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Petrópolis – RJ
2017
AGRADECIMENTOS
Em seus versos, João Cabral diz que um único canto não será capaz de trazer a luz e
anular a escuridão, torna-se necessário que o galo convoque todos os galos e que eles possam,
desta forma, invocar a manhã. Essa percepção se afina com minha compreensão de conquista.
Por isso, agradeço a (à, às, ao, aos)...
Deus, fonte de força, sabedoria e tranquilidade, principalmente, nos momentos mais
turbulentos de todo o processo da escrita.
Filho, inspiração para seguir em frente. Quem faz tudo ter sentido.
Percy, companheiro amigo e motivador, pelas palavras de incentivo e encorajamento.
Obrigada por tudo!
Família e amigos, maiores interlocutores para manter a lucidez e a força necessária a
todo esse processo de investigação, leitura e escrita.
Pai (in memoriam), pela proteção divina.
Lílian Tavares e Natália Tavares, por fazerem parte da minha história.
Pedro, companheiro de viagem disponível e acessível, pela confiança e orientações
durante minha trajetória do mestrado e doutorado.
Professores da Universidade Católica de Petrópolis, especialmente, Antônio Flávio
Barbosa Moreira, Menga Ludke e Maria Celi Chaves, por terem contribuído significativamente
para meu crescimento profissional de pessoal.
Banca examinadora, pela leitura atenta e sugestões valiosas.
Professores Andrea Reis, Pablo de Vargas e Celia Jannuzzi, que tão generosamente me
acolheram, orientaram e me deram suporte para a realização deste trabalho.
Professores e alunos da instituição analisada que, desde o primeiro contato, foram
sensíveis e comprometidos às questões que nortearam esta pesquisa.
Amigo Felipe que, ao receber a notícia do término da escrita da escrita da tese, definiu,
de forma precisa, nossa relação: “parceria para além da academia”.
Colegas do doutorado, com os quais pude compartilhar angústias, medos, conflitos,
tensões e conquistas.
Meus alunos do ensino médio e da graduação, que me impulsionam e proporcionam
energia necessária para seguir sempre.
Aos amores!
Uma abordagem que vê o letramento como
prática social tornaria explícitas desde o início
os pressupostos e as relações de poder em que
tais modelos de letramento se fundam. Em
contraste com o argumento de que os
aprendizes não estão “prontos” para essa
interpretação crítica enquanto não atingirem
estágios ou níveis mais altos, eu afirmaria que
os professores têm a obrigação social de fazê-
lo [...]. Introduzi-los em sala de aula não é um
luxo, mas uma necessidade. (STREET, 2014, p.
155)
RESUMO
A última década trouxe uma intensificação dos estudos sobre a inserção dos discentes no
contexto acadêmico, especialmente, no que concerne aos usos da linguagem acadêmica. Esses
trabalhos despontaram, no Brasil, sob a égide da expansão do Ensino Superior e a massificação
de seu público por meio de inúmeros programas de democratização e acesso ao ensino. Quando
ingressam na universidade, as distintas convenções de escrita que regem o Ensino Superior
somadas as deficiências oriundas da Educação Básica apresentadas por grande parte dos alunos,
no que tange à leitura e à escrita, acarretam inúmeros conflitos por parte dos discentes que, por
conta disso, sentem-se excluídos da esfera acadêmica e, às vezes, chegam a abandonar o curso.
Considerando esse panorama, a presente pesquisa objetivou identificar as principais ações
desenvolvidas que promovem o letramento de domínio acadêmico pela instituição analisada.
Para isso, buscamos responder às seguintes questões: a) Existe (em) disciplina (as) específica
(as) voltada (as) para a abordagem do letramento de domínio acadêmico? b) Quais são os
modelos de escrita e as concepções de letramento privilegiados pelos professores? c) Até que
ponto um encaminhamento pedagógico que abarque os pressupostos do modelo letramentos
acadêmicos interfere na aprendizagem de novas práticas letradas? d) Quais são os principais
desafios encontrados pelos graduandos, no que tange aos usos da linguagem na esfera
acadêmica? Para a geração dos dados, foi realizada uma pesquisa de viés etnográfico, utilizando
os seguintes instrumentos: observações das aulas de duas disciplinas, destinadas à orientação
de leitura e escrita, e entrevistas com professores e alunos. A partir da análise dos dados,
percebemos que há uma distância entre o aparato teórico e o que efetivamente acontece acerca
dos encaminhamentos direcionados para o ensino da escrita. Em contrapartida, é preciso
destacar a participação significativa dos estudantes em eventos de letramento de domínio
acadêmico de diversas naturezas, aspecto considerado essencial para a inserção efetiva dos
mesmos no âmbito acadêmico.
The last decade has brought an intensification of the studies about the insertion of students in
the academic context, especially as far as the uses of the academic language are concerned. In
Brazil, these works appeared under the aegis of the expansion of Higher Education and the
massification of its public through numerous programs of democratization and access to
education. When they enter university, the different conventions that govern Higher Education,
together with the deficiencies that come from the High School presented by a great part of
students, as far as reading and writing are concerned, entail numerous conflicts on the part of
students who, because of this, feel excluded from the academic sphere, and sometimes even
drop out of university.Considering this scenario, the present research aimed to identify the main
actions developed that promote the literacy of academic domain in the institution analyzed. To
this end, we sought to answer the following questions: a) Is there a specific discipline (s)
focused on the approach of academic domain literacy? b) What are the models of writing and
the privileged conceptions of literacy? c) To what extent does a pedagogical approach that
embraces the presuppositions of the writing model of academic literacy interfere with the
learning of new literate practices? d) What are the main challenges faced by undergraduates,
regarding the uses of language in the academic sphere? For data generation, an ethnographic
bias research was carried out, using the following instruments: class observation in two subjects
aimed at reading and writing, and interviews with teachers and students. From the analysis of
the data, we perceived that there is a distance between the theoretical apparatus and what
actually happens about the referrals directed to the teaching of writing. On the other hand, it is
necessary to emphasize the significant participation of the students in academic events of
diverse natures, aspect considered essential for their effective insertion in the academic scope.
La dernière décennie a vu une intensification des études sur l'intégration des étudiants dans le
contexte académique, en particulier en ce qui concerne l'utilisation de la langue académique.
Ces travaux ont émergé au Brésil, sous les auspices de l'expansion de l'enseignement supérieur
et la masse de leur public par de nombreux programme de la démocratisation et l'accès aux
programmes d'éducation. Quand ils entrent dans l'université, les différentes conventions
relatives à l'enseignement supérieur a ajouté les lacunes découlant d'études secondaires
présentés par de nombreux étudiants, en ce qui concerne la lecture et l'écriture, impliquant de
nombreux conflits de la part des étudiants qui, à cause de cela, se sentent si exclus de la sphère
académique et viennent parfois à quitter le cours. Compte tenu de cette situation, cette étude
visait à identifier les principales actions développées pour promouvoir le domaine de
compétence scolaire par institution analysée. Pour cela, nous cherchons à répondre aux
questions suivantes: a) Y at-il de(s) dixipline(s) spécifique(s) centrée pour l'approche
d'alphabétisation dans le domaine académique ? b) Quels sont les modèles d'écriture et les
concepts d'alphabétisation privilégiée? c) Dans quelle mesure un cheminement éducatif
englobant les hypothèses du modèle d'écriture de alphabétisations académique interfère avec
l'apprentissage de nouvelles pratiques d'alphabétisation? d) Quels sont les principaux défis
auxquels sont confrontés les étudiants des cycles supérieurs, en ce qui concerne les usages de
la langue dans la sphère académique? Pour la génération de données, on a mené une recherche
ethnographique de polarisation à l'aide des instruments suivants: observations des leçons de
deux disciplines, visant à orienter la lecture et l’écrit, et des entrevues avec les enseignants et
les étudiants. A partir de l'analyse des données, nous avons réalisé qu'il y a un écart entre
l'appareil théorique et ce qui se passe réellement sur les références dirigées à l'enseignement de
l'écriture. Toutefois, il convient de noter la participation importante des élèves à des activités
universitaires de divers types, aspect considéré comme essentiel pour l'insertion effective des
mêmes dans le domaine universitaire.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Produção Textual (Sâmia) 103
Figura 2 – Produção Textual (Leonardo) 103
Figura 3 – Produção Textual (Sirlaine) 108
Figura 4 – Produção Textual (Fábia) 108
Figura 5 – Produção Textual (Paula) 109
Figura 6 – Produção Textual (Wagner) 109
Figura 7 – Produção Textual (Flaviana) 109
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Mitos assumidos na perspectiva da dicotomia ...................................................... 24
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14
INTRODUÇÃO
A motivação para realizar este estudo surgiu a partir de experiências vividas no campo
profissional que, num certo momento, incomodaram-me a tal ponto que resolvi escrever um
projeto de pesquisa a fim de pleitear uma vaga no curso de doutorado.
A primeira experiência relaciona-se ao período em que era aluna do Mestrado em
Educação. Quando ingressei no curso, deparei-me com inúmeras dificuldades no que concerne
aos usos da linguagem que circulava naquele contexto, ou seja, a linguagem acadêmica. Esses
obstáculos faziam com que me sentisse frustrada e excluída daquele espaço, acarretando, assim,
constantes momentos de angústia, conflito e tensão.
Para conseguir romper essa barreira realizei um estudo sistemático acerca de estratégias
de escritas dos gêneros textuais acadêmicos solicitados no curso. Essas leituras, além de
proporcionar suporte em relação à escrita, auxiliaram-me na compreensão dos gêneros
discursivos socializados nas disciplinas. Confesso que não foi uma tarefa simples, entretanto,
consegui alcançar meu objetivo, ou seja, desenvolver o letramento exigido naquele contexto
acadêmico.
Concomitantemente, desempenhando o papel de pesquisadora no curso de mestrado, em
parceria com o orientador, buscamos em nossos estudos verificar a concepção de linguagem
adotada nas aulas de duas professoras de uma escola da rede pública, bem como analisar se a
forma como os gêneros discursivos eram trabalhados favorecia o letramento dos alunos.
Considerando os dados apurados, constatamos a existência de uma disparidade entre o aparato
teórico e as considerações dos autores em relação àquilo que deve ser realizado e o que
efetivamente acontece na escola que serviu como objeto de pesquisa. Ademais, concluímos que
a forma como os gêneros discursivos eram trabalhados não favorecia o letramento dos alunos
(as). Cabe aqui destacar que a principal motivação para realizar este estudo surge do desejo de
um aprimoramento intelectual no doutoramento, dando continuidade à pesquisa realizada no
mestrado.
Por fim, destaco a minha experiência como professora e coordenadora de pesquisa e
extensão na Faculdade de Educação Tecnológica do Estado do Rio de Janeiro (FAETERJ).
Desempenhando a função de coordenadora, solicitava aos docentes que pedissem a seus
respectivos orientandos e alunos (as) que produzissem textos que pudessem ser socializados em
eventos científicos, entretanto, como resposta ao pedido, o discurso dos professores era sempre
o mesmo: “Eles não sabem ler nem escrever”.
16
Preocupados com esse cenário, pesquisadores como Lea e Street (1998, 2014), Gee
(1999), Lillis (1999), Russel (2009) vêm realizando estudos que comprovam que essas
dificuldades são encontradas e vivenciadas pelos discentes devido ao fato de que as convenções
que regem o contexto acadêmico são distintas daquelas que orientam o Ensino Médio, ou seja,
textos, maneiras de agir e interagir, entre outros aspectos, são específicos daquele meio.
Além dessas questões acerca das especificidades das práticas letradas acadêmicas, outro
fator que corrobora as dificuldades de inserção dos estudantes no referido meio relaciona-se à
deficiência que eles apresentam em lidar com a escrita quando concluem o Ensino Médio.
Dados do Inep acerca dos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) mostram
18
que, em 2014, 529.374 alunos (as) – considerando aqueles que deixaram a redação em branco,
bem como os que tiveram um desempenho insatisfatório – obtiveram nota zero na redação
proposta pela avaliação, donde conclui-se que um número significativo de estudantes termina
o Ensino Médio sem ter adquirido as competências avaliadas na correção da redação do Enem1.
Com base no exposto, elegemos, como problemática central deste estudo, as tensões
vivenciadas pelos discentes em relação aos usos da linguagem, quando se inserem no contexto
acadêmico.
Partindo dessas reflexões, surgiu a motivação para realizar esta pesquisa que tem por
objetivo identificar as principais ações que promovem o letramento de domínio acadêmico
1
Na correção da avaliação do Enem são avaliadas cinco competências. São elas: 1. Demonstrar domínio da norma
culta da língua escrita, 2. Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento
para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo, 3. Selecionar,
relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista, 4.
Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação e 5.
Elaborar proposta de solução para o problema abordado, mostrando respeito aos valores humanos e considerando
a diversidade sociocultural. Disponível em <http://bit.ly/2dxmtUS>. Acesso em: 03 de ago. 2016.
19
desenvolvidas pela instituição analisada. Para isso, buscamos responder às seguintes questões:
Existe(em) disciplina(as) específica(as) voltada(as) para abordar as questões que envolvem o
letramento de domínio acadêmico? Quais são os modelos de escrita e as concepções de
letramento privilegiados? Até que ponto um encaminhamento pedagógico que abarque os
pressupostos do modelo de escrita letramentos acadêmicos interfere na aprendizagem de novas
práticas letradas? Quais são os principais desafios encontrados pelos graduandos no que tange
aos usos da linguagem na esfera acadêmica?
Por fim, nas considerações finais, realizamos uma breve síntese dos pressupostos
teóricos que alicerçaram esta pesquisa, bem como das questões com as quais nos ocupamos,
apontando algumas reflexões e sugestões que as análises da pesquisa nos permitiram.
Soares (2004), uma das referências dos estudos acerca do letramento no Brasil, afirma
que o termo letramento surge, simultaneamente, há aproximadamente três décadas, em vários
países com características socioeconômicas, geográficas e culturalmente distintas, com o intuito
de compreender as questões sociais dos usos da língua.
Considerando que a sociedade utiliza cada vez mais a escrita para interagir, e que apenas
a aquisição da tecnologia da leitura e da escrita não dão conta de atender às necessidades
linguísticas dos indivíduos, faz-se necessário compreender as práticas sociais que envolvem a
língua escrita, isto é, o letramento.
Segundo a autora, nos países de Primeiro Mundo, os estudos acerca do letramento são
desvinculados das pesquisas sobre a alfabetização, pois se verifica que a maioria dos alunos
que passa pela Educação Básica adquire a aprendizagem da escrita, logo, essa seria uma questão
solucionada. Como base nisso, na França, por exemplo, as questões analisadas e as ações
propostas de alfabetização são, geralmente, voltadas para atender aos trabalhadores imigrantes
e aos analfabetos da língua francesa, ou seja, ao público que não passou pela escolarização
básica (SOARES, M., 2004).
Nos Estados Unidos, os estudos acerca das práticas sociais de leitura e de escrita
despontam a partir dos resultados de avaliações realizadas pelos egressos do High School –
nível de ensino correspondente ao Ensino Médio no Brasil – tendo em vista a insuficiência das
“habilidades de leitura demandadas em práticas sociais e profissionais que envolvem a escrita”
(KIRSCH; JUNGEBLUT, 1990, apud SOARES, M., 2004, p. 7). Os resultados dessas
avaliações apontaram que os alunos, assim como na França, não apresentavam problemas
relacionados à alfabetização, mas, sim, ao letramento, em outras palavras, não dominavam as
competências de uso da leitura e da escrita.
Uma crítica nesse sentido é feita por Magda Soares quando enfatiza que, no Brasil, as
pesquisas sobre letramento estão sempre vinculadas a questões da alfabetização, o que acarreta
“uma inadequada e inconveniente fusão dos dois processos” (SOARES, M., 2004, p. 8).
Nota-se que a questão posta pelas pesquisadoras dessa área é que o conceito de
letramento associa-se ao conceito de alfabetização no que concerne à aquisição da leitura e da
escrita, entretanto, vai além, no tocante à utilização dessas tecnologias – leitura e escrita – para
inserção dos indivíduos nas diversas práticas sociais em que estão inseridos.
A pesquisadora acrescenta que, o simples fato de o termo letramento ter sido inserido
no nosso vocabulário, pressupõe o reconhecimento de que existem problemas de ordens
distintas, porém indissociáveis, a saber, aquelas relacionadas à aprendizagem da escrita e as
referentes aos usos sociais da leitura e da escrita.
O letramento pode ser analisado, segundo Magda Soares (2010), a partir de quatro
perspectivas quais sejam, linguística, antropológica, psicológica e educacional.
Atualmente, grande parte das pesquisas que buscam compreender a linguagem sob o
viés social são realizadas com base nas teorias dos New Literacy Studies. Como essa abordagem
fundamentará o nosso trabalho, no item a seguir, realizaremos uma breve análise sobre os
pressupostos que a orientam.
O movimento dos Novos Estudos do Letramento (The New Literacy Studies) teve início
na década de 80, com os pesquisadores Street (1984), Gee (1999), Scribner e Cole (1981) e
Heath (1983).
Foi a partir desses questionamentos que os pesquisadores Street (1984), Scribner e Cole
(1981) e Heath (1983) realizaram seus estudos e verificaram uma nova perspectiva sobre
aspectos relacionados à linguagem, trazendo, à tona, as elucidações dos Novos Estudos do
Letramento (NLS).
[...] as práticas de letramento, como práticas sociais que são, têm caráter
situado, ou seja, têm significados específicos em diferentes instituições e
grupos sociais. Desse modo, assumindo que as práticas de uso da escrita são
diferentes, é possível assumir que existem múltiplos letramentos, a depender
das esferas e grupos sociais: escolar, religioso, familiar etc. (FIAD, 2011, p.
361-362).
Isso significa que, para cada esfera social, é necessária a aquisição de um letramento
específico, o que justifica a utilização do termo letramentos.
Como citado, anteriormente, a questão da dicotomia entre oralidade e escrita era outro
aspecto que preocupava os teóricos do grupo dos NLS. Os adeptos da corrente denominada de
a Grande Divisa entre a oralidade e a escrita, Havelock (1963), Goody (1968), Greenfield e
Hyldyard (1972) e Olson (1978), citados por Street (1984), postulavam a existência da
soberania da escrita em relação à fala. Por consequência, discriminavam as sociedades orais por
acreditarem que “o grau de desenvolvimento tecnológico e a capacidade de raciocínio seriam
impensáveis sem a escrita” (MARCUSCHI, 2001, p. 17).
25
Terra (2013) enfatiza que essa dicotomia precisou inúmeros mitos acerca da oralidade
e da escrita, em relação aos seus impactos culturais e sociais, e às suas especificidades,
conforme apresentado no quadro a seguir.
Mitos ligados às características das Mitos ligados aos efeitos sociais e culturais
modalidades de linguagem das modalidades da linguagem
Barthes e Marty, assim como os estudiosos dos NLS, vão de encontro às conjecturas da
Grande Divisa e enfatizam que a palavra é tão efetiva quanto a escrita. Os autores destacam que
ambas são indissociáveis e resumem a relação estabelecida entre elas, afirmando que
o escrito funciona numa relação com o idêntico, o oral numa relação com o
outro; relação com o idêntico, a repetição, a re-enunciação que o leitor faz do
texto que lê; relação com o outro, a comunicação oral que tem origem na
alteração, no desvio produzido pela presença do outro (1987, p. 49).
Foi a partir dessas constatações que adveio a concepção, nomeada por Street (1984), de
modelo autônomo de letramento. Em contraposição a esse modelo de letramento, o pesquisador
26
A seguir, realizaremos reflexões acerca dos conceitos que fazem parte dos estudos do
NLS, tendo em vista que esses pressupostos nos auxiliaram a analisar os dados gerados pela
pesquisa.
o uso da língua apenas aos meios escolares. Os textos, por sua vez, quando produzidos, têm
como único fim atenderem a algum requisito curricular do professor.
É possível observar claramente uma grande lacuna entre os modos pelos quais
estamos ensinando a leitura e a escrita na escola e o sofisticado conjunto de
práticas que os estudantes usam fora da escola. Tratando a linguagem como
uma mera habilidade, o currículo escolar aborda, de forma restrita, apenas uma
fração mínima de habilidades que os aprendizes necessitam para fazer sentido
no mundo atual. (PAHL; ROWSELL, 2005, p. 3).
Street (2014 p. 43) afirma que “dentro do quadro do modelo autônomo de letramento, a
questão para agências se torna: como ensinar as pessoas a decodificar sinais escritos e, por
exemplo, evitar problemas de ortografia”, o que enfatiza a preocupação dos pesquisadores
citados em relação à distância entre as propostas do modelo autônomo e as reais necessidades
dos falantes.
No tocante a essa concepção, o principal objetivo do trabalho é fazer com que os alunos
consigam interagir de maneira eficaz e satisfatória nas diversas práticas sociais em que estão
inseridos e construam conhecimentos nos variados contextos onde a linguagem se faz presente.
Para tanto, os expoentes do modelo ideológico ressaltam “a importância do processo de
socialização na construção do letramento para os participantes” (OLIVEIRA, 2015, p. 123).
O conceito de evento de letramento surgiu com base na pesquisa realizada por Heath
(1983) que teve por objetivo investigar como sociedades específicas de Trackton – comunidade
afro-americana de operários – e Roadville – comunidade operária de brancos nos Estados
Unidos – lidavam com as orientações de letramento, tomando como base de análise a descrição
dessas práticas diferenciadas. A autora concluiu que, apesar de ambas as comunidades serem
letradas, possuíam diferentes formas de acessar, estruturar e utilizar a escrita, ou seja, formas
específicas de se valerem dos textos.
Foi a partir dessas pesquisas que Heath (1982, p. 93 apud STREET, 2014, p. 173) definiu
evento de letramento como “qualquer ocasião em que um fragmento de escrita integra a
natureza das interações dos participantes e seus processos interpretativos”. Isso significa que os
eventos de letramento ocorrem de variadas formas em quaisquer contextos – escolares ou não
– onde as interações são mediadas pelo texto escrito.
as práticas estão incluídas nas visões de mundo partilhadas que, por sua vez,
estão presentes nas ideologias e nas identidades sociais que as pessoas
30
Abrimos aqui um parêntese para discutir, brevemente, algumas questões que envolvem
essas relações de poder que, segundo Barthes e Marty, são intrínsecas à língua
tal contato. Os pesquisadores destacam ainda que, essa relação de subordinação à prece torna-
se mais evidente e intensificada a partir da passagem do oral para a escrita
Por fim, os estudiosos trazem a análise realizada pelo historiador Tocqueville sobre o
poder da escrita dos livros dos pensadores franceses durante a Revolução Francesa, quando foi
possível observar que “lendo-os, toda a nação acabou por adotar instintos, formas mentais,
gostos e até defeitos naturais dos que escreveram”.
Ainda acerca da língua como lugar de poder, Lévi-Strauss (1996), durante suas
observações realizadas no contato com os Nambiquara, nos sertões do Centro-Oeste brasileiro,
relata que, quando entregou algumas folhas de papel e lápis aos indígenas daquela tribo,
percebeu que eles não possuíam nenhuma habilidade relacionada aos usos da escrita. Todavia,
o que impressionou o antropólogo foi o fato de o chefe dos índios encenar o gesto da escrita,
imitando-o, não com o fim de adquirir a habilidade da escrita, mas, sim, com a intenção de
simular aos demais membros da tribo que ele detinha o conhecimento do homem branco.
Fazemos aqui um hiato para salientar que alguns autores como Fischer (2007) e Oliveira
(2010) destacam que a expressão letramento acadêmico compreende qualquer contexto que
apresente práticas formais de escolarização, independente do nível, enquanto Fiad (2011),
Rodrigues (2012) e Ferreira (2013) consideram o termo como específico ao contexto
universitário. Nesta pesquisa, o termo será compreendido como específico ao contexto
universitário. Ademais, empregaremos o termo letramento do domínio acadêmico, uma vez
que, posteriormente, o termo letramento acadêmico será utilizado para discorrer sobre uma das
perspectivas da escrita.
Voltando à reflexão dos estudos acerca do letramento de domínio acadêmico, quando
ingressam no Ensino Superior, os graduandos se deparam com alguns aspectos que dificultam
2
Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o número de
alunos matriculados passou de 6.379.299 em 2010 para 7.305.977 no ano de 2013. Disponível em:
<http://bit.ly/2eCAYny>. Acesso em: 08 jun. de 2016.
3
O objetivo do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) é financiar a graduação na
Educação Superior de estudantes que não têm condições de arcar com os custos de sua formação. Para candidatar-
se ao financiamento, os alunos devem estar regularmente matriculados em instituições pagas, cadastradas no
programa e com avaliação positiva nos processos avaliativos do MEC. Disponível em: <http://bit.ly/OFKhVk>.
Acesso em: 08 jun. 2016.
4
O Programa Universidade para Todos (ProUni) foi criado em 2004, pela Lei nº 11.096/2005. Sua finalidade é
conceder bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes de cursos de graduação e de cursos sequenciais de
formação específica, sempre em instituições privadas de Educação Superior. Quem adere ao programa recebe
isenção de tributos. Disponível em: <http://bit.ly/1cdTqsj>. Acesso em: 08 jun. 2016.
5
O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) busca ampliar
o acesso e a permanência na Educação Superior. A meta é dobrar o número de alunos nos cursos de graduação em
dez anos, a partir de 2008, e permitir o ingresso de 680 mil alunos a mais nos cursos de graduação. Disponível em:
<http://bit.ly/2eLiK3o>. Acesso em: 08 jun. 2016.
6
O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) oferece bolsas de iniciação à docência para
alunos de cursos presenciais que se dedicam ao estágio nas escolas públicas e que, quando graduados, se
comprometam a trabalhar no magistério da rede pública de ensino. O objetivo é antecipar o vínculo entre os futuros
mestres e as salas de aula. Com essa iniciativa, o Pibid faz uma articulação entre a Educação Superior (por meio
das licenciaturas), a escola e os sistemas estaduais e municipais. Disponível em: <http://bit.ly/2dWhCbO>. Acesso
em: 20 dez. de 2015.
33
sua inserção nessa esfera, tais como a ruptura de nível de ensino e a diversidade das práticas
letradas.
As convenções que regem o contexto acadêmico são distintas daquelas que conduzem
o Ensino Médio, ou seja, textos, maneiras de agir e interagir entre outros aspectos são
específicos desse contexto. Além disso, os estudantes se deparam com inúmeras práticas
letradas distintas daquelas que faziam parte de outros níveis de escolarização, sendo assim,
ainda que esses discentes sejam competentes leitores e produtores de textos, a aquisição dessas
novas linguagens não é assimilada de uma maneira automática.
7
Grafamos o D maiúsculo, conforme o autor do conceito utiliza em suas obras.
8
Este termo foi utilizado por Gee (2001) para tratar da inserção efetiva dos indivíduos nas esferas pelas quais
circulam.
34
instaurando, segundo Lillis (1999), o discurso de déficit. Esse discurso, na maioria das vezes, é
estabelecido de forma equivocada pois, como afirma Russel, “os problemas são parte normal
da aprendizagem para se comunicar em uma ou várias novas áreas” (RAMOS, F.; ESPEIORIN,
V., 2009, p. 247).
Isso faz com que os professores adotem uma prática denominada por Lillis (1999) de
prática do mistério. A autora destaca que vários aspectos relacionados aos usos da linguagem
permanecem ocultos, justamente pelo fato de existir essa visão equivocada de que as
convenções que conduzem a escrita acadêmica fazem parte do repertório de qualquer indivíduo
que ingresse no Ensino Superior.
Ao ser questionado sobre as estratégias que podem ser utilizadas para amenizar a
distância entre o texto produzido pelo aluno e a demanda do professor, numa entrevista
concedida à revista Conjectura, o linguísta David Russell afirma que, em determinado momento
de sua carreira docente, constatou que nunca havia exposto para seus alunos o que ele valorizava
e avaliava em termos de escrita e percebeu que os discentes não decifrariam suas expectativas
sem que as mesmas fossem elucidadas e justificadas. Sendo assim, ele ressalta que “a tarefa,
então, se transforma em comunicar essas expectativas para os alunos, de forma direta ou, às
vezes, indireta” (RAMOS, F.; ESPEIORIN, V, 2009, p. 244).
Em seus estudos, Ferreira (2013) e Rinck, Boch e Juliana Assis (2015) realizaram um
breve levantamento das vertentes de pesquisa, elaboradas em vários países sobre as práticas de
leitura e escrita do domínio acadêmico, sendo elas, Phenomenografic Tradition (Reino Unido),
35
que se dedicou a realizar análises sobre a aculturação dos estudantes no discurso acadêmico;
Retoric and composition (Estados Unidos), que tem como foco de estudo os aspectos formais
da escrita; Writing Across the Curriculum (Austrália e Reino Unido), que realiza estudos sobre
estratégias de leitura e de escrita dos gêneros acadêmicos; Writing in the Disciplines (Estados
Unidos), que analisa o que colabora com o desenvolvimento integrado do currículo; English for
Academic Purpose (Austrália), que aborda as relações entre a leitura e escrita; Academic
Literacy (Reino Unido), que tem como intuito compreender o ensino e a aprendizagem no
Ensino Superior, não apenas ao que concerne à leitura e à escrita, mas também às convenções
que circulam na universidade e Succès em Licence (França), que está centrada em questões
voltadas para a expressão escrita.
O objetivo da pesquisa realizada por Nogueira (2007) foi apresentar uma proposta
operacional de ensino de língua que levasse os alunos do curso de Administração de Empresas
a ler e produzir textos voltados às suas necessidades acadêmicas. A autora conclui seus estudos
enfatizando dois aspectos: a importância da formação do leitor como etapa essencial para que
os alunos assumam o papel de produtores de textos e um trabalho baseado nos gêneros textuais
acadêmicos.
práticas letradas. Baseada nos pressupostos dos teóricos Soares (2006), André (2003) e Gee
(1999), a autora depreende – diferentemente das pesquisas até o momento analisadas – a
existência de um modelo dialógico dos letramentos acadêmicos como norteador da constituição
letrada das alunas.
Em 2010, Oliveira realizou seu estudo, assim como Cássia Assis (2005), sobre a
produção de um gênero específico, a resenha. Seu intuito foi compreender os conflitos que
surgiam, por parte dos alunos, relacionados à produção desse gênero textual. Através dos textos
produzidos pelos alunos, a pesquisadora apontou que os conflitos que emergem da produção da
resenha relacionam-se às histórias de letramentos, com os Discursos que levam para a
universidade sobre o gênero e com os Discursos que precisam aprender para interagir no
contexto acadêmico, além da prática do mistério – citada anteriormente – adotada pelo
professor.
Por fim, destacamos a pesquisa de Oliveira (2015) que buscou compreender como os
alunos mobilizam recursos linguístico-discursivos que textualizam o gerenciamento de vozes
de dois gêneros: o resumo e a resenha. O estudo foi realizado durante um extenso período de
37
três anos, quando a pesquisadora coletou resumos e resenhas produzidos por três alunos do
curso de Letras de uma universidade particular em São Paulo. A autora concluiu que a maneira
com a qual os alunos promovem o gerenciamento de vozes em seus textos relaciona-se, não só
com o conhecimento que possuem sobre a escrita acadêmica, mas com suas histórias de
letramento, ou seja, com os modelos de letramentos a que foram submetidos. Destacou,
também, a prática do mistério que os professores adotaram para ensinar os gêneros textuais.
Além dessas pesquisas, alguns estudiosos acerca desta temática publicaram literaturas
que objetivam auxiliar o desempenho dos alunos em relação à escrita acadêmica como Resumo,
Resenha e Como planejar gêneros acadêmicos de Machado, Lousada e Abreu-Tardelli (2004)
e Produção Textual na Universidade de Motta-Roth e Hendges (2010), entre outros.
Grande parte das pesquisas citadas teve como base os pressupostos teóricos dos Novos
Estudos do Letramento, que engloba a vertente Academic Literacy, mencionada anteriormente.
Russell enfatiza que “escrever é tão importante para o sistema que deveria ser o objeto
de nossa atenção como professores, como departamentos, como universidades” (RAMOS, F.;
ESPEIORIN, V. 2009, p. 247). Baseados na experiência enquanto professora universitária e da
Educação Básica, compartilhamos dessa mesma visão, pois percebemos a existência de
inúmeros conflitos vivenciados pelos discentes relativos à escrita e o que esses acarretam na
vida acadêmica desses alunos.
Como já citado, a maioria dos docentes não consegue perceber que grande parte das
dificuldades estão relacionadas ao fato de que a aprendizagem não está concluída quando os
discentes ingressam na universidade; que a aprendizagem da escrita é contínua; e que para cada
prática de letramento se fazem necessários determinados conhecimentos textuais e sociais. E,
por não terem consciência sobre essas questões, responsabilizam os professores do Ensino
Médio pelas deficiências dos alunos.
Russell tem uma percepção oposta à maioria dos professores universitários; afirma que
eles, docentes, são os responsáveis por auxiliar os estudantes a se inserirem no Discurso
acadêmico, ou seja, “ensinar os alunos a comunicar o conhecimento em sua área” (RAMOS,
F.; ESPEIORIN, V. 2009, p. 244). Para isso, sugere algumas estratégias como apresentar textos
considerados por eles como bons exemplos de escrita; introduzir os gêneros acadêmicos e suas
características; e auxiliar na compreensão de textos específicos da área em estudo.
Outra questão que se coloca em relação à escrita acadêmica associa-se ao fato de que
no contexto escolar, independente do nível, a escrita é utilizada pelos professores apenas como
instrumento de avaliação, o que dificulta a percepção dos alunos em relação à função social
inerente da língua. Juliana Assis alerta sobre a necessidade de se fazer com que os alunos
compreendam a escrita como um repertório de estratégias de comunicação, em outras palavras,
“que aprendam a pensar e agir por meio da escrita” (ASSIS, J., 2015, p. 11).
ensinada. Nesse sentido, assinalaram três modelos: modelo das habilidades de estudo, modelo
da socialização acadêmica e modelo de letramentos acadêmicos.
Segundo Kleiman (2012, apud MORETTO, 2014, p. 43) as instituições que optam por
adotar esse modelo de escrita trabalham os textos das seguintes formas: a) como um conjunto
de elementos gramaticais, em que o texto é apenas pretexto para o ensino da gramática e b)
como “repositório de mensagens”, na qual o texto se transforma em um conjunto de palavras,
do qual devem ser extraídas informações que comprovem a mensagem que nele se encontra.
Essas práticas são legitimadas, porque o objetivo dos professores que adotam essa vertente é
apenas auxiliar os alunos a codificar corretamente as palavras e decodificá-las.
Além disso, o discente é responsável por adquirir competências necessárias para lidar
com as práticas letradas, e, caso não consiga dominar tais conhecimentos, torna-se o único
responsável pelo seu insucesso (OLIVEIRA, 2015).
Lea e Street (2014) destacam que essa perspectiva da escrita foi elaborada, mesmo que
de maneira implícita, com base nas teorias de aprendizagem em que se evidenciam a
40
Considera ainda, assim, como Bahktin (2003), que a linguagem se materializa através
dos gêneros discursivos e que esses possuem características relativamente estáveis. Logo,
acredita-se que um trabalho que contemple as características dos diversos gêneros acadêmicos
possa dar conta de auxiliar o aluno a lidar com as práticas letradas presentes na academia.
Algumas críticas são feitas acerca desse modelo. A primeira se baseia no fato de que
despreza a função social da língua e a relação de poder que a perpassa, acaba por fazer com que
“essa abordagem tende a tratar a escrita como meio de representação transparente” (LEA;
STREET, 1998, p. 158). A segunda crítica está relacionada ao fato de que considera as
orientações de escrita como uniformes. Apropria-se da crença de que a academia possui uma
cultura homogênea, reiterando sua visão monolítica e imutável, o que colabora “para formar
reprodutores de discursos legitimados na academia e dificultar o avanço para permitir ao aluno
universitário apropriar-se de modo efetivo dos gêneros acadêmicos” (MORETTO, 2014, p. 44).
Apesar de conceber a escrita por um prisma distinto dos demais modelos, a concepção
de escrita letramentos acadêmicos não deixa de destacar a importância de se trabalharem as
habilidades formais da escrita, bem como a aculturação do estudante. Todavia, vai além, ao
enfatizar a necessidade da realização de um trabalho que dê conta de abordar e analisar,
principalmente, as questões sociais da escrita que são consideradas intrínsecas aos usos da
língua.
exige não apenas ensinar aos alunos a tecnologia da escrita, ou seja, promover
a alfabetização, mas, simultaneamente, oferecer-lhes a oportunidade de
entender as situações sociais de interação que têm o texto escrito como parte
constitutiva e as significações que essa interação tem para a comunidade local
e que pode ter para outras comunidades. Em suma, significa ensinar o aluno a
usar a escrita em situações do cotidiano como cidadão crítico (TERZI, 2006,
p. 5).
É importante observar que essa vertente diferencia-se dos demais modelos no que diz
respeito à valorização das histórias de letramento dos discentes, uma vez que, nesse paradigma,
essas histórias são consideradas e utilizadas como subsídios para a elaboração de estratégias
que visem socializar os alunos do e no Discurso de domínio acadêmico. Sendo assim, “parte do
9
A Linguística Crítica busca analisar as questões sociais dos usos da língua, ou seja, compreender a língua como
prática social. Os teóricos que se debruçam sobre esse corrente enfatizam que todo enunciado apresenta questões
políticas e ideológicas. Ressaltam ainda que por vivermos num mundo socialmente injusto, é necessário que os
estudos acerca da língua se comprometam com essas questões sociais e busquem estratégias para intervir em
determinadas realidades (RAJAGOLAPAN, 2004).
42
Ainda sobre os graduandos, a fim de que eles se sintam parte da comunidade acadêmica,
segundo Lea e Street (2014), torna-se necessário elaborar um currículo que contenha um
repertório de práticas linguísticas consideráveis que dê conta de inseri-los nos distintos
contextos e disciplinas a que são expostos. Justificam, ainda, que a importância de tais práticas
associa-se ao fato de que o discente, quando ingressa na universidade, desconhece, até então,
as práticas que em sua maioria são específicas dessa esfera.
Acrescentam ainda que, apesar de abordarem eixos distintos, é importante que essas três
perspectivas relacionadas à escrita acadêmica sejam trabalhadas em conjunto, pois todas visam
à inserção dos alunos no meio acadêmico, não sendo consideradas, assim, excludentes. A partir
disso, os pesquisadores destacam a importância de mobilizar os modelos de escrita, conforme
as necessidades dos próprios discentes.
Percebendo a dificuldade dos alunos no que concerne aos usos da escrita no Ensino
Superior, pesquisadores do King´s College, com a colaboração de instituições governamentais,
desenvolveram o projeto denominado de Programa de Desenvolvimento do Letramento
Acadêmico. O público-alvo são alunos do nível A (correspondente aos pré-universitários no
43
Brasil), e tem por objetivo melhorar o desempenho dos estudantes nesse nível de ensino, bem
como auxiliá-los a ingressar no nível superior. Os responsáveis por ministrar os encontros são
tutores (professores do Ensino Superior) e os próprios autores do projeto que se baseiam nas
conjecturas do modelo de escrita letramentos acadêmicos, de trabalhos sobre multimodalidade
e gêneros discursivos.
Street e Lea (apud STREET, 2006, p. 487) através desse contato foi possível identificar o
letramento pregresso dos discentes e verificar o que era necessário aprimorar e desenvolver
para “se ajustarem aos padrões da educação de nível superior”.
O segundo exemplo trazido pelos autores é representado por dois workshops elaborados
com base nos conteúdos do curso denominado Materiais de Curso de Escrita de Nível 1 da
Faculdade de Direito da Universidade Aberta, de Londres. A faculdade atende estudantes de
cursos de Educação Profissional e Tecnológica, oferecidos nas modalidades on-line e
presencial, sendo o material escrito utilizado como o principal meio de compartilhar o
conhecimento em quaisquer modalidades. Todavia, percebendo as dificuldades dos alunos em
acessar as práticas letradas e compreender alguns conceitos básicos do Direito, os professores
resolveram ofertar um curso de estudos introdutórios com o intuito de auxiliá-los.
Devido ao fato da experiência do corpo docente ser voltada para o público do Ensino
Superior, os gestores da Faculdade decidiram oferecer dois workshops sobre desenvolvimento
profissional, com o objetivo de proporcionar aos professores uma visão ampla acerca do
material elaborado para o Curso de Escrita de Nível 1.
Ambas as oficinas foram elaboradas com base na perspectiva de escrita letramentos
acadêmicos. Entretanto, diferente de como aconteceu no Programa de Desenvolvimento do
Letramento Acadêmico, os pressupostos dessa vertente não foram expostos.
O primeiro Workshop teve por objetivo auxiliar o corpo docente a compreender a
percepção dos alunos e o porquê de esses discentes apresentarem inúmeras dificuldades em se
tratando de escrita acadêmica. Para isso, foram trabalhados gêneros discursivos variados que
fazem parte do material do curso à distância para que o corpo docente: a) percebesse a
importância e os desafios da produção dos materiais do curso, em se tratando da construção de
sentido e identidade e b) compreendesse que as dificuldades apresentadas pelos discentes
devem-se ao fato de a natureza dos textos acadêmicos ser distinta dos textos com os quais eles
têm contato antes de ingressar no ensino superior.
46
Posto isso, foi solicitado ao corpo docente que, considerando a história pregressa dos
alunos que participariam do curso, elaborassem questões acerca das possíveis dificuldades que
os discentes poderiam encontrar em relação ao material.
Os idealizadores da oficina concluíram que, ainda que os pressupostos dos letramentos
acadêmicos não tenham sido explicitados,
Posteriormente, foi oferecido um segundo workshop que teve por objetivo fazer com
que os professores refletissem sobre as inúmeras práticas institucionais em que os textos
estavam envolvidos, focalizando a escrita do próprio corpo docente. Para tal fim, os tutores da
oficina solicitaram aos professores que elaborassem uma lista dos gêneros discursivos
utilizados no contexto acadêmico em que eles estavam inseridos. Como é possível verificar no
Quadro 4 a seguir, foram enumerados diversos gêneros:
Segundo Lea e Street (2014), o que despertou a atenção dos organizadores do workshop,
durante os debates sobre a natureza das escritas dos docentes, foi o fato de os participantes
47
Após realizar uma breve incursão acerca dos estudos do letramento de domínio
acadêmico, torna-se perceptível a amplitude das questões que envolvem a escrita, no caso em
estudo, a escrita acadêmica. Essas questões envolvem dimensões de diversas ordens, tais como
relações de poder; identidade; convenções que regem a escrita; construção de conhecimento.
Nota-se ainda que, considerar o letramento como prática social – proposta dos NLS –
implica associá-lo à perspectiva dos gêneros discursivos, uma vez que esses se constituem como
objeto de ensino-aprendizagem da escrita. Por isso, e também por acreditarmos, a partir de
nossas experiências enquanto pesquisadora e docente universitária, que os gêneros são
ferramentas essenciais nesse processo, realizaremos, no momento oportuno, uma breve reflexão
acerca dos estudos dos gêneros discursivos.
48
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
10
Resido na cidade de Pirapetinga/MG que fica a 24 km do município de Santo Antônio de Pádua, onde está
localizada a universidade em estudo.
49
de corpo docente e discente, o que possibilita maior incursão em torno do que tem sido realizado
acerca do letramento de domínio acadêmico.
O INFES foi criado pela resolução CUV 75/2009, de 27 de maio de 2009 e, atualmente,
oferece os cursos de Bacharelado em Matemática e as Licenciaturas em Matemática, Física,
Ciências Naturais, Computação, Pedagogia e Educação do Campo, perfazendo um total de sete
cursos de graduação. Além desses, possui um Programa de Pós-Graduação em Ensino, em nível
de Mestrado. Dispõe de um quadro que conta com um total de sessenta e três docentes,
dezesseis técnicos administrativos e duas bibliotecárias.
Para conseguir ter acesso ao campo e dar início à pesquisa, em junho de 2015, fizemos
contato preliminar, via e-mail, com um professor do curso de Pedagogia que intermediou nossa
inserção na universidade.
11
Santo Antônio de Pádua é um município do estado do Rio de Janeiro, situado no noroeste fluminense. A cidade
de, aproximadamente, 41.000 habitantes, possui como principal fonte de renda quatro indústrias de papéis, pedras
decorativas e de revestimentos; pecuária leiteira e o comércio que engloba diversas lojas de roupas, farmácias,
supermercado etc. Disponível em: <http://bit.ly/2eEhK0H>. Acesso em: 30 mai. 2016.
50
O interesse do grupo pelo projeto de pesquisa foi unânime, logo, surgiram inúmeras
considerações acerca dos usos da linguagem na universidade.
12
O grupo de pesquisa Laboratório de Pesquisa em Infância, Imaginário e Subjetividade é coordenado pela
professora Dra. Andréa Cardoso Reis, foi criado em 2010 com o objetivo de estabelecer conexões entre diferentes
linhas de pesquisa que entrelaçam diversos aportes teóricos e estratégias de trabalho em torno dos estudos sobre
infância, imaginário social e produção de subjetividades. Segundo a coordenadora, o grupo nasceu da necessidade
de abarcar as demandas de pesquisadores e estudantes de graduação (licenciaturas) que buscam um espaço de
interlocução sistematizado nas seguintes linhas de pesquisa: Culturas da Infância e Intergeracionalidade; Infâncias
e Produção de Subjetividades na Formação de Professores; Lugares da Infância e da Exclusão na Produção
Literária na Infância; Processos Criativos e Tecnologias; O currículo e as culturas da infância; e Educação Infantil
em contextos rurais. O grupo é composto por professores e alunos que representam todos os cursos oferecidos pela
universidade.
13
Utilizamos nomes fictícios para todos os atores envolvidos na pesquisa a fim de preservar suas identidades.
51
aspectos, segundo eles, acarretam deficiências relacionadas à escrita, tais como, dificuldades
em ordenar as ideias, construção de frases redundantes e textos fragmentados. Acentuaram,
ainda, que esses obstáculos interferem de forma significativa no processo ensino-aprendizagem
e que, por isso, têm sido o assunto principal das reuniões de curso.
Com base nas considerações dos professores e dos alunos, foi possível perceber que não
são apenas os discentes que cursam a graduação que se sentem incapazes de dominar as práticas
letradas de domínio acadêmico, mas, também, aqueles que concluíram o curso, como no caso
de Gilda e Maria.
Nesse ponto, consideramos a visão de Fiad quando esclarece que “os estudantes vão se
acomodando às práticas letradas”, o que não significa que eles concluem a graduação
dominando de forma efetiva as práticas letradas que fazem parte do cotidiano acadêmico (2016,
52
p. 220). Por isso, defendemos, assim como Fiad, a necessidade de orientar e mostrar aos
graduandos as práticas letradas que circulam na esfera acadêmica, tendo, como ferramenta de
ensino-aprendizagem, os gêneros discursivos acadêmicos trabalhados sob a perspectiva do
modelo de escrita letramentos acadêmicos.
A partir das respostas concedidas pelos professores, não foi possível identificar quais
são os instrumentos de avaliação que utilizam, todavia, chamou-nos a atenção o índice de
retenção destacado por eles.
Ao observar esses dados, é possível verificar que o número de alunos que se evadem no
Ensino Superior é significativo, donde se pode concluir que as políticas voltadas para auxiliá-
los a permanecer na universidade – em outras palavras, romper as inúmeras barreiras com as
quais se deparam, tais como, diversidade de práticas letradas, ruptura de nível de ensino, entre
14
Fonte:< http://www.institutolobo.org.br/imagens/pdf/artigos/art_087.pdf>Acesso em: 03 jun. 2016.
15
Fonte: < http://convergenciacom.net/pdf/mapa_ensino_superior_2016.pdf> Acesso em: 05 jun.2016.
53
É perceptível que ampliar o acesso, todavia, não oferecer condições para a permanência
dos estudantes, compromete a eficácia das políticas de democratização do ensino superior. Por
essa razão, faz-se necessário disponibilizar meios para que os estudantes – em sua grande
maioria oriunda de uma educação básica deficiente, sobretudo, no que diz respeito aos
conhecimentos relacionados à linguagem 17
– não só permaneçam nesse nível de ensino, mas
também se sintam, de fato, inseridos no contexto acadêmico. Caso contrário, como assevera
Coutinho, “a democracia da massa que os socialistas brasileiros se propõem construir conserva
e eleva a nível superior as conquistas puramente liberais” (1979, p. 43).
Os docentes enfatizaram que a maior parte dos alunos que ingressam através do SISU
apresentam uma defasagem enorme em relação aos usos da linguagem. Em consequência disso,
segundo eles, muitos professores que lecionam nos primeiros períodos precisam dispensar os
16
Vide capítulo 1.
17
Para termos ideia do quão preocupante é esta situação, trouxemos alguns dados acerca da redação do Enem. Em 2015,
53 mil participantes ficaram receberam a nota zero. Na edição de 2016, esse índice aumentou para 84.236. Dentre os
motivos que levaram os alunos a receber tal nota estão: fuga ao tema, parte desconectada, cópia de texto motivador,
texto insuficiente e não atendimento ao tipo textual. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=441>. Acesso em: 01 jun. 2016.
18
O Sistema de Seleção Unificada (SISU) é um sistema informatizado do MEC no qual instituições públicas de
Ensino Superior oferecem vagas para candidatos participantes do Enem. Como políticas de ações afirmativas,
algumas instituições oferecem vagas reservadas e outras adotam bônus na nota do candidato. Disponível em:
<http://sisu.mec.gov.br/>. Acesso em: 05 jun. 2016.
19
A referida professora leciona há trinta anos na Universidade, por isso, segundo ela, consegue fazer essa análise
longitudinal da diferença dos alunos oriundos do SISU entre os alunos que ingressam através do vestibular.
54
Levando-se em conta a visão dos docentes acerca dos alunos oriundos do SISU, nota-se
que, por conta dos conflitos com que os graduandos se deparam ao produzirem os textos
acadêmicos, os professores não consideram o SISU como uma política positiva. Vale ressaltar,
nesse momento, que nenhum dos docentes é da área de Letras.
Apesar dessa advertência, com base nos discursos dos egressos e nas colocações dos
docentes do grupo LAPIIS, destacamos que existem, por parte dos professores, duas formas de
apreender a questão discutida até o momento: a) os docentes acreditam que os estudantes
deveriam chegar à universidade, prontos para atenderem às demandas de letramento exigidas
nesse nível de ensino, porque pressupõem que os gêneros discursivos que circulam na academia
fazem parte do repertório dos discentes. Em razão disso, apesar de perceberem todas as
dificuldades encontradas pelos alunos, não se sentem responsáveis em inseri-los no discurso
acadêmico e b) os professores não questionam se os alunos deveriam ou não dominar a
linguagem acadêmica quando ingressam na graduação. De qualquer forma, ao diagnosticar os
conflitos dos estudantes, os docentes buscam subsídios para tentar minimizá-los, ainda que de
forma “precária pelo fato de não possuírem formação da área”, segundo eles.
20
A referida professora denomina de “alfabetização” aspectos de ordem gramatical e ortográfica, tais como:
concordância, uso do acento indicativo da crase e ortografia.
55
Nesse primeiro contato, com base nos discursos dos docentes e dos discentes acerca dos
conflitos que emergem, por parte dos graduandos, em relação à escrita e à compreensão dos
textos acadêmicos, foi possível verificar que estávamos inseridos em um contexto em que a
linguagem é vivenciada como um problema, e os professores, conforme verificou Lillis (1999)
em suas buscas, adotam o discurso do déficit21.
Para dar sequência ao percurso da pesquisa, baseamo-nos nas propostas de Mills (1975)
acerca da seleção dos instrumentos utilizados para a geração de dados. Segundo o autor, a
atividade dos pesquisadores assemelha-se ao trabalho do artesão, na medida em que eles
possuem as ferramentas e as utilizam conforme a necessidade, ou seja, o método é construído
por nós, pesquisadores, e está relacionado aos caminhos que trilhamos.
A entrevista foi realizada com base nos pressupostos23 de Kaufmann (2013) acerca desse
instrumento, na residência da própria docente, em junho de 2015. Expusemos a pesquisa
realizada no mestrado e o projeto da tese para que ela tivesse em mente o que desejávamos com
o encontro. Além disso, explicamos que a razão de ela ter sido escolhida se devia à qualidade
do trabalho realizado por ela, durante o tempo em que lecionou na UFF, segundo disseram os
professores da instituição.
21
Vide capítulo 1.
22
A professora Alana é graduada em Letras/Literatura, concluiu especialização em Língua Portuguesa na
Universidade Iguaçu (Unig) e Leitura e Produção Textual na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ). Atua há 14 anos como professora, atualmente, leciona no Ensino Fundamental (escola particular) e no
Ensino Médio (estado do Rio de Janeiro), em disciplinas de Língua Portuguesa, Literatura e Letramento.
23
Sobre o instrumento entrevista, Kaufmann destaca a necessidade da construção de uma relação de confiança e
de mútuo entendimento entre os envolvidos, para que o informante possa se doar por inteiro. Para isso, segundo o
autor, é preciso que o entrevistador se mostre, ou seja, fale sobre seus objetivos, suas angústias e suas pretensões.
O autor destaca ainda que a entrevista compreensiva deve ser um momento de compartilhamento, próximo a uma
“conversa” entre duas pessoas dispostas a comungar um conhecimento. Acrescenta que o informante deve ser
ouvido profundamente, para que possa perceber sua importância na construção do conhecimento, “ele não é
vagamente interrogado a respeito de sua opinião, mas por aquilo que possui, isto é, um saber precioso que o
entrevistador não tem” (2013, p. 80). Para Kaufmann, se a entrevista acontece de maneira fria e vazia, o
entrevistado não se envolve com a questão de pesquisa e encara o momento como algo necessário, entretanto, sem
grande importância. O autor cita algumas instruções que podemos utilizar com intuito de “quebrar o espírito de
seriedade sem deixar de trabalhar seriamente” (Ibidem, p. 101). Em uma dessas estratégias, ele sugere que o
entrevistador crie um clima de descontração durante a entrevista.
56
A princípio, não tínhamos questões fechadas, o objetivo desse encontro foi identificar
os principais conflitos dos alunos relacionados aos usos da linguagem; os conteúdos
trabalhados; metodologia aplicada e os instrumentos utilizados para avaliação do conhecimento
compartilhado.
A docente afirma que, todas as vezes em que era apresentado um texto que servia como
exemplo, os graduandos conseguiam produzir o gênero trabalhado. Acrescenta que, no decorrer
do semestre, os alunos a procuravam para mostrar suas produções e diziam que os professores
das outras disciplinas haviam elogiado seus textos.
Antes de encerrar a conversa, a professora fez questão de destacar que, o tempo em que
lecionou na instituição, pôde contar com apoio de todo o grupo.
57
Cabe aqui ressaltar que, quando iniciamos a pesquisa, em junho de 2015, a universidade
estava em greve24. Como recebemos o convite para fazer parte do grupo LAPIIS e passamos a
frequentar os encontros, regularmente, grande parte das informações acerca da universidade
foram concedidas pelos integrantes do grupo.
Quando encerrado o período de greve, fomos até a instituição apresentar o projeto para
a coordenadora25 do curso de Pedagogia26 que, assim como os demais contatos que fizemos,
recebeu a proposta de estudo de forma cordial e interessada e, ainda, convidou-nos para
apresentar o projeto na reunião de departamento27 que acontecia naquele momento.
24
A greve nas instituições federais que durou cerca de 130 dias, entre os meses de junho e outubro, foi
desencadeada após cortes nos orçamentos. Os professores reivindicavam, dentre outras coisas, reajuste salarial de
27,3%, vagas de concurso público e integralização das verbas orçamentárias. Disponível em:
<http://bit.ly/2eaxysP>. Acesso em: 14 jun. 2016.
25
As informações acerca da coordenadora, que será denominada de Fabiana, encontram-se na seção que trata
sobre as especificidades da disciplina OLE II.
26
O professor que intermediou nossa inserção no campo, assim como aqueles com quem tivemos uma aproximação
maior, entre os integrantes do Grupo LAPIIS, lecionam na graduação de Pedagogia, logo, podemos dizer que
selecionamos e fomos selecionados pelo curso, ou seja, a seleção do curso aconteceu de forma natural.
27
A Unidade INFES possui dois departamentos, o Departamento de Ciências Humanas (PCH) e o Departamento
de Ciências Exatas, Biológicas e da Terra (PEB). O departamento PCH engloba as graduações de Pedagogia e
Educação do Campo. Os professores desses cursos se reúnem mensalmente, em reuniões de Departamento, para
discutir questões acerca do corpo docente.
28
Neste dia estavam presentes quatorze professores, sendo oito do curso de Pedagogia e seis do curso de Educação
do Campo.
58
questões relativas aos obstáculos dos discentes e o envolvimento dos integrantes da instituição
com o projeto reforçaram o pressuposto de que estávamos inseridos em um contexto que
poderia ser considerado promissor para a efetivação da pesquisa, o que justificou a pertinência
do campo.
Delimitado o curso onde foi realizada a pesquisa, torna-se significativo trazer algumas
informações acerca da graduação em Pedagogia.
Em sua matriz curricular30 (Anexo A), o curso apresenta disciplinas obrigatórias que
são consideradas essenciais para a formação profissional e que totalizam 2.700 horas, e
disciplinas optativas, que objetivam ampliar a formação geral de acordo com o interesse do
graduando, e que perfazem um total de 240 horas.
29
O Sisu é o sistema informatizado do Ministério da Educação, por meio do qual, instituições públicas de ensino
superior oferecem vagas a candidatos participantes do Enem. Disponível em: < http://sisu.mec.gov.br/>. Acesso
em: 05 de jun. 2016.
30
O currículo do curso sofreu recentemente alteração de carga horária, passando de 3.450 para 3.200 horas, a fim
de se adequar ao regulamento nacional do curso de Pedagogia no tocante à carga horária mínima proposta para a
efetivação do curso. Os alunos que estavam em curso puderam optar entre o currículo antigo ou seguir o currículo
atual.
59
Para acompanhar de forma efetiva o que a instituição estava proporcionando aos alunos
em termos das questões sociais do letramento – inserção dos graduandos no Discurso
acadêmico – participamos de algumas dessas atividades complementares, o que permitiu um
diálogo ainda mais amplo com o campo.
Gee (1996) afirma que os indivíduos se tornam letrados “observando e interagindo com
outros membros até que as formas de falar, atuar, pensar, sentir e valorizar comuns a esse
Discurso se tornam naturais a eles” (apud ZAVALA, 2010, p.73). A observação e a participação
nesses eventos fizeram-nos perceber essa proposição do autor de forma evidente. Os discentes
que se envolviam de forma efetiva em tais práticas, através de apresentação de trabalhos,
participação em grupo de pesquisas entre outros, sentiam-se membros pertencentes à
comunidade acadêmica. Citaremos exemplo dessa relação na seção “Análise e discussão dos
resultados”.
As disciplinas que fazem parte da matriz curricular são distribuídas entres os docentes
de acordo com suas respectivas áreas de formação. Segundo os professores, as ementas dessas
disciplinas foram elaboradas, inicialmente, pelos docentes que implementaram os cursos na
60
Com intuito de gerar os dados necessários para atender aos propósitos desta pesquisa,
mostrou-se pertinente acompanhar o desenvolvimento das aulas de ambas as disciplinas. As
observações foram realizadas no período de janeiro a março de 2016 31 e tiveram como fim
verificar as principais dificuldades dos alunos relacionadas aos usos da escrita acadêmica; as
práticas consideradas e analisadas pelos docentes, discentes e por nós, pesquisadores, como
sendo significativas; e as concepções de escrita e de letramento que sustentaram os eventos
observados.
É válido informar que, num determinado momento, fomos solicitados a participar das
aulas e resolvemos aceitar o convite, primeiro, porque, não obstante existir uma relação
formalizada, criamos também uma relação de cumplicidade com o grupo. Segundo,
aproveitamos a oportunidade para verificar a eficácia de um trabalho realizado com base no
modelo de escrita letramentos acadêmicos. Além disso, ministramos a disciplina Leitura e
Literatura com a professora Adriana.
Para facilitar a leitura dos eventos de letramento, elaboramos um quadro onde inserimos,
de forma sintetizada, todas as informações que, segundo Marinho, são consideradas essenciais
para a compreensão do fenômeno investigado.
31
Esclarecemos que o calendário da instituição no ano em que foi realizada a pesquisa foi adaptado por motivo de
greve, e incluiu meses que habitualmente são de férias. Por esse motivo, na OLE I foram observadas apenas sete
aulas e, na OLE II, cinco. As razões que levaram os docentes a aderirem à greve, bem como o período, podem ser
verificados na referência 27, pág. 53.
61
A entrevista que seria realizada com ambas as professoras tinha, como objetivos,
verificar quais das atividades trabalhadas, no decorrer do semestre, que elas consideravam
significativa do ponto de vista da aprendizagem da escrita acadêmica e identificar quais os
principais conflitos vivenciados pelos alunos em relação à linguagem acadêmica.
Neste capítulo, discorreremos acerca das características das disciplinas OLE I e OLE II,
tais como, ementa, docentes, discentes, entre outros. Além disso, apresentaremos uma síntese
dos eventos de letramento observados, bem como análises realizadas sobre os referidos eventos.
Para o desenvolvimento dessas análises, mobilizamos os pressupostos teóricos dos Novos
Estudos do Letramento, sobretudo, no que concerne aos modelos de escrita acadêmica e às
concepções de letramento.
Julgamos necessário enfatizar esses dados no momento da análise, por acreditarmos que
eles interferem no contexto analisado, sobretudo, em relação às disciplinas destinadas ao
desenvolvimento da linguagem, devido à inexistência do professor da área de Letras.
Posto isso, passamos para as considerações acerca das aulas analisadas na disciplina
OLE I.
A OLE I integra a matriz curricular32 de cinco dos sete cursos oferecidos pela instituição,
quer sejam, Pedagogia, Matemática, Ciências Naturais, Computação e Física. A disciplina faz
parte do grupo de matérias consideradas obrigatórias, cursada nos primeiros períodos da
graduação, sendo optativa apenas na graduação de Licenciatura em Física.
32
Ao analisar a matriz curricular de todos os cursos oferecidos pelo INFES, nota-se que apenas as graduações de
Matemática Computacional e Educação do Campo não apresentam nenhuma disciplina acerca da linguagem
acadêmica.
33
A responsável pela elaboração da ementa foi uma professora graduada em Letras que faz parte do quadro de
docentes, mas, atualmente, encontra-se cedida para Defensoria Pública da União. Por conta disso, a instituição não
conta, no momento, com nenhum professor habilitado na área de Letras.
64
Sendo assim, é possível que o termo “modalidade” tenha sido empregado no lugar de
gêneros discursivos, uma vez que eles mantêm uma relação de complementaridade, sendo os
tipos – narração, descrição, dissertação, exposição e injunção - encontrados no âmago dos
gêneros discursivos.
Percebe-se que, apesar de a disciplina ser considerada obrigatória para os discentes dos
primeiros períodos dos cursos de Pedagogia, Matemática, Ciências Naturais, Computação e
Física, existe certa flexibilidade em relação à sua efetivação, posto que, dentre os nove alunos
matriculados, nenhum cursava o primeiro período. Isso, de certa forma, cria uma incoerência,
em se tratando do objetivo proposto na ementa da disciplina que visa oferecer subsídios
relacionados à compressão e à produção dos textos acadêmicos, considerados como
fundamentais à formação inicial e continuada dos alunos. Acreditamos que, devido ao fato de
os discentes necessitarem produzir e compreender textos acadêmicos durante toda a graduação,
torna-se significativo que eles tenham acesso aos conteúdos apresentados na ementa, ainda no
primeiro período das graduações, assim como propõe a matriz curricular dos cursos em que a
referida disciplina é considerada obrigatória.
As aulas de OLE I aconteciam numa sala ampla, arejada e climatizada, projetada para
quarenta alunos, situada no segundo andar do prédio. Composta por um quadro branco, mesa e
66
cadeira para professor e, aproximadamente, quarenta carteiras para comportar alunos destros
ou canhotos, que ficavam ora dispostos em um círculo, ora organizados em fileiras. A sala não
possui nenhum quadro de avisos, visto que ela é utilizada por alunos de diversos cursos. Na
porta, é fixado um quadro com o nome das disciplinas que ali serão ministradas e os horários.
Em se tratando de avaliação, a professora destacou que “não aplica prova nem trabalho”.
Para preencher este quesito, Maria considerou a assiduidade e a participação dos alunos nas
aulas.
Segundo Maria, o dia em que iniciamos as observações era a primeira vez que estavam
presentes os nove estudantes matriculados na disciplina, embora o período estivesse começado
há um mês. Por esse motivo, antes de discorrer sobre a atividade proposta, a professora passou
algumas informações acerca do que contemplaria em suas aulas no decorrer do semestre. A
docente explicitou que não havia feito um programa prévio dos conteúdos que seriam
trabalhados, deixando implícita a ideia de que não seguiria a ementa da instituição – esse
aspecto será mencionado no quarto capítulo. Nomeou as atividades propostas de oficinas,
afirmando que elas teriam início, meio e fim na mesma aula e que, para que os discentes
pudessem se beneficiar de cada uma delas, deveriam estar presente nas aulas.
67
trabalhou os aspectos formais da escrita. Entretanto, apesar de ter alertado os alunos sobre a
importância da articulação entre as partes do texto, Maria não apresentou caminhos possíveis
para que os discentes conseguissem alcançá-la.
Por esse prisma, destacam-se as contribuições da linguística textual, que trata, dentre
outros aspectos, da coesão textual. A coesão é a propriedade responsável por estabelecer a
continuidade e as relações de sentido entre as partes de um texto. Para alcançá-la, Antunes
(2005) apresenta inúmeros procedimentos, que poderiam ser trabalhados pela docente.
Para Wagner, essa atividade foi muito significativa, pois o estimulou “a guardar na
mente o que foi lido para facilitar a conclusão”. O aluno a comparou com “os passos de que
precisamos para escrever um resumo”, utilizando, como justificativa, que, para a produção
desse gênero “temos que ler ou texto, ou artigo, ou capítulo, ou livro, entender, guardar na
mente e após isso, escrever o resumo”.
Na segunda atividade, foi solicitado aos discentes que elaborassem um desfecho para o
texto História da moça e do rei (Anexo E). No decorrer da leitura, realizada pelos graduandos,
Maria discorreu, de forma contextualizada, acerca de questões sobre ortoépia e semântica de
algumas palavras presentes nos textos. Quando os alunos terminaram de realizar a atividade, a
professora chamou atenção para as inúmeras possibilidades de interpretação de um mesmo
texto, destacando que essa diversidade de compreensão relaciona-se às diferentes experiências
vividas por cada estudante. Essa atividade, segundo a docente, tinha o mesmo objetivo da
atividade anterior, ou seja, fazer com que os estudantes percebessem as conexões do texto.
Na aula seguinte, Maria distribuiu uma folha contendo os textos (Anexo F) produzidos
pelos discentes acerca do desfecho da história e realizou a correção dos mesmos no que
concerne ao uso da pontuação, regência e concordância. Durante a correção, a professora
solicitava nossa ajuda para identificar as regras que subjaziam suas colocações.
69
Sob o prisma das atividades de feedback, tal como foi realizada pela docente acerca dos
textos produzidos pelos estudantes, é preciso recuperar a assertiva de Mendonça e Johnson
quando afirmam que
34
Encontram-se nas páginas 42 a 46, as especificidades dos projetos.
70
Foi possível perceber, nas trocas entre professora e alunos, que o trabalho coletivo de
leitura e os questionamentos realizados conferiram aos estudantes uma apropriação
significativa das ideias do texto. Ademais, os graduandos refletiram de forma crítica acerca de
inúmeras questões, relacionando o tema do artigo aos aspectos sociais e culturais de seus
respectivos cursos.
A docente afirmou que "escrever tem sido sinônimo de apenas fichar, copiar, qualquer
coisa que não envolva pensar", por esse motivo acredita na importância de trabalhar atividades
dessa natureza, ou seja, propostas que desenvolvam uma análise crítica e reflexiva por parte
dos discentes.
Na atividade proposta na aula seguinte, Maria pediu aos estudantes que elaborassem um
vocabulário contendo verbetes desconhecidos por eles e frases aplicando essas palavras.
Solicitou também que tanto as palavras quanto as frases fossem enviadas para seu e-mail.
Posteriormente, foi realizado um Soletrando35 com base nas palavras selecionadas pelos
discentes (Anexo H). O propósito da atividade, segundo a professora, era “despertar a
capacidade de soletrar, conhecer e se apropriar dos significados de algumas palavras”.
Para a realização da última tarefa, a professora pediu aos discentes que selecionassem
textos que abordassem os conceitos sobre suas respectivas graduações, considerados, por eles,
essenciais em termos de conhecimento. O objetivo da atividade, de acordo com a docente, era
“alfabetizar o grupo no conjunto de palavras de determinadas áreas” e realizar um diálogo
interdisciplinar entre os cursos. Com as carteiras dispostas em círculo, os alunos realizaram a
leitura de seus respectivos textos36. No decorrer das apresentações, eram realizadas discussões
e reflexões acerca dos conceitos presentes nas produções textuais.
Nas aulas observadas em que foram utilizados textos de caráter científico – artigo de
opinião que tratava da vaidade acadêmica e artigos científicos que apresentavam conceitos da
área das graduações dos discentes – Maria adotou como estratégia a leitura coletiva por meio
de rodas de leitura.
35
Trata-se de um jogo idealizado pelo programa Caldeirão do Huck, tendo como participantes alunos de diversas
escolas do Brasil que disputam prêmios em dinheiro. O jogo consiste em soletrar as palavras selecionadas por um
grupo de especialistas da Língua Portuguesa. Sai como vencedor aquele que acerta o maior número de palavras.
36
Alguns alunos levaram textos produzidos por pesquisadores, enquanto outros produziram seus próprios textos.
37
As rodas de leitura, segundo Garcia (2012), dão-se através de um círculo ou semicírculo, onde estão presentes
um leitor-guia e determinado número de pessoas. O leitor-guia lê o texto em voz alta e, em geral, o distribui para
que os participantes da roda acompanhem sua leitura. O número de participantes não deve ser tão pouco que não
permita uma variedade de opiniões, nem tanto que se perca a possibilidade de distinguir quem é quem. O tempo
de duração pode variar de uma a uma hora e meia, dividido entre a leitura e o debate, sendo que dez a quinze
minutos de leitura me parecem razoáveis, ficando os restantes 45 a 50 minutos para o debate. O local deve ser
fechado, espaçoso, despojado e silencioso. Todas as características mencionadas contemplaram a roda de leitura
em destaque.
72
Foi possível perceber, a partir dos apontamentos realizados pelos estudantes, durante a
roda de leitura, que eles se sentiram autônomos e inseridos naquele contexto, ademais
interagiram e relataram suas experiências.
“A roda é a única forma que eu conheço que a gente pode olhar pro outro. Se
todos estão em fileira, eu olho todos, mas ninguém está olhando para todo
mundo. E tem coisas que a gente aprende com o colega não é com professor.
Primeiro a roda ensina uma coisa que é muito importante: que o outro é
legítimo. Se todo mundo olha apenas para o professor, o quê a gente está
querendo dizer silenciosamente é que só o professor é legítimo. Agora quanto
eu estou em círculo, todo mundo é legítimo”.
A afirmação de Maria acerca das “bagagens trazidas pelo estudante” encontra eco nas
propostas oriundas do modelo de escrita letramentos acadêmicos, defendido por Lea e Street
(2014) que afirma que a experiência do aluno, ou seja, sua história de letramento, seja não só
considerada e valorizada, mas também utilizada como aporte para a construção de estratégias
que objetivem a inserção do graduando no Discurso de domínio acadêmico.
produzidos pelos discentes era sempre voltado para a correção dos desvios da variedade padrão
da língua, principalmente, os de cunho ortográfico.
Esse movimento utilizado pela professora, ou seja, as atividades propostas para trabalhar
a condição de enunciação dos alunos e os constantes discursos de motivação proferidos por ela:
“Tem que ter segurança interna!”, “Uma coisa eu tenho certeza: dentro de cada um de vocês
mora um escritor!”, “Todo desafio tem uma solução!”, parece ter sido significativo. Visto que,
ao questionar os graduandos sobre o que as atividades trabalhadas tinham proporcionado a eles
em termos de conhecimentos, a aluna Sâmia (2º período de Pedagogia) disse que a disciplina
fez com que ela se “sentisse capaz”.
Retomando os objetivos das atividades, verificamos ainda que, de uma forma geral, as
preocupações, em se tratando da escrita, eram relacionadas aos aspectos formais da variedade
padrão da língua. Notamos que, embora a professora desconheça, segundo ela, as regras
gramaticais, em todas as aulas que tiveram como foco a escrita, esse aspecto foi enfatizado. Ora
essas questões se apresentavam de forma contextualizada, como, por exemplo, a correção do
final das histórias elaboradas pelos discentes, ora de forma descontextualizada, como no caso
da construção dos verbetes e do Soletrando.
74
Algumas considerações, por parte dos discentes, acerca das atividades voltadas para a
perspectiva do modelo habilidades de estudo podem ser vistas nos trechos a seguir:
Com base nos excertos expostos, foi possível perceber que atividades da natureza do
Soletrando fizeram com que os discentes associassem a escrita acadêmica estritamente à
aquisição de um vocabulário mais rebuscado e à grafia correta das palavras, uma vez que, para
eles, esses aspectos foram considerados como os maiores obstáculos para a produção de textos
acadêmicos.
Para alcançar esses objetivos, propõe-se que sejam trabalhados os seguintes itens:
Com base nas informações presentes na ementa, é possível verificar que a disciplina
OLE II possui dois fins: a) propiciar um suporte no que concerne aos usos da linguagem
acadêmica e b) oferecer subsídios teórico-metodológicos acerca do ensino da língua materna
em sala de aula.
No que concerne aos usos da linguagem acadêmica – foco desta pesquisa – os objetivos
são voltados para a realização de um trabalho com ênfase no modelo de escrita enquanto
habilidade de estudo. Nesse sentido, é recomendado que o discente adquira a capacidade de
interagir verbalmente com os colegas, professores e autores em consonância com as variações
linguísticas exigidas; identificar e exercitar os aspectos cognitivos exigidos no aprimoramento
da leitura e da escrita e utilizar a norma culta da Língua Portuguesa em atividades de revisão e
correção textual.
Apesar da disciplina OLE II ser apresentada como continuidade da OLE I, nota-se que
a concepção de letramento que guia ambas as ementas é distinta. Enquanto no primeiro período
grande parte dos conteúdos apontados baseia-se na perspectiva do modelo de letramento
ideológico38, percebe-se, nas orientações da OLE II, um viés voltado para os pressupostos do
38
Vide seção 1.1.1, página 25.
77
modelo autônomo de letramento39, uma vez que a função social da língua e o contexto onde se
materializa o processo da escrita são desconsiderados na proposta da ementa (LEA; STREET,
2014).
São destinadas, para a efetivação desses conteúdos, 30 horas teóricas e 30 horas práticas,
totalizando uma carga horária de 60 horas. Assim como na OLE I, são disponibilizadas 50 vagas
para matrícula, todavia, dessas apenas oito foram ocupadas. As aulas de Orientação de Leitura
e Escrita II eram ministradas numa sala que contém as mesmas características descritas,
anteriormente, da sala onde aconteciam as aulas de OLE I; os encontros eram realizados nas
quartas-feiras, das 16h às 18h. Iniciamos as observações no dia 20 de janeiro e encerramos no
dia 23 de março de 2016 devido ao fato, como mencionado anteriormente, da instituição ter
suspendido suas funções por conta da greve.
Sobre os discentes da disciplina OLE II, apesar dos períodos distintos em que estão
matriculados, todos os alunos cursam Pedagogia e apresentam as mesmas características dos
alunos da turma OLE I. São eles, Gabriela e Davi, ambos do segundo período; Bárbara, quarto
período; e Riana, Flaviana, Kétsia, Carla e Reginaldo que estão desperiodizados. A palavra
desperiodizado é utilizada no campo da pesquisa para se referir aos discentes que não cursam a
disciplina no período base da matrícula. Para facilitar o contato entre alunos e professora, os
estudantes criaram um grupo denominado OLE II num aplicativo de celular, onde trocavam
mensagens acerca de diversos assuntos, tais como, datas para entrega de trabalhos, divulgação
de eventos científicos entre outros. Na mesma semana em que iniciamos as observações, os (as)
alunos (as) nos inseriram nesse grupo, o que nos permitiu ter acesso a informações que ali eram
socializadas.
Verifica-se que se encontram matriculados alunos (as) do quarto período e até mesmo
aqueles (as) classificados (as) como desperiodizados (as). Nesse sentido, consideramos que se
39
Idem.
40
A docente é graduada em economia (UERJ) e psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ) e
possui Mestrado e Doutorado também em Psicologia pela mesma instituição. Atualmente, dedica-se a desenvolver
estudos acerca dos seguintes temas: representações sociais, psicologia escolar, fracasso escolar e práticas
pedagógicas.
78
a disciplina tem como fim oferecer continuidade nos estudos propostos na OLE I, sendo assim,
torna-se significativo que ela seja efetivada pelos discentes no segundo período. Ademais, tanto
a OLE I quanto a OLE II apresentam o propósito de oferecer subsídios aos alunos no que
concerne à linguagem acadêmica, o que, de certa forma, justifica que essas disciplinas sejam
cursadas no início da graduação.
O objetivo da produção textual, segundo Fabiana, era fazer com que os alunos
refletissem acerca dos temas tratados em texto e vídeo, bem como trabalhar a capacidade de
estabelecer relação entre eles e de fazer conexões com suas respectivas áreas de estudo do TCC.
A aula acontecia da seguinte forma: a professora solicitava aos alunos que lessem suas
produções e, em seguida, ela tecia comentários acerca das questões textuais e dos conteúdos
dos textos produzidos pelos discentes.
79
Flaviana foi a primeira aluna convidada a ler seu texto (ANEXO J). Assim que a discente
terminou a leitura, a professora destacou que a graduanda havia conseguido fazer uma conexão
interessante entre o conteúdo do vídeo e o texto de Arroyo, quando se referiu ao fato de que o
mínimo oferecido pelo currículo alimenta o fracasso das classes trabalhadoras. Além disso,
realizou algumas considerações acerca da formatação do texto, no que concerne aos usos das
normas da ABNT. Ainda sobre a atividade proposta, a professora destacou que realizou, na aula
anterior, uma leitura coletiva do texto, e que a referida aluna havia trazido muito do que foi
discutido naquele momento. Disse, também, acreditar que a leitura compartilhada facilita muito
a compreensão dos textos acadêmicos:
[...] Na verdade, nós fizemos uma leitura juntos, então a Flaviana trouxe muita
coisa que foi discutida dentro de sala, isso é muito rico e nos ajuda a ter uma
clareza, porque, às vezes, a leitura do texto sozinho é difícil. Eu vivia muito
isso na minha graduação, quando eu lia o texto, sozinha em casa, e era um
texto mais difícil de um autor mais rebuscado, que usa umas palavras mais
técnicas ou muito específicas da área dele, se eu estou lendo sozinha, eu não
tenho, às vezes, uma compreensão de nada. Quando eu chegava à faculdade e
ia estudar o texto, nem precisava ser com a professora, até com um colega
mesmo, o texto começava a ter sentido. Às vezes, você entendeu mais o início
e o seu colega entendeu a discussão do fim.
Para a professora, muitos discentes, a fim de conseguir dar conta dos inúmeros
conteúdos propostos na graduação, acabam realizando uma leitura fragmentada do texto:
[...] Outra coisa que eu sinto que faz muita diferença é quando a gente
consegue ler um texto todo. Uma coisa que é muito ruim, e acontece aqui é
quando você tem trezentas matérias e um monte de textos para ler, o professor
passa trabalho em grupo, o que faz com um texto? Dividi, e cada um lê uma
parte. O que você vai entender do texto? Você consegue decorar a sua parte e
só. Isso é muito ruim porque na hora de produzir o seu TCC, faz como? Eu
dei um trabalho que acho que foi pesado para a turma do Davi que eu pedi três
textos para fazer um estudo dirigido de seis perguntas, os alunos ficaram
apreensivos, mas eu dei individual dessa vez, porque no período passado eu
só dei atividade em grupo na turma dele e eu tenho certeza que todo mundo
leu compartilhado. Na verdade, sei que isso é a sobrevivência de vocês, e,
relacionando com o texto de Arroyo, isso também é um kit de primeiros
socorros da parte do professor, é o desespero de que eu tenho quinze semanas,
tenho que passar várias matérias, quero que todo mundo veja tudo, só que vai
ver tudo do que? Do nada assim, então aqui, essa é uma disciplina que estou
muito mais satisfeita em poder aprofundar, já estamos há três semanas
discutindo esses textos e está funcionando.
80
Posteriormente, Fabiana pediu ao aluno Reginaldo que realizasse a leitura de seu texto
(ANEXO K). O graduando afirmou que tentou relacionar os textos ao tema de pesquisa do
TCC, a docente apontou que essa também era uma proposta a ser considerada. No decorrer da
leitura, o aluno trouxe informações sobre aspectos tratados no texto, mas que não estavam
inseridos de forma escrita no mesmo. Sendo assim, a professora pediu ao estudante que
acrescentasse todas as considerações apresentadas por ele oralmente, no corpo do texto,
argumentando que, o fato de ele ter sentido necessidade de explicá-lo, significava que a
produção poderia ter sido mais detalhada.
Considerando a solicitação da professora, Reginaldo declarou que para ele “é mais fácil
falar que escrever”. Sobre esse aspecto explicitado pelo aluno, nos reportamos à discussão de
Terra (2013) acerca da corrente da Grande Divisa41 que, segundo a pesquisadora, precisou
inúmeros mitos, dentre eles, destacamos: a escrita é planejada, já a fala não; a escrita é espaço
da regra, enquanto a fala “permite” erros.
Com base no discurso do estudante, nota-se que a dicotomia entra fala e escrita, ainda
hoje, é internalizada por grande parte das pessoas que acreditam que falar seja menos “árduo”
que escrever (BARTHES; MARTY, 1987). Diante disso, consideramos que essa
“fragmentação” da oralidade e da escrita, de certa forma, possa acentuar o bloqueio que os
estudantes possuem em relação à escrita.
Ainda sobre a produção de Reginaldo, Fabiana afirmou ter ficado com a impressão de
que algumas informações não se articulavam, “como se estivesse sido escrito em tópicos”. Para
exemplificar a compreensão de articulação entre as partes de um texto, a docente citou este
trecho do texto da aluna Flaviana:
[...] Isso faz parte da carência cultural, teoria ditada nos anos 60, onde as
classes sociais mais baixas teriam uma carência de componentes culturais. [...]
Todo esse discurso já determinado a respeito da criança e do adolescente tira
deles o reconhecimento como sujeitos de pleno direito à educação básica.
41
Vide seção 1.1, páginas 23 e 24.
81
Ela explicou para o aluno que, depois desse trecho, Flaviana inseriu uma citação que
tratava do mesmo assunto. A docente disse para os alunos que fazer essas conexões não é uma
tarefa fácil, e que, por isso, “a escrita correta exige esse debruçar sobre os autores, retirando
deles aquilo que faz sentido e articular com o tema da pesquisa”. Ressaltou, ainda, que o
discente realizou a crítica, entretanto não conseguiu articular as partes do texto.
Antes de solicitar ao próximo aluno que lesse o texto, a professora pediu que falássemos
acerca do nosso projeto de pesquisa. Depois da exposição, ela fez um depoimento discorrendo
sobre as dificuldades vivenciadas por ela enquanto aluna do curso de graduação:
[...] É isso, a gente fica inseguro, com medo. Lembro com muita clareza, eu
pegava um texto, estudei psicologia, e a galera tinha que ler Freud e Foucault
na íntegra, é muito difícil, porque têm algumas coisas que não fazem sentido.
Você lê um parágrafo e não entende nada, daí você lê mais para tentar
compreender e perceber o sentido, lê-se a página inteira e não entende nada.
Você volta e lê tudo de novo, e vai dando um desespero. E nós sempre vamos
achar, porque faz parte desse modelo excludente, que a culpa é nossa, que
somos burros e é assim que funciona. Eu queria, Marcela, que você fizesse
algumas propostas de atividades, intervenções, o que você quiser, porque está
todo mundo aberto a qualquer coisa. O objetivo maior dessa disciplina é
desenvolver a escrita, principalmente para quem está terminando e vai precisar
de um empurrão para fazer o TCC.
Explicamos para a professora que, naquele momento, nosso objetivo era apenas realizar
as observações com intuito de verificar as ações realizadas pela universidade em relação ao
letramento de domínio acadêmico, mas que, posteriormente, com auxílio dos dados levantados,
iríamos traçar estratégias que visassem fornecer subsídios à leitura e à escrita acadêmica.
Sobre o texto produzido pela aluna Kétsia (ANEXO M), a professora destacou de forma
positiva a escrita da aluna. Comparou o texto da discente com a produção de Reginaldo para
realçar a diferença do estilo da escrita, bem como a compreensão distinta que ambos tiveram
sobre os mesmos estudos.
Estudos realizados por Gee (1999) apontam que, para que o indivíduo se sinta inserido
em determinado Discurso, faz-se necessário que ele esteja imerso em práticas sociais de
contextos específicos de uso da linguagem, até que os modos de ser, pensar, agir, valorizar,
atuar se tornem familiares a ele.
De forma semelhante, Souza e Bassetto (2014, p. 87) asseveram que “para que o
indivíduo seja totalmente inserido no meio acadêmico, há de se considerar que ele deve
participar ativamente dessa comunidade discursiva e, conscientemente, refletir sobre ela para
que possa sentir-se parte dela”.
O estudo desta situação nos permitiu concluir que, ainda que os estudantes se insiram
na graduação apresentando inúmeros conflitos em lidar com a linguagem acadêmica – como
mencionado anteriormente, essas tensões fazem parte do processo -, é possível, por meio de um
trabalho sistematizado que contemple reflexões e participações em práticas letradas
acadêmicas, que os graduandos desenvolvam o letramento de domínio acadêmico no decorrer
do curso. Ressaltamos que Kétsia, como ela mesma diz, no início da graduação apresentava
“muita dificuldade para escrever e ler os textos acadêmicos”.
84
Para dar sequência à aula, Fabiana pediu à discente Riana que lesse o texto produzido
(ANEXO N). A docente destacou que, apesar de a aluna ter relacionado o artigo ao tema de
pesquisa, ela não havia conseguido articulá-lo com as ideias do vídeo.
Inserimos essas colocações das alunas por acreditarmos que esse aspecto também deva
ser considerado nas questões que envolvem o letramento dos estudantes, todavia nos
limitaremos a isso, posto que, ao tratar das formas de avaliar, entraríamos em outra seara que
não a proposta desta pesquisa.
Acerca do texto de Davi (ANEXO O), Fabiana chamou atenção para o fato de o aluno
ter ficado “muito preso” ao estudo de Miguel Arroyo e com algumas questões de formatação.
Afirmou que eles deveriam ter aprendido as normas da ABNT ainda no primeiro período. O
aluno esclareceu que a turma estudou “as normas na teoria, mas não aprendeu a utilizar na
prática”. Nesse sentido, deixando implícita a ideia de que a “teoria” só é internalizada quando
colocada em “prática”.
características dessa perspectiva de escrita foram desconsideradas, tal como, trabalhar o gênero
discursivo como ferramenta de ensino e aprendizagem e como prática social.
Sobre o convite da professora, achamos que seria significativo aceitá-lo, porque, além
de existir uma relação formalizada, criamos também uma relação de cumplicidade com o grupo
e pelo fato de que poderíamos aproveitar a oportunidade para refletir sobre a viabilidade da
aplicação do modelo de escrita letramentos acadêmicos e o resultado dessa prática.
Após uma longa discussão acerca das similaridades dos resumos analisados, os
discentes, com base em nossos questionamentos (MOTTA-ROTH e HENDGES, 2010),
concluíram que: a) o texto tem como objetivo apresentar de forma condensada e objetiva o
conteúdo da pesquisa; b) todo o texto é escrito em apenas um parágrafo; c) em geral, sua
estrutura apresenta situação-problema, objetivo, referencial teórico (alguns textos analisados
não faziam referência à teoria utilizada), método de geração de dados, resultados e conclusão;
d) é seguido de palavras-chave; e) predomina a variedade padrão da língua, sendo os verbos e
pronomes empregados ora em 3.ª pessoa do singular ora em 1.ª pessoa do plural.
42
Vide capítulo 2, páginas 55 e 56.
88
inserido em uma situação real de produção - todos os textos43 produzidos foram enviados para
o evento Semana da Pedagogia - a fim de que a prática letrada fizesse sentido para os alunos
(Lea e Street, 2014).
Posto isso, propusemos aos estudantes que iniciassem suas produções. Quando surgiam
dúvidas, eles solicitavam nosso auxílio. Além de tentar esclarecê-las, discorríamos sobre as
questões da textualidade. Depois de, aproximadamente, noventa minutos, começaram a surgir
os textos elaborados por eles.
Antes de expormos as produções, bem como as análises das mesmas, ressaltamos que,
como referenciado anteriormente, visamos, por intermédio da atividade proposta, verificar a
viabilidade da implementação do modelo de escrita letramentos acadêmicos na prática docente
e a efetividade das orientações pedagógica baseadas nesse mesmo modelo. Ou seja, analisar
como que, textualmente, os aspectos trabalhados acerca do gênero discursivo resumo
acadêmico se materializam nos textos produzidos pelos graduandos. Diante disso, para fins de
análises, consideramos as seguintes categorias: a) objetivo do texto: apresentação de forma
condensada e objetiva da pesquisa; b) composição do texto: situação-problema, objetivo,
referencial teórico, método de geração de dados, resultado, conclusão e palavras-chave; c)
linguagem utilizada; d) utilização dos marcadores discursivos.
Resumo (Flaviana)
Este trabalho traz um conjunto de pesquisas sobre música na escola. O objetivo dessa
atividade é elaborar um levantamento sobre questões e expectativas para o ensino
musical no contexto escolar. Propomos uma reflexão sobre o discurso e a formação
dos docentes, servindo-nos do referencial teórico de autores como Rosa Fuks (1991),
Regina Márcia Simão Santos (2011), Rita Fucci-Amato (2012), Beatriz Ilari (2013)
entre outros. Além disso, faremos um pequeno panorama histórico da educação
musical no Brasil, contemplando o período desde a chegada dos jesuítas no século
XVI, até as atuais repercussões causadas pela sanção da lei nº 11.769 de 2008,
passando pelos momentos de institucionalização da música na escola, com os
documentos oficiais que garantiram sua presença, e por temas atuais tais como os que
giram em torno à música na educação infantil. Com base nesses estudos,
43
identificamos que existe
Os quatro textos enviados nas aescolas
receberam uma e,carência
carta de aceite muito foram
por conseguinte, grande em termos
socializados de
pelos discentes no
evento da Semana da Pedagogia. Infelizmente, não tivemos acesso aos critérios utilizados pela comissão do evento
docência
para musical
a avaliação principalmente se pensamos nas regiões afastadas dos grandes
dos mesmos.
centros urbanos, a centenas de distância dos cursos de formação em música.
89
Resumo (Ketsia)
O presente artigo busca analisar o panorama atual e reflexões sobre uma escola situada na
cidade de Aperibé – Rio de Janeiro, assim conhecer as constituições e consolidação de práticas
antidiscriminatórias referentes à identidade de gênero e orientação sexual. Analisar as diretrizes
educacionais com o trabalho de diversidade de gênero realizada na instituição escolar. A
metodologia do trabalho está fundamentada na pesquisa qualitativa, entrevistas com docentes
e discentes, observação participante e levantamento bibliográfico. O referencial teórico
contemplou estudos sobre a identidade de gênero e sexualidade nas instituições escolares
(LOURO, Guacira; JUNQUEIRA, Rogério), pesquisas bibliográficas (GUIZZO, Bianca;
COMIOTTO, And
ressa; BRASIL). Os estudos comprovam que apesar de temas relacionados a gênero e
sexualidade está tendo mais relevância e discussões nas políticas públicas e educacionais,
todavia há uma heteronormatividade imposta em um ambiente normatizador (escola) , como as
entrevistas nos relatam, torna-se um desafio compreender, reconhecer e aceitar a sexualidade
que não seja a heterossexual, diante de práticas docentes, um currículo oculto que naturaliza o
processo binário. Diante disto, a escola deve está atenta para problematizar práticas separatistas
e segregatórias. A educação sexual poderia e deve ser um meio de combater preconceitos,
questiona discriminações e ampliar o vocabulário político, de forma que a identidade e
orientação sexual de alguém sejam livres, a modo que não se torne um elemento delimitador de
sua dignidade e respeito.
PALAVRAS- CHAVES: EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE, SEXUALIDADE
INDENTIDADE DE GÊNERO.
Resumo (Rita)
A INCLUSÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL NO ÂMBITO
ESCOLAR.
Esta pesquisa amplia o debate da problemática sobre a inclusão dos alunos com
deficiência visual no âmbito escolar. A necessidade de incorporar as questões
vinculadas à inserção desses alunos nas escolas da rede pública tem sido constantes nas
discussões entre professores de apoio pedagógico e de classe regular, que visam
preparar os discentes de conhecimentos válidos capazes de proporcionar o
desenvolvimento de todas as suas potencialidades e a sua inserção no meio escolar e
social. O interesse pela temática sobre a inclusão surgiu a partir das aulas ministradas
pela professora Drª Maria Goretti Rodrigues, na disciplina de Psicologia da Educação
I. Buscaremos analisar como e se acontece a inserção desse aluno nesse âmbito. Para
isso, serão analisados os seguintes aspectos: adaptações em salas de aulas, salas de
recursos, disponibilidade e utilização de materiais e outros dispositivos. Para a
constituição do corpus analisados no estudo, utilizaremos uma pesquisa de cunho
qualitativo, utilizando os seguintes instrumentos: observação e entrevista. Seguimos as
postulações de Arelaro (2003), Garcia (2004) e Mazzotta (1997). O presente estudo
encontra-se em andamento.
PALAVRAS-CHAVE: inclusão; deficiência visual; educação infantil.
desse aluno nesse âmbito”; 3)referencial teórico: “seguimos as postulações de Arelaro (2003),
Garcia (2004) e Mazzotta (1997)”; 4)método de geração de dados: “para a constituição do
corpus analisados no estudo, utilizaremos uma pesquisa de cunho qualitativo, utilizando os
seguintes instrumentos: observação e entrevista”.
Fica evidente, assim, que ainda que os graduandos desconheçam as características dos
gêneros acadêmicos, é possível, por intermédio de um trabalho que contemple o texto como
instrumento de ensino-aprendizagem, numa situação real de comunicação, inseri-los de maneira
efetiva nas práticas letradas que circundam na esfera acadêmica. Posteriormente, todas as
pesquisas foram socializadas no evento Semana Pedagógica. Segundo os estudantes, a
participação no referido evento foi significativa no sentido de que puderam discutir e trocar
com colegas e professores presentes questões acerca de suas pesquisas.
É preciso pontuar que apesar de termos verificado alguns desvios no que concerne ao
uso do registro formal da língua - adequado ao contexto acadêmico - por conta da limitação do
tempo para o envio dos resumos, não foi possível realizar o retorno dos textos produzidos aos
alunos com os devidos apontamentos e explicações de tais desvios. Consideramos a ausência
desse retorno como uma lacuna deste trabalho.
Antes de iniciar a sessão, Fabiana dividiu os temas tratados no vídeo entre os graduandos
e solicitou que eles produzissem um resumo contendo uma síntese dos aspectos apresentados,
aprofundando as informações. Para isso, sugeriu que fosse realizada uma pesquisa na internet.
Antes de encerrar a aula, a professora divulgou o site que contém o vídeo para que os discentes
pudessem assisti-lo novamente antes de produzirem o texto.
Na última aula, a professora propôs aos alunos que realizassem a leitura dos resumos
solicitados, a fim de que ela pudesse tecer considerações acerca das produções. Dos três alunos
presentes, apenas Bárbara estava com o trabalho (ANEXO Q) pronto. Sendo assim, ela iniciou
a leitura do texto. Quando a aluna terminou a leitura, a docente teceu o seguinte comentário:
As informações que você traz que não estão no filme, você não colocou a
fonte, faltaram as referências. A grande dificuldade do pessoal que está
escrevendo TCC é saber onde encontrar dados para o que estão pesquisando.
O que eu recomendo é você pesquisar uma tese e ir direto às referências
bibliográficas, porque assim você lê o texto base. Quando fazemos pesquisas
no Google é complicado. Eu indico consultar o scielo, porque dá um respaldo
maior e não corre o risco de pegar informações erradas. Às vezes, até aparece
algo absurdo, mas está publicado. Sites, blogs a gente não sabe de onde vêm
as informações.
Além de tratar das questões sobre a importância da credibilidade das fontes de pesquisa,
a professora esclareceu para os alunos que, grande parte dos psicólogos, inclusive ela, são
contra a internação compulsória – assunto tratado no vídeo – por vários motivos, dentre eles, a
44
Ibidem, p. 15.
95
falta de cuidados, a anulação da identidade dos indivíduos entre outros. Sugeriu aos alunos que
estivessem interessados pelo tema que assistissem ao filme Sete Cabeças45 e O Contador de
Histórias46.
Como os outros dois alunos presentes não haviam confeccionado seus trabalhos, a
professora pediu que eles enviassem para seu e-mail. Inserimos, nos anexos, os textos a que
tivemos acesso.
Destacamos ainda que, devido ao fato de a docente ser da área de psicologia, na maioria
das aulas observadas foram discutidos temas da psicologia em vez de questões sobre linguagem
acadêmica, como proposto na ementa da disciplina.
45
Bicho de Sete Cabeças é um filme de drama brasileiro de 2000 dirigido por Laís Bodanzky e com roteiro
de Luiz Bolognesi baseado no livro autobiográfico de Austregésilo Carrano Bueno, Canto dos Malditos.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Bicho_de_Sete_Cabe%C3%A7as>. Acesso em 15 de maio de
2017.
46
O Contador de Histórias (Brasil, 2009) é um filme biográfico, que conta a história de um contador de
histórias. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Contador_de_Hist%C3%B3rias>. Acesso em 22 de
maio de 2017.
96
Com base nos dizeres dos graduandos, em ordem de destaque, categorizamos o que se
repete coletivamente, em termos de desafios dos usos da linguagem acadêmica, para a
construção de uma síntese dos achados. Assim, os graduandos apontaram: 1) ordenar as ideias;
2) produzir gêneros discursivos solicitados e reconhecer suas características; 3) aplicar os
aspectos formais da escrita; e 4) compreender os textos acadêmicos. Além dessas categorias, o
discurso sobre a “insegurança para escrever” se fez presente na análise de grande parte dos
graduandos.
Chamamos a atenção para o fato de que, independente do período e do curso em que
estavam matriculados, todos os alunos afirmaram ter se deparado com algum tipo de desafio
relacionado à escrita acadêmica, além disso, quando tinham oportunidade, esses obstáculos
eram explicitados pelos alunos aos professores. Acrescentamos, ainda, que os mesmos conflitos
mencionados pelos estudantes foram evidenciados pelas docentes, exceto o obstáculo de
reconhecer as características dos gêneros discursivos acadêmicos. Ao analisarmos as aulas,
ficou notório que as docentes não diagnosticaram esse obstáculo porque desconheciam a teoria
dos gêneros discursivos.
Destacamos que algumas categorias foram mencionadas, tanto pelos graduandos que
estavam cursando os primeiros períodos, como por aqueles que estavam matriculados nos
períodos finais. Como exemplo, discorremos sobre o conflito de “ordenar as ideias”,
mencionado pelo aluno Davi, do 2º período de Pedagogia e por Reginaldo que, para cumprir a
grade de disciplinas e concluir o curso, cursava apenas a disciplina OLE II.
Seguem alguns trechos das produções47 dos referidos alunos.
Como pode ser visto, os textos apresentam as ideias de forma estanque e, em algumas
passagens, sem sentido. Ainda que a progressão textual seja perceptível, ou seja, apresentam-
se novos dados no decorrer do texto, não existe coerência entre as informações.
Davi, por exemplo, iniciou o texto dizendo que Patto “tem diversas linhas de
pensamentos”. Na mesma frase, sem mencionar as linhas de pensamento da autora, o aluno
tratou da estruturação do texto apresentado no vídeo: “foi dividido em três partes mas o tempo
não deixou ela concluir todas as partes”. Além disso, podemos observar que o discente insere
duas citações que não se complementam. A primeira trata dos conteúdos abordados nas escolas,
já a segunda, sobre a função da psicologia, tornando, assim, a frase incompreensível.
Pelo mesmo prisma, na produção de Reginaldo, é possível verificar que o graduando,
sem referenciar a autora, trouxe as indagações propostas no texto. Em seguida, de forma
abrupta, o aluno discorreu acerca da psicologia positivista.
47
Os textos completos podem ser encontrados, respectivamente, nos anexos O e K.
98
A dificuldade de ordenar as ideias também pode ser verificada no texto48 produzido por
Gabriela, aluna do 2.º período de Pedagogia.
A aluna inicia o texto afirmando ter encontrado “vários desafios”, mas não faz referência
aos mesmos. Sendo assim, não é possível identificar se eles tratam da dificuldade de
compreender o texto base ou se se referem aos desafios citados por Maria Helena sobre os
diretos dos educandos. Em seguida, relaciona as ideias do texto à realidade vivida pelos
indivíduos no país: “vivemos num país extremamente desigual e eu fiz uma relação com as
questões que Maria Helena trás em sua fala sobre o instrumento de poder que é a psicologia,
justificação e manutenção de uma sociedade dividida em classes...”. Ainda na mesma frase,
Gabriela discorre sobre mais dois aspectos: os objetivos das escolas públicas e privadas que,
segundo ela (ou Patto?), “visaram apenas um recurso para passar no vestibular”, e o
“conformismo” que, apesar de o termo referente não ser apontado, pelo contexto, é possível
inferir que se trata dos indivíduos.
É preciso enfatizar que todas as ideias citadas acima foram mencionadas na mesma
frase, isso evidencia o quão complexo é, para alguns discentes, organizar os tópicos que são
abordados em suas produções textuais.
Dentre os excertos expostos acima para exemplificar a categoria ordenar as ideias, o
único apontado pela professora Fabiana foi o texto produzido por Reginaldo. Para tratar sobre
esse aspecto, a docente, quando ofereceu o feedback da produção textual donde foram extraídos
os fragmentos analisados, disse ter ficado com a impressão de que algumas informações
estavam escritas em tópicos. Para exemplificar a compreensão de articulação entre as partes de
um texto, a docente citou este trecho do texto49 da aluna Flaviana:
48
O texto completo encontra-se no anexo L.
49
O texto completo encontra-se no anexo J.
99
[...] Isso faz parte da carência cultural, teoria ditada nos anos 60, onde as
classes sociais mais baixas teriam uma carência de componentes culturais. [...]
Todo esse discurso já determinado a respeito da criança e do adolescente tira
deles o reconhecimento como sujeitos de pleno direito à educação básica.
Explicou para o aluno que, depois da passagem, Flaviana inseriu uma citação que tratava
do mesmo assunto. A docente disse para os alunos que fazer essas conexões não é uma tarefa
fácil, e que, por isso, “a escrita correta exige esse debruçar sobre os autores, retirando deles
aquilo que faz sentido e articular com o tema da pesquisa”.
Embora a categoria ordenar as ideias tenha sido ressaltada tanto pelos discentes como
pelas docentes, ambas as professoras, em nenhum momento, apresentaram aos alunos caminhos
ou estratégias que pudessem, de fato, auxiliá-los nessa tarefa.
Maria, em uma de suas aulas, comentou que percebia que os alunos sabiam ler e
escrever, mas que apresentavam muita dificuldade em articular as informações do texto.
Pensando nisso, propôs duas atividades que, segundo ela, levariam os alunos a refletir sobre as
conexões: na primeira, os graduandos precisavam criar um contexto para uma imagem, na
segunda, elaborar um desfecho para um conto.
As atividades trabalhadas por Maria foram relevantes no sentido de auxiliar os
graduandos a “pensar sobre” as articulações das ideias dos textos, como ela mesma disse.
Entretanto, não contemplaram o conflito contextualizado no gênero discursivo acadêmico –
textos utilizados para interagir nessa esfera – nem foram apresentados caminhos para sanar tal
obstáculo.
A dificuldade de ordenar as ideias foi apontada, também, pelo pesquisador Becker
(2015) quando ofereceu um curso denominado “Introdução à redação” para estudantes de pós-
graduação e resolveu questioná-los sobre o que temiam em relação à escrita. As respostas dos
alunos fizeram com que o sociólogo chegasse à conclusão de que eles temiam não conseguir
organizar seus pensamentos e sentiam vergonha dos textos que produziam.
Tendo em vista essa constatação, Becker reuniu em sua obra Truques de escrita: para
começar e terminar teses, livros e artigos algumas sugestões que visam auxiliar os estudantes
a organizar as ideias. Ao analisar o estudo do autor, fica evidente que é possível oferecer aos
graduandos recursos pelos quais é possível alcançar um encadeamento lógico das ideias de um
texto. No entanto, para que os estudantes lancem mão de tais recursos, é preciso conhecê-los e
refletir sobre eles.
Além da incidência de obstáculos diagnosticada acerca da linguagem acadêmica por
alunos de períodos distintos, verificamos, também, que alunos que estudam diferentes cursos
100
apresentam dificuldades semelhantes. Essa questão será exemplificada no próximo item que
trata do conflito “reconhecer as características dos gêneros discursivos solicitados”.
3.3.2 Categoria: produzir gêneros discursivos solicitados e reconhecer suas
características
O pior era quando o professor pedia para montar um seminário, sendo que
nunca tínhamos feito isso na vida. (Maria).
Até hoje tenho, não sei direito escrever uma resenha. Agora, na
especialização que estou tentando aprender, porque eles pedem muito
também. (Gilda).
Tudo isso leva a considerar que o obstáculo relacionado aos gêneros discursivos
acadêmicos faz parte da realidade não só dos graduandos, mas também dos egressos. De modo
geral, destacamos dois aspectos determinantes dessa situação no contexto analisado: 1) a
maneira como as produções textuais são solicitadas pelas docentes não favorece a compreensão
das especificidades dos gêneros discursivos acadêmicos e 2) a ausência de um estudo
sistemático acerca das questões que envolvem as características dos gêneros discursivos
acadêmicos.
A respeito do primeiro apontamento, destacamos a atividade proposta pela professora
Fabiana, quando solicitou aos graduandos que produzissem um texto relacionando as ideias do
artigo “Educandos, sujeitos e direitos”, de Arroyo, ao vídeo “Psicologia e Educação: origem e
significado de percurso”, de Patto. Vale ressaltar que a docente não nomeou o gênero discursivo
em que o referido texto se materializaria. Em consequência disso, os graduandos produziram
gêneros de naturezas distintas. A aluna Gabriela, por exemplo, fez uma síntese dos textos de
50
Professora de Língua Portuguesa, formada em Letras, que ministrou a disciplina OLE I nos anos de 2011 a 2013
(ver segundo capítulo).
101
apoio, ademais expôs sua opinião sobre os assuntos neles abordados, assim, sua produção51 se
aproximou dos gêneros de caráter opinativo, como demonstra o excerto que segue:
Por sua vez, o aluno Davi fez uma síntese52 e relacionou as obras analisadas, todavia
não realizou uma abordagem crítica das ideias presentes nos textos.
Adotando uma perspectiva distinta dos demais alunos, embora tenha discorrido sobre o
tema “Direito”, abordado nos textos de apoio, Riana trouxe para a discussão53 observações
realizadas, durante o período do estágio, sobre a experiência de uma aluna no processo de
inclusão, colocando-se de maneira crítica acerca desse movimento. Ao contrário de Gabriela e
Davi, a graduanda não mencionou nem relacionou as obras consultadas, como solicitado pela
docente.
[...] Mas infelizmente não existe adaptações nas salas de aula, professores
preparados, materias didáticos adaptados para deficientes visuais, percebo
isso ao ver a aluna chamada AMANDA, cursa o 9º ano do ensino fundamental.
Amanda é cega de nascença foi alfabetizada no Rio de Janeiro local onde
morava com seus pais até os 16 anos, após a separação dos pais veio morar
em Aperibé com sua mãe... Percebo a necessidade de especialização dos
educadores em geral, pois se os docentes fossem preparados seria muito mais
fácil “lidar” com qualquer tipo de deficiência. Sendo que essa Sala de
Recursos deveria ser um ambiente que conta com um professor de educação
especial sediado na escola comum, tenho à disposição os materiais e
equipamentos especiais, para atendimento dos alunos deficientes visuais em
suas necessidades específicas, mas não é isso que acontece... (Riana, desp. de
Pedagogia).
51
O texto completo encontra-se no anexo L.
52
O texto completo encontra-se no anexo O.
53
O texto completo encontra-se no anexo N.
102
As análises desses textos nos levaram a compreender a estratégia adotada pela docente
de solicitar as produções textuais aos alunos, sem estabelecer um gênero específico sob duas
óticas distintas. Por um lado, proporcionou aos estudantes liberdade para criar textos a partir de
seus próprios pressupostos. Como pôde ser visto nos fragmentos expostos e analisados,
surgiram produções que se aproximaram dos gêneros: resenha, resumo, relato de experiência.
Por outro lado, os graduandos não refletiram sobre as especificidades dos gêneros discursivos
e, com efeito, não apreenderam as características dos mesmos. Ademais, percebemos que
grande parte dos alunos ficaram tensos por conta da falta de parâmetro de produção, como pode
se verificar na fala da aluna Gabriela, que cursava o segundo período do curso de Pedagogia:
“Alguns textos são muito complexos para eu escrever e a forma como são pedidos também”
(grifos nossos).
Em se tratando do segundo apontamento acerca da possível causa do conflito vivenciado
pelos estudantes para identificar e produzir gêneros acadêmicos, destacamos que, embora
tenham prevalecido propostas de textos que não contemplavam um gênero discursivo
específico, em dois eventos as professoras chegaram a nomear as produções textuais
requisitadas. Todavia, em ambas as propostas, as características dos gêneros solicitados não
foram trabalhadas.
O primeiro evento refere-se à aula em que Maria pediu aos estudantes que elaborassem
um relato, criando um contexto para imagens apresentadas por ela. Nessa situação, vale ressaltar
que ainda que a docente tenha apontado o gênero específico em que a produção se
materializaria, em momento algum, as características do mesmo foram trabalhadas e/ou citadas
por ela.
Sobre o gênero relato, solicitado pela professora, Costa o conceitua como “uma narração
não ficcional escrita ou oral sobre um acontecimento ou fato acontecido, feita, geralmente,
usando-se o pretérito perfeito ou o presente histórico” (2012, p. 202). Além disso, os verbos e
os pronomes são escritos na 1.ª pessoa, posto que o narrador é também o protagonista do fato
relatado. Como dito anteriormente, essas características não foram destacadas pela docente,
como efeito, foram desconsideradas nas produções dos graduandos. Exemplos:
Essa foto de uma chave pra mim foi como estivéssemos vivendo em um mundo que está preso
dentro de uma, caixa, e que ali as pessoas estão presas, com um coração cheio de ódio, dor, angústia.
Diante de tudo que nos deparamos no mundo atual é praticamente isso que estamos vivendo, radiados
de pessoas assim, são poucas ao que pensam diferente; o mundo está cheio de violência, e como seria
bom se essa chave abrisse essa caixa, para libertar esses corações cheio de tanta maldade. E a partir do
momento que essa caixa se abrisse um novo mundo existiria e com pessoas dispostas a amar ao
próximo.(Sâmia, 2.º de Pedadogia).
A natureza, o equilíbrio perfeito entre a vida e a morte. Algo que funciona um respeitando o
outro, compreendendo, aceitando. Aqui não existe guerra, ganância, soberba, discriminação. O objetivo
aqui é simples. Nascer. Não importa se dentro da água, escondido em um tronco ou uma poça [...]
qualquer. Aqui não existe definição para luxo. Aqui é apenas um lugar para se viver. (Leonardo, 2.º de
Pedagogia).
O vídeo analisado por Bárbara, denominado A volta dos manicômios faz uma crítica à
internação compulsória como dispositivo do Sistema Único de Saúde, onde o autor se posiciona
de maneira contrária a tal procedimento, utilizando como argumentos a inexistência de um
projeto terapêutico e a violação dos direitos humanos. Para a construção do resumo, a aluna
iniciou o texto fazendo uma síntese das ideias abordadas no vídeo. Em um segundo momento,
106
trouxe informações complementares acerca do tema. Embora esclareça de quem são as ideias
resumidas, ela não aponta a fonte dos dados adicionais apresentados.
Já a película examinada pela discente Kétsia, Medicalização e Sociedade, traz uma
reflexão acerca do uso descontrolado e irrestrito de medicamentos no cotidiano, sobretudo no
que diz respeito a drogas (ilícitas) utilizadas no tratamento de crianças “diagnosticadas” como
hiperativas. Na elaboração do resumo, a princípio, a aluna tratou dos conteúdos analisados no
filme: os efeitos do medicamento utilizado para o tratamento da doença TDAH e o diagnóstico
precoce e, muitas vezes, falho apresentado pelos professores. Em seguida, ela fez uma reflexão
sobre a rotina do professor, afirmando que a mesma o impede de ter um olhar atento e elaborar
atividades dinâmicas. Por fim, associou a questão da medicalização aos conteúdos analisados
no texto de Arroyo, trabalhado na aula anterior, sobre a mercantilização da educação. Percebe-
se que, apesar da aluna ter construído um texto coerente, a construção do mesmo não se
aproximou da proposta da professora nem tampouco das características do gênero discursivo
resumo.
A partir das leituras das produções analisadas para tratar dos apontamentos acerca das
possíveis causas das tensões vivenciadas pelos graduandos no que concerne à produção dos
gêneros discursivos acadêmicos, verificamos a necessidade de trazer à baila para esta discussão,
ainda que de forma sintetizada, reflexões acerca dos estudos dos gêneros discursivos, uma vez
que percebemos que conflitos dessa natureza são amenizados quando tal teoria é considerada
no trabalho da produção escrita e oral em sala de aula.
A partir da década de 80, o ensino da linguagem passou, pelo que foi denominado por
Rojo (2015), por uma virada pragmática. A língua, que até então era vista apenas como
instrumento para transmitir informações entre os interlocutores, começou a ser
compreendida como um lugar de interação humana. Nesse sentido, estudiosos da linguagem
afirmaram que
Vale a pena lembrar que o modelo letramentos acadêmicos, com o qual concordamos e
vemos resultados significativos em nossos trabalhos, propõe que o gênero discursivo seja
considerado como a principal ferramenta do processo de ensino e aprendizagem da língua, e
abordado como prática social, em outras palavras, que as produções textuais sejam trabalhadas
a partir de situações concretas de uso.
Apesar de essa compreensão da linguagem circular por instrumentos como os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, pesquisas e livros didáticos há cerca
de duas décadas, é impressionante constatar que, ainda hoje, a forma com que as docentes
introduzem os gêneros discursivos nas suas aulas afasta-se consideravelmente daquilo que é
preconizado pela bibliografia especializada e que essa distância entre a teoria e a prática é
percebida na atuação, tanto de professores que não são formados em Letras – caso desta
pesquisa - como por aqueles que possuem habilitação para atuar em disciplinas de linguagem54.
Nos eventos analisados no âmbito deste estudo, apesar de os gêneros terem sido
utilizados como meio para compartilhar conhecimento, eles não foram trabalhados como objeto
de ensino e aprendizagem da linguagem acadêmica.
54
Ver MELLO, 2014.
108
Outra tensão destacada pelos graduandos, e diagnosticada pelas docentes diz respeito à
aplicação dos aspectos formais da escrita. Ou seja, grande parte dos alunos desconhecem as
regras que regem a variedade padrão da língua.
Esse obstáculo pôde ser observado constantemente nos textos produzidos pelos
estudantes, como demonstram os fragmentos que seguem.
De repente Beatriz da um pequeno sorrizo de canto de boca respira fundo e rapidamente enfiou
sua mão dentro do saco com às flores; o rei imediatamente abriu um sorrizo de comemoração pois tinha
certeza de seu casamento com a linda Beatriz, quando ela tira a mão de dentro do saco e para a tristeza
e surpreza do rei a flor na mão de Beatriz era branca. (Sirlaine).
Beatriz viu que o rei não colocou nenhuma flor da cor branca, dirigiu se a palavra a ele, ele
contestando o por quê ele tinha feito isso. O rei falou que desde a primeira vez que a viu, não conseguiu
tirar sua imagem da cabeça, e queria se casar com ela a todo custo.
Porém Beatriz não queria se casar com o rei, então pediu-lhe que colocasse uma flor de cada
para ela fazer o sorteio.
Na hora de retirar a flor Beatriz tirou a rosa, deixando o rei muito feliz e Beatriz e seu pai tristes
com o acertamento de contas.(Fábia).
109
Como, naquela época as coisas não eram fácil, dependendo eu falaria com meu pai da situação
e ...(Paula).
O rei se indignou e mandou prender Sr. Sousa, como castigo de sua dívida. Sr. Souza
preferiu ficar preso do que entregar Beatriz para se casar com o rei.(Wagner).
Patto, diz que o fato de ingressar numa escola não significa que a criança esteja incluída.
(Flaviana).
Destacamos, nos fragmentos expostos, alguns desvios encontrados nas produções dos
discentes. Ao analisá-los, é possível perceber que, em geral, eles abrangem aspectos gramaticais
variados como acentuação (“da”), ortografia (“surpreza”), concordância (“coisas eram fácil”),
regência (preferiu ficar preso do que”) e pontuação (Patto,). Ademais, alguns podem ser
considerados primários, por exemplo, a grafia da palavra “sorrizo” e “surpreza”.
Em se tratando do obstáculo relativo à inadequação da variedade linguística ao contexto
acadêmico, havia uma preocupação acentuada por parte da professora Maria que, a fim de
auxiliar os graduandos, no período das observações, propôs duas atividades consideradas por
ela como específicas para esse fim. Na primeira, ela distribuiu uma folha contendo textos
produzidos pelos próprios alunos e pediu que eles verificassem os “erros” presentes nas
110
produções. Em seguida, a docente iniciou a correção junto aos alunos do que ela considerava
inadequado. Vale ressaltar que, apesar de a docente ter alertado os alunos sobre os desvios de
forma coerente, Maria não especificou as regras que sustentaram suas correções, porque,
segunda ela, desconhece as mesmas. Na segunda, a docente pediu que os alunos elaborassem
um vocabulário de palavras desconhecidas e/ou palavras que eles tinham dificuldades de
escrever para realizar um Soletrando.
Ainda que defendamos a necessidade de esclarecer aos estudantes o porquê de tais
correções, ou seja, as regras que as subjazem, e a importância de se trabalharem os textos em
situações concretas de uso – o que não aconteceu nas atividades propostas -, consideramos a
primeira atividade significava, no sentido de ter levado os alunos a refletirem sobre os aspectos
que envolvem a variedade padrão, a partir de suas próprias produções. Foi notório o
envolvimento e a atenção dos discentes na execução da tarefa. Já a segunda atividade foi
proposta de forma descontextualizada, enfocando apenas a norma padrão da língua.
Maria destinava um tempo significativo de suas aulas para corrigir os textos dos alunos.
Acreditamos que o próprio perfil da turma produziu esse quadro. Existia, então, um impasse
entre a precariedade da formação profissional da docente e a formação insuficiente dos alunos
no que diz respeito à adequação da linguagem ao contexto acadêmico. Sendo assim, restou a
“boa vontade” e o “querer acertar” da professora que não foram suficientes para atender às
demandas dos graduandos.
De fato, é considerado inadequado utilizar a variedade linguística informal nas
interações que ocorrem na esfera acadêmica. Por isso, tendo em vista as carências dos
graduandos no que concerne ao uso da variedade padrão e o fato de que eles passam por um
processo seletivo para ali estarem matriculados, faz-se necessário realizar um trabalho que
abarque o ensino da gramática também nos cursos de graduação, ainda que muitos professores
universitários, como já mencionamos, se julgam isentos da responsabilidade de auxiliar os
estudantes nesse quesito, por acreditarem que os discentes já deveriam chegar à universidade
dominando esse conhecimento.
No que tange ao ensino na gramática, compartilhamos das considerações de Travaglia
(2006) quando afirma que é preciso realizar um ensino que tenha como referência a gramática
reflexiva. Segundo o autor, o ensino pautado na gramática reflexiva visa a levar os alunos a
refletirem sobre os conhecimentos intuitivos que eles possuem da língua para que, a partir
destes, eles possam ter consciência, não só do que já dominam em se tratando de linguagem,
mas também compreenderem os recursos linguísticos que ainda não fazem parte de seus
repertórios.
111
ter sido realizada. Falamos a respeito das especificidades dos termos da psicologia e sobre a
exigência de conhecimentos prévios da área para a compreensão efetiva do mesmo.
A partir disso, em todas as aulas, Fabiana realizava leituras coletivas dos textos, embora
não as fizesse por meio de rodas. Foi gratificante perceber que, ainda que fortuitamente,
conseguimos fazer com que a docente refletisse sobre como é natural o conflito vivenciado
pelos graduandos em compreender os textos acadêmicos, como pode ser visto no trecho que
segue.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Iniciamos a última seção, reiterando que as principais motivações para realizar este
estudo foram as experiências vivenciadas, durante o curso do mestrado, acerca das tensões
113
encontradas para lidar com a linguagem acadêmica, bem como os resultados obtidos na
investigação realizada naquela ocasião. Por isso, nesta pesquisa retomamos e, de certa forma,
damos continuidade a algumas reflexões anteriores sobre o letramento.
Cientes dos limites e das possibilidades que esta investigação nos permite e, inteirados
de que, como nos diz Becker, na epígrafe que inicia o texto, “concluir não é terminar”,
pontuamos algumas conclusões que as análises dos dados gerados nos permitiram. Antes de
tratarmos de tais considerações, fizemos uma breve incursão sobre os principais conceitos
utilizados para iluminar nosso objeto de estudo.
Com base no quadro teórico central dos Novos Estudos do Letramento (STREET, 1984,
2014; GEE, 1999; SCRIBER e COLE, 1981; HEATH, 1983), buscamos situar o panorama atual
das reflexões acerca do letramento - sobretudo do letramento de domínio acadêmico –
compreendido como um conjunto de práticas letradas situadas em contextos sociais específicos
e influenciadas pelos contextos político, cultural e socioeconômico que permeiam tais práticas.
Fica evidente, assim, que compreender o letramento sob essa perspectiva, significa reconhecer
que, para cada esfera em que circula e para cada papel social que o falante assume, faz-se
necessária a aquisição/aprendizagem de um letramento específico. Daí a utilização do conceito
de múltiplos letramentos.
Na pesquisa em tela, inserimos uma lente nas interações que ocorreram no contexto
acadêmico. Quando ingressam nesse nível de ensino, os estudantes se deparam com uma
diversidade de práticas letradas que, até então, não faziam parte de seus respectivos repertórios.
Em outras palavras, os textos, a maneira de agir e interagir são distintos daqueles que faziam
parte de outros níveis de escolarização. A partir desse panorama, surgem os conflitos de
identidade, pois, como afirma Fischer, “há muita diferença entre quem são e quem são
solicitados a ser e a desempenhar na esfera acadêmica” (2007, p. 113-114).
Por causa dessa diversidade de letramentos, é possível afirmar que, ainda que os
discentes sejam competentes leitores e produtores de textos, a aquisição dessas novas
linguagens não é assimilada de forma automática. Isso significa que, embora “estudantes
pertencentes a minorias linguísticas possam enfrentar dificuldades em grau mais acentuado do
que outros”, as barreiras acerca da compreensão e produção textual são vivenciadas pela
maioria dos alunos, na transição do ensino médio para o ensino superior (LEA e STREET,
2014, p. 482). Em nossa realidade, acrescenta-se a esse aspecto a limitação de parcela
114
significativa dos estudantes brasileiros no que tange às habilidades de leitura e escrita como
mostram os dados dos resultados obtidos em avaliações como PISA55 e ENEM56.
Os pesquisadores que se debruçaram sobre o tema afirmam que essas reflexões que
envolvem o letramento não são, comumente, esclarecidas ou até mesmo compreendidas pelos
docentes do ensino superior. Em função disso, eles acabam atribuindo a característica de
iletrado aos graduandos, instaurando, assim, o discurso do déficit, conforme mencionado no
primeiro capítulo.
Considerando todos esses apontamentos, os pesquisadores dos Novos Estudos do
Letramento buscaram verificar as percepções acerca da escrita, bem como os encaminhamentos
adotados a partir de tais compreensões por parte dos professores. Desse modo, citaram três
modelos de escritas: modelo das habilidades de estudo, modelo da socialização acadêmica e
modelo dos letramentos acadêmicos.
A escrita como habilidade de estudo –ancorada no modelo autônomo de letramento- é
analisada como um conjunto de habilidades cognitivas e individuais que, uma vez apreendido,
dá conta de inserir o falante em qualquer contexto onde a linguagem se faça presente. A
perspectiva letramentos acadêmicos, baseada no modelo ideológico do letramento, compreende
a escrita como prática social. Duas são as principais proposições assinaladas nessa concepção.
Em primeiro lugar, embora se reconheça a importância de se realizar um trabalho sistemático
acerca da variedade padrão adequada para o discurso acadêmico, é proposto que esse trabalho
seja realizado de forma contextualizada, a partir dos estudos dos gêneros discursivos,
considerados como a principal ferramenta de ensino e aprendizagem da linguagem. Em segundo
55
A avaliação de letramento em leitura do PISA é construída sobre três características. São elas: situação: refere-
se à gama de contextos ou finalidades amplas aos quais se aplica a leitura; texto: refere-se aos materiais lidos;
aspecto: refere-se à abordagem cognitiva, que determina como os leitores se envolvem com o texto. Neste relatório,
comparam-se os resultados do Brasil com os de países da América Latina que tiveram resultados válidos no PISA
2015 (Colômbia, Costa Rica, Chile, México, Peru, Uruguai e República Dominicana), com os de três países que
se destacam por apresentar resultados próximos à média dos membros da OCDE (Estados Unidos, Espanha e
Portugal) e com os de três países com resultados superiores à média dos da OCDE (Canadá, Coreia do Sul e
Finlândia).No Brasil, 51,0% dos estudantes estão abaixo do nível 2 em leitura, patamar que a OCDE estabelece
como necessário para que os jovens possam exercer plenamente sua cidadania. Dentre esses países, o Brasil ocupou
a décima segunda posição nos resultados de 2015. Disponível em: <
http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2015/pisa2015_completo_final_baixa.pdf>.
Acesso em: 30 de jun. 2017.
56
O Exame Nacional do Ensino Médio avalia o desempenho dos alunos em Ciências Humanas e suas tecnologias,
Ciências da Natureza e suas tecnologias, Linguagens, Códigos e suas tecnologias, Matemática e suas tecnologias
e Redação. Na categoria Redação, é solicitada a produção de um texto dissertativo-argumentativo a partir de uma
situação-problema (política, social ou cultural). Os resultados divulgados acerca da avaliação aplicada, em 2016,
mostram que diminuiu o número de alunos que conseguiram tirar a nota máxima na redação do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) e aumentou a quantidade daqueles que tiraram zero no último ano. Disponível em:
http://g1.globo.com/educacao/noticia/cai-numero-de-alunos-com-nota-mil-na-redacao-do-enem-e-sobe-total-de-
zero.ghtml. Acesso em: 01 de jul. 2017.
115
lugar, é sugerido que as produções textuais sejam realizadas em situações reais de comunicação.
O modelo socialização acadêmica aproxima-se do modelo letramentos acadêmicos no que
concerne aos estudos dos gêneros discursivos, mas se distancia no que diz respeito às situações
concretas de uso dos mesmos.
Tendo como bases esses pressupostos, como registramos na Introdução, a presente
pesquisa objetivou identificar as principais ações desenvolvidas que promovem o letramento
de domínio acadêmico pela instituição analisada. Para isso, buscamos responder às seguintes
questões de investigação: a) Existe (em) disciplina (as) específica (as) voltada (as) para abordar
o letramento de domínio acadêmico? b) Quais são os modelos de escrita e as concepções de
letramento privilegiados? c) Até que ponto um encaminhamento pedagógico que abarque os
pressupostos do modelo de escrita “letramentos acadêmicos” interfere na aprendizagem de
novas práticas letradas? d) Quais são os principais desafios encontrados pelos graduandos, no
que tange aos usos da linguagem no âmbito acadêmico?
A respeito da primeira questão, a universidade oferece duas disciplinas destinadas à
orientação da linguagem acadêmica: OLE I e OLE II. A disciplina OLE I é considerada
obrigatória nos primeiros períodos de cinco dos sete cursos oferecidos pela instituição. Estavam
matriculados nessa disciplina alunos de cursos e períodos distintos. Já a disciplina OLE II
integra o grupo de disciplinas optativas, sendo disponibilizada apenas no curso de Pedagogia.
Por isso, embora estivessem matriculados em períodos diferentes, todos os alunos cursavam
Pedagogia.
A ementa da disciplina OLI I aproxima-se dos pressupostos do modelo de escrita
letramentos acadêmicos, enquanto OLE II afina-se com as considerações do modelo de escrita
habilidades de estudo. Destacamos que, no período das observações, ambas as ementas não
foram consideradas pelas docentes.
De acordo com pressupostos teóricos dos letramentos acadêmicos, um dos objetivos das
disciplinas dos cursos de graduação, sobretudo, as disciplinas da natureza de OLE I e OLE II,
“é dispor de modo conjunto de práticas de letramento apropriadas a cada cenário e lidar com
sentidos sociais e identidades que cada prática evoca” (LEA e STREET, 2014, p. 478). Isso
significa que os docentes precisam trabalhar um repertório de práticas letradas que contemplem
os gêneros discursivos por meio dos quais os alunos irão interagir, no âmbito acadêmico em
que estão inseridos, de modo que essas práticas sejam analisadas de forma contextualizada, ou
seja, numa situação real de comunicação, para que eles possam compreender o sentido das
mesmas.
116
Sob essa ótica, existe, então, a complexidade de se ter alunos de diferentes cursos numa
mesma turma como acontece, no contexto em análise, posto que os discentes do curso de Física,
por exemplo, interagem por meio de alguns gêneros discursivos distintos dos estudantes do
curso de Pedagogia. Por essa razão, seria razoável que apenas os gêneros comuns a diversas
áreas, tais como, resumo, resenha, projeto de pesquisa, fossem trabalhados em turmas mistas,
mas que, em determinado momento, as especificidades de cada curso fossem consideradas.
Além dessa advertência, assinalamos que as professoras Maria e Fabiana que ministram,
respectivamente, essas duas disciplinas relacionadas à leitura e à escrita acadêmica, não
possuem a qualificação adequada para o magistério de Português (graduação em Letras).
No período das observações, ficou notório que as professoras reconheciam a
importância desse profissional para auxiliar os discentes. Além disso, afirmavam que, devido
ao fato de não possuírem a formação específica para ministrar as disciplinas, tinham ciência de
que realizavam um trabalho insuficiente. Destacamos que as docentes não escondiam e
identificavam suas limitações no desejo de ajudar os alunos.
Quando questionamos as professoras o porquê de terem escolhido trabalhar com essas
disciplinas, ambas responderam que, apesar da falta de formação, o que as motivou a ministrá-
las foi perceber a angústia vivenciada pelos graduandos, quando eram solicitados a produzir e
a compreender os textos acadêmicos. Maria pronunciou inúmeras vezes: “eu não sou
especialista no assunto, mas vejo a dificuldade dos alunos em escrever e ler, por isso me propus
trabalhar OLE I”. De forma semelhante, Fabiana destacou: “não sou da área de escrita, leitura,
produção textual, língua portuguesa ou qualquer coisa que o valha, mas preciso ajudar os
alunos”.
Na contramão dessa visão, tem se acentuado o número de estudos, conforme
mencionado anteriormente, que apontam que os docentes, incluindo os da área de Letras, se
eximam dessa tarefa, utilizando, como argumento, o fato de que os alunos deviam chegar
“prontos” à universidade, no que diz respeito aos conhecimentos sobre a produção e a
compreensão dos gêneros acadêmicos. Por essa razão, faz-se necessário destacar como aspecto
positivo, no cenário em estudo que, ainda que as docentes não possuam formação específica,
elas se mobilizam, dentro das suas possibilidades, na tentativa de auxiliar os graduandos a se
inserirem no Discurso acadêmico.
Como estratégia para atingir esse propósito, Maria e Fabiana tentaram “desbloquear” os
estudantes, tranquilizá-los, atraí-los para a escrita acadêmica, investindo nos aspectos afetivos
da relação professor-aluno. Para isso, a professora Fabiana compartilhou sua experiência em
117
Não obstante esses pontos positivos, importantes aspectos técnicos da escrita acadêmica
foram ignorados ou abordados muito superficialmente. Reiteramos que, a partir das análises,
foi possível concluir que o modelo de escrita habilidades de estudo foi predominante, ou seja,
encontramos mais ênfase em questões gramaticais (ortografia, pontuação, regência,
concordância etc) do que em aspectos relativos às características dos textos que circulam na
academia.
É provável que o que tenha levado a esse quadro seja a formação das professoras - que
não se consideram preparadas para determinadas atividades, mas que, assim mesmo, para
“ajudar”, acabam tentando cobrir o que uma profissional da área, provavelmente, faria com
maior êxito - e o próprio perfil da turma, que apresenta conflitos para lidar com a variedade
padrão da língua. Isso significa que existe um paralelo entre a precariedade da formação
profissional dos docentes e a formação “insuficiente” dos alunos no que se refere aos usos da
linguagem formal.
No tocante aos gêneros discursivos acadêmicos, as docentes não abordaram as
características dos mesmos nem apontaram em que gênero as referidas produções solicitadas se
concretizariam, exceto na aula que Maria solicitou aos estudantes que elaborassem um
glossário. Ressaltamos que ambas utilizaram textos pertencentes a diversos gêneros
discursivos, entretanto esses textos foram trabalhados apenas como meio para compartilhar o
conhecimento, não como objeto de ensino-aprendizagem da escrita acadêmica e nem para
alcançar os objetivos propostos na ementa.
Além disso, verificamos que as regras de produção e as expectativas das docentes em
relação à produção textual dos alunos, em grande parte dos eventos, não foram explicitadas.
Nestes casos, podemos dizer que Maria e Fabiana adotaram a prática do mistério (Lillis, 1999).
É nesse sentido que Andrade afirma que, na academia, “a escrita e a leitura se realizam,
portanto, mas não se fala sobre seus modos de fazer”. A pesquisadora afirma ainda que os
professores universitários “abstêm-se de produzir uma racionalidade clara e tornar esta prática
uma conduta regulada de forma explícita” (2004, p.1).
Essas reflexões nos levaram a concluir que, embora as docentes compreendam os
conflitos vivenciados pelos graduandos no que concerne aos usos da escrita acadêmica e tentem
auxiliá-los, os encaminhamentos pedagógicos utilizados não englobam todas as tensões que
eles vivenciam no processo de transição do ensino médio para o ensino superior, sendo
considerados, portanto, insuficientes para inseri-los na esfera acadêmica.
Pareceu-nos que os conteúdos são insuficientes para atender às necessidades dos alunos,
que desconhecem as convenções básicas dos gêneros discursivos acadêmicos, e cometem
119
se concretiza na prática e o que dela resulta. Por isso, quando fomos solicitados a ministrar uma
aula na disciplina OLI II, aproveitamos a oportunidade para realizar um trabalho que abarcasse
as compreensões acerca dessa perspectiva de escrita – a conclusão à que chegamos responde à
terceira questão desta pesquisa.
Na ocasião, como havia um número expressivo de alunos terminando seus trabalhos de
conclusão de curso e a docente havia solicitado a participação dos mesmos no evento científico
promovido pela própria instituição, propusemos a elaboração de resumos acadêmicos das
referidas pesquisas, a fim de enviá-los para a socialização no evento. Assim, pudemos trabalhar
duas características centrais do modelo de escrita letramentos acadêmicas, a saber, o gênero
discursivo como ferramenta de ensino e aprendizagem da linguagem e a utilização do mesmo
em uma situação concreta de uso.
Com base nas análises dos resumos produzidos pelos graduandos, foi possível perceber
que a atividade proposta com base no modelo letramentos acadêmicos não só melhorou o
desempenho dos alunos, mas também a motivação e o envolvimento em participar do evento
que envolvia a produção textual.
Sobre a quarta questão, os graduandos apontaram os seguintes conflitos: 1) ordenar as
ideias; 2) produzir gêneros discursivos solicitados e reconhecer suas características; 3) aplicar
os aspectos formais da escrita e 4) compreender os textos acadêmicos.
Surpreendeu-nos perceber que os conflitos apontados pelos discentes foram os mesmos
diagnosticados pelas docentes, exceto o obstáculo que concerne às características dos gêneros
acadêmicos, tensões também mencionadas por alunos de cursos e períodos distintos.
Acerca das atividades propostas que contemplaram tais tensões, como destacamos
anteriormente, consideramos que o encaminhamento pedagógico utilizado por ambas as
docentes para trabalhar a compreensão textual foi relevante, tendo em vista o envolvimento e
as reflexões críticas, acerca dos textos analisados, realizadas pelos graduandos.
Segundo os discentes, todos esses conflitos sinalizados os levaram a enfrentar outro
obstáculo: a insegurança. Um número expressivo de graduandos afirmou que se sentiam muito
inseguros em relação à escrita e à compreensão dos textos acadêmicos e que, por conta disso,
tinham vergonha de se expor. Essa sensação de insegurança por parte dos alunos, foi
diagnosticada também pelo sociólogo Becker (2015) em seus estudos que, para tentar amenizá-
la, procurava conscientizar os estudantes de que a universidade é lugar de permanente
aprendizagem. No tocante a essa questão, no contexto em estudo, os graduandos afirmavam
que as professoras transmitiram confiança para eles e que isso fazia “toda a diferença”.
121
Tenho dificuldade em produzir texto porque estou começando agora e não tive
um bom professor de OLE I. (Davi, 2º período de Pedagogia).
O pessoal que está terminando não teve OLE I, foi um professor que não vinha
trabalhar, era um professor substituto que veio três vezes. Nós não temos
professor de OLI, fizemos um concurso para professor de língua portuguesa,
mas ninguém foi aprovado. Esse é o problema, porque hoje eles ainda não
sabem essas questões que deveriam ter aprendido em OLE I, mas não tem
problema. (professora OLE II).
Em síntese, para a realização deste estudo, levantamos um arsenal teórico que pudesse
dialogar com a problemática das tensões vivenciadas pelos discentes em relação aos usos da
linguagem acadêmica. A partir das análises do objeto de estudo verificamos algumas limitações,
no contexto analisado, tais como, a falta de formação específica de professoras, a qualificação
de alguns estudantes, práticas letradas pouco relevantes etc.
Não obstante esses obstáculos, as docentes alcançaram êxito, se superando ao
conseguirem transmitir segurança para os alunos, e, consequentemente, fazendo com que se
sentissem mais seguros para a escrita. Além disso, as práticas que contemplaram a compreensão
122
textual foram importantes, uma vez que contribuíram para a formação de leitores críticos e
reflexivos. De modo geral, tudo indica que os problemas apontados na pesquisa continuam no
ensino superior e, nem sempre, são levados em conta, em vista do desconhecimento de
encaminhamentos teóricos para saná-los e da indiferença dos professores (a maioria) em achar
que esses problemas não lhes concernem (“não vou ensinar a escrever, porque esse não é o meu
papel”). Outro indício da displicência com a questão aqui analisada é o número insignificante
de teses nessa área.
Todas essas reflexões nos fazem reiterar a importância da realização de um trabalho
ancorado na perspectiva de escrita letramentos acadêmicos, tendo em vista que as práticas
baseadas nesse modelo envolvem inúmeros aspectos apontados pelos discentes como
obstáculos: variedade padrão da língua, gêneros discursivos, questão de identidade e poder que
as práticas letradas evocam entre outros. Além disso, fazem-nos pensar na necessidade de se
criarem políticas que visem a auxiliar os discentes a se inserirem, de fato, nesses espaços
acadêmicos. Esses alunos, com suas carências e fragilidades, estão presentes na universidade e,
para ali estarem, passaram por um processo de seleção. E agora?
Acreditamos que agora é preciso institucionalizar as práticas de letramento de domínio
acadêmico, por meio da elaboração de currículo que contemple um repertório de práticas
linguísticas considerável que dê conta de inserir os discentes nos distintos contextos e
disciplinas a que são expostos. Para isso, é preciso que haja uma mobilização, por parte das
instituições, a fim de “conscientizar/ esclarecer” os docentes de todas as áreas - posto que o
letramento acadêmico melhora o desempenho geral - sobre a importância de auxiliar os
estudantes a se inserirem, efetivamente, na esfera acadêmica, sobretudo, no tocante às práticas
leitoras e escriturais acadêmicas. Nossas leituras enquanto pesquisadores e professores nos
levam a considerar a urgência dessas ações a fim de que o ensino da linguagem, no contexto
acadêmico, não sofra a mesma desvalorização vivenciada pelo ensino da literatura, no Ensino
Médio, como aponta Perrone-Moisés (2016).
Encerramos essa etapa da pesquisa esclarecendo que, embora tenhamos focalizado as
questões linguísticas, nossa preocupação é, sobretudo, social. Os dados oriundos desse estudo
de que, alguns graduandos que não conseguem se inserir, de forma efetiva, nas práticas letradas,
chegam a abandonar o curso, fazem com que essa questão seja uma preocupação constante para
nós. Em consequência disso, continuaremos refletindo acerca das questões que envolvem a
linguagem acadêmica, na busca por meios para amenizar os conflitos vivenciados pelos
estudantes no processo de inserção no ensino superior. Esperamos que a pesquisa realizada nos
dê pistas para encontrarmos alternativas para um problema que grassa nas universidades.
123
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ANEXO A – MATRIZ CURRICULAR DO CURSO DE PEDAGOGIA
135
136
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CONTEÚDO DE ESTUDOS
LEITURA E ESCRITA
Disciplina/Atividade
OFICINA DE LEITURA E ESCRITA GEM 00088 ALTERAÇÃO: NOME ( ) CH ( )
OBJETIVOS DA DISCIPLINA/ATIVIDADE:
Fornecer subsídios e oportunidades aos licenciandos para o desenvolvimento de capacidades e habilidades
referentes à leitura, compreensão, interpretação e redação de textos acadêmicos, uma vez que elas são
fundamentais a sua formação inicial e continuada.
DESCRIÇÃO DA EMENTA:
A leitura e a escrita como práticas sociais. Expressão oral e escrita. Tipos e modalidades de textos. Registros de
linguagem. Leitura, compreensão, interpretação e análise de textos acadêmicos. Coesão e coerência textuais.
Produção de textos. Aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos da língua relevantes para a
produção de textos acadêmicos.
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SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. São Paulo, Cortez, 2000.
GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA-LICENCIATURA
139
Essa foto de uma chave pra mim foi como estivéssemos vivendo em um mundo que está preso
dentre de uma, caixa, e que ali as pessoas estão presas, com um coração cheio de ódio, dor,
angústia. Diante de tudo que nos deparamos no mundo atual é praticamente isso que estamos
vivendo, radiados de pessoas assim, são poucas ao que pensam diferente; o mundo está cheio
de violência, e como seria bom se essa chave abrisse essa caixa, para libertar esses corações
cheio de tanta maldade. E a partir do momento que essa caixa se abrisse um mundo novo
existiria e com pessoas dispostas a amar ao próximo. (Sâmia).
Hoje venho falar de uma cidade na qual eu fui, e fiquei encantada, com sua beleza e formosura.
Porém ouço falar que as pessoas que moram lá passam por muitas necessidades, incluindo fome
e pobreza e no entanto a televisão nos passa uma ideia totalmente diferente.
Quem sabe um dia isso tudo pode ser mudado.
Espero um dia poder voltar lá. Bahia de todos os santos. (Aline).
140
(Fábia)
Uma família vinda de um dos grandes centros urbanos, acostumada aos maus hábitos
alimentares das metrópoles, a se alimentar de industrializados e dos fast foods, se propuseram
a experimentar sabores mais saudáveis. Alimentos fresquinhos, direto da terra, preparados no
fogão a lenha comida da roça. E não é que o novo sabor conquistou o paladar de todos, que se
comprometeu a aderir novas formas de alimentação, afinal sabor não tem que se separar de
saúde.
Uma casa com apenas um morados, esse fato torna essa casa triste, sem alegria. O café da
manhã, apesar de farto em alimentos, não é o mesmo de antes em que existia a família por perto.
Nem mesmo o jarro de flores traz um pouco de alegria em meio essa solidão. (Wagner).
141
Contexto Fotografia
Depois de seis anos ele voltou lá. Pareceu muito mais por causa da saudade...
A casa de campo, ou melhor, a casa de roça, onde passara tantos momentos felizes de férias
com os primos e as irmãs.
E a despeito de toda a paisagem, de tanta comida gostosa feita no fogão a lenha e as
brincadeiras, algumas coisas simples ficaram marcadas de forma muito especial.
O velho lampião a vela que segundo ele mesmo, fazia a gente "sentir falta de um tempo em que
não viveu."
E as três chaves "mágicas"!
Uma abria o velho baú, uma o velho paiol e a outra, o armário rústico da sala.
Não resistiu. Acendeu a vela e abriu todas as três portas. Viajou no tempo e se emocionou.
(Juliano).
Uma casa de madeira, rústica, o melhor amigo do homem junto a 3 crianças, um velho homem
(avô) em seu momento mais prazeroso, sim o mais prazeroso. Pois quando se conta uma história
o leitor (avô) viaja junto aos ouvintes na imaginação de seus netos vendo vários mundos e
visões saudosas dos seus tempos de juventude.
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A natureza, o equilíbrio perfeito entre a vida e a morte. Algo que funciona um respeitando o
outro, compreendendo, aceitando. Aqui não existe guerra, ganância, soberba, discriminação. O
objetivo aqui é simples. Nascer. Não importa se dentro da água, escondido em um tronco ou
uma poça [...] qualquer. Aqui não existe definição para luxo. Aqui é apenas um lugar para se
viver. (Leonardo).
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aluno também é vítima de um sistema que reproduziu sem saber; é vítima de seu próprio
personagem que lhe impõe uma pressão interna brutal.
No fim das contas, não é raro que o “fraco” seja o cavalinho que saiu atrasado e faça
seu trabalho com modéstia e sucesso, ao passo que o “foda” não termine o trabalho. Ademais,
se lermos o TCC, dissertação ou tese do “fraco” e do “foda”, chegaremos à conclusão de que
eles são muito parecidos.
A gradação entre alunos é muito menor do que se imagina. Gênios são raros.
Enroladores se multiplicam. Soar inteligente é fácil (é apenas uma técnica e não uma capacidade
inata), difícil é ter algo objetivo e relevante socialmente a dizer.
Ser simples e objetivo nem sempre é fácil em uma tradição “inspirada” (para não dizer
colonizada) na erudição francesa que, na conjuntura da França, faz todo o sentido, mas não
necessariamente no Brasil, onde somos um país composto majoritariamente por pessoas
despossuídas de capitais diversos.
É preciso barrar imediatamente este sistema. A função da universidade não é anular
egos, mas construí-los. Se não dermos um basta a esse modelo a continuidade desta carreira só
piora. Criam-se anti-professores que humilham alunos em sala de aula, reunião de pesquisa e
bancas. Anti-professores coagem para serem citados e abusam moral (e até sexualmente) de
seus subalternos.
Anti-professores não estimulam o pensamento criativo: por que não Marx e Weber?
Anti-professores acreditam em lattes e têm prazer com a possibilidade de dar um parecer
anônimo, onde a covardia pode rolar às soltas.
O dono do Foucault
Uma vez, na graduação, aos 19 anos, eu passei dias lendo um texto de Foucault e me
arrisquei a fazer comparações. Um professor, que era o dono do Foucault, me disse: “não é
assim para citar Foucault”.
Sua atitude antipedagógica, anti-autônoma e anti-criativa, me fez deixar esse autor de
lado por muitos anos até o dia em que eu tive que assumir a lecture “Foucault” em meu atual
emprego. Corrigindo um ensaio, eu quase disse a um aluno, que fazia um uso superficial do
conceito de discurso, “não é bem assim...”.
Seria automático reproduzir os mecanismos que me podaram. É a vingança do oprimido.
A única forma de cortamos isso é por meio da autocrítica constante. É preciso apontar
superficialidade, mas isso deve ser um convite ao aprofundamento. Esquece-se facilmente que,
em uma universidade, o compromisso primordial do professor é pedagógico com seus alunos,
e não narcisista consigo mesmo.
Quais os valores que imperam na academia? Precisamos menos de enrolação, frases de
efeitos, jogo de palavras, textos longos e desconexos, frases imensas, “donos de Foucault”. Se
quisermos que o conhecimento seja um caminho à autonomia, precisamos de mais liberdade,
criatividade, objetividade, simplicidade, solidariedade e humildade.
O dia em que eu entendi que a vida acadêmica é composta por trabalho duro e não
genialidade, eu tirei um peso imenso de mim. Aprendi a me levar menos a sério. Meus artigos
rejeitados e concursos que fiquei entre as últimas colocações não me doem nem um pouquinho.
Quando o valor que impera é a genialidade, cria-se uma “ilusão autobiográfica” linear e
coerente, em que o fracasso é colocado embaixo do tapete. É preciso desconstruir o tabu que
existe em torno da rejeição.
Como professora, posso afirmar que o número de alunos que choraram em meu
escritório é maior do que os que se dizem felizes. A vida acadêmica não precisa ser essa
máquina trituradora de pressões múltiplas. Ela pode ser simples, mas isso só acontece quando
abandonamos o mito da genialidade, cortamos as seitas acadêmicas e construímos alianças
colaborativas.
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Nós mesmos criamos a nossa trajetória. Em um mundo em que invejas andam às soltas
em um sistema de aparências, é preciso acreditar na honestidade e na seriedade que reside em
nossas pesquisas.
Transformação
Tudo depende em quem queremos nos espelhar. A perversidade dos pequenos poderes
é apenas uma parte da história. Minha própria trajetória como aluna foi marcada por
orientadoras e orientadores generosos que me deram liberdade única e nunca me pediram nada
em troca.
Assim como conheci muitos colegas que se tornaram pessoas amargas (e eternamente
em busca da fama entre meia dúzia), também tive muitos colegas que hoje possuem uma atitude
generosa, engajada e encorajadora em relação aos seus alunos.
Vaidade pessoal, casos de fraude em concursos e seleções de mestrado e doutorado são
apenas uma parte da história da academia brasileira. Tem outra parte que versa sobre
criatividade e liberdade que nenhum outro lugar do mundo tem igual. E essa criatividade,
somada à colaboração, que precisa ser explorada, e não podada.
Hoje, o Brasil tem um dos cenários mais animadores do mundo. Há uma nova geração
de cotistas ou bolsistas Prouni e Fies, que veem a universidade com olhos críticos, que desafiam
a supremacia das camadas médias brancas que se perpetuavam nas universidades
e desconstroem os paradigmas da meritocracia.
Soma-se a isso o frescor político dos corredores das universidades no pós-junho e o
movimento feminista que só cresce. Uma geração questionadora da autoridade, cansada dos
velhos paradigmas. É para esta geração que eu deixo um apelo: não troquem o sonho de mudar
o mundo pela pasta de couro em cima do muro.
registrado em: Rosana Pinheiro-Machado
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38. Execução
39. Exonerar
40. Exorcizar
41. Exórdio: prólogo e preâmbulo
42. Expansão
43. Florescer: fazer brotar flores.
44. Gorjeta: dinheiro que se oferece a alguém como gratificação por um serviço prestado.
45. Homizio: esconderijo e valhacouto
46. Idiossincrasia: característica e particularidade
47. Ígneo: ardente e inflamado
48. Influição
49. Influição: influência e influxo
50. Informatização: ato ou efeito de informatizar.
51. Intoxicação: ação ou enfeito de intoxicar (envenenar); ato de
intoxicar-se; envenenamento.
52. Jaez: espécie, tipo e qualidade
53. Lauto: abundante e suntuoso
54. Loquaz: tagarela e falador
55. Maciço
56. Majestoso
57. Mediatário: mediador
58. Minimizar: verbo transitivo direto. reduzir ao mínimo.
59. Minissaia
60. Obsessão
61. Opróbrio: vergonha, ofensa e insulto
62. Oscular: beijar
63. Osmose
64. Pecúlio: dinheiro, economia e patrimônio
65. Perdulário: esbanjador e gastador
66. Pernóstico: pretensioso, esnobe e afetado
67. Plaga: região e país
68. Pretensão
69. Procissão: marcha religiosa em que os padres, outros sacerdotes e fiéis desfilam,
segurando imagens santificadas; entoam cantos e/ou fazem orações em cortejo.
70. Procrastinar: adiar e postergar
71. Projeção
72. Prolegômenos: princípios e rudimentos
73. Quimera: fantasia, utopia e ilusão
74. Quiséssemos
75. Reiniciar: iniciar novamente.
76. Renascença: ato ou efeito de renascer; renascimento.
77. Resetar: reconfigurar, geralmente restabelecendo uma configuração inicial.
78. Rubicundo: avermelhado e corado
79. Sessão
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CONTEÚDO DE ESTUDOS
Lingua Portuguesa
Disciplina/Atividade
OFICINA DE LEITURA E ESCRITA II PCH00056 ALTERAÇÃO: NOME( ) CH ( )
OBJETIVOS DA DISCIPLINA/ATIVIDADE:
- Investigar as concepções de leitura e escrita em uma perspectiva teórico-prática;
- Exercitar a leitura e a escrita em produções textuais individuais e coletivas;
- Identificar a relação entre linguagem e educação em seus desdobramentos pedagógicos;
- Interagir verbalmente com colegas, professores e autores em consonância com as variações linguísticas
exigidas;
- Identificar e exercitar os aspectos cognitivos exigidos no aprimoramento da leitura e da escrita;
- Utilizar a norma culta da Língua Portuguesa em atividades de revisão e correção textual;
- Investigar as especificidades do ensino da Língua Materna.
DESCRIÇÃO DA EMENTA:
Leitura e escrita como experiência. Ler e escrever no âmbito do estudo, aprendizagem e ensino. A relação entre
Linguagem e Educação. Interações verbais. Produção e leitura de textos. Aspectos cognitivos da leitura e
escrita. A norma culta da língua portuguesa. Revisão e correção textual. Especificidades do ensino de língua. O
texto na sala de aula.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA:
BLOOM, Harold. Como e por que ler. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença.4ª ed, São Paulo: Perspectiva, 2014.
LACERDA, Mitsi Pinheiro (org.). A escrita inscrita na formação docente. Rio de Janeiro: Rovelle, 2009.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:
LARROSA, Jorge. Estudar. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
_______________. Linguagem e Educação depois de Babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
ORLANDI, Eni. Discurso e Leitura. 9ª ed.São Paulo: Cortez, 2012.
DISCIPLINA OFERECIDA PARA O (S)SEGUINTE (S) CURSO (S) : GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA-LICENCIATURA
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