e em como o processo educacional acontece. Apontam
para uma organização mais flexível do ensino acadêmico, a superação das rígidas
estruturas disciplinares e departamentais e uma atitude mais interativa e reflexiva com
relação aos conhecimentos. Conforme assinala Boaventura de Sousa Santos (1995) esse
contexto de mudanças tem gerado uma tensão problemática de três domínios de
contradição. A primeira delas entre a produção de alta cultura para a formação das elites
e a produção de padrões culturais médios e de conhecimentos úteis para a força de
trabalho qualificada exigida pelo desenvolvimento industrial. A segunda contradição é
entre hierarquização e democratização e a terceira, entre autonomia institucional e
produtividade social.

De modo geral, a Universidade tem despendido esforços no sentido de lidar no


seu cotidiano com essas contradições e esse processo tem corrido em uma boa parte dos
países. Todavia, a ênfase estabelecida pela economia globalizada requer a formação de
uma força de trabalho mais generalista, adaptável e que saiba como aprender e como
gerir e assimilar grandes quantidades de conhecimento (Altbach et al, 2009), essa
exigência faz com que a preocupação da Universidade tende a ser menos o ensino das
disciplinas básicas e mais a oferta de programas que possibilitem uma rápida inserção
profissional, com foco no desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e atitudes
para que os futuros profissionais possam operar efetivamente em um mercado de
trabalho cada vez mais complexo e fluído.

A situação atual da vinculação do saber com a sociedade, conforme assinala


Elisabete Aguiar (2009) “instaura uma nova relação - a do saber-provedor com o
usuário-consumidor,” em que de acordo com a autora o saber torna-se um saber produto
e investimento de valor comercial “[...] que gera a perda do valor do saber como
formador do caráter, da moral, da ética, do espírito reflexivo, do cidadão e da
construção da nação” (Aguiar, 2009, p.44). Esta tendência é presente no âmbito da

378
Universidade, entretanto como não há modelos puros, coexistem na sociedade várias
forças que fazem com que os modelos tradicionais convivam com os de enfoque
contemporâneo e, apesar de o contexto mundial hoje ser fortemente dominado pela
globalização neoliberal, ele não se reduz a ela e há espaços para articulações baseadas
na reciprocidade e no benefício mútuo e não apenas em interesses econômicos
(Santos,1995).

Na revisão de literatura pude constatar que desde a década de 90 distinguem-se,


em diversos países do mundo, transformações no âmbito das políticas de Educação
Superior que se encontram articuladas a movimentos globais. A globalização está assim
relacionada com as transformações no âmbito do ensino superior, principalmente
quando tomo como referência o reconhecido papel que o ensino universitário assume no
desenvolvimento de recursos humanos para uma economia global. Isso quer dizer que
como resultado da globalização e das práticas que lhe são associadas decorreram as
implementações de políticas de modo a assegurar a mão de obra qualificada
“susceptível de dar os trunfos numa concorrência internacional.” (Pacheco & Pereira,
2006, p.15).

Nesse sentido, a educação superior tem sido referência nas diretrizes


internacionais, regionais e nacionais, orientadas nas recomendações de organismos
multilaterais, todavia é igualmente oriunda das demandas de movimentos sociais. No
que concerne às linhas reguladoras internacionais, assinalo a realização das conferências
mundiais da Educação Superior promovidas pela Unesco em 1998 e 2009; os
documentos específicos para educação superior por parte dos organismos internacionais
a exemplo do Banco Mundial e da Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico – OCDE e a reforma da educação superior na União Europeia, por meio do
tratado de Bolonha. A exemplo regional, na América Latina, em quase todos os países,
as últimas décadas são assinaladas por grandes reformas no âmbito do ensino superior,
notadamente norteadas por linhas regulatórias de orientações internacionais, advindas
de acordos econômicos estabelecidos.

379
Acentuadamente no Brasil, as reformas empreendidas no ensino superior têm
como características a vinculação a um processo de reestruturação capitalista, com
grande repercussão nas Universidades públicas, descaracterizando a identidade dessa
instituição e sua função social (Silva Júnior, 2004; Catani & Oliveira, 2002; Leher,
2001).De modo geral, o campo do ensino superior brasileiro destaca-se por acentuar a
privatização e a fragmentação institucional (diversificação e diferenciação), como pode
ser observado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN nº 9.394 de
1996 ao explicitar que a educação superior poderá ser oferecida em instituições públicas
ou privada com variados graus de abrangência ou especialização, assim como nas
diretrizes formuladas pelo Ministério de Educação e Cultura - MEC que se tornam um
volumoso conjunto de regulamentações que fazem parte do cotidiano institucional.

A lógica presente nesse conjunto de regulação tem sua origem na intensificação


do processo histórico de internacionalização da economia, apesar de não se caracterizar
como um movimento novo, pois tal lógica foi anunciada na Declaração Mundial sobre o
Ensino Superior (1998), ao destacar como desdobramento da missão do ensino superior
a necessidade das instituições exercerem o papel de produzir e disseminar
conhecimentos, fortalecendo e disseminando culturas nacionais e regionais, bem como
preparar os indivíduos para o trabalho por meio da qualificação, no atendimento à lógica
do mercado globalizado, em que as palavras de ordem são qualidade, competitividade e
flexibilidade.

Em síntese, a Universidade na sociedade contemporânea não permaneceu ilesa


às transformações sociopolítico-econômicas das últimas décadas e, para continuar
desempenhando os inúmeros papéis a ela atribuídos, depende tanto de sua capacidade
de continuidade, para conservar suas características de excelência e local de produção
de conhecimento, como de suas capacidades de transformação para adaptar-se às novas
exigências da sociedade, da cultura e da ciência. Uma das novas exigências, sublinhada
no novo suporte social e econômico do capitalismo globalizado, tem como eixo a ideia
da sociedade do conhecimento associada à matriz da economia do conhecimento
(Olssen, Peters, 2005, citados por Santiago & Carvalho, 2001), sustentada na
valorização do conhecimento como estratégia competitiva.

380
- A profissão acadêmica – imagem e identidades nas reformas da educação
superior.

Será que essa imagem se tem alterado ou resiste perante as evidentes


transformações no cenário da Universidade?

Ao aproximar-me da imagem de ser professor na Universidade, pude apreender


que é impossível fazê-lo sem que haja também uma aproximação dos mecanismos por
meio dos quais determinadas imagens são construídas e difundidas, acabando por
consolidarem-se no modo de identificar socialmente a categoria dos professores
universitários. Esses mecanismos estão vinculados à diversidade de dimensões da vida
social. Assim sendo, as reformas ao longo da história da Universidade no Brasil, para
além de trazerem modificações ao conjunto do trabalho docente, notadamente foram
impondo novas configurações à profissão acadêmica, ao mesmo tempo ocasionaram
alterações na identidade profissional dos professores e nas imagens que foram
construídas ao longo da história nacional do ensino superior brasileiro.

Ao tomar como referência a organização do ensino superior brasileiro após a


independência de Portugal, encontrei um ensino em Escolas Superiores profissionais
“de tempo parcial, com professores de tempo parcial e de intensa vida profissional fora
da escola, os quais ofereciam poucas horas por semana aos alunos, em aulas
supostamente magistrais” (Teixeira, 1989, p.68). Essas características não deixam muita
margem de dúvidas para a compreensão da ausência de uma identidade voltada para a
docência em prevalência da identidade profissional do médico, do engenheiro, do
advogado. Com a proclamação da República o Brasil entra em um período de mudanças
sociais. Contudo, o pensamento liberal republicano descaracteriza a ideia da educação
como competência do Estado, compreendendo-a como competência da sociedade e do
indivíduo (Teixeira, 1989). Esse regime de “desoficialização” do ensino (Fávero, 2006)
promove a atividade privada, com grande expansão das escolas superiores de ensino
entre 1889 e 1918 mantendo-se o caráter profissional da formação e, notadamente a
mesma imagem docente.

381
Em termos da identidade coletiva, o processo histórico de sua constituição foi
erigido sob a ótica de que ser professor em uma instituição de ensino superior
proporcionaria uma agregação de valor a profissão exercida fora da academia. Em
outras palavras, a condição de docente em uma Universidade constituía-se em uma
consideração do reconhecimento do profissional, principalmente nas instituições do
Estado, onde a remuneração era pouco mais do que simbólica. Fato esse compensado
quando “a lei, o governo e a opinião davam a esse professor uma posição de extremo
prestígio, para o que lhe concediam honras e privilégios especiais” (Teixeira, 1989
p.107).

Um desses privilégios é a cátedra e a sua propriedade, que desde o Brasil


Colônia constituem uma aquisição histórica. A cátedra outorga ao professor uma
imagem de prestígio, imagem esta que perdura até mesmo após a criação da primeira
Universidade em 1920, cuja imagem docente não sofre grandes alterações, ao contrário,
é reforçada em 1931, quando se aprova a Reforma do Ensino Superior, que ratifica o
professor catedrático como o primeiro na hierarquia do corpo docente, com poder de
nomear professores auxiliares e assistentes e quase sempre decidir sobre suas
permanências ou não. A identidade do catedrático é tecida no individualismo
competitivo e no estabelecimento de normas protetoras da estabilidade funcional e de
mecanismos de perpetuação de hierarquias constituídas.

A presença ainda forte da imagem do professor catedrático vai permanecer até a


década de 60, contudo, pontualmente em alguns períodos e de forma latente em alguns
grupos de docente, emerge do interior da Universidade um movimento que passa a
questionar as práticas dissociadas dos problemas locais e as ações pontuais
desenvolvidas pelas universidades. É o que pode se denominar de uma tomada de
consciência da necessidade de mudanças na forma de atuação das Universidades, em
sua relação com a sociedade, pensamento este que exprime a valoração da profissão
acadêmica e indicadora de uma identidade mais próxima do professor. É possível
observar que uma parte da produção acadêmica do período reflete a preocupação
comum com a superação do atraso da formação social e econômica brasileira e, apesar
de reconhecer a existência de algumas contradições internas, de um movimento de
resistência, posso inferir que este período tem especial importância na construção de

382
uma imagem docente contestadora, militante e próxima do sentimento nacionalista que
tomou conta da sociedade brasileira e que igualmente tem indícios de uma identidade
docente que se institui no reconhecimento do professor como produtor de
conhecimento.

No período denominado de ditadura militar, que restringiu o exercício da


cidadania e reprimiu com violência todos os movimentos de oposição, muitos docentes
são afastados da cátedra e presos por práticas comunistas e, de certa forma, é sufocada a
imagem contestadora e engajada, atribuindo aos docentes uma imagem de idealista e até
mesmo de subversivo. A figura do professor catedrático, como elemento centralizador
das decisões acadêmicas, desaparece legalmente com a reforma universitária de 1968.
Em seu lugar passa a existir o departamento sob o princípio da corresponsabilidade de
todos os membros dele integrantes e da tentativa governamental de estabelecer um
padrão único da construção coletiva da identidade. No entanto, o departamento acaba
por se caracterizar como um espaço de alocação de docentes e não em uma comunidade
acadêmica. Isso, grosso modo, ocorreu porque a organização departamental acabou
estimulando o trabalho individual, em detrimento do coletivo. A performatividade
emerge nesse contexto e o desempenho dos professores passa a ser visto como medida
de produtividade e rendimento acadêmico, afetando de modo drástico a identidade
profissional coletiva.

O professor nesse período convive em seu cotidiano com uma crescente tensão
sociocultural, entre elas, a formação e qualificação. As identidades dos professores
universitáriuos são alimentadas por um contexto de transformação, com características
peculiares em que o reconhecimento social de sua formação pedagógica parece escasso
e contraditório (Lucarelli, 2000). Com a promulgação da LDBEN, Lei nº. 9394/96, o
departamento deixa de ser uma exigência legal na estrutura da universidade, todavia
mesmo que algumas instituições universitárias tenham modificado suas formas de
organização acadêmico/ administrativas, ainda está presente a cultura da
performatividade competitiva (Ball, 2002).

383
As reformas no ensino superior brasileiro tiveram importante incidência sobre os
contornos que o trabalho e a carreira docente foram assumindo nas últimas décadas. Na
sua essência as funções da Universidade foram se transformando. Essas reestruturações
têm acompanhado o processo de massificação do ensino superior, atribuindo-lhe um
novo sentido. Assim, são vários os contornos que a profissão acadêmica assume na
estrutura dos sistemas e instituições universitárias com a reforma do ensino superior nas
últimas décadas. Como assinalam Rui Santiago e Teresa Carvalho (2011, p.410), a
partir da reposição na relação que o Estado mantinha com a universidade e os
acadêmicos, foram introduzidas mudanças no controle e regulação das universidades,
ocorridas “sob a influência de uma nova arquitetura organizacional, criada à imagem do
modelo empresarial/empreendedor, [...] que podem envolver os acadêmicos em
dinâmicas profundas de mudança (Bleiklie, Michelsen, 2008) e, com isso, afetar suas
identidades, cultura, valores e modos de operar”.

Na nova lógica o que se vê não é a autonomia do professor, e sim uma


individualização no trabalho acadêmico, que de certa forma é reproduzido pelo próprio
docente por meio da internalização de valores como a competição e o produtivismo
acadêmico. Assim, evidenciam-se efeitos subjetivos e coletivos que a nova condição
impõe: competitividade, individualismo, adoecimentos, intensificação, flexibilização e
precarização do trabalho.

- O movimento construtivo de ser professor universitário – trajetória de inserção e


caminhos de formação.

Mas afinal qual é a imagem que o professor universitário tem de si próprio enquanto
profissional?

A construção da docência universitária se ergue entre os desejos subjetivos dos


professores e a realidade concreta institucional; entre a profissionalidade que se deseja e
as exigências contemporâneas ao exercício da docência e, nesse contexto, há de se
compreender que o caminho profissional da docência universitária envolve questões de
ordem valorativa, atitudinal, política, sociocultural, profissional, configurando em um
processo multifacetado, com amplas dimensões e que afetam os docentes como um
“fenômeno perturbador”, descrito por Geneviève Dahan-Seltzer (2008).

384
Embora tenha consciência de que estou pisando em terreno da subjetividade,
uma vez que “cada indivíduo é uma parte componente de numerosos grupos e acha-se
ligado por vínculos de identificação em muitos sentidos e construiu seu ideal do ego
segundo os modelos mais variados” (Freud, 1987, p.163), referencio-me na percepção
de que é possível compreender, a partir das narrativas dos professores universitários,
algumas imagens da docência na relação estabelecida entre os aspectos pessoal e
profissional ocorrido ao longo das suas carreiras. Parafraseando Paul Ricoeur (1991), o
professor entendido como uma personagem da história da Universidade, não é uma
identidade separada das suas experiências. Ao contrário “[...] partilha o regime da
identidade dinâmica própria da história narrada. A narrativa constrói a identidade da
personagem, que podemos chamar de identidade narrativa, ao construir a identidade da
história narrada. A identidade da história faz a identidade da personagem.” (Ricoeur,
1991, p.147).

Assim, o processo de constituição do ser professor ocorre no movimento entre a


“imagem do eu”, que é constituída na relação com a realidade em que se está inserido
(Habermas, 1987 e 1990), e a “imagem social” (Dubar, 1997). As dimensões que a
docência universitária assume devem ser compreendidas como um processo de
constantes transformações, por isso temporal, pois a “reflexividade da vida social
moderna consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e
reformuladas à luz de informação renovada sobre essas próprias práticas, alterando
assim seu caráter.” (Giddens, 1991, p.45). Desse modo, a prática docente compreendida
como construção social, assume o caráter de reflexividade ou reconstrução com base em
conhecimentos sempre renovados e constantes sobre a prática (conhecimento
reflexivamente aplicado).

Os estudos de Silvia Isaia (2001, p. 59) apontam que “o professor e a pessoa do


professor não podem estar dissociados sob pena de fragmentar-se a compreensão que
dele se possa ter.” Nessa percepção, ao compreender a trajetória percorrida para se
tornar professor na Universidade, busquei “um porquê” do que os motivou à carreira da
docência universitária. Nas razões explicitadas pelos docentes estão os sonhos/desejos
antigos de serem professores em uma universidade; o envolvimento inicial com a
pesquisa quando aluno, nomeadamente na pós-graduação; o aperfeiçoamento

385
profissional e a oportunidade do exercício de mais uma profissão, bem como os
incentivos externos procedentes dos professores, familiares e amigos. A presença de
professores universitários na família, por identificação positiva, foi também ressaltada
como um motivo ou estímulo à inserção na carreira acadêmica. Esse processo pode ser
interpretado como a socialização primaria (Berger & Luckmann, 1998) que constitui a
introdução do indivíduo no mundo de referência para as posteriores socializações, neste
caso a socialização profissional.

De modo geral, o porquê da inserção na docência universitária evidenciou nesta


investigação que fatores pessoais e profissionais se articulam e se complementam. No
entanto, a escolha é sempre um processo individual (Aguiar & Bock, 1995). Os fatores
que influenciam esse processo são sociais e múltiplos, uma vez que se constituem na
base das multideterminações do ser humano e por isso a opção constitui-se em um
processo complexo, ao mesmo tempo subjetivo e objetivo, individual e social, racional e
emocional. Configura-se assim, em um processo social, histórico e cultural que se forma
na conexão de vários determinantes da vida, mas é vivido como ato individual. Em
outras palavras, é necessário o entendimento de que fatores de ordem social, econômica
e cultural, ou seja, as condições concretas do contexto sócio-histórico imponham os
limites e as possibilidades que acabam determinando as opções e direcionando a uma
determinada situação na carreira profissional.

A inserção na carreira docente universitária também ocorre de forma


circunstancial, não representando uma escolha efetiva. Fato este, também observado
nesse estudo. De acordo com Selma Pimenta e Lea Anastasiou (2002, p. 104) a
“passagem para a docência ocorre ‘naturalmente’, dormem profissionais e
pesquisadores e acordam professores!”. No entanto, a inserção na docência no ensino
superior é para muitos uma escolha pessoal, demarcada por uma inclinação afetiva,
denominada por Silvia Isaia e Doris Bolzan (2008, p.7) como “sentimentos docentes”.
Sentimentos que, segundo as autoras “podem constituir-se na escolha profissional e,
principalmente, ao logo da docência, em elementos dinamizadores da atividade
educativa dos professores.”

386
Há de se compreender que alguns docentes podem ter ingressado sem saber o
significado de ser professor em uma instituição universitária. Essa observação é
relevante quando verifico que é corrente nos professores a falta de preparação específica
para atuar no ensino superior, privilegiando-se o domínio do conhecimento e da
experiência profissional como os únicos requisitos para a docência universitária,
baseado no modelo franco-napoleônico – do quem sabe fazer, sabe ensinar. Adotando
esse paradigma, uma boa parte dos docentes acaba por privilegiar a formação técnico-
profissional associada à experiência do exercício da profissão em substituição a de
competência pedagógica, ou seja, os professores tendem a encarar com ceticismo e até
certo descaso os aspectos pedagógicos da docência universitária.

Alguns estudos assinalam que a preparação à docência e o processo de


construção identitária dos professores das diferentes áreas, inicia-se já nos primeiros
anos passados na Universidade, no percurso de formação inicial como alunos, aspecto
esse evidenciado neste estudo. Destaca-se que se o professor universitário é oriundo da
área da educação ou de uma licenciatura, traz consigo referenciais identitários
pertinentes à docência, mesmo que direcionados a outro grau de ensino. Entretanto,
como ocorre na maioria das situações, dada a pluralidade de áreas de formação nas
Universidades, se o docente pertencer a outro quadro profissional, trará consigo uma
performance desarticulada das funções e objetivos do ensino superior. Faltará, por
exemplo, a competência pedagógica que, do ponto de vista de Maria Lucia Vasconcelos
(1998, p. 86), corrobora quando afirma que “há pouca preocupação com o tema da
formação pedagógica de mestres e doutores oriundos dos diversos cursos de pós-
graduação do país.”

A análise dos dados empíricos foi muito expressiva em apontar que os


professores universitários têm domínio do conteúdo em suas áreas de especialidade e
encontram-se atualizados, o mesmo não ocorrendo em relação ao conhecimento
didático-pedagógico. A docência tem sido conduzida por professores titulados, porém,
sem a necessária competência pedagógica. Para Rui Canário (2001), a qualificação
conduz à obtenção de títulos acadêmicos, diplomas, graus, certificados, que constituem
uma prévia garantia de aquisição dos saberes requeridos por situações de trabalho
específicas, enquanto que a competência refere-se a “um não-sei-quê através do qual a

387
qualificação se torna eficiente e se atualiza numa situação de trabalho.” (Canário, 2001,
p. 37). Sendo assim, é possível afirmar que a qualificação se realiza num processo
cumulativo, enquanto as competências só podem ser construídas em contexto, a partir
da experiência de trabalho.

No movimento construtivo de ser professor encontro nos docentes participantes


dessa investigação as experiências prévias como direcionadoras à carreira docente
universitária e a referenciais identitários relacionados à profissão de origem. Esse
movimento envolve experiências da docência em outro grau de ensino, na monitoria, em
curso de pós-graduação latu sensu e strito sensu e atuação como professor substituto.
Constituíram-se essas experiências em uma espécie de formação inicial nas relações
estabelecidas com a dinâmica educativa. Ou seja, “na trama das relações sociais de seu
tempo, os indivíduos que se fazem professores vão se apropriando das vivências,
práticas intelectuais, de valores éticos e das normas que regem o cotidiano educativo.”
(Fontana, 2000, p. 48). Nesse sentido, as identidades profissionais são constituídas com
base nas interações que os professores desenvolvem entre si em determinados contextos
e são influenciadas por quem as habitam.

Não é possível a compreensão de um movimento de constituição de ser professor


sem a efetivação de uma rede de interação que se caracteriza pela atividade
compartilhada. O processo de organização do pedagógico e sua relação com as ações do
professor constituem o “conhecimento pedagógico compartilhado” (Bolzan, 2006,
p.380), centrado nas relações interpessoais, portanto, em trocas cognitivas e
socioculturais ao longo da trajetória dos docentes universitários. Essas trocas foram
confirmadas em uma parcela dos professores, que destacaram a importância do
estabelecimento dessas relações interpessoais e de como se sentiram mais bem
preparados para o exercício da docência na Universidade quando vivenciaram
experiências formativas com seus pares. Nesse sentido, o movimento de constituir-se
em professor tende a ser compreendido como uma ação que envolve mudança e
alteridade, na qual os papéis sociais são construídos nos contextos sociais.

388
A esse respeito Antolí Benedito el al (1995, p.131) apontam que “[...] o
professor universitário aprende a sê-lo mediante um processo de socialização em parte
intuitiva, autodidata ou [...] seguindo a rotina dos ‘outros’”. Entretanto, ao considerar a
capacidade de autodidatismo é necessário compreender que a mesma não é suficiente,
uma vez que as estratégias formativas do professor universitário configuram-se como
um desafio e devem ser sistematicamente organizadas, envolvendo esforços pessoais e
institucionais concretamente desenvolvidos (Isaia, 2006).

De modo geral, as interpretações induzem-me a considerar que se vive


contemporaneamente um momento de renovação da docência universitária. Essa
renovação na docência é sustentada na mudança de eixo do ensino para a aprendizagem,
no incentivo a aprendizagem autônoma do estudante e no desenvolvimento de
competências de formação global (Zabalza, 2004). A docência universitária para os
professores nesta investigação, tem assumido um novo sentido e requer atenção
especial. Alguns aspectos ficaram evidenciados nesse sentido, uma vez que as análises
estabelecidas apontam para a imagem de professores engajados nas atividades
educativas voltadas para o efetivo desenvolvimento de futuros profissionais,
influenciando de maneira positiva os estudantes por meio do trabalho acadêmico que
desenvolvem. Uma parcela do corpo docente universitário tem postura aberta para a
reflexão e auto-reflexão pessoal e profissional, entretanto, essa não é uma prática de
todos docentes, ao contrário do que ocorre relativamente à relação interpessoal.

No que tange ao conhecimento da área de especificidade da docência


universitária, um número significativo de professores valoriza a disposição para
aquisição de conhecimentos, competências próprias e formação específica, contudo
demonstram a percepção de que essa ainda não é uma realidade para a maior parte dos
docentes. Assim, o investimento na formação pedagógica inicial e no desenvolvimento
profissional do professor universitário demanda, no interior da Universidade, “o
investimento em uma política global que dignifique e valorize as funções docentes
como fundamentais para se alcançar a ‘excelência’” (Mònica Feixas, 2004, p.41). A
formação do docente universitário, portanto deve superar o conceito de capacitação em
curtos períodos de tempo, organizada e ofertada em cursos de curta duração ou palestras
que, de um modo geral acaba por propiciar tão somente a aquisição de informação.

389
A peculiaridade de ensinar na Universidade exige uma ação docente diferenciada
da tradicionalmente praticada, na qual o processo de ensinar constitui-se em um serviço
de educação que tem a pesquisa como base e se compõe em um processo de busca, tanto
do docente como do aluno, tendo em vista a produção de conhecimento e não a sua
reprodução. Essa nova postura na gestão do pedagógico exige uma revisão da habitual e
tradicional prática de caráter informativo da docência universitária. Em outras palavras,
a gestão do pedagógico deve ter como um de seus eixos a importância da pesquisa, de
uma postura investigativa para um ensino eficaz. A aprendizagem só ocorre
significativamente por meio da construção do conhecimento na percepção da pesquisa
como mediadora do bom ensino.

As atividades na Universidade devem atingir três aspectos sobre os quais se


projeta o sentido da formação, sendo eles: o desenvolvimento pessoal, o
desenvolvimento de conhecimentos e competências específicas e uma visão mais ampla
do mercado de trabalho a fim de agir nele com mais autonomia (Zabalza, 2004). Essa
mudança de postura, de foco, altera significativamente a condução da docência,
ampliando a dimensão de sua competência, em que ser professor vai muito além de
ensinar. Exige, de acordo com Ronald Barnett (2002, pp. 220-221), “uma transformação
nas pedagogias da Universidade (...) tanto em suas formas internas como em suas
formas externas de interação, tanto em suas definições de investigação e erudição como
em seus propósitos educativos e relações pedagógicas.”

- Docência no contexto universitário – concepções e dilemas.

Que representações da docência são incorporadas na configuração identitária


de ser professor universitário?

A concepção da docência universitária como uma atividade complexa, que


envolve em seu exercício condições singulares, exigindo uma multiplicidade de saberes,
competências e atitudes, está presente com distintas abordagens em estudos e pesquisas
que buscam olhar a docência no âmbito de sua complexidade e, neste sentido, trazem
contributos que permitem aos poucos uma reconceitualização da docência universitária.
Tratam, de modo geral, da questão da complexidade pela via da formação para o

390
exercício da docência universitária, pela valorização da pedagogia no meio acadêmico e
a complexidade do ensino e da aprendizagem na universidade. De forma implícita ou
explícita, de acordo com Kátia Ramos (2010a, p.97), “esses estudos, entre outros
aspectos, tratam da questão da profissionalização do docente universitário e concordam
com a pertinência de uma formação, entendendo que essa é necessária enquanto
contributo que possibilita a revisão do saber-fazer.”

As concepções de docência envolvem a própria concepção do que é ser professor


universitário nos dias atuais. Isso quer dizer que são produzidas no processo sócio-
histórico de se constituir professor e, nesse sentido, estão relacionadas com a
compreensão que se tem do mundo objetivo e social, mas igualmente do sentido pessoal
que lhe é atribuído, do mundo subjetivo e individual. Desse modo, as concepções sobre
a docência universitária abarcam tanto valores, crenças, atitudes e motivações, como as
determinações sociais e as condições de trabalho.

Com base nessa compreensão busquei aproximar-me das concepções que os


professores desenvolvem acerca da docência, do exercício profissional docente, e, em
decorrência, do que é ser professor na universidade. Na análise dos dados empíricos
pude apreender que o sentido dado à docência é permeado por expectativas, sentimentos
e apreciações que envolvem a função social da docência, atribuições, os dilemas e as
possibilidades da profissão docente. Designadamente, os professores deste estudo
explicitam o entendimento da docência em processo de constante aprendizagem.
Reconhecem e consideram a importância da dimensão pedagógica na docência
universitária, ao demonstrar que não basta simplesmente o saber ministrar uma aula, é
necessário conforme expressam os docentes aprimorar esse saber. Entretanto, para
alguns professores permanece a compreensão de que o conhecimento por si só consiste-
se na garantia da condução da docência e em considerar o professor como centro do
processo pedagógico. Apesar da consciência das mudanças que ocorrem no interior das
universidades, em que a docência deve transcender a visão fragmentada do
conhecimento, a disciplinaridade e a supervalorização do saber técnico é ainda presente
na ideia do professor transmissor, não se evidenciando uma preocupação expressiva
com os conhecimentos didático-pedagógicos.

391
No mesmo contexto, outros professores assinalaram que o papel de transmissor
de conhecimento está a ser superado pela busca de uma prática pedagógica inovadora,
em que o docente universitário supere a imagem de certa forma cristalizada de que a
prática docente tem como função primeira formar profissionais, por isso necessita ser
ele próprio um bom profissional, bastando essa competência para ensinar. Essa
compreensão pode ser interpretada na perspectiva da ruptura com o paradigma da
transmissão, em busca de novas formas de pensar o ensinar e o aprender numa
perspectiva emancipatória (Cunha, 1997a), ressignificadora da identidade profissional.

As concepções do exercício profissional docente foram expressas por meio da


função social da docência. É relevante destacar que de forma predominante para os
professores nesta investigação, o ato de ensinar, além de preparação na área do saber
específico, está relacionado com as opções éticas, com o compromisso nos resultados do
ensino, e com a sensibilidade e sabedoria dos professores, que é marcado pela
preocupação com a qualidade dos resultados da educação superior, no caminho
indicativo da valorização da dimensão didático-pedagógica e da superação do
paradigma tradicional, revelando a importância da formação científica, pedagógica e
política na docência universitária.

A concepção de docência envolve o ser e estar na profissão acadêmica,


compreendida no processo de socialização profissional (Dubar, 1997), uma vez que na
base da identidade profissional um dos elementos presentes é a concepção do papel a
desempenhar. Nessa perspectiva e, no atual contexto do exercício profissional docente
universitário, em que antigas referências são contestadas e as novas bases se constituem
em um terreno movediço, característico da impossibilidade da sociedade moderna em
manter uma mesma forma durante longos períodos de tempo (Bauman, 2001), é
possível compreender a própria fluidez das concepções de docência manifestadas por
meio dos professores neste estudo. Talvez essa compreensão possa elucidar porque os
docentes deixam transparecer que suas experiências com a profissão de origem tiveram
peso maior na compreensão que eles têm do que é ser professor no ensino superior.

392
Na dinâmica dos contextos em mudanças, considero que os dilemas
contemporâneos da docência universitária se inserem em um contexto onde estão
presentes questões e circunstâncias contraditórias, dúbias, ambivalentes, que requerem
reflexões e ações a partir da significação social da profissão docente, assim como, de
uma constante revisão em seus movimentos, possibilidades e limitações. Reflexão e
ações com consciência histórica, política e crítica de valorização profissional e
enfrentamento dos dilemas e desafios na atual configuração da realidade social, política,
econômica e cultural da Universidade.

Desse modo, sob a influência das novas condições que a profissão acadêmica
assumiu decorrente das transformações ocorridas na Universidade, os dilemas podem
ser caracterizados em institucionais e pedagógicos (Zabalza, 2003). Os dilemas
pedagógicos referenciam-se a todo um conjunto de situações conflitantes que se
apresentam ao docente universitário e que se produzem ou não em situações didáticas.
A essência desses dilemas diz respeito ao conjunto de situações bipolares ou
multipolares (Zabalza, 2003) que se apresentam ao professor no desenrolar da sua
atividade profissional. Nesse sentido, os conflitos e tensões provocadas pela
multiplicidade de funções que os professores universitários desenvolvem têm provocado
choques agudos entre os interesses individuais/coletivos dos docentes e os interesses de
diferentes instâncias no interior da Universidade, já que, de acordo com Miguel Zabalza
(2004, p. 148), “[...] a solução não pode ser outra, senão achar um certo equilíbrio entre
as necessidades individuais e institucionais.”

Os docentes nessa investigação assinalaram dilemas que perpassam questões que


abrangem: o despreparo dos alunos para enfrentar o ensino superior; a desordenada
organização curricular; o regime de trabalho intensivo que por vezes impossibilita
tempo para o planejamento; falta de incentivo e financiamento para pesquisa; a
preocupação com a postura docente e a importância de momentos de reflexão conjunta;
as condições de desajustes salariais, de trabalho, de qualificação e estabilidade que
podem ser traduzidos como intensificação e precarização do trabalho acadêmico e,
igualmente, apontaram para questões um tanto quanto mais complexas, uma vez que
abarcam a própria função social da Universidade, concebida como o espaço de
excelência na formação do indivíduo, incluindo os próprios professores.

393
há uma linha tênue entre a possibilidade e a esperança sobre a docência
universitária apontada pelo professores neste estudo. A possibilidade está relacionada
com a qualidade ou condição do possível, é aquilo que pode acontecer. Esperança com o
sentido de futuro, de mudança, uma vez que “[...] a esperança sempre foi uma das forças
dominantes das revoluções e das insurreições - é como sinto, ainda, a esperança como
minha concepção do futuro”. (Sartre, citado por Levy,1986, p. 63). Assim, pude
perceber dos professores que existe um movimento reflexivo de olhar para a própria
prática e sua condição docente e, com base neste exercício, vislumbrar as
possibilidades/esperanças para a docência universitária. A esperança de que é necessária
e possível a reinvenção da Universidade, da gestão do pedagógico na docência
universitária, em uma perspectiva emancipatória. Essa reinvenção, na perspectiva
freireana, estende-se pela revalorização profissional marcada pelo trabalho como
princípio educativo e como espaço de mobilização ética e política, como possibilidade
de transformação.

- Os significados e sentidos da profissão acadêmica – a percepção dos estudantes.

E o que pensam os estudantes universitários sobre seus professores e a profissão


acadêmica?

Uma das características da construção da identidade é considerar tanto a


representação que o indivíduo tem dele próprio, como as representações que os outros
têm dele. A identidade compreende “as definições que as pessoas dão de si próprias e
aos reconhecimentos que procuram obter dos outros” (Dubar, 1998, p.138). Ao
procurar perceber a imagem que os professores têm tem de si próprios como docentes,
procurei também a imagem do outro, considerando nesta investigação o outro na figura
do estudante universitário e foi com essa intenção que busquei a representação de
professores e da profissão acadêmica na percepção dos estudantes.

As análises foram significativas em apontar que para os estudantes os


professores universitários demonstram ter domínio do conteúdo e estão atualizados em
suas áreas de especialidade. Sobre esses aspectos, encontro na percepção dos alunos a
imagem de que o professor deve ter domínio da área sobre a qual ministra suas aulas,

394
sendo esse um requisito fundamental. No entanto, o fato de o professor dominar o
conteúdo a ser ensinado, não significa que este tenha as habilidades pedagógicas
esperadas de um bom professor, sendo esse um aspecto presente junto aos acadêmicos,
uma vez que têm uma imagem favorável em relação à formação pedagógica dos
professores. Entretanto enfatizam que a prática educativa baseada na transmissão de
conhecimento é muito presente nos docentes que atuam no campo da docência
universitária em que o modelo pedagógico tradicional ainda não teve a sua lógica
rompida no interior da Universidade.

Com o desenvolvimento das instituições universitárias, notadamente inclinadas à


produção do conhecimento, a preparação docente voltou-se para a pesquisa, para a
formação do pesquisador, uma vez que o critério de avaliação de produtividade e
qualidade centra-se na produção acadêmica e, consequentemente, o desenvolvimento da
pesquisa é laureado em detrimento das atividades de ensino e da aprendizagem. Esse
aspecto é assinalado na percepção dos alunos, que consideram o prestígio acadêmico
assentado na titulação que os professores ostentam, o que lhes confere uma boa imagem
social. Para os estudantes, a carreira acadêmica alicerça-se nas atividades de pesquisa,
incluindo as publicações e participações em eventos acadêmicos e profissionais. Essa
imagem pode estar associada à titulação como requisito essencial na empregabilidade,
principalmente dadas à realidade contemporânea do mercado de trabalho e, talvez por
isso, tenda a ser associada também a uma boa imagem dos docentes. O que se observa
não é um prestígio associado ao saberes da docência (Cunha, 2009), mas as
competências e dividendos relacionados com a produção científica.

O exercício da profissão acadêmica confere, na compreensão dos alunos,


prestígio na sociedade, um status social, mesmo que a remuneração não contemple a
valorização desta categoria e o nível acadêmico atingido. No entanto, a imagem pública
do professor universitário não é desvinculada da figura do trabalhador assalariado. Em
outras palavras, para os acadêmicos as mudanças no âmbito do ensino superior, e que
pesam sobre os professores, vem acompanhada por um lado, de uma ruptura na
valorização da profissão acadêmica em termos salariais, mas por outro, permanecem
inalteradas as imagens e o sentimento de admiração pelo exercício da docência e de sua
importância no contexto social. Essas representações podem ser interpretadas no sentido

395
de que a Universidade é, ainda, por excelência o lugar de produção e disseminação do
conhecimento, e nela o exercício da profissão acadêmica assume grande importância.

O docente universitário é aberto ao diálogo e demonstra compromisso com as


necessidades dos alunos, em uma clara demonstração da dimensão política e ética da
docência e da disposição para o compromisso social. Esse aspecto do trabalho
acadêmico apontado na percepção dos alunos assinala a constituição da
profissionalidade nos professores universitários. O compromisso social pressupõe o
desenvolvimento de práticas pedagógicas que corroborem para os processos
construtivos de formação dos alunos, da cidadania, da superação de fracasso e
desigualdades (Selma Pimenta, 2002), e na adoção por parte dos docentes de princípios
e valores éticos. Neste sentido, o conhecimento didático-pedagógico na docência
universitária não se refere exclusivamente ao desempenho do ensinar, mas
nomeadamente em manifestar valores que se pretende alcançar no exercício da
profissão.

- As transformações na profissão acadêmica, na identidade e na imagem


profissional do professor universitário

Quais aspectos envolvidos na configuração de ser professor universitário, ao exercer a


profissão acadêmica em um contexto marcado por um conjunto de mudanças que
desestabilizam e questionam antigas referências que davam sustentação à sua identidade e
imagem?

A Universidade é o cenário em que os sujeitos desta investigação exercem a


profissão acadêmica e, no interior dela, ocorre o processo de socialização profissional
(Dubar, 1997), por meio do qual os profissionais constroem valores, atitudes,
conhecimentos e habilidades que lhes permitam e justificam ser e estar na profissão. O
processo de socialização é à base da identidade profissional. Constitui-se em um
processo de concretização dos ideais profissionais. De acordo com Claude Dubar (1997)
a identidade é construída por sujeitos sociais de uma perspectiva interacionista, em que
as expectativas que os membros de um grupo têm sobre os papéis a serem
desempenhados pelos sujeitos constituem os pilares de sustentação. Isso é, a aceitação
de determinada identidade profissional supõe que haja interação entre os sujeitos na sua

396
construção e partilha, assegurando assim um compromisso do grupo e com o grupo,
definindo os sentimentos de pertencimento social que sustentam sua existência.

A identidade profissional do professor universitário não deve ser compreendida


como rígida, bem como no sentido de que o social determina o individual, ao contrário,
ela move-se de acordo com a trajetória de vida profissional do docente e da
configuração social de cada momento da sua vida, permitindo a construção,
desconstrução e reconstrução de identidades. Com base neste pressuposto, o sentido no
qual construí esta investigação vincula-se nas transformações que contemporaneamente
ocorrem no ensino superior, de modo particular na Universidade como instituição social
e as novas condições que a profissão acadêmica assumiu decorrente dessa
transformação, na compreensão de que tanto a identidade profissional, como a imagem
do professor universitário, nos dias atuais, devem ser compreendidas no interior dessas
transformações. Em outras palavras, evidentemente em concordância com as
transformações ocorridas no mundo do trabalho as políticas de educação superior
impulsionam as reformas no interior da Universidade, mudando o eixo dos espaços e
atores pedagógicos com diferentes formas de organização e diferentes relações de
poder, constituindo toda essa nova modificações o contexto da configuração de novas
identidades profissionais.

Assim, diante das modificações que, nos últimos anos, têm ocorrido na carreira e
no trabalho cotidiano do professor na Universidade, encontrei junto aos docentes
representações antagônicas quanto à modificação na carreira docente, ao exercício
cotidiano e ao futuro da profissão acadêmica. Para um número significativo de docentes
as mudanças no processo acadêmico-científico e na organização da carreira docente são
necessárias ao desenvolvimento de uma nova concepção do trabalho acadêmico, e as
novas condições de trabalho não conduzem ao produtivismo acadêmico, à intensificação
e precarização do trabalho docente. Uma outra parcela dos docentes reconhece a
existência de modificações no interior a Universidade, todavia acreditam que não altera
de forma substancial o exercício da profissão acadêmica. Para um grupo igualmente
representativo dos docentes essas mudanças têm afetado o trabalho acadêmico e sua
autonomia, ocasionando sentimentos pouco confortáveis quanto ao futuro da docência
universitária.

397
As representações assinaladas, por si mesmas, evidenciam as diferentes posições
dos docentes no interior da profissão acadêmica. Algumas das representações podem ser
compreendidas, quando de um prisma percebo o afastamento docente, seu auto-
isolamento, negando a si mesmo a condição de trabalhador, descaracterizando sua
identidade e função social. Por outro lado, a supervalorização da individualidade, em
que o docente prioriza suas experiências pessoais e aspectos subjetivos em detrimento
dos aspectos objetivos e coletivos, caracterizando a docência inoperante e adaptada, o
que de certa forma, também conduz à alienação identitária. Há igualmente, a
possibilidade de que os docentes estejam desinformados, nomeadamente, os que não
têm a docência como atividade principal. No entanto, considero que essas
reapresentações estão, de certa forma, vinculadas às reformas no ensino superior
submissas às recomendações dos organismos multilaterais que sinalizam para a perda da
identidade do professor, bem como para seus efeitos na profissão acadêmica por meio
das condições precárias de trabalho e pela ausência de uma política de valorização
profissional.

As reformas implementadas, para além de alterar a composição acadêmica no


interior da Universidade, ocasionaram mudanças nas relações da cultura institucional
por meio de um rígido processo de avaliação, que de um lado contribuiu para a
qualificação docente, com maior número de mestres e doutores, contudo, de outro,
trouxe implicações para o trabalho dos professores. Uma das marcas dessa consequência
está no âmbito da produção acadêmica que, por ausência de financiamento suficiente
para atender a todos docentes, incentiva a produção individual e a competição, uma vez
que as bolsas para estudos, pesquisas e aprimoramentos passam a significar um
acréscimo aos vencimentos, em um período de redução drástica do financiamento do
setor universitário público, com congelamento salarial de docentes (Sguissardi, 2009).

O processo de redução de gastos públicos federais afeta de um lado as


Universidades públicas e, por outro, desencadeou a retomada da expansão do ensino
superior privado, de forma mais exacerbada do que na época do regime militar, e em
decorrência acentuou o processo de proletarização vivido pelo magistério superior
brasileiro, não somente em relação ao setor público, mas atingindo o setor privado,
porque o crescimento quantitativo de instituições privadas ampliou o mercado de

398
trabalho docente, sem, contudo, melhorar as condições de trabalho e salariais. Esses
aspectos, entre outros, podem explicitar a situação socioeconômica e funcional dos
professores, que em última instância pode estar mediando a resignificação de suas
identidades profissionais.

No entanto, ocorreu neste estudo, uma significativa rejeição por parte dos
docentes em relação ao processo de proletarização vivido pelo magistério superior, e
igualmente sobre a imagem pública do professor universitário compreendida como a
figura do trabalhador assalariado. Esses dados me conduziram a compreender que a
imagem de elevado status social e cultural que os professores universitários gozavam,
ainda há poucos anos, continua presente no imaginário social, sob outra ótica. Em outras
palavras, assiste-se a desconsideração da carreira acadêmica, e isso é também sentido
por toda a sociedade e manifestado nesse estudo, entretanto, a imagem do trabalhador
assalariado é ainda fortemente vinculada a do operário, ou das profissões com menor
prestígio, o que explica a rejeição do professor universitário identificasse à categoria de
trabalhador assalariado. A profissão acadêmica historicamente adquiriu um status
social, foi e permanece considerada uma profissão de prestígio e valoração, mesmo que
os professores sejam mal remunerados e que vivenciem progressivas perdas de garantias
trabalhistas.

Nesse sentido, encontro no professor universitário uma necessidade em manter


referências que são contestadas, mas que continuam a fornecer sustentação a sua
identidade profissional. Isso indica que pode ocorrer um desacordo entre a identidade
“virtual” (como o outro me vê) e a identidade “real” (como me vejo), o que implica na
adoção de ações que propiciem tornar relativa essa diferença. Essas ações podem ser
externas (transações externas) que envolvem a tentativa de acomodar a identidade para
si a identidade para o outro (ação objetiva) e internas (transações internas), no sentido
de manter as identificações anteriores advinda da trajetória social através da
incorporação da identidade para o outro na identidade para si (ação subjetiva). Para a
construção da identidade, portanto, concorrem dois processos distintos: um processo
autobiográfico (a identidade do eu) e um processo relacional (a identidade para o outro).
(Dubar, 1997).

399
Com o cuidado em não incorrer em afirmações inflexíveis, dada a
heterogeneidade das instituições Universitárias e seus atores, é possível inferir que tem
se evidenciado, no interior da Universidade, a configuração de múltiplos perfis
docentes. Os que se envolvem com as atividades de ensino na graduação e os que se
tornam professores pesquisadores, produtores e divulgador de conhecimento e que por
deterem essas competências são docentes e coordenadores dos programas de pós-
graduação. Estes credenciados com base na produção científica e tecnológica, um dos
principais elementos de avaliação. Isso não quer dizer que os professores que fazem do
ensino sua atividade principal não possam fazer pesquisa e integrarem os grupos,
entretanto, enfatizo a atividade preponderante. Há, entre os professores que se dedicam
ao ensino na graduação, alguns que para aumentar seus rendimentos dispersam a sua
jornada diária de trabalho em várias instituições de ensino, e, ainda, os que desenvolvem
outras atividades profissionais concomitante a carreira acadêmica em uma evidência de
que a profissão acadêmica pode constituir-se em uma forma de complementação salarial

Os dados empíricos assinalam que os docentes têm carga horária semanal que
ultrapassa a jornada de trabalho de 40 horas, e que uma parcela significativa exerce a
profissão acadêmica em no mínimo duas instituições. Compreendo, assim, a inegável
presença da intensificação e proletarização no trabalho docente, em que fica evidente a
fragilização das condições econômicas e sociais dos professores. Por conseguinte é
possível prevê que o docente apresente dificuldades de manter condições favoráveis
para autoestima e, em sua representação, criar estima social para a carreira acadêmica.

A diversidades de funções exercida no interior da Universidade foi uma


realidade constata nesse estudo, em que a totalidade de docentes no desempenho de
duas a quatro funções /atividades é de um universo de alargado de professores.
Ilustrativamente cabe fazer referência a algumas delas. Assim, há os docentes que:
ministram aulas na graduação e pós-graduação, participam ou coordenam projeto de
pesquisa ou extensão; ministram aulas na graduação e pós-graduação, participam ou
coordenam projetos e ao mesmo tempo atuam na gestão acadêmica; ministram aulas
unicamente na pós-graduação, participam ou coordenam projetos e também atuam na
gestão; estão exclusivamente em funções de gestão na universidade; exercem
unicamente a docência na graduação e pós-graduação e, por último os docentes que não

400
estão envolvidos em outra atividade senão a de ministrar de aulas nos cursos de
graduação.

Uma parte dos docentes neste estudo acaba por privilegiar a formação técnico-
profissional associada à experiência do exercício da profissão em substituição a de
competência pedagógica. Outra indica o status de ser professor universitário como
facilitador para a inserção no exercício de outra atividade profissional. De um lado,
encontro a valorização da profissão acadêmica atrelada à produção do conhecimento,
com a vinculação à pesquisa e os dividendos para uma carreira profissional paralela à
docência, de outro, a identificação de ser professor universitário confere um status
social relacionado ao saber, a credibilidade docente. Esses aspectos contribuem para a
dificuldade de se construir uma identidade voltada à profissão acadêmica.

Em termos de hierarquia acadêmica, há no interior da Universidade uma


estrutura de poder visível que separa as funções docentes em status. A função que
concede maior destaque acadêmico é a da produção científica, em segundo lugar os que
relacionam a produção acadêmica com o ensino e os que desenvolvem somente o ensino
na graduação estão na última posição na hierarquia (Ferenc, 2008). Esta separação
relaciona-se com outra tendência na educação superior com a constituição de
Universidades de pesquisa e Universidades de ensino, que ainda não se consolidou na
realidade brasileira. Entretanto, “[...] na inspiração mais recente, as funções de pesquisa
carregam maior valor agregado na representação sobre o perfil docente, repercutindo
sobre sua formação e prática pedagógica [...].” (Cunha, 2002, pp. 45-46) e,
nomeadamente sobre sua identidade profissional, uma vez que os docentes no topo da
hierarquia acadêmica veem a si mesmos mais como pesquisadores do que como
docentes.

Nesse cenário de múltiplos perfis docentes universitários, configuram-se


diferentes formas identitárias, o que torna complexo e extemporâneo querer
compreender a carreira profissional acadêmica por um único padrão. Conforme aponta
Stuart Hall (2003) esse fenômeno é caracterizado como um processo de descentração
que desarticulam e fragmentam as identidades contemporâneas. Nessa perspectiva, a
diversidade de contextos profissionais pode estabelecer diferentes identidades em

401
diversos processos de socialização. Assim, assinala Amélia Lopes (2008) que a
dimensão valorativa da identidade coletiva existe, ou sob a forma de ação conjunta nas
organizações ou sob a forma de representações sociais sobre as atividades nos grupos
profissionais.

Os professores expressam sentimentos de satisfação e de insatisfação com o


trabalho desenvolvido. Os dados analisados apontam alguns paradoxos. De um lado há
o empenho de continuar na profissão acadêmica caracterizada por um compromisso
profissional, de outro lado, o desejo em abandoná-la e de procurar algo melhor, o que
aponta para a desistência, que pode estar associada ao quadro de intensificação e
precarização do trabalho. O mesmo ocorre no que concerne aos sentimentos em relação
ao exercício docência, posto que para alguns professores a docência os completa como
pessoa e profissional, e apesar de faltar algumas condições acadêmicas, sociais e
econômicas, consideram que o ambiente universitário é propício à criatividade e à
inovação e sentem-se motivados.

A concepção do trabalho acadêmico universitário como uma atividade


profissional complexa, que requer formação específica e pressupõe um processo de
atualização constante, nem sempre é incorporada pelos que fazem parte dessa categoria
profissional, entretanto, assinalo ter observado um movimento no sentido da superação
de uma profissionalidade intuitiva para uma profissionalidade fundamentada (Kátia
Ramos, 2010a), compreendida no âmbito da ruptura do conhecimento disciplinar. As
conclusões convergem para a compreensão da docência na sua complexidade,
envolvendo saberes específicos e conhecimento didático-pedagógico, assim como,
demonstram que os docentes não estão indiferentes à adoção de uma postura aberta para
a reflexão e auto-reflexão pessoal e profissional, a construção de redes de trabalho
coletivas baseadas na partilha e no diálogo profissional e a participação política e social
no espaço público da educação.

Os professores nesse estudo fazem quase sempre afirmações positivas sobre o


seu fazer acadêmico, o que pode denotar que, conscientemente ou não, estão buscando
caminhos para ampliar sua consciência sobre as funções exercidas. De modo geral,
identificam valores positivos na função que desempenham, sentimento que também se

402
evidencia quando os próprios docentes assinalam que estão engajados em atividades
educativas voltadas para o efetivo desenvolvimento de futuros profissionais, e que têm
consciência que influenciam positivamente a vida de outras pessoas, através do trabalho
acadêmico, e deste modo, a representação de ser professor ostenta sentidos para os quais
inferem expectativas e percepções acerca da identidade profissional docente na
Universidade.

Embora, por vezes poucos visíveis, as imagens e representações sobre a


profissão acadêmica estão enraizadas nas experiências de cada um e podem relacionar-
se a um conjunto de significados, a diferentes associações mentais que consolidam uma
imagem – a do bom professor. Essa perspectiva é explicada por Denise Jodelet (1984),
uma vez que para a autora as representações sociais permitem ao indivíduo construir
significados, sob formas variadas, mais ou menos complexas. Conforme essa concepção
as representações são simbolizadas por meio de imagens que condensam um conjunto
de significações e “sistemas de referência que nos permitem interpretar o que nos
acontece, dar mesmo um significado ao inesperado; categorias que servem para
classificar as circunstâncias, os fenômenos, os indivíduos com os quais devemos lidar;
teorias que permitem estatuir-se a si próprias.” (Jodelet,1984, p. 360). Isso que dizer que
para além de permitir construir significados sobre a profissão acadêmica, as imagens
são elas próprias mediações sociais entre os conceitos, as ideias e as percepções do real,
contribuindo para que os docentes construam referenciais de decodificação e de
interação.

Nesse sentido, a uma imagem de bom professor ou professor ideal, agregam-se


as qualidades profissionais e pessoais que o elevam a esse patamar e que podem servir
de referência para a prática docente na universidade. Os docentes no estudo empírico
apontaram algumas características mais marcantes do “professor de referência” em suas
ações docentes, de modo especial no período de entrada na carreira acadêmica, em que
buscaram apoio nessas referências. As características de maior valoração na percepção
dos docentes são: o domínio de conteúdo, a competência, a postura ética e o entusiasmo.

A atratividade pela profissão acadêmica está também relacionada com a imagem


positiva sobre a carreira acadêmica, em que posso inferir que as características dos

403
professores de referências têm influência nessa decisão. No entanto outros aspectos
também concorrem como as perspectivas profissionais que proporciona, entre elas o
mercado de trabalho em expansão, mesmo que atualmente mais moderado, a divulgada
flexibilidade de horários e liberdade na condução acadêmica e a estabilidade em se
tratando do setor público.

Nas representações sobre a profissão acadêmica, as análises evidenciam que a


imagem do ensino e da pesquisa são dimensões centrais do trabalho acadêmico, apesar
da prática acadêmica ser ainda centrada na transmissão do conhecimento, em um
modelo reprodutivista. Os docentes demonstraram o alto grau de identificação com o
exercício da docência na graduação e, no que diz respeito às outras funções, foi possível
identificar que há graus estratificados de identificação, no entanto, de uma maneira geral
em relação às funções exercidas, para além do ensinar na graduação e pós-graduação,
compreendo que os docentes incorporaram a necessidade de envolverem-se em
dimensões muitos mais amplas, o que exige uma adaptação de cada um a condições e
características do trabalho docente na universidade em dias atuais.

Desse modo, no mundo do trabalho, do qual a profissão acadêmica não pode ser
descontextualizada, a flexibilidade dos processos de trabalho (Harvey, 2007) tem
forçado os professores a aceitarem contratos de trabalho mais flexíveis e, igualmente, o
docente universitário é impelido a sentir-se responsável pela manutenção de seu
emprego, da sua remuneração, da sua qualificação e até mesmo por sua demissão, de tal
ordem que a própria gestão da carreira torna-se relacionada a um projeto individual,
constituindo-se esse aspecto no enfraquecer do trabalho acadêmico coletivo, retirando
de cenário os projetos e reivindicações da categoria profissional como um todo.

Esse aspecto é revelador da centralidade da profissão acadêmica no profissional


docente. Esta imagem transfere aos docentes uma parte do compromisso que deve ser
assumido de modo macro nas políticas para a Educação Superior e materializados pelos
sistemas de ensino público (federal, estadual e municipal), e de ensino privado, que
devem promover a valorização da carreira acadêmica em seus contemporâneos aspectos
multidimensionais, assegurando garantias que abarcam desde as concernentes à
remuneração, como inclusive, o aperfeiçoamento profissional, de forma continuada.

404
Considerei ao iniciar essa investigação que a identidade profissional docente é
constituída no processo dinâmico de interação sociocultural. Ao provisoriamente
concluí-la compreendo, igualmente, que a identidade profissional do professor
universitário se constrói através de sucessivas interações com as funções que o docente
exerce no interior da Universidade. Assim, foi possível apreender que no contexto
dinâmico das novas condições ao trabalho docente, condicionadas por um processo de
transformações profundas jamais verificadas anteriormente e que, nomeadamente,
trouxe à profissão acadêmica o produtivismo, a competição, o isolamento e o
corporativismo acadêmico, a coletividade identitária está progressivamente perdendo
lugar para a supremacia do individualismo e da diferenciação.

Compreendo, com embasamento nos construtos teóricos referenciados ao longo


desse estudo que a identidade profissional dos professores universitários funciona como
uma âncora, que assegura o sentimento de pertencimento a profissão acadêmica. A
existência de diferentes grupos profissionais dentro da profissão, em um movimento não
natural, mas impulsionado na lógica das reforma do ensino superior tem o caráter de
fragilidade e indica uma crise de identidade. A crise de modo geral caracteriza a
sociedade na contemporaneidade em que os indivíduos e as categorias profissionais
reivindicam seu reconhecimento social com base na formação de identidades
específicas. Assim, conforme assinala Amélia Lopes (2001, p. 21) “[...] se a crise atinge
toda a vida social, nos professores, ela seria particularmente intensa, por ser a sua
própria matéria de trabalho que nela está em causa”, o que possibilita o surgimento de
outras crises, como a que nos deparamos que corresponde a dos professores
universitários enquanto grupo social, seu estatuto legitimado por meio de um plano de
carreira e etc que envolve uma outra crise, de caráter pessoal assentada na satisfação e
realização pessoal no exercício da profissão acadêmica.

Pude evidenciar a configuração de alguns perfis identitários que se formaram,


sobretudo, com a diversificação cujo sistema de ensino superior brasileiro se estrutura e
no complexo processo que se arrasta politicamente, em um jogo de forças e interesses,
para aprovar um novo documento que regerá a reforma universitária. Os professores
universitários, nesse campo de forças, podem ser distinguidos por meio de

405
posicionamentos contraditórios e ambíguos assumido nos diversos grupos que se
estabeleceram no interior da Universidade.

Assim, no modo de estar na profissão acadêmica compreendem os docentes que:


(i) desenvolvem uma admirável satisfação em todas as funções do papel que
desempenham; (ii) demonstram desempenho e mantêm satisfação, mesmo não tendo
ambicionado a docência universitária como modo de vida profissional; (iii) estão em
permanente dúvida na carreira acadêmica, exprimindo dificuldades em identificar qual
função desejaria desempenhar; (iv) perderam o vínculo com as profissões de origem,
entretanto não conseguem incorporar de forma efetiva a profissão acadêmica; (v) têm
como vínculo principal a profissão de origem e mantém a profissão acadêmica como
forma de prestígio; (vi) exprimem desinteresse por qualquer uma das funções
acadêmicas, vivenciando o cotidiano da carreira com projeções de chegar na
aposentadoria e (vii) compreendem a docência (ensino) como uma carga a ser suportada
para realizarem a investigação científica.

O estudo empírico apontou igualmente para uma imagem do professor


desarticulada da profissão acadêmica, fora da lógica da avaliação quantitativa, da
cobrança de produtividade, da flexibilização do trabalho acadêmico, da massificação do
ensino, do distanciamento de seu estatuto de profissão-chave da sociedade (Santiago &
Carvalho, 2011). Essa imagem é aqui interpretada por duas posições teóricas. A
primeira relaciona-se a um processo de idealização de imagem docente distinta da
realidade, e que pode ser compreendido quando se tem como referência a socialização
primária (Berger & Luckmann, 1998), que se constitui no mundo de referências
(imagem ideal) para as posteriores socializações. A imagem idealizada “[...] são forças
psíquicas primárias, são mais fortes que as ideias, mais fortes que as experiências reais.”
(Bachelard, 2003, p. 17). A segunda considera que a partir das reformas, uma nova
identidade acadêmica foi tecida em contraposição a uma identidade construída a partir
da interiorização de um conjunto de valores próprios da atividade profissional (Archer,
2008). Essa perspectiva me permite inferir que alguns professores nesse estudo estão
ressignificando suas identidades profissionais em bases mais individuais do que
coletivas, uma vez que criam uma subjetividade, uma identidade que não esteja ligada a
essa lógica. Esse processo ocorre porque a “universidade reforça o trabalho solitário,

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extremamente individual e individualizado; o professor é deixado à sua própria sorte e,
se for bastante prudente, evitará situações extremas nas quais fiquem patentes as falhas
de seu desempenho.” (Pimenta & Anastasiou, 2002, p. 143). Isso me leva a questionar
se não estaríamos diante do que Claude Dubar (1997) denomina de conflitos
estruturantes da identidade.

Em uma outra perspectiva, no entanto foi possível observar os esforços dos


professores em – ao lutar contra os constrangimentos decorrentes das reformas no
interior da Universidade que conduziram a uma nova composição na profissão
acadêmica e no trabalho do docente, e no interior do conflito profissional expresso na
contradição entre como se reconhecem e de como são reconhecidos nos outros –
ressignificarem suas identidades em bases mais coletiva, vinculadas, por exemplo ao
movimento organizativo dos docentes. A identidade de classe por meio da
sindicalização pode ser compreendida como uma das imagens identitárias atuais dos
professores universitários, entretanto parece contraditório quando identifico com base
na análise das informações que os professores não se identificam com a categoria de
trabalhador assalariado.

Ao percorrer o processo de constituição do ensino superior brasileiro


transversalmente nas reformas Universitárias, e de modo especial às alterações
introduzidas pelas reformas educacionais a partir da década de 90, compreendo que o
processo de instituição da profissão acadêmica não se completou. Contraditoriamente o
que ocorre é um processo de descaracterização e desqualificação da profissão, do qual
fazem parte a precarização, flexibilização e intensificação do trabalho docente.

Em decorrência não há como desconsiderar que nesse contexto os professores


enfrentem maiores limites do que possibilidades para exercerem a profissão acadêmica
e construírem uma carreira. Talvez essas limitações expliquem o que leva os professores
a ressignificarem suas representação (auto-imagens), e, por conseguinte, o sentido que
atribuem à docência e os sentimentos que nutrem em relação à profissão acadêmica e ao
que é ser professor na Universidade. A reforma, como assinala Stephen Ball (2002, p. 5)
“não muda apenas o que nós fazemos. Muda também quem nós somos — a nossa
‘identidade social’”.

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A identidade docente, nesse sentido é uma entidade complexa, quer na sua
composição, quer na sua dinâmica, “não sendo nem as expressões psicológicas de
personalidades individuais nem os produtos de estruturas ou de políticas econômicas
impostas lá do alto. Elas são construções sociais que implicam a interação entre as
trajetórias individuais e os sistemas de emprego, de trabalho e de formação.” (Dubar,
1997, p. 264).

Diante disso, não tenho a intenção de que as aproximações conclusivas aqui


apresentadas sejam consideradas como definitivas, e sim, como resultados provisórios
de um itinerário investigativo, ocorrido em um espaço temporal próprio, no qual as
contemporâneas transformações na Universidade estabeleceram novas condições ao
trabalho docente, provocando significativas mudanças na profissão acadêmica, na
identidade e na imagem profissional do professor universitário. No entanto, é pertinente
reafirmar que esta é uma possibilidade dentre outras formas possíveis e igualmente
válidas de analisar as questões que este estudo buscou elucidar, assim como não posso
deixar de reconhecer que qualquer trabalho de investigação é sempre um convite para a
continuidade do debate acadêmico.

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