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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO EDUCAÇÃO, SOCIEDADE, CONHECIMENTO

Processos dialógico-dialéticos de orientação acadêmica como trabalho pedagógico: dos cursos


de licenciatura aos programas de pós-graduação em educação e em estudos da linguagem –
análises preambulares

Projeto de Pesquisa apresentado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica -


PIBIC / CNPq / UFF/ 2023 / 2024

Proponente: Prof.ª Dr.ª Jéssica do Nascimento Rodrigues


Matrícula SIAPE: 1520160
Matrícula UFF: 15201600
Bolsista: Rafaela Garcia Estrela
Matrícula: 12010065
Grande área: Ciências Humanas
Área: Educação
Sub-área: Tópicos específicos de educação (7.08.07.00‐0)
Palavras-chave: Orientação acadêmica. Trabalho Pedagógico. Análise Dialógica do Discurso.
Educação. Estudos da Linguagem.
Local de desenvolvimento: Programa de Alfabetização e Leitura (PROALE), Faculdade de
Educação (FEUFF), Campus do Gragoatá, Bloco D, sala 405.
Resumo: Este projeto versa sobre a orientação acadêmica como trabalho pedagógico de formação de
profissionais-professores-pesquisadores em programas de pós-graduação em educação e em estudos
da linguagem (mestrado acadêmico), os quais atuam em escolas públicas municipais e estaduais do
Rio de Janeiro. O objetivo é conhecer e analisar os discursos sobre orientação acadêmica
materializados em documentos oficiais e elaborados nos processos dialógicos-dialéticos de orientação
acadêmica, segundo discursivizam professores da rede pública de educação básica ingressantes
nesses programas em 2024 e/ou 2025. Qualitativa, descritiva e exploratória, esta proposta abarca
quatro fases. A fase 1, de 2023-2024, a que se refere este projeto, engloba: a revisão bibliográfica
sobre o tema; a exploração dos sites dos programas de pós-graduação em educação e em estudos da
linguagem da UFF e da UNIRIO para a leitura crítica de documentos que fazem referência aos
processos de orientação acadêmica (regulamentos, resoluções, instruções de serviço, editais etc.); a
realização da leitura crítica do Plano Nacional de Pós-graduação (PNPG) de 2011-2020 no tocante às
referências ao processo de orientação acadêmica; e o acompanhamento da elaboração do PNPG de
2021-2030, atualmente em consulta pública. As fases seguintes serão contempladas após aprovação
do CEP: desde a descrição do perfil socioeconômico e de formação dos ingressantes até a análise dos
discursos a respeito das expectativas em torno dos processos dialético-dialógicos de orientação
acadêmica. As análises e a discussão estarão ancoradas no dialogismo bakhtiniano.
1 Introdução e justificativa
O Grupo de Estudos e Pesquisa em Leitura e Escrita Acadêmica (GEPLEA) e o programa de
ensino e extensão Laboratório de Letramentos Acadêmicos (LabLA), criados e mantidos no âmbito
da Faculdade de Educação e do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense (UFF), em
Niterói, RJ, são uma única comunidade acadêmica, nos termos de Ferreira (2017), interessada em
investigar as práticas discursivas produzidas em duas esferas da atividade humana, na sua intersecção:
a escola e a universidade. Ademais, é no espaço do LabLA que oferecemos a professores da rede
pública e a estudantes de cursos de licenciatura ações coletivas de ensino e extensão voltadas a
práticas de leitura-escrita situadas nessas esferas discursivas. Ambos os projetos existem desde 2019
e, hoje, abarcam e atraem sujeitos de várias instituições do país, cientes da necessidade de ampliação
do debate em torno da educação linguística nas escolas e nas universidades.
Embora sejamos uma comunidade acadêmica interdisciplinar, tendemos a enfatizar que
partimos de uma perspectiva de linguagem como visão de mundo, visão dialógica de mundo (BRAIT,
2012), questão cara a quem se integra à filosofia da linguagem bakhtiniana e relaciona,
organicamente, a linguagem e a existência numa perspectiva marxista do sentido e da significação.
Os fatos linguísticos têm natureza social e dimensão histórica; por isso, encontramo-nos por vezes
com a literatura freiriana, visto que a palavra é compreendida no concreto, como palavramundo
(FREIRE, 2011). O dialogismo constitutivo – permanente diálogo interdiscursos – e o dialogismo
composicional – os nexos estabelecidos entre o eu e o outro nesse processo – formam a corrente
discursiva de caráter dialógico-dialético. Como cada campo da atividade humana elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, textos concretos, os chamados gêneros do discurso, não é difícil
admitir que em cada esfera discursiva a linguagem será uma manifestação situada no tempo-espaço
específico no qual os enunciados são elaborados a partir de avaliações sociais dos sujeitos históricos.
Nessa combinação entre as dimensões histórica e intersubjetiva, ancoramos as nossas bases para uma
possível análise dialógica do discurso (ADD).
No conjunto das atividades do GEPLEA e do LabLA, um sem-número de problemáticas tem-
nos chegado pelas vozes sociais de estudantes de cursos de licenciatura da UFF e de fora dela,
desorientados nas práticas de leitura-escrita acadêmica ainda com marcas da cultura escolar – assim
como pelas vozes sociais de professores de escolas públicas, desejosos pelo retorno à universidade,
porque dela não se sentem ou nunca se sentiram partícipes. Em 2021 e 2022, por exemplo, o LabLA
ofereceu, em coletivo, o curso gratuito O Gênero Projeto de Pesquisa exclusivamente para
professores que desejam concorrer a uma vaga em mestrados acadêmicos em educação. O alarmante
número de inscritos seguido do paulatino número de desistentes ao longo dos nove encontros
quinzenais chamou-nos a atenção aos limites materiais e não materiais impostos a professores, no
chão da escola, para a realização do “sonho” da pós-graduação. Os relatos de repulsa à esfera
discursiva acadêmica e de paixão pela escola pública nos parecem um dado da realidade de extrema
validade para os rumos das investigações do GEPLEA, impulsionando-nos a procurar entender
melhor a formação do profissional-professor-pesquisador nas licenciaturas brasileiras, em especial na
de nossa instituição – a UFF. Só em Niterói, são 19 cursos de licenciatura, dentre os quais 10 requerem
a escrita de um trabalho monográfico individual sob orientação de professor mais experientes.
Os dois projetos de pesquisa, agora em fase final, que temos buscado levar a bom termo,
decorrem do panorama sinteticamente apresentado. Principais desafios de licenciandos em
Pedagogia e Letras da Universidade Federal Fluminense, campus Gragoatá, nas práticas de leitura
e escrita de gêneros discursivos acadêmicos, aprovação CEP CAAE 40092120.4.0000.5243, e
Relações dialógicas entre orientadores/as e orientandos/as: os processos de ensino-aprendizagem
da pesquisa e da docência mediante produção do gênero discursivo monografia nos cursos de
licenciatura da UFF, aprovação CEP CAAE 40092020.8.0000.5243, ambos realizados com bolsistas
PIBIC, já nos abrem alguns caminhos viáveis. No cotejo com outras vozes sociais, reforçam a
escassez de pesquisas interessadas na leitura-escrita acadêmica na formação inicial de professores e,
ao mesmo tempo, acentuam o nosso olhar coletivo sobre o caráter medular do trabalho pedagógico
de professores universitários, no que está a orientação acadêmica.
Mas como os orientadores/as se formam ou, melhor dizendo, são formados do ponto de vista
profissional? Na verdade, quem forma e como (con)forma os orientadores/as acadêmicos/as desde a
graduação? Como tais sujeitos históricos compreendem o trabalho pedagógico da orientação? Como
as práticas dialógicas de orientação colaboram com a formação de professores da educação básica no
âmbito das licenciaturas? Tais questionamentos, dentre outros, que permearam as duas pesquisas
supracitadas, tendem a reforçar que, ainda hoje, a orientação acadêmica é uma prática que professores
universitários conhecem no próprio processo de orientação pelo qual passaram na graduação
(sobretudo nos tempos atuais mediante exigência de escrita de monografias e artigos científicos,
também chamados de TCC), no mestrado e no doutorado. É possível, por um lado, garantir que se
ampliam as investigações sobre as práticas de leitura-escrita no universo da pós-graduação diante da
preocupação com a formação de pesquisadores brasileiros e com o êxito na avaliação dos programas
stricto sensu na régua do produtivismo acadêmico; por outro, asseguramos a insuficiência de estudos
que penetrem nas esferas da graduação e, mormente, dos cursos de licenciatura.
Massi e Giordan (2017), nesse sentido, fazem um levantamento na literatura nacional e
internacional sobre a formação do orientador, buscando identificar as temáticas relacionadas, e nos
ajudam na correlação do tema não só com a formação científica de pesquisadores, mas com a de
professores. Num cenário agudizado a partir da década de 1990, os autores citam, por exemplo, as
influências no Brasil e na Europa do modelo estadunidense de avaliação e financiamento de
pesquisas, o que, sem dúvida, resvala nas condições materiais de realização do trabalho pedagógico
da orientação. Por isso, antes, é preciso abordar as atuais - mas não novas - condições materiais de
realização do trabalho de orientação nas universidades públicas brasileiras, a começar pelo volume
de tarefas acumuladas no cotidiano de ensino, pesquisa e extensão no contexto do capitalismo
acadêmico (SLAUGHTER; LESLIE, 1997) caracterizado pela pedagogia de resultados. O foco recai
sobre o resultado, em razão da aceleração do tempo de conclusão dos cursos de mestrado e doutorado,
secundarizando o processo mesmo de elaboração da pesquisa e do texto dela decorrente. A qualidade
do trabalho formativo, que é coletivo - orientador-orientando-comunidade acadêmica - se imiscui na
velocidade de apresentação de resultados para o mundo via publicações em revistas especializadas e
na competição decorrente da necessidade de financiamento às pesquisas acadêmicas, muitas delas
voltadas para o mercado. Nessas condições sócio-históricas e ideológicas, os cursos de licenciatura
perdem espaço, mas dão lugar, ao mesmo tempo, ao ideário neoliberal da educação.
Costa, Sousa e Silva (2014) demonstram ainda que os textos nacionais são minoria do cenário
internacional e, dentre os publicados, o foco maior é os cursos de doutorado e a atuação de professores
orientadores, que precisam produzir pesquisa e publicar em quantidade. Por isso mesmo, Massi e
Giordan (2017) constatam a necessidade de realização de mais estudos sobre orientação acadêmica,
tema que, para nós, ainda não angariou seu devido espaço nas instituições de ensino superior, mesmo
que orientadores e orientandos pareçam ter consciência de que o processo de orientação é condição
sine qua non para a formação de futuros pesquisadores. Outros dados importantes desse estudo são:
(i) as lacunas no entendimento do que é a relação orientador-orientando e a incipiência das pesquisas
sobre orientação acadêmica no Brasil; (ii) o quantitativo significativo de pesquisas que focalizam a
orientação do estágio curricular docente no Brasil, mas não a orientação acadêmica.
Não cabe aqui retomar todas as pesquisas, mas apontar algumas conclusões a que as brasileiras
chegam: (i) escassez de estudos sobre orientação como atividade de professores universitários na
formação de professores pesquisadores; (ii) abordagem superficial e insuficiente da orientação na
legislação brasileira, havendo uma única referência na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional - LDB (BRASIL, 1996), especificamente na seção destinada à organização educacional
brasileira, artigo 64. Ainda que orientadores de estágios docentes em cursos de licenciatura no ensino
superior sejam citados superficialmente, em raros documentos, não há menção à função que
desempenham ou deveriam desempenhar. Concluímos, sem muito esforço, que a inexistência de
formação específica para tanto - a formação de orientadores - decorre da incerteza sobre o que é
orientar. Soma-se a isso o fato de o trabalho de orientação na graduação, ainda hoje, ser realizado por
muitos orientadores/as que não escreveram TCC, em especial a monografia. Em razão disso, não vale
a pena limitar os estudos à responsabilização desses professores e sua formação anterior, ao que
acrescentamos os estudantes e suas histórias de letramento.
Nesse contexto, este projeto, que será desenvolvido durante três a quatro anos, se limitará aos
programas de pós-graduação em educação e em estudos da linguagem porque são as áreas em que
atuam os pesquisadores do GEPLEA. Partiremos, para isso, de quatro blocos de questões de estudo.
Primeiro bloco de análise documental: Quais são os documentos oficiais disponíveis nos sites dos
programas de pós-graduação em educação e em estudos da linguagem disponíveis para consulta
pública que apresentam referências para o trabalho pedagógico de orientação acadêmica? O que
dizem esses documentos? O que também apresenta o Plano Nacional de Pós-graduação (PNPG) do
período de 2011 a 2020 no tocante às referências ao processo de orientação acadêmica? O que já está
sinalizado na elaboração do PNPG do período de 2021 a 2030, atualmente em período de consulta
pública (Edital CAPES 45/2022)? Segundo bloco de descrição dos papéis sociais: Qual é o perfil
socioeconômico e de formação de professores da rede pública municipal e estadual do Estado do Rio
de Janeiro, os quais ingressarão em 2024 e/ou 2025 nos programas de pós-graduação (mestrado
acadêmico) em educação e estudos da linguagem de duas IES federais localizadas no Rio de Janeiro,
a UFF e a UNIRIO? Como e sob quais condições conciliam o espaço-tempo da escola e o espaço-
tempo da universidade sendo estas esferas discursivas? Terceiro bloco de leitura das “memórias de
passado” (BAKHTIN, 2017): No contexto das licenciaturas cursadas em momento anterior, esses
mestrandos-ingressantes elaboraram monografias sob a orientação acadêmica de um professor? Se
sim, como foi a experiência vivida no processo dialógico-dialético de orientação acadêmica? As
monografias elaboradas dialogam com as propostas de dissertação? Quarto bloco de “memórias de
futuro” (BAKHTIN, 2017): Quais são as expectativas desses mestrandos-ingressantes com relação à
orientação acadêmica de um professor no mestrado? Como/em quais aspectos esses mestrandos-
ingressantes relacionam a formação de professores e seu trabalho na escola pública com a formação
na pós-graduação stricto sensu?
Para além da fragilidade das pesquisas brasileiras sobre a orientação acadêmica como trabalho
pedagógico de professores universitários, justificamos esta pesquisa dada a necessidade de
exploração da problemática no contexto de capitalismo acadêmico à brasileira, cujas raízes estão da
construção histórica de nossa universidade e nas forças políticas que ainda disputam projetos distintos
de educação e de sociedade. A formação de professores em cursos de licenciatura de instituições
públicas de ensino superior ainda é a base dos processos formais e não formais de educação escolar,
é na universidade que formamos agentes de letramento que não só replicam conteúdos de um
currículo oficial, mas sim que produzem saberes e conhecimentos no bojo da educação linguística
permanente e transversal que defendem.
2 Objetivos
Objetivo geral: conhecer e analisar os discursos sobre orientação acadêmica materializados em
documentos oficiais e elaborados nos processos dialógicos-dialéticos de orientação acadêmica,
segundo professores da rede pública de educação básica ingressantes em programas de pós-graduação
em educação e em estudos da linguagem de duas universidades federais, a saber: UFF e UNIRIO.
Objetivos específicos:
(i) Explorar os sites dos programas de pós-graduação em educação e em estudos da linguagem da
UFF e da UNIRIO para a leitura crítica de documentos que façam referência aos processos de
orientação acadêmica no mestrado (regulamentos, resoluções, instruções de serviço, editais etc.);
(ii) Realizar a leitura crítica do Plano Nacional de Pós-graduação (PNPG) do período de 2011 a 2020
no tocante às referências ao processo de orientação acadêmica e acompanhar a elaboração do PNPG
do período de 2021 a 2030, atualmente em consulta pública (Edital CAPES 45/2022);
(iii) Descrever o perfil socioeconômico e formativo de professores da rede pública municipal e
estadual de ensino do Estado do Rio de Janeiro, os quais ingressarão em 2024 e/ou 2025 nos
programas de pós-graduação (mestrado acadêmico) em educação e em estudos da linguagem de duas
IES federais do Rio de Janeiro, sendo elas UFF e UNIRIO, considerando as condições materiais e
não materiais de conciliação entre o espaço-tempo da escola e o da universidade;
(iv) Identificar ingressantes que elaboraram monografias sob a orientação acadêmica de um professor
e, dentre os identificados, analisar os discursos a respeito dos processos dialético-dialógicos de
orientação acadêmica na graduação e possíveis encaminhamentos para o mestrado acadêmico.
(v) Analisar os discursos a respeito das expectativas em torno dos processos dialético-dialógicos de
orientação acadêmica no programa de pós-graduação, em especial no mestrado, e a respeito das
relações que esses mestrandos-ingressantes produzem sobre a formação de professores e seu trabalho
na escola pública com a formação na pós-graduação em educação.
3 Metodologia e forma de análise dos resultados
O filósofo da linguagem, Mikhail Bakhtin, n’a Estética da criação verbal, apresenta as
premissas de que partimos para a construção metodológica desta investigação, não perdendo jamais
de vista “a postura dialógica diante do corpus discursivo” (BRAIT, 2012, p. 29, grifos da autora),
pois nisto está a análise das especificidades discursivas e o nosso compromisso ético enquanto
pesquisadores. O texto – reconhecidamente enunciado concreto, gênero do discurso – é o nosso ponto
de partida, o sujeito histórico o nosso objeto. Na esfera do discurso acadêmico, considerado campo
da atividade humana, há um repertório de gêneros do discurso que, no movimento histórico,
desenvolve-se, modifica-se, complexifica-se, sempre na relação com a base material. Por isso, sua
estabilidade é falsa. Se uma esfera discursiva se modifica junto às mudanças da história e da língua,
Bakhtin (2011) nos leva a defender a heterogeneidade constitutiva da linguagem em função da
situação, da posição das vozes discursivas e das relações sociais de reciprocidade entre os sujeitos
expressivos. Logo, os indícios do dialogismo que constitui as linguagens acadêmico-científicas estão
na semiótica das suas ideologias (BRAIT, 2017).
Rohling (2014), em contribuição importantíssima para os pesquisadores que têm se dedicado à
ADD, apresenta as concepções epistemológicas e metodológicas dessas investigações. De base
bakhtiniana, a ADD se concentra nas produções discursivas - enunciados concretos e suas tonalidades
dialógicas - situadas nas esferas discursivas, ou esferas da atividade humana, a exemplo da esfera
discursiva acadêmica, foco desta proposta de investigação. Como explica Ponzio (2011), a
enunciação é a unidade de base, porque situada, produzida de alguém para alguém, socialmente
determinada. Nesse sentido, “palavra”, “enunciação”, tem duplo viés, direciona-se a um objeto e a
uma outra palavra. Ademais, segundo Bakhtin (2011), são duas as suas peculiaridades constitutivas:
a alternância dos sujeitos do discurso e a conclusibilidade específica, que torna o enunciado uma
produção irrepetível.
Dialogismo, portanto, é um dos conceitos centrais nessa perspectiva, já que estudar o discurso
é olhar para as relações dialógicas matizadas pelas posições axiológicas dos sujeitos nos atos
concretos da vida. Quando falamos em ato, percebemos a atenção à materialidade da linguagem em
uso, em movimento, em processo. A teoria dialógica, como a entendemos, coloca em cena a dupla
discurso-diálogo uma vez que todo discurso é constituído de relações dialógicas, é esta sua natureza
e orientação. “Essa orientação dialógica do discurso - dialogicidade interna do discurso que penetra
os estratos semânticos e expressivos da língua manifesta-se de duas formas: pela orientação para o
já-dito e pela orientação para a resposta” (ROHLING, 2014, p. 45). Nessa direção, um sujeito
histórico e expressivo, situado, portanto, elabora uma compreensão ativa e atitude responsiva-ativa
ao se deparar com a palavra alheia, com o discurso do outro. Nós, pesquisadores, na ADD, também
nos posicionamos responsiva-ativamente nos estudos com os outros sujeitos, produzindo, assim, a
palavra própria repleta de outras vozes sociais e posicionamentos axiológicos. O nosso olhar é sempre
particular: “o pesquisador seleciona seu objeto a partir de um determinado horizonte axiológico,
permeado de uma série de já ditos sobre o tema da pesquisa” (ROHLING, 2014, p. 48).
Rohling (2014), Brait (2012, 2017), Sobral (2012), Geraldi (2018), dentre outros, afirmam não
haver uma metodologia formalizada por Mikhail Bakhtin para a ADD. Não acreditamos, nesse
sentido, que seja possível a limitação de metodologias ou a realização de análises muito inflexíveis
até porque “[...] o interpretador é parte do enunciado a ser interpretado, do texto (ou melhor, dos
enunciados, do diálogo entre estes), entra nele como um novo participante” (BAKHTIN, 2011, p.
329). Isso significa recuperar que, inclusive na ciência, o pesquisador, que não é neutro, se relaciona
com o objeto mediado por seu horizonte avaliativo. Nós entramos em diálogo com os outros discursos
que observamos no percurso investigativo e os cotejamos com os discursos antes produzidos; nesse
sentido, nosso objeto não é meramente “coletado”, mas sim construído na relação dialógica.
Segundo Brait (2012), o que se espera dos pesquisadores é uma postura investigativa
bakhtiniana, uma postura dialógica. Munidos de sua arquitetura, podemos fazer emergir os elementos
necessários para a construção dos nossos caminhos de análise, já que, na ADD, não há categorias a
priori (ROHLING, 2014, p. 47): “as categorias emergem das relativas regularidades dos dados, que
são observadas/ apreendidas no percurso da pesquisa” (ROHLING, 2014). Como pesquisador e
objeto de pesquisa vivenciam uma relação dialógica e constitutiva, é coerente afirmar que fazer
ciência é construir significados, é posicionar-se, é apresentar. Os horizontes valorativos, axiológicos,
permeiam os discursos dos pesquisadores, os quais, na ADD, devem, como princípio, afinar uma
escuta de alteridade (PONZIO, 2011) e uma tomada de posição exotópica (SOBRAL, 2012). Os dados
são os discursos sócio-historicamente constituídos, nos quais observamos as particularidades
discursivas, as quais apontam para aspectos extralinguísticos, buscando, segundo Rohling (2014), o
estável e o instável, o dado e o criado, o geral e o particular. A ADD é uma análise metalinguística, é
um tipo de estudo que considera a obra como linguagem viva, concreta, que, na dialogia, são
enunciados, assumidos por sujeitos e seus posicionamentos axiológicos.
Destri e Marchezan (2021) fazem um levantamento, do tipo revisão sistemática, em um
conjunto de bases de dados tanto para a busca de artigos quanto de livros que tenham contribuições
para a ADD. Destacam que os textos encontrados e selecionados para leitura integral apresentam
abordagens metodológicas singulares, cujos eixos são (i) as relações dialógicas, (ii) os gêneros do
discurso e (iii) as formas da língua. O primeiro eixo - as relações dialógicas - parte da realização
mesma da linguagem, a linguagem em uso. Logo, a unidade de análise é o enunciado, irrepetível, e
por isso não pode ser traduzido até o fim (BAKHTIN, 2011). O segundo eixo - os gêneros do discurso
- viabiliza a observação das circunstâncias das esferas discursivas, indicando que os gêneros ora são
os próprios objetos ora são critérios para a delimitação do estudo. No caso, para Destri e Marchezan
(2021), o cronotopo é a porta de entrada para os estudos dos gêneros do discurso, pois o referido
conceito não separa os acontecimentos espaço-temporais e as formas de discurso. Por fim, o terceiro
eixo - as formas da língua - refere-se à materialidade do texto, pois destaca que, na metalinguística,
os próprios recursos linguísticos são selecionados e mobilizados ideologicamente, de acordo com o
horizonte valorativo dos sujeitos, afinal todo signo é ideológico. As marcas linguísticas são analisadas
do ponto de vista do discurso. Neste projeto, relações dialógicas, gêneros do discurso e formas da
língua serão analisados em sua unidade, porque não apartamos o formal e o discursivo.
Consoante Sobral (2012), há três planos a serem observados numa pesquisa de base
bakhtiniana: o plano teórico, o plano ético e o plano estético. Acreditamos que tais planos dialogam
com as dimensões práxica, ética e estética que embasam a nossa análise sobre a formação de
professores (DECONTO; OSTERMANN, 2021). O plano teórico relaciona os aspectos
generalizáveis e os aspectos particulares do fenômeno; o ético, as expectativas do pesquisador e a
realidade do fenômeno; o estético, o caráter de construção arquitetônica de toda pesquisa. Por isso,
seguiremos o seguinte percurso analítico para a ADD: (i) estudaremos a esfera discursiva acadêmica,
em especial a licenciatura, como campo específico da atividade humana, buscando apoio em discursos
oficiais, como documentos públicos dos programas de pós-graduação; (ii) descreveremos os papéis
assumidos pelos participantes da interação discursiva, no caso professores da rede pública
ingressantes no mestrado em educação, com análise das relações simétricas e assimétricas na
produção de discursos a respeito do trabalho pedagógico da orientação acadêmica; (iii) estudaremos
o espaço-tempo discursivo - o cronotopo – como espaço-tempo da escola somado ao espaço-tempo
da universidade; (iv) estudaremos o horizonte temático valorativo dos enunciados, aguçando o olhar
para as relações axiológicas na enunciação, do que não se aparta a avaliação social do pesquisador;
(v) analisaremos as relações dialógicas.
Os estudos mapeados por Destri e Marchezan (2021) exibem as atividades analíticas de
descrição, análise e interpretação que não se desenvolvem em sucessão já que é fundamental haver
unicidade na análise. Logo, para tornar exequível o estudo proposto, dentro dos limites da pesquisa
qualitativa, exploratória, documental e de campo, consideramos: (i – atual) a busca e a análise de
documentos oficiais dos programas de pós-graduação em educação e em estudos da linguagem das
duas universidades federais selecionadas, localizadas no Estado do Rio de Janeiro, sendo elas UFF e
UNIRIO, para que seja possível, no cotejo com outros enunciados, apresentar o contexto sócio-
histórico e ideológico; (ii – posterior) a aplicação de questionários semiestruturados aos mestrandos-
ingressantes nos programas de pós-graduação stricto sensu, mestrado acadêmico, em 2024 e/ou 2025
(a definir) para traçar o perfil socioeconômico e de formação desses sujeitos e para viabilizar o
reconhecimento daqueles que são professores de escolas públicas e identificar as condições materiais
e não materiais de conciliação entre o espaço-tempo da escola e o espaço-tempo da universidade; (iii
– posterior) a realização de entrevistas individuais com os mestrandos-ingressantes-professores a fim
de identificar os que elaboraram monografias nas licenciaturas e analisar os discursos a respeito dos
processos dialético-dialógicos de orientação acadêmica na graduação; (iv – posterior) a realização de
entrevistas com os mestrandos-ingressantes-professores com o intuito de analisar os discursos a
respeito das expectativas em torno dos processos dialético-dialógicos de orientação acadêmica nos
programas de pós-graduação e a respeito das relações que esses mestrandos-ingressantes produzem
sobre a formação de professores e seu trabalho na escola pública com a formação na pós-graduação.
Para a realização da ADD, mediante utilização dos dispositivos enunciativos supracitados, três
esferas da palavra serão primordialmente consideradas como explica Bakhtin (2011): (i) a palavra da
língua neutra, que não pertence a ninguém; (ii) a palavra alheia dos outros, com ecos de outros
enunciados; (iii) a palavra minha, própria, na minha expressão. Argumentamos que, no movimento
exotópico-alteritário, produzimos saberes e conhecimentos dialógica e dialeticamente. “No
individual, há a historicidade dos sujeitos e, no coletivo, certa necessidade de estabelecer vínculos.
Tais vínculos, obviamente, se fazem por afetividade, desejo e necessidade de se representar”
(FERREIRA, 2017, p. 106). E é desses vínculos de afetividade que surgem as condições de
cooperação: em comunidade, por intermédio do trabalho, os sujeitos históricos planejam e produzem
com um objetivo comum, no que está a humanização do trabalho. A defesa segundo a qual a
orientação acadêmica é um trabalho pedagógico, é autoprodução humana, é produção de sentidos,
será um ponto comum em nossos escritos.
4 Plano de trabalho do bolsista e cronograma de atividades
Para a realização deste projeto de pesquisa, prevê-se a necessidade de um período de três a
quatro anos. No caso, o período de 2023 a 2024, a que corresponde o projeto aqui apresentado, será
destinado à primeira fase, que começa com a realização de pesquisa bibliográfica sobre os processos
de orientação acadêmica na graduação e na pós-graduação em plataformas de busca, de modo a
atualizar os resultados da pesquisa Relações dialógicas entre orientadores/as e orientandos/as: os
processos de ensino-aprendizagem da pesquisa e da docência mediante produção do gênero
discursivo monografia nos cursos de licenciatura da UFF (CEP CAAE 40092020.8.0000.5243).
Além da pesquisa bibliográfica, que consideramos de praxe para os nossos estudos, a primeira fase
engloba: (i) a exploração dos sites dos programas de pós-graduação em educação e em estudos da
linguagem da UFF e da UNIRIO à procura de documentos que façam referência aos processos de
orientação acadêmica no mestrado: regulamentos, resoluções, instruções de serviço, editais etc.; (ii)
a leitura crítica e analítica do Plano Nacional de Pós-graduação (PNPG) do período de 2011 a 2020
no tocante às referências ao processo de orientação acadêmica; (iii) o acompanhamento da elaboração
do Plano Nacional de Pós-graduação (PNPG) do período de 2021 a 2030, que, no momento de
submissão deste projeto de pesquisa, consta em período de consulta pública acerca das propostas
elaboradas (Edital CAPES 45/2022).
Nesse período de exploração e conhecimento dos documentos oficiais, que ocorrerá durante 12
meses, será submetida ao Comitê de Ética da UFF, como feito com os projetos precedentes, a versão
integral da proposta que transcorrerá de três a quatro anos e contará com a aplicação de questionários
semiestruturados e com a realização de entrevistas com os mestrandos-ingressantes em 2024 e/ou
2025, os quais também sejam professores de escolas públicas. Ademais, o projeto prevê a análise do
contexto de elaboração e submissão dos projetos de pesquisa por eles elaborados para o ingresso no
programa de pós-graduação.
O plano de trabalho da bolsista PIBIC está descrito no cronograma de atividades, no qual se
apresenta o conjunto de ações previstas para a realização deste estudo no período de setembro de
2023 a agosto de 2024. A professora-pesquisadora orientará a bolsista durante todo o processo,
ressaltando que, além de se tratar de um trabalho de iniciação científica, é um trabalho de investigação
científica que não prescinde de amadurecimento e experiência. A equipe de pesquisadores é composta
por Dr.ª Jéssica Rodrigues (pesquisadora principal e líder do GEPLEA/UFF), Dr.ª Fabiana Neves
(pesquisadora assistente e vice-líder do GEPLEA/UFF), Dr.ª Danuse Pereira, Dr.ª Camilla Ferreira e
Dr.a Nadja Pattresi (pesquisadoras do GEPLEA e docentes da UFF). A bolsista trabalhará com toda
essa equipe, que poderá contar com a participação de outros/as estudantes colaboradores/as. É o que
se deseja. Ademais, a bolsista PIBIC continuará participando das reuniões do GEPLEA/UFF e das
ações de ensino e extensão LabLA/UFF, do qual participam outros professores-pesquisadores da UFF
e outras instituições, estudantes de pós-graduação e professores da educação básica) e estudantes de
graduação, dentre os quais a bolsista PIBIC.
A seguir, desenha-se o cronograma de atividades com o plano de trabalho da bolsista.
Atividade/Bimestre 1 2 3 4 5 6
Realização de encontros com a equipe X X X X X X
Realização de pesquisa bibliográfica em plataformas de busca X X
Exploração dos sites dos programas de pós-graduação e coleta
de regulamentos, resoluções, instruções de serviço, editais X
etc.
Leitura e análise dos documentos oficiais, com elaboração de
X
categorias de análise em cotejo com a pesquisa bibliográfica
Tabulação dos resultados X X
Leitura e análise do PNPG 2011-2020, considerando as
X
categorias elaboradas e tabuladas
Acompanhamento da elaboração do PNPG 2021-2030 X X X
Escrita da discussão e das considerações finais X X
Elaboração de sínteses/ relatórios de pesquisa X
Submissão de trabalhos a periódicos X
Apresentação de trabalhos em eventos científicos X

5 Referências
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