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CENTRO DE TEOLOGIA E HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO


DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

LETRAMENTO DE DOMÍNIO ACADÊMICO: teoria e prática (experiência em uma


universidade pública)

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação do Centro de
Teologia e Humanidades da Universidade
Católica de Petrópolis como requisito parcial
para a obtenção do título de Doutora em
Educação.

Doutoranda: Marcela Tavares de Mello


Orientador: Prof. Dr. Pedro Benjamim Garcia

Petrópolis – RJ

2017
AGRADECIMENTOS

Em seus versos, João Cabral diz que um único canto não será capaz de trazer a luz e
anular a escuridão, torna-se necessário que o galo convoque todos os galos e que eles possam,
desta forma, invocar a manhã. Essa percepção se afina com minha compreensão de conquista.
Por isso, agradeço a (à, às, ao, aos)...
Deus, fonte de força, sabedoria e tranquilidade, principalmente, nos momentos mais
turbulentos de todo o processo da escrita.
Filho, inspiração para seguir em frente. Quem faz tudo ter sentido.
Percy, companheiro amigo e motivador, pelas palavras de incentivo e encorajamento.
Obrigada por tudo!
Família e amigos, maiores interlocutores para manter a lucidez e a força necessária a
todo esse processo de investigação, leitura e escrita.
Pai (in memoriam), pela proteção divina.
Lílian Tavares e Natália Tavares, por fazerem parte da minha história.
Pedro, companheiro de viagem disponível e acessível, pela confiança e orientações
durante minha trajetória do mestrado e doutorado.
Professores da Universidade Católica de Petrópolis, especialmente, Antônio Flávio
Barbosa Moreira, Menga Ludke e Maria Celi Chaves, por terem contribuído significativamente
para meu crescimento profissional de pessoal.
Banca examinadora, pela leitura atenta e sugestões valiosas.
Professores Andrea Reis, Pablo de Vargas e Celia Jannuzzi, que tão generosamente me
acolheram, orientaram e me deram suporte para a realização deste trabalho.
Professores e alunos da instituição analisada que, desde o primeiro contato, foram
sensíveis e comprometidos às questões que nortearam esta pesquisa.
Amigo Felipe que, ao receber a notícia do término da escrita da escrita da tese, definiu,
de forma precisa, nossa relação: “parceria para além da academia”.
Colegas do doutorado, com os quais pude compartilhar angústias, medos, conflitos,
tensões e conquistas.
Meus alunos do ensino médio e da graduação, que me impulsionam e proporcionam
energia necessária para seguir sempre.
Aos amores!
Uma abordagem que vê o letramento como
prática social tornaria explícitas desde o início
os pressupostos e as relações de poder em que
tais modelos de letramento se fundam. Em
contraste com o argumento de que os
aprendizes não estão “prontos” para essa
interpretação crítica enquanto não atingirem
estágios ou níveis mais altos, eu afirmaria que
os professores têm a obrigação social de fazê-
lo [...]. Introduzi-los em sala de aula não é um
luxo, mas uma necessidade. (STREET, 2014, p.
155)
RESUMO

A última década trouxe uma intensificação dos estudos sobre a inserção dos discentes no
contexto acadêmico, especialmente, no que concerne aos usos da linguagem acadêmica. Esses
trabalhos despontaram, no Brasil, sob a égide da expansão do Ensino Superior e a massificação
de seu público por meio de inúmeros programas de democratização e acesso ao ensino. Quando
ingressam na universidade, as distintas convenções de escrita que regem o Ensino Superior
somadas as deficiências oriundas da Educação Básica apresentadas por grande parte dos alunos,
no que tange à leitura e à escrita, acarretam inúmeros conflitos por parte dos discentes que, por
conta disso, sentem-se excluídos da esfera acadêmica e, às vezes, chegam a abandonar o curso.
Considerando esse panorama, a presente pesquisa objetivou identificar as principais ações
desenvolvidas que promovem o letramento de domínio acadêmico pela instituição analisada.
Para isso, buscamos responder às seguintes questões: a) Existe (em) disciplina (as) específica
(as) voltada (as) para a abordagem do letramento de domínio acadêmico? b) Quais são os
modelos de escrita e as concepções de letramento privilegiados pelos professores? c) Até que
ponto um encaminhamento pedagógico que abarque os pressupostos do modelo letramentos
acadêmicos interfere na aprendizagem de novas práticas letradas? d) Quais são os principais
desafios encontrados pelos graduandos, no que tange aos usos da linguagem na esfera
acadêmica? Para a geração dos dados, foi realizada uma pesquisa de viés etnográfico, utilizando
os seguintes instrumentos: observações das aulas de duas disciplinas, destinadas à orientação
de leitura e escrita, e entrevistas com professores e alunos. A partir da análise dos dados,
percebemos que há uma distância entre o aparato teórico e o que efetivamente acontece acerca
dos encaminhamentos direcionados para o ensino da escrita. Em contrapartida, é preciso
destacar a participação significativa dos estudantes em eventos de letramento de domínio
acadêmico de diversas naturezas, aspecto considerado essencial para a inserção efetiva dos
mesmos no âmbito acadêmico.

Palavras-chave: letramento de domínio acadêmico; modelos de escrita; concepções de


letramento; Ensino Superior.
ABSTRACT

The last decade has brought an intensification of the studies about the insertion of students in
the academic context, especially as far as the uses of the academic language are concerned. In
Brazil, these works appeared under the aegis of the expansion of Higher Education and the
massification of its public through numerous programs of democratization and access to
education. When they enter university, the different conventions that govern Higher Education,
together with the deficiencies that come from the High School presented by a great part of
students, as far as reading and writing are concerned, entail numerous conflicts on the part of
students who, because of this, feel excluded from the academic sphere, and sometimes even
drop out of university.Considering this scenario, the present research aimed to identify the main
actions developed that promote the literacy of academic domain in the institution analyzed. To
this end, we sought to answer the following questions: a) Is there a specific discipline (s)
focused on the approach of academic domain literacy? b) What are the models of writing and
the privileged conceptions of literacy? c) To what extent does a pedagogical approach that
embraces the presuppositions of the writing model of academic literacy interfere with the
learning of new literate practices? d) What are the main challenges faced by undergraduates,
regarding the uses of language in the academic sphere? For data generation, an ethnographic
bias research was carried out, using the following instruments: class observation in two subjects
aimed at reading and writing, and interviews with teachers and students. From the analysis of
the data, we perceived that there is a distance between the theoretical apparatus and what
actually happens about the referrals directed to the teaching of writing. On the other hand, it is
necessary to emphasize the significant participation of the students in academic events of
diverse natures, aspect considered essential for their effective insertion in the academic scope.

Keywords: academic domain literacy; Writing models; Conceptions of literacy; Higher


education.
RÉSUMÉ

La dernière décennie a vu une intensification des études sur l'intégration des étudiants dans le
contexte académique, en particulier en ce qui concerne l'utilisation de la langue académique.
Ces travaux ont émergé au Brésil, sous les auspices de l'expansion de l'enseignement supérieur
et la masse de leur public par de nombreux programme de la démocratisation et l'accès aux
programmes d'éducation. Quand ils entrent dans l'université, les différentes conventions
relatives à l'enseignement supérieur a ajouté les lacunes découlant d'études secondaires
présentés par de nombreux étudiants, en ce qui concerne la lecture et l'écriture, impliquant de
nombreux conflits de la part des étudiants qui, à cause de cela, se sentent si exclus de la sphère
académique et viennent parfois à quitter le cours. Compte tenu de cette situation, cette étude
visait à identifier les principales actions développées pour promouvoir le domaine de
compétence scolaire par institution analysée. Pour cela, nous cherchons à répondre aux
questions suivantes: a) Y at-il de(s) dixipline(s) spécifique(s) centrée pour l'approche
d'alphabétisation dans le domaine académique ? b) Quels sont les modèles d'écriture et les
concepts d'alphabétisation privilégiée? c) Dans quelle mesure un cheminement éducatif
englobant les hypothèses du modèle d'écriture de alphabétisations académique interfère avec
l'apprentissage de nouvelles pratiques d'alphabétisation? d) Quels sont les principaux défis
auxquels sont confrontés les étudiants des cycles supérieurs, en ce qui concerne les usages de
la langue dans la sphère académique? Pour la génération de données, on a mené une recherche
ethnographique de polarisation à l'aide des instruments suivants: observations des leçons de
deux disciplines, visant à orienter la lecture et l’écrit, et des entrevues avec les enseignants et
les étudiants. A partir de l'analyse des données, nous avons réalisé qu'il y a un écart entre
l'appareil théorique et ce qui se passe réellement sur les références dirigées à l'enseignement de
l'écriture. Toutefois, il convient de noter la participation importante des élèves à des activités
universitaires de divers types, aspect considéré comme essentiel pour l'insertion effective des
mêmes dans le domaine universitaire.

Mots-clés: domaine d'alphabétisation scolaire; modèles d'écriture; concepts d'alphabétisation;


enseignement supérieur
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas


Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CIEP – Centro Integrado de Educação Pública
CAPS – Centro de Atenção Psicossocial
Enem – Exame Nacional do Ensino Médio
FAETERJ – Faculdade de Educação Tecnológica do Estado do Rio de Janeiro
Fies – Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior
IFAO – Instituto dos Fatores de Auto-Organização
Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
INFES – Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior
ITF – Instituto Teológico Franciscano
LAPIIS – Laboratório de Pesquisa em Infância, Imaginário e Subjetividade
LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros
MEC – Ministério da Educação
NECTER – Núcleo de Estudo e Pesquisa, Saberes, Conflitos e Território
NLS – Novos Estudos do Letramento (The New Literacy Studies).
OLE – Orientação de Leitura e Escrita
OLE I – Oficina de Leitura e Escrita I
OLE II – Oficina de Leitura e Escrita II
PCH – Departamento de Ciências Humanas
PDI – Plano de Desenvolvimento Institucional
PEB – Departamento de Ciências Exatas, Biológicas e da Terra
PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
Pibid – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos
PPGEn – Programa de Pós-graduação do Mestrado em Ensino
ProUni – Programa Universidade para Todos
Reuni – Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
SISU – Sistema de Seleção Unificada
SUS – Sistema Único de Saúde
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
TDAH – Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade
UCP – Universidade Católica de Petrópolis
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Unicamp – Universidade Estadual de Campinas
Unig – Universidade Iguaçu
USP – Universidade de São Paulo

LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Produção Textual (Sâmia) 103
Figura 2 – Produção Textual (Leonardo) 103
Figura 3 – Produção Textual (Sirlaine) 108
Figura 4 – Produção Textual (Fábia) 108
Figura 5 – Produção Textual (Paula) 109
Figura 6 – Produção Textual (Wagner) 109
Figura 7 – Produção Textual (Flaviana) 109

LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Mitos assumidos na perspectiva da dicotomia ...................................................... 24

Quadro 2 – Questões-chave e definições nas Sessões sobre Mudança de Gênero/Modo do


Programa de Participação ......................................................................................................... 43

Quadro 3 – Mudança de gênero/modo ..................................................................................... 43

Quadro 4 – Experiência da Faculdade de Direito com a escrita acadêmica/profissional ......... 46

SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14

1 NOVOS ESTUDOS DO LETRAMENTO E LETRAMENTO DE DOMÍNIO


ACADÊMICO ......................................................................................................................... 19

1.1 NOVOS ESTUDOS DO LETRAMENTO ................................................................. 22

1.1.1 Modelo autônomo e modelo ideológico .......................................................... 25

1.1.2 Eventos e práticas de letramento ................................................................... 28

1.2 LETRAMENTO DE DOMÍNIO ACADÊMICO....................................................... 31

1.2.1 Sobre a escrita acadêmica ............................................................................... 37

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ..................................................................... 48

3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ............................................................ 62

3.1 OFICINA DE LEITURA E ESCRITA I ..................................................................... 63

3.1.1 Eventos de letramento da disciplina OLE I: articulações entre teoria e


prática ...................................................................................................................................... 66

3.2 OFICINA DE LEITURA E ESCRITA II.................................................................... 75

3.2.1 Eventos de letramento da disciplina OLE II: articulações entre teoria e


prática ...................................................................................................................................... 77

3.3 OS PRINCIPAIS DESAFIOS ENCONTRADOS PELOS GRADUANDOS ............ 95

3.3.1 Ordenar as ideias ........................................................................................... 96

3.3.2 Produzir gêneros discursivos solicitados e reconhecer suas características


................................................................................................................................................ 100

3.3.3 Aplicar aspectos formais da escrita ........................................................... 108

3.3.4 Compreender os textos acadêmicos ........................................................... 111

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 113

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 124

ANEXOS ............................................................................................................................... 135


15

INTRODUÇÃO

A motivação para realizar este estudo surgiu a partir de experiências vividas no campo
profissional que, num certo momento, incomodaram-me a tal ponto que resolvi escrever um
projeto de pesquisa a fim de pleitear uma vaga no curso de doutorado.
A primeira experiência relaciona-se ao período em que era aluna do Mestrado em
Educação. Quando ingressei no curso, deparei-me com inúmeras dificuldades no que concerne
aos usos da linguagem que circulava naquele contexto, ou seja, a linguagem acadêmica. Esses
obstáculos faziam com que me sentisse frustrada e excluída daquele espaço, acarretando, assim,
constantes momentos de angústia, conflito e tensão.
Para conseguir romper essa barreira realizei um estudo sistemático acerca de estratégias
de escritas dos gêneros textuais acadêmicos solicitados no curso. Essas leituras, além de
proporcionar suporte em relação à escrita, auxiliaram-me na compreensão dos gêneros
discursivos socializados nas disciplinas. Confesso que não foi uma tarefa simples, entretanto,
consegui alcançar meu objetivo, ou seja, desenvolver o letramento exigido naquele contexto
acadêmico.
Concomitantemente, desempenhando o papel de pesquisadora no curso de mestrado, em
parceria com o orientador, buscamos em nossos estudos verificar a concepção de linguagem
adotada nas aulas de duas professoras de uma escola da rede pública, bem como analisar se a
forma como os gêneros discursivos eram trabalhados favorecia o letramento dos alunos.
Considerando os dados apurados, constatamos a existência de uma disparidade entre o aparato
teórico e as considerações dos autores em relação àquilo que deve ser realizado e o que
efetivamente acontece na escola que serviu como objeto de pesquisa. Ademais, concluímos que
a forma como os gêneros discursivos eram trabalhados não favorecia o letramento dos alunos
(as). Cabe aqui destacar que a principal motivação para realizar este estudo surge do desejo de
um aprimoramento intelectual no doutoramento, dando continuidade à pesquisa realizada no
mestrado.
Por fim, destaco a minha experiência como professora e coordenadora de pesquisa e
extensão na Faculdade de Educação Tecnológica do Estado do Rio de Janeiro (FAETERJ).
Desempenhando a função de coordenadora, solicitava aos docentes que pedissem a seus
respectivos orientandos e alunos (as) que produzissem textos que pudessem ser socializados em
eventos científicos, entretanto, como resposta ao pedido, o discurso dos professores era sempre
o mesmo: “Eles não sabem ler nem escrever”.
16

Como referenciado, anteriormente, além de exercer a função de coordenadora, ministrei


aulas em duas disciplinas que tratavam da leitura e escrita na graduação. A partir dessa
experiência, pude verificar a razão do discurso dos docentes: de fato, grande parte dos alunos
(as), independente do período em que estavam matriculados, apresentavam inúmeras
dificuldades em compreender e produzir os textos acadêmicos. Como não poderia deixar de ser,
essas dificuldades interferiam, negativamente, no desempenho dos discentes. Antes de dar
sequência ao texto, é preciso esclarecer que atualmente atuo como professora de Produção
Textual no Ensino Médio e ministro as disciplinas de Português Instrumental e Introdução à
Pesquisa nos cursos de Administração, Enfermagem e Psicologia em uma faculdade particular.
Fiquei refletindo sobre esses aspectos acerca do meu percurso profissional e comecei a
conectá-los. Desde então, surgiram os seguintes questionamentos: a) Os discentes, assim como
foi a minha experiência, concluem a graduação sem ter adquirido o letramento de domínio
acadêmico? b) Como esses alunos terão competência para produzir textos que circulam na
esfera acadêmica, se, como verificamos através do resultado obtido na pesquisa de mestrado, a
forma como os textos são trabalhados na educação básica não favorece o letramento aos
estudantes? c) Ao ingressar na universidade, é exigido que os alunos produzam e compreendam
gêneros textuais específicos da esfera acadêmica com os quais, muitas vezes, não tiveram
nenhum tipo de contato. Diante desse contexto, quais são os conflitos e tensões com os quais
os alunos e professores se deparam? d) De que estratégias os docentes podem lançar mão a fim
de auxiliar os (as) alunos (as) a se inserirem no discurso acadêmico?
Posto isso, com intuito de desenvolver e aprofundar os estudos realizados no mestrado,
buscamos textos que pudessem nos auxiliar a compreender os usos da escrita na esfera
acadêmica e, posteriormente, delimitar as questões de pesquisa.
Os estudos sobre as especificidades da leitura e da escrita no contexto acadêmico,
denominados de letramento de domínio acadêmico, despontam sob a égide da expansão do
Ensino Superior e a massificação de seu público, através de inúmeros programas de
democratização e acesso ao ensino, tais como, o Programa Universidade para Todos (ProUni)
e o Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior (Fies).
Para termos noção de quão significativa, em termos numéricos, é a questão da expansão
do Ensino Superior no Brasil, trazemos os dados do Censo da Educação Superior realizado pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que mostram
que, só no ano de 2013, houve um aumento de 300 mil matrículas em comparação ao registrado
no ano anterior.
17

Segundo Oliveira (2015), esse crescimento considerável do número de matrículas em


instituições de Ensino Superior objetivou, principalmente, atender “às determinações do Banco
Mundial, sem, no entanto, considerar a qualidade do ensino oferecido por essas instituições”
(OLIVEIRA, 2015, p. 21). Em outras palavras, percebe-se que as políticas de permanência dos
estudantes e as políticas de qualidade do ensino não tiveram a mesma atenção conferida às
políticas de acesso e democratização no Ensino Superior.
Como decorrência desse aumento em massa, dois aspectos são destacados:

por um lado, as condições de trabalho dos professores que passaram a atuar


em classes cada vez mais cheias, dedicando cada vez menos tempo aos
atendimentos individuais aos estudantes e tendo que dedicar cada vez mais
tempo às tarefas administrativas; por outro, o perfil dos novos acadêmicos
demandando ações urgentes para sua inserção real nesse novo contexto,
sobretudo no campo da leitura e da escrita. (FERREIRA, 2013, p. 39).

Alicerçados em nossa experiência como docentes universitários, ratificamos,


enfatizando as proposições da autora, que o obstáculo encontrado pelos estudantes acerca dos
usos da linguagem acadêmica é um dos principais fatores que dificultam a efetiva inserção dos
(as) alunos (as) nos cursos de graduação.

Preocupados com esse cenário, pesquisadores como Lea e Street (1998, 2014), Gee
(1999), Lillis (1999), Russel (2009) vêm realizando estudos que comprovam que essas
dificuldades são encontradas e vivenciadas pelos discentes devido ao fato de que as convenções
que regem o contexto acadêmico são distintas daquelas que orientam o Ensino Médio, ou seja,
textos, maneiras de agir e interagir, entre outros aspectos, são específicos daquele meio.

Além disso, segundo os autores, os graduandos se deparam com inúmeras práticas


letradas diversas daquelas que faziam parte de outros níveis de escolarização, bem como de
outros espaços pelos quais circularam antes de ingressar na academia. Sendo assim, poderíamos
afirmar que, ainda que esses discentes sejam competentes leitores e produtores de textos, a
aquisição dessas novas linguagens não é assimilada de forma automática. Isso significa que as
barreiras relacionadas à compreensão e produção textual são enfrentadas por qualquer discente
que ingresse no Ensino Superior.

Além dessas questões acerca das especificidades das práticas letradas acadêmicas, outro
fator que corrobora as dificuldades de inserção dos estudantes no referido meio relaciona-se à
deficiência que eles apresentam em lidar com a escrita quando concluem o Ensino Médio.
Dados do Inep acerca dos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) mostram
18

que, em 2014, 529.374 alunos (as) – considerando aqueles que deixaram a redação em branco,
bem como os que tiveram um desempenho insatisfatório – obtiveram nota zero na redação
proposta pela avaliação, donde conclui-se que um número significativo de estudantes termina
o Ensino Médio sem ter adquirido as competências avaliadas na correção da redação do Enem1.

As distintas convenções que regem o Ensino Superior acrescidas às deficiências


oriundas da Educação Básica, relacionadas à produção textual, apresentadas por grande parte
dos estudantes, acarretam inúmeros conflitos e tensões (GEE, 1999) tanto por parte dos alunos
quanto por parte dos professores, que, por sua vez, acreditam que os discentes deveriam chegar
“prontos” à universidade, e, por isso, não se sentem responsáveis por auxiliá-los no processo
de inserção no contexto acadêmico.

Em síntese, é possível afirmar que, ao ingressar na universidade, é exigido que os


estudantes produzam e compreendam gêneros discursivos específicos da esfera acadêmica. Isso
significa que os graduandos precisam acessar um tipo de letramento específico dessa esfera, a
saber, o letramento de domínio acadêmico.

Compartilhamos das considerações de Vigotski (2007), quando o autor afirma que o


desenvolvimento do indivíduo não está atrelado apenas a processos de maturação biológica ou
genética, mas também ao meio em que ele vive. Dessa forma, é improvável o desenvolvimento
pleno da pessoa sem que ela tenha o suporte de outros indivíduos da mesma espécie. Assim, é
por esse prisma que acreditamos no papel do professor universitário, enquanto mediador do
Discurso (GEE, 1999) que circula e rege o contexto acadêmico, através de um trabalho
sistemático acerca dos gêneros acadêmicos, posto que os estudantes se deparam, na
universidade, com muitas exigências, sendo que as condições para cumpri-las são insuficientes.

Com base no exposto, elegemos, como problemática central deste estudo, as tensões
vivenciadas pelos discentes em relação aos usos da linguagem, quando se inserem no contexto
acadêmico.

Partindo dessas reflexões, surgiu a motivação para realizar esta pesquisa que tem por
objetivo identificar as principais ações que promovem o letramento de domínio acadêmico

1
Na correção da avaliação do Enem são avaliadas cinco competências. São elas: 1. Demonstrar domínio da norma
culta da língua escrita, 2. Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento
para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo, 3. Selecionar,
relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista, 4.
Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação e 5.
Elaborar proposta de solução para o problema abordado, mostrando respeito aos valores humanos e considerando
a diversidade sociocultural. Disponível em <http://bit.ly/2dxmtUS>. Acesso em: 03 de ago. 2016.
19

desenvolvidas pela instituição analisada. Para isso, buscamos responder às seguintes questões:
Existe(em) disciplina(as) específica(as) voltada(as) para abordar as questões que envolvem o
letramento de domínio acadêmico? Quais são os modelos de escrita e as concepções de
letramento privilegiados? Até que ponto um encaminhamento pedagógico que abarque os
pressupostos do modelo de escrita letramentos acadêmicos interfere na aprendizagem de novas
práticas letradas? Quais são os principais desafios encontrados pelos graduandos no que tange
aos usos da linguagem na esfera acadêmica?

Com o intuito de nos aproximarmos da instituição investigada e respondermos às


questões propostas, utilizamos os seguintes instrumentos de geração de dados: entrevistas e
observações dos eventos de letramento registrados em diário de campo.

Para apresentar a pesquisa, organizamos a tese em três capítulos. No primeiro, baseados


em aportes oriundos dos Novos Estudos do Letramento (LEA; STREET, 1998, 2014; STREET,
1984, 2014; GEE, 1996, 1999), discorremos acerca do conceito de letramento (SOARES, M.,
2004 e 2010), bem como sobre as especificidades do letramento de domínio acadêmico (GEE
1996; LILLIS, 1999; LEA; STREET, 2014; STREET, 2014).

No segundo capítulo, tratamos do processo de geração de dados, descrevendo os


instrumentos que foram selecionados a fim de responder às questões de pesquisa, bem como as
especificidades do campo em estudo.

No terceiro, apresentamos as características das disciplinas analisadas: Orientação de


Leitura e Escrita I e Orientação de Leitura e Escrita II – ambas relacionadas à linguagem
acadêmica –, além da síntese dos eventos de letramento observados e análises realizadas sobre
os referidos eventos, com base no aporte teórico em que nos alicerçamos. Ainda no terceiro
capítulo, tratamos dos principais obstáculos encontrados pelos universitários no que tange aos
usos da linguagem na academia.

Por fim, nas considerações finais, realizamos uma breve síntese dos pressupostos
teóricos que alicerçaram esta pesquisa, bem como das questões com as quais nos ocupamos,
apontando algumas reflexões e sugestões que as análises da pesquisa nos permitiram.

1 NOVOS ESTUDOS DO LETRAMENTO E LETRAMENTO DE DOMÍNIO


ACADÊMICO
20

Soares (2004), uma das referências dos estudos acerca do letramento no Brasil, afirma
que o termo letramento surge, simultaneamente, há aproximadamente três décadas, em vários
países com características socioeconômicas, geográficas e culturalmente distintas, com o intuito
de compreender as questões sociais dos usos da língua.

Considerando que a sociedade utiliza cada vez mais a escrita para interagir, e que apenas
a aquisição da tecnologia da leitura e da escrita não dão conta de atender às necessidades
linguísticas dos indivíduos, faz-se necessário compreender as práticas sociais que envolvem a
língua escrita, isto é, o letramento.

Apesar da similaridade no momento histórico do surgimento do conceito, as razões que


levaram os estudiosos a refletir sobre esse fenômeno foram diversas entre os países
desenvolvidos, como a França, os Estados Unidos e a Inglaterra e os países em
desenvolvimento, como o Brasil (SOARES, M., 2004).

Dentro dessa diversidade contextual, a pesquisadora destaca a diferença da ênfase


conferida à aquisição da tecnologia da leitura e escrita, a alfabetização, e às práticas sociais de
leitura e escrita, ou seja, o letramento.

Segundo a autora, nos países de Primeiro Mundo, os estudos acerca do letramento são
desvinculados das pesquisas sobre a alfabetização, pois se verifica que a maioria dos alunos
que passa pela Educação Básica adquire a aprendizagem da escrita, logo, essa seria uma questão
solucionada. Como base nisso, na França, por exemplo, as questões analisadas e as ações
propostas de alfabetização são, geralmente, voltadas para atender aos trabalhadores imigrantes
e aos analfabetos da língua francesa, ou seja, ao público que não passou pela escolarização
básica (SOARES, M., 2004).

Nos Estados Unidos, os estudos acerca das práticas sociais de leitura e de escrita
despontam a partir dos resultados de avaliações realizadas pelos egressos do High School –
nível de ensino correspondente ao Ensino Médio no Brasil – tendo em vista a insuficiência das
“habilidades de leitura demandadas em práticas sociais e profissionais que envolvem a escrita”
(KIRSCH; JUNGEBLUT, 1990, apud SOARES, M., 2004, p. 7). Os resultados dessas
avaliações apontaram que os alunos, assim como na França, não apresentavam problemas
relacionados à alfabetização, mas, sim, ao letramento, em outras palavras, não dominavam as
competências de uso da leitura e da escrita.

Ainda que certificado através de estudos e avaliações, a inexistência de problemas


relacionados ao processo de alfabetização, tanto na França quanto nos Estados Unidos – o
21

índice de analfabetismo aproxima-se de zero, aponta Soares – são elaboradas inúmeras


discussões sobre o tema. Todavia, as pesquisas sobre alfabetização e letramento são realizadas
de forma estanque, revelando, assim, “o reconhecimento de suas especificidades e uma relação
de não causalidade entre eles” (SOARES, M., 2004, p. 7).

Contrariamente, no Brasil, diferente dos países mencionados, os estudos sobre


letramento sempre estiveram relacionados a pesquisas sobre a aprendizagem inicial da escrita.
Sendo assim, as investigações sobre letramento e alfabetização se misturam e, por vezes, até se
confundem. Um exemplo da junção desses conceitos pode ser verificado nos censos
demográficos – para verificar se o recenseado é alfabetizado, questiona-se se ele é capaz de ler
e escrever um bilhete simples, ou seja, utilizar a escrita como prática social.

Uma crítica nesse sentido é feita por Magda Soares quando enfatiza que, no Brasil, as
pesquisas sobre letramento estão sempre vinculadas a questões da alfabetização, o que acarreta
“uma inadequada e inconveniente fusão dos dois processos” (SOARES, M., 2004, p. 8).

O reconhecimento da distinção entre os conceitos de alfabetização e letramento é


trazido à cena por Magda Soares e Angela Kleiman, precursoras dos estudos acerca do
letramento no Brasil.

De acordo com Magda Soares (2010, p. 47), letramento é o “estado ou condição de


quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce práticas sociais que usam a escrita”.
Em outras palavras, ser letrado significa ter habilidade para utilizar a leitura e a escrita de
maneira eficaz nos diversos contextos sociais.

Em diálogo com essa definição de letramento, Kleiman o define “como um conjunto de


práticas sociais que usam a escrita, como sistema simbólico e como tecnologia, em contextos
específicos, para objetivos específicos” (KLEIMAN, 2012, p. 18).

Nota-se que a questão posta pelas pesquisadoras dessa área é que o conceito de
letramento associa-se ao conceito de alfabetização no que concerne à aquisição da leitura e da
escrita, entretanto, vai além, no tocante à utilização dessas tecnologias – leitura e escrita – para
inserção dos indivíduos nas diversas práticas sociais em que estão inseridos.

A fim de estabelecer correlação e, ao mesmo tempo, demarcação entre os conceitos de


alfabetização e letramento, Magda Soares (2010) apresenta algumas propostas. A primeira, é
que sejam reconhecidas as especificidades da aquisição da escrita, a segunda, que a
alfabetização ocorra num contexto de letramento, por fim, que sejam enfatizadas e trabalhadas
as distintas dimensões, tanto da aquisição, quanto do uso social da escrita.
22

A pesquisadora acrescenta que, o simples fato de o termo letramento ter sido inserido
no nosso vocabulário, pressupõe o reconhecimento de que existem problemas de ordens
distintas, porém indissociáveis, a saber, aquelas relacionadas à aprendizagem da escrita e as
referentes aos usos sociais da leitura e da escrita.

Considerando os aspectos citados anteriormente, a autora destaca duas condições


consideradas essenciais para que o letramento se efetive. A primeira, diz respeito à necessidade
de uma escolarização real e efetiva da população. A segunda corresponde ao acesso à leitura.
A pesquisadora afirma que, em diversos países, a circulação de materiais impressos como
livros, jornais e revistas fica restrita a um grupo específico e que, sendo assim, torna-se difícil
realizar um trabalho com amplitude que envolva o letramento dos alunos.

O letramento pode ser analisado, segundo Magda Soares (2010), a partir de quatro
perspectivas quais sejam, linguística, antropológica, psicológica e educacional.

Na linguística, as pesquisas sobre o letramento buscam analisar as características que


diferem a língua oral da língua escrita. Na visão antropológica, os estudos objetivam verificar
o valor conferido às práticas de leitura e de escrita de determinada cultura, enquanto na
psicologia, os estudos sobre letramento consistem em se compreenderem quais são as
necessidades cognitivas para a compreensão e produção textual. Por fim, no campo
educacional, foco de nosso estudo, o letramento surge com o intuito de compreender o porquê
das práticas de codificação e decodificação se tornarem ineficientes para a inserção dos falantes
nos diversos âmbitos sociais. Nesse contexto, o termo é compreendido como habilidades
necessárias para que os falantes possam participar de forma efetiva das práticas sociais, através
da língua escrita (SOARES, M., 2010).

Atualmente, grande parte das pesquisas que buscam compreender a linguagem sob o
viés social são realizadas com base nas teorias dos New Literacy Studies. Como essa abordagem
fundamentará o nosso trabalho, no item a seguir, realizaremos uma breve análise sobre os
pressupostos que a orientam.

1.1 NOVOS ESTUDOS DO LETRAMENTO


23

O movimento dos Novos Estudos do Letramento (The New Literacy Studies) teve início
na década de 80, com os pesquisadores Street (1984), Gee (1999), Scribner e Cole (1981) e
Heath (1983).

Os estudiosos desse movimento questionavam duas proposições sobre a linguagem


daquela época: a visão tradicional que a compreendia como conhecimento restrito dos códigos,
a capacidade psicológica individual e a questão da dicotomia entre a oralidade e a escrita,
denominada de Grande Divisa, que será explicitada no decorrer desta seção.

Foi a partir desses questionamentos que os pesquisadores Street (1984), Scribner e Cole
(1981) e Heath (1983) realizaram seus estudos e verificaram uma nova perspectiva sobre
aspectos relacionados à linguagem, trazendo, à tona, as elucidações dos Novos Estudos do
Letramento (NLS).

Nos estudos realizados na comunidade Vai, da Libéria, com o intuito de verificar as


consequências da escrita em relação às capacidades cognitivas, Scribner e Cole (1981)
verificaram a existência de três formas de escrita do grupo pesquisado, sendo duas delas
adquiridas em contextos formais: a escrita arábica, aprendida no contexto religioso e a escrita
inglesa, aprendida na escola; e uma outra adquirida de maneira informal: a escrita vai, ensinada
no próprio contexto familiar.

Os pesquisadores chegaram à conclusão de que as habilidades necessárias para a


inserção dos indivíduos variam conforme o contexto cultural. Sendo assim, a análise dos efeitos
do letramento só pode ser realizada em contextos específicos, em outras palavras, em
determinadas comunidades, indivíduos ou grupos sociais.

O trabalho realizado por Street exemplifica claramente a nova visão acerca do


letramento. No Nepal, havia um programa de alfabetização que não estava alcançando o
resultado almejado. Com base nessa constatação, Street e seus colaboradores elaboraram um
projeto denominado Letramento da Comunidade. Nessa proposta eram reconhecidas as diversas
práticas de escrita que faziam parte do cotidiano da comunidade. Dessa forma, o projeto visava
ao desenvolvimento dessas práticas de letramento para que o público, no final, adquirisse a
capacidade de participar de maneira efetiva de tais práticas. O resultado do projeto foi
extremamente significativo, pois os participantes conseguiram ter acesso ao letramento
necessário para que pudessem se inserir de maneira competente e satisfatória naquela esfera
social.
24

Assim, o termo “novos” na expressão Novos Estudos do Letramento, agora passa a


relacionar o letramento à ideia de que a escrita e a leitura são sempre situadas em práticas sociais
específicas e influenciadas pelos contextos político, cultural e socioeconômico onde se
concretizam. Além disso, diferentemente das abordagens tradicionais que concebem o
letramento como um conjunto de habilidades individuais, neutras e independentes do contexto,
os pressupostos dos Novos Estudos do Letramento – com base nos resultados obtidos através
dos estudos realizados – passam a considerar a natureza do letramento como prática social
específica, ou seja, dependente do contexto social em que a língua se inscreve. Por conseguinte,
destacam que a alfabetização é uma competência cognitiva individual, ao passo que o
letramento relaciona-se às práticas de cunho social.

Sendo assim, compreender o letramento a partir da perspectiva dos NLS é reconhecer a


pluralidade do letramento, isto é, que as práticas de leitura e escrita variam de acordo com o
contexto e as convenções que as regem.

É com base nesses pressupostos, em que os falantes assumem variados papéis e


participam de diversas práticas de letramento, que surge a noção de múltiplos letramentos. A
esse respeito, Fiad destaca que

[...] as práticas de letramento, como práticas sociais que são, têm caráter
situado, ou seja, têm significados específicos em diferentes instituições e
grupos sociais. Desse modo, assumindo que as práticas de uso da escrita são
diferentes, é possível assumir que existem múltiplos letramentos, a depender
das esferas e grupos sociais: escolar, religioso, familiar etc. (FIAD, 2011, p.
361-362).

Isso significa que, para cada esfera social, é necessária a aquisição de um letramento
específico, o que justifica a utilização do termo letramentos.

Como citado, anteriormente, a questão da dicotomia entre oralidade e escrita era outro
aspecto que preocupava os teóricos do grupo dos NLS. Os adeptos da corrente denominada de
a Grande Divisa entre a oralidade e a escrita, Havelock (1963), Goody (1968), Greenfield e
Hyldyard (1972) e Olson (1978), citados por Street (1984), postulavam a existência da
soberania da escrita em relação à fala. Por consequência, discriminavam as sociedades orais por
acreditarem que “o grau de desenvolvimento tecnológico e a capacidade de raciocínio seriam
impensáveis sem a escrita” (MARCUSCHI, 2001, p. 17).
25

Terra (2013) enfatiza que essa dicotomia precisou inúmeros mitos acerca da oralidade
e da escrita, em relação aos seus impactos culturais e sociais, e às suas especificidades,
conforme apresentado no quadro a seguir.

Quadro 1 – Mitos assumidos na perspectiva da dicotomia

Mitos ligados às características das Mitos ligados aos efeitos sociais e culturais
modalidades de linguagem das modalidades da linguagem

 A fala é desorganizada, variável,  A escrita leva a estágios mais complexos e


heterogênea e a escrita é lógica, racional, desenvolvidos de cultura e de organização
estável, homogênea; cognitiva do indivíduo;
 A fala não é planejada; a escrita é planejada  A escrita dá acesso por si mesma a poder e
e permanente; mobilidade social.
 A fala é espaço do erro e a escrita o da regra
e da norma;
 A fala se dá face a face; a escrita serve para
comunicar à distância no tempo e no
espaço;
 A escrita se inscreve; a fala é fugaz.

Fonte: Terra (2013, p. 38).

É provável que essa diferença e suposta supremacia da escrita em detrimento da fala,


difundida pelos teóricos da Grande Divisa, se dê pelo fato de a escrita ter nascido para satisfazer
interesses econômicos e administrativos, como é possível verificar na seguinte passagem: “[...]
a escrita nasce das necessidades da economia pública e da administração; graças aos excedentes
das colheitas, é possível manter um estrato privilegiado da população que irá responder às novas
necessidades [...]”. (BARTHES; MARTY, 1987, p. 39-40).

Barthes e Marty, assim como os estudiosos dos NLS, vão de encontro às conjecturas da
Grande Divisa e enfatizam que a palavra é tão efetiva quanto a escrita. Os autores destacam que
ambas são indissociáveis e resumem a relação estabelecida entre elas, afirmando que

o escrito funciona numa relação com o idêntico, o oral numa relação com o
outro; relação com o idêntico, a repetição, a re-enunciação que o leitor faz do
texto que lê; relação com o outro, a comunicação oral que tem origem na
alteração, no desvio produzido pela presença do outro (1987, p. 49).

Foi a partir dessas constatações que adveio a concepção, nomeada por Street (1984), de
modelo autônomo de letramento. Em contraposição a esse modelo de letramento, o pesquisador
26

propôs um trabalho baseado no modelo ideológico de letramento que “compreende o letramento


em termos de práticas concretas e sociais” (STREET, 2014, p. 9). Esse binômio será explicitado
no próximo item.

Atualmente as pesquisas sobre letramento analisam a escrita inserida em contextos


específicos de produção onde ela se concretiza e os fatores que a influenciam: relação de poder,
o porquê de certas práticas serem privilegiadas em detrimento a outras etc.

Sendo assim, considerando o letramento de domínio acadêmico, os NLS trazem valiosas


contribuições e conceitos que podem auxiliar a compreender as especificidades dessa esfera.
Além disso, os pressupostos dos NLS ajudam a desconstruir visões equivocadas como a de que
os alunos que ingressam na academia são iletrados e de que as convenções que conduzem a
escrita acadêmica fazem parte do repertório de qualquer indivíduo que ingresse no Ensino
Superior.

A seguir, realizaremos reflexões acerca dos conceitos que fazem parte dos estudos do
NLS, tendo em vista que esses pressupostos nos auxiliaram a analisar os dados gerados pela
pesquisa.

1.1.1 Modelo Autônomo e Modelo Ideológico

Os estudiosos do NLS utilizam o binômio modelo autônomo e modelo ideológico para


mostrar as perspectivas em que o fenômeno do letramento tem sido pesquisado e compreendido.

O modelo autônomo do letramento é apreendido como um conjunto de habilidades


técnicas e neutras que, uma vez assimiladas, dão conta de satisfazer as inúmeras necessidades
dos indivíduos, relacionadas aos usos da linguagem. Isso significa que, uma vez adquiridas as
habilidades da leitura e da escrita, o indivíduo se tornaria apto para satisfazer suas necessidades
de comunicação em qualquer contexto.

Os expoentes desse modelo desconsideram o contexto social onde a linguagem se


concretiza, por acreditarem que “o letramento ocorre por meio da linguagem fora do contexto”
(STREET, 2014, p. 154). Isso significa que a aprendizagem se daria de uma forma técnica e
descontextualizada, desprezando, assim, o caráter da pluralidade do letramento.

Segundo Street (2014), esse é o modelo adotado no processo de escolarização de grande


parte dos alunos, um ensino de metalinguagem presente na gramática normativa, que restringe
27

o uso da língua apenas aos meios escolares. Os textos, por sua vez, quando produzidos, têm
como único fim atenderem a algum requisito curricular do professor.

Apreende-se que, no modelo de letramento autônomo, o ato de ler se limita à


decodificação das palavras, frases e parágrafos, não considerando a leitura e a escrita como
práticas sociais situadas.

Uma crítica nesse sentido é feita por Pahl & Rowsell

É possível observar claramente uma grande lacuna entre os modos pelos quais
estamos ensinando a leitura e a escrita na escola e o sofisticado conjunto de
práticas que os estudantes usam fora da escola. Tratando a linguagem como
uma mera habilidade, o currículo escolar aborda, de forma restrita, apenas uma
fração mínima de habilidades que os aprendizes necessitam para fazer sentido
no mundo atual. (PAHL; ROWSELL, 2005, p. 3).

Street (2014 p. 43) afirma que “dentro do quadro do modelo autônomo de letramento, a
questão para agências se torna: como ensinar as pessoas a decodificar sinais escritos e, por
exemplo, evitar problemas de ortografia”, o que enfatiza a preocupação dos pesquisadores
citados em relação à distância entre as propostas do modelo autônomo e as reais necessidades
dos falantes.

Diante da predominância do modelo autônomo nos círculos políticos e das consequentes


limitações no trabalho com a língua na esfera escolar, Street (2014) propõe um trabalho baseado
no que ele denomina de modelo ideológico do letramento.

Nessa perspectiva, o letramento é compreendido como um conjunto de práticas sociais


vinculadas ao contexto social e cultural de produção, bem como o significado que as pessoas
atribuem à escrita, e das relações de poder que regem os seus usos. Sendo assim, o letramento
não pode ser entendido como um modelo simplesmente autônomo, visto que os significados
políticos e ideológicos regem as convenções da escrita.

Destaca-se que os teóricos da corrente do letramento ideológico não negam a


importância da realização de um trabalho que contemple os aspectos cognitivos da escrita e da
leitura, apenas abordam a necessidade de esclarecer o quadro ideológico – cultura e estrutura
de poder – que circunscreve e determina qualquer prática letrada. Em outras palavras, entendem
o letramento não apenas como habilidades técnicas, mas também e, principalmente, como
prática social.
28

No tocante a essa concepção, o principal objetivo do trabalho é fazer com que os alunos
consigam interagir de maneira eficaz e satisfatória nas diversas práticas sociais em que estão
inseridos e construam conhecimentos nos variados contextos onde a linguagem se faz presente.
Para tanto, os expoentes do modelo ideológico ressaltam “a importância do processo de
socialização na construção do letramento para os participantes” (OLIVEIRA, 2015, p. 123).

Em relação ao papel do professor, é importante destacar que esse não se reduz a

ensinar aos alunos a tecnologia da escrita, ou seja, promover a alfabetização,


mas, simultaneamente, oferecer-lhes a oportunidade de entender as situações
sociais de interação que têm o texto escrito como parte constitutiva e as
significações que essa interação tem para a comunidade local e que pode ter
para outras comunidades. Em suma, significa ensinar o aluno a usar a escrita
em situações do cotidiano como cidadão crítico. (TERZI, 2006, p. 5).

Compreender o letramento sob o viés ideológico significa reconhecer a multiplicidade


das práticas letradas além da complexidade desse fenômeno, visto que essas práticas variam de
acordo com o contexto – condições sociais, políticas, culturais e econômicas – onde se
concretizam.

Foram os pressupostos do modelo ideológico do letramento que guiaram os estudos dos


pesquisadores Scribner & Cole (1981), Street (1984) e Heath (1983), representantes do NLS.

Posto isso, ressaltamos que, neste estudo, privilegiaremos tanto as características da


concepção de modelo autônomo, quanto as do modelo ideológico do letramento, por
acreditarmos que um modelo congruente que dê conta das práticas específicas da esfera
acadêmica seja aquele que abarque, não só as características das estruturas linguísticas, mas
também as questões sociais que envolvem as práticas letradas. Ou seja, um modelo que

parte da observação das relações entre a oralidade e o letramento na


perspectiva do contínuo das práticas sociais e atividades comunicativas,
envolvendo parcialmente o modelo ideológico (em especial o aspecto da
inserção da fala e da escrita no contexto da cultura e vida social) e observando
a organização das formas linguísticas no contínuo dos gêneros textuais
(MARCUSCHI, 2001, p. 4).

A fim de descrever e aplicar o princípio das especificidades das práticas letradas, os


pesquisadores dos NLS propõem que sejam considerados dois conceitos operacionais nas
pesquisas sobre o letramento: o evento de letramento e a prática de letramento. Ambos serão
abordados no item a seguir.
29

1.1.2 Eventos e práticas de letramento

O conceito de evento de letramento surgiu com base na pesquisa realizada por Heath
(1983) que teve por objetivo investigar como sociedades específicas de Trackton – comunidade
afro-americana de operários – e Roadville – comunidade operária de brancos nos Estados
Unidos – lidavam com as orientações de letramento, tomando como base de análise a descrição
dessas práticas diferenciadas. A autora concluiu que, apesar de ambas as comunidades serem
letradas, possuíam diferentes formas de acessar, estruturar e utilizar a escrita, ou seja, formas
específicas de se valerem dos textos.

Foi a partir dessas pesquisas que Heath (1982, p. 93 apud STREET, 2014, p. 173) definiu
evento de letramento como “qualquer ocasião em que um fragmento de escrita integra a
natureza das interações dos participantes e seus processos interpretativos”. Isso significa que os
eventos de letramento ocorrem de variadas formas em quaisquer contextos – escolares ou não
– onde as interações são mediadas pelo texto escrito.

Para descrever os eventos de letramento, segundo os pressupostos do NLS, faz-se


necessário observar, de maneira sistemática, os seguintes aspectos: as regras que determinam o
uso da escrita; a situação de interação (sujeitos, objetivos, objeto de interação), o material
escrito (gêneros e seus suportes) e o modo como os indivíduos se relacionam com o material
escrito (HEATH, 1983).

Posteriormente, Street (2014, p. 174), elaborou a concepção de práticas de letramento


“referindo-se a comportamentos e conceitualizações relacionadas ao uso da leitura e/ou da
escrita”. O autor afirma que “as práticas letradas incorporam não só os eventos de letramento,
mas também as concepções ideológicas que os sustentam”.

Percebe-se, então, que a noção de prática de letramento associa e amplia a concepção


de evento de letramento, posto que engloba também as convenções culturais – valores, relações
sociais, atitudes – que determinam os eventos.

Oliveira enfatiza que

as práticas estão incluídas nas visões de mundo partilhadas que, por sua vez,
estão presentes nas ideologias e nas identidades sociais que as pessoas
30

precisam assumir, acionar, ou até mesmo aprender, para interagir nas


instituições, comunidades discursivas ou grupos sociais dos quais fazem ou
pretendem fazer parte. (OLIVEIRA, 2015, p. 127).

Isso significa que os aspectos relacionados às práticas de letramento possuem caráter


abstrato, visto que são os indivíduos e a esfera em que as práticas estão inseridas que atribuem
seus valores, logo, diferentemente dos eventos de letramento, as práticas de letramento
possuem aspectos que não são observáveis. As convenções que regem as práticas fazem parte
de um contexto mais amplo, criado pelos próprios falantes, e são definidas ao longo do tempo
através da repetição dos eventos de letramento. Isto é, são modelos culturalmente construídos
do evento de letramento (STREET, 2014).

Street enfatiza que a compreensão da prática de letramento não ocorre de forma


imediata, sendo assim é necessário que os falantes sejam inseridos de forma efetiva nos eventos
de letramento de determinada esfera. Acrescenta ainda que o contexto que envolve as práticas
letradas é determinado pelas relações de poder, postas entre os participantes.

Abrimos aqui um parêntese para discutir, brevemente, algumas questões que envolvem
essas relações de poder que, segundo Barthes e Marty, são intrínsecas à língua

[...] o poder é o parasita de um organismo trans-social, ligado à história inteira


do homem, e não somente à sua história política, histórica. Esse objeto em que
se inscreve o poder, desde toda a eternidade humana, é: a linguagem – ou, para
ser mais preciso, sua expressão obrigatória: a língua (BARTHES; MARTY,
1987, p. 12).

A inscrição do poder através da linguagem é verificada no plano político e no próprio


significado facultado à palavra. Esse fenômeno, segundo os autores, acarreta problemas à
sociedade de diversas ordens, uma vez que a linguagem – em se tratando, principalmente, da
língua escrita – é impregnada de ideologias, ou seja, não se manifesta na “transparência e na
comodidade dos esquemas a que nos habituamos”.

A título de exemplificação, citaremos algumas ocorrências da personificação da relação


de poder, manifestadas através da língua escrita, levantadas pelos autores. A primeira trata da
questão da transposição da prece oral para a escrita, segundo Barthes e Marty. Inicialmente, a
prece tinha de religioso apenas a fé na sua valência, posteriormente, quando essa crença se dá
através de outro que é Deus, os sujeitos passam a enxergar nas orações uma relação direta com
esse ser, sendo assim, tudo que ali está posto se torna um ato a ser praticado a fim de alcançar
31

tal contato. Os pesquisadores destacam ainda que, essa relação de subordinação à prece torna-
se mais evidente e intensificada a partir da passagem do oral para a escrita

[...] como a máquina, o escrito é uma exteriorização do indivíduo, um


fenômeno de socialização do discurso, da coletivização e, finalmente, uma
fenômeno de hierarquização muito forte: quanto mais a Igreja deu importância
aos textos, mais se instaurou como corpo social separado do povo: prova-o a
Inquisição (Idem, p. 52).

Em seguida, a fim de explicitar a relação de poder nas questões políticas, Barthes e


Marty trazem Rousseau que afirma que, em muitas sociedades, a escrita é utilizada para conter
o poder do povo, ademais, que uma sociedade só pode ser considerada democrática quando são
oferecidas aos seus membros as capacidades da compreensão do discurso de outrem e a
disposição e voz de suas próprias palavras.

Por fim, os estudiosos trazem a análise realizada pelo historiador Tocqueville sobre o
poder da escrita dos livros dos pensadores franceses durante a Revolução Francesa, quando foi
possível observar que “lendo-os, toda a nação acabou por adotar instintos, formas mentais,
gostos e até defeitos naturais dos que escreveram”.

Ainda acerca da língua como lugar de poder, Lévi-Strauss (1996), durante suas
observações realizadas no contato com os Nambiquara, nos sertões do Centro-Oeste brasileiro,
relata que, quando entregou algumas folhas de papel e lápis aos indígenas daquela tribo,
percebeu que eles não possuíam nenhuma habilidade relacionada aos usos da escrita. Todavia,
o que impressionou o antropólogo foi o fato de o chefe dos índios encenar o gesto da escrita,
imitando-o, não com o fim de adquirir a habilidade da escrita, mas, sim, com a intenção de
simular aos demais membros da tribo que ele detinha o conhecimento do homem branco.

Assim sendo, analisar o fenômeno do letramento numa perspectiva social implica


refletir sobre inúmeros aspectos inerentes à linguagem, ou seja, compreender as práticas
letradas – eventos de letramento –, bem como as convenções culturais que as regem – práticas
de letramento de determinada comunidade. Os representantes dos Novos Estudos do
Letramento afirmam que uma análise dessa natureza auxilia na construção de um currículo
transparente e consciente.

Pelas razões expostas, para a realização deste estudo serão observados e,


posteriormente, analisados, não só os eventos de letramento, mas também as práticas de
letramento. Assim, como o objetivo desta pesquisa é analisar as ações desenvolvidas pela
32

instituição, locus da pesquisa, que visam à promoção do letramento dos graduandos,


realizaremos, a seguir, algumas reflexões acerca do letramento de domínio acadêmico.

1.2 LETRAMENTO DE DOMÍNIO ACADÊMICO

Os estudos sobre leitura e escrita no contexto acadêmico, denominados letramento de


domínio acadêmico, intensificam-se, no Brasil, sob a égide da expansão2 do ensino superior e
da massificação de seu público, através de inúmeros programas de democratização e acesso ao
ensino como Fies3, ProUni4, Reuni5 e Pibid6.

Fazemos aqui um hiato para salientar que alguns autores como Fischer (2007) e Oliveira
(2010) destacam que a expressão letramento acadêmico compreende qualquer contexto que
apresente práticas formais de escolarização, independente do nível, enquanto Fiad (2011),
Rodrigues (2012) e Ferreira (2013) consideram o termo como específico ao contexto
universitário. Nesta pesquisa, o termo será compreendido como específico ao contexto
universitário. Ademais, empregaremos o termo letramento do domínio acadêmico, uma vez
que, posteriormente, o termo letramento acadêmico será utilizado para discorrer sobre uma das
perspectivas da escrita.
Voltando à reflexão dos estudos acerca do letramento de domínio acadêmico, quando
ingressam no Ensino Superior, os graduandos se deparam com alguns aspectos que dificultam

2
Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o número de
alunos matriculados passou de 6.379.299 em 2010 para 7.305.977 no ano de 2013. Disponível em:
<http://bit.ly/2eCAYny>. Acesso em: 08 jun. de 2016.
3
O objetivo do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) é financiar a graduação na
Educação Superior de estudantes que não têm condições de arcar com os custos de sua formação. Para candidatar-
se ao financiamento, os alunos devem estar regularmente matriculados em instituições pagas, cadastradas no
programa e com avaliação positiva nos processos avaliativos do MEC. Disponível em: <http://bit.ly/OFKhVk>.
Acesso em: 08 jun. 2016.
4
O Programa Universidade para Todos (ProUni) foi criado em 2004, pela Lei nº 11.096/2005. Sua finalidade é
conceder bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes de cursos de graduação e de cursos sequenciais de
formação específica, sempre em instituições privadas de Educação Superior. Quem adere ao programa recebe
isenção de tributos. Disponível em: <http://bit.ly/1cdTqsj>. Acesso em: 08 jun. 2016.
5
O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) busca ampliar
o acesso e a permanência na Educação Superior. A meta é dobrar o número de alunos nos cursos de graduação em
dez anos, a partir de 2008, e permitir o ingresso de 680 mil alunos a mais nos cursos de graduação. Disponível em:
<http://bit.ly/2eLiK3o>. Acesso em: 08 jun. 2016.
6
O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) oferece bolsas de iniciação à docência para
alunos de cursos presenciais que se dedicam ao estágio nas escolas públicas e que, quando graduados, se
comprometam a trabalhar no magistério da rede pública de ensino. O objetivo é antecipar o vínculo entre os futuros
mestres e as salas de aula. Com essa iniciativa, o Pibid faz uma articulação entre a Educação Superior (por meio
das licenciaturas), a escola e os sistemas estaduais e municipais. Disponível em: <http://bit.ly/2dWhCbO>. Acesso
em: 20 dez. de 2015.
33

sua inserção nessa esfera, tais como a ruptura de nível de ensino e a diversidade das práticas
letradas.

As convenções que regem o contexto acadêmico são distintas daquelas que conduzem
o Ensino Médio, ou seja, textos, maneiras de agir e interagir entre outros aspectos são
específicos desse contexto. Além disso, os estudantes se deparam com inúmeras práticas
letradas distintas daquelas que faziam parte de outros níveis de escolarização, sendo assim,
ainda que esses discentes sejam competentes leitores e produtores de textos, a aquisição dessas
novas linguagens não é assimilada de uma maneira automática.

A aprendizagem dessas novas linguagens que circulam na academia é denominada por


Gee como aprendizagem de novos Discursos7 – conceito elaborado no âmago das pesquisas do
NLS. Segundo o autor, o Discurso “é um kit de identidade que vem completo com instruções
de como agir, falar e também escrever, a fim de aceitar um papel social particular que outros
reconhecerão” (GEE, 1996, p. 127).

Para que os alunos se sintam insiders8 e adquiram a condição letrada no Discurso


acadêmico, além de realizar um trabalho sistemático sobre as práticas letradas, faz-se necessário
esclarecer os porquês dessas práticas serem privilegiadas no domínio acadêmico e quais são
seus objetivos e significados. Ou seja, os alunos precisam conhecer e compreender as
convenções que circulam e regem a academia (FIAD, 2011).

Diferente do conceito de iletrado, muitas vezes utilizado pelos professores, de acordo


com os pressupostos dos New Literacy Studies os alunos são letrados; todavia, ainda não
possuem os conhecimentos necessários para se inserirem nas práticas do Discurso acadêmico.
Além disso, a maioria dos discentes são expostos, ao longo da Educação Básica, a concepções
de linguagem que muitas vezes são diferentes daquelas de que necessitam para interagir, tanto
no meio acadêmico como fora dele, uma vez que o ensino-aprendizagem da linguagem não tem
uma relação direta com as práticas sociais, sendo utilizado apenas para fins de trabalhos
escolarizados.

Infelizmente, muitos docentes não se conscientizam de que os alunos estão se inserindo


em uma nova realidade e partem do pressuposto de que eles já ingressam na universidade tendo
o conhecimento necessário para compreender e produzir os textos que circulam na academia,

7
Grafamos o D maiúsculo, conforme o autor do conceito utiliza em suas obras.
8
Este termo foi utilizado por Gee (2001) para tratar da inserção efetiva dos indivíduos nas esferas pelas quais
circulam.
34

instaurando, segundo Lillis (1999), o discurso de déficit. Esse discurso, na maioria das vezes, é
estabelecido de forma equivocada pois, como afirma Russel, “os problemas são parte normal
da aprendizagem para se comunicar em uma ou várias novas áreas” (RAMOS, F.; ESPEIORIN,
V., 2009, p. 247).

Isso faz com que os professores adotem uma prática denominada por Lillis (1999) de
prática do mistério. A autora destaca que vários aspectos relacionados aos usos da linguagem
permanecem ocultos, justamente pelo fato de existir essa visão equivocada de que as
convenções que conduzem a escrita acadêmica fazem parte do repertório de qualquer indivíduo
que ingresse no Ensino Superior.

De forma semelhante, Andrade afirma que os professores universitários “abstêm-se de


produzir uma racionalidade clara e tornar esta prática uma conduta regulada de forma explícita”
(2004, p. 1). Do ponto de vista da pesquisadora, se tais práticas letradas fossem explicitadas,
alunos e professores teriam legitimados seus lugares específicos diante da escrita.

Ao ser questionado sobre as estratégias que podem ser utilizadas para amenizar a
distância entre o texto produzido pelo aluno e a demanda do professor, numa entrevista
concedida à revista Conjectura, o linguísta David Russell afirma que, em determinado momento
de sua carreira docente, constatou que nunca havia exposto para seus alunos o que ele valorizava
e avaliava em termos de escrita e percebeu que os discentes não decifrariam suas expectativas
sem que as mesmas fossem elucidadas e justificadas. Sendo assim, ele ressalta que “a tarefa,
então, se transforma em comunicar essas expectativas para os alunos, de forma direta ou, às
vezes, indireta” (RAMOS, F.; ESPEIORIN, V, 2009, p. 244).

As distintas convenções que regem o Ensino Superior, acrescidas à prática do mistério,


acarretam inúmeros obstáculos para a inserção efetiva dos alunos no contexto acadêmico,
sobretudo, no que se refere aos usos da linguagem.

A partir do contexto mencionado anteriormente, surgem os estudos na área do


letramento do domínio acadêmico que visam compreender questões sociais e textuais do
contexto acadêmico, em outras palavras, apreender “as formas de ser, ouvir, escrever, ler, agir,
interagir, acreditar, valorizar, sentir, usar recursos, ferramentas, tecnologias capazes de ativar
identidades relevantes” específicas dessa esfera (FISCHER, 2007, p. 45).

Em seus estudos, Ferreira (2013) e Rinck, Boch e Juliana Assis (2015) realizaram um
breve levantamento das vertentes de pesquisa, elaboradas em vários países sobre as práticas de
leitura e escrita do domínio acadêmico, sendo elas, Phenomenografic Tradition (Reino Unido),
35

que se dedicou a realizar análises sobre a aculturação dos estudantes no discurso acadêmico;
Retoric and composition (Estados Unidos), que tem como foco de estudo os aspectos formais
da escrita; Writing Across the Curriculum (Austrália e Reino Unido), que realiza estudos sobre
estratégias de leitura e de escrita dos gêneros acadêmicos; Writing in the Disciplines (Estados
Unidos), que analisa o que colabora com o desenvolvimento integrado do currículo; English for
Academic Purpose (Austrália), que aborda as relações entre a leitura e escrita; Academic
Literacy (Reino Unido), que tem como intuito compreender o ensino e a aprendizagem no
Ensino Superior, não apenas ao que concerne à leitura e à escrita, mas também às convenções
que circulam na universidade e Succès em Licence (França), que está centrada em questões
voltadas para a expressão escrita.

No Brasil, o número de pesquisas que visam compreender o fenômeno do letramento do


discurso acadêmico ainda é pouco significativo. A fim de dialogar com nossos pares, realizamos
um breve levantamento acerca desses estudos, nas bibliotecas de algumas universidades, tais
como Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade de São Paulo (USP),
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), dentre outras e no banco de teses da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), utilizando como
palavras-chave: “letramento acadêmico” e “escrita acadêmica”. Citaremos, a seguir, alguns
estudos que foram selecionados por nós, devido ao fato de apresentarem similaridades com a
proposta desta pesquisa.

Cássia Assis (2005), partindo do pressuposto de que sejam necessárias condições


didático-pedagógicas para a produção de textos no contexto acadêmico, em seus estudos,
avaliou as condições de trabalho de produção textual do gênero notícia em cursos de
Jornalismo. No decorrer da pesquisa, a autora identifica dificuldades, por parte dos professores,
em estabelecer parâmetros para a produção textual, além da relação distinta entre as propostas
teóricas atuais e a denominada “redação” orientada pelo curso acerca das estratégias didáticas.

O objetivo da pesquisa realizada por Nogueira (2007) foi apresentar uma proposta
operacional de ensino de língua que levasse os alunos do curso de Administração de Empresas
a ler e produzir textos voltados às suas necessidades acadêmicas. A autora conclui seus estudos
enfatizando dois aspectos: a importância da formação do leitor como etapa essencial para que
os alunos assumam o papel de produtores de textos e um trabalho baseado nos gêneros textuais
acadêmicos.

No estudo intitulado A Construção de Letramentos na Esfera Acadêmica, Fischer


(2007) buscou compreender a constituição letrada de alunos ingressos no curso de Letras, em
36

práticas letradas. Baseada nos pressupostos dos teóricos Soares (2006), André (2003) e Gee
(1999), a autora depreende – diferentemente das pesquisas até o momento analisadas – a
existência de um modelo dialógico dos letramentos acadêmicos como norteador da constituição
letrada das alunas.

Em 2010, Oliveira realizou seu estudo, assim como Cássia Assis (2005), sobre a
produção de um gênero específico, a resenha. Seu intuito foi compreender os conflitos que
surgiam, por parte dos alunos, relacionados à produção desse gênero textual. Através dos textos
produzidos pelos alunos, a pesquisadora apontou que os conflitos que emergem da produção da
resenha relacionam-se às histórias de letramentos, com os Discursos que levam para a
universidade sobre o gênero e com os Discursos que precisam aprender para interagir no
contexto acadêmico, além da prática do mistério – citada anteriormente – adotada pelo
professor.

Rodrigues (2012) se dedicou a investigar as crenças e estratégias de aprendizagem que


orientam a produção dos gêneros resumo, resenha e artigo científico. A partir da técnica de um
grupo focal e da geração de textos produzidos por alunos do curso de Letras de uma
universidade pública do Paraíba, os estudos constataram a necessidade de a produção textual
ser trabalhada de forma mais explícita e frequente na rotina acadêmica. Ademais, destacou a
importância da regularidade de atividades que contemplem estratégias de revisão gramatical,
textual e discursiva.

Com o objetivo de compreender o letramento de domínio acadêmico no contexto de


expansão do Ensino Superior, Ferreira (2013) analisou os eventos de letramento numa
universidade pública federal, localizada no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, e verificou
que existe uma heterogeneidade no contexto pesquisado em função de múltiplos fatores e que
as práticas de letramento se constituem e são constituídas na e pela relação dos acadêmicos
com a universidade.

Já Vieira (2014) analisou a integração dos sujeitos a práticas letradas acadêmicas, no


caso específico da história do texto do exame de qualificação de dissertação de Mestrado. A
autora destacou a importância do diálogo da negociação para práticas letradas acadêmicas, na
constituição de sujeitos discursivos do ponto de vista bakhtiniano.

Por fim, destacamos a pesquisa de Oliveira (2015) que buscou compreender como os
alunos mobilizam recursos linguístico-discursivos que textualizam o gerenciamento de vozes
de dois gêneros: o resumo e a resenha. O estudo foi realizado durante um extenso período de
37

três anos, quando a pesquisadora coletou resumos e resenhas produzidos por três alunos do
curso de Letras de uma universidade particular em São Paulo. A autora concluiu que a maneira
com a qual os alunos promovem o gerenciamento de vozes em seus textos relaciona-se, não só
com o conhecimento que possuem sobre a escrita acadêmica, mas com suas histórias de
letramento, ou seja, com os modelos de letramentos a que foram submetidos. Destacou,
também, a prática do mistério que os professores adotaram para ensinar os gêneros textuais.

Além dessas pesquisas, alguns estudiosos acerca desta temática publicaram literaturas
que objetivam auxiliar o desempenho dos alunos em relação à escrita acadêmica como Resumo,
Resenha e Como planejar gêneros acadêmicos de Machado, Lousada e Abreu-Tardelli (2004)
e Produção Textual na Universidade de Motta-Roth e Hendges (2010), entre outros.

Grande parte das pesquisas citadas teve como base os pressupostos teóricos dos Novos
Estudos do Letramento, que engloba a vertente Academic Literacy, mencionada anteriormente.

De uma maneira geral, nota-se que diversos aspectos se assemelham em contextos


variados. Dentre eles, destacamos a distância entre o que atualmente é proposto em relação ao
ensino da língua materna e o que realmente acontece em sala de aula, ou seja, os gêneros
discursivos não são trabalhados como ferramentas de ensino. E isso acontece não só na
graduação, mas também na Educação Básica, como podemos perceber com o resultado obtido
na pesquisa intitulada “Gêneros Textuais: teoria e prática em uma escola municipal de
Pirapetinga”, realizada por nós, no curso de mestrado em Educação, no ano de 2014.

1.2.1 Sobre a escrita acadêmica

A partir do exposto anteriormente, acerca das especificidades do letramento de domínio


acadêmico, verifica-se a pertinência e a necessidade de se realizarem pesquisas sobre a escrita
acadêmica por inúmeras razões, dentre elas destacamos as seguintes: as práticas letradas que
circulam na academia são distintas das práticas até então vivenciadas pelos alunos, isso significa
que mesmo que o graduando tenha sido um competente leitor e produtor de texto durante a
Educação Básica, ainda assim, sua inserção não acontecerá de forma automática; ademais,
analisar a escrita acadêmica significa compreender e esclarecer o Discurso acadêmico.
Acreditamos, então, que, quando as questões textuais e sociais são explicitadas, elas se tornam
mais acessíveis aos graduandos.
38

Russell enfatiza que “escrever é tão importante para o sistema que deveria ser o objeto
de nossa atenção como professores, como departamentos, como universidades” (RAMOS, F.;
ESPEIORIN, V. 2009, p. 247). Baseados na experiência enquanto professora universitária e da
Educação Básica, compartilhamos dessa mesma visão, pois percebemos a existência de
inúmeros conflitos vivenciados pelos discentes relativos à escrita e o que esses acarretam na
vida acadêmica desses alunos.

Para a realização de pesquisas acerca da escrita acadêmica, os precursores dos New


Literacy Studies propõem que sejam analisados, tanto os aspectos sociais, como os aspectos
linguísticos da escrita. Para tanto, enfatizam a importância de um estudo de cunho etnográfico,
a fim de se evidenciarem as particularidades do contexto social onde o evento e a prática de
letramento se materializam (STREET, 2014).

Como já citado, a maioria dos docentes não consegue perceber que grande parte das
dificuldades estão relacionadas ao fato de que a aprendizagem não está concluída quando os
discentes ingressam na universidade; que a aprendizagem da escrita é contínua; e que para cada
prática de letramento se fazem necessários determinados conhecimentos textuais e sociais. E,
por não terem consciência sobre essas questões, responsabilizam os professores do Ensino
Médio pelas deficiências dos alunos.

Russell tem uma percepção oposta à maioria dos professores universitários; afirma que
eles, docentes, são os responsáveis por auxiliar os estudantes a se inserirem no Discurso
acadêmico, ou seja, “ensinar os alunos a comunicar o conhecimento em sua área” (RAMOS,
F.; ESPEIORIN, V. 2009, p. 244). Para isso, sugere algumas estratégias como apresentar textos
considerados por eles como bons exemplos de escrita; introduzir os gêneros acadêmicos e suas
características; e auxiliar na compreensão de textos específicos da área em estudo.

Outra questão que se coloca em relação à escrita acadêmica associa-se ao fato de que
no contexto escolar, independente do nível, a escrita é utilizada pelos professores apenas como
instrumento de avaliação, o que dificulta a percepção dos alunos em relação à função social
inerente da língua. Juliana Assis alerta sobre a necessidade de se fazer com que os alunos
compreendam a escrita como um repertório de estratégias de comunicação, em outras palavras,
“que aprendam a pensar e agir por meio da escrita” (ASSIS, J., 2015, p. 11).

No que concerne à escrita acadêmica, os pesquisadores Lea e Street (1998), em vez de


estudá-la dando ênfase ao discurso do déficit enunciado por inúmeros professores e
pesquisadores, optaram por identificar as formas pelas quais a escrita pode ser compreendida e
39

ensinada. Nesse sentido, assinalaram três modelos: modelo das habilidades de estudo, modelo
da socialização acadêmica e modelo de letramentos acadêmicos.

Baseada nos estudos do modelo autônomo de letramento, a perspectiva sobre a escrita


denominada habilidades de estudo concebe o letramento como um conjunto de habilidades
individuais e cognitivas necessárias para que os estudantes se insiram no contexto acadêmico.
Ou seja, enfatiza apenas os aspectos formais da escrita, tais como, gramática, ortografia e
pontuação.

Em consequência disso, desconsidera a função social da língua e o contexto onde se


materializa o processo da escrita, pressupondo que, uma vez apreendidos os aspectos formais
da língua escrita, os alunos tornam-se hábeis para transitar em quaisquer práticas letradas.

Segundo Kleiman (2012, apud MORETTO, 2014, p. 43) as instituições que optam por
adotar esse modelo de escrita trabalham os textos das seguintes formas: a) como um conjunto
de elementos gramaticais, em que o texto é apenas pretexto para o ensino da gramática e b)
como “repositório de mensagens”, na qual o texto se transforma em um conjunto de palavras,
do qual devem ser extraídas informações que comprovem a mensagem que nele se encontra.
Essas práticas são legitimadas, porque o objetivo dos professores que adotam essa vertente é
apenas auxiliar os alunos a codificar corretamente as palavras e decodificá-las.

Tratando-se de produção textual, são analisados apenas os aspectos textuais da escrita,


especificamente, das características textuais e da organização estrutural do texto, ou seja, seus
traços formais.

Outra particularidade desse modelo refere-se ao fato de a história de letramento do aluno


ser ignorada, isso significa que tudo que o estudante já vivenciou em termos de linguagem é
desconsiderado. Uma crítica nesse sentido é feita por Street (2014, p. 31) ao afirmar que
“pessoas não são tábuas rasas à espera da marca inaugural do letramento”. Ou seja, suas
histórias de letramento que antecedem à graduação devem ser consideradas e utilizadas como
ponto de partida para a realização de um trabalho sistemático relacionado aos usos da
linguagem.

Além disso, o discente é responsável por adquirir competências necessárias para lidar
com as práticas letradas, e, caso não consiga dominar tais conhecimentos, torna-se o único
responsável pelo seu insucesso (OLIVEIRA, 2015).

Lea e Street (2014) destacam que essa perspectiva da escrita foi elaborada, mesmo que
de maneira implícita, com base nas teorias de aprendizagem em que se evidenciam a
40

transmissão do conhecimento como, por exemplo, o behaviorismo, o que justifica algumas


considerações realizadas anteriormente.

O segundo modelo de escrita assinalado, o modelo da socialização acadêmica, associa-


se aos estudos da Sociolinguística, da Análise do Discurso e da Teoria dos Gêneros.

A abordagem sobre a socialização acadêmica analisa aspectos relacionados à inserção


dos graduandos na cultura acadêmica no que concerne aos gêneros textuais acadêmicos orais e
escritos e à compreensão dos textos de determinada área temática. Entende-se que, uma vez que
o estudante conhece esses aspectos, ele se encontra habilitado para circular nesse meio.

Diferente da concepção das habilidades da escrita que, como assinalado anteriormente,


acredita que o aluno é o único responsável pelo seu desempenho em se tratando das práticas
escritas, nesse modelo as dificuldades e os desafios dos alunos, relacionados à escrita
acadêmica, são considerados e compreendidos pelos professores. Sendo assim, os docentes se
sentem responsáveis por introduzir os alunos nas práticas acadêmicas orientando-os como
devem raciocinar, falar, produzir e compreender as práticas escritas valorizadas na
universidade.

Considera ainda, assim, como Bahktin (2003), que a linguagem se materializa através
dos gêneros discursivos e que esses possuem características relativamente estáveis. Logo,
acredita-se que um trabalho que contemple as características dos diversos gêneros acadêmicos
possa dar conta de auxiliar o aluno a lidar com as práticas letradas presentes na academia.

Algumas críticas são feitas acerca desse modelo. A primeira se baseia no fato de que
despreza a função social da língua e a relação de poder que a perpassa, acaba por fazer com que
“essa abordagem tende a tratar a escrita como meio de representação transparente” (LEA;
STREET, 1998, p. 158). A segunda crítica está relacionada ao fato de que considera as
orientações de escrita como uniformes. Apropria-se da crença de que a academia possui uma
cultura homogênea, reiterando sua visão monolítica e imutável, o que colabora “para formar
reprodutores de discursos legitimados na academia e dificultar o avanço para permitir ao aluno
universitário apropriar-se de modo efetivo dos gêneros acadêmicos” (MORETTO, 2014, p. 44).

Street destaca que, acerca da avaliação da leitura e da escrita, tanto no modelo de


habilidades da escrita como no modelo de socialização acadêmica, “o maior esforço consiste
em avaliar o que os sujeitos sabem sobre alguns textos escritos, com raras preocupações sobre
como as pessoas os usam e o que fazem com eles em diferentes contextos históricos” (2014, p.
41

9). Sendo assim, a avaliação se restringe a análises descontextualizadas de codificação e


decodificação, dificultando o desenvolvimento de estratégias de leitura e escrita.

Atualmente, esses dois modelos de escrita – modelo de habilidades e modelo de


socialização acadêmica –, têm orientado o Ensino Superior, bem como a Educação Básica, na
elaboração dos currículos, das pesquisas e das práticas didáticas (LEA e STREET, 2014).

Influenciada pela linguística crítica e social9, o último modelo de escrita de letramentos


acadêmicos, difundido pelos pesquisadores dos Novos Estudos do Letramento, com base no
modelo ideológico de letramento, relaciona-se às práticas sociais que permeiam a escrita, tais
como: relação de poder, identidade, construção de sentido.

Apesar de conceber a escrita por um prisma distinto dos demais modelos, a concepção
de escrita letramentos acadêmicos não deixa de destacar a importância de se trabalharem as
habilidades formais da escrita, bem como a aculturação do estudante. Todavia, vai além, ao
enfatizar a necessidade da realização de um trabalho que dê conta de abordar e analisar,
principalmente, as questões sociais da escrita que são consideradas intrínsecas aos usos da
língua.

Assim, nessa perspectiva, a opção por esse modelo de escrita, na prática,

exige não apenas ensinar aos alunos a tecnologia da escrita, ou seja, promover
a alfabetização, mas, simultaneamente, oferecer-lhes a oportunidade de
entender as situações sociais de interação que têm o texto escrito como parte
constitutiva e as significações que essa interação tem para a comunidade local
e que pode ter para outras comunidades. Em suma, significa ensinar o aluno a
usar a escrita em situações do cotidiano como cidadão crítico (TERZI, 2006,
p. 5).

É importante observar que essa vertente diferencia-se dos demais modelos no que diz
respeito à valorização das histórias de letramento dos discentes, uma vez que, nesse paradigma,
essas histórias são consideradas e utilizadas como subsídios para a elaboração de estratégias
que visem socializar os alunos do e no Discurso de domínio acadêmico. Sendo assim, “parte do

9
A Linguística Crítica busca analisar as questões sociais dos usos da língua, ou seja, compreender a língua como
prática social. Os teóricos que se debruçam sobre esse corrente enfatizam que todo enunciado apresenta questões
políticas e ideológicas. Ressaltam ainda que por vivermos num mundo socialmente injusto, é necessário que os
estudos acerca da língua se comprometam com essas questões sociais e busquem estratégias para intervir em
determinadas realidades (RAJAGOLAPAN, 2004).
42

princípio de que o conhecimento é construído através da experiência do aluno em aprender e


do auxílio do professor nesse processo de aprendizagem” (OLIVEIRA, 2015, p. 135).

Ainda sobre os graduandos, a fim de que eles se sintam parte da comunidade acadêmica,
segundo Lea e Street (2014), torna-se necessário elaborar um currículo que contenha um
repertório de práticas linguísticas consideráveis que dê conta de inseri-los nos distintos
contextos e disciplinas a que são expostos. Justificam, ainda, que a importância de tais práticas
associa-se ao fato de que o discente, quando ingressa na universidade, desconhece, até então,
as práticas que em sua maioria são específicas dessa esfera.

Oferecer ao aluno o repertório de práticas linguísticas, conforme esse modelo de escrita,


significa realizar um trabalho sistemático a partir dos gêneros discursivos acadêmicos que
envolva uma metodologia que compreenda a visão do gênero como comunicação nas
disciplinas e, principalmente, como prática social. Em suma, fazer com que os alunos percebam
onde e como os gêneros discursivos se materializam (BEZERRA, 2012).

Posto isso, os pesquisadores do NLS ressaltam que a abordagem dos letramentos


acadêmicos é considerada a mais eficaz em relação à aprendizagem da escrita dos estudantes,
devido ao fato de refletir sobre aspectos relacionados às práticas institucionais, bem como às
relações de identidade e poder, em outras palavras, por contemplar os aspectos sociais e textuais
do letramento.

Acrescentam ainda que, apesar de abordarem eixos distintos, é importante que essas três
perspectivas relacionadas à escrita acadêmica sejam trabalhadas em conjunto, pois todas visam
à inserção dos alunos no meio acadêmico, não sendo consideradas, assim, excludentes. A partir
disso, os pesquisadores destacam a importância de mobilizar os modelos de escrita, conforme
as necessidades dos próprios discentes.

Lea e Street (2014), no estudo intitulado O modelo de letramentos acadêmicos: teoria


e aplicações trazem, a título de exemplo, dois projetos desenvolvidos com base nos
pressupostos do modelo de escrita letramentos acadêmicos que, segundo os autores, auxiliou
na elaboração do desenvolvimento do currículo e na instrução formal dos projetos.
Discorreremos, a seguir, sobre as características de ambos os projetos.

Percebendo a dificuldade dos alunos no que concerne aos usos da escrita no Ensino
Superior, pesquisadores do King´s College, com a colaboração de instituições governamentais,
desenvolveram o projeto denominado de Programa de Desenvolvimento do Letramento
Acadêmico. O público-alvo são alunos do nível A (correspondente aos pré-universitários no
43

Brasil), e tem por objetivo melhorar o desempenho dos estudantes nesse nível de ensino, bem
como auxiliá-los a ingressar no nível superior. Os responsáveis por ministrar os encontros são
tutores (professores do Ensino Superior) e os próprios autores do projeto que se baseiam nas
conjecturas do modelo de escrita letramentos acadêmicos, de trabalhos sobre multimodalidade
e gêneros discursivos.

O principal objetivo do curso foi fazer com os alunos percebessem as diversas


linguagens e práticas semióticas (utilização de signos ou símbolos) que se concretizam em
gêneros discursivos, para isso, solicitaram aos estudantes que produzissem e interagissem, a
partir de gêneros variados.

A fim de que os participantes conseguissem apreender as mudanças e as especificidades


dos gêneros discursivos, foram apresentados e discutidos os seguintes quadro:

Quadro 2 – Questões-chave e definições nas sessões sobre mudança de gênero/modo do


Programa de Participação Ampliada

Fonte: Lea; Street (2013, p. 484).


44

Quadro 3: Mudança de gênero/modo

Fonte: Lea; Street (2013, p. 485).

Posteriormente, os alunos foram motivados a participar de discussões, considerando


seus respectivos interlocutores e as características específicas desse tipo de linguagem
(inseridas no Quadro 3). Nesse momento, os tutores identificaram – o que já estava previsto no
mesmo quadro – que os alunos mudaram do pensamento livre para um discurso coordenado na
troca com o outro, ou seja, altera-se o gênero e o modo do uso da linguagem. Em seguida, foi
solicitado que os estudantes anotassem os tópicos de suas discussões para que produzissem
transparências de retroprojetor que foram utilizadas em apresentações para a classe.
Enfatizaram, novamente, as características específicas dos gêneros anotação e seminário e o
modo como são apresentados. Por fim, os tutores propuseram que os participantes elaborassem
textos escritos com base em suas respectivas apresentações, considerando as peculiaridades dos
textos acadêmicos, como coesão, coerência, revisão textual, sentenças estruturadas, entre
outras.

Os autores concluíram que, ao final do curso, os alunos conseguiram compreender não


só as funções múltiplas dos usos da linguagem, mas também a variedade dos gêneros
discursivos que fazem parte do repertório dos falantes, ou seja, as características e os modos
específicos em que os textos se materializam. Destacaram ainda que a interação entre
alunos/alunos e alunos/tutores foi fundamental para alcançar o resultado almejado. Segundo
45

Street e Lea (apud STREET, 2006, p. 487) através desse contato foi possível identificar o
letramento pregresso dos discentes e verificar o que era necessário aprimorar e desenvolver
para “se ajustarem aos padrões da educação de nível superior”.

Para sintetizar as ideologias e as propostas desse projeto, consideramos pertinente trazer


o discurso de um dos tutores. Para ele

O programa de Modelo de Letramentos Acadêmicos procura contestar


algumas das expectativas que os alunos trazem da escola [...] a respeito de
definição restrita de linguagem. [...] O curso envolve questões de discurso,
gênero, escrita como processo social [...] no espírito de construção a partir do
que eles já tinham, trazendo essa experiência para o programa, em vez de tratar
essas questões como déficit e apenas corrigi-las. (STREET, 2014, p. 140).

O segundo exemplo trazido pelos autores é representado por dois workshops elaborados
com base nos conteúdos do curso denominado Materiais de Curso de Escrita de Nível 1 da
Faculdade de Direito da Universidade Aberta, de Londres. A faculdade atende estudantes de
cursos de Educação Profissional e Tecnológica, oferecidos nas modalidades on-line e
presencial, sendo o material escrito utilizado como o principal meio de compartilhar o
conhecimento em quaisquer modalidades. Todavia, percebendo as dificuldades dos alunos em
acessar as práticas letradas e compreender alguns conceitos básicos do Direito, os professores
resolveram ofertar um curso de estudos introdutórios com o intuito de auxiliá-los.
Devido ao fato da experiência do corpo docente ser voltada para o público do Ensino
Superior, os gestores da Faculdade decidiram oferecer dois workshops sobre desenvolvimento
profissional, com o objetivo de proporcionar aos professores uma visão ampla acerca do
material elaborado para o Curso de Escrita de Nível 1.
Ambas as oficinas foram elaboradas com base na perspectiva de escrita letramentos
acadêmicos. Entretanto, diferente de como aconteceu no Programa de Desenvolvimento do
Letramento Acadêmico, os pressupostos dessa vertente não foram expostos.
O primeiro Workshop teve por objetivo auxiliar o corpo docente a compreender a
percepção dos alunos e o porquê de esses discentes apresentarem inúmeras dificuldades em se
tratando de escrita acadêmica. Para isso, foram trabalhados gêneros discursivos variados que
fazem parte do material do curso à distância para que o corpo docente: a) percebesse a
importância e os desafios da produção dos materiais do curso, em se tratando da construção de
sentido e identidade e b) compreendesse que as dificuldades apresentadas pelos discentes
devem-se ao fato de a natureza dos textos acadêmicos ser distinta dos textos com os quais eles
têm contato antes de ingressar no ensino superior.
46

Posto isso, foi solicitado ao corpo docente que, considerando a história pregressa dos
alunos que participariam do curso, elaborassem questões acerca das possíveis dificuldades que
os discentes poderiam encontrar em relação ao material.
Os idealizadores da oficina concluíram que, ainda que os pressupostos dos letramentos
acadêmicos não tenham sido explicitados,

os participantes que não tinham nenhum interesse acadêmico específico na


língua ou nos letramentos começaram, tacitamente, a identificar as diversas
práticas de letramentos envolvidas no processo de produção de sentido,
inclusive, práticas de alunos potenciais que trariam suas próprias identidades
e compreensões das leituras dos materiais do curso. (LEA; STREET, 2014, p.
489).

Ademais, segundo os autores, os docentes passaram a refletir sobre a diversidade do


público que ingressa na faculdade, considerando esse fator como sendo essencial na elaboração
dos materiais escritos do curso.

Posteriormente, foi oferecido um segundo workshop que teve por objetivo fazer com
que os professores refletissem sobre as inúmeras práticas institucionais em que os textos
estavam envolvidos, focalizando a escrita do próprio corpo docente. Para tal fim, os tutores da
oficina solicitaram aos professores que elaborassem uma lista dos gêneros discursivos
utilizados no contexto acadêmico em que eles estavam inseridos. Como é possível verificar no
Quadro 4 a seguir, foram enumerados diversos gêneros:

Quadro 4: Experiência da Faculdade de Direito com a escrita acadêmica/profissional

Fonte: Lea; Street (2013, p. 490).

Segundo Lea e Street (2014), o que despertou a atenção dos organizadores do workshop,
durante os debates sobre a natureza das escritas dos docentes, foi o fato de os participantes
47

dividirem os gêneros discursivos em dois grupos: os de escrita pública e os de escrita privada,


enfatizando esse ser um critério considerável para eles como escreventes nos domínios
acadêmico e profissional.

No final dos cursos, os coordenadores verificaram que o corpo docente passou a


considerar para a produção do material escrito da Faculdade de Direito, não só os conteúdos
que deveriam ser trabalhados, mas também a maneira com que essas ideias seriam expostas, a
fim de auxiliarem o processo de compreensão dos alunos.

Os autores destacaram que, apesar das premissas do modelo de escrita letramentos


acadêmico não terem sido expostas em nenhum momento, os participantes foram capazes de
perceber a escrita como questão social e textual, levando em conta: variedade do público,
produção de sentido e questão da identidade e capacidade da escrita acadêmica. Além disso, os
workshops, de acordo com os tutores, propiciaram aos professores uma análise acerca dos
modos como os textos são mediados “tanto por identidade estudantil quanto acadêmica e como
os sentidos são negociados por meio do engajamento em textos escritos e multimodais em
contextos específicos e localizados” (LEA; STREET, 2014, p. 491).

Após realizar uma breve incursão acerca dos estudos do letramento de domínio
acadêmico, torna-se perceptível a amplitude das questões que envolvem a escrita, no caso em
estudo, a escrita acadêmica. Essas questões envolvem dimensões de diversas ordens, tais como
relações de poder; identidade; convenções que regem a escrita; construção de conhecimento.

Nota-se ainda que, considerar o letramento como prática social – proposta dos NLS –
implica associá-lo à perspectiva dos gêneros discursivos, uma vez que esses se constituem como
objeto de ensino-aprendizagem da escrita. Por isso, e também por acreditarmos, a partir de
nossas experiências enquanto pesquisadora e docente universitária, que os gêneros são
ferramentas essenciais nesse processo, realizaremos, no momento oportuno, uma breve reflexão
acerca dos estudos dos gêneros discursivos.
48

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A presente seção tem por objetivo apresentar o caminho percorrido, os instrumentos


utilizados para a geração de dados desta pesquisa, bem como as características do contexto
analisado. Ressaltamos que os instrumentos foram selecionados e redimensionados de acordo
com o objetivo da pesquisa - verificar e analisar as ações desenvolvidas pela universidade que
visam à promoção do letramento de domínio acadêmico – como poderá ser verificado no
decorrer do texto.

O locus da pesquisa é o Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior


(INFES) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Esse campo foi selecionado pelos
seguintes motivos: primeiro, é localizado na mesma cidade onde trabalho, e fica próximo da
cidade em que resido10, o que facilita minha constante presença na universidade; a linguagem
acadêmica é vivenciada como um problema pelos (as) professores (as) e alunos (as); ademais,
é um campo relativamente exíguo em se tratando de número de cursos oferecidos e quantitativo

10
Resido na cidade de Pirapetinga/MG que fica a 24 km do município de Santo Antônio de Pádua, onde está
localizada a universidade em estudo.
49

de corpo docente e discente, o que possibilita maior incursão em torno do que tem sido realizado
acerca do letramento de domínio acadêmico.

A referida universidade está localizada na cidade de Santo Antônio de Pádua11 desde


1984, quando ofertava apenas o curso de Licenciatura em Matemática. Durante vinte e seis
anos, o polo da UFF desenvolveu suas atividades no Colégio de Pádua e no Centro Integrado e
Educação Pública (CIEP) Anaíde Panaro Caldas. Na primeira década do século XXI, docentes,
servidores e estudantes dedicaram-se ao projeto de construir uma unidade de formação de
professores, projeto que passou a fazer parte do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI)
da UFF e que foi concretizado após a formulação de uma política federal de ampliação do
ensino superior (REUNI), na qual a UFF ofereceu atenção especial à interiorização.

O INFES foi criado pela resolução CUV 75/2009, de 27 de maio de 2009 e, atualmente,
oferece os cursos de Bacharelado em Matemática e as Licenciaturas em Matemática, Física,
Ciências Naturais, Computação, Pedagogia e Educação do Campo, perfazendo um total de sete
cursos de graduação. Além desses, possui um Programa de Pós-Graduação em Ensino, em nível
de Mestrado. Dispõe de um quadro que conta com um total de sessenta e três docentes,
dezesseis técnicos administrativos e duas bibliotecárias.

Em relação à infraestrutura, a unidade é constituída por sala de direção; sala de


coordenadores/chefes de departamento; sala das gerências; sala de professores; secretaria
unificada; dezesseis salas de aulas climatizadas que comportam, em média quarenta e cinco
alunos, e um auditório com capacidade para cento e onze lugares.

Na recepção, situada no primeiro andar do prédio, encontra-se um quadro onde são


fixados avisos diversos, tais como divulgação de eventos, horários de aulas, convites para
apresentação de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) entre outros.

Para conseguir ter acesso ao campo e dar início à pesquisa, em junho de 2015, fizemos
contato preliminar, via e-mail, com um professor do curso de Pedagogia que intermediou nossa
inserção na universidade.

11
Santo Antônio de Pádua é um município do estado do Rio de Janeiro, situado no noroeste fluminense. A cidade
de, aproximadamente, 41.000 habitantes, possui como principal fonte de renda quatro indústrias de papéis, pedras
decorativas e de revestimentos; pecuária leiteira e o comércio que engloba diversas lojas de roupas, farmácias,
supermercado etc. Disponível em: <http://bit.ly/2eEhK0H>. Acesso em: 30 mai. 2016.
50

Concedido o ingresso, apresentamos o projeto de pesquisa, quando fomos convidados a


expor o trabalho numa reunião do grupo de pesquisa LAPIIS12 que acontecia naquele momento.
Assim o fizemos, explicitamos o projeto, enfatizando nossas pretensões e os porquês da
proposta do estudo para o grupo. Estavam presentes três professores, que nomeamos13 de
Adriana, Cecília e Paulo, e quatro alunos, que denominamos de Leandro, Zélia, Gilda e Maria.
Adriana é graduada em Psicologia, possui Mestrado e Doutorado em Educação e leciona no
curso de Pedagogia. Cecília possui graduação em Ciências Biológicas e Pedagogia, Mestrado
em Educação e leciona no curso de Ciências Biológicas. Paulo possui Graduação e Mestrado
em Música, Doutorado em Educação e leciona no curso de Pedagogia. Dentre os discentes,
Leandro cursa Computação e três são integrantes do curso de Pedagogia, Zélia, Gilda e Maria
– Gilda e Maria são egressas do curso de Pedagogia da mesma instituição.

O interesse do grupo pelo projeto de pesquisa foi unânime, logo, surgiram inúmeras
considerações acerca dos usos da linguagem na universidade.

Os alunos sentem dificuldade em compreender o vocabulário presente nos


textos de ciência, se apropriar do vocabulário e escrever. (Cecília).
É um problema de leitura, os meninos escrevem mal porque não leem, é
basicamente isso. Quando você pede para eles lerem, eles dizem Ah!
Professora, esse texto é enorme’. Se você pede um livro então. (Cecília).
[...] Já percebi que quando vão escrever, além de problemas de vocabulário,
frases muito longas e redundantes. (Paulo).
As coisas se perdem, você esquece o que tinha no início da frase. (Cecília).
Não é só porque esquece, não é só isso. É porque fica tão ambíguo que você
não sabe mais para onde está o sujeito daquele verbo. Você se perde mesmo,
primeiro porque está mal escrito, além disso, está longo não dá para saber onde
está o foco da frase. (Paulo).
Eles têm uma dificuldade enorme para escrever, mas pode ser por isso mesmo,
se eles não entendem como irão escrever? (Cecília).

Acerca da compreensão textual, os professores destacaram que os alunos, além de não


terem adquirido o hábito da leitura, não conseguem compreender os textos acadêmicos. Esses

12
O grupo de pesquisa Laboratório de Pesquisa em Infância, Imaginário e Subjetividade é coordenado pela
professora Dra. Andréa Cardoso Reis, foi criado em 2010 com o objetivo de estabelecer conexões entre diferentes
linhas de pesquisa que entrelaçam diversos aportes teóricos e estratégias de trabalho em torno dos estudos sobre
infância, imaginário social e produção de subjetividades. Segundo a coordenadora, o grupo nasceu da necessidade
de abarcar as demandas de pesquisadores e estudantes de graduação (licenciaturas) que buscam um espaço de
interlocução sistematizado nas seguintes linhas de pesquisa: Culturas da Infância e Intergeracionalidade; Infâncias
e Produção de Subjetividades na Formação de Professores; Lugares da Infância e da Exclusão na Produção
Literária na Infância; Processos Criativos e Tecnologias; O currículo e as culturas da infância; e Educação Infantil
em contextos rurais. O grupo é composto por professores e alunos que representam todos os cursos oferecidos pela
universidade.
13
Utilizamos nomes fictícios para todos os atores envolvidos na pesquisa a fim de preservar suas identidades.
51

aspectos, segundo eles, acarretam deficiências relacionadas à escrita, tais como, dificuldades
em ordenar as ideias, construção de frases redundantes e textos fragmentados. Acentuaram,
ainda, que esses obstáculos interferem de forma significativa no processo ensino-aprendizagem
e que, por isso, têm sido o assunto principal das reuniões de curso.

Depois que os professores compartilharam suas impressões, estimulamos os alunos a


falar sobre suas experiências acerca da escrita no contexto acadêmico.

Tive muita dificuldade, e ainda tenho. Escrever e entender o texto acadêmico


são muito complicados para mim. (Gilda).
O pior era quando o professor pedia para montar um seminário, sendo que
nunca tínhamos feito isso na vida. (Maria).
Quando o professor pediu para fazer a resenha de um texto, a gente se
perguntava o que era aquilo, porque nunca tinha escutado falar esse nome.
(Gilda).
Até hoje tenho, não sei direito escrever uma resenha. Agora, na especialização
que estou tentando aprender, porque eles pedem muito também. (Gilda).
Achei muito difícil escrever monografia. Tivemos uma disciplina de
metodologia para ensinar a fazer TCC, mas só ensinava as normas da ABNT.
(Maria).

Os discursos dos egressos corroboram a crença dos professores de que os discentes


ingressam na universidade sem terem adquirido os conhecimentos necessários para produzirem
os gêneros acadêmicos. Em outras palavras, os docentes solicitam aos alunos que construam
determinados textos, em sua grande maioria, do domínio acadêmico, entretanto, não
especificam suas características, ou seja, não oferecem suporte adequado para que os discentes
dominem tais gêneros discursivos.

Com base nas considerações dos professores e dos alunos, foi possível perceber que não
são apenas os discentes que cursam a graduação que se sentem incapazes de dominar as práticas
letradas de domínio acadêmico, mas, também, aqueles que concluíram o curso, como no caso
de Gilda e Maria.

Os discursos das alunas egressas e a minha experiência no curso de graduação vão de


encontro aos pressupostos de Andrade (2004) que afirma que os discentes, pelo fato de estarem
inseridos no contexto acadêmico, aprendem a ler e a escrever academicamente ainda que os
professores não discorram sobre as questões que envolvem os usos da linguagem acadêmica.

Nesse ponto, consideramos a visão de Fiad quando esclarece que “os estudantes vão se
acomodando às práticas letradas”, o que não significa que eles concluem a graduação
dominando de forma efetiva as práticas letradas que fazem parte do cotidiano acadêmico (2016,
52

p. 220). Por isso, defendemos, assim como Fiad, a necessidade de orientar e mostrar aos
graduandos as práticas letradas que circulam na esfera acadêmica, tendo, como ferramenta de
ensino-aprendizagem, os gêneros discursivos acadêmicos trabalhados sob a perspectiva do
modelo de escrita letramentos acadêmicos.

Diante do fato de que os estudantes concluem a faculdade sem dominar as práticas


letradas presentes na academia, achamos pertinente compreender como os alunos são avaliados.
Para tal fim, lançamos para os docentes a seguinte questão: vocês disseram que grande parte
dos alunos são “semianalfabetos”, sendo assim, como verificam se eles apreenderam os
conteúdos ministrados, ou seja, que maneira encontram para avaliá-los?

Temos um elemento, não sei se é cruel, que é a retenção. (Adriana).


Eles abandonam o curso ou vão ficando para trás. Tínhamos caso na
Matemática de aluno que ficou aqui dez anos. [...] Foi o que aconteceu com a
turma de Ciências de 2012, entraram trinta alunos, porém no final do ano
devem colar grau apenas quatro. (Cecília).

A partir das respostas concedidas pelos professores, não foi possível identificar quais
são os instrumentos de avaliação que utilizam, todavia, chamou-nos a atenção o índice de
retenção destacado por eles.

A passagem “Eles abandonam o curso” reflete a realidade brasileira no tocante ao índice


de evasão no Ensino Superior. Segundo dados do Instituto Lobo para o Desenvolvimento da
Educação, da Ciência e da Tecnologia, no Brasil, entre os anos de 2006 a 2009, cerca de vinte
e dois por cento14 dos estudantes matriculados não concluíram o curso de graduação, sendo que
o Estado do Rio de Janeiro – onde está localizado o campo em estudo – possui uma das taxas
mais elevadas, chegando a 33% o número de evadidos. Verifica- se ainda que, mesmo com as
inúmeras políticas públicas criadas para atender aos graduandos, esse número cresceu em 2014
quando, segundo dados do Inep, aproximadamente, vinte o quatro por cento15 dos discentes
abandonaram o curso.

Ao observar esses dados, é possível verificar que o número de alunos que se evadem no
Ensino Superior é significativo, donde se pode concluir que as políticas voltadas para auxiliá-
los a permanecer na universidade – em outras palavras, romper as inúmeras barreiras com as
quais se deparam, tais como, diversidade de práticas letradas, ruptura de nível de ensino, entre

14
Fonte:< http://www.institutolobo.org.br/imagens/pdf/artigos/art_087.pdf>Acesso em: 03 jun. 2016.
15
Fonte: < http://convergenciacom.net/pdf/mapa_ensino_superior_2016.pdf> Acesso em: 05 jun.2016.
53

outras – não acompanharam aquelas que visam ao acesso e à democratização no Ensino


Superior16.

É perceptível que ampliar o acesso, todavia, não oferecer condições para a permanência
dos estudantes, compromete a eficácia das políticas de democratização do ensino superior. Por
essa razão, faz-se necessário disponibilizar meios para que os estudantes – em sua grande
maioria oriunda de uma educação básica deficiente, sobretudo, no que diz respeito aos
conhecimentos relacionados à linguagem 17
– não só permaneçam nesse nível de ensino, mas
também se sintam, de fato, inseridos no contexto acadêmico. Caso contrário, como assevera
Coutinho, “a democracia da massa que os socialistas brasileiros se propõem construir conserva
e eleva a nível superior as conquistas puramente liberais” (1979, p. 43).

Ainda sobre políticas de acesso e democratização no Ensino Superior, a diferença das


habilidades dos alunos que ingressam através do SISU18 para aqueles que são admitidos via
vestibular foi outro aspecto ressaltado pelos docentes. Segundo eles

O SISU está colocando dentro das universidades alguns alunos


semianalfabetos. (Cecília).
Alguns não, quase todos. (Paulo).
O primeiro período é praticamente uma alfabetização para os meninos. Então,
como estou há mais tempo19 na universidade, eu peguei os vestibulares onde
havia triagem. Quando tínhamos o curso só de Matemática, as primeiras
turmas eram de professores oriundos do curso normal, eles eram ótimos,
escreviam muito bem. (Cecília).

Os docentes enfatizaram que a maior parte dos alunos que ingressam através do SISU
apresentam uma defasagem enorme em relação aos usos da linguagem. Em consequência disso,
segundo eles, muitos professores que lecionam nos primeiros períodos precisam dispensar os

16
Vide capítulo 1.
17
Para termos ideia do quão preocupante é esta situação, trouxemos alguns dados acerca da redação do Enem. Em 2015,
53 mil participantes ficaram receberam a nota zero. Na edição de 2016, esse índice aumentou para 84.236. Dentre os
motivos que levaram os alunos a receber tal nota estão: fuga ao tema, parte desconectada, cópia de texto motivador,
texto insuficiente e não atendimento ao tipo textual. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=441>. Acesso em: 01 jun. 2016.
18
O Sistema de Seleção Unificada (SISU) é um sistema informatizado do MEC no qual instituições públicas de
Ensino Superior oferecem vagas para candidatos participantes do Enem. Como políticas de ações afirmativas,
algumas instituições oferecem vagas reservadas e outras adotam bônus na nota do candidato. Disponível em:
<http://sisu.mec.gov.br/>. Acesso em: 05 jun. 2016.
19
A referida professora leciona há trinta anos na Universidade, por isso, segundo ela, consegue fazer essa análise
longitudinal da diferença dos alunos oriundos do SISU entre os alunos que ingressam através do vestibular.
54

conteúdos propostos na ementa, a fim de realizarem um trabalho que a professora denominou


de alfabetização20.

Levando-se em conta a visão dos docentes acerca dos alunos oriundos do SISU, nota-se
que, por conta dos conflitos com que os graduandos se deparam ao produzirem os textos
acadêmicos, os professores não consideram o SISU como uma política positiva. Vale ressaltar,
nesse momento, que nenhum dos docentes é da área de Letras.

A partir do exposto, evidencia-se que as questões que envolvem os usos da linguagem


interferem de forma significativa na vida acadêmica dos alunos, visto que, aqueles que não
conseguem se inserir de forma efetiva nas práticas letradas, ou seja, apreenderem os conceitos
e produzirem os textos chegam, segundo os professores, a abandonar o curso. Desse modo,
então, podemos considerar que, no contexto em estudo, as dificuldades encontradas pelos
discentes em acessar as práticas letradas acadêmicas, em outras palavras compreender e
produzir textos acadêmicos, seja uma das causas da evasão no Ensino Superior.

Apesar dessa advertência, com base nos discursos dos egressos e nas colocações dos
docentes do grupo LAPIIS, destacamos que existem, por parte dos professores, duas formas de
apreender a questão discutida até o momento: a) os docentes acreditam que os estudantes
deveriam chegar à universidade, prontos para atenderem às demandas de letramento exigidas
nesse nível de ensino, porque pressupõem que os gêneros discursivos que circulam na academia
fazem parte do repertório dos discentes. Em razão disso, apesar de perceberem todas as
dificuldades encontradas pelos alunos, não se sentem responsáveis em inseri-los no discurso
acadêmico e b) os professores não questionam se os alunos deveriam ou não dominar a
linguagem acadêmica quando ingressam na graduação. De qualquer forma, ao diagnosticar os
conflitos dos estudantes, os docentes buscam subsídios para tentar minimizá-los, ainda que de
forma “precária pelo fato de não possuírem formação da área”, segundo eles.

Independente da forma de compreenderem as questões que envolvem o letramento de


domínio acadêmico e agirem (ou não) sobre estas, ficou perceptível que todos os docentes
reconhecem que os estudantes apresentam inúmeras “dificuldades” em lidar com a linguagem
acadêmica. Apesar disso, segundo Adriana, “[...] ainda tem professor que não vê a necessidade
de incluir disciplinas relacionadas à área de linguagem em alguns cursos, como, por exemplo,
o curso de Física”.

20
A referida professora denomina de “alfabetização” aspectos de ordem gramatical e ortográfica, tais como:
concordância, uso do acento indicativo da crase e ortografia.
55

Nesse primeiro contato, com base nos discursos dos docentes e dos discentes acerca dos
conflitos que emergem, por parte dos graduandos, em relação à escrita e à compreensão dos
textos acadêmicos, foi possível verificar que estávamos inseridos em um contexto em que a
linguagem é vivenciada como um problema, e os professores, conforme verificou Lillis (1999)
em suas buscas, adotam o discurso do déficit21.

Para dar sequência ao percurso da pesquisa, baseamo-nos nas propostas de Mills (1975)
acerca da seleção dos instrumentos utilizados para a geração de dados. Segundo o autor, a
atividade dos pesquisadores assemelha-se ao trabalho do artesão, na medida em que eles
possuem as ferramentas e as utilizam conforme a necessidade, ou seja, o método é construído
por nós, pesquisadores, e está relacionado aos caminhos que trilhamos.

Alicerçados na asserção de Mills, evidenciamos a última consideração selecionada,


fruto ainda do primeiro encontro, quando os professores presentes afirmaram que a
universidade contou, durante um período, com uma docente da área de linguagem que, segundo
eles, realizou um trabalho eficiente. A partir dessa informação, surgiu a necessidade de se
realizar uma entrevista com a referida professora que denominaremos de Alana22.

A entrevista foi realizada com base nos pressupostos23 de Kaufmann (2013) acerca desse
instrumento, na residência da própria docente, em junho de 2015. Expusemos a pesquisa
realizada no mestrado e o projeto da tese para que ela tivesse em mente o que desejávamos com
o encontro. Além disso, explicamos que a razão de ela ter sido escolhida se devia à qualidade
do trabalho realizado por ela, durante o tempo em que lecionou na UFF, segundo disseram os
professores da instituição.

21
Vide capítulo 1.
22
A professora Alana é graduada em Letras/Literatura, concluiu especialização em Língua Portuguesa na
Universidade Iguaçu (Unig) e Leitura e Produção Textual na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ). Atua há 14 anos como professora, atualmente, leciona no Ensino Fundamental (escola particular) e no
Ensino Médio (estado do Rio de Janeiro), em disciplinas de Língua Portuguesa, Literatura e Letramento.
23
Sobre o instrumento entrevista, Kaufmann destaca a necessidade da construção de uma relação de confiança e
de mútuo entendimento entre os envolvidos, para que o informante possa se doar por inteiro. Para isso, segundo o
autor, é preciso que o entrevistador se mostre, ou seja, fale sobre seus objetivos, suas angústias e suas pretensões.
O autor destaca ainda que a entrevista compreensiva deve ser um momento de compartilhamento, próximo a uma
“conversa” entre duas pessoas dispostas a comungar um conhecimento. Acrescenta que o informante deve ser
ouvido profundamente, para que possa perceber sua importância na construção do conhecimento, “ele não é
vagamente interrogado a respeito de sua opinião, mas por aquilo que possui, isto é, um saber precioso que o
entrevistador não tem” (2013, p. 80). Para Kaufmann, se a entrevista acontece de maneira fria e vazia, o
entrevistado não se envolve com a questão de pesquisa e encara o momento como algo necessário, entretanto, sem
grande importância. O autor cita algumas instruções que podemos utilizar com intuito de “quebrar o espírito de
seriedade sem deixar de trabalhar seriamente” (Ibidem, p. 101). Em uma dessas estratégias, ele sugere que o
entrevistador crie um clima de descontração durante a entrevista.
56

A princípio, não tínhamos questões fechadas, o objetivo desse encontro foi identificar
os principais conflitos dos alunos relacionados aos usos da linguagem; os conteúdos
trabalhados; metodologia aplicada e os instrumentos utilizados para avaliação do conhecimento
compartilhado.

Acerca dos obstáculos relacionados à escrita, a professora afirmou que os alunos


desconhecem as características dos gêneros acadêmicos, reiterando, assim, o discurso dos
próprios discentes integrantes do grupo LAPIIS. Segundo ela, os graduandos a procuravam
questionando como produzir resumo e resenha, textos que eram solicitados pelos professores
do curso. Além disso, Alana enfatiza que grande parte dos alunos não “têm ideias” e, os que as
possuem, não conseguem organizá-las. Lembrou ainda o caso de uma aluna que apresentava
uma recorrência de erros ortográficos básicos, por exemplo, grafar a palavra “consigo” desta
forma: “com sigo”.

Diante do exposto, questionamos quais eram as metodologias utilizadas e se foi possível


verificar avanços nas produções escritas dos alunos. Alana afirma que a ementa da disciplina
Orientação de Leitura e Escrita (OLE) – discorreremos, posteriormente, acerca das
especificidades dessa disciplina – não abordava o trabalho com gêneros textuais, entretanto,
como havia uma demanda significativa dos alunos e ela possuía autonomia para adequar os
conteúdos de acordo com as necessidades dos graduandos, decidiu trabalhar os gêneros
solicitados por eles. Para tal fim, utilizava a seguinte metodologia: projetava as características
dos gêneros em slides e apresentava um modelo que servia de exemplo para os discentes. No
trabalho realizado sobre o gênero resenha, inseria, ainda, questões que auxiliavam no
posicionamento perante o texto, tais como: “O que você achou?” e “O que interferiu na sua vida
pessoal e profissional?”.

A docente afirma que, todas as vezes em que era apresentado um texto que servia como
exemplo, os graduandos conseguiam produzir o gênero trabalhado. Acrescenta que, no decorrer
do semestre, os alunos a procuravam para mostrar suas produções e diziam que os professores
das outras disciplinas haviam elogiado seus textos.

Em se tratando da avaliação, Alana destaca que considerava a participação dos


estudantes e solicitava a produção de um portfólio com os conteúdos por ela ministrados, além
disso, aplicava uma avaliação que era solicitada pela instituição.

Antes de encerrar a conversa, a professora fez questão de destacar que, o tempo em que
lecionou na instituição, pôde contar com apoio de todo o grupo.
57

As informações obtidas no primeiro encontro e na entrevista foram gravadas em áudios


e, posteriormente, transcritas com o auxílio de anotações realizadas no diário de campo.

Cabe aqui ressaltar que, quando iniciamos a pesquisa, em junho de 2015, a universidade
estava em greve24. Como recebemos o convite para fazer parte do grupo LAPIIS e passamos a
frequentar os encontros, regularmente, grande parte das informações acerca da universidade
foram concedidas pelos integrantes do grupo.

Quando encerrado o período de greve, fomos até a instituição apresentar o projeto para
a coordenadora25 do curso de Pedagogia26 que, assim como os demais contatos que fizemos,
recebeu a proposta de estudo de forma cordial e interessada e, ainda, convidou-nos para
apresentar o projeto na reunião de departamento27 que acontecia naquele momento.

A coordenadora nos apresentou na reunião com o seguinte discurso

Eles estão tentando estudar as dificuldades dos alunos para pensar


mecanismos para tentar ajudar, ou seja, facilitar a vida dos próximos alunos.
Vocês sabem como essas dificuldades atrapalham a nossa vida e,
principalmente, a deles. (Fabiana, Coordenadora do Curso de Pedagogia do
INFES).

Em seguida, expusemos a proposta da pesquisa. Os docentes28 presentes na sessão se


mostraram atraídos pelo projeto e fizeram inúmeras considerações acerca dos conflitos dos
alunos, em relação aos usos da linguagem no contexto acadêmico. Uma professora do curso de
Pedagogia disse que nos apresentaria dois alunos que têm dificuldades, segundo ela “de todas
as ordens”, para que pudéssemos auxiliá-los.

As considerações extraídas dessa reunião vão ao encontro do que foi verificado em um


primeiro momento: a linguagem é experienciada como um problema nesse contexto. Todas as

24
A greve nas instituições federais que durou cerca de 130 dias, entre os meses de junho e outubro, foi
desencadeada após cortes nos orçamentos. Os professores reivindicavam, dentre outras coisas, reajuste salarial de
27,3%, vagas de concurso público e integralização das verbas orçamentárias. Disponível em:
<http://bit.ly/2eaxysP>. Acesso em: 14 jun. 2016.
25
As informações acerca da coordenadora, que será denominada de Fabiana, encontram-se na seção que trata
sobre as especificidades da disciplina OLE II.
26
O professor que intermediou nossa inserção no campo, assim como aqueles com quem tivemos uma aproximação
maior, entre os integrantes do Grupo LAPIIS, lecionam na graduação de Pedagogia, logo, podemos dizer que
selecionamos e fomos selecionados pelo curso, ou seja, a seleção do curso aconteceu de forma natural.
27
A Unidade INFES possui dois departamentos, o Departamento de Ciências Humanas (PCH) e o Departamento
de Ciências Exatas, Biológicas e da Terra (PEB). O departamento PCH engloba as graduações de Pedagogia e
Educação do Campo. Os professores desses cursos se reúnem mensalmente, em reuniões de Departamento, para
discutir questões acerca do corpo docente.
28
Neste dia estavam presentes quatorze professores, sendo oito do curso de Pedagogia e seis do curso de Educação
do Campo.
58

questões relativas aos obstáculos dos discentes e o envolvimento dos integrantes da instituição
com o projeto reforçaram o pressuposto de que estávamos inseridos em um contexto que
poderia ser considerado promissor para a efetivação da pesquisa, o que justificou a pertinência
do campo.

Delimitado o curso onde foi realizada a pesquisa, torna-se significativo trazer algumas
informações acerca da graduação em Pedagogia.

O curso de Pedagogia do Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior foi


criado no ano de 2009 com o propósito de

[...] Formar, por meio da ampliação do acesso ao Ensino Superior, público,


gratuito, de qualidade e socialmente referenciado, profissionais da educação,
com ênfase na docência, para o exercício das funções de magistério na
Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de
Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de
serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos
conhecimentos pedagógicos. Cabe ainda ao Curso de Pedagogia, de acordo
com as Diretrizes para a Formação de Professores da Educação Básica em
Nível Superior da UFF, proporcionar uma sólida formação teórica em todas
as atividades curriculares – nos conhecimentos específicos a serem ensinados
pela escola básica e nos conhecimentos pedagógicos – tendo a pesquisa
educacional como princípio embasador da formação. (Projeto de Criação do
Curso de Pedagogia – Licenciatura, 2009).

Atualmente, a instituição possui, como forma de admissão, o SISU29 que substituiu o


vestibular.

Em sua matriz curricular30 (Anexo A), o curso apresenta disciplinas obrigatórias que
são consideradas essenciais para a formação profissional e que totalizam 2.700 horas, e
disciplinas optativas, que objetivam ampliar a formação geral de acordo com o interesse do
graduando, e que perfazem um total de 240 horas.

Além dessas disciplinas, os graduandos precisam participar de 260 horas de atividades


complementares que se agrupam em atividades de pesquisa como participação em projeto de
pesquisa, iniciação científica (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica –

29
O Sisu é o sistema informatizado do Ministério da Educação, por meio do qual, instituições públicas de ensino
superior oferecem vagas a candidatos participantes do Enem. Disponível em: < http://sisu.mec.gov.br/>. Acesso
em: 05 de jun. 2016.
30
O currículo do curso sofreu recentemente alteração de carga horária, passando de 3.450 para 3.200 horas, a fim
de se adequar ao regulamento nacional do curso de Pedagogia no tocante à carga horária mínima proposta para a
efetivação do curso. Os alunos que estavam em curso puderam optar entre o currículo antigo ou seguir o currículo
atual.
59

PIBIC), elaboração de artigos, encaminhamento de artigos para publicação e apresentação de


trabalhos em eventos científicos; atividades de gestão: representação estudantil, participação
em eventos estudantis, vivência profissional complementar, estágio não obrigatório,
organização de eventos; atividades de ensino: disciplinas cursadas com aproveitamento em
outro departamento do INFES, disciplinas cursadas em outra instituição, monitoria,
participação como ouvinte em seminários, congressos e eventos, iniciação à docência e
desenvolvimentos de material didático; e as atividades de extensão: participação em projetos
de extensão na UFF e participação em cursos, treinamentos no INFES ou em outra instituição,
ligados à formação do aluno.

No período em que estivemos na instituição para gerar dados da pesquisa, de 18/06/2015


a 30/03/2016, a universidade realizou inúmeras atividades complementares, como I Jornada de
Produção Científica do Programa de Pós-graduação do Mestrado em Ensino (PPGEn); III
Semana da Pedagogia; Roda de Conversa sobre TCC, Curso de Qualificação Básica: projeto de
pesquisa e Seminário Diálogos: interdisciplinares na pesquisa, ensino e extensão.

Para acompanhar de forma efetiva o que a instituição estava proporcionando aos alunos
em termos das questões sociais do letramento – inserção dos graduandos no Discurso
acadêmico – participamos de algumas dessas atividades complementares, o que permitiu um
diálogo ainda mais amplo com o campo.

Gee (1996) afirma que os indivíduos se tornam letrados “observando e interagindo com
outros membros até que as formas de falar, atuar, pensar, sentir e valorizar comuns a esse
Discurso se tornam naturais a eles” (apud ZAVALA, 2010, p.73). A observação e a participação
nesses eventos fizeram-nos perceber essa proposição do autor de forma evidente. Os discentes
que se envolviam de forma efetiva em tais práticas, através de apresentação de trabalhos,
participação em grupo de pesquisas entre outros, sentiam-se membros pertencentes à
comunidade acadêmica. Citaremos exemplo dessa relação na seção “Análise e discussão dos
resultados”.

Retomando as características do curso de Pedagogia, o tempo mínimo previsto


destinado para sua integralização é de oito semestres letivos e, no máximo, doze.

As disciplinas que fazem parte da matriz curricular são distribuídas entres os docentes
de acordo com suas respectivas áreas de formação. Segundo os professores, as ementas dessas
disciplinas foram elaboradas, inicialmente, pelos docentes que implementaram os cursos na
60

instituição, entretanto, recentemente, os professores que lecionam disciplinas afins se reuniram


para realizar ajustes relacionados aos conteúdos e objetivos.

Dentre as setenta disciplinas que se dividem em grupos de obrigatórias e optativas, ao


analisar a matriz curricular e as ementas das disciplinas que as compõem, verifica-se que apenas
duas matérias oferecem orientação específica acerca da escrita, sendo elas a Oficina de Leitura
e Escrita I (OLE I) e a Oficina de Leitura e Escrita II (OLE II).

Com intuito de gerar os dados necessários para atender aos propósitos desta pesquisa,
mostrou-se pertinente acompanhar o desenvolvimento das aulas de ambas as disciplinas. As
observações foram realizadas no período de janeiro a março de 2016 31 e tiveram como fim
verificar as principais dificuldades dos alunos relacionadas aos usos da escrita acadêmica; as
práticas consideradas e analisadas pelos docentes, discentes e por nós, pesquisadores, como
sendo significativas; e as concepções de escrita e de letramento que sustentaram os eventos
observados.

É válido informar que, num determinado momento, fomos solicitados a participar das
aulas e resolvemos aceitar o convite, primeiro, porque, não obstante existir uma relação
formalizada, criamos também uma relação de cumplicidade com o grupo. Segundo,
aproveitamos a oportunidade para verificar a eficácia de um trabalho realizado com base no
modelo de escrita letramentos acadêmicos. Além disso, ministramos a disciplina Leitura e
Literatura com a professora Adriana.

Durante esse período (janeiro a março), mantivemos contato com as professoras e os


alunos e tivemos acesso aos materiais utilizados pelos docentes e aos textos produzidos pelos
discentes, que foram escaneados e anexados neste trabalho.

As aulas observadas foram gravadas em áudios e, posteriormente, transcritas com


auxílio de anotações realizadas em diário de campo, no qual foram feitos registros acerca das
nossas observações.

Para facilitar a leitura dos eventos de letramento, elaboramos um quadro onde inserimos,
de forma sintetizada, todas as informações que, segundo Marinho, são consideradas essenciais
para a compreensão do fenômeno investigado.

31
Esclarecemos que o calendário da instituição no ano em que foi realizada a pesquisa foi adaptado por motivo de
greve, e incluiu meses que habitualmente são de férias. Por esse motivo, na OLE I foram observadas apenas sete
aulas e, na OLE II, cinco. As razões que levaram os docentes a aderirem à greve, bem como o período, podem ser
verificados na referência 27, pág. 53.
61

Analisar eventos de letramento na sala de aula significa descrever as regras a


eles subjacentes, levando em conta a situação de interação (os sujeitos e seus
objetivos, o referente ou objeto da interação), o material escrito (os gêneros
textuais e seus suportes), e modos de relação com esse material escrito, as
interações verbais evidenciadoras das negociações de significados e de efeitos
de sentido que se constituem em torno e a partir desses textos. Para
compreender a lógica e os significados desses eventos, é necessário situá-los
no contexto histórico das práticas culturais e da instituição que os produzem
(nesse caso, a sala de aula), assim como confrontá-los com as relações de
poder. (MARINHO, 2010, p. 80).

Baseados nas proposições da autora, dividimos o quadro em quatro colunas, preenchidas


da seguinte maneira: na primeira, denominada de ótica do pesquisador, mostramos em que
consistiu, nos diferentes momentos, nossa participação nas aulas – consideramos pertinente
inserir essa informação devido ao fato de que ora nos limitávamos ao papel de observador, ora,
além de observar, éramos convidados a realizar considerações acerca do conteúdo trabalhado e
chegamos até a ministrar uma aula. Na segunda coluna, elencamos os gêneros discursivos
trabalhados e os suportes em que eles foram apresentados. No campo “atividades
proposta/descrição das regras” detalhamos as atividades propostas, as estratégias utilizadas
pelas professoras, bem como as normas que nortearam tais práticas. Por fim, no item objetivo(s),
discorremos sobre os propósitos das atividades trabalhadas.

Concomitante ao período da observação, elaboramos dois roteiros com questões


direcionadas para a realização de entrevistas que seriam realizadas com os graduandos e
professoras. As entrevistas destinadas aos alunos englobavam:

a) As questões sociais do letramento: 1. Você participa/participou de práticas


acadêmicas como grupo de pesquisas, seminários, congressos, intercâmbios entre
outros? Se sim, qual (is)? 2. Em que consiste/consistiu sua participação?

b) As questões textuais do letramento: 3. Você encontra/encontrou dificuldades em


produzir textos acadêmicos solicitados no curso? Se sim, qual (is)? 4. A disciplina
de OLE contribuiu para a produção dos textos acadêmicos, ou seja, apresentou
estratégias para a produção textual de resumo, resenha, artigo entre outros? 5. Ainda
sobre a disciplina de OLE, entre as atividades propostas pela professora, qual (is)
atividade (s) você considera significativa em termos de aprendizagem da linguagem
acadêmica? Por quê?
62

c) As questões que auxiliarão em um possível planejamento do Curso de Extensão:


6. Qual o gênero textual mais solicitado no curso: resumo, resenha, artigo científico,
projeto de pesquisa entre outros? Quais são os conflitos encontrados na produção do
texto citado anteriormente?

A entrevista que seria realizada com ambas as professoras tinha, como objetivos,
verificar quais das atividades trabalhadas, no decorrer do semestre, que elas consideravam
significativa do ponto de vista da aprendizagem da escrita acadêmica e identificar quais os
principais conflitos vivenciados pelos alunos em relação à linguagem acadêmica.

Como dito, anteriormente, essas questões norteariam as entrevistas, todavia, em função


da última aula ter sido cancelada tanto na disciplina OLE I, quanto na OLE II, essa ação foi
inviabilizada. Sendo assim, optamos por enviar tais indagações para os e-mails dos alunos (as)
e das professoras e, acrescentamos, ainda, no roteiro da entrevista das docentes, um campo para
comentários livres.

3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Neste capítulo, discorreremos acerca das características das disciplinas OLE I e OLE II,
tais como, ementa, docentes, discentes, entre outros. Além disso, apresentaremos uma síntese
dos eventos de letramento observados, bem como análises realizadas sobre os referidos eventos.
Para o desenvolvimento dessas análises, mobilizamos os pressupostos teóricos dos Novos
Estudos do Letramento, sobretudo, no que concerne aos modelos de escrita acadêmica e às
concepções de letramento.

É importante ressaltar que, embora os conceitos que utilizamos não correspondam, no


sentido explícito, ao trabalho realizado na universidade, ao cotejar, por meio de uma
decodificação, a relação existente entre os pressupostos teóricos e as práticas, foi possível
apreender nas análises que essas práticas se coadunam com as proposições dos teóricos.

Antes de iniciar nossas reflexões, ressaltaremos algumas especificidades da


universidade, objeto da nossa pesquisa. Conforme já explicitamos na Introdução, esta
instituição está localizada numa cidade do interior do estado do Rio de Janeiro, possui um
63

campo relativamente pequeno, em se tratando do número de cursos oferecidos e do quantitativo


do corpo docente e discente, ademais não conta, no momento, com nenhum profissional da área
de linguagem.

Julgamos necessário enfatizar esses dados no momento da análise, por acreditarmos que
eles interferem no contexto analisado, sobretudo, em relação às disciplinas destinadas ao
desenvolvimento da linguagem, devido à inexistência do professor da área de Letras.

Destacamos, ainda, que fomos recebidos por todos os profissionais da instituição de


forma muito cordial e receptiva. Além disso, os docentes e a coordenadora nos viam como
colaboradores na árdua tarefa de inserir os alunos no contexto acadêmico, no que concerne aos
usos da linguagem, como poderá ser comprovado nos relatos que se encontram nesta seção.

Posto isso, passamos para as considerações acerca das aulas analisadas na disciplina
OLE I.

3.1 OFICINA DE LEITURA E ESCRITA I

A OLE I integra a matriz curricular32 de cinco dos sete cursos oferecidos pela instituição,
quer sejam, Pedagogia, Matemática, Ciências Naturais, Computação e Física. A disciplina faz
parte do grupo de matérias consideradas obrigatórias, cursada nos primeiros períodos da
graduação, sendo optativa apenas na graduação de Licenciatura em Física.

A referida disciplina apresenta, em sua ementa33 (Anexo B), as seguintes informações

Objetivo da disciplina/atividade: fornecer subsídios e oportunidades aos


licenciados para desenvolvimentos de capacidades e habilidades referentes à
leitura, compreensão, interpretação e redação dos textos acadêmicos, uma
vez que elas são fundamentais a sua formação inicial e continuada.

32
Ao analisar a matriz curricular de todos os cursos oferecidos pelo INFES, nota-se que apenas as graduações de
Matemática Computacional e Educação do Campo não apresentam nenhuma disciplina acerca da linguagem
acadêmica.
33
A responsável pela elaboração da ementa foi uma professora graduada em Letras que faz parte do quadro de
docentes, mas, atualmente, encontra-se cedida para Defensoria Pública da União. Por conta disso, a instituição não
conta, no momento, com nenhum professor habilitado na área de Letras.
64

Descrição da ementa: a leitura e a escrita como práticas sociais; expressão


oral e escrita; tipos e modalidades de textos; registros de linguagem; leitura,
compreensão, interpretação e análise dos textos acadêmicos; coesão e
coerência; produção de textos; aspectos fonológicos, morfológicos,
sintáticos e semânticos da língua relevantes para a produção de textos
acadêmicos (grifos nossos).

Ao analisar os conteúdos e os objetivos que compõem a ementa, nota-se que a


perspectiva de leitura e escrita adotada se aproxima dos pressuposto do modelo ideológico de
letramento, visto que a linguagem é compreendida como prática social. Em outras palavras, é
proposto que sejam consideradas as especificidades do contexto onde a linguagem se
materializa (STREET, 2014).

As orientações acerca da escrita baseiam-se, ora nos pressupostos do modelo de escrita


letramentos acadêmicos – quando, por exemplo, lista conteúdos relativos à textualidade, tais
como coesão e coerência –, ora na abordagem do modelo habilidades de estudo – quando
propõe que sejam trabalhados os aspectos fonológicos, morfológicos e sintáticos da língua.

Apesar de a ementa apresentar características da visão ideológica do letramento, parece


haver uma falta de clareza no que concerne à questão dos gêneros discursivos – objeto de
ensino-aprendizagem proposto nessa perspectiva –, visto que, na parte da descrição da ementa,
o tópico tipos e modalidades de textos é apresentado como se tratassem de conceitos distintos,
quando, na verdade, segundo Marcuschi, ambos designam

uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de


sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações
lógicas). Em geral, abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas
como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção.
(MARCUSCHI, 2010, p. 23).

Sendo assim, é possível que o termo “modalidade” tenha sido empregado no lugar de
gêneros discursivos, uma vez que eles mantêm uma relação de complementaridade, sendo os
tipos – narração, descrição, dissertação, exposição e injunção - encontrados no âmago dos
gêneros discursivos.

Para integralização dos conteúdos citados acima, são disponibilizadas 60 horas,


divididas em 30 horas teóricas e 30 horas práticas.

A professora responsável por ministrar as aulas da disciplina no período da observação,


que será nomeada de Maria, é enquadrada como docente adjunta do Departamento de Ciências
65

Humanas e do Programa de Pós-Graduação da universidade, e trabalha sob o regime de


dedicação exclusiva. Maria é graduada em Psicologia pela Universidade Católica de Petrópolis
(UCP) e em Teologia, pelo Instituto Teológico Franciscano (ITF), Mestra em Educação e
Doutora em Meio Ambiente pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Atualmente, realiza pesquisas sobre a aplicação do BioFAO na agricultura e acerca do conceito
de Biocampo em Saúde e Meio Ambiente pelo Instituto dos Fatores de Auto-Organização
(IFAO).

Além da disciplina OLE I, a docente ministrou Filosofia I, no curso de Pedagogia e a


disciplina Seminário de Pesquisa I, no curso de Mestrado em Ensino. Ademais, atua como
Coordenadora da Comissão de Trabalho de Conclusão de Curso e Vice-coordenadora do curso
de Pedagogia.

Das 50 vagas disponibilizadas para matrícula, nove foram preenchidas no semestre em


questão. Uma turma composta por alunos trabalhadores, de baixa renda, que estudaram em
escolas públicas e ingressaram via SISU. Na mesma turma, havia alunos oriundos de diversos
períodos e cursos, a saber, Leonardo, Sâmia e Sirlaine, que cursam o segundo período de
Pedagogia; Juliano, sétimo período e Walmir, oitavo, ambos do curso de Física; Aline, quinto
período de Ciências; Fábia, sétimo de Computação; Paula e Wagner, alunos do quinto período
do curso de Matemática; e Ana que assistiu a duas aulas como ouvinte. É importante ressaltar
que as alunas Ana e Sâmia já haviam cursado a disciplina em outro momento, mas, segundo
elas, quase não tiveram aulas, “porque o professor faltava muito”.

Percebe-se que, apesar de a disciplina ser considerada obrigatória para os discentes dos
primeiros períodos dos cursos de Pedagogia, Matemática, Ciências Naturais, Computação e
Física, existe certa flexibilidade em relação à sua efetivação, posto que, dentre os nove alunos
matriculados, nenhum cursava o primeiro período. Isso, de certa forma, cria uma incoerência,
em se tratando do objetivo proposto na ementa da disciplina que visa oferecer subsídios
relacionados à compressão e à produção dos textos acadêmicos, considerados como
fundamentais à formação inicial e continuada dos alunos. Acreditamos que, devido ao fato de
os discentes necessitarem produzir e compreender textos acadêmicos durante toda a graduação,
torna-se significativo que eles tenham acesso aos conteúdos apresentados na ementa, ainda no
primeiro período das graduações, assim como propõe a matriz curricular dos cursos em que a
referida disciplina é considerada obrigatória.

As aulas de OLE I aconteciam numa sala ampla, arejada e climatizada, projetada para
quarenta alunos, situada no segundo andar do prédio. Composta por um quadro branco, mesa e
66

cadeira para professor e, aproximadamente, quarenta carteiras para comportar alunos destros
ou canhotos, que ficavam ora dispostos em um círculo, ora organizados em fileiras. A sala não
possui nenhum quadro de avisos, visto que ela é utilizada por alunos de diversos cursos. Na
porta, é fixado um quadro com o nome das disciplinas que ali serão ministradas e os horários.

As aulas de Orientação de Leitura e Escrita I aconteciam nas segundas-feiras, das 16h


às 18h. As observações tiveram início no dia 25 de janeiro e se encerraram no dia 28 de março
de 2016. Cabe ressaltar que algumas aulas foram canceladas em detrimento de outras demandas
da universidade como, por exemplo, eventos e reuniões.

Na primeira observação realizada – segundo a professora no primeiro encontro em que


estavam presentes quase todos os alunos matriculados – a docente fez algumas considerações
acerca da disciplina. Maria disse aos alunos que não possuía formação na área de Linguagem,
sendo assim, seu objetivo não era ensinar gramática. Acrescentou que realizaria um trabalho a
partir de oficinas e que essas começariam e terminariam na mesma aula, logo, os alunos que
faltassem às aulas não teriam acesso ao conteúdo trabalhado, uma vez que “não se trata de uma
disciplina contínua”.

Em se tratando de avaliação, a professora destacou que “não aplica prova nem trabalho”.
Para preencher este quesito, Maria considerou a assiduidade e a participação dos alunos nas
aulas.

3.1.1 Eventos de letramento da disciplina OLE I: articulações entre teoria e


prática

Segundo Maria, o dia em que iniciamos as observações era a primeira vez que estavam
presentes os nove estudantes matriculados na disciplina, embora o período estivesse começado
há um mês. Por esse motivo, antes de discorrer sobre a atividade proposta, a professora passou
algumas informações acerca do que contemplaria em suas aulas no decorrer do semestre. A
docente explicitou que não havia feito um programa prévio dos conteúdos que seriam
trabalhados, deixando implícita a ideia de que não seguiria a ementa da instituição – esse
aspecto será mencionado no quarto capítulo. Nomeou as atividades propostas de oficinas,
afirmando que elas teriam início, meio e fim na mesma aula e que, para que os discentes
pudessem se beneficiar de cada uma delas, deveriam estar presente nas aulas.
67

A docente acrescentou que, em um primeiro momento, aplicaria atividades que


contemplariam a “integração, lógica e textos soltos” e que, posteriormente, trabalharia os textos
científicos. Sobre a integração, a docente se referia às relações das partes do textos (coesão);
sobre lógica, ao sentido do texto (coerência); e sobre textos soltos, a fragmentação das ideias
(coesão e coerência).

Na primeira atividade proposta, Maria solicitou aos estudantes que produzissem um


relato (Anexo C), apresentando um contexto para imagens trazidas por ela. Dispôs todas as
fotografias em sua mesa e pediu que cada aluno selecionasse uma imagem para a elaboração
do texto. Segunda a docente, o objetivo desse exercício era fazer com que os graduandos
percebessem a importância do contexto para a compreensão da leitura. Acerca da produção
textual, Maria acrescentou:

quando a gente olha uma realidade, ela é interpretada de múltiplas maneiras.


Então é sempre uma interpretação. Isso que vocês precisam entender. Quando
eu estou lendo, eu estou interpretando. Agora, quando eu estou interpretando,
eu posso compreender isso num contexto, tem um antes, tem um durante, tem
um depois, tem algo que atravessa isso. É como se fosse um cenário. Então
vocês podem fazer um parágrafo, interpretando a fotografia dentro de um
contexto. Queria que vocês observassem o começo e a finalização do texto
para não ficar uma coisa assim solta. No começo, insere aquilo que está ali e
define. Aí vocês podem fazer um parágrafo.

No decorrer da aula, a professora discorreu sobre as produções realizadas pelos alunos


na aula anterior, chamando a atenção dos mesmos para dois aspectos: “erros de escrita e textos
soltos, fragmentados”. Em relação ao primeiro apontamento, Maria procedeu da seguinte
forma, foi até ao quadro e escreveu alguns desvios de ortografia diagnosticados nas produções,
como, por exemplo, as expressões “cerca de”, “acerca de” e “há cerca de”. Em seguida, explicou
o uso adequado por meio de exemplos. Além disso, chamou a atenção dos graduandos para o
fato de a linguagem acadêmica exigir a “escrita correta, conjugação de verbos, uso dos
pronomes mim e eu etc”, em outras palavras, a docente tratou acerca da importância do contexto
de produção para seleção e utilização das variedades linguísticas. O segundo apontamento foi
apenas mencionado pela docente.

O encaminhamento pedagógico utilizado por Maria para trabalhar os desvios


ortográficos vai ao encontro dos pressupostos dos Novos Estudos do Letramento, no que
concerne à mobilização de determinado modelo de escrita, de acordo com a necessidade dos
graduandos. Nesse sentido, ao diagnosticar os conflitos dos graduandos acerca do uso da
variedade padrão da língua, a docente lançou mão da perspectiva habilidades de estudo, ou seja,
68

trabalhou os aspectos formais da escrita. Entretanto, apesar de ter alertado os alunos sobre a
importância da articulação entre as partes do texto, Maria não apresentou caminhos possíveis
para que os discentes conseguissem alcançá-la.

Por esse prisma, destacam-se as contribuições da linguística textual, que trata, dentre
outros aspectos, da coesão textual. A coesão é a propriedade responsável por estabelecer a
continuidade e as relações de sentido entre as partes de um texto. Para alcançá-la, Antunes
(2005) apresenta inúmeros procedimentos, que poderiam ser trabalhados pela docente.

No segundo dia de observação, a docente falou sobre a importância da lógica e da


capacidade de relacionar as partes da redação no processo de escrita e de leitura. Para trabalhar
essas questões, propôs duas tarefas. A primeira tratava de uma dinâmica denominada Avenida
Complicada (Anexo D) que consistia em encontrar um método de trabalho para resolver as
questões apresentadas no texto. De acordo com Maria, essa atividade estimularia a capacidade
de relacionar as partes do texto, aspecto, considerado por ela, de suma importância para a
construção e compreensão textual.

Para Wagner, essa atividade foi muito significativa, pois o estimulou “a guardar na
mente o que foi lido para facilitar a conclusão”. O aluno a comparou com “os passos de que
precisamos para escrever um resumo”, utilizando, como justificativa, que, para a produção
desse gênero “temos que ler ou texto, ou artigo, ou capítulo, ou livro, entender, guardar na
mente e após isso, escrever o resumo”.

Na segunda atividade, foi solicitado aos discentes que elaborassem um desfecho para o
texto História da moça e do rei (Anexo E). No decorrer da leitura, realizada pelos graduandos,
Maria discorreu, de forma contextualizada, acerca de questões sobre ortoépia e semântica de
algumas palavras presentes nos textos. Quando os alunos terminaram de realizar a atividade, a
professora chamou atenção para as inúmeras possibilidades de interpretação de um mesmo
texto, destacando que essa diversidade de compreensão relaciona-se às diferentes experiências
vividas por cada estudante. Essa atividade, segundo a docente, tinha o mesmo objetivo da
atividade anterior, ou seja, fazer com que os estudantes percebessem as conexões do texto.

Na aula seguinte, Maria distribuiu uma folha contendo os textos (Anexo F) produzidos
pelos discentes acerca do desfecho da história e realizou a correção dos mesmos no que
concerne ao uso da pontuação, regência e concordância. Durante a correção, a professora
solicitava nossa ajuda para identificar as regras que subjaziam suas colocações.
69

Sob o prisma das atividades de feedback, tal como foi realizada pela docente acerca dos
textos produzidos pelos estudantes, é preciso recuperar a assertiva de Mendonça e Johnson
quando afirmam que

a interação entre pares que é proporcionada pelas atividades de feedback


permite que os alunos, ao se engajarem em uma conversa exploratória,
construam o significado dentro do contexto da interação social enquanto
testam e trabalham novas idéias, conjugando, assim, os aspectos cognitivos e
sociais da linguagem. (MENDONÇA; JOHNSON, 1994 apud SOARES, D.
2008, p. 83).

Consideramos que o retorno acerca das questões textuais “influencia no


desenvolvimento da consciência linguística” (SANCHEZ, 2011, p. 1), visto que os estudantes
conseguem visualizar as questões de viés ortográfico e gramatical de maneira contextualizada.
Essa afirmação encontra eco em Lea e Street, quando analisaram o resultado de dois
projetos34 desenvolvidos com base no modelo de escrita letramentos acadêmicos e concluíram
que oferecer o feedback das produções textuais para os graduandos é extremamente relevante
no processo de aprendizagem (2014).
Nessa perspectiva, partimos do princípio de que sejam necessários feedbacks de
naturezas distintas, ou seja, tanto das questões acerca das relações textuais (coesão e coerência),
quanto dos aspectos sobre a variedade padrão da língua, posto que a linguagem acadêmica
engloba ambos os aspectos. Todavia, verificamos que a docente não realizou análise linguística
que tratasse das relações textuais das produções dos graduandos, considerou, novamente,
apenas as normas da variedade padrão da língua, sendo que estas não são os únicos obstáculos
encontrados pelos graduandos, como demonstraremos na seção 3.4.
Dando sequência à descrição das aulas, posteriormente, a professora realizou um
trabalho coletivo de leitura do texto Precisamos falar sobre a vida acadêmica (Anexo G) que
discorre sobre a vaidade na academia. A docente mediou a leitura, fazendo inserções para
explicar termos específicos ou desconhecidos pelos alunos e as ideologias dos teóricos citados
no referido texto. À medida que a leitura foi realizada, ela convidou os discentes a refletirem e
exporem suas opiniões sobre seus respectivos cursos em se tratando do reconhecimento social,
e questionou como eles sentiam e percebiam as questões tratadas na obra. Enfatizou, ainda,
sobre a importância dos graduandos serem questionadores e críticos:

34
Encontram-se nas páginas 42 a 46, as especificidades dos projetos.
70

‘Gente, vá contra o movimento da sua turma, do seu tempo! O Nietzsche é um


filósofo que falava que temos que lutar contra o nosso tempo. O que ele queria
dizer? Que é contra as tendências do seu tempo. Então é parar com esse
discurso de ‘mas aqui todo mundo é convertido eu sou também, ninguém tem
coragem de cooperar, não coopero’. Temos que começar a criar este espaço.
Questionar: por que não pode ser assim?’

As reflexões acerca do texto realizadas pela docente vão ao encontro da perspectiva de


leitura proposta pelos pesquisadores da corrente dos NLS. Os estudiosos afirmam que, diferente
do trabalho realizado na Educação Básica, em grande parte das escolas, onde os exercícios de
compreensão contemplam apenas a decodificação dos textos, no âmbito acadêmico, bem como
em outros espaços, é necessária que a compreensão englobe a sua interpelação crítica, ou seja,
que questione o contexto de produção de determinado texto: objetivo, interlocutor, visão do
mundo e da ciência que veicula.

Assim, nessa perspectiva, a leitura e a escrita são contempladas como “sistemas


simbólicos enraizados na prática social, inseparáveis de valores sociais e culturais, e não como
habilidades descontextualizadas e neutras, voltadas para a codificação e decodificação de
símbolos gráficos” (ZAVALA, 2010, p. 73).

Foi possível perceber, nas trocas entre professora e alunos, que o trabalho coletivo de
leitura e os questionamentos realizados conferiram aos estudantes uma apropriação
significativa das ideias do texto. Ademais, os graduandos refletiram de forma crítica acerca de
inúmeras questões, relacionando o tema do artigo aos aspectos sociais e culturais de seus
respectivos cursos.

A docente afirmou que "escrever tem sido sinônimo de apenas fichar, copiar, qualquer
coisa que não envolva pensar", por esse motivo acredita na importância de trabalhar atividades
dessa natureza, ou seja, propostas que desenvolvam uma análise crítica e reflexiva por parte
dos discentes.

É importante ressaltar que, normalmente, o público-alvo dos textos que circulam na


academia é especialista no assunto e traz consigo conhecimentos prévios sobre determinadas
questões que auxiliam em sua compreensão, já os ingressantes na universidade não possuem,
ainda, esses saberes. Sendo assim, é necessário o auxílio de professores no processo da
compreensão textual e para formação de leitores críticos e reflexivos que, conforme Nogueira,
é “considerado essencial para que o aluno assuma o papel de produtor de texto” (2007, p. 9).
71

Na atividade proposta na aula seguinte, Maria pediu aos estudantes que elaborassem um
vocabulário contendo verbetes desconhecidos por eles e frases aplicando essas palavras.
Solicitou também que tanto as palavras quanto as frases fossem enviadas para seu e-mail.
Posteriormente, foi realizado um Soletrando35 com base nas palavras selecionadas pelos
discentes (Anexo H). O propósito da atividade, segundo a professora, era “despertar a
capacidade de soletrar, conhecer e se apropriar dos significados de algumas palavras”.

Atividades com esse fim, ou seja, codificar e decodificar as palavras de forma


descontextualizada, envolvem as características do modelo autônomo de letramento. Dentro
dessa perspectiva, a questão para as agências se torna como ensinar as pessoas a decodificar
sinais escritos e evitar problemas de ortografia (STREET, 2014). Em outras palavras, a função
social do texto é desconsiderada.

Para a realização da última tarefa, a professora pediu aos discentes que selecionassem
textos que abordassem os conceitos sobre suas respectivas graduações, considerados, por eles,
essenciais em termos de conhecimento. O objetivo da atividade, de acordo com a docente, era
“alfabetizar o grupo no conjunto de palavras de determinadas áreas” e realizar um diálogo
interdisciplinar entre os cursos. Com as carteiras dispostas em círculo, os alunos realizaram a
leitura de seus respectivos textos36. No decorrer das apresentações, eram realizadas discussões
e reflexões acerca dos conceitos presentes nas produções textuais.

Nas aulas observadas em que foram utilizados textos de caráter científico – artigo de
opinião que tratava da vaidade acadêmica e artigos científicos que apresentavam conceitos da
área das graduações dos discentes – Maria adotou como estratégia a leitura coletiva por meio
de rodas de leitura.

Acerca da leitura coletiva37, compartilhamos das considerações de Garcia (2012, p. 99)


quando menciona que através das rodas de leitura é possível “dinamizar o grupo, fazer com que
as pessoas se expressem e postulem, de forma aberta e dinâmica, suas questões”.

35
Trata-se de um jogo idealizado pelo programa Caldeirão do Huck, tendo como participantes alunos de diversas
escolas do Brasil que disputam prêmios em dinheiro. O jogo consiste em soletrar as palavras selecionadas por um
grupo de especialistas da Língua Portuguesa. Sai como vencedor aquele que acerta o maior número de palavras.
36
Alguns alunos levaram textos produzidos por pesquisadores, enquanto outros produziram seus próprios textos.
37
As rodas de leitura, segundo Garcia (2012), dão-se através de um círculo ou semicírculo, onde estão presentes
um leitor-guia e determinado número de pessoas. O leitor-guia lê o texto em voz alta e, em geral, o distribui para
que os participantes da roda acompanhem sua leitura. O número de participantes não deve ser tão pouco que não
permita uma variedade de opiniões, nem tanto que se perca a possibilidade de distinguir quem é quem. O tempo
de duração pode variar de uma a uma hora e meia, dividido entre a leitura e o debate, sendo que dez a quinze
minutos de leitura me parecem razoáveis, ficando os restantes 45 a 50 minutos para o debate. O local deve ser
fechado, espaçoso, despojado e silencioso. Todas as características mencionadas contemplaram a roda de leitura
em destaque.
72

Foi possível perceber, a partir dos apontamentos realizados pelos estudantes, durante a
roda de leitura, que eles se sentiram autônomos e inseridos naquele contexto, ademais
interagiram e relataram suas experiências.

Em uma das observações, a docente, ao discorrer sobre a relação de poder estabelecida


entre professores e alunos, enfatizou:

“A roda é a única forma que eu conheço que a gente pode olhar pro outro. Se
todos estão em fileira, eu olho todos, mas ninguém está olhando para todo
mundo. E tem coisas que a gente aprende com o colega não é com professor.
Primeiro a roda ensina uma coisa que é muito importante: que o outro é
legítimo. Se todo mundo olha apenas para o professor, o quê a gente está
querendo dizer silenciosamente é que só o professor é legítimo. Agora quanto
eu estou em círculo, todo mundo é legítimo”.

Do ponto de vista da professora, a maior dificuldade do graduando é encontrar-se


enquanto “sujeito-enunciador”, por esse motivo busca, em suas aulas, “algo que desperte o
pensar, o falar, o enunciar dos estudantes”. Para isso, Maria utilizou, como estratégia, a
disposição das carteiras em círculo, que, segundo ela, é uma maneira de dar voz aos discentes
e fazer com que eles percebam que os seus posicionamentos também são legítimos.

Nesse sentido, Maria aponta, ainda, a importância de considerar as bagagens trazidas


por graduando com intuito de facilitar um diálogo entre a ciência e o cotidiano que nos cerca,
para que “isso o ajude a se haver com aquilo que pensa, que fala, que pratica”.

A afirmação de Maria acerca das “bagagens trazidas pelo estudante” encontra eco nas
propostas oriundas do modelo de escrita letramentos acadêmicos, defendido por Lea e Street
(2014) que afirma que a experiência do aluno, ou seja, sua história de letramento, seja não só
considerada e valorizada, mas também utilizada como aporte para a construção de estratégias
que objetivem a inserção do graduando no Discurso de domínio acadêmico.

A partir das observações realizadas, verificamos que as atividades propostas pela


docente, como ela mesma destacou, tiveram os seguintes objetivos: trabalhar a lógica e a
integração dos textos (Maria destacou que "não há um leitor articulador das lógicas") e fazer
com que os discentes se encontrassem, não só como leitores, mas também como autores,
valorizando seu lugar de enunciação (trabalhar a escrita-condição-de-enunciação, segundo a
docente). Mas, além desses objetivos, constatamos que o foco das análises dos textos
73

produzidos pelos discentes era sempre voltado para a correção dos desvios da variedade padrão
da língua, principalmente, os de cunho ortográfico.

Acerca do primeiro e do segundo objetivos, destacamos as atividades da produção


textual com base na imagem, que teve como fim fazer com que os graduandos refletissem sobre
o contexto da produção; a criação de um desfecho para a história e a dinâmica Avenida
Complicada que trataram da importância da articulação entre as partes do texto para a
compreensão do todo; e o artigo acerca da vaidade acadêmica que, por meio da leitura coletiva,
a docente conferiu aos estudantes um espaço onde eles puderam analisar de forma crítica os
aspectos sociais e culturais de seus respectivos cursos.

Esse movimento utilizado pela professora, ou seja, as atividades propostas para trabalhar
a condição de enunciação dos alunos e os constantes discursos de motivação proferidos por ela:
“Tem que ter segurança interna!”, “Uma coisa eu tenho certeza: dentro de cada um de vocês
mora um escritor!”, “Todo desafio tem uma solução!”, parece ter sido significativo. Visto que,
ao questionar os graduandos sobre o que as atividades trabalhadas tinham proporcionado a eles
em termos de conhecimentos, a aluna Sâmia (2º período de Pedagogia) disse que a disciplina
fez com que ela se “sentisse capaz”.

Os eventos de letramento mencionados acima se enquadram nas proposições do modelo


de letramento ideológico, que sinalizam que por intermédio da leitura e da escrita os estudantes
sejam capazes de interagir de maneira significativa nas práticas sociais. Esse aspecto pôde ser
observado, sobretudo, nas atividades que contemplaram as leituras coletivas.

É importante ressaltar que, no início das observações, o relacionamento entre a


professora e os discentes acontecia de forma tímida, entretanto, durante o semestre, essa relação
foi se tornando mais descontraída. Acreditamos que esse estreitamento tenha ocorrido pelo fato
de a docente ter aberto espaços para os alunos se posicionarem e falarem sobre seus anseios,
angústias e dúvidas.

Retomando os objetivos das atividades, verificamos ainda que, de uma forma geral, as
preocupações, em se tratando da escrita, eram relacionadas aos aspectos formais da variedade
padrão da língua. Notamos que, embora a professora desconheça, segundo ela, as regras
gramaticais, em todas as aulas que tiveram como foco a escrita, esse aspecto foi enfatizado. Ora
essas questões se apresentavam de forma contextualizada, como, por exemplo, a correção do
final das histórias elaboradas pelos discentes, ora de forma descontextualizada, como no caso
da construção dos verbetes e do Soletrando.
74

Esse tipo de atividade, que tem como foco um trabalho descontextualizado de


codificação da língua, vai ao encontro das propostas do modelo autônomo de letramento que
considera as habilidades de escrita como técnicas, neutras e descontextualizadas. Além disso,
como sinaliza Street (2014), nessa perspectiva de letramento a questão central do trabalho com
a linguagem é fazer com que o indivíduo seja capaz de codificar e decodificar os símbolos
escritos, desconsiderando, assim, o caráter social da língua.

Algumas considerações, por parte dos discentes, acerca das atividades voltadas para a
perspectiva do modelo habilidades de estudo podem ser vistas nos trechos a seguir:

“O Soletrando foi a mais relevante, porque pesquisei palavras diferentes do


cotidiano, palavras que nem sabia que existia , passei a conhecer e saber
escrever”. (Sâmia, 2º período de Pedagogia).
“O alerta sobre as palavras que estão sendo escritas de forma errada, também
foi importante, pois vale lembrar que já estamos na faculdade e precisamos
escrever sempre de forma correta”. (Wagner, 5º período de Matemática).
“O mais difícil é encontrar palavras que não fazem parte do vocabulário do
dia a dia para que o texto tenha uma melhor visibilidade e uma boa
interpretação”. (Walmir, 8º período de Física).

Com base nos excertos expostos, foi possível perceber que atividades da natureza do
Soletrando fizeram com que os discentes associassem a escrita acadêmica estritamente à
aquisição de um vocabulário mais rebuscado e à grafia correta das palavras, uma vez que, para
eles, esses aspectos foram considerados como os maiores obstáculos para a produção de textos
acadêmicos.

Como dito anteriormente, Maria afirmou que as atividades propostas contemplariam “a


integração, a lógica e os textos soltos” e que, num segundo momento, trabalharia os textos
acadêmicos. Todavia, os gêneros acadêmicos não foram abordados apesar de verificamos, nos
trechos a seguir, que a produção desses textos é o maior desafio do curso, na compreensão dos
discentes.

“Sempre tenho dificuldades em escrever, principalmente textos acadêmicos.


A minha maior dificuldade é passar para o papel, muitas vezes está na minha
mente, mas tenho dificuldades em aplicar em um texto”. (Walmir, 8.º período
de Física).
“Tenho muito dificuldade de escrever os textos solicitados aqui”. (Aline, 5.º
período de Ciências Naturais).
“Sempre tive muita dificuldade de escrever”. (Paula, 5.º período de
Matemática).
“Gosto de escrever, embora não saiba”. (Juliano, 7.º período de Física).
“É muito difícil como escrever e a maneira que colocamos nosso pensamento
no papel, ter domínio do que estamos escrevendo, às vezes, eu penso no
75

assunto ou quero explicar de um jeito e sai de outro”. (Sâmia, 2.º período de


Pedagogia).
“A principal dificuldade é conseguir desenvolver o texto crítico com
autonomia, sem ser cansativo e/ou repetitivo”. (Juliano, 7.º período de Física).

Quando interrogamos os alunos se a disciplina OLE contribuiu para a produção dos


gêneros acadêmicos, foi possível verificar que eles consideraram as questões trabalhadas como
um direcionamento para o desenvolvimento da escrita.

“A disciplina apresentou caminhos satisfatórios para o desenvolvimento da


escrita”. (Juliano, Física).
“A disciplina contribui na organização do pensamento e conciliação com as
palavras. O curso me ajudou a observar alguns aspectos da escrita que antes
não tinha observado”. (Walmir, Física).
“Essa disciplina mostrou que devemos observar o contexto, observar os
pequenos detalhes, mas que fazem diferença, para depois escrever.
Consequentemente isso nos ajudará em textos acadêmicos”. (Wagner,
Matemática). (grifos nosso).

Com base nesses excertos, podemos verificar que os próprios graduandos


compreenderam que as atividades trabalhadas, no decorrer do semestre, – a maioria vai ao
encontro apenas do modelo de escrita habilidades de estudo - não contemplaram todas as
questões que envolvem a escrita, sendo assim, não deram conta de inseri-los de forma efetiva
nas práticas letradas que circulam na universidade.

3.2. OFICINA DE LEITURA E ESCRITA II

A disciplina Orientação de Leitura e Escrita II atende apenas aos alunos do curso de


Pedagogia e integra o grupo de matérias consideradas optativas.

Constam, na ementa da disciplina (Anexo I), os objetivos a seguir:

- Investigar as concepções de leitura e escrita em uma perspectiva teórico-


prática;
- Exercitar a leitura e a escrita em produções textuais individuais e coletivas;
- Identificar a relação entre linguagem e educação em seus desdobramentos
pedagógicos;
- Interagir verbalmente com colegas, professores e autores em consonância
com as variações linguísticas exigidas;
- Identificar e exercitar os aspectos cognitivos exigidos no aprimoramento da
leitura e da escrita;
76

- Utilizar a norma culta da Língua Portuguesa em atividades de revisão e


correção textual;
- Investigar as especificidades do ensino da Língua Materna.

Para alcançar esses objetivos, propõe-se que sejam trabalhados os seguintes itens:

- Leitura e escrita como experiência;


- Ler e escrever no âmbito do estudo, aprendizagem e ensino;
- A relação entre Linguagem e Educação;
- Interações verbais;
- Produção e leitura de textos;
- Aspectos cognitivos da leitura e da escrita;
- A norma culta da Língua Portuguesa.
- Revisão e correção textual;
- Especificidades do ensino de língua;
- O texto na sala de aula.

Com base nas informações presentes na ementa, é possível verificar que a disciplina
OLE II possui dois fins: a) propiciar um suporte no que concerne aos usos da linguagem
acadêmica e b) oferecer subsídios teórico-metodológicos acerca do ensino da língua materna
em sala de aula.

No que concerne aos usos da linguagem acadêmica – foco desta pesquisa – os objetivos
são voltados para a realização de um trabalho com ênfase no modelo de escrita enquanto
habilidade de estudo. Nesse sentido, é recomendado que o discente adquira a capacidade de
interagir verbalmente com os colegas, professores e autores em consonância com as variações
linguísticas exigidas; identificar e exercitar os aspectos cognitivos exigidos no aprimoramento
da leitura e da escrita e utilizar a norma culta da Língua Portuguesa em atividades de revisão e
correção textual.

Dessa maneira, a ementa concebe o letramento como um conjunto de habilidades


individuais e cognitivas necessárias para que os estudantes se insiram no contexto acadêmico,
enfatizando, assim, apenas os aspectos formais da escrita, tais como, gramática, ortografia e
pontuação.

Apesar da disciplina OLE II ser apresentada como continuidade da OLE I, nota-se que
a concepção de letramento que guia ambas as ementas é distinta. Enquanto no primeiro período
grande parte dos conteúdos apontados baseia-se na perspectiva do modelo de letramento
ideológico38, percebe-se, nas orientações da OLE II, um viés voltado para os pressupostos do

38
Vide seção 1.1.1, página 25.
77

modelo autônomo de letramento39, uma vez que a função social da língua e o contexto onde se
materializa o processo da escrita são desconsiderados na proposta da ementa (LEA; STREET,
2014).

São destinadas, para a efetivação desses conteúdos, 30 horas teóricas e 30 horas práticas,
totalizando uma carga horária de 60 horas. Assim como na OLE I, são disponibilizadas 50 vagas
para matrícula, todavia, dessas apenas oito foram ocupadas. As aulas de Orientação de Leitura
e Escrita II eram ministradas numa sala que contém as mesmas características descritas,
anteriormente, da sala onde aconteciam as aulas de OLE I; os encontros eram realizados nas
quartas-feiras, das 16h às 18h. Iniciamos as observações no dia 20 de janeiro e encerramos no
dia 23 de março de 2016 devido ao fato, como mencionado anteriormente, da instituição ter
suspendido suas funções por conta da greve.

No período da pesquisa, a professora Fabiana40 ficou responsável por ministrar a


disciplina OLE II. A docente, além de atuar na graduação, leciona no curso de mestrado as
disciplinas Fórum de Pesquisa, Seminário de Pesquisa I e II e Teoria e Pesquisa em
Representações Sociais. Ademais, acumula a função de Coordenadora do Curso de Pedagogia.

Sobre os discentes da disciplina OLE II, apesar dos períodos distintos em que estão
matriculados, todos os alunos cursam Pedagogia e apresentam as mesmas características dos
alunos da turma OLE I. São eles, Gabriela e Davi, ambos do segundo período; Bárbara, quarto
período; e Riana, Flaviana, Kétsia, Carla e Reginaldo que estão desperiodizados. A palavra
desperiodizado é utilizada no campo da pesquisa para se referir aos discentes que não cursam a
disciplina no período base da matrícula. Para facilitar o contato entre alunos e professora, os
estudantes criaram um grupo denominado OLE II num aplicativo de celular, onde trocavam
mensagens acerca de diversos assuntos, tais como, datas para entrega de trabalhos, divulgação
de eventos científicos entre outros. Na mesma semana em que iniciamos as observações, os (as)
alunos (as) nos inseriram nesse grupo, o que nos permitiu ter acesso a informações que ali eram
socializadas.

Verifica-se que se encontram matriculados alunos (as) do quarto período e até mesmo
aqueles (as) classificados (as) como desperiodizados (as). Nesse sentido, consideramos que se

39
Idem.
40
A docente é graduada em economia (UERJ) e psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ) e
possui Mestrado e Doutorado também em Psicologia pela mesma instituição. Atualmente, dedica-se a desenvolver
estudos acerca dos seguintes temas: representações sociais, psicologia escolar, fracasso escolar e práticas
pedagógicas.
78

a disciplina tem como fim oferecer continuidade nos estudos propostos na OLE I, sendo assim,
torna-se significativo que ela seja efetivada pelos discentes no segundo período. Ademais, tanto
a OLE I quanto a OLE II apresentam o propósito de oferecer subsídios aos alunos no que
concerne à linguagem acadêmica, o que, de certa forma, justifica que essas disciplinas sejam
cursadas no início da graduação.

3.2.1 Eventos de letramento da disciplina OLE II: articulações entre teoria e


prática

Antes de iniciar a descrição e a análise dos eventos de letramentos observados, cabe


ressaltar que existia entre a professora e os graduandos uma relação de afinidade e liberdade.
Por isso, no decorrer das aulas, eles discutiam diversos assuntos relacionados à vida e assuntos
administrativos, devido ao fato de Fabiana atuar, também, como Coordenadora do Curso de
Pedagogia.

Quando a docente e os graduandos chegaram, já estávamos na sala onde a aula era


ministrada. Ela foi ao nosso encontro e comentou ser um desafio ter que cumprir o currículo
em um curto período de tempo. Afirmou que, na disciplina OLE II, resolveu aprofundar as
leituras dos textos, ainda que essas reflexões implicassem o não cumprimento de toda a ementa.
Segundo Fabiana, esse trabalho a deixava feliz e satisfeita.

No primeiro dia de observação, a docente retomou a atividade trabalhada na aula


anterior que culminou na produção de um texto elaborado com base em dois estudos, a saber,
o artigo Educando Sujeitos de Direito, de Miguel Arroyo – que trata sobre o fracasso das classes
trabalhadoras – e o vídeo Psicologia e Educação, de Maria Helena Souza Patto – que discorre
sobre o mínimo que é proposto pelo currículo.

O objetivo da produção textual, segundo Fabiana, era fazer com que os alunos
refletissem acerca dos temas tratados em texto e vídeo, bem como trabalhar a capacidade de
estabelecer relação entre eles e de fazer conexões com suas respectivas áreas de estudo do TCC.

A aula acontecia da seguinte forma: a professora solicitava aos alunos que lessem suas
produções e, em seguida, ela tecia comentários acerca das questões textuais e dos conteúdos
dos textos produzidos pelos discentes.
79

Flaviana foi a primeira aluna convidada a ler seu texto (ANEXO J). Assim que a discente
terminou a leitura, a professora destacou que a graduanda havia conseguido fazer uma conexão
interessante entre o conteúdo do vídeo e o texto de Arroyo, quando se referiu ao fato de que o
mínimo oferecido pelo currículo alimenta o fracasso das classes trabalhadoras. Além disso,
realizou algumas considerações acerca da formatação do texto, no que concerne aos usos das
normas da ABNT. Ainda sobre a atividade proposta, a professora destacou que realizou, na aula
anterior, uma leitura coletiva do texto, e que a referida aluna havia trazido muito do que foi
discutido naquele momento. Disse, também, acreditar que a leitura compartilhada facilita muito
a compreensão dos textos acadêmicos:

[...] Na verdade, nós fizemos uma leitura juntos, então a Flaviana trouxe muita
coisa que foi discutida dentro de sala, isso é muito rico e nos ajuda a ter uma
clareza, porque, às vezes, a leitura do texto sozinho é difícil. Eu vivia muito
isso na minha graduação, quando eu lia o texto, sozinha em casa, e era um
texto mais difícil de um autor mais rebuscado, que usa umas palavras mais
técnicas ou muito específicas da área dele, se eu estou lendo sozinha, eu não
tenho, às vezes, uma compreensão de nada. Quando eu chegava à faculdade e
ia estudar o texto, nem precisava ser com a professora, até com um colega
mesmo, o texto começava a ter sentido. Às vezes, você entendeu mais o início
e o seu colega entendeu a discussão do fim.

Para a professora, muitos discentes, a fim de conseguir dar conta dos inúmeros
conteúdos propostos na graduação, acabam realizando uma leitura fragmentada do texto:

[...] Outra coisa que eu sinto que faz muita diferença é quando a gente
consegue ler um texto todo. Uma coisa que é muito ruim, e acontece aqui é
quando você tem trezentas matérias e um monte de textos para ler, o professor
passa trabalho em grupo, o que faz com um texto? Dividi, e cada um lê uma
parte. O que você vai entender do texto? Você consegue decorar a sua parte e
só. Isso é muito ruim porque na hora de produzir o seu TCC, faz como? Eu
dei um trabalho que acho que foi pesado para a turma do Davi que eu pedi três
textos para fazer um estudo dirigido de seis perguntas, os alunos ficaram
apreensivos, mas eu dei individual dessa vez, porque no período passado eu
só dei atividade em grupo na turma dele e eu tenho certeza que todo mundo
leu compartilhado. Na verdade, sei que isso é a sobrevivência de vocês, e,
relacionando com o texto de Arroyo, isso também é um kit de primeiros
socorros da parte do professor, é o desespero de que eu tenho quinze semanas,
tenho que passar várias matérias, quero que todo mundo veja tudo, só que vai
ver tudo do que? Do nada assim, então aqui, essa é uma disciplina que estou
muito mais satisfeita em poder aprofundar, já estamos há três semanas
discutindo esses textos e está funcionando.
80

Segundo a docente, esse tipo de leitura prejudica demasiadamente a compreensão dos


textos, por esse motivo, como mencionado anteriormente, decidiu por realizar leitura coletiva
em suas aulas da disciplina OLEII, enfatizando que eles estavam discutindo o mesmo artigo há
três semanas.

Posteriormente, Fabiana pediu ao aluno Reginaldo que realizasse a leitura de seu texto
(ANEXO K). O graduando afirmou que tentou relacionar os textos ao tema de pesquisa do
TCC, a docente apontou que essa também era uma proposta a ser considerada. No decorrer da
leitura, o aluno trouxe informações sobre aspectos tratados no texto, mas que não estavam
inseridos de forma escrita no mesmo. Sendo assim, a professora pediu ao estudante que
acrescentasse todas as considerações apresentadas por ele oralmente, no corpo do texto,
argumentando que, o fato de ele ter sentido necessidade de explicá-lo, significava que a
produção poderia ter sido mais detalhada.

Considerando a solicitação da professora, Reginaldo declarou que para ele “é mais fácil
falar que escrever”. Sobre esse aspecto explicitado pelo aluno, nos reportamos à discussão de
Terra (2013) acerca da corrente da Grande Divisa41 que, segundo a pesquisadora, precisou
inúmeros mitos, dentre eles, destacamos: a escrita é planejada, já a fala não; a escrita é espaço
da regra, enquanto a fala “permite” erros.

Com base no discurso do estudante, nota-se que a dicotomia entra fala e escrita, ainda
hoje, é internalizada por grande parte das pessoas que acreditam que falar seja menos “árduo”
que escrever (BARTHES; MARTY, 1987). Diante disso, consideramos que essa
“fragmentação” da oralidade e da escrita, de certa forma, possa acentuar o bloqueio que os
estudantes possuem em relação à escrita.

Ainda sobre a produção de Reginaldo, Fabiana afirmou ter ficado com a impressão de
que algumas informações não se articulavam, “como se estivesse sido escrito em tópicos”. Para
exemplificar a compreensão de articulação entre as partes de um texto, a docente citou este
trecho do texto da aluna Flaviana:

[...] Isso faz parte da carência cultural, teoria ditada nos anos 60, onde as
classes sociais mais baixas teriam uma carência de componentes culturais. [...]
Todo esse discurso já determinado a respeito da criança e do adolescente tira
deles o reconhecimento como sujeitos de pleno direito à educação básica.

41
Vide seção 1.1, páginas 23 e 24.
81

Ela explicou para o aluno que, depois desse trecho, Flaviana inseriu uma citação que
tratava do mesmo assunto. A docente disse para os alunos que fazer essas conexões não é uma
tarefa fácil, e que, por isso, “a escrita correta exige esse debruçar sobre os autores, retirando
deles aquilo que faz sentido e articular com o tema da pesquisa”. Ressaltou, ainda, que o
discente realizou a crítica, entretanto não conseguiu articular as partes do texto.

Com base no apontamento de Fabiana de que o graduando realizou a análise crítica do


texto, foi possível aproximar do gênero discursivo que ela esperava que os alunos produzissem,
a saber, a resenha. Todavia, ressaltamos que, em momento algum, a docente nomeou o referido
texto, nem trabalhou as características do mesmo.

Antes de solicitar ao próximo aluno que lesse o texto, a professora pediu que falássemos
acerca do nosso projeto de pesquisa. Depois da exposição, ela fez um depoimento discorrendo
sobre as dificuldades vivenciadas por ela enquanto aluna do curso de graduação:

[...] É isso, a gente fica inseguro, com medo. Lembro com muita clareza, eu
pegava um texto, estudei psicologia, e a galera tinha que ler Freud e Foucault
na íntegra, é muito difícil, porque têm algumas coisas que não fazem sentido.
Você lê um parágrafo e não entende nada, daí você lê mais para tentar
compreender e perceber o sentido, lê-se a página inteira e não entende nada.
Você volta e lê tudo de novo, e vai dando um desespero. E nós sempre vamos
achar, porque faz parte desse modelo excludente, que a culpa é nossa, que
somos burros e é assim que funciona. Eu queria, Marcela, que você fizesse
algumas propostas de atividades, intervenções, o que você quiser, porque está
todo mundo aberto a qualquer coisa. O objetivo maior dessa disciplina é
desenvolver a escrita, principalmente para quem está terminando e vai precisar
de um empurrão para fazer o TCC.

Explicamos para a professora que, naquele momento, nosso objetivo era apenas realizar
as observações com intuito de verificar as ações realizadas pela universidade em relação ao
letramento de domínio acadêmico, mas que, posteriormente, com auxílio dos dados levantados,
iríamos traçar estratégias que visassem fornecer subsídios à leitura e à escrita acadêmica.

Em seguida, dando sequência às análises das produções, a aluna Gabriela realizou a


leitura do texto (ANEXO L). Fabiana apontou que, apesar de a aluna não ter se apropriado de
alguns conceitos trabalhados nos textos de base, ela abordou vários aspectos que mereciam a
atenção de todos e que o intuito da disciplina era este: “desenvolver boas discussões”. Assim
como nas considerações do texto produzido por Reginaldo, a professora evidenciou, ainda,
questões acerca da formatação.
82

Sobre o texto produzido pela aluna Kétsia (ANEXO M), a professora destacou de forma
positiva a escrita da aluna. Comparou o texto da discente com a produção de Reginaldo para
realçar a diferença do estilo da escrita, bem como a compreensão distinta que ambos tiveram
sobre os mesmos estudos.

Consideramos importante trazer para compor esta seção o questionário respondido, em


forma de texto, pela aluna Kétsia que, como mencionado, anteriormente, teve sua escrita
prestigiada pela professora:

Ao longo destes cinco anos e meio em que estou dentro da Universidade


Federal Fluminense, me sinto uma aluna privilegiada por participar em quase
todos os momentos de diversas práticas acadêmicas. Dentre delas destaco as
mais significativas como, ao ingressar na Universidade comecei a fazer parte
do Grupo de pesquisa do professor Eduardo Quintana como bolsista, no ano
seguinte continuei com a mesma bolsa, porém comecei a fazer parte do Grupo
de pesquisa do professor Rolf Malungo, onde faço parte até os dias atuais.
No ano de 2014, fui para a cidade de Niterói pela Universidade fazer um curso
de idioma (Espanhol), pois fui contemplada pela Universidade com um
intercambio. Passei o período de 2014.1 na Argentina na cidade de San Juan.
Posso dizer que a experiência do intercambio foi singular na minha vida, pois
com ela tive um crescimento tanto na vida acadêmica como pessoal, surge
então algumas metodologias diferentes como a dificuldade da escrita, por
causa do idioma diferente, mas com o tempo, adaptação no país e a ajuda de
amigos e professores esses problemas foram resolvidos. Começo então a
realizar pesquisas sobre a luta LGBT na cidade de San Juan, realizando
entrevistas e participando de reuniões de Grupos ativista sobre o assunto. Pois
meu objetivo era de escrever um artigo sobre o tema, ou fazer algo no meu
Trabalho de Conclusão de Curso sobre a temática.
Ao voltar para o Brasil, continuo fazendo parte do grupo de pesquisa do
professor Rolf, porém sem bolsa, começo a ser monitora voluntária da
disciplina de Gênero e Sexualidade. No começo do ano de 2015, volto a
Niterói para ajudar a realizar seminário de Diversas Diversidades, uma
experiência muito boa também, pois tive contato com alguns autores
internacionais que sempre li e escrevi sobre, porém não havia tido a
oportunidade de conversar. Neste mesmo ano ganhei a bolsa de Iniciação
Científica (PIBIC), foi esta bolsa que me levou a campo, para fazer meu
terceiro capítulo do Trabalho de Conclusão de Curso. Atualmente, tenho
esta bolsa PIBIC, faço monitoria voluntária quando o professor Rolf necessita,
e participo do Núcleo de Estudo e Pesquisa, Saberes, Conflitos e
Território (NECTER).
Essas participações em diversos momentos acadêmicos contribuíram
decisivamente na construção da minha escrita. Ao sair do Ensino Médio,
me recordo que não conseguia escrever sequer uma lauda, havia medo da
escrita, algo que me prendia. No primeiro período do curso de Pedagogia já
me deparei com um professor pedindo um artigo científico, posso dizer que a
Oficina de Leitura e Escrita I (que era obrigatória, era porque não sei se é
mais), me ajudou a começar a ter gosto pela escrita, a professora Dina que
ministrava as aulas de OLE, devo a gratidão de não ter desistido de mim,
quando eu mesma não acreditava que era capaz. Penso que com isso
(confiança, leitura e uma professora que acreditasse em mim) fui capaz de
83

fazer todos os resumos, artigos e projetos que foram pedidos ao longo do


curso.
Quase no ultimo período me deparo com a abertura da disciplina OLE II,
mesmo sendo optativa, escolhi fazer para ter esse tempo a mais para minha
escrita. E foi marcante, os debates em sala de aula, a possibilidade de poder
escrever livremente e compartilhar com todos sem o medo de ter críticas
negativas, como zoações foi enriquecedor. Penso que a parte que mais
contribuiu foi de compartilhar, de se sentir em casa com aquela turma, levar
das criticas construtivas uma tentativa de ver o erro e tentar concertar. Posso
afirmar que as aulas de OLE contribuíram para minha escrita, me ajudou no
meu TCC, um trabalho que exige tamanha carga de leitura e escrita.
Contribuindo decisivamente para minha formação. Ainda há problemas como
erros gramaticais, como concordância, há horas que travo e penso que não irei
conseguir escrever. Mas lembro que como nos textos trabalhados que pensava
que seria impossível de compreender, que tudo é possível, se não consigo
entender releio até conseguir, compreendendo de determinado assunto, a
escrita fica mais leve e fácil de se fazer (grifos nossos).

Estudos realizados por Gee (1999) apontam que, para que o indivíduo se sinta inserido
em determinado Discurso, faz-se necessário que ele esteja imerso em práticas sociais de
contextos específicos de uso da linguagem, até que os modos de ser, pensar, agir, valorizar,
atuar se tornem familiares a ele.

De forma semelhante, Souza e Bassetto (2014, p. 87) asseveram que “para que o
indivíduo seja totalmente inserido no meio acadêmico, há de se considerar que ele deve
participar ativamente dessa comunidade discursiva e, conscientemente, refletir sobre ela para
que possa sentir-se parte dela”.

A referida aluna participou e ainda participa de diversas práticas de letramento de


domínio acadêmico, tais como, seminários, intercâmbio, grupo de pesquisa, entre outros. Desse
modo, podemos considerar que a afirmação dos pesquisadores encontra eco na trajetória de
evolução e na inserção da estudante no contexto acadêmico, como pôde ser verificado, também,
pela própria aluna, quando disse que “essas participações em diversos momentos acadêmicos
contribuíram decisivamente na construção da minha escrita”.

O estudo desta situação nos permitiu concluir que, ainda que os estudantes se insiram
na graduação apresentando inúmeros conflitos em lidar com a linguagem acadêmica – como
mencionado anteriormente, essas tensões fazem parte do processo -, é possível, por meio de um
trabalho sistematizado que contemple reflexões e participações em práticas letradas
acadêmicas, que os graduandos desenvolvam o letramento de domínio acadêmico no decorrer
do curso. Ressaltamos que Kétsia, como ela mesma diz, no início da graduação apresentava
“muita dificuldade para escrever e ler os textos acadêmicos”.
84

Para dar sequência à aula, Fabiana pediu à discente Riana que lesse o texto produzido
(ANEXO N). A docente destacou que, apesar de a aluna ter relacionado o artigo ao tema de
pesquisa, ela não havia conseguido articulá-lo com as ideias do vídeo.

A professora afirmou que não conseguia compreender a dificuldade dos alunos em


produzir as monografias, uma vez que eles escreviam bem. Com base nesse questionamento,
Riana salientou: “quando se fala em monografia, eu bloqueio”. A partir da afirmação da aluna,
Fabiana concluiu que o desempenho da escrita dos discentes se associava ao fato de ela ter
comunicado, no primeiro dia de aula, que não reprovaria nenhum aluno nem aplicaria provas.
Essa sensação de liberdade retratada por Riana em relação à escrita foi percebida de forma
semelhante pela aluna Kétsia que evidenciou que a disciplina OLE II lhe possibilitou “escrever
livremente sem medo de críticas negativas”, referindo-se ao fato de que não seria reprovada,
ainda que suas ideias fossem de encontro às perspectivas dos autores.

Inserimos essas colocações das alunas por acreditarmos que esse aspecto também deva
ser considerado nas questões que envolvem o letramento dos estudantes, todavia nos
limitaremos a isso, posto que, ao tratar das formas de avaliar, entraríamos em outra seara que
não a proposta desta pesquisa.

Acerca do texto de Davi (ANEXO O), Fabiana chamou atenção para o fato de o aluno
ter ficado “muito preso” ao estudo de Miguel Arroyo e com algumas questões de formatação.
Afirmou que eles deveriam ter aprendido as normas da ABNT ainda no primeiro período. O
aluno esclareceu que a turma estudou “as normas na teoria, mas não aprendeu a utilizar na
prática”. Nesse sentido, deixando implícita a ideia de que a “teoria” só é internalizada quando
colocada em “prática”.

Na prática de letramento descrita, a docente abordou alguns obstáculos diagnosticados


por ela nas produções dos alunos, como exemplo, citamos a dificuldade de articular as partes
dos textos. Para isso, ela apresentou escritos dos próprios alunos considerados por ela como
bons exemplos e realizou uma análise conjunta aos graduandos, comparando os encadeamentos
dos textos. Além disso, ao verificar que a formatação dos mesmos estava em desacordo com a
ABNT, Fabiana trouxe algumas considerações sobre tais normas.

Compreendemos que esses encaminhamentos vão ao encontro do modelo de escrita


letramentos acadêmicos, já que as análises foram realizadas por intermédio dos textos
produzidos pelos próprios graduandos. Apesar disso, é preciso ressaltar que algumas
85

características dessa perspectiva de escrita foram desconsideradas, tal como, trabalhar o gênero
discursivo como ferramenta de ensino e aprendizagem e como prática social.

Na aula seguinte, a professora foi solicitada a resolver algumas questões da


coordenação. Diante disso, ela nos pediu que realizássemos a leitura de dois textos juntamente
com os alunos. O primeiro, Psicologia, trabalho institucional e medicalização: perigos e
apostas (MACHADO, 2011) faz uma crítica da medicalização na educação, utilizando termos
específicos da área da psicologia; e o segundo, Um segundo caminho à aprendizagem,
(ROGERS, 1985) discorre sobre dois modelos distintos de escola, o tradicional e o que se
adapta à realidade atual.

Devido ao fato de o primeiro texto exigir conhecimentos prévios da área de Psicologia


para uma compreensão efetiva, não demos conta de realizar reflexões acerca do mesmo, por
esse motivo optamos por analisar apenas o segundo. No decorrer da leitura, os estudantes
traziam suas vivências de escola como alunos da Educação Básica e como pesquisadores de
seus respectivos grupos de pesquisa. Ademais, realizamos inúmeras observações sobre ambos
os modelos de escolas tratadas no texto, que foram consideradas pelos discentes como
significativas “pelo fato da gente poder falar sobre nossa experiência”.

No terceiro evento observado, Fabiana solicitou aos discentes que organizassem as


carteiras em círculo para que pudesse iniciar a leitura do texto proposto na aula anterior. No
desenrolar da leitura, os alunos fizeram alguns questionamentos sobre conceitos que eles
desconheciam ou tinham dúvidas enquanto suas definições, como, por exemplo, o termo
“normalidade”, “ponto médio” e outros. Além disso, assim como na aula anterior, falavam
sobre suas percepções e relatavam experiências relacionadas às questões presentes no texto.

Assim que a professora encerrou a leitura, os graduandos afirmaram que eles só


conseguiram compreender o texto por conta das intervenções da docente. Alguns alunos
enfatizaram que, apesar de terem lido o texto “mais de três vezes”, não conseguiram
compreendê-lo. A constatação dos alunos e a dificuldade apresentada por nós de compreender
o mesmo texto, na aula anterior, fez com que a discente refletisse acerca dos múltiplos
letramentos.

Gostei muito da sua contribuição, Marcela, nos fazendo pensar sobre a


importância da leitura acadêmica acompanhada (acho que os termos que você
usou eram outros, mas a ideia era de fazermos uma leitura em sala e mediada
por mim para que os conceitos/ termos mais complexos/ técnicos pudessem
ser melhor compreendidos pela turma).
86

Na intenção de discorrer acerca do papel do mediador, buscamos a compreensão de Petit


que afirma que

um mediador pode autorizar, legitimar, um desejo inseguro de ler ou aprender,


ou até mesmo revelar esse desejo. E outros mediadores poderão em seguida
acompanhar o leitor, em diferentes momentos de seu percurso. Esse mediador
é com frequência um professor, um bibliotecário ou, às vezes, um livreiro, um
assistente social ou um animador voluntário de alguma associação, um
militante sindical ou político, até um amigo ou alguém com quem cruzamos
[...]. Se a pessoa se sente pouco à vontade em aventurar-se na cultura letrada
devido à sua origem social, ao seu distanciamento dos lugares do saber, a
dimensão do encontro com um mediador, das trocas, das palavras
"verdadeiras", é essencial (PETIT, 2008. p. 165).

Quando a leitura era realizada junto à professora, observamos um envolvimento


relevante dos discentes com as questões tratadas nos textos, ademais eles traziam para as
discussões suas experiências, leituras e se posicionavam sobre os temas, em outras palavras,
interagiam com os textos.

Antes de encerrar a aula, a docente divulgou a Semana da Pedagogia – evento


desenvolvido pela instituição – e ressaltou a importância de os alunos participarem ativamente
apresentado suas pesquisas, ainda que as mesmas estivessem em andamento. Além disso, pediu
nossa colaboração para ajudá-la a elaborar uma proposta de trabalho para os alunos.

Sobre o convite da professora, achamos que seria significativo aceitá-lo, porque, além
de existir uma relação formalizada, criamos também uma relação de cumplicidade com o grupo
e pelo fato de que poderíamos aproveitar a oportunidade para refletir sobre a viabilidade da
aplicação do modelo de escrita letramentos acadêmicos e o resultado dessa prática.

Começamos, então, a pensar numa atividade que contemplasse as proposições do


modelo letramentos acadêmicos. Como havia vários estudantes da turma que estavam cursando
os períodos finais da graduação e, consequentemente, terminando suas pesquisas, sugerimos
que fosse produzido um resumo acadêmico de suas investigações, a fim de que pudessem ser
enviados para a Semana Acadêmica. Fabiana considerou a proposta interessante e nos pediu
que auxiliássemos, apresentando estratégias de escritas para a produção do texto.

Na semana seguinte, conforme acordado, ficamos responsáveis por assistir os discentes


na produção do resumo acadêmico de suas pesquisas. Estavam presentes quatro alunos, desses,
três cursavam os períodos finais e, por isso, concluindo suas pesquisas. Assim que chegamos,
87

questionamos aos alunos se eles já tinham, em algum momento, produzido um resumo


acadêmico e se conheciam as características do texto. A resposta foi unânime, todos
responderam que não. Em seguida, distribuímos quatro exemplares da Revista Brasileira de
Educação, publicados em 2015, e solicitamos que observassem os resumos presentes no início
de cada artigo com intuito de verificar como e onde o gênero em estudo se materializa.
Posteriormente, pedimos que cada graduando lesse um resumo do exemplar, em voz alta, para
que pudéssemos refletir sobre as características do gênero resumo acadêmico, como o objetivo,
a estrutura e a variedade linguística utilizada.

É importante ressaltar que a estratégia utilizada de apresentar o modelo do gênero em


estudo foi viabilizada com base na consideração apresentada pela professora Alana 42 que
afirmou que, quando era apresentado um texto como modelo, os alunos produziam determinado
gênero; e na proposição de Russell que destaca a necessidade de apresentar para os alunos textos
que sejam considerados como bons exemplos de escritas (RAMOS, F.; ESPEIORIN, V. 2009).

Após uma longa discussão acerca das similaridades dos resumos analisados, os
discentes, com base em nossos questionamentos (MOTTA-ROTH e HENDGES, 2010),
concluíram que: a) o texto tem como objetivo apresentar de forma condensada e objetiva o
conteúdo da pesquisa; b) todo o texto é escrito em apenas um parágrafo; c) em geral, sua
estrutura apresenta situação-problema, objetivo, referencial teórico (alguns textos analisados
não faziam referência à teoria utilizada), método de geração de dados, resultados e conclusão;
d) é seguido de palavras-chave; e) predomina a variedade padrão da língua, sendo os verbos e
pronomes empregados ora em 3.ª pessoa do singular ora em 1.ª pessoa do plural.

Depois de realizar as reflexões acerca do gênero resumo acadêmico, distribuímos um


texto (ANEXO P) contendo as características do mesmo e alguns marcadores discursivos que
poderiam ser utilizados na produções.

Tencionamos, com essas ações, levar os discentes a refletir sobre o funcionamento do


gênero resumo acadêmico com base nas proposições oriundas do modelo de letramento
ideológico e na perspectiva de ensino da escrita letramentos acadêmicos, ambas as concepções
privilegiadas em nosso estudo. Para isso, consideramos: a) o gênero discurso como objeto de
ensino e aprendizagem; b) a produção textual vinculada ao contexto social e cultural onde ela
se materializa e c) a socialização do gênero discursivo. Em linhas gerais, trabalhamos o gênero
discursivo resumo acadêmico - conteúdo, função, estilo e composição (BAKHTIN, 2003) -

42
Vide capítulo 2, páginas 55 e 56.
88

inserido em uma situação real de produção - todos os textos43 produzidos foram enviados para
o evento Semana da Pedagogia - a fim de que a prática letrada fizesse sentido para os alunos
(Lea e Street, 2014).

Posto isso, propusemos aos estudantes que iniciassem suas produções. Quando surgiam
dúvidas, eles solicitavam nosso auxílio. Além de tentar esclarecê-las, discorríamos sobre as
questões da textualidade. Depois de, aproximadamente, noventa minutos, começaram a surgir
os textos elaborados por eles.

Antes de expormos as produções, bem como as análises das mesmas, ressaltamos que,
como referenciado anteriormente, visamos, por intermédio da atividade proposta, verificar a
viabilidade da implementação do modelo de escrita letramentos acadêmicos na prática docente
e a efetividade das orientações pedagógica baseadas nesse mesmo modelo. Ou seja, analisar
como que, textualmente, os aspectos trabalhados acerca do gênero discursivo resumo
acadêmico se materializam nos textos produzidos pelos graduandos. Diante disso, para fins de
análises, consideramos as seguintes categorias: a) objetivo do texto: apresentação de forma
condensada e objetiva da pesquisa; b) composição do texto: situação-problema, objetivo,
referencial teórico, método de geração de dados, resultado, conclusão e palavras-chave; c)
linguagem utilizada; d) utilização dos marcadores discursivos.

Seguem as referidas produções bem como as análises das mesmas:

Resumo (Flaviana)
Este trabalho traz um conjunto de pesquisas sobre música na escola. O objetivo dessa
atividade é elaborar um levantamento sobre questões e expectativas para o ensino
musical no contexto escolar. Propomos uma reflexão sobre o discurso e a formação
dos docentes, servindo-nos do referencial teórico de autores como Rosa Fuks (1991),
Regina Márcia Simão Santos (2011), Rita Fucci-Amato (2012), Beatriz Ilari (2013)
entre outros. Além disso, faremos um pequeno panorama histórico da educação
musical no Brasil, contemplando o período desde a chegada dos jesuítas no século
XVI, até as atuais repercussões causadas pela sanção da lei nº 11.769 de 2008,
passando pelos momentos de institucionalização da música na escola, com os
documentos oficiais que garantiram sua presença, e por temas atuais tais como os que
giram em torno à música na educação infantil. Com base nesses estudos,
43
identificamos que existe
Os quatro textos enviados nas aescolas
receberam uma e,carência
carta de aceite muito foram
por conseguinte, grande em termos
socializados de
pelos discentes no
evento da Semana da Pedagogia. Infelizmente, não tivemos acesso aos critérios utilizados pela comissão do evento
docência
para musical
a avaliação principalmente se pensamos nas regiões afastadas dos grandes
dos mesmos.
centros urbanos, a centenas de distância dos cursos de formação em música.
89

A partir da análise do resumo acadêmico da Flaviana é possível verificar que, embora


não tenha contemplado todas as características do mesmo, o texto conseguiu atingir o objetivo
do gênero discursivo, ou seja, apresentar um breve resumo da pesquisa. Sobre a composição,
destacamos que o texto privilegiou: 1) situação-problema: ainda que de forma implícita, é
possível identificar que o trabalho abordou a distância entre a proposta do ensino da música e
o que de fato acontece nas escolas; 2) objetivo: “elaborar um levantamento sobre questões e
expectativas para o ensino musical no contexto escolar”; 3) referencial teórico: “Rosa Fuks
(1991), Regina Márcia Simão Santos (2011), Rita Fucci-Amato (2012), Beatriz Ilari (2013)
entre outros”; 4) resultados: “identificamos que existe nas escolas uma carência muito grande
em termos de docência musical principalmente se pensamos nas regiões afastadas dos grandes
centros urbanos, a centenas de distância dos cursos de formação em música”.

Não foram apresentados, o método de geração de dados, a conclusão e as palavras-


chave. Sobre a linguagem, os verbos foram utilizados ora na terceira pessoa do singular ora na
primeira pessoa do plural, além disso, a autora lançou mão de vários marcadores discursivos
que estavam presentes no resumo utilizado por ela como modelo.
90

Resumo (Ketsia)
O presente artigo busca analisar o panorama atual e reflexões sobre uma escola situada na
cidade de Aperibé – Rio de Janeiro, assim conhecer as constituições e consolidação de práticas
antidiscriminatórias referentes à identidade de gênero e orientação sexual. Analisar as diretrizes
educacionais com o trabalho de diversidade de gênero realizada na instituição escolar. A
metodologia do trabalho está fundamentada na pesquisa qualitativa, entrevistas com docentes
e discentes, observação participante e levantamento bibliográfico. O referencial teórico
contemplou estudos sobre a identidade de gênero e sexualidade nas instituições escolares
(LOURO, Guacira; JUNQUEIRA, Rogério), pesquisas bibliográficas (GUIZZO, Bianca;
COMIOTTO, And
ressa; BRASIL). Os estudos comprovam que apesar de temas relacionados a gênero e
sexualidade está tendo mais relevância e discussões nas políticas públicas e educacionais,
todavia há uma heteronormatividade imposta em um ambiente normatizador (escola) , como as
entrevistas nos relatam, torna-se um desafio compreender, reconhecer e aceitar a sexualidade
que não seja a heterossexual, diante de práticas docentes, um currículo oculto que naturaliza o
processo binário. Diante disto, a escola deve está atenta para problematizar práticas separatistas
e segregatórias. A educação sexual poderia e deve ser um meio de combater preconceitos,
questiona discriminações e ampliar o vocabulário político, de forma que a identidade e
orientação sexual de alguém sejam livres, a modo que não se torne um elemento delimitador de
sua dignidade e respeito.
PALAVRAS- CHAVES: EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE, SEXUALIDADE
INDENTIDADE DE GÊNERO.

A organização do texto da aluna Ketsia, em se tratando da estrutura, abordou: 1)


situação-problema: discriminação acerca da identidade de gênero; 2) objetivo: “busca analisar
o panorama atual e reflexões sobre uma escola situada na cidade de Aperibé – Rio de Janeiro,
91

assim conhecer as constituições e consolidação de práticas antidiscriminatórias referente à


identidade de gênero e orientação sexual. Analisar as diretrizes educacionais com o trabalho de
diversidade de gênero realizada na instituição escolar”; 3) referencial teórico: “O referencial
teórico contemplou estudos sobre a identidade de gênero e sexualidade nas instituições
escolares (LOURO, Guacira; JUNQUEIRA, Rogério), pesquisas bibliográficas (GUIZZO,
Bianca; COMIOTTO, Andressa; BRASIL)”; 4) método de geração de dados: “A metodologia
do trabalho está fundamentada na pesquisa qualitativa, entrevistas com docentes e discentes,
observação participante e levantamento bibliográfico”; 5) resultado: “Os estudos comprovam
que apesar de temas relacionados a gênero e sexualidade está tendo mais relevância e discussões
nas políticas públicas e educacionais, todavia há uma heteronormatividade imposta em um
ambiente normatizador (escola) , como as entrevistas nos relatam, torna-se um desafio
compreender, reconhecer e aceitar a sexualidade que não seja a heterossexual, diante de práticas
docentes, um currículo oculto que naturaliza o processo binário.”; 6) conclusão: “Diante disto,
a escola deve está atenta para problematizar práticas separatistas e segregatórias. A educação
sexual poderia e deve ser um meio de combater preconceitos, questiona discriminações e
ampliar o vocabulário político, de forma que a identidade e orientação sexual de alguém sejam
livres, a modo que não se torne um elemento delimitador de sua dignidade e respeito”; 7)
palavras-chave: “EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE, SEXUALIDADE INDENTIDADE DE
GÊNERO”. Sendo assim, a aluna trouxe todos os aspectos que compõem o plano composicional
do resumo acadêmico.
Acerca da linguagem, Ketsia optou por utilizar a terceira pessoa e alguns marcadores
discursivos que disponibilizamos, tais como, “o presente estudo busca analisar”, “a
metodologia do trabalho está fundamentada na pesquisa”, “o referencial teórico contemplou
estudos sobre” e “os estudos compravam que”. Em suma, podemos concluir que, de fato, o
texto analisado atingiu o objetivo do gênero resumo acadêmico.
92

Resumo (Rita)
A INCLUSÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL NO ÂMBITO
ESCOLAR.
Esta pesquisa amplia o debate da problemática sobre a inclusão dos alunos com
deficiência visual no âmbito escolar. A necessidade de incorporar as questões
vinculadas à inserção desses alunos nas escolas da rede pública tem sido constantes nas
discussões entre professores de apoio pedagógico e de classe regular, que visam
preparar os discentes de conhecimentos válidos capazes de proporcionar o
desenvolvimento de todas as suas potencialidades e a sua inserção no meio escolar e
social. O interesse pela temática sobre a inclusão surgiu a partir das aulas ministradas
pela professora Drª Maria Goretti Rodrigues, na disciplina de Psicologia da Educação
I. Buscaremos analisar como e se acontece a inserção desse aluno nesse âmbito. Para
isso, serão analisados os seguintes aspectos: adaptações em salas de aulas, salas de
recursos, disponibilidade e utilização de materiais e outros dispositivos. Para a
constituição do corpus analisados no estudo, utilizaremos uma pesquisa de cunho
qualitativo, utilizando os seguintes instrumentos: observação e entrevista. Seguimos as
postulações de Arelaro (2003), Garcia (2004) e Mazzotta (1997). O presente estudo
encontra-se em andamento.
PALAVRAS-CHAVE: inclusão; deficiência visual; educação infantil.

O escrito da graduanda abordou, de forma sucinta e objetiva, as características da


pesquisa realizada. Para isso, utilizou os marcadores discursivos disponibilizados. No plano
composicional, a autora reuniu: 1)situação-problema: “a inclusão dos alunos com deficiência
visual no âmbito escolar”; 2)objetivo: “buscaremos analisar como e se acontece a inserção
93

desse aluno nesse âmbito”; 3)referencial teórico: “seguimos as postulações de Arelaro (2003),
Garcia (2004) e Mazzotta (1997)”; 4)método de geração de dados: “para a constituição do
corpus analisados no estudo, utilizaremos uma pesquisa de cunho qualitativo, utilizando os
seguintes instrumentos: observação e entrevista”.

O referido resumo não apresentou o resultado nem a conclusão, porque a pesquisa


encontra-se andamento. Os verbos foram utilizados ora na terceira pessoa do singular ora na
primeira pessoa do plural.

De modo geral, ao analisar os resumos acadêmicos produzidos pelos discentes,


verificamos que a maioria das características trabalhadas foram implementadas em seus
respectivos textos. No que se referem ao propósito do gênero, todas as produções abordaram,
de maneira condensada e objetiva, as principais características da pesquisa; acerca da
organização retórica, quase todos os autores expuseram os aspectos do plano composicional;
em se tratando da linguagem, foi utilizada a norma-padrão da língua, bem como os marcadores
apresentados para fins de conectar as partes do texto.

Fica evidente, assim, que ainda que os graduandos desconheçam as características dos
gêneros acadêmicos, é possível, por intermédio de um trabalho que contemple o texto como
instrumento de ensino-aprendizagem, numa situação real de comunicação, inseri-los de maneira
efetiva nas práticas letradas que circundam na esfera acadêmica. Posteriormente, todas as
pesquisas foram socializadas no evento Semana Pedagógica. Segundo os estudantes, a
participação no referido evento foi significativa no sentido de que puderam discutir e trocar
com colegas e professores presentes questões acerca de suas pesquisas.

É preciso pontuar que apesar de termos verificado alguns desvios no que concerne ao
uso do registro formal da língua - adequado ao contexto acadêmico - por conta da limitação do
tempo para o envio dos resumos, não foi possível realizar o retorno dos textos produzidos aos
alunos com os devidos apontamentos e explicações de tais desvios. Consideramos a ausência
desse retorno como uma lacuna deste trabalho.

Na aula seguinte, a docente convidou os alunos para assistirem à película denominada


Drogas e Cidadania em debate (produzido pelo Conselho Federal de Psicologia). O filme
aludido é composto por uma série de seis vídeos que contemplam questões relacionadas às
drogas, a saber, dispositivos do Sistema Único de Saúde (SUS) em relação aos cuidados com
os usuários de drogas; questionamentos sobre o crack; críticas à internação compulsória;
94

medicalização; depoimentos de ex-usuários de drogas e análise sobre os espaços das


cracolândias.

Antes de iniciar a sessão, Fabiana dividiu os temas tratados no vídeo entre os graduandos
e solicitou que eles produzissem um resumo contendo uma síntese dos aspectos apresentados,
aprofundando as informações. Para isso, sugeriu que fosse realizada uma pesquisa na internet.
Antes de encerrar a aula, a professora divulgou o site que contém o vídeo para que os discentes
pudessem assisti-lo novamente antes de produzirem o texto.

Na última aula, a professora propôs aos alunos que realizassem a leitura dos resumos
solicitados, a fim de que ela pudesse tecer considerações acerca das produções. Dos três alunos
presentes, apenas Bárbara estava com o trabalho (ANEXO Q) pronto. Sendo assim, ela iniciou
a leitura do texto. Quando a aluna terminou a leitura, a docente teceu o seguinte comentário:

As informações que você traz que não estão no filme, você não colocou a
fonte, faltaram as referências. A grande dificuldade do pessoal que está
escrevendo TCC é saber onde encontrar dados para o que estão pesquisando.
O que eu recomendo é você pesquisar uma tese e ir direto às referências
bibliográficas, porque assim você lê o texto base. Quando fazemos pesquisas
no Google é complicado. Eu indico consultar o scielo, porque dá um respaldo
maior e não corre o risco de pegar informações erradas. Às vezes, até aparece
algo absurdo, mas está publicado. Sites, blogs a gente não sabe de onde vêm
as informações.

Nesse sentido, Motta-Roth e Hendges em sua obra denominada Produção Textual na


Universidade apontam que a seleção da literatura seja “talvez o passo mais importante na
redação” (2010, p. 15) de um texto. As pesquisadoras acrescentam que essa triagem deve ser
guiada pelos seguintes preceitos: a qualidade da fonte de onde o texto é extraído; a importância
dos autores na área; e a recência desses trabalhos.

Em se tratando da qualidade da fonte, aspecto ressaltado pela docente, as autoras


sugerem que sejam extraídos estudos com base nos fatores que determinam a qualidade da
referência, dentre eles, destacam “o fator de impacto, o Qualis-CAPES (No Brasil) e a
indexação44”.

Além de tratar das questões sobre a importância da credibilidade das fontes de pesquisa,
a professora esclareceu para os alunos que, grande parte dos psicólogos, inclusive ela, são
contra a internação compulsória – assunto tratado no vídeo – por vários motivos, dentre eles, a

44
Ibidem, p. 15.
95

falta de cuidados, a anulação da identidade dos indivíduos entre outros. Sugeriu aos alunos que
estivessem interessados pelo tema que assistissem ao filme Sete Cabeças45 e O Contador de
Histórias46.

Como os outros dois alunos presentes não haviam confeccionado seus trabalhos, a
professora pediu que eles enviassem para seu e-mail. Inserimos, nos anexos, os textos a que
tivemos acesso.

Ao analisarmos as atividades propostas pela docente, nesse ínterim das observações,


consideramos que, de uma forma geral, embora algumas questões intrínsecas a esses modelos
não tenham sido trabalhadas, elas apresentaram um viés mais voltado para as proposições
oriundas do modelo ideológico de letramento e a concepção de escrita letramentos acadêmicos,
posto que a leitura não se limitou à decodificação das palavras e as análises linguísticas foram
realizadas de forma contextualizada. Como exemplo, citamos o evento em que Fabiana abordou
a conexão das partes do texto, os feedbacks das produções textuais e as leituras coletivas. Em
suma, as atividades não se restringiram a análises descontextualizadas de codificação e
decodificação.

Destacamos ainda que, devido ao fato de a docente ser da área de psicologia, na maioria
das aulas observadas foram discutidos temas da psicologia em vez de questões sobre linguagem
acadêmica, como proposto na ementa da disciplina.

3.3 OS PRINCIPAIS DESAFIOS ENCONTRADOS PELOS GRADUANDOS

Para ir além do discurso da crise de letramento, certificado em inúmeros estudos sobre


a temática analisada, e em função das motivações que nos orientam, neste tópico, procuramos
identificar os principais conflitos encontrados pelos discentes no tocante aos usos da linguagem
na esfera acadêmica. Para isso, demos voz aos sujeitos da pesquisa - alunos e professoras -, e
analisamos os textos produzidos pelos estudantes. Ademais, buscamos identificar se as
atividades trabalhadas pelas docentes contemplaram tais obstáculos e no que elas resultaram
em termos de aprendizagem.

45
Bicho de Sete Cabeças é um filme de drama brasileiro de 2000 dirigido por Laís Bodanzky e com roteiro
de Luiz Bolognesi baseado no livro autobiográfico de Austregésilo Carrano Bueno, Canto dos Malditos.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Bicho_de_Sete_Cabe%C3%A7as>. Acesso em 15 de maio de
2017.
46
O Contador de Histórias (Brasil, 2009) é um filme biográfico, que conta a história de um contador de
histórias. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Contador_de_Hist%C3%B3rias>. Acesso em 22 de
maio de 2017.
96

No que concerne aos conflitos, os graduandos destacaram os seguintes aspectos:

Sinto dificuldade em começar um texto (Davi, 2º período de Pedagogia).


Compreender as palavras e de ordenar as ideias a fim de evitar a repetição
(Reginaldo, desp. Pedagogia).
Organizar o pensamento para passar para o papel. (Sâmia, 2º período de
Pedagogia).
Passar para o papel o que está na mente. Faltam palavras para produzir os
textos (Wagner, 5º período de Matemática)
Acho difícil estruturar um texto e contextualizar as ideias (Bárbara, 4º período
de Pedagogia).
Desenvolver e estruturar os textos (Flaviana, desp. Pedagogia).
Encontrei e ainda encontro muitas dificuldades. Alguns textos são muito
complexos para eu escrever e a forma como são pedidos também. Posso dizer
que ainda acho dificuldade em fazer praticamente tudo (Gabriela, 2º período
de Pedagogia).
Tenho dificuldade de diferenciar o resumo da resenha, de articular e
compreender os conceitos dos teóricos, de compreender as palavras e
coerência para produzir e articular o texto (Carla, desp. Pedagogia);
Minha maior dificuldade são os erros gramaticais (Kétsia, desp. Pedagogia).
Me sinto como cego em tiroteio. Tenho muita dificuldade em produzir e
compreender os textos (Riana, desp. Pedagogia).

Com base nos dizeres dos graduandos, em ordem de destaque, categorizamos o que se
repete coletivamente, em termos de desafios dos usos da linguagem acadêmica, para a
construção de uma síntese dos achados. Assim, os graduandos apontaram: 1) ordenar as ideias;
2) produzir gêneros discursivos solicitados e reconhecer suas características; 3) aplicar os
aspectos formais da escrita; e 4) compreender os textos acadêmicos. Além dessas categorias, o
discurso sobre a “insegurança para escrever” se fez presente na análise de grande parte dos
graduandos.
Chamamos a atenção para o fato de que, independente do período e do curso em que
estavam matriculados, todos os alunos afirmaram ter se deparado com algum tipo de desafio
relacionado à escrita acadêmica, além disso, quando tinham oportunidade, esses obstáculos
eram explicitados pelos alunos aos professores. Acrescentamos, ainda, que os mesmos conflitos
mencionados pelos estudantes foram evidenciados pelas docentes, exceto o obstáculo de
reconhecer as características dos gêneros discursivos acadêmicos. Ao analisarmos as aulas,
ficou notório que as docentes não diagnosticaram esse obstáculo porque desconheciam a teoria
dos gêneros discursivos.

3.3.1 Ordenar as ideias


97

Destacamos que algumas categorias foram mencionadas, tanto pelos graduandos que
estavam cursando os primeiros períodos, como por aqueles que estavam matriculados nos
períodos finais. Como exemplo, discorremos sobre o conflito de “ordenar as ideias”,
mencionado pelo aluno Davi, do 2º período de Pedagogia e por Reginaldo que, para cumprir a
grade de disciplinas e concluir o curso, cursava apenas a disciplina OLE II.
Seguem alguns trechos das produções47 dos referidos alunos.

No vídeo a Maria Helena Souza Patto, tem diversas linhas de pensamentos,


foi dividido em três partes mas o tempo não deixou ela concluir todas as partes.
Ela começa falando que a psicologia é um instrumento de poder, justificação
e de manutenção de uma sociedade de classes. Logo em seguida ela afirma
que temos que entender o feudalismo para entender a educação. Ela fala dos
conteúdos, a Patto afirma que “Os conteúdos brutos pouco ensinam, a não ser
quando postam em situação e compreensão global que alcança entender vários
níveis de abordagem de uma análise oriental do assunto a terra do mesmo
plano” e também diz que “a psicologia pode ser vista como um instrumento
de poder da sociedade de classe”. (Davi, 2º período do curso de Pedagogia).

[...] Uma das indagações mais frequentes é a seguinte: A escola forma ou


deforma? Partindo de um pensamento histórico crítico-dialético, a escola
forma cidadãos para ser inserido na sociedade, sem questionar seus direitos
ou criticar o sistema. Psicologia positivista (baseado no pensamento de
Auguste) e científica, ou seja, só considera verdadeiro aquele que foi
comprovado. Esse pensamento não considera como verdadeiro as crenças
religiosas que para muitos é algo inquestionável, e esse conhecimento é
colocado como primitivo e não aceitável. (Reginaldo, desperiorizado do curso
de Pedagogia).

Como pode ser visto, os textos apresentam as ideias de forma estanque e, em algumas
passagens, sem sentido. Ainda que a progressão textual seja perceptível, ou seja, apresentam-
se novos dados no decorrer do texto, não existe coerência entre as informações.
Davi, por exemplo, iniciou o texto dizendo que Patto “tem diversas linhas de
pensamentos”. Na mesma frase, sem mencionar as linhas de pensamento da autora, o aluno
tratou da estruturação do texto apresentado no vídeo: “foi dividido em três partes mas o tempo
não deixou ela concluir todas as partes”. Além disso, podemos observar que o discente insere
duas citações que não se complementam. A primeira trata dos conteúdos abordados nas escolas,
já a segunda, sobre a função da psicologia, tornando, assim, a frase incompreensível.
Pelo mesmo prisma, na produção de Reginaldo, é possível verificar que o graduando,
sem referenciar a autora, trouxe as indagações propostas no texto. Em seguida, de forma
abrupta, o aluno discorreu acerca da psicologia positivista.

47
Os textos completos podem ser encontrados, respectivamente, nos anexos O e K.
98

A dificuldade de ordenar as ideias também pode ser verificada no texto48 produzido por
Gabriela, aluna do 2.º período de Pedagogia.

Relacionando a fala de Maria Helena Souza Patto com o texto educandos de


direitos, encontrei vários desafios e me fez perceber como vivemos num país
extremamente desigual e eu fiz uma relação com as questões que Maria
Helena trás em sua fala sobre instrumento de poder que é a psicologia,
justificação e manutenção de uma sociedade dividida em classes que é bem
visível, a fraude das escolas públicas e como as privadas visaram apenas um
recurso para passar no vestibular, e o conformismo que sobretudo para mim é
algo que está fazendo com que esses direitos que temos não seja desfrutado
da forma correta. E o texto educandos sujeitos de direitos que nos leva a
questionar e a pensar que esse conformismo que a Patto fala é enraizado na
educação e como ela segrega.

A aluna inicia o texto afirmando ter encontrado “vários desafios”, mas não faz referência
aos mesmos. Sendo assim, não é possível identificar se eles tratam da dificuldade de
compreender o texto base ou se se referem aos desafios citados por Maria Helena sobre os
diretos dos educandos. Em seguida, relaciona as ideias do texto à realidade vivida pelos
indivíduos no país: “vivemos num país extremamente desigual e eu fiz uma relação com as
questões que Maria Helena trás em sua fala sobre o instrumento de poder que é a psicologia,
justificação e manutenção de uma sociedade dividida em classes...”. Ainda na mesma frase,
Gabriela discorre sobre mais dois aspectos: os objetivos das escolas públicas e privadas que,
segundo ela (ou Patto?), “visaram apenas um recurso para passar no vestibular”, e o
“conformismo” que, apesar de o termo referente não ser apontado, pelo contexto, é possível
inferir que se trata dos indivíduos.
É preciso enfatizar que todas as ideias citadas acima foram mencionadas na mesma
frase, isso evidencia o quão complexo é, para alguns discentes, organizar os tópicos que são
abordados em suas produções textuais.
Dentre os excertos expostos acima para exemplificar a categoria ordenar as ideias, o
único apontado pela professora Fabiana foi o texto produzido por Reginaldo. Para tratar sobre
esse aspecto, a docente, quando ofereceu o feedback da produção textual donde foram extraídos
os fragmentos analisados, disse ter ficado com a impressão de que algumas informações
estavam escritas em tópicos. Para exemplificar a compreensão de articulação entre as partes de
um texto, a docente citou este trecho do texto49 da aluna Flaviana:

48
O texto completo encontra-se no anexo L.
49
O texto completo encontra-se no anexo J.
99

[...] Isso faz parte da carência cultural, teoria ditada nos anos 60, onde as
classes sociais mais baixas teriam uma carência de componentes culturais. [...]
Todo esse discurso já determinado a respeito da criança e do adolescente tira
deles o reconhecimento como sujeitos de pleno direito à educação básica.

Explicou para o aluno que, depois da passagem, Flaviana inseriu uma citação que tratava
do mesmo assunto. A docente disse para os alunos que fazer essas conexões não é uma tarefa
fácil, e que, por isso, “a escrita correta exige esse debruçar sobre os autores, retirando deles
aquilo que faz sentido e articular com o tema da pesquisa”.

Embora a categoria ordenar as ideias tenha sido ressaltada tanto pelos discentes como
pelas docentes, ambas as professoras, em nenhum momento, apresentaram aos alunos caminhos
ou estratégias que pudessem, de fato, auxiliá-los nessa tarefa.
Maria, em uma de suas aulas, comentou que percebia que os alunos sabiam ler e
escrever, mas que apresentavam muita dificuldade em articular as informações do texto.
Pensando nisso, propôs duas atividades que, segundo ela, levariam os alunos a refletir sobre as
conexões: na primeira, os graduandos precisavam criar um contexto para uma imagem, na
segunda, elaborar um desfecho para um conto.
As atividades trabalhadas por Maria foram relevantes no sentido de auxiliar os
graduandos a “pensar sobre” as articulações das ideias dos textos, como ela mesma disse.
Entretanto, não contemplaram o conflito contextualizado no gênero discursivo acadêmico –
textos utilizados para interagir nessa esfera – nem foram apresentados caminhos para sanar tal
obstáculo.
A dificuldade de ordenar as ideias foi apontada, também, pelo pesquisador Becker
(2015) quando ofereceu um curso denominado “Introdução à redação” para estudantes de pós-
graduação e resolveu questioná-los sobre o que temiam em relação à escrita. As respostas dos
alunos fizeram com que o sociólogo chegasse à conclusão de que eles temiam não conseguir
organizar seus pensamentos e sentiam vergonha dos textos que produziam.
Tendo em vista essa constatação, Becker reuniu em sua obra Truques de escrita: para
começar e terminar teses, livros e artigos algumas sugestões que visam auxiliar os estudantes
a organizar as ideias. Ao analisar o estudo do autor, fica evidente que é possível oferecer aos
graduandos recursos pelos quais é possível alcançar um encadeamento lógico das ideias de um
texto. No entanto, para que os estudantes lancem mão de tais recursos, é preciso conhecê-los e
refletir sobre eles.
Além da incidência de obstáculos diagnosticada acerca da linguagem acadêmica por
alunos de períodos distintos, verificamos, também, que alunos que estudam diferentes cursos
100

apresentam dificuldades semelhantes. Essa questão será exemplificada no próximo item que
trata do conflito “reconhecer as características dos gêneros discursivos solicitados”.
3.3.2 Categoria: produzir gêneros discursivos solicitados e reconhecer suas
características

Além do conflito vivenciado acerca da organização das ideias, os discursos dos


graduandos sinalizaram que existe uma tensão no que concerne a reconhecer as características
dos gêneros acadêmicos. Carla (desperiorizada) citou, como exemplo, a “dificuldade de
diferenciar o resumo da resenha”.
Esse diagnóstico vai ao encontro da percepção de Alana50 quando afirmou, durante a
entrevista, que os graduandos desconhecem as características dos gêneros discursivos
acadêmicos. E, corroboram, ainda, com o discurso dos egressos que fazem parte do grupo de
pesquisa LAPIIS, que pontuaram que

O pior era quando o professor pedia para montar um seminário, sendo que
nunca tínhamos feito isso na vida. (Maria).
Até hoje tenho, não sei direito escrever uma resenha. Agora, na
especialização que estou tentando aprender, porque eles pedem muito
também. (Gilda).

Tudo isso leva a considerar que o obstáculo relacionado aos gêneros discursivos
acadêmicos faz parte da realidade não só dos graduandos, mas também dos egressos. De modo
geral, destacamos dois aspectos determinantes dessa situação no contexto analisado: 1) a
maneira como as produções textuais são solicitadas pelas docentes não favorece a compreensão
das especificidades dos gêneros discursivos acadêmicos e 2) a ausência de um estudo
sistemático acerca das questões que envolvem as características dos gêneros discursivos
acadêmicos.
A respeito do primeiro apontamento, destacamos a atividade proposta pela professora
Fabiana, quando solicitou aos graduandos que produzissem um texto relacionando as ideias do
artigo “Educandos, sujeitos e direitos”, de Arroyo, ao vídeo “Psicologia e Educação: origem e
significado de percurso”, de Patto. Vale ressaltar que a docente não nomeou o gênero discursivo
em que o referido texto se materializaria. Em consequência disso, os graduandos produziram
gêneros de naturezas distintas. A aluna Gabriela, por exemplo, fez uma síntese dos textos de

50
Professora de Língua Portuguesa, formada em Letras, que ministrou a disciplina OLE I nos anos de 2011 a 2013
(ver segundo capítulo).
101

apoio, ademais expôs sua opinião sobre os assuntos neles abordados, assim, sua produção51 se
aproximou dos gêneros de caráter opinativo, como demonstra o excerto que segue:

Relacionando a fala de Maria Helena Souza Patto com o texto educandos de


direito, encontrei vários desafios e me fez perceber como vivemos num país
extremamente desigual... O interessante de relacionar os dois textos é que
podemos perceber que nos acostumamos nessa sociedade dividida em classes.
E como essa segregação faz que agimos com tamanha estranheza em relação
ao outro, já prevendo seu futuro sem ao menos tentar conhecê-lo ou entender
sua situação[...]. (Gabriela, 2.º de Pedagogia).

Por sua vez, o aluno Davi fez uma síntese52 e relacionou as obras analisadas, todavia
não realizou uma abordagem crítica das ideias presentes nos textos.

No vídeo a Maria Helena Souza Patto, tem diversas linhas de pensamentos,


foi dividido em três partes... Fala também do conformismo, onde na fala dela
diz “quando um psicólogo diz ao pobre que ele não está conseguindo se
escolarizar porque não tem capacidade intelectual para isso, ele está
colaborando para o conformismo dos que não têm garantido o direito da
educação escolar”... No texto do Miguel Arroyo, ele fala um pouco disso, dos
direitos a educação, que na década de 1980 nos parecia legítimo defender o
direito aos bem-comportados, excluindo do direito à escola os
indisciplinados... (Davi, 2.º de Pedagogia).

Adotando uma perspectiva distinta dos demais alunos, embora tenha discorrido sobre o
tema “Direito”, abordado nos textos de apoio, Riana trouxe para a discussão53 observações
realizadas, durante o período do estágio, sobre a experiência de uma aluna no processo de
inclusão, colocando-se de maneira crítica acerca desse movimento. Ao contrário de Gabriela e
Davi, a graduanda não mencionou nem relacionou as obras consultadas, como solicitado pela
docente.

[...] Mas infelizmente não existe adaptações nas salas de aula, professores
preparados, materias didáticos adaptados para deficientes visuais, percebo
isso ao ver a aluna chamada AMANDA, cursa o 9º ano do ensino fundamental.
Amanda é cega de nascença foi alfabetizada no Rio de Janeiro local onde
morava com seus pais até os 16 anos, após a separação dos pais veio morar
em Aperibé com sua mãe... Percebo a necessidade de especialização dos
educadores em geral, pois se os docentes fossem preparados seria muito mais
fácil “lidar” com qualquer tipo de deficiência. Sendo que essa Sala de
Recursos deveria ser um ambiente que conta com um professor de educação
especial sediado na escola comum, tenho à disposição os materiais e
equipamentos especiais, para atendimento dos alunos deficientes visuais em
suas necessidades específicas, mas não é isso que acontece... (Riana, desp. de
Pedagogia).

51
O texto completo encontra-se no anexo L.
52
O texto completo encontra-se no anexo O.
53
O texto completo encontra-se no anexo N.
102

As análises desses textos nos levaram a compreender a estratégia adotada pela docente
de solicitar as produções textuais aos alunos, sem estabelecer um gênero específico sob duas
óticas distintas. Por um lado, proporcionou aos estudantes liberdade para criar textos a partir de
seus próprios pressupostos. Como pôde ser visto nos fragmentos expostos e analisados,
surgiram produções que se aproximaram dos gêneros: resenha, resumo, relato de experiência.
Por outro lado, os graduandos não refletiram sobre as especificidades dos gêneros discursivos
e, com efeito, não apreenderam as características dos mesmos. Ademais, percebemos que
grande parte dos alunos ficaram tensos por conta da falta de parâmetro de produção, como pode
se verificar na fala da aluna Gabriela, que cursava o segundo período do curso de Pedagogia:
“Alguns textos são muito complexos para eu escrever e a forma como são pedidos também”
(grifos nossos).
Em se tratando do segundo apontamento acerca da possível causa do conflito vivenciado
pelos estudantes para identificar e produzir gêneros acadêmicos, destacamos que, embora
tenham prevalecido propostas de textos que não contemplavam um gênero discursivo
específico, em dois eventos as professoras chegaram a nomear as produções textuais
requisitadas. Todavia, em ambas as propostas, as características dos gêneros solicitados não
foram trabalhadas.
O primeiro evento refere-se à aula em que Maria pediu aos estudantes que elaborassem
um relato, criando um contexto para imagens apresentadas por ela. Nessa situação, vale ressaltar
que ainda que a docente tenha apontado o gênero específico em que a produção se
materializaria, em momento algum, as características do mesmo foram trabalhadas e/ou citadas
por ela.
Sobre o gênero relato, solicitado pela professora, Costa o conceitua como “uma narração
não ficcional escrita ou oral sobre um acontecimento ou fato acontecido, feita, geralmente,
usando-se o pretérito perfeito ou o presente histórico” (2012, p. 202). Além disso, os verbos e
os pronomes são escritos na 1.ª pessoa, posto que o narrador é também o protagonista do fato
relatado. Como dito anteriormente, essas características não foram destacadas pela docente,
como efeito, foram desconsideradas nas produções dos graduandos. Exemplos:

Figura 1: Produção Textual (Sâmia)


103

Essa foto de uma chave pra mim foi como estivéssemos vivendo em um mundo que está preso
dentro de uma, caixa, e que ali as pessoas estão presas, com um coração cheio de ódio, dor, angústia.
Diante de tudo que nos deparamos no mundo atual é praticamente isso que estamos vivendo, radiados
de pessoas assim, são poucas ao que pensam diferente; o mundo está cheio de violência, e como seria
bom se essa chave abrisse essa caixa, para libertar esses corações cheio de tanta maldade. E a partir do
momento que essa caixa se abrisse um novo mundo existiria e com pessoas dispostas a amar ao
próximo.(Sâmia, 2.º de Pedadogia).

Figura 2: Produção Textual (Leonardo)

A natureza, o equilíbrio perfeito entre a vida e a morte. Algo que funciona um respeitando o
outro, compreendendo, aceitando. Aqui não existe guerra, ganância, soberba, discriminação. O objetivo
aqui é simples. Nascer. Não importa se dentro da água, escondido em um tronco ou uma poça [...]
qualquer. Aqui não existe definição para luxo. Aqui é apenas um lugar para se viver. (Leonardo, 2.º de
Pedagogia).

A aluna Sâmia elaborou um texto em que relacionou a imagem selecionada à sua


percepção do mundo atual, fazendo uma analogia à Caixa de Pandora. Embora tenha utilizado
pronomes e verbos na primeira pessoa, a discente não relatou nenhum fato, fictício ou real. De
maneira semelhante, Leonardo trouxe uma análise acerca das questões que envolvem o
funcionamento da natureza, correlacionado-as aos acontecimentos reais vivenciados e
provocados pelos seres humanos. Ou seja, ambas as produções se distanciaram
consideravelmente do gênero discursivo relato, proposto pela docente.
104

O segundo evento observado em que foi solicitado um gênero discursivo específico


refere-se à aula ministrada pela professora Fabiana. Na ocasião, ela pediu aos alunos que
elaborassem um resumo do filme Drogas e Cidadania em debate (produzido pelo Conselho
Federal de Psicologia), trazendo informações adicionais acerca do tema tratado.
Costa conceitua resumo como um gênero discursivo “em que se reduz um texto
qualquer, apresentando-se seu conteúdo de forma concisa e coerente” (2012, p. 205). Indo mais
além, Machado, Lousada e Abreu-Tardelli (2004) destacam algumas estratégias que devem ser
adotadas na produção de um resumo, dentre elas, esclarecer, no decorrer do texto, de forma
variada, de quem são as ideias resumidas; inserir, no início da produção, uma indicação do texto
resumido; selecionar um vocabulário adequado ao gênero. Além disso, as autoras apontam que
o resumo deve “ser compreendido em si mesmo por um leitor que não conhece o texto original”
(2004, p. 58).
Em outras palavras, resumir um texto é fazer uma síntese, de forma objetiva e clara,
das principais ideias do texto base. No caso em análise, além de a docente não ter esclarecidos
aos alunos essas especificidades do gênero resumo, ela ainda solicitou que eles acrescentassem
informações sobre o tema. Nesse sentido, fazendo com que as referidas produções se
distanciassem das características do gênero discursivo resumo, como pode se verificar nas
produções a seguir.

O vídeo cita o plano nacional de combate ao tráfico que incentiva a internação


compulsória dos usuários de crack em clínicas particulares de psiquiatria com
intuito de “ajudar” pessoas diagnosticadas com vícios de drogas tratando
usuários como doente mental. Afirma que as comunidades terapêuticas para
onde levam esses usuários como a volta dos manicômios. Sendo como diz o
vídeo, o retrocesso da reforma psiquiatra onde deveria ser um tratamento
público de qualidade por conta da falta de meio de tratamento digno, visto que
no manicômio o tratamento é feito a partir de choque e outras torturas físicas.
[...] A luta anti manicomial nasceu dia 18 de maio de 1997 para acabar com
tais práticas lutando pelos direitos dos doentes mentais, combatendo a idéia
de isolamento dessas pessoas que têm o direito de liberdade e a viver em
sociedade. Defendendo a substituição dos hospitais psiquiátricos por serviços
abertos de tratamento de forma diversificada com diferentes formas de
tratamento, implicando uma ampla atenção a rede e promovendo autonomia
dessas pessoas e seus familiares. Além disso, deve se articular com as áreas
de ação social, educação etc.A luta hoje é pelo fechamento dos centros
psiquiátricos privados e incentivo pela abertura de mais CAPS (Centro de
Atenção Psicossocial) 24h além de uma plena melhoria da qualidade dos
serviços apresentados e outras formas de auxílios dessas práticas que
desestimulam a internação dos doentes mentais. (Bárbara, 4.º de Pedagogia)
(grifos nossos).

A sociedade é quem te impõem a maneira de vestir, de comer, os grupos a se


relacionar. Imposição esta que deveria ser seguido por todos, sendo o correto.
105

Mas quando as pessoas desviam dessas regras impostas pela sociedade


tradicional, assim atingindo seus princípios conservadores, com isso os
agentes dos grupos tradicionais tentam excluir os desviantes de seus campos
sociais. A escola se torna uma poderosa aliada da sociedade, pois é uma das
mais importantes instituições sociais, ou seja, a maioria das pessoas passam
por ela, como Durkheim diz, a escola vem antes de tudo satisfazer as
necessidades desta sociedade, portanto ela prepara para conviver, obedecer,
se comportar como a sociedade espera de cada um de nós, além de preparar
para uma mão de obra qualificada. Remédios que prometem cura de uma
doença que sequer os médicos conseguem diagnosticar como o TDAH, entre
outros remédios houve um espantoso aumento. A partir de 2005, de acordo
com o vídeo “medicalização e sociedade”, cresceu 40% a procura da “cura”
da depressão, síndrome do pânico e ansiedade. De acordo com estudos
levantados por Moyses, o números de caixas vendidas em farmácias para
medicalização de TDAH (Metilfenidato) cresceu 1.615 % entre 2000 e 2008.
Medicalização esta que aumenta a concentração de dopamina na sinapse, que
é exatamente o mesmo que da anfetamina e da cocaína. Os sintomas são os
mais variados como insônia, tonturas, cafaléia, irritabilidade, discinéia. Estes
são alguns dos sintomas que esse remédio causa em uma criança ou adulto,
tudo isso por uma doença que sequer é comprovada. Pois a dislexia e o TDAH
não são comprovados. Porém a dislexia é identificada por meios de leituras e
escrita que é realizado com uma criança para saber se ela tem essa “doença”,
porém como saberemos se é problema neurológico ou se a criança apenas não
sabe ler? Como seria se pegássemos um texto em Francês e pedissem para que
pudéssemos ler e escrever em Frances se nós não sabemos? Pois bem, assim
se fazem para diagnosticar a dislexia. E o TDAH, realizam um questionário
com 18 perguntas que se chama SNAP IV, dentro delas estão: 1. Não consegue
prestar atenção a detalhes ou comete erro por descuido nos trabalhos da escola
ou tarefas? 2. Distraí-se com estímulos externos. 10. Mexe com as mãos e os
pés ou se remexe nas carteiras. Se for assim, então eu tenho TDAH. Esse é o
único instrumento avaliativo para que possam diagnosticar tal doença, e
percebemos nas perguntas do questionário que estará em anexo que o que mais
prevalecerá será o peso da autoridade da sala de aula “a professora” que quer
medicalizar seu aluna para que ela consiga dar sua aula. Não há a menor
evidencia de científica de que existam alterações na anatomia do sistema
nervoso central que provoquem apenas um comprometimento da leitura e
escrita ou de comportamento! Não há qualquer comprovação de que existam
alterações na autonomia do SNC que causem dislexia ou TDAH. (MOYSÉS,
Maria). Não estou culpabilizando somente o professor, porque ele muita
das vezes trabalha de 2 à 3 turnos para poder se manter, e com isso criar aulas
mais dinâmicas, conhecer a vivência dos alunos e seguir um cronograma
escolar se torna uma questão difícil de se conciliar, porém necessária. Como
diz Arroyo2011, “A educação não se libertou da estreiteza do mercado porque
não é fácil operarmos na lógica dos direitos humanos. Não é fácil ver em cada
aluna, aluno um ser humano de plenitude de seus direitos. Exige outra
mirada”. (Kétsia, desp. de Pedagogia) (grifos nossos).

O vídeo analisado por Bárbara, denominado A volta dos manicômios faz uma crítica à
internação compulsória como dispositivo do Sistema Único de Saúde, onde o autor se posiciona
de maneira contrária a tal procedimento, utilizando como argumentos a inexistência de um
projeto terapêutico e a violação dos direitos humanos. Para a construção do resumo, a aluna
iniciou o texto fazendo uma síntese das ideias abordadas no vídeo. Em um segundo momento,
106

trouxe informações complementares acerca do tema. Embora esclareça de quem são as ideias
resumidas, ela não aponta a fonte dos dados adicionais apresentados.
Já a película examinada pela discente Kétsia, Medicalização e Sociedade, traz uma
reflexão acerca do uso descontrolado e irrestrito de medicamentos no cotidiano, sobretudo no
que diz respeito a drogas (ilícitas) utilizadas no tratamento de crianças “diagnosticadas” como
hiperativas. Na elaboração do resumo, a princípio, a aluna tratou dos conteúdos analisados no
filme: os efeitos do medicamento utilizado para o tratamento da doença TDAH e o diagnóstico
precoce e, muitas vezes, falho apresentado pelos professores. Em seguida, ela fez uma reflexão
sobre a rotina do professor, afirmando que a mesma o impede de ter um olhar atento e elaborar
atividades dinâmicas. Por fim, associou a questão da medicalização aos conteúdos analisados
no texto de Arroyo, trabalhado na aula anterior, sobre a mercantilização da educação. Percebe-
se que, apesar da aluna ter construído um texto coerente, a construção do mesmo não se
aproximou da proposta da professora nem tampouco das características do gênero discursivo
resumo.
A partir das leituras das produções analisadas para tratar dos apontamentos acerca das
possíveis causas das tensões vivenciadas pelos graduandos no que concerne à produção dos
gêneros discursivos acadêmicos, verificamos a necessidade de trazer à baila para esta discussão,
ainda que de forma sintetizada, reflexões acerca dos estudos dos gêneros discursivos, uma vez
que percebemos que conflitos dessa natureza são amenizados quando tal teoria é considerada
no trabalho da produção escrita e oral em sala de aula.
A partir da década de 80, o ensino da linguagem passou, pelo que foi denominado por
Rojo (2015), por uma virada pragmática. A língua, que até então era vista apenas como
instrumento para transmitir informações entre os interlocutores, começou a ser
compreendida como um lugar de interação humana. Nesse sentido, estudiosos da linguagem
afirmaram que

[...] a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema


abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada,
nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social
da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A
interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.
(BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2006, p. 127).

Levando em conta essa nova visão da linguagem, passam a ser consideradas as


situações de interlocução, nas quais a língua se materializa, e a influenciam a partir de
diversos fatores, tais como, a integração dos interlocutores, o contexto de produção, as
107

situações de comunicação, a interpretação, o gênero textual e o propósito de quem produz


o texto.
Ao se considerar a linguagem como processo de interação e que este ocorre por
intermédio de textos, surge, então, a necessidade da inserção dos mesmos como instrumentos
no processo de ensino e aprendizagem da língua. Esses diversos textos que circulam na
sociedade, por meio dos quais as ações da linguagem se concretizam, são denominado por
Bakhtin (2003) de gêneros discursivos. Sobre o gênero discursivo, Dolz, Gagnon e Decândio
assinalam que

é um instrumento para agir em situações linguageiras; suas potencialidades de


desenvolvimento atualizam-se e são apropriadas nas práticas sociais. É um
instrumento cultural, visto que serve de mediador nas interações indivíduos-
objetos e é um instrumento didático, pois age como meio de articulação entre
as práticas sociais e os objetos escolares. (2010, p. 44).

Vale a pena lembrar que o modelo letramentos acadêmicos, com o qual concordamos e
vemos resultados significativos em nossos trabalhos, propõe que o gênero discursivo seja
considerado como a principal ferramenta do processo de ensino e aprendizagem da língua, e
abordado como prática social, em outras palavras, que as produções textuais sejam trabalhadas
a partir de situações concretas de uso.
Apesar de essa compreensão da linguagem circular por instrumentos como os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, pesquisas e livros didáticos há cerca
de duas décadas, é impressionante constatar que, ainda hoje, a forma com que as docentes
introduzem os gêneros discursivos nas suas aulas afasta-se consideravelmente daquilo que é
preconizado pela bibliografia especializada e que essa distância entre a teoria e a prática é
percebida na atuação, tanto de professores que não são formados em Letras – caso desta
pesquisa - como por aqueles que possuem habilitação para atuar em disciplinas de linguagem54.
Nos eventos analisados no âmbito deste estudo, apesar de os gêneros terem sido
utilizados como meio para compartilhar conhecimento, eles não foram trabalhados como objeto
de ensino e aprendizagem da linguagem acadêmica.

3.3.3 Aplicar os aspectos formais da escrita

54
Ver MELLO, 2014.
108

Outra tensão destacada pelos graduandos, e diagnosticada pelas docentes diz respeito à
aplicação dos aspectos formais da escrita. Ou seja, grande parte dos alunos desconhecem as
regras que regem a variedade padrão da língua.
Esse obstáculo pôde ser observado constantemente nos textos produzidos pelos
estudantes, como demonstram os fragmentos que seguem.

Figura 3: Produção Textual (Sirlaine)

De repente Beatriz da um pequeno sorrizo de canto de boca respira fundo e rapidamente enfiou
sua mão dentro do saco com às flores; o rei imediatamente abriu um sorrizo de comemoração pois tinha
certeza de seu casamento com a linda Beatriz, quando ela tira a mão de dentro do saco e para a tristeza
e surpreza do rei a flor na mão de Beatriz era branca. (Sirlaine).

Figura 4: Produção Textual (Fábia)

Beatriz viu que o rei não colocou nenhuma flor da cor branca, dirigiu se a palavra a ele, ele
contestando o por quê ele tinha feito isso. O rei falou que desde a primeira vez que a viu, não conseguiu
tirar sua imagem da cabeça, e queria se casar com ela a todo custo.
Porém Beatriz não queria se casar com o rei, então pediu-lhe que colocasse uma flor de cada
para ela fazer o sorteio.
Na hora de retirar a flor Beatriz tirou a rosa, deixando o rei muito feliz e Beatriz e seu pai tristes
com o acertamento de contas.(Fábia).
109

Figura 5: Produção Textual (Paula)

Como, naquela época as coisas não eram fácil, dependendo eu falaria com meu pai da situação
e ...(Paula).

Figura 6: Produção Textual (Wagner)

O rei se indignou e mandou prender Sr. Sousa, como castigo de sua dívida. Sr. Souza
preferiu ficar preso do que entregar Beatriz para se casar com o rei.(Wagner).

Figura 7: Produção Textual (Flaviana)

Patto, diz que o fato de ingressar numa escola não significa que a criança esteja incluída.
(Flaviana).

Destacamos, nos fragmentos expostos, alguns desvios encontrados nas produções dos
discentes. Ao analisá-los, é possível perceber que, em geral, eles abrangem aspectos gramaticais
variados como acentuação (“da”), ortografia (“surpreza”), concordância (“coisas eram fácil”),
regência (preferiu ficar preso do que”) e pontuação (Patto,). Ademais, alguns podem ser
considerados primários, por exemplo, a grafia da palavra “sorrizo” e “surpreza”.
Em se tratando do obstáculo relativo à inadequação da variedade linguística ao contexto
acadêmico, havia uma preocupação acentuada por parte da professora Maria que, a fim de
auxiliar os graduandos, no período das observações, propôs duas atividades consideradas por
ela como específicas para esse fim. Na primeira, ela distribuiu uma folha contendo textos
produzidos pelos próprios alunos e pediu que eles verificassem os “erros” presentes nas
110

produções. Em seguida, a docente iniciou a correção junto aos alunos do que ela considerava
inadequado. Vale ressaltar que, apesar de a docente ter alertado os alunos sobre os desvios de
forma coerente, Maria não especificou as regras que sustentaram suas correções, porque,
segunda ela, desconhece as mesmas. Na segunda, a docente pediu que os alunos elaborassem
um vocabulário de palavras desconhecidas e/ou palavras que eles tinham dificuldades de
escrever para realizar um Soletrando.
Ainda que defendamos a necessidade de esclarecer aos estudantes o porquê de tais
correções, ou seja, as regras que as subjazem, e a importância de se trabalharem os textos em
situações concretas de uso – o que não aconteceu nas atividades propostas -, consideramos a
primeira atividade significava, no sentido de ter levado os alunos a refletirem sobre os aspectos
que envolvem a variedade padrão, a partir de suas próprias produções. Foi notório o
envolvimento e a atenção dos discentes na execução da tarefa. Já a segunda atividade foi
proposta de forma descontextualizada, enfocando apenas a norma padrão da língua.
Maria destinava um tempo significativo de suas aulas para corrigir os textos dos alunos.
Acreditamos que o próprio perfil da turma produziu esse quadro. Existia, então, um impasse
entre a precariedade da formação profissional da docente e a formação insuficiente dos alunos
no que diz respeito à adequação da linguagem ao contexto acadêmico. Sendo assim, restou a
“boa vontade” e o “querer acertar” da professora que não foram suficientes para atender às
demandas dos graduandos.
De fato, é considerado inadequado utilizar a variedade linguística informal nas
interações que ocorrem na esfera acadêmica. Por isso, tendo em vista as carências dos
graduandos no que concerne ao uso da variedade padrão e o fato de que eles passam por um
processo seletivo para ali estarem matriculados, faz-se necessário realizar um trabalho que
abarque o ensino da gramática também nos cursos de graduação, ainda que muitos professores
universitários, como já mencionamos, se julgam isentos da responsabilidade de auxiliar os
estudantes nesse quesito, por acreditarem que os discentes já deveriam chegar à universidade
dominando esse conhecimento.
No que tange ao ensino na gramática, compartilhamos das considerações de Travaglia
(2006) quando afirma que é preciso realizar um ensino que tenha como referência a gramática
reflexiva. Segundo o autor, o ensino pautado na gramática reflexiva visa a levar os alunos a
refletirem sobre os conhecimentos intuitivos que eles possuem da língua para que, a partir
destes, eles possam ter consciência, não só do que já dominam em se tratando de linguagem,
mas também compreenderem os recursos linguísticos que ainda não fazem parte de seus
repertórios.
111

Para isso, o linguista aponta para a necessidade de se realizar um trabalho do ensino da


gramática de forma contextualizada, em outras palavras, em situações reais de comunicação,
por meio de atividades com os diversos gêneros discursivos que circulam no âmbito acadêmico.

3.3.4 Compreender os textos acadêmicos

Os graduandos destacaram ainda a dificuldade que enfrentavam para compreender os


textos que eram convidados a analisar em seus respectivos cursos. Essa tensão era apontada,
tanto pelos alunos que estavam ingressando na graduação, como por aqueles que cursavam os
períodos finais.
A professora Maria tinha um olhar muito sensível para as questões que envolvem a
compreensão textual e percebia a angústia dos estudantes de compreenderem os textos
acadêmicos. Diante disso, para auxiliar os estudantes, num primeiro momento, ela realizou um
trabalho que contemplou alguns aspectos que envolvem o processo de compreensão textual.
Como exemplo, citamos duas atividades. Na primeira, ela pediu aos alunos que elaborassem
um contexto para uma imagem, disponibilizada por ela, com objetivo de levá-los a refletir
acerca da importância da análise do contexto para o processo de compreensão textual. Na
segunda, os discentes tinham que criar um desfecho para o conto História da moça e do rei.
Segundo Maria, essa tarefa desenvolveria a capacidade de relacionar as partes do texto. Além
dessas atividades, num segundo momento, a docente realizou leituras coletivas dos textos
trabalhados, por meio de rodas de leitura.
Enquanto as primeiras atividades tinham como fim fazer com que os alunos refletissem,
de forma dinâmica, acerca de aspectos constitutivos do movimento da análise textual,
posteriormente, nas leituras coletivas, a docente tinha como propósito auxiliá-los a
compreender o conteúdo temático presente nos textos trabalhados, bem como levá-los a
desenvolver uma leitura crítica e ativa.
Essa mesma estratégia de realizar leituras coletivas foi utilizada pela professora Fabiana
depois de uma experiência vivenciada por nós e pelos graduandos, quando ela precisou se
ausentar por conta de uma reunião. Na ocasião, tínhamos chegado à faculdade para observar a
aula, quando a docente ligou e nos pediu que assumíssemos o encontro, realizando uma análise
do texto Psicologia, trabalho institucional e medicalização. Como o texto apresentava
elementos específicos da psicologia, não conseguimos compreendê-lo em sua essência. Por
isso, na aula seguinte, conversamos com a professora e explicamos o porquê de a atividade não
112

ter sido realizada. Falamos a respeito das especificidades dos termos da psicologia e sobre a
exigência de conhecimentos prévios da área para a compreensão efetiva do mesmo.
A partir disso, em todas as aulas, Fabiana realizava leituras coletivas dos textos, embora
não as fizesse por meio de rodas. Foi gratificante perceber que, ainda que fortuitamente,
conseguimos fazer com que a docente refletisse sobre como é natural o conflito vivenciado
pelos graduandos em compreender os textos acadêmicos, como pode ser visto no trecho que
segue.

Gostei muito da sua contribuição, nos fazendo pensar sobre a importância da


leitura acadêmica acompanhada (acho que os termos que você usou eram
outros, mas a ideia era de fazermos uma leitura em sala e mediada por mim
para que os conceitos/ termos mais complexos/ técnicos pudessem ser melhor
compreendidos pela turma). Funcionou bem isso e percebi que já vinham
realizando esta forma de apresentação do conteúdo em outras turmas também.

Consideramos os encaminhamentos adotados pelas docentes, no que tange à


compreensão dos textos acadêmicos, significativos no sentido de que os alunos participaram
ativamente das discussões presentes. Sentiam-se inseridos, interagiam e relatavam suas
vivências. Ademais, as diversas percepções pontuadas pelos graduandos sobre um mesmo texto
enriqueciam significamente as discussões. Acrescentamos, ainda, que acreditamos que esse
obstáculo pode ser considerado comum, uma vez que, em grande parte dos textos socializados
na graduação, os autores utilizam “termos específicos que somente especialistas vão
reconhecer” (BECKER, 2015, p. 60).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por que concluir não é terminar, é alargar a ideia geral.


Howard Becker

Iniciamos a última seção, reiterando que as principais motivações para realizar este
estudo foram as experiências vivenciadas, durante o curso do mestrado, acerca das tensões
113

encontradas para lidar com a linguagem acadêmica, bem como os resultados obtidos na
investigação realizada naquela ocasião. Por isso, nesta pesquisa retomamos e, de certa forma,
damos continuidade a algumas reflexões anteriores sobre o letramento.
Cientes dos limites e das possibilidades que esta investigação nos permite e, inteirados
de que, como nos diz Becker, na epígrafe que inicia o texto, “concluir não é terminar”,
pontuamos algumas conclusões que as análises dos dados gerados nos permitiram. Antes de
tratarmos de tais considerações, fizemos uma breve incursão sobre os principais conceitos
utilizados para iluminar nosso objeto de estudo.
Com base no quadro teórico central dos Novos Estudos do Letramento (STREET, 1984,
2014; GEE, 1999; SCRIBER e COLE, 1981; HEATH, 1983), buscamos situar o panorama atual
das reflexões acerca do letramento - sobretudo do letramento de domínio acadêmico –
compreendido como um conjunto de práticas letradas situadas em contextos sociais específicos
e influenciadas pelos contextos político, cultural e socioeconômico que permeiam tais práticas.
Fica evidente, assim, que compreender o letramento sob essa perspectiva, significa reconhecer
que, para cada esfera em que circula e para cada papel social que o falante assume, faz-se
necessária a aquisição/aprendizagem de um letramento específico. Daí a utilização do conceito
de múltiplos letramentos.
Na pesquisa em tela, inserimos uma lente nas interações que ocorreram no contexto
acadêmico. Quando ingressam nesse nível de ensino, os estudantes se deparam com uma
diversidade de práticas letradas que, até então, não faziam parte de seus respectivos repertórios.
Em outras palavras, os textos, a maneira de agir e interagir são distintos daqueles que faziam
parte de outros níveis de escolarização. A partir desse panorama, surgem os conflitos de
identidade, pois, como afirma Fischer, “há muita diferença entre quem são e quem são
solicitados a ser e a desempenhar na esfera acadêmica” (2007, p. 113-114).
Por causa dessa diversidade de letramentos, é possível afirmar que, ainda que os
discentes sejam competentes leitores e produtores de textos, a aquisição dessas novas
linguagens não é assimilada de forma automática. Isso significa que, embora “estudantes
pertencentes a minorias linguísticas possam enfrentar dificuldades em grau mais acentuado do
que outros”, as barreiras acerca da compreensão e produção textual são vivenciadas pela
maioria dos alunos, na transição do ensino médio para o ensino superior (LEA e STREET,
2014, p. 482). Em nossa realidade, acrescenta-se a esse aspecto a limitação de parcela
114

significativa dos estudantes brasileiros no que tange às habilidades de leitura e escrita como
mostram os dados dos resultados obtidos em avaliações como PISA55 e ENEM56.
Os pesquisadores que se debruçaram sobre o tema afirmam que essas reflexões que
envolvem o letramento não são, comumente, esclarecidas ou até mesmo compreendidas pelos
docentes do ensino superior. Em função disso, eles acabam atribuindo a característica de
iletrado aos graduandos, instaurando, assim, o discurso do déficit, conforme mencionado no
primeiro capítulo.
Considerando todos esses apontamentos, os pesquisadores dos Novos Estudos do
Letramento buscaram verificar as percepções acerca da escrita, bem como os encaminhamentos
adotados a partir de tais compreensões por parte dos professores. Desse modo, citaram três
modelos de escritas: modelo das habilidades de estudo, modelo da socialização acadêmica e
modelo dos letramentos acadêmicos.
A escrita como habilidade de estudo –ancorada no modelo autônomo de letramento- é
analisada como um conjunto de habilidades cognitivas e individuais que, uma vez apreendido,
dá conta de inserir o falante em qualquer contexto onde a linguagem se faça presente. A
perspectiva letramentos acadêmicos, baseada no modelo ideológico do letramento, compreende
a escrita como prática social. Duas são as principais proposições assinaladas nessa concepção.
Em primeiro lugar, embora se reconheça a importância de se realizar um trabalho sistemático
acerca da variedade padrão adequada para o discurso acadêmico, é proposto que esse trabalho
seja realizado de forma contextualizada, a partir dos estudos dos gêneros discursivos,
considerados como a principal ferramenta de ensino e aprendizagem da linguagem. Em segundo

55
A avaliação de letramento em leitura do PISA é construída sobre três características. São elas: situação: refere-
se à gama de contextos ou finalidades amplas aos quais se aplica a leitura; texto: refere-se aos materiais lidos;
aspecto: refere-se à abordagem cognitiva, que determina como os leitores se envolvem com o texto. Neste relatório,
comparam-se os resultados do Brasil com os de países da América Latina que tiveram resultados válidos no PISA
2015 (Colômbia, Costa Rica, Chile, México, Peru, Uruguai e República Dominicana), com os de três países que
se destacam por apresentar resultados próximos à média dos membros da OCDE (Estados Unidos, Espanha e
Portugal) e com os de três países com resultados superiores à média dos da OCDE (Canadá, Coreia do Sul e
Finlândia).No Brasil, 51,0% dos estudantes estão abaixo do nível 2 em leitura, patamar que a OCDE estabelece
como necessário para que os jovens possam exercer plenamente sua cidadania. Dentre esses países, o Brasil ocupou
a décima segunda posição nos resultados de 2015. Disponível em: <
http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2015/pisa2015_completo_final_baixa.pdf>.
Acesso em: 30 de jun. 2017.
56
O Exame Nacional do Ensino Médio avalia o desempenho dos alunos em Ciências Humanas e suas tecnologias,
Ciências da Natureza e suas tecnologias, Linguagens, Códigos e suas tecnologias, Matemática e suas tecnologias
e Redação. Na categoria Redação, é solicitada a produção de um texto dissertativo-argumentativo a partir de uma
situação-problema (política, social ou cultural). Os resultados divulgados acerca da avaliação aplicada, em 2016,
mostram que diminuiu o número de alunos que conseguiram tirar a nota máxima na redação do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) e aumentou a quantidade daqueles que tiraram zero no último ano. Disponível em:
http://g1.globo.com/educacao/noticia/cai-numero-de-alunos-com-nota-mil-na-redacao-do-enem-e-sobe-total-de-
zero.ghtml. Acesso em: 01 de jul. 2017.
115

lugar, é sugerido que as produções textuais sejam realizadas em situações reais de comunicação.
O modelo socialização acadêmica aproxima-se do modelo letramentos acadêmicos no que
concerne aos estudos dos gêneros discursivos, mas se distancia no que diz respeito às situações
concretas de uso dos mesmos.
Tendo como bases esses pressupostos, como registramos na Introdução, a presente
pesquisa objetivou identificar as principais ações desenvolvidas que promovem o letramento
de domínio acadêmico pela instituição analisada. Para isso, buscamos responder às seguintes
questões de investigação: a) Existe (em) disciplina (as) específica (as) voltada (as) para abordar
o letramento de domínio acadêmico? b) Quais são os modelos de escrita e as concepções de
letramento privilegiados? c) Até que ponto um encaminhamento pedagógico que abarque os
pressupostos do modelo de escrita “letramentos acadêmicos” interfere na aprendizagem de
novas práticas letradas? d) Quais são os principais desafios encontrados pelos graduandos, no
que tange aos usos da linguagem no âmbito acadêmico?
A respeito da primeira questão, a universidade oferece duas disciplinas destinadas à
orientação da linguagem acadêmica: OLE I e OLE II. A disciplina OLE I é considerada
obrigatória nos primeiros períodos de cinco dos sete cursos oferecidos pela instituição. Estavam
matriculados nessa disciplina alunos de cursos e períodos distintos. Já a disciplina OLE II
integra o grupo de disciplinas optativas, sendo disponibilizada apenas no curso de Pedagogia.
Por isso, embora estivessem matriculados em períodos diferentes, todos os alunos cursavam
Pedagogia.
A ementa da disciplina OLI I aproxima-se dos pressupostos do modelo de escrita
letramentos acadêmicos, enquanto OLE II afina-se com as considerações do modelo de escrita
habilidades de estudo. Destacamos que, no período das observações, ambas as ementas não
foram consideradas pelas docentes.
De acordo com pressupostos teóricos dos letramentos acadêmicos, um dos objetivos das
disciplinas dos cursos de graduação, sobretudo, as disciplinas da natureza de OLE I e OLE II,
“é dispor de modo conjunto de práticas de letramento apropriadas a cada cenário e lidar com
sentidos sociais e identidades que cada prática evoca” (LEA e STREET, 2014, p. 478). Isso
significa que os docentes precisam trabalhar um repertório de práticas letradas que contemplem
os gêneros discursivos por meio dos quais os alunos irão interagir, no âmbito acadêmico em
que estão inseridos, de modo que essas práticas sejam analisadas de forma contextualizada, ou
seja, numa situação real de comunicação, para que eles possam compreender o sentido das
mesmas.
116

Sob essa ótica, existe, então, a complexidade de se ter alunos de diferentes cursos numa
mesma turma como acontece, no contexto em análise, posto que os discentes do curso de Física,
por exemplo, interagem por meio de alguns gêneros discursivos distintos dos estudantes do
curso de Pedagogia. Por essa razão, seria razoável que apenas os gêneros comuns a diversas
áreas, tais como, resumo, resenha, projeto de pesquisa, fossem trabalhados em turmas mistas,
mas que, em determinado momento, as especificidades de cada curso fossem consideradas.
Além dessa advertência, assinalamos que as professoras Maria e Fabiana que ministram,
respectivamente, essas duas disciplinas relacionadas à leitura e à escrita acadêmica, não
possuem a qualificação adequada para o magistério de Português (graduação em Letras).
No período das observações, ficou notório que as professoras reconheciam a
importância desse profissional para auxiliar os discentes. Além disso, afirmavam que, devido
ao fato de não possuírem a formação específica para ministrar as disciplinas, tinham ciência de
que realizavam um trabalho insuficiente. Destacamos que as docentes não escondiam e
identificavam suas limitações no desejo de ajudar os alunos.
Quando questionamos as professoras o porquê de terem escolhido trabalhar com essas
disciplinas, ambas responderam que, apesar da falta de formação, o que as motivou a ministrá-
las foi perceber a angústia vivenciada pelos graduandos, quando eram solicitados a produzir e
a compreender os textos acadêmicos. Maria pronunciou inúmeras vezes: “eu não sou
especialista no assunto, mas vejo a dificuldade dos alunos em escrever e ler, por isso me propus
trabalhar OLE I”. De forma semelhante, Fabiana destacou: “não sou da área de escrita, leitura,
produção textual, língua portuguesa ou qualquer coisa que o valha, mas preciso ajudar os
alunos”.
Na contramão dessa visão, tem se acentuado o número de estudos, conforme
mencionado anteriormente, que apontam que os docentes, incluindo os da área de Letras, se
eximam dessa tarefa, utilizando, como argumento, o fato de que os alunos deviam chegar
“prontos” à universidade, no que diz respeito aos conhecimentos sobre a produção e a
compreensão dos gêneros acadêmicos. Por essa razão, faz-se necessário destacar como aspecto
positivo, no cenário em estudo que, ainda que as docentes não possuam formação específica,
elas se mobilizam, dentro das suas possibilidades, na tentativa de auxiliar os graduandos a se
inserirem no Discurso acadêmico.
Como estratégia para atingir esse propósito, Maria e Fabiana tentaram “desbloquear” os
estudantes, tranquilizá-los, atraí-los para a escrita acadêmica, investindo nos aspectos afetivos
da relação professor-aluno. Para isso, a professora Fabiana compartilhou sua experiência em
117

relação às dificuldades encontradas de acessar as práticas letradas com os quais se deparou


quando cursava a graduação, como pode ser visto no trecho a seguir

Quando eu li seu texto, lembrei de um trabalho de Economia que eu fiz no


primeiro período, eu tinha um professor que era muito ausente, ele deve ter
dado quatro aulas no semestre inteiro e pediu um trabalho no final do semestre,
mas pelo menos ele corrigiu o trabalho, porque quando ele entregou o
trabalho, eu vi as anotações dele e fez sentido. Ele escreveu para mim que eu
havia ficado muito presa ao texto e que poderia ter escrito com minhas
palavras. É a mesma coisa que falo para você. Isso acontece!

Em síntese, verificamos que as professoras reconhecem os obstáculos enfrentados pelos


graduandos para produzir e compreender os gêneros discursivos acadêmicos. Entretanto, ao
contrário do que concluíram os pesquisadores dos NSL em se tratando da percepção dos
docentes sobre esse fato, ambas compreendem que esses conflitos fazem parte do processo de
inserção dos alunos no ensino superior - percepção que vai ao encontro do que é proposto pelos
teóricos dos NLS.
Além de esclarecer para os alunos que as tensões vivenciadas acerca dos usos da
linguagem faziam parte do processo de inserção na esfera acadêmica, Maria fazia questão de
enfatizar que estava tentando cooperar, considerando suas experiências enquanto graduanda.
Em relação à segunda questão, destacamos que, ora as atividades contemplaram
algumas proposições do modelo de escrita letramentos acadêmicos – percebemos que as
mesmas foram significativas -, ora, em maior representatividade, se aproximavam das
compreensões do modelo de escrita habilidades de estudo. Acrescentamos ainda que, essa
predominância de práticas ancoradas no modelo habilidades de estudo, levou os graduandos a
relacionarem a linguagem acadêmica à aquisição de um vocabulário mais rebuscado e à grafia
correta das palavras.
Sobre práticas significativas, destacamos as estratégias didáticas adotadas pelas
docentes para trabalhar a compreensão textual. Maria e Fabiana utilizaram, como método, a
leitura coletiva por meio de rodas de leitura. Assim, os graduandos se envolveram com o tema
da leitura, trazendo para a discussão suas experiências, e realizaram análises críticas dos textos
trabalhados. Além dessas práticas, percebemos que, quando as docentes ofereciam aos
graduandos os feedbacks das produções textuais, - tanto sobre o uso da variedade padrão da
língua como acerca das relações das partes dos textos - ainda que esses retornos não viessem
seguidos de explicações ou estratégias para sanar as deficiências diagnosticadas por elas, foram
relevantes no sentido de auxiliarem os graduandos a depreender e visualizar tais aspectos.
118

Não obstante esses pontos positivos, importantes aspectos técnicos da escrita acadêmica
foram ignorados ou abordados muito superficialmente. Reiteramos que, a partir das análises,
foi possível concluir que o modelo de escrita habilidades de estudo foi predominante, ou seja,
encontramos mais ênfase em questões gramaticais (ortografia, pontuação, regência,
concordância etc) do que em aspectos relativos às características dos textos que circulam na
academia.
É provável que o que tenha levado a esse quadro seja a formação das professoras - que
não se consideram preparadas para determinadas atividades, mas que, assim mesmo, para
“ajudar”, acabam tentando cobrir o que uma profissional da área, provavelmente, faria com
maior êxito - e o próprio perfil da turma, que apresenta conflitos para lidar com a variedade
padrão da língua. Isso significa que existe um paralelo entre a precariedade da formação
profissional dos docentes e a formação “insuficiente” dos alunos no que se refere aos usos da
linguagem formal.
No tocante aos gêneros discursivos acadêmicos, as docentes não abordaram as
características dos mesmos nem apontaram em que gênero as referidas produções solicitadas se
concretizariam, exceto na aula que Maria solicitou aos estudantes que elaborassem um
glossário. Ressaltamos que ambas utilizaram textos pertencentes a diversos gêneros
discursivos, entretanto esses textos foram trabalhados apenas como meio para compartilhar o
conhecimento, não como objeto de ensino-aprendizagem da escrita acadêmica e nem para
alcançar os objetivos propostos na ementa.
Além disso, verificamos que as regras de produção e as expectativas das docentes em
relação à produção textual dos alunos, em grande parte dos eventos, não foram explicitadas.
Nestes casos, podemos dizer que Maria e Fabiana adotaram a prática do mistério (Lillis, 1999).
É nesse sentido que Andrade afirma que, na academia, “a escrita e a leitura se realizam,
portanto, mas não se fala sobre seus modos de fazer”. A pesquisadora afirma ainda que os
professores universitários “abstêm-se de produzir uma racionalidade clara e tornar esta prática
uma conduta regulada de forma explícita” (2004, p.1).
Essas reflexões nos levaram a concluir que, embora as docentes compreendam os
conflitos vivenciados pelos graduandos no que concerne aos usos da escrita acadêmica e tentem
auxiliá-los, os encaminhamentos pedagógicos utilizados não englobam todas as tensões que
eles vivenciam no processo de transição do ensino médio para o ensino superior, sendo
considerados, portanto, insuficientes para inseri-los na esfera acadêmica.
Pareceu-nos que os conteúdos são insuficientes para atender às necessidades dos alunos,
que desconhecem as convenções básicas dos gêneros discursivos acadêmicos, e cometem
119

desvios gramaticais em matéria de concordância verbal, pontuação, etc. Sendo assim, os


graduandos precisam melhorar seus conhecimentos sobre a norma culta, tanto quanto precisam
aprender as características dos gêneros discursivos acadêmicos.
Abrimos um parêntese para trazer à reflexão mais um ponto. Trata-se da significativa
inserção dos alunos em eventos acadêmicos de diversas naturezas. Quase todos os graduandos
que responderam à entrevista, que cursavam a partir do segundo período, já haviam participado
de algum tipo de atividade de pesquisa (congressos, Pibid, seminários e afins). A participação
nesses eventos é de suma importância para a efetiva inserção dos estudantes no contexto
acadêmico, pois, como afirma Street, a compreensão da prática de letramento não ocorre de
forma imediata, é necessário que os falantes aprofundem-se nas culturas e ideologias que fazem
parte de determinado Discurso (2014).
Essa consideração se coaduna com a trajetória da aluna Kétsia que, quando ingressou
no curso de Pedagogia, segundo ela, apresentava muita dificuldade em escrever e compreender
os textos acadêmicos. Todavia, as inúmeras participações nos eventos acadêmicos e as aulas de
linguagem – a aluna afirmou que teve um excelente professor de OLE I quando cursou a
disciplina - contribuíram para sua efetiva inserção na esfera acadêmica. As observações acerca
do percurso de Kétsia nos levaram a concluir que, ainda que os estudantes se insiram na
graduação apresentando inúmeros conflitos em lidar com a linguagem acadêmica, é possível,
por meio de um trabalho sistematizado que contemple reflexões e participações em práticas
letradas acadêmicas, que eles desenvolvam o letramento de domínio acadêmico no decorrer do
curso.
Retomando a análise dos modelos de escrita, o resultado obtido nesta pesquisa e na
investigação realizada no mestrado (MELLO, 2014), no que concerne à utilização do modelo
de escrita prevalente, vai ao encontro dos achados de Lea e Street que concluíram que “até o
momento, tanto em nível universitário quanto em nível fundamental e médio, os modelos de
habilidades e socialização têm guiado o desenvolvimento de currículos de práticas didáticas
bem como de pesquisas”. (2014, p. 479). Acreditamos que o motivo dessa distância entre o que
é proposto e o que de fato acontece em termos de ensino da escrita, em sala aula, decorra do
fato de que muitos docentes desconhecem essa nova compreensão da linguagem, com efeito,
não incorporaram, em suas práticas, atividades que contemplem os pressupostos da mesma.
Partimos do princípio de que as proposições do modelo de escrita letramentos
acadêmicos possam trazer subsídios significativos no que diz respeito ao ensino da escrita
acadêmica. No entanto, não deparamos com nenhuma prática letrada que tenha contemplado,
de fato, todos os pressupostos desse modelo para que pudéssemos analisar como que essa teoria
120

se concretiza na prática e o que dela resulta. Por isso, quando fomos solicitados a ministrar uma
aula na disciplina OLI II, aproveitamos a oportunidade para realizar um trabalho que abarcasse
as compreensões acerca dessa perspectiva de escrita – a conclusão à que chegamos responde à
terceira questão desta pesquisa.
Na ocasião, como havia um número expressivo de alunos terminando seus trabalhos de
conclusão de curso e a docente havia solicitado a participação dos mesmos no evento científico
promovido pela própria instituição, propusemos a elaboração de resumos acadêmicos das
referidas pesquisas, a fim de enviá-los para a socialização no evento. Assim, pudemos trabalhar
duas características centrais do modelo de escrita letramentos acadêmicas, a saber, o gênero
discursivo como ferramenta de ensino e aprendizagem da linguagem e a utilização do mesmo
em uma situação concreta de uso.
Com base nas análises dos resumos produzidos pelos graduandos, foi possível perceber
que a atividade proposta com base no modelo letramentos acadêmicos não só melhorou o
desempenho dos alunos, mas também a motivação e o envolvimento em participar do evento
que envolvia a produção textual.
Sobre a quarta questão, os graduandos apontaram os seguintes conflitos: 1) ordenar as
ideias; 2) produzir gêneros discursivos solicitados e reconhecer suas características; 3) aplicar
os aspectos formais da escrita e 4) compreender os textos acadêmicos.
Surpreendeu-nos perceber que os conflitos apontados pelos discentes foram os mesmos
diagnosticados pelas docentes, exceto o obstáculo que concerne às características dos gêneros
acadêmicos, tensões também mencionadas por alunos de cursos e períodos distintos.
Acerca das atividades propostas que contemplaram tais tensões, como destacamos
anteriormente, consideramos que o encaminhamento pedagógico utilizado por ambas as
docentes para trabalhar a compreensão textual foi relevante, tendo em vista o envolvimento e
as reflexões críticas, acerca dos textos analisados, realizadas pelos graduandos.
Segundo os discentes, todos esses conflitos sinalizados os levaram a enfrentar outro
obstáculo: a insegurança. Um número expressivo de graduandos afirmou que se sentiam muito
inseguros em relação à escrita e à compreensão dos textos acadêmicos e que, por conta disso,
tinham vergonha de se expor. Essa sensação de insegurança por parte dos alunos, foi
diagnosticada também pelo sociólogo Becker (2015) em seus estudos que, para tentar amenizá-
la, procurava conscientizar os estudantes de que a universidade é lugar de permanente
aprendizagem. No tocante a essa questão, no contexto em estudo, os graduandos afirmavam
que as professoras transmitiram confiança para eles e que isso fazia “toda a diferença”.
121

A aluna Kétsia, referenciada em outro momento por ter se inserido no Discurso


acadêmico, disse na entrevista: “penso que com isso (confiança, leitura e uma professora que
acreditasse em mim) fui capaz de fazer todos os resumos, artigos e projetos que foram pedidos
ao longo do curso”. Tudo isso nos leva a considerar que a falta de segurança é outro fator que
influencia o processo de inserção dos discentes.
Ao constatar e analisar os inúmeros conflitos vivenciados pelos graduandos,
questionamo-nos: Por que tão poucos alunos se inscrevem nas disciplinas OLE I e OLE II? Os
professores integrantes do grupo de pesquisa LAPPIS acreditam que existe essa discrepância
entre o número de vagas disponibilizadas e o número de alunos matriculados porque os alunos
se sentem constrangidos em se matricular em uma disciplina que objetiva, na visão deles,
ensinar a ler e a escrever. Assis (2015) afirma não ser incomum que os professores e os
estudantes vejam as disciplinas relacionadas à orientação de leitura e escrita na academia como
disciplinas menores, uma vez que elas, supostamente, abordam saberes menos centrais para a
formação. Acrescentamos a esses apontamos o fato de que os discentes e, até mesmo alguns
docentes, desconhecem as questões que envolvem a multiplicidade de letramento, ou seja, não
têm consciência de que, para circular na esfera acadêmica, faz-se necessário conhecer outro
tipo de letramento, o letramento de domínio acadêmico.
Embora o número de matrículas nas disciplinas destinadas à orientação de leitura e
escrita fosse inexpressivo, os graduandos que ali estavam inscritos, bem como as docentes,
reconheciam e acreditavam no potencial da disciplina como demonstram os excertos:

Tenho dificuldade em produzir texto porque estou começando agora e não tive
um bom professor de OLE I. (Davi, 2º período de Pedagogia).
O pessoal que está terminando não teve OLE I, foi um professor que não vinha
trabalhar, era um professor substituto que veio três vezes. Nós não temos
professor de OLI, fizemos um concurso para professor de língua portuguesa,
mas ninguém foi aprovado. Esse é o problema, porque hoje eles ainda não
sabem essas questões que deveriam ter aprendido em OLE I, mas não tem
problema. (professora OLE II).

Em síntese, para a realização deste estudo, levantamos um arsenal teórico que pudesse
dialogar com a problemática das tensões vivenciadas pelos discentes em relação aos usos da
linguagem acadêmica. A partir das análises do objeto de estudo verificamos algumas limitações,
no contexto analisado, tais como, a falta de formação específica de professoras, a qualificação
de alguns estudantes, práticas letradas pouco relevantes etc.
Não obstante esses obstáculos, as docentes alcançaram êxito, se superando ao
conseguirem transmitir segurança para os alunos, e, consequentemente, fazendo com que se
sentissem mais seguros para a escrita. Além disso, as práticas que contemplaram a compreensão
122

textual foram importantes, uma vez que contribuíram para a formação de leitores críticos e
reflexivos. De modo geral, tudo indica que os problemas apontados na pesquisa continuam no
ensino superior e, nem sempre, são levados em conta, em vista do desconhecimento de
encaminhamentos teóricos para saná-los e da indiferença dos professores (a maioria) em achar
que esses problemas não lhes concernem (“não vou ensinar a escrever, porque esse não é o meu
papel”). Outro indício da displicência com a questão aqui analisada é o número insignificante
de teses nessa área.
Todas essas reflexões nos fazem reiterar a importância da realização de um trabalho
ancorado na perspectiva de escrita letramentos acadêmicos, tendo em vista que as práticas
baseadas nesse modelo envolvem inúmeros aspectos apontados pelos discentes como
obstáculos: variedade padrão da língua, gêneros discursivos, questão de identidade e poder que
as práticas letradas evocam entre outros. Além disso, fazem-nos pensar na necessidade de se
criarem políticas que visem a auxiliar os discentes a se inserirem, de fato, nesses espaços
acadêmicos. Esses alunos, com suas carências e fragilidades, estão presentes na universidade e,
para ali estarem, passaram por um processo de seleção. E agora?
Acreditamos que agora é preciso institucionalizar as práticas de letramento de domínio
acadêmico, por meio da elaboração de currículo que contemple um repertório de práticas
linguísticas considerável que dê conta de inserir os discentes nos distintos contextos e
disciplinas a que são expostos. Para isso, é preciso que haja uma mobilização, por parte das
instituições, a fim de “conscientizar/ esclarecer” os docentes de todas as áreas - posto que o
letramento acadêmico melhora o desempenho geral - sobre a importância de auxiliar os
estudantes a se inserirem, efetivamente, na esfera acadêmica, sobretudo, no tocante às práticas
leitoras e escriturais acadêmicas. Nossas leituras enquanto pesquisadores e professores nos
levam a considerar a urgência dessas ações a fim de que o ensino da linguagem, no contexto
acadêmico, não sofra a mesma desvalorização vivenciada pelo ensino da literatura, no Ensino
Médio, como aponta Perrone-Moisés (2016).
Encerramos essa etapa da pesquisa esclarecendo que, embora tenhamos focalizado as
questões linguísticas, nossa preocupação é, sobretudo, social. Os dados oriundos desse estudo
de que, alguns graduandos que não conseguem se inserir, de forma efetiva, nas práticas letradas,
chegam a abandonar o curso, fazem com que essa questão seja uma preocupação constante para
nós. Em consequência disso, continuaremos refletindo acerca das questões que envolvem a
linguagem acadêmica, na busca por meios para amenizar os conflitos vivenciados pelos
estudantes no processo de inserção no ensino superior. Esperamos que a pesquisa realizada nos
dê pistas para encontrarmos alternativas para um problema que grassa nas universidades.
123

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ANEXO A – MATRIZ CURRICULAR DO CURSO DE PEDAGOGIA
135
136
137
138

ANEXO B – EMENTA DISCIPLINA OLE I

CURSO: GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA


TITULAÇÃO: LICENCIATURA
Estrutura Curricular (EC)
FORMULÁRIO Nº 13 – ESPECIFICAÇÃO DA DISCIPLINA/ATIVIDADE

CONTEÚDO DE ESTUDOS
LEITURA E ESCRITA

Nome da Código CRIAÇÃO (X )

Disciplina/Atividade
OFICINA DE LEITURA E ESCRITA GEM 00088 ALTERAÇÃO: NOME ( ) CH ( )

DEPARTAMENTO/COORDENAÇÃO DE EXECUÇÃO: EDUCAÇÃO MATEMÁTICA


CARGA HORÁRIA TOTAL: 60 H TEÓRICA: 30 PRÁTICA: 30 ESTÁGIO:
DISCIPLINA/ATIVIDADE: OBRIGATÓRIA ( X ) OPTATIVA ( ) AC ( )

OBJETIVOS DA DISCIPLINA/ATIVIDADE:
Fornecer subsídios e oportunidades aos licenciandos para o desenvolvimento de capacidades e habilidades
referentes à leitura, compreensão, interpretação e redação de textos acadêmicos, uma vez que elas são
fundamentais a sua formação inicial e continuada.

DESCRIÇÃO DA EMENTA:
A leitura e a escrita como práticas sociais. Expressão oral e escrita. Tipos e modalidades de textos. Registros de
linguagem. Leitura, compreensão, interpretação e análise de textos acadêmicos. Coesão e coerência textuais.
Produção de textos. Aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos da língua relevantes para a
produção de textos acadêmicos.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA:
FAULSTICH, E. L. DE J. Como ler, entender e redigir um texto. Petrópolis, Vozes, 1988.
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GRA MSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. 1979.
PROUST, M. Sobre a Leitura. Campinas, SP, Pontes, 1989.
SERAFINI, M. T. Como escrever textos. 3ª ed. São Paulo, Ed. Globo, 1989.
SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. São Paulo, Cortez, 2000.

DISCIPLINA OFERECIDA PARA O (S) SEGUINTE (S) CURSO (S) :

GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA-LICENCIATURA
139

ANEXO C – PRODUÇÕES TEXTUAIS (RELATOS)

Essa foto de uma chave pra mim foi como estivéssemos vivendo em um mundo que está preso
dentre de uma, caixa, e que ali as pessoas estão presas, com um coração cheio de ódio, dor,
angústia. Diante de tudo que nos deparamos no mundo atual é praticamente isso que estamos
vivendo, radiados de pessoas assim, são poucas ao que pensam diferente; o mundo está cheio
de violência, e como seria bom se essa chave abrisse essa caixa, para libertar esses corações
cheio de tanta maldade. E a partir do momento que essa caixa se abrisse um mundo novo
existiria e com pessoas dispostas a amar ao próximo. (Sâmia).

Hoje venho falar de uma cidade na qual eu fui, e fiquei encantada, com sua beleza e formosura.
Porém ouço falar que as pessoas que moram lá passam por muitas necessidades, incluindo fome
e pobreza e no entanto a televisão nos passa uma ideia totalmente diferente.
Quem sabe um dia isso tudo pode ser mudado.
Espero um dia poder voltar lá. Bahia de todos os santos. (Aline).
140

(Fábia)
Uma família vinda de um dos grandes centros urbanos, acostumada aos maus hábitos
alimentares das metrópoles, a se alimentar de industrializados e dos fast foods, se propuseram
a experimentar sabores mais saudáveis. Alimentos fresquinhos, direto da terra, preparados no
fogão a lenha comida da roça. E não é que o novo sabor conquistou o paladar de todos, que se
comprometeu a aderir novas formas de alimentação, afinal sabor não tem que se separar de
saúde.

Uma casa com apenas um morados, esse fato torna essa casa triste, sem alegria. O café da
manhã, apesar de farto em alimentos, não é o mesmo de antes em que existia a família por perto.
Nem mesmo o jarro de flores traz um pouco de alegria em meio essa solidão. (Wagner).
141

Contexto Fotografia
Depois de seis anos ele voltou lá. Pareceu muito mais por causa da saudade...
A casa de campo, ou melhor, a casa de roça, onde passara tantos momentos felizes de férias
com os primos e as irmãs.
E a despeito de toda a paisagem, de tanta comida gostosa feita no fogão a lenha e as
brincadeiras, algumas coisas simples ficaram marcadas de forma muito especial.
O velho lampião a vela que segundo ele mesmo, fazia a gente "sentir falta de um tempo em que
não viveu."
E as três chaves "mágicas"!
Uma abria o velho baú, uma o velho paiol e a outra, o armário rústico da sala.
Não resistiu. Acendeu a vela e abriu todas as três portas. Viajou no tempo e se emocionou.
(Juliano).

Uma casa de madeira, rústica, o melhor amigo do homem junto a 3 crianças, um velho homem
(avô) em seu momento mais prazeroso, sim o mais prazeroso. Pois quando se conta uma história
o leitor (avô) viaja junto aos ouvintes na imaginação de seus netos vendo vários mundos e
visões saudosas dos seus tempos de juventude.
142

A natureza, o equilíbrio perfeito entre a vida e a morte. Algo que funciona um respeitando o
outro, compreendendo, aceitando. Aqui não existe guerra, ganância, soberba, discriminação. O
objetivo aqui é simples. Nascer. Não importa se dentro da água, escondido em um tronco ou
uma poça [...] qualquer. Aqui não existe definição para luxo. Aqui é apenas um lugar para se
viver. (Leonardo).
143

ANEXO D – DINÂMICA AVENIDA COMPLICADA


144

ANEXO E – HISTÓRIA DA MOÇA E DO REI


145

ANEXO F – PRODUÇÕES TEXTUAIS (DESFECHO DO CONTO)


146

ANEXO G – PRECISAMOS FALAR SOBRE A VIDA ACADÊMICA


Precisamos falar sobre a vaidade na vida acadêmica
Combater o mito da genialidade, a perversidade dos pequenos poderes e os "donos de
Foucault" é fundamental para termos uma universidade melhor
A vaidade intelectual marca a vida acadêmica. Por trás do ego inflado, há uma máquina
nefasta, marcada por brigas de núcleos, seitas, grosserias, humilhações, assédios, concursos e
seleções fraudulentas. Mas em que medida nós mesmos não estamos perpetuando essemodus
operandi para sobreviver no sistema? Poderíamos começar esse exercício auto reflexivo nos
perguntando: estamos dividindo nossos colegas entre os “fracos” (ou os medíocres) e os “fodas”
(“o cara é bom”).
As fronteiras entre fracos e 'fodas' começam nas bolsas de iniciação científica da
graduação. No novo status de bolsista, o aluno começa a mudar a sua linguagem. Sem
discernimento, brigas de orientadores são reproduzidas. Há brigas de todos os tipos: pessoais
(aquele casal que se pegava nos anos 1970 e até hoje briga nos corredores), teóricas (marxistas
para cá; weberianos para lá) e disciplinares (antropólogos que acham sociólogos rasos
generalistas, na mesma proporção em que sociólogos acham antropólogos bichos estranhos que
falam de si mesmos).
A entrada no mestrado, no doutorado e a volta do doutorado sanduíches vão demarcando
novos status, o que se alia a uma fase da vida em que mudar o mundo já não é tão importante
quanto publicar um artigo em revista qualis A1 (que quase ninguém vai ler).
Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, dizíamos que quando alguém entrava
no mestrado, trocava a mochila por pasta de couro. A linguagem, a vestimenta e o ethosmudam
gradualmente. E essa mudança pode ser positiva, desde que acompanhada por maior crítica ao
sistema e maior autocrítica – e não o contrário.
A formação de um acadêmico passa por uma verdadeira batalha interna em que ele precisa ser
um gênio. As consequências dessa postura podem ser trágicas, desdobrando-se em dois
possíveis cenários igualmente predadores: a destruição do colega e a destruição de si próprio.
O primeiro cenário engloba vários tipos de pessoas (1) aqueles que migraram para uma
área completamente diferente na pós-graduação; (2) os que retornaram à academia depois de
um longo tempo; (3) os alunos de origem menos privilegiada; (4) ou que têm a autoestima baixa
ou são tímidos. Há uma grande chance destas pessoas serem trituradas por não dominarem
o ethos local e tachadas de “fracos”.
Os seminários e as exposições orais são marcados pela performance: coloca-se a mão
no queixo, descabela-se um pouco, olha-se para cima, faz-se um silêncio charmoso
acompanhado por um impactante “ãaaahhh”, que geralmente termina com um “enfim” (que não
era, de fato, um “enfim”). Muitos alunos se sentem oprimidos nesse contexto de pouca
objetividade da sala de aula. Eles acreditam na genialidade daqueles alunos que dominaram a
técnica da exposição de conceitos.
Hoje, como professora, tenho preocupações mais sérias como estes alunos que
acreditam que os colegas são brilhantes. Muitos deles desenvolvem depressão, acreditam em
sua inferioridade, abandonam o curso e não é raro a tentativa de suicídio como resultado de um
ego anulado e destruído em um ambiente de pressão, que deveria ser construtivo e não
destrutivo.
Mas o opressor, o “foda”, também sofre. Todo aquele que se acha “bom” sabe que, bem
lá no fundo, não é bem assim. Isso pode ser igualmente destrutivo. É comum que uma pessoa
que sustentou seu personagem por muitos anos, chegue na hora de escrever e bloqueie.
Imagine a pressão de alguém que acreditou a vida toda que era foda e agora se encontra
frente a frente com seu maior inimigo: a folha em branco do Word. É “a hora do vâmo vê”. O
aluno não consegue escrever, entra em depressão, o que pode resultar no abandono da tese. Esse
147

aluno também é vítima de um sistema que reproduziu sem saber; é vítima de seu próprio
personagem que lhe impõe uma pressão interna brutal.
No fim das contas, não é raro que o “fraco” seja o cavalinho que saiu atrasado e faça
seu trabalho com modéstia e sucesso, ao passo que o “foda” não termine o trabalho. Ademais,
se lermos o TCC, dissertação ou tese do “fraco” e do “foda”, chegaremos à conclusão de que
eles são muito parecidos.
A gradação entre alunos é muito menor do que se imagina. Gênios são raros.
Enroladores se multiplicam. Soar inteligente é fácil (é apenas uma técnica e não uma capacidade
inata), difícil é ter algo objetivo e relevante socialmente a dizer.
Ser simples e objetivo nem sempre é fácil em uma tradição “inspirada” (para não dizer
colonizada) na erudição francesa que, na conjuntura da França, faz todo o sentido, mas não
necessariamente no Brasil, onde somos um país composto majoritariamente por pessoas
despossuídas de capitais diversos.
É preciso barrar imediatamente este sistema. A função da universidade não é anular
egos, mas construí-los. Se não dermos um basta a esse modelo a continuidade desta carreira só
piora. Criam-se anti-professores que humilham alunos em sala de aula, reunião de pesquisa e
bancas. Anti-professores coagem para serem citados e abusam moral (e até sexualmente) de
seus subalternos.
Anti-professores não estimulam o pensamento criativo: por que não Marx e Weber?
Anti-professores acreditam em lattes e têm prazer com a possibilidade de dar um parecer
anônimo, onde a covardia pode rolar às soltas.
O dono do Foucault
Uma vez, na graduação, aos 19 anos, eu passei dias lendo um texto de Foucault e me
arrisquei a fazer comparações. Um professor, que era o dono do Foucault, me disse: “não é
assim para citar Foucault”.
Sua atitude antipedagógica, anti-autônoma e anti-criativa, me fez deixar esse autor de
lado por muitos anos até o dia em que eu tive que assumir a lecture “Foucault” em meu atual
emprego. Corrigindo um ensaio, eu quase disse a um aluno, que fazia um uso superficial do
conceito de discurso, “não é bem assim...”.
Seria automático reproduzir os mecanismos que me podaram. É a vingança do oprimido.
A única forma de cortamos isso é por meio da autocrítica constante. É preciso apontar
superficialidade, mas isso deve ser um convite ao aprofundamento. Esquece-se facilmente que,
em uma universidade, o compromisso primordial do professor é pedagógico com seus alunos,
e não narcisista consigo mesmo.
Quais os valores que imperam na academia? Precisamos menos de enrolação, frases de
efeitos, jogo de palavras, textos longos e desconexos, frases imensas, “donos de Foucault”. Se
quisermos que o conhecimento seja um caminho à autonomia, precisamos de mais liberdade,
criatividade, objetividade, simplicidade, solidariedade e humildade.
O dia em que eu entendi que a vida acadêmica é composta por trabalho duro e não
genialidade, eu tirei um peso imenso de mim. Aprendi a me levar menos a sério. Meus artigos
rejeitados e concursos que fiquei entre as últimas colocações não me doem nem um pouquinho.
Quando o valor que impera é a genialidade, cria-se uma “ilusão autobiográfica” linear e
coerente, em que o fracasso é colocado embaixo do tapete. É preciso desconstruir o tabu que
existe em torno da rejeição.
Como professora, posso afirmar que o número de alunos que choraram em meu
escritório é maior do que os que se dizem felizes. A vida acadêmica não precisa ser essa
máquina trituradora de pressões múltiplas. Ela pode ser simples, mas isso só acontece quando
abandonamos o mito da genialidade, cortamos as seitas acadêmicas e construímos alianças
colaborativas.
148

Nós mesmos criamos a nossa trajetória. Em um mundo em que invejas andam às soltas
em um sistema de aparências, é preciso acreditar na honestidade e na seriedade que reside em
nossas pesquisas.
Transformação
Tudo depende em quem queremos nos espelhar. A perversidade dos pequenos poderes
é apenas uma parte da história. Minha própria trajetória como aluna foi marcada por
orientadoras e orientadores generosos que me deram liberdade única e nunca me pediram nada
em troca.
Assim como conheci muitos colegas que se tornaram pessoas amargas (e eternamente
em busca da fama entre meia dúzia), também tive muitos colegas que hoje possuem uma atitude
generosa, engajada e encorajadora em relação aos seus alunos.
Vaidade pessoal, casos de fraude em concursos e seleções de mestrado e doutorado são
apenas uma parte da história da academia brasileira. Tem outra parte que versa sobre
criatividade e liberdade que nenhum outro lugar do mundo tem igual. E essa criatividade,
somada à colaboração, que precisa ser explorada, e não podada.
Hoje, o Brasil tem um dos cenários mais animadores do mundo. Há uma nova geração
de cotistas ou bolsistas Prouni e Fies, que veem a universidade com olhos críticos, que desafiam
a supremacia das camadas médias brancas que se perpetuavam nas universidades
e desconstroem os paradigmas da meritocracia.
Soma-se a isso o frescor político dos corredores das universidades no pós-junho e o
movimento feminista que só cresce. Uma geração questionadora da autoridade, cansada dos
velhos paradigmas. É para esta geração que eu deixo um apelo: não troquem o sonho de mudar
o mundo pela pasta de couro em cima do muro.
registrado em: Rosana Pinheiro-Machado
149

ANEXO H – VOCABULÁRIO PRODUZIDO PELOS DISCENTES


Vocabulário
1. Abduzir: afastar, arrebatar e raptar
2. Acesso: ato de ingressar; entrada, ingresso.
3. Acessórios
4. Acrimônia: azedume e mordacidade
5. Açucena
6. Adstrito: unido, ligado e apertado
7. Algoritmo:sequência finita de regras, raciocínios ou operações que, aplicada a um
número finito de dados, permite solucionar classes semelhantes de problemas.
8. Anseio: ato de possuir um grande desejo por alguma coisa ou por alguém: anseios de
felicidade. Sensação ou condição daquele que possui alguma preocupação, aflição ou
sofrimento.
9. Ansioso
10. Antivírus: programa destinado a proteção do computador.
11. Apreensão
12. Ascensão
13. Atrasado
14. Autossuficiência
15. Belicoso: agressivo, guerreiro e armífero
16. Biorritmo
17. Bochecha: parte carnosa ou proeminente de cada uma das faces.
18. Capcioso: enganoso, manhoso e ardiloso
19. Chistoso: brincalhão, engraçado e divertido
20. Coalizão: aliança e coligação
21. Cominar: ameaçar (com um castigo)
22. Concessão
23. Conexão: ligação, união, vínculo.
24. Consenso
25. Consociação: conciliação e associação
26. Contrassenso
27. Convicção: ação ou efeito de convencer outra pessoa.
28. Corolário: resultado, conclusão e conseqüência
29. Dissentir: discordar e discrepar
30. Eflúvio: perfume e aroma
31. Elucubrações: conjectura, consideração e especulação
32. Empedernido: petrificado, duro e inflexível
33. Engodar: enganar e iludir
34. Enxaqueca: dor que afeta apenas um dos lados da cabeça e que é acompanhada de
náuseas e, às vezes, de vômitos.
35. Escassez
36. Exceção
37. Excepcional: diferente; que não se apresenta igual a; festa excepcional. incomum; que
não é comum.
150

38. Execução
39. Exonerar
40. Exorcizar
41. Exórdio: prólogo e preâmbulo
42. Expansão
43. Florescer: fazer brotar flores.
44. Gorjeta: dinheiro que se oferece a alguém como gratificação por um serviço prestado.
45. Homizio: esconderijo e valhacouto
46. Idiossincrasia: característica e particularidade
47. Ígneo: ardente e inflamado
48. Influição
49. Influição: influência e influxo
50. Informatização: ato ou efeito de informatizar.
51. Intoxicação: ação ou enfeito de intoxicar (envenenar); ato de
intoxicar-se; envenenamento.
52. Jaez: espécie, tipo e qualidade
53. Lauto: abundante e suntuoso
54. Loquaz: tagarela e falador
55. Maciço
56. Majestoso
57. Mediatário: mediador
58. Minimizar: verbo transitivo direto. reduzir ao mínimo.
59. Minissaia
60. Obsessão
61. Opróbrio: vergonha, ofensa e insulto
62. Oscular: beijar
63. Osmose
64. Pecúlio: dinheiro, economia e patrimônio
65. Perdulário: esbanjador e gastador
66. Pernóstico: pretensioso, esnobe e afetado
67. Plaga: região e país
68. Pretensão
69. Procissão: marcha religiosa em que os padres, outros sacerdotes e fiéis desfilam,
segurando imagens santificadas; entoam cantos e/ou fazem orações em cortejo.
70. Procrastinar: adiar e postergar
71. Projeção
72. Prolegômenos: princípios e rudimentos
73. Quimera: fantasia, utopia e ilusão
74. Quiséssemos
75. Reiniciar: iniciar novamente.
76. Renascença: ato ou efeito de renascer; renascimento.
77. Resetar: reconfigurar, geralmente restabelecendo uma configuração inicial.
78. Rubicundo: avermelhado e corado
79. Sessão
151

80. Sistema: conjunto de elementos, concretos ou abstratos, intelectualmente organizado


81. Sucção
82. Suspensão
83. Tergiversar: hesitar (com desculpas e rodeios)
84. Tigela
85. Ufanismo: nacionalismo e patriotismo
86. Vicissitudes: eventualidade e contingência
87. Vitupério: afronta, injúria e ultraje
88. Vulnerabilidade: qualidade ou estado do que é ou se encontra vulnerável.
152

ANEXO I – EMENTA DISCIPLINA OLE II

CURSO: GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA


TITULAÇÃO:LICENCIATURA
Estrutura Curricular (EC)
FORMULÁRIO Nº 13– ESPECIFICAÇÃO DA DISCIPLINA/ATIVIDADE

CONTEÚDO DE ESTUDOS
Lingua Portuguesa

Nome da Código CRIAÇÃO (X )

Disciplina/Atividade
OFICINA DE LEITURA E ESCRITA II PCH00056 ALTERAÇÃO: NOME( ) CH ( )

DEPARTAMENTO /COORDENAÇÃO DE EXECUÇÃO:PCH


CARGA HORÁRIA TOTAL:60 H TEÓRICA: 30 PRÁTICA: 30 ESTÁGIO:
DISCIPLINA/ATIVIDADE:OBRIGATÓRIA ( ) OPTATIVA ( X ) AC ( )

OBJETIVOS DA DISCIPLINA/ATIVIDADE:
- Investigar as concepções de leitura e escrita em uma perspectiva teórico-prática;
- Exercitar a leitura e a escrita em produções textuais individuais e coletivas;
- Identificar a relação entre linguagem e educação em seus desdobramentos pedagógicos;
- Interagir verbalmente com colegas, professores e autores em consonância com as variações linguísticas
exigidas;
- Identificar e exercitar os aspectos cognitivos exigidos no aprimoramento da leitura e da escrita;
- Utilizar a norma culta da Língua Portuguesa em atividades de revisão e correção textual;
- Investigar as especificidades do ensino da Língua Materna.
DESCRIÇÃO DA EMENTA:
Leitura e escrita como experiência. Ler e escrever no âmbito do estudo, aprendizagem e ensino. A relação entre
Linguagem e Educação. Interações verbais. Produção e leitura de textos. Aspectos cognitivos da leitura e
escrita. A norma culta da língua portuguesa. Revisão e correção textual. Especificidades do ensino de língua. O
texto na sala de aula.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA:
BLOOM, Harold. Como e por que ler. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença.4ª ed, São Paulo: Perspectiva, 2014.
LACERDA, Mitsi Pinheiro (org.). A escrita inscrita na formação docente. Rio de Janeiro: Rovelle, 2009.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:
LARROSA, Jorge. Estudar. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
_______________. Linguagem e Educação depois de Babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
ORLANDI, Eni. Discurso e Leitura. 9ª ed.São Paulo: Cortez, 2012.
DISCIPLINA OFERECIDA PARA O (S)SEGUINTE (S) CURSO (S) : GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA-LICENCIATURA
153

ANEXO J – PRODUÇÃO TEXTUAL (FLAVIANA)


154

ANEXO K – PRODUÇÃO TEXTUAL (REGINALDO)


155
156

ANEXO L – PRODUÇÃO TEXTUAL (GABRIELA)


157
158

ANEXO M – PRODUÇÃO TEXTUAL (KÉTSIA)


159
160

ANEXO N – PRODUÇÃO TEXTUAL (RIANA)


161
162

ANEXO O – PRODUÇÃO TEXTUAL (DAVI)


163
164

ANEXO P – SOBRE AS CARACTERÍSTICAS DO RESUMO ACADÊMICO


165
166

ANEXO Q – PRODUÇÃO TEXTUAL (BÁRBARA)

“O vídeo cita o plano nacional de combate ao tráfico que incentivaa internação


compulsória dos usuários de crack em clínicas particulares de psiquiatria com intuito de
“ajudar” pessoas diagnosticadas com vícios de drogas tratando usuários como doente mental.
Afirma que as comunidades terapêuticas para onde levam esses usuários como a volta dos
manicômios. Sendo como diz o vídeo, o retrocesso da reforma psiquiatra onde deveria ser um
tratamento público de qualidade por conta da falta de meio de tratamento digno, visto que no
manicômio o tratamento é feito a partir de choque e outras torturas físicas.
Esta volta dos sistemas de manicômio seria o retorno da prática higienista de limpeza
das ruas e da população, apenas um lugar onde se depositam as pessoas que não de adéquam a
sociedade.
A chamada epidemia de crack juntamente com a internação compulsória formaram um
grande lucro para os hospitais psiquiátricos particulares e as empresas farmacológicas. Os
hospitais recebem por números de pacientes e não por qualidade sendo assim uma privatização
da saúde pública.
A luta anti manicomial nasceu dia 18 de maio de 1997 para acabar com tais práticas
lutando pelos direitos dos doentes mentais, combatendo a idéia de isolamento dessas pessoas
que têm o direito de liberdade e a viver em sociedade. Defendendo a substituição dos hospitais
psiquiátricos por serviços abertos de tratamento de forma diversificada com diferentes formas
de tratamento, implicando uma ampla atenção a rede e promovendo autonomia dessas pessoas
e seus familiares. Além disso, deve se articular com as áreas de ação social, educação etc.
A luta hoje é pelo fechamento dos centros psiquiátricos privados e incentivo pela
abertura de mais CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) 24h além de uma plena melhoria da
qualidade dos serviços apresentados e outras formas de auxílios dessas práticas que
desestimulama internação dos doentes mentais.”

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