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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

RACHEL FERREIRA OLIVEIRA SANTOS

“ESCREVER EU NÃO SEI, AGORA FALAR [...] QUER SER MEU


ESCRIVÃO?”: UM ESTUDO SOBRE MULTILETRAMENTOS E
PRÁTICAS DE ENSINO MAIS INCLUSIVAS

CAMPINAS
2021
RACHEL FERREIRA OLIVEIRA SANTOS

“ESCREVER EU NÃO SEI, AGORA FALAR [...] QUER SER MEU


ESCRIVÃO?”: UM ESTUDO SOBRE MULTILETRAMENTOS E
PRÁTICAS DE ENSINO MAIS INCLUSIVAS

Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de Mestrado
Profissional em Educação Escolar da
Faculdade de Educação da Universidade
Estadual de Campinas como parte dos
requisitos exigidos para a obtenção do
título de Mestra em Educação Escolar,
na área de concentração Educação
Escolar.

ORIENTADORA: Profª Drª ARYANE SANTOS NOGUEIRA

Este trabalho corresponde à versão final de


dissertação defendida pela aluna Rachel
Ferreira Oliveira Santos e orientada pela
Prof.ª Dr.ª Aryane Santos Nogueira

CAMPINAS
2021
`
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

“ESCREVER EU NÃO SEI, AGORA FALAR [...] QUER SER MEU


ESCRIVÃO?”: UM ESTUDO SOBRE MULTILETRAMENTOS E
PRÁTICAS DE ENSINO MAIS INCLUSIVAS

AUTOR : RACHEL FERREIRA OLIVEIRA SANTOS

COMISSÃO JULGADORA:

Profª Drª Aryane Santos Nogueira- orientadora


Profª Drª Ana Amélia Calazans da Rosa
Profª Drª Lilian Cristine Ribeiro Nascimento

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema


de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

2021
Aos meus amados: pais Antonio e Nilva,
esposo Gedson,
filhos Antonio, Heitor e Isadora.
Agradecimentos

a Deus que rege toda a minha vida.

aos meus pais, Nilva e Antonio, por dedicarem suas vidas em prol da minha felicidade e para
que eu realizasse todos os meus sonhos.

ao meu amado esposo, Gedson, por acreditar em mim e me apoiar sempre que preciso. Sou
grata por seu companheirismo e pragmatismo para apresentar-me soluções, quando necessito
de apoio.

aos meus filhos Antonio, Heitor e Isadora, meus bens mais preciosos. Agradeço por
entenderem as muitas horas de estudo que, muitas vezes, lhes privaram da merecida atenção,
constantemente solicitada por eles (“Mamãe, porque você não para nunca de estudar?”,
“Mamãe, você só estuda?’’).

à toda minha família, a qual é imensa e verdadeiramente unida, por isso não correrei o risco
de citar nomes, dada a imensa possibilidade de eu esquecer alguém de extrema relevância
para mim. Sou grata pelos muitos momentos de convivência aos quais devo a maior e melhor
parte da pessoa que me tornei.

à minha orientadora Aryane Santos Nogueira, por ter partilhado comigo seus conhecimentos e
por acreditar em meu trabalho, orientando-me com muita dedicação e competência e
conduzindo-me nesse início de jornada como pesquisadora. Suas orientações foram essenciais
para que eu conseguisse concluir essa etapa. Por isso, serei sempre muito grata.

às professoras Claudia Amoroso Bortolatto, Maria Teresa Eglér Mantoan, Miriam Cardoso
Utsumi, Nima Imaculada Spigolon e Rosemary Passos que dividiram comigo seus saberes os
quais também foram muito importantes para a minha formação com pesquisadora.

à professora Roxane H. Rojo, por partilhar, em suas aulas, sua vasta experiência em
letramentos, multiletramentos, novos letramentos, entre tantos outros temas, nas inesquecíveis
tardes de quarta-feira do primeiro semestre de 2019.

às professoras Ana Amélia Calazans e Lilian C. Ribeiro Nascimento por aceitarem compor
tanto a minha Banca de Qualificação, quanto a de Defesa. Sou grata pela leitura cuidadosa do
meu texto e pelas importantes contribuições que fizeram. Suas orientações e sugestões foram
imprescindíveis para o desenvolvimento e conclusão desta dissertação.

às professoras Heloisa Matos Lins (Qualificação), Inês Signorini e Janaina Cabello (Defesa),
por comporem a banca suplente deste trabalho.

aos colegas da secretaria de pós-graduação da Faculdade de Educação, em especial à Tassiane


e Viviane, por sempre me atenderem e sanarem minhas dúvidas com muita eficiência e
gentileza.

a todos(as) participantes desta pesquisa sem os quais não seria possível a realização deste
trabalho.

à amiga Marcia Nepomuceno, agradável surpresa do mestrado, presença constante durante o


tempo em que me dediquei a esta pesquisa, sempre disposta a ajudar, seja com as várias
leituras do meu texto, seja com palavras de incentivo e encorajamento.

aos amigos de todas as horas (motivo pelo qual recebemos da professora Nima o carinhoso
apelido de Bando) ─ Ana Claudia Geraldo, Clystiani Felizola R. Eloi, Cynthia A. Trepodoro
Honorato, Maria Ap. J. Salgado, Maria Criseide Risso. Suzy F. Pecht, Osias B. Anunciação
─ pelos momentos compartilhados: nos almoços de quinta-feira no Bandejão, na biblioteca,
na sala de aula, na lanchonete e por todos os momentos de risos fáceis, livres, soltos (Ah a
gargalhada da Salgado!).

a todos os amigos do Mestrado Profissional (turma de 2019) pelas constantes trocas,


incentivos, torcida e companheirismo.

às minhas amigas Alessandra D. S. de Paula e Emília A. Ribeiro, companheiras no ensino de


português das escolas nas quais trabalho, pelas escutas constantes das minhas empolgadas
falas sobre o tema da minha pesquisa e também por mobilizarem/embarcarem nas minhas
aventuras em busca de novas práticas de ensino.
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo investigar práticas de ensino de português
pautadas nos multiletramentos, reconhecendo a necessidade de organizar o ensino para
mobilizar práticas mais inclusivas. Há poucos estudos na literatura brasileira que considerem
os multiletramentos como possibilidade de inclusão, entendida nesta dissertação, não como
restrita ao âmbito das deficiências, como é comum no país, mas como a participação real e
efetiva da diversidade de alunos que compõem uma sala de aula (HALL, 2000, 2003, [1992]-
MULTILETRA
MENTOS: 2006; SILVA, 2000, 2011; SAWAIA, 1999; CAVALCANTI, 2013). Para tanto, esta pesquisa
- Diferenças
socioculturais, norteou-se pelo conceito dos multiletramentos (GNL, 1996; COPE; KALANTIS, 2009, 2015;
que fazem
com que a 2016; ROJO, 2012, 2013) que aponta para duas diversidades a serem consideradas nas salas
comunidade
escolar tenha
de aula: as diferenças socioculturais as quais inviabilizam a escola de considerar apenas as
que lidar com culturas clássicas/cânones e as várias linguagens dos textos contemporâneos que podem
culturas "
periféricas"; contemplar ao mesmo tempo características do oral, do visual e do escrito. Assim, para
- Linguagem
Multimodal; geração dos registros, foi aplicada uma Unidade de Ensino, reorganizada a partir da
perspectiva dos multiletramentos, em um sétimo ano do ensino fundamental de uma escola
municipal do interior do estado de São Paulo, com vinte alunos de idades entre 12 e 15 anos.
Trata-se, portanto, de um estudo de caso descritivo, com uma abordagem qualitativa. Os
instrumentos para geração dos dados foram observação participante, vídeo-gravações das
aulas e registros em diário de campo. Nos dados analisados nesta pesquisa, foi observado que
trabalhar sob a perspectiva da pedagogia dos multiletramentos (GNL, 1996; COPE;
KALANTZIS, 2009) mobilizou situações de ensino que promoveram uma participação mais
efetiva em sala de aula, porque os alunos tiveram a oportunidade de manifestar suas culturas,
compreensões, línguas/linguagens nas atividades desenvolvidas. Percebeu-se também a
potencialidade de a inclusão acontecer, em outros espaços de interações sociais, porque as
práticas pertencentes ao cotidiano dos estudantes, das quais esses poderiam estar participando
de forma acrítica, foram ressignificadas, devido à possibilidade de problematizar tais
conhecimentos em classe. Ainda assim, as práticas inclusivas observadas nessas situações de
ensino não deixaram de ser atravessadas, em alguns momentos, pela cultura do tipicamente
escolar.
Palavras-chave: Ensino de Português; Multiletramentos; Práticas inclusivas
ABSTRACT

This research aimed to investigate Portuguese teaching practices based on multiliteracies,


recognizing the need to organize teaching in order to mobilize more inclusive practices. There
are few studies in Brazilian literature that consider multiliteracies as a possibility for
inclusion, understood in this dissertation not as restricted to the field of disabilities, as it is
common in the country, but as the real and effective participation of the diversity of students
in a classroom (HALL, 2000, 2003, [1992]-2006; SILVA, 2000, 2011; SAWAIA, 1999;
CAVALCANTI, 2013). To this end, this research was guided by the concept of multiliteracies
(GNL, 1996; COPE; KALANTIS, 2009, 2015; 2016; ROJO, 2012, 2013), which points to
two diversities to be considered in the classroom: sociocultural differences that make it
impossible for schools to consider only classical/canonical cultures and the various languages
of contemporary texts that can include at the same time oral, visual, and written
characteristics. Thus, to generate the records, a Teaching Unit reorganized from the
perspective of multiliteracies was applied in a seventh grade of elementary school in a
municipal school in the countryside of the state of São Paulo, with twenty students aged
between 12 and 15 years old. It is, therefore, a descriptive case study with a qualitative
approach. The instruments for data generation were participant observation, video recordings
of the classes, and field diary entries. In the data analyzed in this research, it was observed
that working under the perspective of multiliteracies pedagogy (GNL, 1996; COPE;
KALANTZIS, 2009) mobilized teaching situations that promoted a more effective
participation in the classroom, because students had the opportunity to manifest their cultures,
understandings, languages in the developed activities. It was also observed the potentiality of
inclusion to happen in other spaces of social interactions, because the practices belonging to
the students' everyday life, in which they could be participating in an uncritical way, were re-
signified, due to the possibility of problematizing such knowledge in class. Even so, the
inclusive practices observed in these teaching situations were crossed, in some moments, by
the typical school culture.
Keywords: Teaching Portuguese; Multiliteracies; Inclusive practices
SUMÁRIO
Introdução ............................................................................................................................... 11

Pensar a inclusão escolar a partir dos multiletramentos .............................................................. 14

Capítulo 1 ................................................................................................................................ 18

Os multiletramentos no ensino de língua portuguesa ......................................................... 18

1.1. Definição dos multiletramentos................................................................................................ 18

1.2. Pedagogia dos multiletramentos .............................................................................................. 23

1.3. Os multiletramentos e a pedagogia dos multiletramentos como propiciadores de práticas


inclusivas........................... ................................................................................................................ 29

Capítulo 2 ................................................................................................................................ 35

Metodologia da pesquisa ........................................................................................................ 35

2.1. A pesquisa qualitativa interpretativista .................................................................................... 35

2.2 Estudo de caso e os instrumentos para coleta dos dados ......................................................... 36

2.3 Cenário e participantes da pesquisa .......................................................................................... 38

2. 3.1 Descrição da escola ............................................................................................................. 38

2. 3.2 Descrição dos participantes ................................................................................................. 39

2.4 Desenvolvimento da unidade de ensino e a geração dos dados ............................................... 40

2.5 Procedimentos para análise dos dados gerados ........................................................................ 44

Capítulo 3 ................................................................................................................................ 46

Os multiletramentos como propiciadores de participação efetiva na sala de aula e


potencial inclusão em outros espaços .................................................................................... 46

3.1. Práticas inclusivas mobilizadas pela leitura e produção nas diferentes linguagens ................. 47

3.2 Práticas inclusivas suscitadas pela manifestação das diversas culturas nas situações de
ensino............................. ................................................................................................................... 76

Considerações finais ............................................................................................................... 96

Anexo - Unidade de ensino................................................................................................... 103


11

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa teve como objetivo analisar aulas de português desenvolvidas sob
uma perspectiva pedagógica pautada nos multiletramentos, a) identificando situações e b)
descrevendo-as de modo a revelar como a perspectiva assumida pode colaborar com uma
participação mais efetiva, isto é, mais inclusiva dos alunos, nas atividades desenvolvidas,
provenientes da adaptação de uma unidade de ensino1, a partir de uma sequência didática do
material de apoio dos alunos2. Essa unidade de ensino envolveu o trabalho com os gêneros
cartas de reclamação e solicitação, que já constavam na sequência didática e culminou na
produção de vídeos-denúncia dos problemas nas ruas, bairros e entorno da escola, observados
pelos estudantes.
A palavra inclusão tem sido utilizada nesta pesquisa como sinônimo da
possibilidade de uma participação real e efetiva da diversidade (HALL, 2000, 2003, 2006;
SILVA, 2000, 2011; CAVALCANTI, 2013) de alunos que compõem uma sala de aula nas
atividades pedagógicas que nela são desenvolvidas. No Brasil, o termo inclusão é usado com
muita frequência no âmbito da educação especial em referência aos alunos com deficiência e
altas habilidades. No entanto, nesta pesquisa, ele se refere, na realidade, ao acolhimento das
diferentes diferenças (cf. definição de Cavalcanti, 2011) no espaço escolar. Isto é, uma visão
que está em consonância com o reconhecimento das diferenças (linguística, cultural e outras)
as quais marcam presença na sala de aula e que, consequentemente, suscita e oportuniza um
olhar diferenciado e preocupado com a inclusão do alunado não apenas como inserção
(SAWAIA, 1999) no espaço escolar, mas como participação que se efetiva, dentre outros
modos, pela própria expressão das diferenças.
O desejo de buscar práticas de ensino mais inclusivas para o ensino-aprendizagem
da língua portuguesa sempre permeou minha trajetória docente. A Língua Portuguesa
começou a fascinar-me, desde a minha formação inicial. Lembro de posicionar-me no centro
da sala dos meus avós com apenas 8 anos ─ local de reunião diária de todos os filhos e netos,
para as sessões de contação de causos ─ e “impor” minha declamação do poema “Trem de
Ferro” de Manuel Bandeira. Ao longo de toda minha formação, em escola pública, mantive-
me apaixonada por todos os aspectos da língua como literatura, análise linguística, motivo que
me levou a escolher o curso de Letras. Conclui minha graduação em 2004, na Universidade de

1
O termo unidade de ensino neste texto nomeia todas as atividades que foram feitas para a obtenção dos
registros desta pesquisa, desde a sequência didática e do gênero textual escolhidos (carta de solicitação e
reclamação), até a produção de vídeos-denúncia.
2
FIGUEIREDO, Laura de. Singular & Plural: leitura, produção e estudos de linguagem/ Laura de Figueiredo,
Marisa Balthazar, Shirley Goulart. – 2 ed. – Moderna, 2015.
12

São Paulo (USP) e iniciei minha carreira docente em 2007, após passar em concurso público
da rede municipal. Sempre exerci minha profissão em escolas públicas municipais, portanto
meus alunos, incluindo os participantes desta pesquisa, frequentam o ensino fundamental II de
escolas localizadas normalmente em regiões periféricas das cidades.
Passado o enlevo inicial de docente em começo de carreira, comecei a notar que
aquela língua pela qual sempre fora apaixonada, dos livros literários clássicos, das gramáticas,
não coincidia com a variedade do meu alunado e não atendia suas reais necessidades. Logo
percebi também que o meu deslumbre direcionava-se para essas línguas reais3 dos alunos, em
toda a sua complexidade e não apenas para uma variedade de prestígio da língua. Encantava-
me os causos, as anedotas, os ditos populares, os regionalismos, ou seja, as manifestações não
canônicas. Fascinava-me a língua falada pelos meus alunos permeada pela história de cada
um e inquietava-me o fato de poucos alunos conseguirem expressar efetivamente nos eventos
mais monitorados de letramentos, principalmente nas práticas escritas, quando essas
requeriam maior proximidade da variedade urbana de prestígio.
Compreendi a necessidade de questionar-me quais línguas considerar em minhas
aulas e, principalmente, como ensiná-las, isto é, que estratégias adotar nas minhas práticas de
ensino. Desse modo, sempre busquei por cursos de formação continuada que refletissem sobre
estratégias de ensino nas aulas de português. Nesse sentido, a temática dos multiletramentos
começou a fazer parte das minhas reflexões e das minhas práticas desde 2018, ao participar de
um curso no I Encontro do Grupo de Pesquisa (Multi)Letramentos e Ensino de Língua
Portuguesa: Práticas docentes, Formação e Currículo ( MELP I), realizado no Instituto de
Estudos da Linguagem da Unicamp (IEL) e após a leitura do texto Cultura digital e ensino de
Língua Portuguesa, de Jaqueline Barbosa e Roxane Rojo, na revista Na ponta do lápis, do
programa Escrevendo o Futuro, no qual tratavam dos multi e novos letramentos e de como a
Base Nacional Comum Curricular-BNCC (BRASIL, 2018) contemplou tal tema.
Nessa mesma época, eu produzia um teatro de sombras com meus alunos, baseado
em um conto de mistério, o qual possibilitou o trabalho com várias linguagens (escrita, oral,
visual), exigindo diversas habilidades (produzir textos, produzir e editar vídeos, atuar, entre
outras) dos envolvidos. Essa atividade me fez compreender, ao começar a estudar o conceito
dos multiletramentos, que, para além da minha inquietação de quais variedades de línguas
considerar e, principalmente, de como ensiná-las, a concepção do objeto de ensino das minhas

3
Embora minha habilitação seja em Letras-Português, eu cursei a maioria das disciplinas da habilitação em
Linguística, porque me interessava estudar os aspectos do português por outro enfoque, uma vez que a
abordagem da Língua Portuguesa nessas duas habilitações é diferente.
13

aulas deveria expandir. Ainda que eu já buscasse considerar a diversidade cultural dos meus
alunos, faltava-me observar as várias linguagens e os novos gêneros presentes no cotidiano
dos estudantes.
As duas experiências mencionadas, acadêmica e prática, levaram-me a perceber
que trabalhar nessa perspectiva poderia ser uma forma de possibilitar uma participação efetiva
dos alunos nas atividades pedagógicas, isto é, uma forma de incluí-los, mesmo aqueles que
normalmente não eram bem sucedidos nas práticas tradicionais4 de ensino de língua
portuguesa, mais apegadas ao letramento da letra, dos gêneros clássicos, cânones e
tipicamente escolares5.
Ao direcionar meu olhar para o ensino da língua portuguesa, refletindo sobre
como esse é tratado, penso na possibilidade de contribuir para que os estudantes sejam
produtores e não meros reprodutores de conhecimento, podendo impulsionar uma melhoria no
ensino-aprendizagem. O Mestrado Profissional veio ao encontro do meu objetivo, uma vez
que esse me levou a pesquisar as minhas práticas de ensino.
Cada vez mais compreendo que buscar estratégias significativas para os alunos
em aulas de língua portuguesa, no contexto atual, contemplando as práticas com as quais
esses estão envolvidos em outras esferas sociais, no mundo físico ou digital, é de extrema
relevância6 para a Educação Básica, a fim de ampliar o conhecimento de língua pretendido
pela escola, que, na maioria das vezes, desconsidera as várias culturas e as diversas
linguagens, presentes no cotidiano dos discentes (GNL,1996; COPE; KALANTZIS, 2009,
2015; KNOBEL; LANKSHEAR, 2002, 2007, 2012; ROJO, 2012, 2019).
Para responder à pergunta de pesquisa como (de que modos) um trabalho
baseado nos multiletramentos pôde contribuir com a inclusão de um grupo de alunos em
aulas de ensino de Português, baseei-me em autores e estudos que tratam dos
multiletramentos, tais como, Grupo Nova Londres (1996)7; Cope e Kalantzis (2009, 2015,
2016); Rojo (2012, 2013, 2019); Knobel e Lankshear (2002, 2007); Lemke (2010) que

4
Práticas tradicionais ─ comuns à cultura tipicamente escolar ─ são entendidas, no contexto desta pesquisa, em
consonância com Cope e Kalantzis (2015), como práticas nas quais o professor é autoridade e único detentor do
conhecimento, enquanto o aluno é receptor passivo desse conhecimento que reside basicamente nas tradições das
sociedades de escrita e que é testado normalmente através de exames. As recompensas do sucesso escolar estão
nas pontuações e rankings e seus principais preceitos epistemológicos são a memória cognitiva e raciocínio
lógico (COPE; KALANTZIS, 2015, p. 7-9).
6
O estudo e modificação da realidade pesquisada pelos multiletramentos, que refletem as novas práticas de
leitura e escrita com as quais os jovens estão envolvidos atualmente, também se justifica uma vez que visa
atender às recomendações da BNCC (BRASIL, 2018) para a inserção, no currículo, da reflexão sobre diferentes
linguagens e o uso das novas tecnologias.
7
Doravante GNL.
14

discutem os letramentos que advieram da cultura digital e das habilidades necessárias para as
novas práticas de letramentos na esfera virtual. Para definição do conceito de inclusão, nesta
pesquisa, busquei interlocução com autores que refletem sobre a diversidade, as identidades e
as diferenças como Hall (2000, 2003, [1992]- 2006); Silva (2000, 2011); Sawaia (1999) que
reflete sobre a dialética exclusão/inclusão, além de considerar a proposta de Cavalcanti
(2013), ao alertar para as diferenças na diversidade e a necessidade de pensar, no ensino, as
línguas portuguesas que fazem parte dos repertórios dos alunos atuais.

Pensar a inclusão escolar a partir dos multiletramentos

Desde a universalização do ensino, grandes têm sido os desafios da escola


pública. O fato de todos terem direito à educação possibilitou o acesso à escola, mas não
garantiu uma jornada bem sucedida para todos os ingressantes. Estudantes das camadas
populares e menos favorecidas adentram as escolas, no entanto, essas não oferecem uma
estrutura a qual permite a permanência e o pleno desenvolvimento desses até o final da
escolarização. Esse aspecto foi um dos fatores que despertou o meu interesse em pesquisar e
verificar a hipótese de que os multiletramentos poderiam contribuir com uma participação
mais efetiva (inclusão) dos alunos e, nesse mesmo sentido, colaborar com a permanência dos
estudantes.
Esta pesquisa, portanto, como anunciado anteriormente, alinha-se com a
perspectiva do multiletramentos, conceito criado pelo GNL (1996), para contemplar duas
multiplicidades presentes na sociedade contemporânea: a variedade de linguagens que
compõe os textos por meio dos quais essa se informa e se comunica e a diversidade cultural
presente na escola que exige, para uma participação real e efetiva dos alunos, que o ensino
promova novas práticas e deixe de considerar apenas as culturas clássicas, canônicas e
centrais. Os letramentos nessa perspectiva são entendidos como práticas sociais não restritas
apenas ao escrito, mas também englobam os outros modos de linguagem (visual, oral, sonora,
entre outras). A necessidade de mudança nas práticas escolares foi influenciada, sobretudo,
pelos avanços tecnológicos das últimas décadas e pelas transformações nas relações das
pessoas tanto no âmbito da vida privada, transitando por diferentes comunidades, quanto na
vida pública, como cidadãos. Mudanças relevantes também ocorreram no mundo do trabalho,
na era pós-industrial (GNL, 1996, p.4). Todas essas transformações influenciaram diretamente
as práticas de letramentos a serem consideradas no processo de ensino-aprendizagem atual e
nas habilidades necessárias aos alunos nessa nova configuração da sociedade.
15

Para Lankshear e Knobel (2007), autores que estudam letramentos diretamente


ligados à cultura digital, essas novas práticas exigem uma nova ética, uma nova mentalidade
que pressupõe uma inteligência mais coletiva, construída de forma interativa e colaborativa;
um poder mais distribuído, não centrado em especialistas e regras de letramentos mais fluidas,
que requerem maior participação dos envolvidos. Esses letramentos exigem uma
ressignificação de poder que conceda mais autonomia aos alunos e que coloque o professor no
papel de mediador ─ não reduzido a esse papel, mas, ao contrário, acrescido dele,
contrapondo à visão de professor apenas como detentor de conhecimento ─ no processo de
ensino (GNL, 1996; COPE; KALANTZIS, 2009, 2009b; KNOBEL; LANKSHEAR, 2002,
2012; LANKSHEAR; KNOBEL, 2007).
Em decorrência dessa realidade, ao intuir que o trabalho com os multiletramentos
poderiam ocasionar práticas de ensino mais inclusivas, busquei por pesquisas brasileiras que
abordassem essa interface. A pesquisa de Paiva (2015) foi a que se mostrou mais próxima
desta dissertação, uma vez que pude perceber, no estudo da autora, um viés inclusivo dos
multiletramentos, por explorar a possibilidade de o trabalho com textos multimodais permitir
que alunos com histórico de fracasso escolar se engajassem nas atividades propostas. Paiva
(2015) buscou analisar o processo de produção multimodal da exposição oral de alunos em
sala de aula e, nessas situações de ensino, os participantes da pesquisa puderam trazer suas
práticas letradas realizadas em ambientes virtuais de rede e transformá-las em objeto de
análise.
Rosa (2016), ao pesquisar a formação de professores para os multiletramentos,
também traz a interface entre esse último conceito e a noção de inclusão, discutindo,
sobretudo, as questões de poder distribuído, isto é, o saber não está mais centrado em um
especialista, o que propicia o protagonismo dos alunos. A autora trata da nova mentalidade
que os novos letramentos requerem nessa cultura em que todos podem contribuir/participar.
Dentre outros trabalhos encontrados, alguns se aproximam desta pesquisa por
focalizarem o uso de textos multimodais a partir de um olhar pelos multiletramentos (por
exemplo, MACULAN, 2018; PAIVA, 2015) ou por envolverem práticas da esfera digital com
os quais os alunos lidam no seu cotidiano (FERREIRA; SANTOS, 2018; ARANTES, 2015).
Mediante o exposto, importa ressaltar que, embora no conceito dos
multiletramentos já esteja implícito um viés inclusivo, dado ao fato de defender que a escola
contemple/valorize as várias linguagens e diversas culturas já presentes nela por conta da
diversidade de alunos, como dito anteriormente, há poucas pesquisas brasileiras que
16

estabeleçam uma interface direta entre os multiletramentos8 e a inclusão, do modo como é


entendida no contexto desta pesquisa. Assim, considerando o levantamento bibliográfico
realizado, notei uma lacuna na qual se insere a minha pesquisa, tendo em vista que pouco se
focaliza a possibilidade dessa perspectiva dar suporte para outra forma de pensar o que
tradicionalmente se concebe como inclusão no contexto brasileiro. No Brasil, essa relação
direta entre inclusão e multiletramentos não acontece porque, como já dito, quando se usa o
termo inclusão, pensa-se mais diretamente nas deficiências. Mesmo as ações que propõem
uma “educação para todos” ─ o que expande a visão sobre a inclusão, saindo do âmbito
apenas das deficiências ─ nem sempre atentam para o fato de que acesso e inserção podem
não significar inclusão, ou seja, a participação efetiva dos alunos nas práticas que são
realizadas em sala de aula (por exemplo, porque são desconsideradas as suas diferenças). Para
Sawaia (1999), em lugar de exclusão, o que se tem é a dialética exclusão/inclusão, portanto, o
movimento de inclusão “educação para todos” só foi necessário, porque havia incialmente os
excluídos da escola. Desse movimento dialético resulta uma inclusão perversa (SAWAIA,
1999), porque acontece um novo processo de exclusão, na medida em que as diferenças dos
inseridos são apagadas, desconsideradas ou pouco valorizadas.
Ensinar sob uma perspectiva dos multiletramentos e em alinhamento a uma
pedagogia dos multiletramentos requer pensar a prática pedagógica fundamentada em quatro
movimentos: prática situada, instrução aberta, enquadramento crítico e prática transformada
(GNL, 1996; COPE; KALANTZIS, 2009a, 2009b, 2015). A nova mentalidade exigida para o
trabalho em consonância com tal pedagogia, que mobiliza a diversidade de linguagens e de
culturas, suscita uma participação ativa, interativa dos alunos e possibilita o trabalho em
parceria do professor com o estudante e desse com seus pares, na aprendizagem por design
(COPE; KALANTZIS, 2009, 2015). Esta pesquisa alinha-se com as concepções apresentadas
anteriormente, porque essas nortearam minhas práticas para a geração e análise dos registros
deste estudo, na tentativa de promover a participação efetiva dos alunos nas minhas aulas de
português. Posto isso, apresento a seguir organização dos capítulos que compõem esta
pesquisa.
O Capítulo 1 é dedicado à apresentação dos principais conceitos e autores que
fazem parte do construto teórico deste estudo, os quais foram fundamentais para elaboração e

8
É possível perceber, nos textos iniciais do GNL (1996), e, posteriormente, de Cope e Kalantzis (2000, 2009),
embora esses já sugerissem a valorização da diversidade cultural presente na escola, uma ênfase na
multimodalidade, ou seja, nas várias linguagens que compõe os textos atuais. No entanto, em textos mais
recentes de Cope e Kalantzis (2015, 2016) nota-se uma maior atenção/preocupação com a valorização/ inclusão
das diferenças presentes na escola.
17

desenvolvimento do projeto da pesquisa e para pensar as atividades para a geração e análise


dos dados.
O Capítulo 2 destina-se à apresentação da metodologia de pesquisa, no qual trato
dos principais aspectos de uma pesquisa qualitativa interpretativista, dos fundamentos do
estudo de caso e do fazer pesquisa em sala de aula. Abordo também a estratégia do
observador participante, esclarecendo minha inserção no campo, descrevendo o cenário e os
participantes de pesquisa e como se deu a geração e análise dos dados. É também nesse
capítulo que apresento com mais detalhes a unidade de ensino que foi por mim elaborada, na
qual propus a produção de vídeos-denúncia a partir dos problemas observados nas ruas,
bairros e entorno da escola dos estudantes.
O Capítulo 3 é reservado à análise dos registros desta pesquisa, no qual examino a
minha participação e dos alunos no desenvolvimento das atividades da unidade de ensino que
organizei. Alinhada à perspectiva dos multiletramentos e à pedagogia dos multiletramentos, a
análise dos registros considerou dois eixos: o de linguagens e o de culturas. Esses dois eixos
foram analisados a partir das questões norteadoras ─ representacional, social, organizacional,
intertextual e ideológica (COPE; KALANTZIS, 2009a), entre outros aspectos inerentes a essa
perspectiva.
Ao final, nas Considerações Finais, retomo a pergunta de pesquisa, abordando a
relevância e as implicações do tema estudado, segundo a discussão dos resultados
apresentados no capítulo de análise.
18

CAPÍTULO 1
Os multiletramentos no ensino de língua portuguesa
Neste capítulo, exploro os conceitos centrais que fundamentam teoricamente esta
pesquisa, tais como os multiletramentos e a pedagogia dos multiletramentos. Ao final,
relaciono esses conceitos com a perspectiva de inclusão assumida nesta pesquisa.

1.1. Definição dos multiletramentos

Para entender os multiletramentos é importante considerar o cenário que suscitou


a criação do conceito. Conforme Cope e Kalantzis (2009), em meados dos anos noventa, a
mídia de massa e a internet possibilitaram o surgimento de novos gêneros, que contemplavam
novos modos de significados (textos multimodais, isto é, textos compostos por vários modos
de linguagem) e diferentes culturas, levando uma concepção mais específica de letramento,
ainda apegado à letra e à escrita, não ser suficiente para contemplar todas as práticas sociais
das comunidades. Assim, para os autores, isso significava que o papel da educação de garantir
a todos os estudantes plena participação na vida pública e no mercado de trabalho não estava
sendo cumprido satisfatoriamente (GNL, 1996; COPE; KALANTZIS, 2009a, 2009b, 2015).
O desafio para interagir-se nessa nova realidade permeada pela diversidade
linguística e cultural, para Cope e Kalantzis (2009b), fundamentava-se em aprender a
comunicar considerando as diferenças, tornando evidente que a pedagogia tradicional,
sustentada pela padronização do ensino, não estava garantindo o seu objetivo de oportunidade
social. A desigualdade na educação aumentava, sugerindo que algo precisaria ser feito para
reverter essa situação (GNL, 1996; COPE; KALANTZIS, 2009a, 2015).
Diante desse contexto, na busca por alternativas para atender a demanda das novas
culturas e das novas linguagens que adentraram a escola, trazidas pelos alunos de suas
convivências em outros espaços, fora do ambiente escolar, foi criado o conceito
multiletramentos pelo GNL (1996), grupo formado por pesquisadores que se reuniram para
19

refletir sobre as influências tanto da globalização e da diversidade local das comunidades,


como das tecnologias, nas interações sociais. Esses pesquisadores defendiam que a escola
precisava preparar os alunos para atuarem nesse novo contexto. Além disso, apontaram que a
educação precisava atentar às mudanças ocorridas nos textos, principalmente, com o impacto
das mídias digitais, os quais não se restringiam mais só à escrita, mas passaram a ser
compostos por várias linguagens (COPE;KALANTZIS, 2009a, 2009b, 2015; ROJO, 2012,
2013; ROJO; MOURA, 2019).
O GNL (1996) afirmava que em um contexto no qual a questão das diferenças
precisa tornar-se a principal preocupação do ensino, é pertinente que se faça, por exemplo, os
seguintes questionamentos: “Qual é a educação apropriada para mulheres, para pessoas
indígenas, para imigrantes não falantes da língua nacional, para falantes dos dialetos não-
padrão? O que é apropriado para todos no contexto de fatores cada vez mais críticos da
diversidade local e da conexão global?9” (GNL, 1996, p. 2). Em virtude disso, segundo Cope
e Kalantzis (2009), os educadores precisavam refletir sobre como proceder em uma nova era
de tantas diferenças de culturas, línguas e gêneros, para assegurar que essas diferenças não se
constituíssem em barreiras para o sucesso educacional.
É possível estender esse questionamento para outras realidades, inclusive a desta
pesquisa, pois, conforme apresento na introdução e mais detalhadamente no capítulo de
metodologia, seus participantes são provenientes de dois bairros com realidades bem distintas:
um de periferia e outro de uma região rural, composto por chácaras. Assim, é fundamental
pensar em qual educação seria mais apropriada para alunos das culturas periféricas; para
estudantes das culturas oriundas das regiões rurais, levando a refletir, quais portugueses
(CAVALCANTI, 2013, p. 225) ensinar num país imenso como o Brasil que possui
diversidade de culturas e de formas de se expressar.
Assim, a conceituação dos multiletramentos contemplam duas multiplicidades. A
primeira refere-se à variedade de culturas e contextos que adentraram a escola, advindas tanto
das experiências locais dos estudantes, em suas comunidades, quanto globais, possibilitadas
pelos novos meios e modos de comunicação. Percebeu-se que a escola focar meramente nas
regras da forma padrão da cultura dominante, dos cânones, dos clássicos, além de excluir do
processo de ensino as culturas/línguas/linguagens trazidas pelos alunos, também não os
preparava para participarem efetivamente nas diversas esferas sociais (COPE; KALANTZIS,

9
Tradução nossa do original: “What is appropriate education for women, for indigenous peoples, for immigrants
who do not speak the national language, for speakers of non-standard dialects? What is appropriate for all in the
context of the ever more critical factors of local diversity and global connectedness?” (GNL, 1996, p. 2).
20

2009, 2015). Garcia-Canclini (2008), pesquisador da área de estudos culturais, afirma que as
produções que circulam nas mais diversas esferas sociais, desde muito tempo, são formadas
por textos híbridos, impuros. Deste modo, as classificações dicotômicas como cânone,
clássica/ de massa, popular não contemplam mais os fenômenos culturais contemporâneos.
Para Rojo (2012, 2013), “nesta perspectiva, trata-se de descolecionar os ‘monumentos’
patrimoniais escolares, pela introdução de novos e outros gêneros de discurso – ditos por
Canclini ‘impuros’ –, de outras e novas mídias, tecnologias, línguas, variedades, linguagens”
(ROJO, 2012 s/p).
Tais considerações apontam que, para além de nortear as práticas de ensino pela
perspectiva dos multiletramentos, isto é, considerando a multiplicidade de culturas/linguagens
que já adentraram a escola e problematizar as classificações dicotômicas ─ cânone/clássica,
popular/ de massa, culto/ inculto, central/periférico, entre tantas outras─, de acordo com Hall
([1992] 2006), é imprescindível refletir sobre as diferenças e sua relação com o processo de
construção das identidades da sociedade atual, o que levou estudiosos desse tema ao
questionamento de como entender e tratar a diversidade (HALL, [1992] 2006).
O sujeito atual, para Hall ([1992] 2006), é composto por várias identidades,
móveis, fluidas, por vezes contraditórias. O próprio processo de identificação por meio do
qual são projetadas as identidades culturais promove constantes mudanças, já que, na medida
em que os sistemas de significação e representação cultural multiplicam-se, somos
confrontados por uma multiplicidade de identidades possíveis, pelo menos temporariamente.
As sociedades modernas são caracterizadas pelas diferenças. Para Hall ([1992]-2006), as
identidades não são fixas, nem homogêneas e por isso “em vez de falar de identidade acabada,
deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento” (HALL, [1992]-
2006, p. 39).
Seguindo essa mesma tônica discursiva, Silva (2000, 2011) relaciona as
pedagogias às questões do multiculturalismo10 e das diferenças, mostrando que os currículos
tradicionais e as políticas educacionais apoiam-se num apelo à tolerância e ao respeito para
com a diversidade e as diferenças. Nessa perspectiva, as diferenças e as identidades são
cristalizadas, naturalizadas. Em vez disso, o autor defende um currículo e uma pedagogia que
busquem problematizar as diferenças e as identidades, uma vez que essas são
interdependentes, mutuamente determinadas; são ainda, segundo Silva (2000, p 127-130),
criações sócio- culturais de atos de linguagem, determinadas pelos sistemas discursivos e

10
O conceito de multiculturalismo utilizado por Silva (2000, 2011) alinha-se ao multiculturalismo crítico
(HALL, 2006, p.51).
21

simbólicos que lhes dão definição. A afirmação das identidades e a enunciação das diferenças
passam por relações de poder e não convivem harmoniosamente, pois há sempre uma disputa
de grupos sociais e implicam sempre as ações de incluir e excluir. Uma das justificativas para
a criação do conceito dos multiletramentos pelo GNL (1996) foi a necessidade de a escola, ao
considerar a multiplicidade cultural que compõe seu alunado, preparar os jovens e as crianças
para atuarem efetivamente não só no contexto escolar, mas, sobretudo, na sociedade
contemporânea. Coaduna com essa perspectiva a afirmação de Silva (2000, p. 154) de que a
pedagogia e o currículo deveriam criar oportunidades para os alunos questionarem
criticamente os sistemas e as formas dominantes de representação da identidade e da
diferença, uma vez que esses estudantes, ao conviverem com as diversas culturas, precisam
saber dialogá-las e negociá-las, em prol de uma convivência mais harmônica.
Atrelada ao imperativo de considerar as diversas culturas para comunicar-se na
sociedade contemporânea, para o GNL (1996), está a questão da variedade de linguagens,
segunda multiplicidade a ser considerada na conceituação dos multiletramentos. De acordo
Cope e Kalantzis (2009 b), com o advento da evolução tecnológica, os modos de significação
aumentaram exponencialmente e os textos que surgiram dessa mistura de linguagens, os ditos
multimodais, não se restringem mais só ao escrito, mas relacionam-se também com o oral, o
visual, o espacial, podendo aparecer vários desses aspectos num mesmo suporte.
Cope e Kalantzis (2009) afirmam que cada um desses diferentes modos expressa
muitos dos mesmos tipos de significados, ou seja, sentidos apresentados pelo modo visual
também podem ser explicados pelo textual, todavia esses modos também têm representações
que são únicas em si mesmas. O funcionamento do visual pode explicar os caminhos pelos
quais as imagens trabalham como linguagem, tanto como a representação textual explica a
linguagem do texto. Cope e Kalantzis (2009) afirmam ainda que é necessário, ao trabalhar
como uma linguagem diferente, tomar o cuidado de analisá-la segundo aspectos próprios da
linguagem em foco. Lemke (2010), ao tratar de letramentos multimidiáticos e hipermidiáticos,
considera que a escola precisa ensinar como vários letramentos e tradições culturais
combinam essas modalidades semióticas distintas, para construir significados que não são a
soma de cada modo, mas sim a multiplicação desses vários modos, isto é, juntos eles
constroem um novo sentido.
Por exemplo, após a leitura de um livro, o aluno poderia demonstrar o que
apreendeu da leitura, através de vídeo, desenho, resenha, histórias em quadrinhos, exposição
oral. No entanto, cada modo escolhido pelo aluno deveria ser orientado e analisado segundo o
funcionamento de cada linguagem. Essa seria uma maneira de incluir todos os alunos, pois,
22

segundo Cope e Kalantzis (2009b), se for escolhido apenas um modo de execução de uma
tarefa, alguns alunos que têm facilidade para o modo escolhido serão favorecidos. Assim, uma
atividade não compreendida só pela escrita, ao ser associada à imagem, pode facilitar a
apropriação dos sentidos, ao se retornar para o texto (COPE; KALANTZIS, 2009b). Além
disso, seria uma maneira de contemplar as habilidades, as particularidades do alunado e
principalmente de aproximar as atividades escolares das práticas da cultura digital as quais
são recorrentes no cotidiano dos estudantes, o que poderia evitar a exclusão daqueles que não
apresentam desempenho efetivo nas atividades tipicamente escolares.
Cope e Kalantzis (2009b, p. 363) asseguram que os letramentos tradicionais não
reconhecem os potenciais de aprendizagem e significados inerentes em cada modo
representacional, desconsiderando a sinestesia ─ conceito que pressupõe a transferência dos
significados de um modo representacional para outro, por exemplo, do visual para o textual ─
uma vez que, assim como a ação pode ser expressa em verbos numa sentença, essa também
pode ser representada por vetores nas imagens (COPE;KALANTZIS, 2009b).
Alia-se a isso, de acordo Cope e Kalantzis (2009b), o fato de a leitura e a
observação do mundo poderem requerer diferentes imaginações e esforços para representar
seus significados, e por isso cada indivíduo pode representar uma mesma realidade de
diversos modos.
Em suma, ao considerar os referidos aspectos, segundo Rojo (2012), os
multiletramentos (GNL, 1996; COPE; KALANTZIS, 2009, 2009b) podem ser compreendidos
como interativos, colaborativos, além de transgredirem as relações de poder. Ainda segundo
Rojo (2012), embasada em Garcia- Canclini (2008), os multiletramentos são também
híbridos, fronteiriços, mestiços de linguagens, modos, mídias e culturas e, conforme
apresentado anteriormente, essa hibridez, segundo Hall ([1992] 2006), é constantemente
alimentada pelo processo de identificação que promove novas e temporárias identidades. Para
isso, é necessário afastar das dicotomias ─ centrais periféricas, clássicas/ populares ─ e
considerar as diferenças na diversidade (CAVALCANTI, 2013), ou seja, em um mesmo
grupo, normalmente, há diferentes identidades convivendo, que estão em constante processo
de construção/reconstrução.
Em virtude do exposto, é preciso também considerar novas estéticas, pois os
letramentos valorizados pela escola e aqueles trazidos pelo alunado atual podem não
coincidir, dada a diversidade cultural e de linguagens com as quais esse lida no seu cotidiano.
A coleção, o valor estético e o gosto do estudante podem ser diferentes das escolhas do colega
23

ao lado, bem como do que é proposto como esteticamente válido pela escola e pelos materiais
didáticos, conforme Rojo (2012).
Knobel e Lankshear (2007) também argumentam que falta à escola considerar
outros meios de comunicação, além dos textos escritos, por exemplo, o espaço dos chats, dos
vídeos games, os quais normalmente são mais multimodais11. Segundo esses autores, mesmo
quando se tem um olhar da escola para esses novos meios e modos de se comunicar, é no
sentido de encaixá-las nos moldes do texto escrito e não de pensá-las segundo a perspectiva
dos novos letramentos que circulam na sociedade atualmente, aproveitando os interesses dos
jovens com essas novas ferramentas, para torná-los consumidores/produtores críticos dessas
novas práticas de letramentos.
Nessa perspectiva, Lemke (2010) alerta que é preciso entender quão restrita foi a
educação letrada tradicional, a fim de compreender o que é necessário oferecer aos jovens
atuais, para além do que foi ofertado pelas instituições de ensino até hoje. Esse autor
argumenta que os educadores, muitas vezes, não chegam a ensinar aos estudantes nem mesmo
como integrar desenhos e diagramas à sua escrita, quanto menos integrar em suas práticas
escolares os recursos digitais com os quais eles convivem atualmente.
Diante desse contexto, a solução apresentada pelo grupo de pesquisadores do
GNL para a inserção do trabalho com os multiletramentos no currículo escolar refere-se a
uma pedagogia dos multiletramentos (GNL, 1996, COPE; KALANTZIS, 2009, 2009b, 2015).

1.2. Pedagogia dos multiletramentos

A pedagogia dos multiletramentos começou a ser delineada com o GNL (1996) e


continuou sendo explorada e melhor definida por Cope e Kalantzis (2009a, 2009b, 2015).
Essa está fundamentada no conceito de aprendizagem por design, na qual os estudantes
tornam-se “meaning-makers” (produtores de significados) e analistas críticos, transformando
os discursos e significações, tanto no momento da recepção quanto na produção (COPE;
KALANTZIS, 2009a, p. 11).

11
É importante salientar que, em consonância com Ribeiro (2016), todo texto é multimodal, porém, alguns são
mais multimodais que outros. Nos exemplos citados no texto, o chat é menos multimodal que um vídeo game,
pois, mesmo que o chat contenha emojis e gifs, muitas vezes tem predominância de linguagem verbal. Um texto
escrito apresenta aspectos de multimodalidade, uma vez que possui além da escrita, a linguagem visual, ao
considerar-se o layout da página, o tipo de letra. Entretanto, em grau menor que o vídeo game o qual traz
imagem em movimento, linguagem sonora, entre outras.
24

O trabalho com designs requer novas habilidades dos envolvidos com o processo
de ensino-aprendizagem. Desse modo, os papéis dos alunos e professores precisam ser
ressignificados em sala de aula. O educador passa então a ser um mediador, um colaborador e
não apenas um detentor do saber, adotando práticas de ensino fundamentadas na
aprendizagem por designs a qual requer aspectos como a interação, a autonomia, a
colaboração. A mediação pedagógica12, entendida como a capacidade do professor trabalhar
em colaboração com o alunado, acontece na forma como o docente trata o conteúdo e no
relacionamento com os alunos, colocando-os como sujeitos da aprendizagem (MASETTO,
2006, p. 144).
Conforme Cope e Kalantzis (2009a, p.10), o design define-se como um modo de
construções significativas, ou seja, um processo de elaborar sentidos tanto para si quanto para
o mundo, tratando qualquer atividade semiótica, inclusive o estudo de textos escritos, a partir
de três principais elementos: os designs disponíveis (available designs), o desenvolvimento
do próprio design (designing) e as ressignificações que possibilitam a construção de novos
significados (redesigned), segundo Cope e Kalantzis (2009a).
Assim, o primeiro passo de um currículo norteado pela aprendizagem por designs,
segundo Cope e Kalantzis (2009 a), é o estudo dos designs disponíveis, que são os padrões e
convenções de representação e produção de significados das várias esferas de comunicação
dos estudantes e educadores. No estudo dos designs disponíveis, para pensar as convenções
preestabelecidas, aquilo que já está posto como verdades universais, esses autores sugerem
cinco questões norteadoras, quais sejam: representacional (os significados se referem a
quê?), social (como os significados conectam as pessoas que estão com eles envolvidas?),
organizacional (como os significados estão organizados?), intertextual (como os
significados se encaixam no universo das significações?) e ideológica (de quem são os
interesses que os significados pretendem atender?).
O segundo elemento (desining), segundo Cope e Kalantzis (2009a), é um
momento de transformação/ ressignificação do mundo, em que o estudante constrói novos
processos de significação marcados pela inovação advinda dos questionamentos norteadores
ocorridos no primeiro passo (designs disponíveis), que promove um aprendizado situado e
construído pelo estudante, diferente das propostas transmissivas das práticas de ensino
tradicionais.

12
Julgo importante ressaltar que quando penso o professor como mediador, não tenho a intenção de diminuir a
importância essencial do professor no processo de ensino/aprendizagem. Essa mediação se refere apenas a uma
mudança no papel. O professor continua sendo fundamental para ajudar os alunos, trazer suas experiências e,
através da criticidade desenvolvida em conjunto, construir o conhecimento desejado.
25

Segundo Cope e Kalantzis (2009), o universo de informações ampliou muito


atualmente e é possível aprender muitas coisas pela internet, por isso, em consonância com
Behrens (2006), acredito que o professor necessite mudar seu foco do ensinar para o
aprender e, principalmente, para o aprender a aprender. Nesse sentido, Cope e Kalantzis
(2015, p. 31) propõem que os professores tornem-se designers ─ quando selecionam as
atividades, planejam as sequências didáticas e refletem sobre os resultados durante e depois
do processo ─ assim como os alunos transformam-se em designers do seu próprio
conhecimento. Os estudantes, desse modo, passam a ter maior controle sobre sua
aprendizagem, além de tomar consciência do que eles podem fazer para aprender. Desta
maneira a aprendizagem por design mantem “seu foco mais na ação do que na cognição ─
não no que sabemos, mas nas coisas que fazemos para saber” (COPE; KALANTZIS, 2015, p.
1).
O resultado do momento de desenvolvimento do design (designing) é um sujeito
ressignificado (re-designed), que compreende a forma como a realidade está representada
para si mesmo e para os outros, com traços de transformação do mundo e de suas linguagens.
Desses três elementos anteriormente apresentados ─ Available design, Designing
e Re-designed ─, propostos por Cope e Kalantzis (2009a) para o trabalho com designs,
derivaram os quatro movimentos pedagógicos13 da pedagogia dos multiletramentos: prática
situada, instrução aberta, enquadramento crítico e prática transformada.
Cope e Kalantzis (2015, p. 15) afirmam que a ideia principal dos
multiletramentos é perpassar por diferentes movimentos pedagógicos e que essa perspectiva
foi pensada para ampliar o repertório de práticas de ensino que os educadores já possuíam.
Portanto, esses movimentos não prescrevem a ordem nem os tipos de atividades. Em
decorrência do exposto, optei por adotar os quatro movimentos pedagógicos ─ sobre os quais
discorrerei a seguir neste capítulo ─ para a elaboração e desenvolvimento da unidade de
ensino com meus alunos, conforme apresento no capítulo de metodologia.

13
Passada uma década, desde a formulação desses conceitos, as sugestões iniciais dos autores para a prática da
pedagogia dos multiletramentos foram reformuladas e renomeadas para ações pedagógicas mais reconhecidas ou
processos de conhecimento (COPE; KALANTZIS, 2009a, 2015): Experiências (conhecidas e novas),
Conceitualização (por categorização/ nomeação e por teoria), Análise (funcional e crítica) e Aplicação
(adequada ou criativa). De acordo Rosa (2016), “a renomeação das orientações pedagógicas foi também uma
ressignificação das práticas (ROSA, 2016, p. 44)”, o que para a autora caracteriza uma “recuada” ideológica,
uma vez que essa nova terminologia, mais próxima do domínio de uma linguagem positivista, indica as
limitações desses processos de conhecimento (ROSA, 2016, P. 44). Conforme a autora, considerá-los
separadamente não se mostra muito eficiente, já que, em alguns momentos, analisar um fenômeno linguístico/
práticas de letramento, separando “funcionamento” e “avaliação” pode parecer estranho. Essas são ações
pedagógicas maleáveis e adaptáveis. São orientações que buscam certa organização curricular no ensino pautado
pelo multiletramentos.
26

O primeiro movimento pedagógico, a prática situada, segundo Cope e Kalantzis


(2009b), é a parte da pedagogia a qual é constituída por práticas significativas para
comunidades de estudantes, ou seja, os alunos deveriam, numa abordagem inicial, a partir do
seu conhecimento prévio, de suas vivências, analisar a produção e recepção dos gêneros que
lhes são familiares, colocando-os em relação com gêneros que circulam em outros espaços e
esferas sociais. Nesse ponto, essa visão aproxima-se da noção de letramento do modelo
ideológico de Brian Street (1984) a qual entende que às práticas letradas importam sempre o
contexto situacional, uma vez que essas residem sempre em contextos sócio- históricos. As
práticas de letramentos estão de forma intrínseca relacionadas com as estruturas culturais e de
poder da sociedade.
Nesse sentido, partir de uma prática situada também pressupõe pensar como as
novas tecnologias, sobretudo as mídias digitais, mudaram as características dos textos atuais,
tornando imprescindível a reflexão sobre a influência, no ensino atual, desses novos
meios/modos de comunicar, quando a intenção é aproximar as práticas escolares das vivências
dos alunos com textos fora do ambiente escolar. Tais reflexões vêm ao encontro do que
defende Rosa (2016):

[..] que a escola conectada promove a participação e o surgimento de novos


espaços de aprendizagem e de colaboração na construção de conhecimentos
relevantes para a comunidade escolar. A integração das tecnologias digitais
ao currículo propicia que a escola revele-se ao mundo e o mundo seja trazido
para dentro da escola, o que amplia a experiência educativa, ressignifica as
metodologias de ensino-aprendizagem e reconfigura as finalidades da
educação formal (ROSA, 2016, p. 70).

Ao considerar essa perspectiva, é importante situar, dentre as novas tecnologias,


as móveis, que são as que atualmente mais fazem parte do cotidiano das pessoas,
principalmente das mais jovens. O uso do smartphone na sala de aula, por exemplo, é um
tema polêmico e que ainda divide opiniões entre pais e educadores14.
O segundo movimento pedagógico, a instrução aberta, segundo Cope e
Kalantzis (2009b), acontece quando os alunos fazem, mediados pelo professor, uma análise

14
Entendo, com Alves et al (2019), que os alunos não podem ser privados da autonomia, da participação, da
interação oriundas do uso das tecnologias móveis em sala de aula, uma vez que essas fazem parte do cotidiano
dos alunos. As tecnologias móveis precisam ser integradas em função da aprendizagem, através de acordos pré-
estabelecidos em relação a tempo de uso, aos materiais que podem ser acessados, com a intenção de educar para
o uso pedagógico dessas ferramentas, em vez de simplesmente proibi-las. A proibição não tem se mostrado
eficiente, pois não impede a utilização desses dispositivos pelos alunos, além de desconsiderar a oportunidade de
educar o seu uso produtivo, saudável e construtivo e negar aos jovens o direito de uma escola que dialoga com
suas práticas cotidianas em outros espaços (ALVES et al. 2019, p. 123).
27

sistemática tanto dos gêneros que lhes são familiares, quantos dos novos gêneros estudados,
pensando no processo de produção e de recepção desses gêneros. Nessa etapa, de acordo
Cope e Kalantzis (2009, 2015), os alunos tornam-se conceituadores, ao fazerem análises
metalinguísticas que têm o objetivo de explorar, descrever e interpretar os gêneros e os
designs do mundo dos estudantes a partir de seus diferentes modos de significar. Deste modo,
o trabalho por designs, além de promover um ambiente propício para a ressignificação dos
papéis em sala de aula e o desenvolvimento da autonomia, da interação e a colaboração nos
alunos, suscita ainda a construção do letramento crítico, aspecto imprescindível para o
movimento seguinte, o enquadramento crítico.
O enquadramento crítico, conforme Cope e Kalantzis (2009b), refere-se a um
movimento pedagógico que tem como objetivo levar os estudantes a refletirem mais
profundamente nos gêneros conhecidos, ao mesmo tempo, que se apropriam criticamente dos
novos gêneros, pensando em questões históricas, sociais, culturais, ideológicas e de valores
centradas na relação entre o conhecimento individual e as práticas sociais. Para isso, faz-se
necessário o trabalho dos educadores com o letramento crítico, para prover os jovens de
habilidades que os ajude a participar efetivamente da sociedade contemporânea.
A perspectiva de letramento crítico com a qual esta pesquisa se alinha
fundamenta-se nos estudos de Souza (2011), para quem o letramento crítico tem a função de
desenvolver a percepção do entendimento, assim, o processo de ler criticamente envolve não
só aprender a escutar além dos textos e das palavras que o leitor estiver lendo, mas também
aprender a escutar as próprias leituras de textos e palavras (SOUZA, 2011, s/p). Essa acepção
de letramento crítico situa a produção de significados sempre a partir de pertencimento sócio-
histórico, levando tanto os autores quanto os leitores a tornarem produtores de significados.
Segundo Souza (2011), essa concepção de letramento crítico recusa a
normatividade universal e a crença em verdades universais e, desse modo, contribui para
ensinar/aprender a lidar com situações de conflitos e confrontos com a diferença, na medida
em que propõe que as verdades e os valores dos outros, assim como os nossos, são produtos
das suas comunidades e de suas histórias. Portanto, embora diferente dos nossos, esses são
igualmente fundamentados. Em uma sociedade que cada vez mais há diferenças na
diversidade e que surgem novas identidades constantemente (HALL, 2003; SILVA, 2000;
CAVALCANTI, 2013), saber lidar com os prováveis conflitos que surgirem dessas relações é
fundamental e por isso a importância de ensinar/aprender o letramento crítico, para que as
diferenças sejam problematizadas, questionadas e negociadas (SOUZA, 2011; SILVA, 2000).
28

Nesse sentido, em consonância com Cavalcanti (2011 apud CAVALCANTI 2013,


p. 212), o professor neste mundo de mobilidade social cada vez mais emergente, precisa ser
posicionado, responsável, cidadão, ético, leitor crítico, sensível à diversidade e pluralidade
cultural, social e linguística; atento aos avanços tecnológicos e aos conflitos que são tão
fluidos quanto as construções identitárias nas salas de aula, a fim de estar preparado para lidar
com os alunos deste século que são muito diferentes das gerações anteriores. Esse seria o
perfil de um educador preparado para ensinar o letramento crítico, transformando seu discurso
em práticas reais e significativas de ensino, para isso, conforme Cavalcanti (2013) “o
professor precisa saber muito mais do que aquilo que vai ensinar e precisa vivenciar o que
ensina” (CAVALCANTI, 2013, p. 215).
Por fim, na prática transformada, segundo Cope e Kalantzis (2009b), os alunos
devem voltar à prática situada e à análise crítica, para entender como usar suas descobertas
em novos contextos, como aplicar seu conhecimento fora do contexto da escola, no mundo
real, tanto na recepção quanto na produção dos gêneros estudados por eles. Para Rosa (2016),
“o que realmente importa para a pedagogia dos multiletramentos são as dinâmicas de
transformação e não as de reprodução ou assimilação” (ROSA, 2016, p. 39, grifo no
original). Para isso, os projetos (designs) precisam partir de situações do cotidiano, além de
serem significativos para os alunos. Os designs precisam buscar soluções para o mundo real,
não ficando restritos aos muros da escola.
Assim sendo, entendo com Rojo (2016)15, que a pedagogia dos multiletramentos
difere-se das pedagogias clássicas por considerar o trabalho com projetos (aprender por
experiências), por colocar o aluno como protagonista da aprendizagem, levando o professor a
assumir o importante papel de colaborador/mediador. Considerando tal perspectiva, valho-me,
mais uma vez, do trabalho de Rosa (2016) o qual mostra que a mudança proposta por esse
modelo de aprendizagem (aprendizagem por designs que fundamenta a pedagogia dos
multiletramentos) considera que os processos representacionais tanto pela língua quanto pelas
várias linguagens são “processos culturais e situados, ideologicamente marcados de
horizontes complexos e dinâmicos” (ROSA, 2016, p. 42). Deste modo, essa pedagogia, por
contemplar as várias linguagens e as várias culturas presentes na escola, conseguiria atender a
demanda de formação do alunado atual.

15
A citação baseou-se num vídeo do Youtube, no qual Roxane Rojo concede uma entrevista sobre os
multiletramentos e a pedagogia dos multiletramentos, ao site do programa Escrevendo futuro, disponível em:
Parte1 <https://www.youtube.com/watch?v=IRFrh3z5T5w&t=472s>, Parte2
<https://www.youtube.com/watch?v=uj4gNjksb88>. Acesso em: 30 de maio de 2019.
29

1.3. Os multiletramentos e a pedagogia dos multiletramentos como propiciadores de


práticas inclusivas

A inclusão foi pensada, no contexto desta pesquisa, partindo da hipótese de que


adotar uma perspectiva dos multiletramentos poderia vir a colaborar com uma participação
mais efetiva da diversidade de meus alunos, isto é, com práticas em minha sala de aula mais
inclusivas de suas diferentes diferenças, uma vez que as culturas e as linguagens dos
estudantes poderiam ser mais consideradas em meu contexto de ensino de língua portuguesa.
Para um ensino realmente inclusivo, em consonância com Cope e Kalantzis
(2016), as escolas precisam “fomentar nos alunos a sensação de que eles mesmos são
produtores de conhecimento e não consumidores de conhecimento que foi preestabelecido e
transmitido” (COPE E KALANTZIS, 2016, p.120-121). Um ensino inclusivo precisa garantir
o direito a todas as formas de conhecimento, valorizados ou não, no espaço virtual ou no
mundo físico, no contexto escolar ou em outras esferas públicas e é imprescindível que os
alunos, diante de uma atividade proposta, possam executá-la de diferentes modos, escolhendo
o mais acessível, mais familiar. Mais do que isso, acrescento, no processo de construção do
conhecimento, o estudante precisa ter seus portugueses, suas crenças e entendimentos
valorizados pela escola.
No entanto, o discurso do currículo, conforme Silva (2011), “autoriza ou
desautoriza, legitima ou deslegitima, inclui ou exclui” (SILVA, 2011, p. 190). Assim a escola,
ao estabelecer quais conhecimentos são importantes para o ensino/aprendizagem, apaga as
diferenças, as culturas, as linguagens, as línguas, os valores dos alunos. Os estudantes são
considerados como desprovidos de culturas e linguagens e à escola cabe o papel de provê-los
com as culturas clássicas/cânones, com a língua padrão, necessárias para um melhor
desempenho na sociedade. Ao estabelecer como norma esse conjunto de saberes, outros
conhecimentos podem ser excluídos e, consequentemente, alunos podem ser excluídos.
Nesse sentido é possível considerar que primeiramente a escola exclui para depois
incluir, assim como explica Sawaia (1999), quando afirma que a inclusão só existe na sua
relação dialética com a exclusão.
Desde a Declaração de Jomtien 16(da qual o Brasil é signatário), diferentes ações
têm sido realizadas no país a partir da ideia de uma “educação para todos”. Há, portanto, um

16
Declaração Mundial sobre Educação para Todos (Conferência de Jomtien – 1990). Aprovada pela
Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia, de 5 a 9 de março de 1990.
https://www.unicef.org/brazil/declaracao-mundial-sobre-educacao-para-todos-conferencia-de-jomtien-1990
30

movimento de inclusão, isto é, no sentido de acesso à educação para todos em que se realiza o
binômio exclusão-inclusão: o movimento de inclusão “educação para todos” só existiu,
porque havia incialmente os excluídos da escola. Acesso e inserção na escola, no entanto,
podem não significar inclusão de fato, ou seja, podem não significar uma participação efetiva
dos alunos nas práticas que são realizadas em sala de aula (por exemplo, porque são
desconsideradas as suas diferenças). Quando são inseridos, pode haver um novo processo de
exclusão, na medida em que suas diferenças são apagadas, desconsideradas ou pouco
valorizadas – ao que Sawaya (1999) denomina de inclusão perversa.
As políticas de inclusão, quando não problematizadas, ao argumentarem que a
cultura a qual importa ao aluno conhecer é a ensinada pela escola, desprestigia todo o
conhecimento, os aspectos culturais e linguísticos próprios dos alunos, inferiorizando-os em
relação aos conhecimentos escolares. Segundo Veiga-Neto (2003), “qualquer pedagogia
multicultural não pode pretender dizer, aos que estão entrando no mundo, o que é o mundo; o
que no máximo ela pode fazer é mostrar como o mundo é constituído nos jogos de
poder/saber por aqueles que falam nele e dele, e como se pode criar outras formas de estar
nele” (VEIGA-NETO, 2003, p. 13).
Tais colocações levam a refletir sobre o termo normalidade. Assim como o termo
inclusão, as expressões normal/anormal são, com muita frequência, usadas no âmbito da
educação especial, em referência aos alunos com deficiência, diferentemente do que esta
pesquisa propõe ─ acolhimento das diferentes diferenças (cf. definição de Cavalcanti, 2011)
no espaço escolar. Portanto, complementa a perspectiva de inclusão desta pesquisa, a
afirmação de Veiga-Neto (2016) de que na dicotomia entre o normal/anormal, a anormalidade
não é exceção, pois cada vez mais aumentam os tipos inseridos nesse termo. Sob a
denominação genérica dos anormais abrigam-se diferentes identidades flutuantes, sempre
atravessadas pelas relações de poder.
O termo normalidade na escola contempla aquilo que é o esperado, o adequado e
o que foge a essa visão está posto no grupo dos que desviam da norma, ou seja, dos anormais.
Segundo Silva (2011), eleger uma identidade como norma é uma das formas privilegiadas de
hierarquização das identidades e das diferenças. Assim, quando a escola valoriza algumas
culturas/representações/linguagens/línguas desconsiderando a diversidade de outras que
convivem no seu contexto, ela está produzindo uma hierarquização, já que as identidades e as
diferenças não produzem classificações simétricas. Para Silva (2000), “podemos dizer que
onde existe diferenciação aí está presente o poder. Nesse sentido, “[...] a afirmação da
31

identidade e a marcação da diferença implicam, sempre, as operações de incluir e de excluir”


(SILVA, 2000, p. 136-137).
Reconhecer as diferenças, a fim de suscitar práticas mais inclusivas, depende de a
pedagogia e o currículo, segundo Silva (2011), serem capazes de oportunizar aos discentes
desenvolver capacidades de crítica e questionamento dos sistemas e das formas dominantes de
representação da identidade e da diferença. Nessa perspectiva, a pedagogia e o currículo não
devem estar centrados na diversidade, concebendo que essa é formada por grupos
homogêneos e fixos, que precisam ser respeitados e tolerados, mas devem privilegiar a
problematização das identidades e das diferenças que compõem esses grupos. Segundo Cope
e Kalantzis (2016), para um trabalho produtivo com a diversidade, precisa-se focar as energias
educacionais na agência do aluno em toda sua variedade, o que suscita uma nova ética de
aprendizagem colaborativa. Quando as realidades dos alunos são tão variadas, a diversidade
de perspectivas se torna um recurso para a aprendizagem e a construção do conhecimento
torna-se ainda mais pujante para seu engajamento produtivo com a diversidade.
Um currículo inclusivo, conforme Cope e Kalantzis (2016), precisa proporcionar
opções para a aprendizagem ─ o que o aprendiz percebe que vale a pena aprender e o que
envolve as particularidades de sua identidade. Ele deve permitir formas alternativas de
engajamento ─ as variadas experiências que precisam ser abordadas na aprendizagem, as
diferentes tendências conceituais dos alunos, as diferentes perspectivas analíticas que o aluno
pode ter sobre a natureza da causa, efeito e interesse humano e os diferentes ambientes nos
quais ele pode aplicar ou promulgar seus conhecimentos (COPE; KALANTZIS, 2010 apud
KALANTZIS; COPE, 2016).
Para evitar a uniformização das práticas de ensino, ao elaborar uma atividade,
algumas características deveriam ser consideradas pelos docentes, em prol de uma
participação efetiva de todos os envolvidos. Segundo Coscarelli (2019), alguns princípios que
podem ser levados em conta, ao trabalhar na perspectiva dos multiletramentos são: pensar no
aluno e escolher temas e atividades que sejam do interesse deles; desenvolver o letramento
digital dos alunos, ou seja, desenvolver habilidades que vão permitir que os estudantes
consumam e produzam textos em ambientes digitais17; trabalhar com diferentes linguagens e

17
Os jovens apesar de utilizarem constantemente smartphones, tablets, notebooks e estarem frequentemente
conectados à internet, podendo acessar qualquer informação em tempo real; sem desenvolver o pensamento
crítico, estarão sujeitos às Fake News, aos discursos de ódio, às verdades tidas como inquestionáveis, sem terem
condições para questionarem, julgarem, relativizarem ou compararem essas informações. Essa questão é
considerada pela BNCC (BRASIL, 2020): “Ser familiarizado e usar não significam necessariamente levar em
conta as dimensões ética, estética e política desse uso, nem tampouco lidar de forma crítica com os conteúdos
que circulam na Web. A contrapartida do fato de que todos podem postar quase tudo é que os critérios editoriais
32

múltiplas culturas; trabalhar interdisciplinarmente; estimular a reflexão linguística; apresentar


desafios para os alunos, estimular o raciocínio, a curiosidade, a investigação e a solução de
problemas; explorar o trabalho em duplas, trios ou equipes, ou seja, o trabalho colaborativo,
assim como a socialização; valorizar as diferentes formas de manifestação cultural e pensar
fora da caixa, procurando formas dinâmicas e significativas de abordar os temas
(COSCARELLI, 2019, p.65).
De acordo Rojo (2012), a escola de hoje tem esse desafio de adaptar as práticas de
leitura/escrita, que já eram restritas e insuficientes mesmo para era do impresso, a uma nova
realidade na qual os jovens estão inseridos, cada vez mais digital, de textos multimodais,
multissemióticos e hipermidiáticos. De fato, as práticas escolares podem ser restritivas e
excludentes, ao favorecer apenas uma parcela do alunado.
No que concerne à variedade de linguagens que precisam ser contempladas nas
situações de ensino, é imprescindível, segundo Lemke (2010), remover os preconceitos
logocêntricos das avaliações da compreensão e das competências dessas novas habilidades
através das quais os alunos não são mais só consumidores. Em relação a esse aspecto, Rojo
(2013) também afirma:

[...] as propostas escolares para os letramentos ignoram e ocultam as formas


sociais orais em favor, decididamente, das formas escriturais. Essa
abordagem é apresentada a uma população escolar enraizada em formas
sociais orais de interação, ainda que tramadas às formas letradas – sobretudo,
em centros urbanos –, como, por exemplo, a larga preferência pelo
jornalismo televisivo, ao invés do impresso; pela novela folhetinesca de TV,
ao invés da leitura do romance; pela música, ao invés da poesia; pela
instrução oral (nos serviços telefônicos de atendimento ao consumidor), ao
invés da leitura de manuais de instrução (ROJO, 2013, p.3).

Em sentido semelhante a Rojo, Lemke (2010) ainda afirma que a escola tenta “[...]
impor aprendizagens uniformes em um tempo em que nunca houve desigualdades mais
radicais de todos os tipos entre os alunos de uma determinada idade” (LEMKE, 2010, p. 467).
Ao tratar dos aspectos tipológicos e topológicos da linguagem, o autor explica tal tentativa de
uniformização da escola e da sociedade em geral:

As culturas, os posicionamentos e as características das pessoas reais nunca


couberam nas categorias estreitas de nossas tipologias e estereótipos. Muitas
das pessoas reais têm reclamações, até certo ponto e de certo modo, para

e seleção do que é adequado, bom, fidedigno não estão “garantidos” de início. Passamos a depender de curadores
ou de uma curadoria própria, que supõe o desenvolvimento de diferentes habilidades” (BRASIL, 2020, p. 68 e
69).
33

adequar-se aos dois lados dessas dicotomias, para serem membros de muitas
categorias cujos nomes e definições os façam parecer mutuamente
exclusivos. Nossas realidades vividas não podem ser representadas fielmente
de maneira tipológica; muitas pessoas não têm voz onde não há outras
formas de fazer sentido. O potencial topológico do letramento
multimidiático pode ajudar a dar voz, dignidade e poder para pessoas
híbridas reais [com identidade móveis, contraditórias e sobrepostas,
HALL, 1992]. Pode minar um sistema ideológico que limita identidades
pessoais a algumas caixinhas disponíveis e socialmente aprovadas,
permitindo-nos ver e mostrar uns aos outros o universo de possibilidades
humanas reais muito mais amplo e multidimensional (LEMKE, 2010, p. 467,
[grifo nosso]).

Tão importante quanto considerar as várias linguagens que compõem os textos os


quais fazem parte do cotidiano do alunado atual, é a escola atentar para a diversidade cultural
que se apresenta na sala de aula. Nesse âmbito, para Cope e Kalantzis (2016, p.122), educação
inclusiva é sobre a autotransformação dos aprendizes, para que esses atuem com agentes de
transformação de seu mundo, sem precisar abandonar suas crenças, culturas e seus valores em
prol de se adequarem em padrões estabelecidos pela educação formal. A educação inclusiva é
uma forma de trabalhar com as diferenças dos aprendizes, a fim de obter o acesso social e o
reconhecimento simbólico. De acordo Cope e Kalantzis (2016):

aprender não é uma questão de "desenvolvimento" unilinear no qual você


deixa seu antigo eu para trás, descartando mundos de vida que em tempos
anteriores teriam sido enquadrados pela educação como menos adequados à
tarefa da vida moderna. Ao contrário, é um processo aberto de extensão do
repertório cultural, começando com o reconhecimento da experiência do
mundo da vida e usando essa experiência como base para estender o que se
sabe e o que se pode fazer. Um processo inclusivo de transformação,
portanto, não é uma questão de desenvolvimento vertical; ao contrário, é um
processo de expansão de horizontes (COPE; KALANTZIS, 2016, p. 11918).

Alinha-se a essa afirmação, o pensamento de Rojo (2009) sobre necessidade de a


escola, na busca pela inclusão social, formar alunos que saibam lidar com as diversas culturas
e diferentes linguagens:

18
Tradução nossa do original: “[…] learning is not a matter of unilinear ‘development’ in which you leave
your old self behind, jettisoning lifeworlds that would in earlier times have been framed by education as less
inadequate to the task of modern life. Rather, it is an open-ended process of extending one’s cultural repertoire,
starting with a recognition of lifeworld experience and using that experience as a basis for extending what one
knows and what one can do. An inclusive process of transformation, then, is not a matter of vertical
development; rather, it is a process of expanding horizons” (COPE; KALANTZIS, 2016, p. 119).
34

O papel da escola na contemporaneidade seria de colocar em diálogo [...] os


textos/ enunciados/ discursos das diversas culturas locais com as valorizadas,
cosmopolitas, patrimoniais, das quais é guardiã, não para servir à cultura
global, mas para criar coligações contrahegemônicas, para translocalizar
lutas locais. Como gosto de dizer, para transformar patrimônios em
fratrimônios. Nesse sentido, a escola pode formar um cidadão flexível,
democrático e protagonista, que seja multicultural em sua cultura e poliglota
em sua língua (ROJO, 2009, p. 115).

Assim, a forma como a diversidade cultural aparece nas práticas de ensino precisa
ser refletida cuidadosamente. Há a necessidade de considerar as diferenças dentro dessa
diversidade (HALL, 2000, 2003, [1992]2006; CAVALCANTI, 2013; SOUZA, 2011; SILVA,
2000, 2011), para evitar que essas sejam apagadas, culminando na inserção perversa
(SAWAYA, 1999) dessas culturas, em vez da inclusão.
35

CAPÍTULO 2
Metodologia da pesquisa

Neste capítulo, trato dos principais aspectos de uma pesquisa qualitativa


interpretativista, dos fundamentos do estudo de caso e do fazer pesquisa em sala de aula.
Abordo também a estratégia do observador participante, esclarecendo minha inserção no
campo e como se deu a geração e análise dos dados.
Conforme explicitado na introdução deste trabalho, o presente estudo foi norteado
pela tentativa de chegar à resposta da seguinte pergunta de pesquisa:
Como (de que modos) um trabalho baseado nos multiletramentos pôde
contribuir com a inclusão de um grupo de alunos em aulas de ensino de Português?
Para responder à pergunta de pesquisa, também como anunciado na introdução, a
aplicação de uma unidade de ensino para uma turma de sétimo ano foi registrada e analisada.
Essa unidade de ensino foi elaborada a partir da adaptação de uma sequência didática do livro
adotado na escola em que a pesquisa foi desenvolvida.

2.1. A pesquisa qualitativa interpretativista

A pesquisa qualitativa, segundo Minayo (2002), ocupa-se dos significados


(motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes), responde a questões muito particulares e
preocupa-se com um grau de realidade que não pode ser quantificado. Para Denzin e Lincoln
(2006), essa “consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão
visibilidade ao mundo" (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 17).
Conforme Denzin e Lincoln (2006), “a pesquisa qualitativa foi historicamente
definida dentro do paradigma positivista” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p.23). No entanto,
segundo Minayo (2002, p. 24), contesta-se esse paradigma pela postura de restringir o
conhecimento da realidade social meramente ao que se pode observar e quantificar. Conforme
Minayo (2002), não existe um “continuum” entre os termos qualitativo e quantitativo em que
36

este é o campo da objetividade/dos dados matemáticos, enquanto aquele comporta a


subjetividade/ a intuição. Deste modo, para Minayo (2002), a pesquisa qualitativa insere-se
mais numa abordagem dialética, considerando não só “o sistema de relações que constrói, o
modo de conhecimento exterior ao sujeito, mas também as representações sociais que
traduzem o mundo dos significados” (MINAYO, 2002, p.24).
É nas determinações e transformações dadas pelos sujeitos que se entende o
fenômeno social, de acordo com Minayo (2002). Para Moita e Lopes (1994), a pesquisa
qualitativa interpretativista insere-se numa tradição epistemológica que coloca o seu objeto de
estudo como sendo essencialmente social, contrariamente às Ciências Naturais (MOITA;
LOPES, 1994).
Em consonância com Denzin e Lincoln (2006), os pesquisadores das ciências
sociais usam uma diversidade de materiais empíricos (estudo de caso, entrevista, textos e
produções culturais, etc.), que descrevem momentos carregados de significados na vida dos
indivíduos, além de uma ampla variedade de práticas interpretativas interligadas, esperando
conhecer melhor o assunto estudado, entendendo que cada prática mobiliza uma visibilidade
diferente do mundo. A abordagem metodológica desta pesquisa foi guiada pelo paradigma
qualitativo interpretativista, porquanto as questões tratadas neste estudo são de natureza
qualitativa e passam pelas minhas interpretações, como pesquisadora também atuante no
campo.
Diante disso, este estudo está em conformidade com os aspectos descritos
anteriormente, em que a pesquisa qualitativa é compreendida como uma prática situada, uma
vez que pesquisei o meu fazer pedagógico em sala de aula, procurando atribuir significados às
interações/ações entre meus alunos, a professora/pesquisadora e minhas práticas de ensino.
Dada a intenção de responder à pergunta de pesquisa citada no início deste capítulo, atrelada à
abordagem metodológica apresentada, o tipo de pesquisa adotado foi o estudo de caso.

2.2 Estudo de caso e os instrumentos para coleta dos dados

Conforme Yin (2018), o estudo de caso normalmente é utilizado pelas Ciências


Sociais. Nesse campo, o que distingue o estudo de caso de outros métodos é o desejo de
entender eventos sociais complexos, pois esse permite concentrar em um “caso”
profundamente, mantendo uma perspectiva holística situada no mundo real. Segundo Yin
(2018), outro aspecto que pode justificar a escolha do estudo de caso como método de
investigação é a pergunta de pesquisa ser direcionada pelas palavras “por que” e/ou “como”.
37

Sendo assim, a compreensão de que esta pesquisa seria do tipo estudo de caso deu-se, após a
definição da minha pergunta de pesquisa, conforme reapresentada no primeiro parágrafo deste
capítulo, uma vez que meu questionamento foi norteado pela palavra “como”, ou seja, pelo
interesse em investigar de que modos trabalhar na perspectiva dos multiletramentos em
minhas próprias aulas afetava as ações dos participantes deste estudo.
Para Yin (2018), escolhe-se também estudo de caso, quando comportamentos
relevantes para o caso estudado não podem ser manipulados. Os fenômenos estudados ─
minhas práticas pedagógicas, as ações dos alunos no desenvolvimento das atividades em sala
de aula, entre outros ─ culminaram em comportamentos e respostas dos participantes sobre os
quais não se podia ter pleno domínio. Sendo assim, as respostas encontradas também tiveram
um aspecto mais explicativo dos fenômenos estudados e de explanação das ações dos
participantes envolvidos no estudo.
Por contar com diversas fontes de evidências (notas e diário de campo,
observação participante, entre outros), segundo Denzin e Lincoln (2006), uma pesquisa do
tipo estudo de caso pode comparar os dados coletados de forma triangular. Assim, em
consonância com a metodologia e tipo de pesquisa adotada, para a geração dos registro/dados
foram utilizados os seguintes instrumentos: observação participante, vídeo-gravação das
aulas e realização de diário de campo.
A observação participante como instrumento de pesquisa ocorreu na medida em
que eu atuava como professora e pesquisadora na sala em que a pesquisa foi desenvolvida.
Sobre este respeito, esclareço que para refletir sobre as minhas aulas, foi importante
considerar, segundo Cavalcanti (2000), que observar é algo que se faz a todo instante, no
entanto, observar em sala de aula, pressupõe atentar a detalhes, enxergar o que pode estar
invisível aos participantes. Assim, fazer pesquisa estudando as minhas próprias práticas,
exigiu meu olhar atento a tudo que acontecia a meu redor.
Além disso, todas as aulas pelas quais perduraram a aplicação da unidade de
ensino foram gravadas em vídeo. Por conta disso, é importante destacar que este estudo foi
submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Educação/UNICAMP sob
CAAE- 13906519.9.0000.8142 e aprovado por meio do parecer 3.535.791. Após a aprovação,
todos os alunos que aceitaram participar da pesquisa assinaram o Termo de Assentimento
(TA) e, seus responsáveis, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Com o intuito de acompanhar detalhadamente as minhas ações e dos alunos no
desenvolvimento das atividades, mantive dois pontos fixos de filmagens (fundo e frente da
sala) o que possibilitou, no momento da análise dos dados gerados, observar essas ações por
38

dois ângulos diferentes, garantindo, portanto, uma interpretação mais fidedigna dos dados. As
gravações foram produzidas com equipamentos pessoais: smartphone, tablet e tripé.
Além das vídeo-gravações e observação participante, após o término das aulas,
tive como prática registrar em diário de campo as minhas impressões sobre a aplicação de
cada etapa da unidade. Cada dia correspondia a uma entrada ou registro no diário de campo,
feitas sempre após as aulas, pela impossibilidade de fazer minhas anotações no desenrolar das
atividades e para evitar que alguma consideração importante sobre a aula passasse
despercebida. Nesses registros, além de as atividades desenvolvidas, eu pontuava os meus
sentimentos e impressões em relação ao que vivenciava diariamente e também os sentimentos
e reações dos alunos ─ por exemplo, como eles interagiam com as atividades, comigo e entre
si ─ (cf. CAVALCANTI, 2000). Os registros em diário de campo são profícuos para o
processo de triangulação dos dados.
A produção final dos alunos (vídeos-denúncia), após a aplicação da unidade de
ensino, assim como prints das conversas entre mim e os estudantes, que ocorreram ao longo
do projeto, via Whatsapp, também foram considerados parte dos dados gerados e objeto de
análise nesta pesquisa.

2.3 Cenário e participantes da pesquisa

2. 3.1 Descrição da escola

A pesquisa foi realizada em uma escola municipal de uma cidade no interior do


estado de São Paulo que atende aos ensinos fundamental I e II. A escola encontra-se na divisa
de duas cidades do interior paulista e possui um perfil peculiar, pois assiste principalmente
dois bairros com características bem divergentes. Um dos bairros, no qual está situada a
escola, é composto por chácaras. Alguns alunos provenientes desse bairro são filhos dos
donos dos sítios, outros, filhos dos cuidadores das chácaras. Há ainda aqueles que moram em
terrenos ocupados próximos à escola. A maioria dos discentes é oriunda de famílias de baixa
renda.
O outro bairro assistido pela escola, por sua vez, fica em uma região periférica,
formado por uma ocupação, portanto, discentes residentes nesse bairro, convivem com muita
falta de estrutura (falta de água encanada e saneamento básico, violência, falta de
atendimentos essenciais como policiamento, postos de saúde, entre outros.). Há também nesse
bairro alunos que moram em residências regularizadas, enquanto outros não. Em razão de tais
39

situações, há muitas identidades, culturas e interesses que se entrelaçam no grupo de


participantes desta pesquisa, ou seja, há muitas diferenças nesse grupo, por vezes vistos
apenas como alunos de uma escola rural19.

2. 3.2 Descrição dos participantes

A escolha da turma em que a unidade de ensino seria desenvolvida adveio da


necessidade de aprimorar a aprendizagem da Língua Portuguesa em práticas mais formais de
leitura e escrita, pretendidas pela escola. Embora essa turma participasse ativamente nas
discussões orais em sala de aula, apresentavam grande distanciamento da variedade urbana de
prestígio na escrita, produção e análise linguística. Outro fator relevante para a escolha dessa
turma foi a minha convivência com os alunos através da qual pude perceber, mediante
observação atenta às interações entre eles, que são todos participantes ativos das redes sociais
(principalmente Facebook e WhatsApp) e que essa é a principal fonte de entretenimento
desses estudantes. Esses são também usuários assíduos de jogos eletrônicos, sendo “Free
Fire” o mais jogado pela maioria da turma, porque, segundo os alunos, esse é o melhor jogo
para celular, dispositivo eletrônico acessível à maioria deles. Ainda nas interações com/ da
turma pude observar, por meio dos relatos dos alunos, a cultura do oral, do rádio, dos canais
abertos de TV. Não se mostraram frequentadores de plataformas de streaming de músicas,
podcasts, vídeos e filmes, mesmo as mais conhecidas e principalmente as que são pagas.
Importa ressaltar ainda, devido às características dos bairros antes mencionados, que esses
jovens não possuem opções de lazer e convívio social, próximas às suas residências, sendo a
escola, muitas vezes, o único espaço de encontro e convivência entre eles.
A sala escolhida foi um sétimo ano que possuía vinte alunos (10 meninas e 10
meninos) com idades variadas entre 12 e 15 anos, dado o meu vínculo construído em dois
anos de convivência com a turma e a oportunidade de aproveitar a vivência dos alunos com as
redes sociais, com o universo dos jogos, a fim de promover um trabalho sob a perspectiva dos
multiletramentos, aproximando o cotidiano dos alunos com as práticas em sala de aula,
contemplando ainda, nesse processo, a construção do conhecimento de língua esperado20.

19
No capítulo de análise, trago um excerto que amplia esse perfil dos participantes e evidencia suas diferentes
identidades.
20
Um aspecto que também instou a escolha desse sétimo ano foi procurar repensar o uso do smartphone em sala
de aula, uma vez que, ao utilizar esse dispositivo atrelado à proposta pedagógica, garantiria a oportunidade aos
alunos de trabalharem em sala de aula com uma ferramenta que faz parte do seu cotidiano em todos os espaços
fora da escola. Além disso, possibilitaria educar a utilização desse dispositivo de maneira construtiva e
produtiva, pois percebi que, principalmente com essa classe, a proibição não estava impedindo o uso.
40

2.4 Desenvolvimento da unidade de ensino e a geração dos dados

As atividades de pesquisa e geração dos dados a serem analisados advieram do


desenvolvimento, com uma turma de sétimo ano, de uma unidade de ensino, adaptada de uma
sequência didática do livro de apoio dos alunos, intitulada “Meio ambiente e participação
política”. Essa sequência orientava a elaboração de uma carta de reclamação ou solicitação
pelos estudantes, retratando os problemas das ruas, bairros ou entorno da escola. A adaptação
feita por mim ampliou, sobretudo, o estudo do gênero carta para a produção de um vídeo-
denúncia, de modo a manter, no trabalho com o vídeo, o desenvolvimento de habilidades
argumentativas características da produção de uma carta de reclamação ou solicitação, mas
expandindo esse trabalho para incluir outras habilidades produtivas, argumentativas e
linguagens, para além da escrita.
A unidade de ensino por mim elaborada encontra-se dividida em 9 etapas (cf.
quadro 1) e sua versão completa encontra-se disponível no Anexo deste texto.

Quadro 1: etapas da Unidade de Ensino


Etapas Nome da etapa
I Introdução à sequência didática “Meio ambiente e participação política”
II Ampliação do estudo dos elementos estruturais de uma reportagem nas
diferentes mídias
III Conhecendo os gêneros carta de reclamação e de solicitação e vídeo-denúncia:
trabalho com habilidades de argumentação, solicitação e reclamação
IV A importância da argumentação em carta de reclamação e solicitação e no
vídeo-denúncia
V A organização das cartas de solicitação, de reclamação e do vídeo-denúncia
VI Produção das cartas de solicitação e reclamação
VII Planejamento do vídeo-denúncia
VIII Produção do vídeo-denúncia
IX Edição do vídeo-denúncia
Fonte: elaborada pela pesquisadora
41

Esclareço que minha escolha da sequência didática e, consequentemente, do tema


nela abordado, deu-se norteada pela perspectiva do trabalho com os multiletramentos e da
pedagogia dos multiletramentos, pois considerei que, como os alunos vinham de diferentes
comunidades, poderiam expressar diferentes visões e experiências sobre um mesmo tema. O
perfil da escola, conforme detalhado na seção anterior (subitem 2.3), confirma como esses
possuem experiências e vivências muito distintas. É comum políticas e estratégias de ensino
direcionadas a essa escola, oriundas da secretaria da educação do município, qualificarem
esses estudantes como alunos de escola rural, já desconsiderando inicialmente a primeira
divisão citada anteriormente ─ alunos do bairro rural e do bairro periférico. Assim, a intenção,
ao organizar a unidade de ensino, além de que os alunos pudessem observar o seu espaço de
maneira crítica, pensando nas dificuldades que lhes cercam e em prováveis soluções para os
problemas encontrados em seus bairros, poderia incentivar a reflexão sobre o papel de
cidadão e da participação política.
Quanto à possibilidade de a unidade de ensino abarcar diferentes linguagens,
entendo que foi resultado da escolha do gênero a ser trabalhado ─ vídeo-denúncia ─ o qual
permitiria que os alunos estudassem imagens estáticas, imagens em movimento, as linguagens
audiovisual, espacial e escrita, compreendendo o funcionamento dessas diferentes linguagens.
Como exemplo, na Figura 1, a seguir, apresento uma das etapas da unidade de
ensino utilizada durante as aulas com o sétimo ano:

Figura 1: unidade de ensino desenvolvida para a geração dos registros

Fonte: elaborada pela pesquisadora


42

De acordo com o exposto anteriormente, como produto final da unidade de


ensino, os discentes deveriam produzir um vídeo-denúncia, o qual possibilitaria o trabalho
com diferentes práticas de letramentos (uso de línguas/linguagens). Além disso, as habilidades
desenvolvidas por meio de trabalho com projetos (por design), ora nos grupos de trabalho, ora
no coletivo da sala, poderiam estimular a oportunidade de trabalhar aspectos como
colaboração, a interação, a autonomia e a resolução de problemas. Toda a unidade de ensino
foi pensada para possibilitar o trabalho com a diversidade de linguagens e de culturas
presentes na vida dos alunos e, por conseguinte, na sala de aula.
Em razão de tais intenções, na adaptação da sequência didática, para construção
da unidade de ensino, fez sentido articular os movimentos da pedagogia dos multiletramentos
da seguinte maneira:
a. A prática situada foi considerada, na unidade de ensino, na medida em que
os alunos seriam levados a pensar sobre o espaço em que vivem, partindo de
suas vivências, de suas realidades, uma vez que falaríamos de seus bairros,
suas ruas e entorno da escola.
b. O movimento pedagógico de instrução aberta foi contemplado nas várias
etapas da unidade de ensino, por meio das atividades em que os alunos seriam
convidados a estudar metalinguisticamente a estrutura da carta, da notícia, da
reportagem, do vídeo-denúncia. Os momentos de reflexão linguística
deveriam acontecer tanto nos gêneros escritos, quanto no vídeo, no momento
de edição das legendas. Em relação à imagem (estática e em movimento), os
alunos pensariam no ângulo, no enquadramento, na escolha das cores,
estudando o que melhor retrataria os problemas que queriam destacar.
Pensariam na escolha da música, na velocidade da transição das imagens, no
tipo e na cor da letra da legenda, entre outros. A análise sistemática dos
gêneros e dos modos de linguagens aconteceria tanto na reflexão sobre a
estrutura de cada gênero escrito da unidade de ensino quanto na edição dos
vídeos-denúncia a serem produzidos pelos alunos.
c. O enquadramento crítico perpassa todas as etapas da unidade de ensino, pois
a intenção é que os temas tratados fossem debatidos durante o
desenvolvimento das atividades. Os alunos seriam levados a pensar, por
exemplo, quais interesses envolvidos nos problemas que eles levantariam de
seus bairros, de quem seria a responsabilidade de resolvê-los, de quem eles
poderiam cobrar uma solução e como poderiam fazer isso. Os alunos
43

refletiriam sobre o que eles, enquanto cidadãos e moradores, poderiam fazer


para solucionar os possíveis problemas que provavelmente encontrariam.
d. Por fim, a prática transformada aconteceria, na medida em que os alunos,
através de gêneros conhecidos, apropriassem-se de outros gêneros, aplicando-
os de uma nova maneira para transformar sua realidade, mesmo que de forma
indireta21, fora do contexto da sala de aula.

Uma vez elaborada a unidade de ensino, iniciei suas atividades com os alunos do
sétimo ano. Nesse momento, foram gerados os dados analisados nesta pesquisa. As atividades
foram desenvolvidas nas minhas 4 horas semanais de aula com a turma, por um período
aproximado de dois meses.
Como os gêneros dos textos com os quais trabalhei durante o desenvolvimento
dessa unidade, na maioria das vezes, circulavam nas esferas digitais, o uso de equipamentos
eletrônicos e o acesso à internet 22foi fundamental. Por isso é importante relatar as condições
da escola nestes aspectos. A escola possuía uma sala de informática com poucos
computadores (15 mais ou menos) dos quais apenas seis tinham acesso à internet, com poucos
Gigas disponíveis, mesmo para o uso de professores e funcionários, que ainda precisavam
compartilhar com os alunos que conseguiam “hackear” facilmente a senha da internet.
Como o acesso à internet na escola era limitado e o número de computadores
insuficiente, considerei a possibilidade de os alunos utilizarem, na maioria das vezes, seus
smartphones, nas atividades desenvolvidas para esta pesquisa23. Além de os recursos
tecnológicos que tínhamos disponíveis na escola serem aquém do desejado, outro desafio
enfrentado foi a resistência da comunidade escolar ─ pais, professores de outras disciplinas,
gestão ─ em relação ao uso do smartphone. A estratégia para solucionar essa questão foi o
diálogo com todos os envolvidos, mostrando a importância de educar os estudantes para o uso
construtivo, em vez da proibição, argumentando como o celular pode ser uma eficiente
ferramenta pedagógica.

21
Como é possível observar na descrição do cenário e dos participantes desta pesquisa e no capítulo de análise
de dados por meio dos excertos 27, 28 e 29, os vídeos só circularam na comunidade escolar, porque os alunos
perceberam que a divulgação desses poderia prejudicar parte da comunidade, ao mesmo tempo que beneficiaria
outra parte. Assim, os alunos decidiram apresentar os vídeos na escola na tentativa de conscientizar a
comunidade.
22
Ainda que esses aspectos tenham sido destacados, considero que trabalhar com os multiletramentos não
depende necessariamente do uso de novas tecnologias, mas principalmente de uma mudança de postura da
escola, do professor e do aluno em relação ao objeto de estudo ─ neste caso a língua portuguesa e os textos
multimodais. Assim, compreendo que o desenvolvimento da proposta não foi prejudicado.
23
Os dispositivos dos alunos restringiam algumas ações (uso de alguns aplicativos, armazenamento de imagens
e vídeos), pois possuíam pouco espaço de memória, câmeras de baixa qualidade, entre outros.
44

Todo o trabalho de produção e edição dos vídeos (produzidos pelos alunos como
produto final da unidade de ensino, sobre os quais discorrerei a seguir neste capítulo) foi feito
no celular dos alunos, já que eles demonstraram mais habilidade com esse aparelho do que
com o computador. Apenas um grupo utilizou, além do smartphone, o tablet de uma das
integrantes.
Como a classe foi dividida em quatro grupos de cinco participantes, resultaram do
projeto quatro vídeos-denúncia, os quais, para efeito de análise, foram nomeados de: grupo 1,
grupo 2, grupo 3 e grupo 4. Esse processo de produção dos vídeos, em alguns momentos,
contou com interações realizadas fora do horário de minhas aulas via WhatsApp.
Considerando o exposto, no Quadro 2, a seguir, são apresentados o conjunto dos
dados gerados de acordo com sua natureza e quantidade:

Quadro 2: conjunto de dados gerados


Natureza Quantidade
Observação em campo 29 aulas (50 minutos cada)
Vídeo-gravação das aulas 39 vídeos24 - aproximadamente 40 horas de
gravação
Registros em diário de campo 13 entradas25
Produção dos alunos (vídeos-denúncia) 4 vídeos
Capturas de tela de interação via whatsapp 4 capturas de tela
Fonte: dados coletados pela pesquisadora

2.5 Procedimentos para análise dos dados gerados

A primeira etapa da análise foi o visionamento de todas as vídeo-gravações as


quais somaram aproximadamente 40 horas, conforme quadro 2, considerando os dois pontos
de filmagem. Ao assisti-las, procurei atentar a todos os detalhes tais como as interações dos
alunos comigo e com seus pares, o engajamento desses com as atividades, guiando-me sempre
pela pergunta de pesquisa. Enquanto assistia às filmagens, eu destaquei os minutos que

24
Esse número contempla os vídeos tanto das aulas que aconteceram na classe, quanto das que aconteceram na
sala de informática, quando a atividade exigia uso de computadores. Duas aulas por semana aconteciam na
biblioteca, devido a logística da distribuição das salas-ambiente da escola. Um desses vídeos foi feito na aula
coletiva/palestra/ socialização na qual os alunos apresentaram seu projeto para toda a comunidade escolar. Nesse
dia a gravação foi feita apenas pelo tablet.
25
Cada entrada correspondia ao dia de aula gravada, que normalmente correspondia a duas h/a, ou uma hora e
quarenta minutos.
45

retratavam situações de ensino que mobilizaram o trabalho com as várias linguagens e as


diversas culturas, sob a perspectiva da pedagogia dos multiletramentos, que suscitaram uma
participação mais efetiva dos alunos.
Num segundo momento, assisti às gravações mais uma vez, para fazer a
transcrição grossa, na qual produzi apenas uma breve descrição do que acontecia nos minutos
previamente selecionados e um novo visionamento dos trechos selecionados foi necessário
para fazer a transcrição fina dos dados.
Mediante o exposto, ao analisar os dados do desenvolvimento da unidade de
ensino no sétimo ano, dois eixos nortearam meu olhar: o eixo das linguagens e o eixo das
culturas. Nos respectivos eixos de análise dos dados, apoiaram a interpretação das práticas
analisadas, para além do suporte teórico dos estudos sobre multiletramentos (GNL, 1996;
COPE; KALANTZIS, 2009, 2015; ROJO, 2012), identidades e diferenças (HALL, 2000,
2003, [1992]- 2006; SILVA, 2000, 2011 ) e inclusão (SAWAIA, 1999; VEIGA-NETO, 2003,
2016), as questões norteadoras ─ representacional, social, estrutural, intertextual e ideológica
(COPE; KALANTZIS, 2009a) ─ que se mostraram úteis para refletir e problematizar as
diferenças culturais, linguísticas e outras dos alunos, trazidas para as atividades desenvolvidas
em classe, observando se práticas inclusivas ocorreram (ou não).
Além de o visionamento das filmagens, fiz leituras e releituras do meu diário de
campo, na tentativa de relacionar minhas considerações do dia da filmagem como participante
e observadora, ou seja, no momento que vivenciava as situações da pesquisa, comparando-as
com as observações feitas tempos depois. Isso me permitiu um distanciamento necessário para
a triangulação dos dados.
O capítulo de análise a seguir, além de apresentar os dados a partir de dois eixos
(linguagens e culturas), mostra-os, em cada eixo, na sequência temporal em que ocorreram ao
longo da unidade de ensino.
46

CAPÍTULO 3
Os multiletramentos como propiciadores de participação efetiva na sala de
aula e potencial inclusão em outros espaços
Este capítulo é dedicado à análise dos dados os quais são provenientes do
desenvolvimento da unidade de ensino por mim adaptada, com o intuito de responder à
seguinte pergunta de pesquisa:
Como (de que modos) um trabalho baseado nos multiletramentos pôde
contribuir com a inclusão de um grupo de alunos em aulas de ensino de português?
Ao analisar os registros do desenvolvimento da unidade de ensino no sétimo ano,
pautada pelos multiletramentos, dois eixos principais foram considerados: o eixo das
linguagens e o eixo das culturas, contemplados por essa perspectiva. Importa ressaltar que, em
alguns momentos, os aspectos das diversas culturas e das variedades de linguagens emergiam
nos dados concomitantemente. Esse entrelaçamento ocorreu porque, ao se envolverem com
atividades em diferentes linguagens, os alunos usam suas experiências e vivências culturais
para se engajarem nas atividades desenvolvidas. Do mesmo modo, quando estão refletindo
sobre os aspectos culturais de um texto/ discurso/ gênero, eles trazem suas experiências com
as práticas de linguagens que fazem parte do seu cotidiano. Além disso, nesse processo,
entendimentos dos alunos sobre os objetos e práticas de ensino também foram revelados.
Na seção 3.1 analiso situações nas quais os alunos, por se envolverem com
atividades de leitura e produção que mobilizaram o trabalho com diferentes linguagens, foram
incluídos na aula, participando mais efetivamente, não só porque a proposta já contemplava
várias linguagens, mas, sobretudo, porque essa levou em consideração as linguagens trazidas
para dentro da sala de aula pelos alunos, em conjunto com suas vivências, experiências
prévias, identificações e compreensões.
A seção 3.2, por sua vez, traz a análise dos excertos em que observei a inclusão e
a participação efetiva dos alunos acontecendo em decorrência de esses poderem manifestar
suas culturas, identificações e entendimentos no desenvolvimento das atividades, tendo suas
diferenças dialogadas, problematizadas e negociadas no processo.
47

3.1. Práticas inclusivas mobilizadas pela leitura e produção nas diferentes linguagens

Para iniciar esta seção, trago o excerto 1 que mostra a aula em que introduzi a
unidade de ensino na qual a exploração de diferentes linguagens, atrelada a uma proposta
interativa, com o intuito de promover uma aprendizagem mais autônoma e ativa, propiciou
um maior engajamento dos alunos uma vez que, por exemplo, mobilizaram o conhecido para
explorar/compreender o novo em relação às linguagens trabalhadas em sala. Nessa aula,
iniciei apresentando o tema da sequência didática “Meio Ambiente e participação política”, na
qual os alunos, a partir de um grafite (Flop26) do Zezão (figura 1), refletiram e levantaram
problemas dos seus bairros, relacionando às discussões suscitadas por essa imagem do livro.
Para isso, um dos momentos da aula foi dedicado à realização da leitura dessa imagem a qual
retratava lixos espalhados pelo chão (vaso sanitário, aparelho de televisão, restos de
construção como tijolos e telhas quebrados, entre outros), ao pé de uma parede cinzenta,
aparentemente enegrecida pelo fogo. Havia na parede pichações as quais eram indecifráveis e
ao centro destacava-se o grafite na cor azul, conforme figura 1 a seguir.
A forma de conduzir a leitura abriu possibilidade para que os estudantes se
expressassem de maneiras mais individualizadas a respeito de como a imagem os mobilizava,
o que levou, por exemplo, a aluna Ângela (ver excerto 1) explorar compreensões sobre as
manifestações culturais artísticas presentes na imagem, aspecto que, não necessariamente
condizia com o que era esperado como resposta da leitura ─ um exercício de leitura de
imagens cuja finalidade era instigar, nos alunos, o início de uma discussão sobre participação
política em interface com a questão do meio ambiente, refletindo assim, sobre os problemas
ambientais de suas ruas, a seriedade do descarte inadequado do lixo e uma possível
intervenção nesses problemas.

Figura 127 - Flop do Zezão analisado pelos alunos

26
Flop é uma imagem que mistura grafite e arte abstrata, quase sempre na cor azul, conforme definição retirada
do livro didático (FIGUEIREDO, Laura de. Singular & Plural: leitura, produção e estudos de linguagem/ Laura
de Figueiredo, Marisa Balthazar, Shirley Goulart. – 2 ed. – Moderna, 2015, p. 115) dos alunos..
27
Alguns episódios da discussão da aula introdutória mobilizada pela figura 1, assim como os excertos 1 e 2,
serão retomados para análise dos aspectos culturais na seção 3.2.
48

Fonte28: imagem retirada do endereço:


https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Zez%C3%A3o&oldid=57466327

Enquanto analisávamos o Flop (figura 1) para discutir o descarte inadequado do


lixo, a exploração da figura visual possibilitou à aluna espaço para recuperar seu
conhecimento prévio sobre o grafite e a pichação, como mostra a seguir o excerto 1:

Excerto 1- trecho de análise de aluna Ângela do Flop do Zezão (figura 1)


Professora: o que vocês observam nessa imagem?
Ângela29: aqui tem dois tipos de arte. Tem a pichação que não é uma arte. [A sala interrompe.
Todos querem falar ao mesmo tempo]. Tem o grafite que é uma arte reconhecida no Brasil e
em outros países e a pichação que não é arte, é vandalismo, que é uma coisa feia e polui os
ambientes.
Fonte: dados coletados pela autora

É possível perceber, na fala de Ângela, como ela traz o conhecido ─ aquilo que
sabe sobre grafite e pichação ─ para refletir o novo ─ a atividade de analisar um texto
imagético: uma fotografia artística com propósito de chamar atenção do público ao tecer,
visualmente, uma crítica a um comportamento social. Mesmo que inicialmente
compreendendo pichação e grafite como arte “Aqui tem dois tipos de arte30 [...]”, logo em
seguida, Ângela descreve opostamente os modos como os significados estão sendo
representados na imagem lida. Atribui à pichação um valor estético inferior “[...] é uma coisa
feia e polui [visualmente] os ambientes [...]” e, portanto, um caráter de não-arte “[...] a

28
Essa imagem não corresponde a do livro didático, pois, dada a questão de direitos autorais, eu não poderia
reproduzi-la neste texto. Deste modo, eu busquei o flop na internet e a única fotografia (de uso livre) encontrada
possuía uma pessoa ao centro. Precisei, assim, trabalhar na imagem, o que prejudicou um pouco a nitidez, ainda
que eu tenha testado alguns aplicativos para melhorá-la.
29
Os nomes dos participantes foram alterados para que não seja possível a identificação dos alunos.
30
A aluna Ângela, provavelmente, refere-se ao grafite e pichação como artes, em resposta à pergunta do livro
que as nomeia como manifestação artística.
49

pichação que não é uma arte [...]”. Enquanto, por outro lado, apresenta o grafite como arte
legitimada “[...] reconhecida no Brasil e em outros países [...]”.
Com essa fala, a estudante não chega exatamente a analisar a que se referem
(quais os significados) desses elementos visuais da pichação ou do grafite dentro do que se
configura o propósito da fotografia, isto é, chamar a atenção para um comportamento social.
Ângela não menciona, por exemplo, qual das duas linguagens seria mais efetiva do ponto de
vista receptivo e que causaria maior impacto ou conscientização por parte daqueles que as
visualizam, se seria o grafite ou a pichação. Mas, ao revelar-me seus entendimentos atrelados
aos valores estéticos e artísticos das duas linguagens, Ângela dá indicações de que sua leitura
dos elementos da imagem poderia caminhar para isso, como será possível observar no excerto
2 em seguida.
Antes de dar continuidade à análise dessa situação, para complementá-la com
outro excerto (excerto 2), cabe destacar que, a observação dos movimentos de uma pedagogia
dos multiletramentos atrelados a tal situação de ensino, permite visualizar uma interação em
momento de instrução aberta – estudávamos os modos de recepção e produção da imagem do
livro didático, sistematicamente e conscientemente – que abriu espaço para a expressão das
compreensões dos estudantes (como no excerto 1). Nos entendimentos de Ângela sobre as
linguagens por ela analisadas, estão concepções, comuns no contexto brasileiro, sobre o que
poderia (ou não) ser considerado arte, a partir do que se compreende como um senso estético
que é (ou não) valorizado. Isto é, junto da apresentação do seu conhecido, Ângela faz
conhecer, no espaço escolar, suas compreensões, diretamente ligadas com sua sócio- história e
identificações (HALL, [1992]-2006).
Um movimento pedagógico de enquadramento crítico poderia ter sido bastante
interessante para discutir com aqueles alunos o conceito de arte, de estética, ou mesmo para
fazê-los refletir que uma obra não precisa carregar beleza ou chancela para poder ser
considerada arte e que, portanto, podem existir diferentes formas artísticas de produção,
intervenção e transgressão. No entanto, o enquadramento crítico da situação de ensino acabou
sendo “enquadrado” pelos objetivos colocados na atividade proposta pelo livro didático.
Como esse objetivo era que os alunos reconhecessem os elementos da imagem
visual (como cores, objetos representados, enquadramento, entre outros), a intenção do autor e
da obra, pela minha intervenção como mediadora daquela interação, Ângela e os outros
colegas foram levados a analisar a que se referiam os elementos da imagem – dentre esses,
estão incluídas as linguagens da pichação e do grafite que Ângela havia destacado – para que
50

refletissem sobre quais sentidos eles possibilitavam construir. No excerto 2, a seguir, inicio
dizendo aos alunos para pensarem no “impacto causado pelo grafite”:

Excerto 2- Ângela, Lorenzo e Vinícius contrapõem a eficácia da linguagem visual (Flop) à escrita (Proibido
jogar lixo) para chamar atenção do interlocutor
Professora: agora vamos pensar no impacto causado pelo grafite, vocês acham que se no lugar do
grafite colorido, [...], tivesse apenas a linguagem verbal, uma frase escrita “Proibido jogar lixo”,
surtiria o mesmo efeito?
Ângela: talvez, se fosse uma frase colorida, umas cores chamativas, uma frase boa também.
Professora: o que está se destacando aí na parede?
Vários alunos: o grafite.
Professora: se tivesse sido pichado de preto “proibido jogar lixo”...
Ângela: não ia dar para ver porque a parede é escura.
Professora: não chamaria a atenção das pessoas tanto quanto, não é? [...] vocês disseram que o
que mais chama a atenção na imagem é o grafite. Por que ele chama tanta atenção?
Vários alunos: por causa da cor.
Ângela: porque a cor dele é muito viva.
Professora: a cor está sobressaindo. O que mais?
Ângela: é uma imagem [Flop] bonita.
Professora: há bastante contraste.
Ângela: porque dá pra destacar bastante, tem um fundo preto, cinzento, destaca mais o azul. [...] ia
ficar muito mais bonito se a parede fosse totalmente branca e não tivesse esses lixos no chão.
[...]
Professora: vocês acham que o artista conseguiu chamar a atenção das pessoas que passavam pelo
local, com sua obra? O artista atinge ou não o propósito dele?
Ângela: sim, as pessoas vão passar e vão pensar que o local precisa de uma limpeza. [...] uma
pessoa que olhasse para essa imagem e visse o estado do chão, ela ia pensar que precisa de uma
limpeza, uma reforma talvez...
Professora: vocês acham que ele conseguiu conscientizar as pessoas?
Lorenzo: acho que não. As pessoas estão muito loucas.
Professora: o que você quer dizer com as pessoas estão muito loucas?
Lorenzo: elas tacam lixo e não ligam para nada. Na cabeça delas elas pensam assim, que o lixeiro
vai passar e recolher e pronto.
Vinícius: pode ter um placão lá, professora, “não jogue lixo”, aí você vai olhar e tens uns latão de
lixo. [...] agora bota um baguio de “macumba” lá que ninguém joga mais...
Fonte: dados coletados pela pesquisadora

Para que os alunos pensassem sobre o sentido produzido pelo grafite colorido,
coloco, em contraposição, a possibilidade de uma frase escrita ser inserida em seu lugar “se
no lugar do grafite colorido, [...], tivesse apenas a linguagem verbal, uma frase escrita
“Proibido jogar lixo”, surtiria o mesmo efeito?”. A cor da frase ou mesmo o seu conteúdo
são colocados por Ângela como sendo elementos de importância para a produção do efeito
desejado. Ela diz que se fosse uma frase “boa”, “colorida” e “chamativa”, talvez surtisse
efeito. O fato é que Ângela não deixa de atrelar as suas concepções de bom e esteticamente
51

válidos para seguir com sua análise sobre os elementos visuais da fotografia. Para Ângela, o
flop surte efeito porque tem cor “muito viva”, “é uma imagem bonita” e, com isso, “dá para
destacar bastante, tem um fundo preto, cinzento, destaca mais o azul”.
Esse contraste entre o muro cinzento (sujo) e o “estado do chão” (cheio de lixo
descartado em local inadequado) com o azul vivo do flop é justamente um dos elementos da
imagem que permite a Ângela considerar que o propósito do artista foi atingido “as pessoas
vão passar e vão pensar que o local precisa de uma limpeza”. Mas, ainda que o peso do
sentido construído recaia sobre tal contraste, novamente, como quando contrasta pichação e
grafite, ela não deixa de registrar a sua estética: “ia ficar muito mais bonito se a parede fosse
totalmente branca e não tivesse esses lixos no chão”.
Lorenzo e Vinícius (excerto 2), por outro lado, discordam da colega e não
consideram que a conscientização foi atingida por meio do flop colorido. Na leitura que fazem
da imagem fotográfica, também trazem suas vivências externas ao universo escolar “as
pessoas estão muito loucas”, além de aspectos culturais “pode ter um placão lá [...] aí você
vai olhar e tens uns latão de lixo. Agora bota um baguio de macumba lá que ninguém joga
mais” naquilo que analisam da imagem. Esse é um exemplo de uma situação de ensino na
qual a proposta direcionava para o trabalho com linguagens e os conhecimentos prévios,
vivências e aspectos culturais dos alunos cruzam-se com a leitura que eles fazem dessas
linguagens, conforme se observa com a fala de Lorenzo sobre o comportamento das pessoas e
de Vinícius sobre a “macumba” (essa fala será explorada em mais detalhes no eixo das
culturas – item 3.2).
A situação de ensino, apresentada nesses dois dados (excerto 1 e 2), importa do ponto
de vista escolar, porque os alunos puderam observar que os significados podem ser expressos
em diferentes modos (linguagem visual e/ou linguagem verbal), pois, conforme Cope e
Kalantzis (2009b, p.422), deve ser parte dos aprendizados os alunos perceberem que cada
modo tem suas particularidades (há sentidos que só podem ser apresentados em determinada
linguagem), apesar do paralelismo possível entre eles, e que os significados, representados por
cada modo, não são exatamente os mesmos. Além disso, nesses momentos de trabalho com
diferentes linguagens, como é o caso dos excertos 1 e 2, pude observar uma participação mais
efetiva desses alunos se revelar: pela possibilidade de se colocarem a partir de suas diferenças
e diversidades. Como um dos objetivos da atividade era suscitar nos alunos a reflexão sobre
os diferentes significados carregados pelos modos de linguagem, esses manifestaram suas
compreensões, identificações, vivências e aspectos culturais, revelando novas e outras
possibilidades de leitura das diferentes linguagens e de seus sentidos.
52

Diferentemente dos excertos (1 e 2) em que as culturas e linguagens (leitura e


compreensão de pichação/ grafite, por exemplo), externas ao ambiente escolar, passam a fazer
parte das atividades desenvolvidas, possibilitando práticas inclusivas na sala de aula; trago a
situação de ensino relatada no excerto 3, que mostrou-me o trabalho com diferentes
linguagens como potencial para promover a participação efetiva dos alunos em outras esferas
sociais. Isso, porque esses podem levar os conhecimentos sobre leitura de imagens e dos
sentidos carregados pela linguagem visual, adquiridos no ambiente de sala de aula, para
outros espaços de convivência.
O excerto 3 retrata o momento no qual pedi para que os alunos comparassem duas
imagens (figuras 2 e 3), procurando levá-los a perceber qual das duas fotografias melhor
retratava o risco a que a população estava exposta, por conta dos problemas na fiação da
cidade da reportagem estudada. Nesse momento, Ângela procura fazer uma análise da
linguagem visual das imagens, falando do enquadramento de cada uma, conforme excerto 3:

Figura 2 - plano geral

Fonte: http://g1.globo.com/pernambuco/fotos/2014/01/fotos-confusao-de-fios-em-postes-do-recife.html

Figura 3 - plano médio


53

Fonte:http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2014/01/fios-soltos-e-caidos-de-postes-sao-risco-para-moradores-
do-recife.html

Excerto 3 - explicação da aluna Ângela em relação à diferença de enquadramento das imagens (figuras 2 e 3)
Professora: eu quero que vocês observem as duas fotografias com muita atenção e vejam o
enquadramento, a maneira como ele destacou o problema, qual delas seria mais interessante
para chamar a atenção para o problema denunciado?
Ângela: elas estão relatando, a mesma situação, o mesmo problema. [problema com a fiação
em situação irregular na grande Recife em áreas com movimento].
Professora: [a sala não presta atenção na fala da aluna, estão muito dispersos, eu peço
silêncio e falo para a aluna repetir] O que essas imagens têm em comum?
Ângela: elas retratam a mesma situação, mas com enquadramento diferente.
Professora: qual delas tem um enquadramento melhor 31 [para retratar o problema da
fiação]? Lembrando que ele quer denunciar o fio trazendo risco para a população. Qual
enquadramento fica melhor?
Ângela: o enquadramento sai melhor na imagem um [imagem no plano geral, o qual mostra
fios desencapados amarrados numa árvore num lugar de trânsito] só que a segunda imagem
ele trata mais do problema [plano médio que mostra como fio está baixo em relação à altura
do fotógrafo, à altura da mão] [...] relata mais o acontecido.
Professora: na primeira destaca o fio amarrado numa árvore mostrando a extensão da rua e o
potencial risco à população. E na segunda, o que acontece na segunda?
Ângela: tá ruim [o enquadramento], só que tá retratando bem o problema, está mostrando o
que estava acontecendo.
Professora: na segunda ela capta [a fotografia] como o fio está baixo, trazendo risco a quem
passasse pelo local. [...] depende daquilo para o que você quer chamar a atenção, a escolha do
enquadramento.

31
A resposta de Ângela pode ter sido influenciada pela pergunta da atividade proposta pelo livro que foi: “em
sua opinião, qual das fotografias ficou com o enquadramento mais interessante. Por quê?”. Com a pergunta
esperava-se que o aluno escolhesse qual fotografia utilizou o plano mais interessante para retratar melhor o risco
causado à população pelos fios irregulares e que o estudante justificasse sua escolha. Ângela, apesar da tentativa,
não conseguiu explicar as intenções do fotógrafo com o enquadramento escolhido e porque esse seria mais
interessante.
54

Fonte: dados coletados pela pesquisadora

No excerto anterior, a aluna Ângela reflete sobre quais significados eram


veiculados pelas duas imagens (figuras 2 e 3) “elas estão relatando o mesmo problema, a
mesma situação”. A aluna menciona as diferenças de enquadramento “mas com
enquadramento diferente.” e percebe como os significados foram organizados para chamar a
atenção do público para diferentes dimensões do problema “o enquadramento sai melhor na
imagem um [...] só que a segunda imagem ele trata mais do problema [...] relata mais o
acontecido.”, procurando atender a minha orientação inicial “eu quero que vocês observem as
duas fotografias com muita atenção e vejam o enquadramento, a maneira como ele destacou
o problema, qual delas seria mais interessante para chamar a atenção para o problema
denunciado.”
A aluna, no entanto, não diz explicitamente que a perspectiva e o ângulo da
imagem podem ter sido escolhidos intencionalmente pelo fotógrafo para direcionar o olhar de
seu público para o aspecto que deseja destacar, ainda que analise, a seu modo, que a segunda
imagem lhe pareça “relatar mais o acontecido”. No exemplo trazido pelas figuras 2 e 3, na
primeira imagem, o plano geral ─ mesmo que um plano do detalhe pudesse destacar mais a
fiação desencapada – foi utilizado para despertar a percepção no leitor da dimensão do
problema, uma vez que a árvore com os fios amarrados estava em uma área de trânsito,
contexto fundamental para se avaliar os riscos trazidos por esse fio. Já na segunda imagem, o
plano médio (captando o corpo da cintura para cima) favorece a percepção de como o fio está
baixo, podendo ser alcançado com a mão. Importa muito, no entanto, como a estudante fez
uma tentativa “[...] só que a segunda.[...] tá ruim [o enquadramento], só que tá retratando
bem o problema, está mostrando o que estava acontecendo” de analisar a fotografia sob a
ótica da linguagem visual, percebendo os significados representados e procurando estabelecer
ligações entre esses e a diferença de enquadramento.
O excerto 3 mostra que, embora as fotografias sejam uma prática recorrente,
comum no universo dos estudantes, esses podem estar as consumindo/produzindo de maneira
acrítica, porque não foram formados para esse tipo de letramento, o que se observa quando a
aluna Ângela demonstra dificuldade em analisar a fotografia enquanto imagem, apesar de seu
engajamento em participar da atividade.
A aluna, assim como o restante da classe, não possui o hábito de analisar uma
fotografia como uma linguagem que também veicula significados. Ainda que as experiências
prévias dos estudantes não os tenham levado a atingirem sozinhos a compreensão esperada
55

das duas imagens, no momento de prática situada, a minha mediação permitiu que a
observação e compreensão dos termos enquadramentos, planos, ângulos, próprios da
linguagem visual, fossem trabalhadas, no momento de instrução aberta, quando os orientei a
pensarem conscientemente nos modos de recepção e produção de um texto imagético,
levando-os a perceberem ainda a intenção do fotógrafo, ao escolher cada plano, para retratar a
situação desejada.
Em face do exposto, a aula de português mostrou-se mais inclusiva, uma vez que
incentivei os estudantes a manifestarem suas impressões sobre a fotografia, trabalhando suas
dificuldades na construção dos significados do texto imagético, possibilitando a esses por fim
entenderem o propósito da atividade. Em virtude da estratégia de ensino adotada,
conhecimentos que permitem uma participação mais efetiva desses estudantes também fora da
escola podem ter sido mobilizados. Deste modo, ao verem uma reportagem televisiva, por
exemplo, esses podem notar que o recorte, o enquadramento, o ângulo de uma imagem
estática ou em movimento pode não ter sido escolhido ao acaso, levando-os a perceberem que
a forma como um jornal apresenta um gráfico pode estar, propositadamente, induzindo o
leitor a uma interpretação errônea. A escola, ao formar estudantes para serem
consumidores/produtores críticos dos textos nas várias linguagens, está cumprindo o seu papel
de prepará-los para desempenharem sua cidadania plenamente, nas mais diversas esferas
sociais (COPE; KALANTZIS, 2009, 2015; LEMKE, 2010; LANKSHEAR; KNOBEL, 2002,
2007; ROJO, 2012, 2018). Deste modo, momentos que suscitaram nos alunos um novo olhar
para as diferentes linguagens e que podem ajudá-los nas práticas da cultura digital tão
recorrentes no seu cotidiano revelaram indícios de que uma aula de português mais inclusiva
poderia estar em curso.
Os excertos (4, 5 e 6) do quadro 3 a seguir retratam situações que propiciaram
tanto a participação efetiva em sala de aula, por terem possibilitado ao aluno Vinícius
expressar-se no modo mais acessível a ele e vivenciar um trabalho colaborativo de escrita
com o colega Paulo, quanto a possibilidade de a inclusão acontecer em outras esferas sociais
as quais podem vir a exigir que o aluno faça solicitações e reclamações por meio de texto
escrito. Esses momentos aconteceram quando produzíamos a carta de reclamação/solicitação
com os problemas do bairro, listados no início da unidade de ensino, que culminariam na
produção do vídeo-denúncia. Os próximos registros foram gerados todos na mesma aula. Para
facilitar o entendimento, elaborei o quadro 3 a seguir no qual apresento esses dados na
sequência em que ocorreram: antes, durante e após a elaboração da carta por Vinícius.
56

Quadro 3 - excertos relacionados a três momentos diferentes do desenvolvimento da carta de solicitação/


reclamação pelo aluno Vinícius
Antes Durante Após
Excerto 4: aluno Vinícius Excerto 5: carta falada em voz Excerto 6: fala de
fala da dificuldade em alta por Vinícius e Vinícius sobre o escriba
produzir sua carta posteriormente escrita com a
ajuda do colega Paulo
Professora: Vinícius, vamos Professora: gente, vamos No fim da mesma aula
acabar? finalizar as cartas? [após conseguir escrever a
Vinícius: eu não sei o que eu Vinícius: [em voz alta] Caro carta]:
falo [escrevo]. prefeito, gostaria de comunicá- Vinícius: professora,
Professora: sabe sim, você lo que na minha rua [nome como que faz aqueles cara
falou tão bem naquele suprimido] estamos com um lá, uma pessoa fala a outra
dia...naquele dia, você belo problema de saneamento escreve? Como é que fala?
argumentou tão bem naquela básico. Já reclamamos muito É escrivão? [Ele se vira para
aula que debatemos sobre com a [companhia responsável o colega ao lado,
os problemas do bairro . suprimida], mas não considerado pela sala o mais
Vinícius: escrever eu não sei, resolvemos. Por favor, inteligente nas produções
agora falar… comparecer lá para ver o escritas dos gêneros
Professora: você não defeito. [aluno para de falar tipicamente escolares, e
consegue escrever e você neste ponto da carta] pergunta] Quer ser meu
consegue falar, por que você Professora: agora escreva escrivão?
acha isso? isso, Vinícius! [...] isso, Lorenzo: não!
Vinícius: sei lá...é que falar é escreva essa carta que você Vinícius: [insiste com
mais fácil, professora. acabou de falar para mim. Lorenzo] eu falo, você
Professora: e porque falar é Tente passá-la para o papel. escreve, mas tem que ter
mais fácil? Vinícius: esse é o problema! mão, hein?
Vinícius: porque quando vou [...]
falar eu olho, eu sei o que Professora: Vinícius, querido,
estou falando, não é uma onde está aquela carta que
carta, daí o negócio é você falou [ditou para mim]?
diferente. Coloque-a no papel!
Professora: mas numa carta Paulo: [imediatamente, ao
você pode falar [expor suas ouvir minha cobrança a
ideias] mesmo assim. Qual o Vinícius, prontifica-se a ajudá-
problema quando você vai lo] Não! Vai! [abrindo o
escrever? caderno de Vinícius] Cadê seu
Vinícius: quando eu estou lápis? [Vinícius diz não saber,
falando, é muito mais fácil, ele prontamente empresta o
agora escrever, sei lá… as seu, entrega ao lápis a
ideias não vêm. Vinícius, apontando a linha do
Professora: as ideias não caderno] São Paulo...[
fluem na escrita, como na iniciando a carta ditando] dois
fala? pontos... [abre seu caderno
Vinícius: isso! [balançando a para ver sua carta e volta após
cabeça positivamente, junto a confirmação de sua dúvida]
com uma colega que agora coloca a vírgula...
concorda com ele] Vinícius: de outubro?
Paulo: coloca de outubro,
57

coloca! Beleza! Agora coloca


à [nome da companhia de água
suprimida]... [Vinícius se
distrai e ele chama sua
atenção] Vinícius? Aí você
coloca aqui, moro na rua...
Professora: sente, por favor,
Paulo!
Paulo: estou ajudando ele...
Fonte: dados coletados pela pesquisadora

No excerto 4 – quadro 3, o aluno Vinícius, ao falarmos sobre o seu bairro,


mobilizou suas experiências conhecidas, participando entusiasticamente em vários momentos,
ao produzir seu discurso de maneira clara, objetiva e apresentando argumentos convincentes.
No entanto, quando deveria produzir o texto escrito ─ a carta de reclamação ou solicitação ─
com os mesmos argumentos, esse manifestou grande dificuldade.
O recorte de situação de sala de aula correspondente ao excerto 4 – quadro 3 traz
evidências, assim como os autores Cope e Kalantzis (2009b) já apontaram, da necessidade de
a escola considerar os vários modos de linguagem nas aulas, já que, visivelmente, a
dificuldade do aluno está atrelada ao modo de representação de sua produção: a escrita. Em
ocasiões anteriores ao processo de produção da carta, para além de partir de uma prática
situada (refletir sobre problemas de seu bairro e de sua rua), o aluno teve oportunidade de
estudar, metalinguisticamente, os tipos de carta (solicitação ou reclamação), a modalização, a
argumentação e organização de uma carta e esse demonstrou ter se apropriado dessas
habilidades exigidas pelo gênero, mesmo que utilizando como recurso a linguagem oral. No
excerto 5 – quadro 3 é possível observar, inclusive, o instante em que, ao ser cobrado por mim
para que escrevesse o texto, Vinícius dita uma carta em voz alta, seguindo corretamente o
modo de organização. Nota-se o direcionamento ao interlocutor “Caro prefeito”, a
contextualização do leitor “na minha rua [nome suprimido]”, a modalização (o tom de sua
carta era de reclamação) “Já reclamamos muito com a [companhia responsável suprimida]
[...]”, e o início da argumentação “[...] estamos com um belo problema de saneamento
básico”, portanto, não é possível dizer que Vinícius não alcançou o conhecimento esperado
para a atividade.
No quadro 3, os excertos 4 e 5 evidenciam que o desafio para o aluno era o modo
de representação da linguagem escrita “esse é o problema!”. De fato, de acordo Cope e
Kalantzis (2009b), a expressão dos significados na oralidade não pode ser direta e
completamente traduzida na escrita, pois requerem esforços diferentes na produção dos
58

sentidos, mas o modo mais acessível ao aluno Vinícius foi o oral, tal como ele mesmo
expressou em suas palavras “escrever eu não sei, agora falar…” [...] “sei lá...é que falar é
mais fácil, professora.” Na linguagem oral, “quando eu estou falando, é muito mais
fácil,[...]” as ideias fluem, diferentemente da linguagem escrita “ [...] agora escrever , sei lá…
as ideias não vêm”. Assim, o fato de Vinícius ter tido a possibilidade de se expressar no modo
mais acessível a ele pôde ser usado como “andaime”32 (COPE; KALANTZIS, 2009, 2015)
para esse atingir o modo de representação pretendido pela escola ─ a escrita. Esse foi também
um passo importante para o aluno, já que dependendo do local onde ele possa vir a fazer uma
reclamação futuramente, a linguagem escrita poderá ser exigida em detrimento da oral e à
escola cabe a função de ensiná-la (COPE; KALANTZIS, 2009b).
Conforme explica Rojo (2013, p. 3), o problema é que nas escolas brasileiras as
formas orais são desconsideradas em favor das formas escriturais, para uma população
arraigada nas formas sociais orais de interação.
A dificuldade do estudante em transcrever suas ideias faladas no texto escrito é
demonstrada também pelos gestos, expressões faciais e postura corporal do aluno, conforme
observo em aula, na filmagem e também no relato em meu diário de campo (veja excerto 7).
A segurança e confiança demonstradas, no momento da fala (cabeça erguida, voz imponente,
olhando firmemente para professora na figura 5-B), foram substituídas por um olhar perdido,
ombros caídos, coçar e balançar da cabeça negativamente (figura 5-A).

Excerto 7- trecho extraído do diário de campo da pesquisadora em 08/10/2019 - observação sobre postura de
aluno durante execução de tarefa
Hoje observei que o Vinícius apresentou dificuldade na produção da carta, embora tenha
participado ativamente dos momentos de debate, mostrando muita desenvoltura. Quando
discutíamos os problemas do bairro, o aluno participava sempre com postura confiante, tom
de voz adequado, cabeça erguida, olhar diretamente direcionado para a professora, em
contrapartida, no momento da escrita, seu olhar era perdido, ombros caídos, às vezes,
balançando a cabeça negativamente, demonstrando o esforço que a tarefa demandava.
Trecho extraído do diário de campo elaborado em (08/10/2019)

32
O termo “andaime” utilizado por Cope e Kalantzis baseia-se nos estudos de Vygotsky, como é possivel
observar na citação desses autores: “Experiencing the New is a Knowledge Process in which the learner is
immersed in an unfamiliar domain of experience, either real (places, communities, situations) or virtual
(presented texts, images, data, facts or other represented meanings). […] For learning to occur, it also needs to be
scaffolded; there must be means for the parts that are unfamiliar to be made intelligible — with the assistance
of peers, teachers, textual cross-references or help menus, for instance. […] Learners encounter new
information or experiences, but only within a zone of intelligibility and safety, of what Vygotsky calls a ‘zone of
proximal development’, sufficiently close to the learners’ own lifeworlds to be half familiar, but sufficiently new
to require new learning (Vygotsky 1962 (1978): 86)” (COPE; KALANTZIS, 2015, p. 19 [grifo nosso]).
59

Figura 4- aluno Vinícius no quadro A, coçando sua cabeça, ao falar de sua dificuldade com a escrita, enquanto
no quadro B com uma postura mais entusiástica comenta sua facilidade com a oralidade

A B

Fonte: dados coletados pela pesquisadora

Ao mesmo tempo, no entanto, noto nos excertos do quadro 3 que o fato de eu me


pautar na pedagogia dos multiletramentos e dar abertura para os alunos se expressarem de
diferentes formas, a exemplo do caso de Vinícius, suscitou um ambiente propício para
valorizar a construção oral do aluno “sabe sim, você falou tão bem naquele dia, você
argumentou tão bem naquela aula que debatemos sobre os problemas do bairro [...] mas
numa carta você pode falar [quer dizer expor suas ideias] mesmo assim”. Muito além disso, a
possibilidade de um ambiente mais colaborativo, como incentivado por essa pedagogia, foi
fundamental para que o aluno participasse da atividade a partir da ajuda que recebeu do
colega Paulo (excerto 6- quadro 3). O momento da colaboração entre Vinícius e seu colega
também se encontra retratado na Figura 4.
60

Figura 5 - produção de carta de forma colaborativa entre alunos

Fonte: dados coletados pela pesquisadora

A figura 5 revela o aluno Vinícius produzindo a carta colaborativamente com seu


colega Paulo, aluno no centro da imagem, debruçado sobre a carteira. Vinícius, antes da ajuda
de Paulo, estava com o caderno fechado, não tinha lápis, o livro com o roteiro para a produção
da carta estava embaixo da carteira. O colega ao ajudá-lo resolveu as dificuldades
apresentadas anteriormente: abriu seu caderno, emprestou-lhe o lápis, abriu o livro com
roteiro, conferiu a sua carta no caderno para auxiliá-lo, ditou o início da carta. Nos minutos
seguintes, após receber ajuda, Vinícius conseguiu concentrar-se, continuando a atividade,
sozinho, até concluí-la.
Quando superou sua dificuldade com a escrita, o estudante comemorou sua
conquista fazendo uma indagação curiosa: “professora, como que faz aqueles cara lá, uma
pessoa fala a outra escreve? Como é que fala? É escrivão?” (quadro 3 excerto 8). Tal
pergunta serve de base para que Vinícius apresente em seguida uma solução criativa para sua
dificuldade com a escrita, a partir de uma consulta ao colega Lorenzo ─ esse um aluno
reconhecido pela sala por ser o que apresenta melhor desempenho nas atividades tipicamente
escolares, nos gêneros escriturais ─ “quer ser meu escrivão? [...]eu falo, você escreve, mas
tem que ter mão, hein?”.
A solução apresentada por Vinícius é perfeitamente possível, pois, como cita
Street (1984, p.35), o letramento é apenas um dos requisitos necessários para a convivência
em comunidade, já que um mecânico analfabeto, por exemplo, pode trocar suas habilidades
61

com alguém que preencha formulários por ele, enquanto um homem de negócio pode ditar
uma carta para que um amigo a escreva, como os antigos escribas medievais. O episódio
mostra como o aluno, ao ter que se apropriar de um gênero tipicamente escolar e valorizado
pela escola, inova o processo de significação, demonstrando um aprendizado diferente, por
meio da reapropriação criativa (ROSA, 2016, p. 42) da proposta inicial (produzir uma carta),
quando esse sugere uma prática não prevista para o contexto da aula, dizendo que poderia
ditar uma carta e alguém escrevê-la. Essa situação, inclusive, foi vivenciada por Vinícius em
classe, ao escrever seu texto colaborativamente com seu colega Paulo. A fala de Vinícius
(“quer ser meu escrivão? [...]”), pelo seu caráter inovador, de ressignificação da realidade a
partir da participação efetiva do aluno na atividade, inspirou o título desta pesquisa.
Em virtude do exposto, observa-se que Vinícius teve a possibilidade de trabalhar
com a linguagem mais acessível a ele cerceada, em parte, pelo direcionamento da atividade ─
que partiu do livro didático o qual, conforme Rojo (2013, p.184), prioriza as variedades de
prestígio da língua portuguesa, os gêneros pertencentes à cultura do escrito, por exemplo, os
jornalísticos, aos quais a carta de solicitação/reclamação pertence. No entanto, a situação de
ensino, do modo como foi conduzida, possibilitando ao aluno trazer suas vivências para essa
atividade, somada à ajuda do colega Paulo e ao incentivo da professora, mobilizou uma
participação mais efetiva na aula de português. Vinícius, assim como os colegas, precisava
concluir a carta. Em decorrência desse fato, o aluno não pôde utilizar outras linguagens para a
produção final. Mas, ao mesmo tempo, o aluno vivenciou a oportunidade de trabalhar sua
dificuldade com a escrita em sala de aula, de modo que o envolvimento com essa prática pode
vir a possibilitar sua inclusão em outros espaços, fora da escola, em que for exigido o texto
escrito como forma de comunicação.
Depois de estudar gêneros próprios da escrita e da cultura escolar (reportagem,
notícia, carta de solicitação e denúncia), discutindo conceitos como modalização,
argumentação, verbos de elocução, principalmente no gênero carta e trazerem esses conceitos
para outras linguagens, trabalhando sob a perspectiva da multimodalidade dos textos atuais,
os alunos envolveram-se na etapa final da unidade de ensino: a produção dos vídeos-
denúncia. Como anunciado no capítulo metodológico, para essa produção, os alunos se
organizaram em quatro grupos, a saber:

Quadro 4 - os grupos e seus participantes


62

Grupos Participantes33
Grupo 1 Ângela, Bruna, Leonardo, Murilo, Vinícius,
Grupo 2 Gustavo, Lorenzo, Natan, Paulo, Rael
Grupo 3 Emília, Giovana, Manuela, Marina, Valentina
Grupo 4 Gláucia, Júlia, Maria, Fernando, Washington
Fonte: elaborado pela pesquisadora

A escolha do gênero vídeo-denúncia também instigou o trabalho com


funcionamentos próprios de várias linguagens (por exemplo, enquadramento, planos, ângulos
na linguagem visual estática e em movimento, sensações mobilizadas pela linguagem sonora).
Nesse sentido, os próximos excertos (8 e 9) apresentam situações em que os alunos Leonardo
e Ângela analisam a linguagem sonora dos vídeos-denúncia produzidos. Os excertos revelam
o potencial inclusivo das aulas pela possibilidade de esses alunos, por terem se engajado numa
atividade de produção com diferentes linguagens, prepararem-se para participar de modo mais
efetivo nas práticas letradas do mundo de hoje.
No excerto 8, Ângela comenta sobre a música escolhida pelo grupo do colega
Lorenzo (grupo 2) para a primeira versão do seu vídeo-denúncia.

Excerto 8 - Ângela analisa música escolhida para o vídeo do grupo do colega Lorenzo
Ângela: o Lucas mandou [o vídeo] parecendo que estava documentando a morte de alguém.
Julia: o vídeo do Lorenzo ficou maior da hora.
Professora: a versão enviada ainda não foi o vídeo-denúncia, embora ele possa aproveitar
essa versão. Vocês ainda vão fotografar mais coisas, filmar outros problemas, editar...
Lorenzo: não tem mais nada para fazer...
Ângela: ah... e aqueles bueiros tudo entupidos lá não é nada?
Lorenzo: e eu não filmei não?
Ângela: você filmou os lá de baixo e aqueles lá do ponto, lá em cima...
Fonte: dados coletados pela pesquisadora

A música escolhida por Lorenzo era lenta, melancólica e remetia a relatos de


acontecimentos tristes. Ângela relatava sua impressão sobre o vídeo o qual havia sido
compartilhado pelo Whatsapp, no grupo da sala, no dia anterior. A aluna, ao assistir ao vídeo
do colega, questiona a que os significados se referem, dando indicações de que a música
escolhida poderia despertar no público sentimentos relacionados à morte “parecendo que
estava documentando a morte de alguém”. Ângela traz o seu conhecido e entrelaça
inferências a partir de suas vivências fora do contexto escolar, a partir da música escolhida
33
Os nomes utilizados são fictícios para preservar a identidade dos participantes.
63

pelo colega. Assim, a estudante indica ter a consciência de que a linguagem sonora, associada
à imagem e ao texto, juntos, ajudam a construir os significados representados pelo vídeo e
interferem na maneira como o público vai interagir com esse.
O dado seguinte mostra o aluno Leonardo refletindo sobre a música mais
apropriada para compor seu vídeo-denúncia e despertar no seu interlocutor (o prefeito) o
desejo em atender a sua solicitação, conforme excerto 9:

Excerto 9- aluno Leonardo associa música do seu vídeo à possível interpretação de seu interlocutor

Leonardo: essa aqui [música] está boa? [...] tem um monte de música. [...] professora, essa
música aqui, olha.
Professora: esta [música] não está muito melancólica?
Leonardo: Imagine o prefeito ouvindo isso aqui. [Simula choro] “eu vou arrumar...”
Fonte: dados coletados pela pesquisadora

Leonardo, tal como Ângela, compreende que a escolha da música interfere na


mensagem que será passada pelo vídeo. No momento de edição, durante a escolha da música
para seu vídeo, quando eu o questiono “esta [música] não está muito melancólica?”, ele
responde “Imagine o prefeito ouvindo isso aqui. [Simula choro] ‘eu vou arrumar...’”,
mostrando a consciência de que a linguagem sonora carrega sentidos tanto quanto a
linguagem escrita e visual. Para o aluno, a música escolhida poderia mobilizar mais
efetivamente o prefeito a atender a solicitação do seu vídeo-denúncia justamente por instigar
uma resposta emotiva.
Os dados até aqui revelam situações de ensino em que há leitura e produção em
várias linguagens. As situações mostram que o trabalho numa perspectiva dos
multiletramentos abriu possibilidade de os alunos trazerem para sala de aula suas vivências e
identificações (excertos 1, 2, 5), compondo seus modos de ver, entender e produzir, e, em
consequência, de se envolver de forma mais efetiva (inclusiva) na compreensão e produção
com diferentes linguagens. Ao mesmo tempo, o envolvimento dos alunos com linguagens
também se revelou como potencial para participação mais efetiva (inclusiva) desses alunos
nas práticas da cultura digital com as quais eles já se envolvem/se envolverão. Isso, porque
considerei, em minhas ações de ensino, que eles foram levados a refletir (excerto 3) e produzir
(excerto 6), lançando mão dos modos (visual, escrito, sonoro) os quais compõem os textos
multimodais que hoje circulam amplamente, nos espaços fora do ambiente escolar. Tal
contexto denota uma interface entre multiletramentos e inclusão que aponta não só para
dentro, mas também para fora da sala aula.
64

Ao analisar os vídeos que resultaram do desenvolvimento da unidade de ensino,


esses mesmos aspectos inclusivos puderam ser notados, seja porque os alunos levaram suas
experiências e identificações para a construção dos materiais em vídeo (com influência nas
linguagens utilizadas e formas de produzir sentido), seja porque, durante essa construção,
tiveram que refletir sobre as linguagens escolhidas e seus efeitos. Entretanto, o que a análise
dessas produções acrescenta é que tais situações de ensino, ainda que mais inclusivas, não
deixaram de ser atravessadas pela cultura do tipicamente escolar. Os grupos 2 e 3
apresentaram em suas produções uma maior exploração das várias linguagens para a
construção dos sentidos que pretendiam transmitir, enquanto os grupos 1 e 4, embora tenham
buscado caminhar nessa mesma direção, tiveram suas criações perpassadas pelo tipicamente
escolar.
Em relação ao grupo 2, os prints apresentados nas figuras 6 e 7 a seguir
proporcionam a visão da escolha das imagens estáticas e da linguagem escrita, todavia perde-
se muito dos efeitos audiovisuais que colaboraram com a construção dos sentidos deste
projeto. Esse grupo soube traduzir, em seu vídeo, a construção de significados através das
várias linguagens trabalhando juntas para a produção de sentidos. Por exemplo, a linguagem
visual (imagem de entulhos [figura 6- C/D]), a sonora (som que remetia ao entulho sendo
jogado em uma caçamba, som de telhas e tijolos se quebrando) e a legenda (solicitando à
prefeitura a solução para o problema - figura 6-C) unem-se para traduzir a mensagem ─
chamar a atenção da população e dos órgãos responsáveis para os problemas que o lixo
descartado inadequadamente poderia causar à comunidade ─ que o grupo pretendia passar,
tornando o vídeo mais dinâmico. A escolha da cor das legendas dá o tom de denúncia, mais
provocativo, posto que há uma simbologia associada à cor vermelha que remete à
reivindicação, a protesto.
65

Figura 6 - prints das telas do vídeo do grupo 2


A
A B
N
ão
é
in
C co D

m
u
C D
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p
E olí F
tic
as
e
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trF
E
at
B
ég
ia
s
d
e pesquisadora
Fonte: dados coletados pela
e
ns
Identificam-se no vídeo as características do gênero carta e vídeo-denúncia,
in 6- C/D), direcionando à prefeitura, à
quando os alunos marcaram o interlocutor (Figura
o
companhia de água e à companhia de energia. Também quando apresentaram as denúncias: o
di
problema do lixo, da fiação elétrica, dos bueiros entupidos por lixo, da falta de saneamento
re trazem as afirmações que a falta de
básico. Quanto à argumentação (ver figura 6- C/E),
ci doenças às crianças que brincam perto
saneamento básico em um dos bairros pode “causar
o do outro bairro “não deixando a água
do local, além de mau cheiro” e o lixo nos bueiros
circular para a central de tratamento”. A figura anaseguir mostra a modalização (figura 7-G)
da
escolhida pelos alunos, pois o grupo finaliza marcando bem a solicitação do vídeo “por esses
s
a
es
sa
66

motivos nós solicitamos que a [companhia de água e energia elétrica] e a prefeitura de [...]
resolvam os problemas mencionados nesse vídeo”, conforme figura 7:

Figura 734- prints das telas do vídeo do grupo 2

B
A

A B

D
C
D

F
C

E
F G

E
G

Fonte: dados coletados pela pesquisadora

Vale destacar o uso que o grupo 2 faz do enquadramento para produzir o vídeo,
utilizando o plano do detalhe com a foto do balde recebendo a água do cano do esgoto (figura
7-D), plano médio com a canaleta a céu aberto (figura 6-B/E) e plano geral com uma

34
Os alunos receberam um roteiro com algumas direções para produção do vídeo-denúncia, o qual se baseou em
uma ficha de avaliação da sequência didática, que gerou a unidade de ensino. Eu adaptei essa ficha de avaliação
para produzir o roteiro do vídeo. No entanto, ainda que tenha sido disponibilizado tal roteiro, o que moldou
bastante os vídeos dos alunos, os “desvios” não foram desconsiderados e, pelo contrário, foram bem-vindos,
dentro da perspectiva pela qual a unidade de ensino se propôs guiar.
67

filmagem que leva o público a acompanhar o percurso do esgoto, ao longo da extensão do


córrego (figura 7-A). Deste modo, o grupo 2 mescla a forma de denúncia que provavelmente
deve ter maior circulação entre eles, por exemplo, as reportagens televisivas sensacionalistas
(saudação, letras vermelhas), com o que estavam aprendendo sobre linguagens em sala,
quando se apropriam do uso de planos e enquadramentos e, em alguns momentos, deslocam o
visual para um primeiro plano na construção dos argumentos, ao denunciarem a gravidade de
um balde receber o escoamento do esgoto de uma residência.
O grupo 3, assim como grupo 2, mostra um processo interessante de trabalho com
as diferentes linguagens, na produção e edição do vídeo35. Os alunos produzem quatro versões
do vídeo-denúncia, o que permite visualizar como se deu o processo metalinguístico ─ o
movimento de instrução aberta. Esse grupo caminhou em direção a uma maior hibridez das
linguagens, quando conseguiu misturar a escrita, o sonoro e o visual.

Figura 8 - Quatro versões do vídeo-denúncia do grupo 3

Versão-1 Versão-2

!i1 e

rsão-2

35
A escolha desse grupo para representar o processo de edição deve-se a fato de o grupo 3 ter sido o que mais
mudou o vídeo ao longo da edição.
68

Versão-3 Versão- 4

rsão-4

Fonte: dados coletados pela pesquisadora

A figura 8 traz os prints das telas das quatro versões do vídeo do grupo 3. De uma
versão para a outra, é possível notar que as cores, o tamanho, a disposição na tela e o tipo de
letras das legendas foram sendo alteradas. Muda-se também a quantidade de texto e a
argumentação. As minhas interações com o grupo interferiram na edição, como pode ser
observado no quadro 4:

Quadro 4 - prints das interações com o grupo 3 via Whatsapp

Antes da orientação Orientação Depois da orientação

A B C
69

D E F

Fonte: dados coletados pela pesquisadora

Na primeira versão (figura 8- versão 1) os alunos trouxeram uma legenda que se


esvaneceu na tela porque as cores das letras e do fundo das imagens eram muito parecidas,
dificultando a leitura para quem assistisse ao vídeo. Ao me enviarem essa versão, eu sugeri
que os estudantes colocassem uma cor que desse mais destaque à legenda (quadro 4- A).
Sugeri ainda a elaboração do argumento (quadro 4- E) “entulhos que podem causar
problemas para a população”, pedindo que citassem quais seriam esses problemas. Observa-
se na segunda versão (figura 8- versão 2) que essa solicitação foi atendida, quando o grupo
coloca legendas com tom marcante, contrastando bastante com o fundo da imagem. A cor
escolhida (vermelho), assim como a disposição das legendas na tela, trouxe um ar mais
provocativo, mais reivindicativo ao vídeo, mesmo que as legendas ocultassem um pouco as
imagens do fundo. A elaboração do argumento só aparece na terceira versão (figura 8- versão
3), quando o grupo diz “entulhos que podem causar problemas com a população como o
mosquito da dengue, os escorpiões pode transmitir doenças fatais”. Na versão 3, as cores das
legendas foram trocadas mais uma vez para uma mescla de azul e verde. Na quarta versão eles
reelaboram o argumento “trazer doenças à população como Dengue e esconder insetos
mortais como escorpião”. Nota-se ainda nessa versão que mais uma vez as legendas foram
alteradas: cores (branca), tipo de letra e disposição na tela.
Durante as edições, estudamos que a quantidade de texto na legenda poderia
interferir no ritmo do vídeo, já que a transição das telas deveria ser mais lenta para contemplar
o tempo de leitura. Em virtude disso, percebe-se que o grupo 3 foi adequando a mensagem à
situação de comunicação (apresentação dos vídeos para a comunidade escolar no pátio) e à
intencionalidade comunicativa (chamar a atenção da comunidade para os problemas de seus
bairros e ruas): diminuíram os textos das legendas, usaram cores, tipo de letras e disposição
das legendas contrastantes com o fundo da imagem, a despeito de alguns ajustes ainda
70

necessários (erros de digitação, adequação do texto à variedade de prestígio da língua


portuguesa).
O grupo 3 parece pensar como os significados se organizam e como esses podem
interferir na forma das pessoas se envolverem com a denúncia veiculada pelo vídeo (os
prejuízos das queimadas para o meio ambiente), ao procurarem mobilizar o seu público, por
meio do movimento da câmera, convidando-o a ver e a ouvir o fogo queimando a floresta
(figura 9), explorando o som natural do crepitar do fogo, ao denunciar as queimadas ilegais.
Nesse momento o grupo retira a música de fundo e enfatiza o barulho do fogo. Vale ressaltar
que essa estratégia de chamar a atenção do interlocutor, com o ruído das chamas queimando a
mata, partiu do próprio grupo, o que sugere o conhecimento de que os significados das
linguagens sonora e visual juntas produzem ênfase ao intencionado. O som do fogo poderia
impactar mais do que a música de fundo. Em seguida, o vídeo direciona o olhar do público
para a fumaça, num movimento de ascensão da câmera e enfatiza problema da poluição
mudando o enquadramento para o plano do detalhe (veja figura 9).

Figura 9-Imagem da fumaça e do fogo no plano do detalhe utilizado pelo Grupo 3 em seu vídeo

Fonte: dados coletados pela pesquisadora

Na última versão, destaca-se também uma maior adequação à variedade de


prestígio do português nas legendas, embora alguns desvios de concordância ainda persistam.
Nesses momentos em que a ênfase recai sobre o uso e funcionamento da língua, ocorre o
movimento de instrução aberta e, de acordo Cope e Kalantzis (2015, p.19), é nesse processo
metalinguístico que acontece a conceitualização por nomeação ou por teoria. Quando eu
oriento os alunos a adequarem as legendas a uma situação mais formal de uso do português,
71

esses são levados a observarem as similaridades e diferenças entre sua língua e a padrão, para
reduzir as ambiguidades de sua variedade linguística, a fim de generalizar o conhecimento dos
fenômenos linguísticos analisados. Acredito que esse movimento de pensar a língua do aluno
em relação à valorizada, objetivo do ensino de português pelas escolas, em consonância com
Cope e Kalantzis (2015), “requer que os alunos sejam criadores de conceitos e teorias. [...]
[transitando] entre o experiencial e o conceitual” (COPE; KALANTZIS, 2015, p. 19) e não
sendo meros assimiladores das regras propostas pelas gramáticas.
Observa-se no vídeo do grupo 3 uma reflexão crítica dos alunos, quando trazem
os danos que podem ser causados à população pelos problemas encontrados (Figura 8- versão
3 e 4) e o modo como editam o vídeo, reorganizando os elementos constitutivos dos
significados, indica a aplicação do conhecimento adquirido de forma ressignificada, com o
intuito de chamar a atenção das pessoas para sua reinvindicação e alcançar a solução para as
situações problemáticas em seus bairros.
As discussões sobre as produções dos grupos 2 e 3 revelaram indícios da
participação efetiva acontecendo, seja porque os estudantes manifestaram suas vivências e
identificações, seja pela reflexão sobre as diferentes linguagens e seus efeitos, propiciada pela
produção e edição dos vídeos. Semelhantemente, os vídeos-denúncia dos grupos 1 e 4,
caminharam nessa mesma direção no que se refere ao trabalho com outras linguagens e à
manifestação das experiências e compreensões dos alunos. No entanto, diferentemente dos
dois grupos anteriores, ao analisar suas produções finais, os vídeos-denúncia, observando o
modo como selecionaram e se utilizaram da linguagem verbal e das imagens, percebo que
suas escolhas parecem ter sido atravessadas pelos entendimentos que esses alunos têm da
cultura tipicamente escolar.
A figura 10 a seguir traz os prints do vídeo do grupo 1:

Figura 10 - prints das telas do vídeo do grupo 1


72

A B C

D E F

G I
H

K L

N O
M

P Q S

Fontes: dados coletados pela pesquisadora


73

A despeito de uma atividade direcionada pelos multiletramentos possibilitar a


manifestação das identificações dos alunos e incitar a inovação/criatividade, dada a
possibilidade de combinar as várias linguagens para a contrução de sentidos, na produção
final, o grupo 1 manteve-se preso à cultura escolar e ao domínio do texto escrito. Esse inicia
seu vídeo (figura 10- A) anunciando para seu interlocutor o tema (problemas ambientais,
figura 10-A) do vídeo e o local da denúncia (cita os nomes dos bairros, figura 10-A), em
seguida direciona a sua solicitação aos órgãos responsáveis e apresenta argumentos para
convencê-los. Quando o grupo marca o interlocutor, apresenta os problemas e traz os
argumentos, está retomando as características do gênero carta e também do vídeo-denúncia
pretendido pela unidade de ensino. As denúncias são os títulos de cada slide: bueiros
entupidos (figura 10-B/C), ponto de ônibus sem estrutura (figura 10-D/E), ruas sem asfalto
(figura 10 F/G), “gatos” de energia (figura 10-H), entulhos na mata (figura 10-K/L), calçadas
sujas e rachadas (figura 10-M), construções abandonadas (figura 10- P) e asfalto remendado
(Figura 10-O). O grupo finaliza marcando claramente a modalização ─ uma solicitação ─
conforme destaco na figura 11:

Figura 11- tela com a solicitação dos alunos do grupo 1

Fonte: dados coletados pela pesquisadora

Fica evidente que o grupo 1 atendeu satisfatoriamente ao que eu esperava da


produção em relação ao gênero denúncia, no entanto, em relação ao vídeo, a exploração das
linguagens poderia ter sido diferente. O vídeo desse grupo foi constituído por imagens
estáticas, acrescido de uma música compassada, caracterizando-o, basicamente, como uma
apresentação de slides com fundo musical. Por conta do excesso de textos, o ritmo da
transição das telas ficou muito lento. Assim, a linguagem verbal se sobrepôs à sonora e à
visual, ainda que seja possível perceber a tentativa do grupo em usar as várias linguagens para
a construçao dos sentidos veiculados. Em alguns momentos, inclusive, as imagens foram
74

utilizadas na construção dos argumentos para a solicitação (como prova visual da necessidade
daquilo que solicitam). A linguagem visual foi utilizada pelo grupo como suporte à escrita,
prática recorrente no ambiente escolar, pois, segundo Ribeiro (2016), “os textos imagéticos
são pouco trabalhados nas escolas, sendo comum que apareçam como ‘complemento’ do texto
escrito ou ilustração ‘em diálogo’ com esse texto (RIBEIRO, 2016, p. 42)”. O grupo 1,
portanto, manteve-se arraigado ao modelo de atividades tipicamente escolares e até mesmo
nos momentos de edição isso pode ser observado, conforme prints apresentados a seguir na
figura 12:

Figura 12- prints do processo de orientação da pesquisadora para edição do vídeo-denúncia do Grupo 1

Fonte: dados coletados pela pesquisadora

A figura 12 traz prints do processo de edição mais centrado na linguagem escrita e


na sua variedade mais formal. As mensagens mostram minha interação com os estudantes e
como essas se mantiveram no âmbito da adequação linguística ao português padrão: grafia
correta das palavras, pontuação, ajustamento do texto a uma situação mais formal de
comunicação. Cabe destacar que minhas mediações com esse grupo, mais próximas à escrita e
suas convenções, podem ser resquícios de uma formação fundamentada em um modelo
autônomo de letramento. Mesmo assim, esses momentos de análise da língua foram
importantes e, embora prescritivos, não podem ser descaracterizados pelo seu caráter analítico
75

(COPE; KALANTZIS 2009, 2015; ROJO, 2009, 2019; BORTONI-RICARDO, 2004), já que
oportunizaram aos alunos refletirem sobre os aspectos linguísticos os quais também faziam
parte do objetivo das aulas. Além disso, esses elementos foram discutidos conforme surgia a
necessidade de reflexão sobre algum aspecto da língua dentro do contexto das produções dos
estudantes.
O grupo 4, por sua vez, assim como os demais, atendeu ao que foi proposto para a
produção do vídeo. Esse grupo encontrou/apresentou poucos problemas, o que pode ser
explicado pelo fato de duas integrantes morarem em um bairro mais estruturado e uma
terceira em sítio. A seguir, na figura 13, trago os prints do vídeo do grupo 4:

Figura 13- prints do vídeo-denúncia do grupo 4

A
B

D E

Fonte: dados coletados pela pesquisadora

O grupo 4 apresentou algumas denúncias tais como esgoto a céu aberto (figura
10- B), entulho acumulado e buracos (figura 10-C)). Direcionou sua solicitação aos órgãos
responsáveis “pedimos que nos ajude a resolver os problemas” (figura 10-D) e trouxe
argumentos “[...] que podem causar acidentes” e “[...] que pode trazer insetos perigosos”
(figura 10-C). Quanto ao trabalho com as várias linguagens, usou o suporte visual para
apresentar sua denúncia, ao trazer as fotografias dos problemas encontrados no bairro. Trouxe
76

legendas com pouco texto e cores bem contrastantes com o fundo da tela. A música escolhida
era lenta, remetendo a eventos tristes. Ainda que esse grupo tenha utilizado as linguagens
verbal, visual e sonora, sua produção ateve-se às compreensões dos alunos sobre uma
atividade tipicamente escolar.
As produções dos estudantes mostraram como esses veem e compreendem a
mesma realidade de diversos modos. Os vídeos denunciam problemas basicamente dos
mesmos bairros (exceto o grupo 4, conforme anunciado na apresentação desse grupo
anteriormente), entretanto os aspectos para os quais eles chamam a atenção e os modos de
representação escolhidos diferem de um grupo para outro. O grupo 2 enfatiza o problema do
saneamento básico, enquanto a ênfase do grupo 3 recai nas queimadas irregulares, ainda que
apresentem outros problemas, como o lixo e a fiação irregular, por exemplo. O grupo 1, por
sua vez, lista vários problemas estruturais e ambientais dos bairros apresentados, sem
priorizar nenhum deles. Já o grupo 4 denuncia buracos e esgotos a céu aberto. Em relação ao
modo de linguagem, como discutido anteriormente, os grupos 2 e 3 optaram por explorar mais
as linguagens visual e sonora, enquanto os grupos 1 e 4 priorizaram mais a escrita.
Ao analisar a participação dos alunos e suas produções em vídeo, considero que,
embora a cultura escolar arraigada em práticas grafocêntricas – práticas que hierarquizam a
escrita em detrimento de outros modos de linguagem (oral, visual, sonora, espacial) – tenha,
em alguns momentos, se sobreposto ao trabalho com outras linguagens, ainda assim, a
produção de vídeos-denúncia revelou-se como potencial para práticas mais inclusivas para
meus alunos, seja porque esses não deixaram de trazer suas experiências para produzir os
vídeos, seja porque, nesse processo, mobilizaram conhecimentos de linguagem que podem
oportunizar a participação em práticas futuras fora de sala de aula.

3.2 Práticas inclusivas suscitadas pela manifestação das diversas culturas nas
situações de ensino

Pensar em multiletramentos significa contemplar além da variedade de


linguagens, a diversidade de culturas com as quais a sociedade convive atualmente. Deste
modo, a escola priorizar a forma padrão da cultura dominante não comporta mais todas as
culturas trazidas para o seu interior pelos seus alunos. É preciso descolecionar os
‘monumentos’ patrimoniais escolares abarcando os novos gêneros e discursos, esses, híbridos,
impuros, mestiços, advindos das novas linguagens, novas tecnologias e novas mídias (ROJO,
2012, s/p).
77

A análise dos dados possibilitou-me observar que os modos como os alunos estão
lendo e compreendendo os textos em sala, assim como estão fazendo sentido das experiências
que trazem para dentro de sala de aula são atravessados pelos aspectos culturais desses alunos
─ que envolvem também mitos, crenças, inclusive suas compreensões sobre a cultura
tipicamente escolar ─ e por aquilo que vivenciam fora de sala de aula.
Mediante o exposto, o excerto seguinte relata um episódio acontecido na aula em
que introduzi a unidade de ensino, na qual iniciamos a discussão sobre os problemas
ambientais encontrados nos bairros, ruas e entorno da escola dos estudantes. Nessa aula, o
aluno Vinícius compara a fiação do seu bairro com a figura mítica da Medusa, conforme
excerto 11:

Excerto 11- Comparação do aluno Vinícius entre fiação irregular do bairro onde mora e a figura mítica Medusa
Lorenzo: [socializando sua lista de problemas do bairro] lá as energia é tudo gato.
Vinícius: fia, se você mexer num fio lá você toma um “chocão” que você cai duro. Os fios lá
é que nem a Medusa, botou a mão cai que nem pedra.
Fonte: dados coletados pela pesquisadora

A situação apresentada pelo excerto 11 mostra Vinícius partindo de vivências


conhecidas ─ fiação irregular do seu bairro e mito da Medusa ─ para participar de novas
experiências que a atividade de sala de aula ─ levantamento dos problemas do seu bairro, a
partir de um texto imagético: uma fotografia artística que critica o descarte inadequado de lixo
com propósito de chamar atenção do público (anteriormente apresentada nos excertos 1 e 2 e
figura 1- p. 42) ─ exigia no momento. O aluno estabelece uma comparação da fiação do seu
bairro com a figura mítica grega “[...] os fios lá é que nem a Medusa 36 [...]”. Nota-se com
esse exemplo uma intertextualidade (COPE; KALANTZIS, 2009b, p. 394), quando o aluno,
ao validar a fala do colega Lorenzo “lá as energia é tudo gato”, percebe os significados de
um contexto (seu bairro), a partir de significados de outro contexto (universo da mitologia
grega, cultura clássica/cânone), estabelecendo, num movimento de prática situada, uma
relação entre o emaranhado de fios (veja figura 14) da fiação irregular do seu bairro com as
serpentes entrelaçadas na cabeça de Medusa (veja figura 15). Vinícius observa ainda que “se
você mexer num fio lá você toma um ‘chocão’ que você cai duro” assim como quem olha
diretamente para a personagem do mito grego.

36
Medusa, na mitologia grega, era um monstro feminino e quem quer olhasse diretamente para ela era
transformado em pedra. In: MEDUSA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation,
2020. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Medusa&oldid=57948324>. Acesso em: 25
abr. de 2020.
78

É possível observar os dois pontos usados pelo aluno para estabelecer a


comparação que faz – inclusive visual – nas figuras 14 e 15. A menção à Medusa funciona
como metáfora de duas formas para Vinícius – como metáfora visual, para os fios todos
emaranhados (os gatos a que se refere o colega Lorenzo) ─ e para expressar o efeito do
“chocão”: “é que nem a Medusa, botou a mão cai que nem pedra”. Embora a ênfase da
análise desses dados recaia sobre os aspectos da diversidade cultural, é possível observar
também um trabalho com os modos de linguagens, quando Vinícius se apoia no visual
(figuras 14 e 15), para manifestar os significados que atribui aos fios todos emaranhados em
seu bairro, evidenciando, assim, que essas duas multiplicidades se entrelaçam nas situações
vivenciadas pelo aluno em sala de aula.

Figura 14 - fios do bairro do aluno Figura 15 - personagem Medusa

Fonte: dados coletados pela pesquisadora Fonte: figura da internet37

Ainda nessa aula, no exercício de leitura do texto imagético (veja excerto 2, figura
1- p. 47 ) o qual possibilitou não apenas o levantamento dos problemas dos bairros, mas o
início de uma discussão sobre o descarte inadequado do lixo, Vinícius sugere não acreditar na
conscientização das pessoas por meio do grafite (Flop do Zezão), conforme recupero a seguir
parte do excerto 2 que já foi anteriormente apresentado na página 47:

[Retomada de parte do] Excerto 2 - Vinícius sugere uma solução (utilização da macumba) para
conscientização da população

37
https://www.repasseinformativo.com.br/2017/04/caxias-em-detalhes-governo-medusa/
79

[...]
Professora: vocês acham que o artista conseguiu chamar a atenção das pessoas que passavam
pelo local, com sua obra? O artista atinge ou não o propósito dele?
Ângela: sim, as pessoas vão passar e vão pensar que o local precisa de uma limpeza. [...] uma
pessoa que olhasse para essa imagem e visse o estado do chão, ela ia pensar que precisa de
uma limpeza, uma reforma talvez...
Professora: vocês acham que ele conseguiu conscientizar as pessoas?
Lorenzo: acho que não. As pessoas estão muito loucas.
Professora: o que você quer dizer com as pessoas estão muito loucas?
Lorenzo: elas tacam lixo e não ligam para nada. Na cabeça delas elas pensam assim, que o
lixeiro vai passar e recolher e pronto.
Vinícius: pode ter um placão lá, professora, “não jogue lixo”, aí você vai olhar e tens uns
latão de lixo. [...] agora bota um baguio de macumba lá que ninguém joga mais...
Fonte: dado coletado pela pesquisadora

Vinícius no trecho anterior descrê da eficácia de uma frase (proibido jogar lixo)
ou mesmo da obra artística (o flop) para a conscientização do problema do lixo “pode ter um
placão lá, professora, “não jogue lixo”, aí você vai olhar e tens uns latão de lixo. [...]”. Para
ele, o mais efetivo do ponto de vista receptivo e que causaria maior impacto naqueles que
passassem pelo local seria “[...] bota[r] um baguio de macumba lá”. Para Vinícius,
conscientização é sinônimo de acabar com o descarte inadequado de lixo e, para que isso
aconteça, recupera aspectos culturais próprios que considera mais efetivos. Mais uma vez
Vinícius evoca seu conhecimento prévio, entrelaçado com suas crenças particulares e suas
concepções exteriores ao contexto escolar, para refletir sobre uma atividade proposta na sala
de aula. Ao comparar as experiências conhecidas com as novas, o aluno norteado pelo aspecto
representacional ─ o que o flop e a frase “proibido jogar lixo” representam (advertência para o
descarte inadequado de lixo) e a que eles se referem (conscientização das pessoas) ─ e pela
questão social ─ como os significados representados pelo flop e pela frase conectam as
pessoas com eles envolvidas (COPE; KALANTZIS, 2009a) ─ está refletindo se as pessoas
serão conscientizadas e mudarão ou não seu comportamento.
Ainda no que se refere às crenças pessoais do aluno, a fala de Vinícius sobre a
“macumba” permitiria um enquadramento crítico, para alcançar toda a sua potencialidade, no
entanto, as práticas podem ser cerceadas, às vezes, pelo objetivo da aula. Nesse caso, a análise
crítica da situação ateve-se à proposta do livro didático e para além dessa questão, na
impossibilidade de contemplar os vários acontecimentos simultâneos no contexto da classe. O
aluno, nesse momento, está refletindo como os significados construídos em relação à
“macumba” poderiam conectar as pessoas com eles envolvidas e um enquadramento crítico
poderia levar a uma reflexão sobre quais os referenciais culturais são respeitados ou
80

considerados relevantes para um determinado grupo e como esses se encaixam na amplitude


do universo de significações. No caso da “macumba”, a efetividade poderia se dar por duas
vias: pelo respeito e conhecimento das práticas de influência africana ou pelo
desconhecimento que gera medo/receio até de se aproximar do local para jogar lixo, porém
essa reflexão não aconteceu, porque o comentário do aluno perdeu-se entre as concomitantes
manifestações que aconteceram nessa aula. Só apropriei-me desse comentário, quando assisti
às vídeo-gravações das aulas.
Considerando o exposto, no que concerne à sensibilidade que o professor precisa
manter com as produções dos alunos em sala, Cavalcanti (2013, p. 215), ao discutir os
preconceitos em torno dos falares e das línguas, destaca a importância da observação
constante do educador ao seu redor, tanto quanto ao modo de falar das pessoas, quanto às
atitudes preconceituosas que precisam ser apontadas/ indagadas/ problematizadas. Em
consonância com essa autora, acredito que a mesma postura precisa ser adotada em relação às
manifestações/valores culturais que se apresentam na sala de aula.
Os exemplos anteriores (excerto 11 e a parte retomada do excerto 2) são
evidências de como as compreensões, identificações, vivências e aspectos culturais dos
estudantes perpassam o contexto da sala de aula, a despeito de o cerceamento de alguns
aspectos como currículo, livro didático, objetivo da aula. Tais exemplos, do ponto de vista do
ensino, importam, pois conformam com uma aprendizagem significativa para os aprendizes,
situada sócio- historicamente, como sugerem Cope e Kalantzis (2009, 2015). Nesse sentido, a
pedagogia adotada, por partir de uma prática situada, que levou os alunos a pensarem
criticamente em situações reais do seu cotidiano, trazendo suas vivências e experiências, para
serem discutidas na sala de aula, propiciou uma aula inclusiva ─ por exemplo, Vinícius
refletindo sobre a fiação irregular do seu bairro e sobre uma maneira (macumba) para resolver
o problema do lixo descartado inadequadamente ─ e, consequentemente, a participação
efetiva desses estudantes nas atividades desenvolvidas.
Ainda no que diz respeito aos alunos trazerem as experiências e as culturas do seu
cotidiano para as atividades escolares, os excertos a seguir relatam situações que aconteceram
no momento em que estudávamos a importância do conceito “imparcialidade” para os textos
jornalísticos do tipo reportagem. Nesse momento, eu questiono se a turma conhecia o
significado da palavra “imparcial” o que levou a aluna Ângela a pesquisar o significado desse
termo em seu smartphone. A participação efetiva da aluna foi proporcionada pela
81

possibilidade de adotar em sala de aula uma prática de pesquisa muito recorrente fora da
escola: pesquisa no google38.

Excerto 12 - fala da aluna Ângela após realizar pesquisa da palavra imparcial pelo seu smartphone no Google
Professora: o que significa ser imparcial?
Ângela: [após pesquisar significado no google] “É um substantivo de dois gêneros que se
descreve uma pessoa ou entidade que não é parcial. Significa alguém justo, reto e neutro.”
Professora: ser imparcial significa ser neutro, ‘não tomar partido’...
Fonte: dados coletados pela pesquisadora

O excerto 12 demonstra a aluna Ângela usando o seu smartphone para pesquisar o


significado da palavra “imparcial”. A aluna traz a prática da cultura digital ─ pesquisa na
internet ─ com a qual está acostumada no seu cotidiano, para a sala de aula, quando utiliza
autonomamente o seu smartphone. Tal ação contribuiu para que a participação efetiva da
aluna acontecesse e essa trouxesse a definição do termo de que o desenvolvimento da
atividade dependia. Para que isso acontecesse, foi necessário que Ângela tivesse sua
autonomia acolhida por mim e que, diferentemente das práticas de ensino mais tradicionais,
eu reconhecesse a ação da aluna, comum à cultura digital ─ busca em seu smartphone por
livre iniciativa ─, como uma prática possível também em sala de aula, valorizando os
diferentes modos de envolvimento que iam se apresentando.

Excerto 13 - Ângela retoma o significado do conceito de imparcialidade mostrando-se autônoma, na aula do dia
seguinte
Professora: [retomando as características do gênero reportagem, durante a correção] outra
coisa importante, como eu havia dito pra vocês, um texto nunca é imparcial. Vocês lembram
o que é imparcial, não é?
Ângela: sim. É neutro.
Professora: nunca é neutro porque vai depender da linha do jornal, do público que ele quer
atingir, do recorte feito pelo jornal...
Fontes: dados coletados pela pesquisadora

Esse dado traz a fala da aluna Ângela que havia pesquisado anteriormente o
significado da palavra imparcial em seu smartphone (Excerto 12). No trecho, ela recupera o
sentido buscado oralmente pela professora, respondendo-a: imparcial “é neutro”. Tal resposta

38
Essa ação da aluna Ângela chama a atenção sobre o fato de a escola negar a importância do smartphone e até
mesmo proibi-lo, condenando o seu uso mesmo em situações como essa. Primeiramente, porque essas são
práticas de letramento tão cotidianas na vida dos estudantes. Em segundo lugar, porque a “pesquisa google”,
além de ser cotidiana, é também uma prática tipicamente escolar, pois se trata basicamente de usar um
“dicionário” ou uma “enciclopédia”, só que de forma digital e mais rápida.
82

dada pela aluna possibilita refletir como um movimento mais autônomo da estudante, a partir
da possibilidade de aproximar suas práticas da cultura digital39 (fazer buscas no smartphone)
das atividades escolares, pôde conduzir a uma aula mais inclusiva e a um aprendizado mais
efetivo.
Nos excertos anteriores, os dados evidenciam a inclusão acontecendo porque as
situações de ensino do modo como foram direcionadas, na perspectiva dos multiletramentos,
propiciaram a manifestação das crenças e compreensões dos alunos (excertos 11 e a parte
retomada do excerto 2) e das práticas da cultura digital (excertos 12 e 13), o que mobilizou o
engajamento dos estudantes com as atividades desenvolvidas. O trecho a seguir (excerto 14),
por outro lado, relata uma situação de ensino na qual os conhecimentos trabalhados em classe,
por meio da discussão que proponho para os alunos, foram interpretados por mim como
potenciais para a inclusão social40 de meus alunos fora do ambiente escolar, ao possibilitar
uma participação mais efetiva desses estudantes em outros espaços sociais.
O excerto 14 relata um episódio que suscitou uma necessária discussão com os
alunos de como se comportar no ambiente virtual e das práticas que circulam nessa esfera,
uma vez que esses usariam imagens, vídeos, músicas na produção de seus vídeos-denúncia.
Os estudantes precisavam saber quais eram os limites para a produção e postagem e, para isso,
seria necessário conhecerem algumas normas que regem o ambiente virtual em relação à
autoria, uso de imagens, entre outros, conforme excerto 14:

Excerto 14 - discussão sobre cuidados com divulgação e publicação de imagens


Professora: pessoal, preste atenção! Olhe a importância do que a Manuela falou aqui! [...]
como surgiu o assunto, eu vou falar com vocês e depois a gente volta aqui. [...] é importante
você ter a autorização para o uso de imagem, como eu fiz com vocês, eu tive muito cuidado
para fazer isso. Vocês não podem chegar filmando, nem entrevistando, muito menos
publicando sem a autorização da pessoa.
Maria: é! Por isso que você deu um monte de papelzinho.
Professora: isso é importantíssimo fazer!
Manuela: você já reparou que em qualquer reportagem sempre aparece o nome, a idade, na
maioria das entrevistas.
Professora: e essa entrevista só pode ser publicada com a permissão da pessoa. Tem que ter
ficado claro para a pessoa que seria publicada.

39
É importante ressaltar que a cultura digital quando adentra a sala de aula passa também pela questão da
afetividade, pois os alunos tanto estão mais acostumados, quanto gostam mais de fazer pesquisas através de
busca pela internet.
40
O termo inclusão social justifica-se no contexto desta pesquisa, pois ao considerar as
culturas/línguas/linguagens dos alunos nas práticas de ensino e, conjuntamente, trabalhar outras culturas e
linguagens, caminha-se no sentido da democratização de ensino, o que, consequentemente, poderá mobilizar a
inclusão dos alunos também em outros espaços sociais, fora de ambiente escolar.
83

Fonte: dados coletados pela pesquisadora

O excerto 14 relata um dos momentos em que surgiu o debate sobre os pontos


anteriormente mencionados (autoria, uso de imagem, entre outros) com a classe. Nesse dado,
em específico, primeiramente reforcei a importância dos termos de consentimento e
assentimento assinados por eles e seus pais, para que eu pudesse fazer as atividades
relacionadas a esta pesquisa “a importância de você ter a autorização para o uso de imagem,
como eu fiz com vocês, eu tive muito cuidado para fazer isso”, o que foi relembrado pela
aluna Maria “Por isso que você deu um monte de papelzinho”. Depois discuti a autoria em
tempos de WEB 2.0 (sem usar a nomenclatura), refletindo com os alunos que apesar de essa
nova ética “que já não se baseia tanto na propriedade” (ROJO, 2012), do fácil acesso à
informação, não podemos compartilhar, publicar, postar tudo que quisermos, sem termos
consequências “Vocês não podem chegar filmando, nem entrevistando, muito menos
publicando sem a autorização da pessoa.”.
Importa ressaltar que tais temas apareceram em outros momentos da unidade de
ensino e eu aproveitava-os para refletirmos sobre o uso de imagens, de textos, de falas em
suas redes sociais sem a autorização dos autores, reforçando que devem evitar tais atitudes e,
principalmente, se resguardarem da prática de cyberbulliyng, linchamento virtual,
“cancelamento virtual”, discursos de ódio e disseminação de fake News. A exemplo do trecho
de discussão apresentado no excerto anterior, momentos como esse advieram do meu olhar
atento a situações de ensino que eram potenciais para mobilizarem conhecimentos nos alunos
que pudessem prepará-los para participação efetiva nas suas práticas sociais fora do ambiente
escolar.
Assim como na seção 3.1 anterior, em que identifiquei e descrevi situações nas
quais a minha intenção de partir da proposição de atividades baseadas na perspectiva dos
multiletramentos foi atravessada pelos entendimentos que os alunos carregam sobre
atividades tipicamente escolares, também nos dados organizados no eixo 3.2, pude observar
tais situações ocorrendo, como no exemplo a seguir no qual a aluna questiona o modo como
eu conduziria uma atividade (pesquisa de reportagens em vários formatos na sala de
informática).
O excerto 15 relata um episódio no qual procurei inserir, nas atividades
desenvolvidas em sala de aula, as práticas com as quais os estudantes estão acostumados no
ambiente virtual, com o intuito de suscitar a participação em classe. No entanto, os
entendimentos que os alunos possuem sobre as atividades tipicamente escolares atravessam
84

essa situação de ensino, conforme mostra o próximo exemplo em que a aluna Manoela revela
seu entendimento em relação à cultura escolar. Na aula em que iríamos pesquisar reportagens
em outras linguagens e em diferentes mídias, na sala de informática, essa aluna sugeriu, em
vez disso, que fôssemos à sala de vídeo. Uma vez que pretendia possibilitar o trabalho
autônomo dos alunos em todas as etapas da unidade de ensino, expliquei a eles o motivo
dessa escolha, deixando explícita a importância de serem ativos no processo de pesquisa da
reportagem, conforme excerto 15:

Excerto 15 - explicação da professora à aluna Manuela sobre o porquê de os alunos pesquisarem as reportagens
na sala de informática
Professora: [na próxima etapa] depois a gente vai à informática e nós vamos assistir às
reportagens-denúncias...
Ângela: [entusiasmada] a gente vai hoje?
Professora: não hoje, a próxima etapa da atividade será essa.
Manuela: professora, em vez de ir para a sala de informática que você vai passar vídeo, por
que a gente não vai para a sala de vídeo?
Professora: na sala de vídeo a gente não vai conseguir acessar várias reportagens, eu preciso
de internet, não só da...
Manuela: por que você não “abaixa”?
Professora: pode ser uma opção, a gente poderia pensar nisso, se a gente baixar em um pen-
drive, mas assim... eu quero que vocês tenham ...
Vinícius: não professora é muito mais ruim, é melhor na informática
Professora: porque na informática vocês vão pesquisar, vão ter a liberdade de pesquisa, lá
[sala de vídeo] será uma coisa que eu estou trazendo para vocês, eu quero que vocês
pesquisem. Então vai ser na sala de informática mesmo.
Fonte: dados coletados pela pesquisadora

O excerto 15 revela que mesmo eu buscando aproximar as práticas da cultura


digital conhecidas dos alunos, como navegar e fazer buscas pela internet, da atividade
desenvolvida em sala de aula, as compreensões da aluna Manuela sobre o tipicamente escolar
atravessam a situação de ensino naquele momento. A fala da aluna “porque você não
“abaixa” já “[...]que você vai passar vídeo, por que a gente não vai para a sala de vídeo?”
mostra o entendimento que Manuela tem da atividade escolar em que a professora traz o
conteúdo e apenas disponibiliza para os alunos, sem a participação ativa desses.
Eu poderia ter acatado a sugestão da aluna (veja excerto 15) de irmos à sala de
vídeo para assistir às reportagens previamente pesquisadas. No entanto, não traria para a aula
o universo conhecido e mais próximo da realidade dos alunos que é buscar, clicar, deslizar
pelas informações, os novos procedimentos exigidos pelos os novos modos de leitura atuais
(ROJO; BARBOSA, 2015), para encontrarem as reportagens que mais lhes interessassem e
85

construírem, deste modo, o conhecimento almejado. Além de considerar as práticas nos


espaços virtuais, precisamos desenvolver a habilidade dos estudantes para fazerem a
curadoria, orientando-os a avaliarem as informações encontradas com criticidade, pois,
conforme Knobel e Lankshear (2002), o letramento crítico é algo que pode ser ensinado e,
portanto, aprendido. Nesse aspecto reside o importantíssimo papel do professor, em uma
época que, segundo Cope e Kalantzis (2009, 2015), é possível aprender muitas coisas por
meio de pesquisa na internet.
Além desses aspectos, de acordo Knobel e Lankshear (2002), é fundamental
prover os aprendizes com táticas de crítica dos letramentos, com uma variedade de
entendimentos de níveis metalinguísticos como: construir argumentos efetivos, apoiar
reivindicações em evidências e fontes autorizadas, localizar e comparar fontes de informação,
desenvolver critérios para avaliar argumentos, buscar os significados mais profundos nos
discursos veiculados nas mídias e nos discursos encontrados nas práticas sociais das quais
participam. Em virtude disso, a escola precisa adotar, em suas atividades, práticas
relacionadas à cultura digital, para equipar os alunos com ferramentas que poderão ser
pertinentes para participar de interações externas à escola e que os resguardem de serem
meros reprodutores de conhecimento.
Nos dois exemplos discutidos anteriormente, o excerto 14 em que eu reflito com
os alunos sobre modos de agir nos ambientes virtuais e o excerto 15 em que incentivo os
alunos a utilizarem, nas atividades escolares, as práticas digitais com as quais eles lidam fora
da escola, foi possível observar a inclusão acontecendo em dois sentidos. Por um lado, ao
trazer as práticas dos alunos externas à escola para a sala de aula (excerto 15), entendo que
promovi a participação efetiva desses estudantes em minhas aulas de português. Em
contrapartida, na discussão dos temas apresentados no excerto 15, em que eu oriento os
estudantes como participar do ambiente virtual, práticas da cultura digital comuns aos alunos
e que poderiam estar acontecendo de forma acrítica, foram ressignificadas, podendo, deste
modo, promover uma participação efetiva em outros espaços de convivência virtuais ou
físicos, funcionando também como potencial inclusão desses estudantes na sociedade.
Os próximos excertos, os quais aconteceram após a finalização dos vídeos-
denúncia, quando decidíamos como e onde divulgá-los, também demonstram como a
participação efetiva e práticas mais inclusivas aconteceram em duas direções. O modo como a
aula foi direcionada, nos excertos 16 e 19 a seguir, possibilitando aos alunos manifestarem
seu conhecimento/suas vivências nas redes sociais fora da escola e terem autonomia para
decidirem sobre a divulgação dos vídeos, mobilizou a inclusão dentro da sala de aula,
86

culminando na participação efetiva desses nas atividades desenvolvidas em classe. Também


no excerto 17 isso acontece quando as vivências dos alunos externas à escola, relacionadas às
suas moradias, ruas e bairros, revelam-se em classe, permitindo que suas diferenças sejam
refletidas e negociadas e propiciando a participação em aula. No excerto 18, o modo como
conduzo a discussão leva-os a refletirem o que causa as ocupações irregulares e esses
conhecimentos, já ressignificados no debate em sala de aula, são usados para pensar em
políticas públicas de moradia, saindo do local (ocupações em seus bairros) e indo para um
âmbito mais geral (falta de políticas públicas eficientes para o problema de moradia),
apontando, assim, para uma potencial inclusão fora da escola, por meio de uma possível
participação cidadã, em outras esferas sociais.
Neste ponto, cabe esclarecer antecipadamente o motivo pelo qual a divulgação
dos vídeos-denúncia manteve-se atrelada à comunidade escolar. A intenção dos estudantes
inicialmente era enviá-los ao quadro da EPTV, destinado às denúncias que partem da
população. No entanto, como pode ser observado nos excertos 16 e 19, ao pensarem sobre a
aplicabilidade dos vídeos, os alunos perceberam que sua função social poderia ir de encontro
aos interesses de parte dos envolvidos (conforme será analisado e discutido mais adiante a
partir do excerto 17). Por esse motivo, optaram por divulgá-los apenas na escola. De acordo
com Cope e Kalantzis (2009, 2015), os designs desenvolvidos pelos alunos precisam ter um
alcance social, isto é, não devem ser uma atividade descolada do mundo real. Nesse sentido, é
possível afirmar que isso ocorreu com os vídeos dos alunos, embora com um alcance menor,
uma vez que divulgaram para a comunidade escolar, extrapolando os limites da sala de aula,
atingindo assim um maior número de pessoas, já que os outros estudantes e alguns
funcionários da escola também residem nos bairros mencionados nos vídeos.
É possível observar que no momento de decisão sobre/ e de divulgação dos vídeos
os alunos já recontextualizaram os designs disponíveis no início da unidade de ensino
(reportagens nas várias mídias, notícias nas várias mídias, os vários formatos de cartas), para
produzirem significados em outro gênero, o vídeo-denúncia. Nesse processo os alunos
procuraram inovar os significados iniciais, através dos questionamentos (ideológico, social,
representacional, organizacional e intertextual), buscando ressignificar o seu espaço, quando
procuram soluções para os problemas dos seus bairros. Além disso, o modo inicial dos
estudantes verem e entenderem suas próprias produções foi se ressignificando, ao longo do
desenvolvimento da unidade de ensino, resultando na decisão de não divulgarem seus vídeos
fora do ambiente escolar, ao perceberem os conflitos de interesses dos envolvidos. Ainda
assim, os alunos chegam a uma solução não prevista inicialmente, uma reapropriação
87

criativa (ROSA, 2016 p. 42) para a circulação de suas produções, ao optarem por usá-las
como meio de conscientização da comunidade escolar, fazendo a palestra.
Como anunciado anteriormente, quando decidíamos sobre a divulgação dos
vídeos, para que os alunos pensassem na função social de suas produções, retomei “Lembram
que nosso vídeo tem uma função social. Não é para ficar só para a gente. Nós queremos
divulgá-los.”. Essa fala leva-os a pensarem em algumas possibilidades (enviar para EPTV,
postar nas redes sociais) e citarem algumas redes sociais (Instagram, Facebook, Twiter,
Youtube). Destacam ainda a preocupação com a questão da adequação do vídeo à mídia,
conforme excerto 16.

Excerto 16- alunos discutem para onde enviar os vídeos-denúncia


Professora: lembram que nosso vídeo tem uma função social. Não é para ficar só para a
gente. Nós queremos divulgá-los. Só que nós temos que decidir, como nós vamos expô-
los? Para onde enviaríamos esse vídeo? Para onde faz sentido a gente enviar esse vídeo?
Alunos: EPTV.
Ângela: a EPTV tem um quadro.
Professora: nossos vídeos tomaram um outro formato, diferentes dos que fazem parte
desse quadro. Será que ainda faz sentido enviarmos?
Alunos: não!
Professora: para onde nós poderíamos enviar esses vídeos que chamaria a atenção para os
problemas nos bairros, então?
Leonardo: canais de Youtube.
Professora: para as redes sociais?
Vinícius: Facebook.
Leonardo: Facebook ninguém usa mais.
Ângela: eu uso.
Leonardo: Instagram não tem como porque [vídeo] tem muito tempo.
Lorenzo: É verdade, mas tem como ver pelo IGTV.
[...]
Ângela: já sei, professora, a gente faz em várias línguas e posta no Twiter. Ah não dá...
[...]
Professora: a gente vai decidir então onde postar. Nos canais de Youtube. Quem tem
canal no Youtube?
Alunos: o Lorenzo, o Rael também tem, o Leonardo...
Leonardo: o meu faliu.
Professora: Lorenzo, você pode postar no seu canal?
Lorenzo: não, professora! Está falido, professora.
Professora: [percebi que o aluno não gostou da ideia] o que que tem?
Vinícius: não, mas lá [canal do Lorenzo] é de Free Fire. Imagina, chegar alguém lá, oh...
trabalho de escola...
Fonte: dados coletados pela pesquisadora

O excerto 16 traz os alunos voltando primeiramente ao que havíamos pensado


como possibilidade de divulgação dos vídeos, no início da unidade de ensino: “A EPTV”, “A
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EPTV tem um quadro”. Todavia, eu chamo a atenção para o fato de que “Nossos vídeos
tomaram outro formato, diferentes dos que fazem parte desse quadro. Será que ainda faz
sentido enviarmos? [...] para onde nós poderíamos enviar esses vídeos que chamaria a
atenção para os problemas nos bairros, então?”. Por conta disso, os alunos deram várias
sugestões: Facebook, Instagram, Twitter, Youtube. Neste momento, estávamos pensando
sobre questão estrutural, a partir dos apontamentos dos alunos em relação às semelhanças, às
diferenças e às limitações de cada rede social. Refletíamos ainda sobre a organização dos
significados em cada meio e como isso poderia interferir no modo como as pessoas
conectariam- se com os sentidos carregados pelos vídeos.
Os estudantes estavam trazendo suas vivências nas redes sociais “Facebook
ninguém usa mais”, “Instagram não tem como porque [vídeo] tem muito tempo.” para
atender a demanda da situação de ensino do momento ─ publicar um vídeo denunciando e
solicitando resoluções para os problemas de seus bairros e ruas. Esses dão indícios de saberem
que o público antecipa o conteúdo e o formato de vídeo disponibilizado por um canal, ao
acessar uma rede social, “[...] lá [canal do Lorenzo] é Free Fire. Imagina, chegar alguém lá,
oh... trabalho de escola” e isso pode interferir na intencionalidade comunicativa do canal com
o seu público. Percebe-se, a partir do excerto 16, que a situação apresentada mobilizou
práticas efetivas nas aulas de português, quando oportunizou aos alunos trazerem suas
experiências com diferentes ambientes digitais on-line, para pensar numa situação real e
significativa, sendo protagonistas na busca de soluções para os problemas que faziam parte de
seu cotidiano.
Por sua vez, o excerto 17, a seguir, realça as diferentes culturas e identidades que
se entrelaçavam na sala de aula e explicita o que determinou a decisão dos alunos sobre a
divulgação dos vídeos produzidos por eles. É possível perceber por meio de suas falas as
perspectivas dos vários envolvidos tais como: os proprietários/cuidadores/ocupantes dos
sítios; aqueles que moravam em casas regularizadas ou em residências irregulares; os que
pagavam aluguel ou aquele que o pai era proprietário de condomínio; os que moravam na
cidade em bairro periférico e aqueles que moravam na zona urbana em bairro mais
estruturado; e ainda aqueles que pagavam por serviços de água e energia e os que não
pagavam por esses serviços. Nesse sentido, os alunos estão refletindo na questão ideológica,
quando pensam nos interesses de todos os envolvidos com a mensagem passada pelos seus
vídeos. A pluralidade de identificações e interesses era imensa, conforme excerto 17:
89

Excerto 17 - falas dos alunos sobre seus bairros


Professora: Gente, me explica uma coisa, vocês sabem se o abastecimento de água do bairro é
feito pela companhia de água do município ou pelo poço das chácaras? Não há uma
regularização da água. Então será que é um problema pelo qual a companhia de água é
responsável?
Leonardo: isso que eu queria dizer.
Natan: o poço está no meu sítio, é praticamente nosso, mas ele vem aqui na escola e a escola
que controla tudo.
Rael: professora, o problema é que a água vem até aqui (escola), mas eles que colocam cloro.
Professora: ok. Voltando para o nosso problema, e no bairro de vocês, a água é regularizada?
Vou perguntar de um modo mais claro. Os pais, os seus responsáveis recebem contas das
empresas responsáveis pelo abastecimento de água e energia do bairro?
Ângela: sim, a minha Vó recebe oito conto só.
Lorenzo: mas tem gente que não paga, fica quinhentos conto.
Professora: e a luz?
Lorenzo: tem lugar que é legalizado, outros não.
Vinícius: é tudo gato, professora.
Ângela: tipo meu pai, lá no condomínio dele, é ele que paga toda a conta, ele pega a conta que
recebe lá e pega a conta e recebe o dinheiro de cada morador e paga. Só que a casa que
abastece a casa de meu pai é um poço artesiano. Tipo assim é da [nome de companhia
suprimido], mas ele pega água do poço para regar as plantas.
Natan: a água que abastece a minha casa, ela vem para escola do nosso sítio e depois volta
para a nossa casa de novo.
Professora: vamos pensar aqui comigo, como vocês disseram lá no bairro há postes
regularizados e há “gatos”, se nós enviarmos os vídeos fazendo uma reclamação/ solicitação,
favoreceria toda a população desse bairro?
Lorenzo: ia ferrar com a população
Rael: o pedaço aqui é da prefeitura. Eles não pagam aluguel, eles não pagam nada. Eles
invadiram aqui (alunos falam dos arredores da escola, que é o bairro rural)
Natan: é verdade, eles invadiram aqui! Essa parte aqui é de todos os sitiantes [nome do bairro
suprimido], só que eles invadiram e não tem como tirar. [...]
Professora: houve aquele momento que o governo através da reforma agrária dividiu os
terrenos. Então há pessoas que receberam terrenos do governo e outros que ocuparam os
sítios?
Alunos: isso! Isso!
Vinícius: que nem lá no meu bairro, lá é invasão.
Professora: e no bairro [nome suprimido]?
Vinícius: invasão também.
Paulo: mas tem alguns terrenos lá que são comprados.
Ângela: tipo o do meu pai.
Alguns alunos [impossível identificar]: meu pai também.
Professora: então tem alguns terrenos que são comprados e outros que foram ocupados? É
isso?
Vinícius: a maioria [foram terrenos ocupados].
Ângela: lá tem o [nome suprimido] parte de baixo e o [nome suprimido] e a parte de cima. Na
parte de baixo que passa um correguinho assim, onde o Lorenzo filmou, quando chove, ele
aumenta e invade tudo as casas e ferra mais a vida das pessoas.
Bruna: o que vocês falam que é invasão?
Vinícius: não tem documento.
[...]
90

Professora: a gente observou a situação nos dois bairros, em que alguns estão em situações
regularizadas, outros não. Então o nosso vídeo poderia beneficiar algumas pessoas e prejudicar
a vida de outras. Diante disso, o que a gente poderia fazer?
Leonardo: não fazer nada.
Paulo: meu pai tem um terreno no bairro, ele tem dois, um no nosso e um no outro. [...] Ele
pagava um cara para cuidar. Não sei o que aconteceu, entrou uns cara lá e começaram a
construir umas casinhas lá e quase colocaram cimento. Meu pai foi lá, tinha um prazo
[provavelmente de aviso de despejo] e acabou com tudo. [...]
Ângela: eu acho que não vai adiantar mandar vídeo, fazer qualquer coisa, porque vai
prejudicar a vida de algumas pessoas e ajudar outras e se a gente deixar do jeito que está as
coisas...
Leonardo: eu acho que tem tipo uma divisão.
Rael: isso é injusto, nós paga aluguel nas casas e eles não pagam.
Leonardo: é uma injustiça ajudada, porque se você destruir aquilo ali, você vai ficar triste
porque destruiu a moradia de algumas pessoas.
Julia: a gente vai tentar resolver, só que nós somos poucos, não vamos conseguir resolver essa
causa, não vai adiantar nada.
Professora: a questão de serem poucos não seria um problema, pois, com a internet, em
segundos é possível alcançar muitas pessoas. O que precisamos pensar é que são vários
interesses que estão em jogo. [...] é uma questão muito mais complexa que foge da nossa
alçada.
Fonte: dados coletados pela pesquisadora

Um olhar menos atento poderia considerar os participantes dessa pesquisa como


um grupo homogêneo ─ alunos de uma escola rural. Não é incomum políticas e estratégias de
ensino direcionadas a essa escola, provenientes da secretaria da educação do município,
qualificarem seus estudantes como alunos de escola rural. Desconsidera-se inicialmente a
primeira divisão citada anteriormente ─ alunos do bairro rural e do bairro periférico. Embora
possam ser vistos como membros de uma única comunidade, segundo Hall (1992, 2003) não
há culturas e comunidades homogêneas, nem fixas. Dentro de um mesmo grupo sempre há
diferenças e identidades sobrepostas, múltiplas, contraditórias.
Nesse sentido, o excerto 17 revela diferenças que evidenciam outras camadas de
identificações nesse grupo de alunos, por vezes representadas como “nós” ─ filhos dos
sitiantes, moradores das casas regularizadas, pessoas que pagam aluguel pelas casas, os que
pagam pelos serviços de energia e água ─ e “eles” ─ aqueles que ocuparam os sítios, que
moram em residências irregulares, que fazem “gato” de energia, que não pagam pela água que
consomem. Ainda que essas diferenças pareçam conviver de forma harmoniosa, é possível
observar uma representação positiva para o “nós”, como pode ser notado em algumas falas:
[...] “tem alguns terrenos lá que são comprados”/ “tipo o do meu pai”/ “do meu pai
também”/ “a água que abastece a minha casa, ela vem para escola do nosso sítio”, em
detrimento do “eles” [...] “que nem lá no meu bairro, lá é invasão”/ “Eles não pagam
91

aluguel, eles não pagam nada. Eles invadiram aqui”/ “isso é injusto, nós paga aluguel nas
casas e eles não pagam.”. Para Silva (2000, p. 136-137), as diferenças revelam-se quando
traduzem o desejo de diferentes grupos sociais. Essas normalmente são hierarquizadas, na
busca pela garantia do acesso privilegiado aos bens sociais. Portanto, no exemplo anterior,
nota-se uma hierarquização dos interesses apresentados pelos alunos, entre os proprietários/
pagantes e os ocupantes/não pagantes dos terrenos, sítios e serviços de abastecimento de
água/energia.
O excerto anterior evidencia diferentes identificações e diversas culturas se
sobrepondo/ conversando/ discordando/ convergindo e, para além disso, procurando negociar
suas diferenças em busca de uma alternativa benéfica para todos os envolvidos ─ a resolução
dos problemas ambientais e estruturais de seus bairros. Tal situação vai ao encontro, como
aponta Souza (2014), da necessidade de a escola preparar os estudantes para confrontos de
toda espécie e para a negociação de diferentes interesses, por meio do letramento crítico, uma
vez que, para Andreotti e Souza (2008), são os conflitos e as diferenças que fazem o diálogo e
a aprendizagem relevantes. Assim, é evidente a necessidade de os alunos aprenderem a
negociar essas diferenças e, para isso, de acordo com Souza (2014), “ao mesmo tempo em que
se aprender a escutar, é preciso aprender a se ouvir escutando (SOUZA, 2014, s/p)”. Por conta
dessa perspectiva adotada, a solução encontrada pelos estudantes foi uma resolução conjunta
que, de certo modo, na visão dos alunos, contemplava os interesses de todos.
Nesse sentido, em consonância com Hall ([1992] 2006, 2000, 2003), as
identidades são construídas e reconstruídas constantemente nas interações com outras
culturas, além de dependerem dos interesses que o indivíduo tem dentro da comunidade a qual
pertence. Observa-se no excerto 17 que sobressaíram reinvindicações divergentes entre os
discentes, ao pensarem em como os significados representados nos seus vídeos afetariam as
pessoas envolvidas. Por isso, quando se pensa em políticas educacionais e práticas
pedagógicas para uma comunidade, é necessário evitar a homogeneização, para que não
aconteça a exclusão dos interesses de alguns integrantes envolvidos, já que, segundo
Andreotti e Souza (2008), aquilo que consideramos “bom e ideal” para um grupo é apenas
uma das perspectivas possíveis, fundamentada na nossa sócio-história. É imprescindível
considerar o olhar de quem pertence à comunidade alvo e vivencia suas diferenças, para que
conheçamos outras perspectivas, a partir de outros contextos sócio -históricos. Por essa razão,
uma solução proposta para as reinvindicações dos participantes desta pesquisa, que os
considerasse um grupo uniforme, por meio do apagamento de suas diferenças, poderia excluir
parte desses alunos.
92

Mediante o exposto, a aula procurou promover além da escuta, a análise crítica


para uma possível solução, quando eu procuro levar os estudantes a pensar “a gente observou
a situação nos dois bairros, em que alguns estão em situações regularizadas, outros não.
Então o nosso vídeo poderia beneficiar algumas pessoas e prejudicar a vida de outras.
Diante disso, o que a gente poderia fazer?”. Em virtude da perspectiva adotada na aula, os
alunos puderam expressar livremente suas opiniões e, mediante minha mediação,
considerando o interesse de todos, chegaram a uma conclusão, expressa por Lorenzo “ia
ferrar com a população”, para a qual Leonardo sugere uma solução “Não fazer nada”.
Ângela concorda com os colegas “eu acho que não vai adiantar mandar vídeo, fazer qualquer
coisa, porque vai prejudicar a vida de algumas pessoas e ajudar outras e se a gente deixar do
jeito que está as coisas?”. Os estudantes parecem ter a consciência de que a maneira como as
diferenças estavam sendo negociadas até aquele momento funcionaria melhor do que uma
solução que considerasse apenas o interesse de alguns. É possível perceber isso na fala do
aluno Leonardo “eu acho que tem tipo uma divisão. [...]é uma injustiça ajudada, porque se
você destruir aquilo ali, você vai ficar triste porque destruiu a moradia de algumas pessoas.”.
A situação exposta no excerto anterior revela que a maneira como a aula foi
conduzida possibilitou o trabalho com as diversas culturas e identidades e, por ter sido guiada
no sentido de deixar os alunos expressarem livremente suas diferenças, considero que foi uma
aula mais inclusiva que promoveu a participação efetiva dos alunos.
A discussão exposta no excerto 18, vivenciada pelos alunos em um movimento de
enquadramento crítico, propiciou uma reflexão que extrapolou os limites das soluções que
procuravam para seus bairros/ ruas. Os estudantes apresentaram vários exemplos de
problemas de ocupações irregulares nos dois municípios e pensaram em uma possível solução
para a questão de ocupação irregular de casas e terrenos, conforme excerto 18:

Excerto 18 - opinião dos alunos sobre a falta de moradia


Professora: como poderia ser resolvido o problema de invasão, de ocupação irregular?
[...]
Ângela: a gente não consegue acabar com a invasão.
Professora: há muitos conflitos de interesses. O problema de invasão é porque está faltando
moradias. Como poderia ser resolvido?
Julia: o governo poderia construir vários prédios.
Fonte: dados coletados pela pesquisadora

O excerto 18 traz um posicionamento ideológico dos estudantes, ultrapassando


suas experiências imediatas (problemas de seus bairros), uma vez que esses refletem sobre
93

interesses que vão além das reinvindicações dos seus vídeos (solicitar a resolução de suas
demandas) e da proposta da atividade desenvolvida na aula naquele momento (decidir como e
onde divulgariam os vídeos). Esse dado revela que o projeto levou os estudantes a pensarem
para além das consequências que os vídeos acarretariam para as suas comunidades refletindo
sobre a política de uma forma mais geral. Eles responsabilizam os governantes pela falta de
moradias que podem culminar em ocupações irregulares, como aconteceu em seus bairros.
Assim, os alunos partem de um problema da sua comunidade (ocupações irregulares), para
refletirem soluções mais amplas e abrangentes (politicas públicas para resolverem a falta de
moradias).
Para Cope e Kalantzis (2016, p. 122), “educação inclusiva tem a ver com a
autotransformação do aluno, os aprendizes atuando como agentes para transformar seus
mundos”. Nesse sentido, os exemplos anteriores (excertos 16, 17 e 18) demonstram situações
inclusivas acontecendo em minhas aulas, porque levam os alunos a respeitarem e
problematizarem as diferenças, presentes no contexto da classe. Além disso, as situações
vivenciadas em classe podem acarretar uma mudança no modo como os estudantes
consideram tanto os seus interesses quanto os dos outros e resultar em uma participação
protagonista na transformação de sua realidade.
O próximo exemplo (excerto 19) traz o momento em que, enquanto ainda
decidíamos onde divulgaríamos os vídeos, a aluna Ângela, após pedir licença, posicionou-se
ao meu lado, à frente da classe, sugerindo que fizéssemos uma palestra para a escola. Após
essa proposição, ela questiona a opinião dos colegas, conforme excerto 19:

Excerto 19 - aluna tenta convencer alunos a fazer palestra para os colegas


Ângela: porque que a gente não passa uns slides aqui na escola, a gente coloca um telão,
apresenta os vídeos [...]?
Professora: a gente apresentaria então para a comunidade escolar?
Ângela: gente, faz ou não faz? [levanta-se e toma posição ao meu lado]
Leonardo: a gente podia apresentar no canal da escola, mas não podia ser a gente que
apresentava, tinha que ser a professora ou a diretora [provavelmente está pensando na questão
do uso da imagem dos alunos, que já tínhamos estudado, conforme análise do excerto15.]
Ângela: oh, gente? Eu estava falando com a professora [...] a gente poderia fazer uma
palestra [...] é só colocar um telão...
Leonardo: mas a escola não vai resolver o problema...
Ângela: mas não é só a escola, é para mostrar para eles que existem problemas que a gente
deveria resolver, as pessoas...
Leonardo: não quero falar que é ruim a ideia, é boa, mas tipo assim pessoas...
Ângela: mas sabe, igual aquele negócio lá da gravidez [palestra dos nonos anos]
Fonte: dados coletados pela pesquisadora
94

O excerto 19 mostra a aluna Ângela autonomamente tentando convencer a sala a


fazer uma apresentação oral “Porque que a gente não passa uns slides aqui na escola, a gente
coloca um telão, apresenta os vídeos...” e eu, tentando manter, ao mesmo tempo, a) a relação
de parceria que a aluna estabelece ao se deslocar para se posicionar ao meu lado e b) sua
agência, ao assumir essa posição para fazer proposições aos colegas. Reproduzo a sua ideia
“a gente apresentaria então para a comunidade escolar?”, enquanto Leonardo tenta
argumentar “mas a escola não vai resolver o problema”. Ângela contra argumenta “mas não
é só a escola, é para mostrar para eles que existem problemas que a gente deveria resolver,
as pessoas...”. Os argumentos da aluna refletem sua preocupação com a questão social,
quando pensa como os significados/ sentidos de suas produções conectam os envolvidos “mas
não é só a escola [..]”, além da questão ideológica, ao pensar a quem interessa uma
conscientização/ mobilização, quando afirma que o problema/solução deveria interessar a toda
a comunidade.
Vejo o meu papel nesse momento, como mediadora, uma vez que compartilhei o
poder de decisão com os alunos, incentivando a autonomia dos estudantes. Este excerto é
relevante porque mostra como a dinâmica da aula guiada pelos princípios da aprendizagem
por designs ─ trabalho em equipe, negociação das diferentes opiniões entre os pares,
ressignificação dos papéis professor/aluno ─ levou os alunos a expressarem livremente seus
posicionamentos e chegarem a um consenso sobre a divulgação dos vídeos autonomamente:
apresentariam na escola. Por conta dessa escolha, o projeto foi finalizado com um evento
coletivo (ou apresentação oral, evento, palestra, pois essa teve características de todos esses
gêneros) interdisciplinar, oferecido no pátio da escola com a presença de toda comunidade
interna (alunos, professores, gestão e funcionários) da escola.
A aula coletiva, por reunir todos os alunos da escola, os professores de todas as
disciplinas e a gestão, já possibilitou o entrelaçamento de várias culturas, uma vez que cada
participante trouxe em suas participações o seu repertório cultural, nas suas línguas, na
postura mais ou menos formal diante da situação de comunicação, na visão do objeto de
discussão do momento (problemas ambientais apresentados pelos vídeos dos alunos), cada
qual partindo de sua experiência de mundo, do seu lugar de fala. Nesse exemplo, além da
hibridez de culturas, há mistura de gêneros (apresentação de trabalho, aula expositiva,
palestra), conforme excerto 20:
95

Excerto 20 - hibridez de culturas e gêneros na apresentação dos vídeos-denúncia


Nessa aula foi possível contrapor a fala dos professores sobre os problemas do bairro, a partir
de sua cultura de especialista, detentor do conhecimento formal do tema, na perspectiva da sua
disciplina, numa variedade linguística mais formal, utilizando um gênero escolar sobre o qual
eles têm pleno domínio (aula expositiva, apresentação oral); com a fala dos alunos, que trazem
uma variedade linguística mais distante da norma padrão, um conhecimento dos problemas do
bairro ─ embora permeado pelo conhecimento escolar ─ do ponto de vista da experiência e da
pesquisa para o trabalho, usando o gênero escolar de apresentação de trabalho (onde eles
tentam dar um tom formal por julgar que estão sendo avaliados, pelo professor), mas ainda
assim, a espontaneidade do cotidiano, a timidez pela presença da plateia, o despreparo para a
performance no gênero ao qual estão sendo expostos, subvertem-se, dando um tom mais
informal à apresentação.

Trecho extraído do diário de campo elaborado em (02/12/2019)

Para além da mixagem de culturas, gêneros e linguagens apontadas no exemplo


anterior, é importante ressaltar a efetividade da aula de português a qual extrapolou os limites
da sala de aula e do conteúdo da disciplina, atingindo o propósito de uma participação mais
efetiva e inclusiva dos estudantes, pois apresentaram o resultado de seus projetos e
procuraram promover uma conscientização social através de seus trabalhos. As práticas
inclusivas foram garantidas pelas atitudes dos professores, que incentivaram os alunos a
superarem seus limites e dificuldades no momento da apresentação, adotando uma postura de
“parceiro”, mais horizontalizada e, principalmente, mostrando que aquela era uma ocasião de
ensino-aprendizagem fora da sala e não um momento de avaliação e julgamento.
96

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, busquei aproximar a inclusão ─ entendida neste texto como a


participação real e efetiva da diversidade de alunos que compõem uma sala de aula,
reconhecendo suas diferenças (linguística, cultural e outras), nas atividades pedagógicas que
nela são desenvolvidas ─ ao conceito dos multiletramentos ─ que contemplam as culturas e
linguagens com as quais os alunos lidam todo o tempo fora da escola ─ com o intuito de
responder como (de que modos) um trabalho baseado nos multiletramentos poderia contribuir
com a inclusão dos alunos em minhas aulas de ensino de Português. O que motivou este
estudo foi o desejo de buscar práticas de ensino-aprendizagem da língua portuguesa efetivas e
significativas para os meus alunos, norteadas pelo conceito dos multiletramentos. Para isso,
adaptei uma unidade de ensino para uma turma de sétimo ano do Ensino Fundamental e
analisei, nesta pesquisa, as situações de ensino relativas ao desenvolvimento dessa unidade,
para identificação e descrição dos modos como a perspectiva assumida pôde colaborar com a
inclusão/participação efetiva desse grupo de alunos nas atividades desenvolvidas.
Assim, no que concerne à fundamentação teórica, baseei-me nos estudos do GNL
(1996); Cope e Kalantzis, (2009, 2015, 2016); Rojo (2009, 2012, 2019), sobre os
multiletramentos. Autores como Knobel e Lankshear (2002, 2007), Lemke (2010) que
discutem os letramentos que advieram da cultura digital e as habilidades necessárias para
práticas de letramentos nessa esfera. Para definição do conceito de inclusão, nesta pesquisa,
busquei interlocução com autores que refletem sobre a diversidade, as identidades e as
diferenças como Hall (2000, 2003, [1992]- 2006); Silva (2000, 2011); Veiga-Neto (2003,
2016) discutindo os conceitos de norma/anormal; Sawaia (1999) que estuda a dialética
exclusão/inclusão, além de utilizar a proposta de Cavalcanti (2013) sobre considerar a
diversidade na diferença, por exemplo, no ensino de línguas portuguesas.
A partir da análise dos dados, pude constatar que a perspectiva assumida pôde
colaborar com a inclusão/participação efetiva dos alunos nas atividades desenvolvidas,
porque, nas situações de ensino em sala, ocorreu um trabalho entrelaçado de diferentes
linguagens e culturas. Não apenas daquelas linguagens e culturas já postas pelas atividades
escolhidas para as práticas de ensino, mas também, sobretudo, daquelas trazidas para dentro
da sala de aula pelos alunos em conjunto com suas vivências, experiências prévias,
identificações e compreensões. Para isso, foi necessário o reconhecimento de que, dentro da
diversidade de culturas e de linguagens, havia diferenças. As identidades que compunham o
grupo não eram homogêneas, fixas, mas, ao contrário disso, eram fluidas, sobrepostas, e
97

podiam mudar a todo instante, formando novas identificações, influenciadas pelas relações e
negociações que aconteciam no contexto da sala de aula. Para além de propor atividades que
possibilitem aos alunos manifestarem suas diferenças linguísticas e culturais, suas
compreensões e identificações, foi necessário que os alunos entendessem que essas diferenças
precisariam ser negociadas (SILVA, 2000, 2011, 2013).
Mediante o exposto, ainda como resultados encontrados nesta pesquisa, observou-
se que uma participação efetiva e inclusiva dos estudantes, mobilizada por situações de ensino
pautadas nos multiletramentos, apontaram não só para dentro, isto é, para uma sala de aula em
si mais inclusiva, mas também para o potencial inclusivo do que estava sendo trabalhado em
sala de aula. Ou seja, para a possibilidade de que o que estava sendo estudado pudesse
contribuir de alguma forma com uma participação mais efetiva e inclusiva de meus alunos em
outros ambientes fora da escola. De um lado, quando as atividades desenvolvidas em sala de
aula permitiram a expressão das culturas, línguas e linguagens, com as quais esses estudantes
convivem todo o tempo em outros espaços fora da escola, os discentes puderam manifestar
suas compreensões, suas identificações, engajando-se mais nas atividades propostas, de
acordo com suas diferenças linguísticas/ culturais e suas habilidades/ particularidades. Por
outro lado, adotar tal perspectiva, além de ter promovido a participação mais efetiva dos
estudantes em sala de aula, que se envolveram com os discursos/ textos/ conhecimentos
propostos pelas aulas de português, pode ainda suscitar a participação futura desses alunos,
em outros espaços sociais, fora do ambiente escolar, em que tais saberes, construídos em
classe, forem necessários. Nesse processo, também se mostrou relevante o papel inclusivo da
reapropriação criativa (ROSA, 2016) mobilizada pelos estudantes quando buscaram por
outros caminhos para desenvolver as atividades propostas.
Todavia, ainda que grande parte dos meus dados evidencie que guiar o ensino de
português pela perspectiva dos multiletramentos pôde contribuir para a participação/ inclusão
dos estudantes tanto dentro quanto fora de sala de aula, outro importante resultado encontrado
foi que essas situações, em alguns momentos, ainda se mostraram atravessadas pelas
culturas/compreensões do tipicamente escolar, por exemplo, quando os alunos antecipam
como o docente deveria agir em relação à determinada situação de ensino ou ainda quando
desenvolvem uma atividade moldados pelo que aprenderam/acreditam ser uma atividade
esperada/apropriada para o contexto escolar.
Vale ressaltar que os resultados encontrados e as reflexões aqui construídas estão
distantes de encerrar a temática explorada nesta pesquisa, dada a complexidade que envolve o
ensino de língua portuguesa desde muito tempo. Diante disso, por exemplo, uma questão
98

levantada a partir do resultado anteriormente apresentado e que ainda poderia ser mais
investigada é: como as representações dos alunos sobre a cultura escolar (o tipicamente
escolar), ao atravessarem situações de ensino pautadas na perspectiva dos multiletramentos,
podem vir a impactar o trabalho realizado na sala de aula?
Ainda que esta pesquisa tenha suas limitações, importa destacar que o estudo
empreendido pôde contribuir para ampliar o que normalmente se concebe como inclusão no
ensino, uma vez que a perspectiva adotada visibilizou situações nas quais refletir sobre
inclusão significou pensar em incluir a todos os alunos, nas práticas de sala de aula, não
porque teriam alguma deficiência, mas por terem acolhidas as suas diferenças: considerando
as suas culturas, línguas, linguagens, habilidades, particularidades, na tentativa de promover
uma participação real e mais efetiva de todos os envolvidos.
Diante do exposto, finalizo esta dissertação acreditando que a reflexão aqui iniciada
possa trazer contribuições para aulas de português, em outros contextos de ensino, ainda que
diferentes do meu. Nesse sentido, almejo também, na medida em que as diferenças culturais/
linguísticas dos alunos forem cada vez mais valorizadas, que as escolas se movam
gradativamente no sentido de formarem cidadãos poliglotas em suas línguas e multiculturais
em suas culturas (ROJO, 2009, p. 115), e de promoverem seu potencial inclusivo
considerando, tanto as práticas em sala de aula, como as situações em que for solicitada uma
participação efetiva e cidadã do alunado na sociedade contemporânea.
99

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103

ANEXO - Unidade de ensino

Etapa I: Introdução à sequência didática “Meio ambiente e participação política”

Objetivos:
- Apresentar aos alunos a unidade de ensino, mostrando quais os objetivos e quais serão as etapas da unidade de ensino;
- Solicitar aos alunos que, durante todo tempo da unidade de ensino, eles estejam sempre atentos aos problemas ambientais que encontrarem pelo bairro, pela
rua, ao redor da escola e registrarem com fotos e vídeos para utilizarem na produção do vídeo.
- Analisar a imagem de um grafite de Zezão no Brás.
- Refletir sobre os problemas ambientais das ruas, bairro, escola e cidade dos alunos;

Materiais: Livro didático do sétimo ano

Atividades

Aula 1 Aula 2 Aula 3


Atividades do livro: Atividades do livro: Atividades do livro:
-Interpretação do grafite do Zezão; - Ler a reportagem do livro didático de - Pensar na estrutura da reportagem.
-Interpretação do Cartum do Duke; denúncias sobre problemas ambientais “Vc
-Analisar a linguagem visual utilizada pelo repórter: moradores denunciam vazamentos de
autor do cartum, para chamar a atenção do água no RJ” e interpretá-la.
leitor para o problema ambiental do
problema do descarte do lixo em lugares
inadequados;
- Investigar com os alunos sobre os Adaptação da professora:
problemas ambientais que acontecem onde Adaptação da professora:
eles moram; - Pensar metalinguisticamente as características da
- Conversar com a turma sobre os gêneros - Exploração de outras linguagens (gráficos, reportagem, isto é, fazendo em um movimento de
jornalísticos que eles conhecem e discutir fotografias) e trabalhar de forma colaborativa, instrução aberta, um dos quatro movimentos pedagógicos
quais seriam os gêneros mais apropriados interativa, considerando o conhecimento dos da pedagogia dos multiletramentos.
para relatar problemas ambientais; alunos, ou seja, sempre na perspectiva dos
Adaptação da professora: multiletramentos e da pedagogia dos
- Explorar a linguagem visual do grafite e do multiletramentos.
104

cartum, considerando todas as características


da linguagem visual, uma vez que o trabalho
com os textos multimodais é o foco nessa
unidade de ensino.
- Levantar as questões da linguagem visual
da fotografia, questionando-os se
perceberam que há na imagem pichação e
grafite, se sabem a diferença, se imaginam o
porquê do autor escolher colocar essas duas
linguagens. Discutir sobre as cores do grafite
e da pichação, sobre a intenção do autor em
fazer um grafite num espaço como esse.
Perguntar aos alunos se imaginam uma outra
maneira, diferente da artística, para chamar
atenção para espaços como esses.
Habilidades Habilidades Habilidades
Leitura e interpretação oral Leitura e interpretação dos sentidos do texto Estudo da estrutura do texto
escrito
- Identificar os efeitos de sentidos devidos às - Identificar e utilizar os modos de introdução de outras
escolhas de imagens estáticas, sequenciação - Identificar, em notícias, o fato central, suas vozes no texto;
ou sobreposição de imagens, definição de principais circunstâncias e eventuais - Reconhecer verbos de elocução em textos jornalísticos.
figura/fundo, ângulo, profundidade e foco, decorrências;
cores/tonalidades, relação com o escrito em - Grifar as partes essenciais do texto, tendo em
foto- denúncia; vista os objetivos de leitura, como forma de
-Inferir e justificar em textos possibilitar uma maior compreensão do texto.
multissemióticos ─ charges, cartuns,
tirinhas, etc ─, o efeito de humor, ironia e/ou
crítica pelo uso ambíguo de alguns recursos,
entre eles, expressões ou palavras ambíguas,
recursos iconográficos, tec.
Local: Sala de aula Local: Sala de aula Local: Sala de aula
Duração: 50 minutos Duração: 50 minutos Duração: 50 minutos
Metodologia: interpretação oral e coletiva Metodologia: Leitura individual da reportagem, Metodologia: Atividade feita em dupla pelos alunos,
dos textos multimodais, debates dos para que os alunos percebam os aspectos socialização das repostas das duplas com a mediação da
105

problemas ambientais, argumentação e relevantes do texto. A socialização das professora.


reflexão para solução dos problemas impressões se dará no momento da correção da
discutidos. atividade interpretativa.
Local: sala de aula

Etapa II: Ampliação do estudo dos elementos estruturais de uma reportagem nas diferentes mídias
Objetivos:
- Levar os alunos à sala de informática para lerem e assistirem a reportagens, observando sua estrutura. Para enfatizar o estudo com os textos multimodais,
procuraremos apresentá-los a reportagens em todos os formatos e em todas as mídias, para que os alunos percebam as várias linguagens ─ audiovisual e
escrita. Falaremos da importância das imagens, dos gráficos, dos áudios e dos vídeos nas reportagens em outras mídias e também da natureza dos hipertextos,
os quais não apresentam um sentido linear de leitura, permitindo aos leitores percorrerem o caminho que quiserem ao lê-los. Assim ele pode assistir ao vídeo,
em seguida ver as imagens e só depois ir ao texto, ou pode partir do texto, para depois ir para as outras linguagens. É importante ressaltar que não
produziremos um hipertexto, apenas apresentaremos o conceito aos alunos;
- Definir o que é reportagem e notícia, apresentando as diferenças e semelhanças entre elas;
- Explicar a diferença entre uma reportagem na TV, no jornal, na revista ou no site, mostrando as diferenças nas suas estruturas e que cada uma prioriza um
tipo de linguagem diferente;
- Definir o conceito de Lide, manchetes, títulos, subtítulos e sua relevância para a reportagem;
- Fazer um levantamento com os alunos de quem conhece o quadro do jornal da EPTV, no qual os cidadãos enviam vídeos e fotografias dos problemas de
suas ruas, bairros, cidades, rodovias para a redação do jornal para que sejam encaminhados e cobrados dos órgãos responsáveis pelo problema.
- Entrar com eles no site da EPTV, para que eles conheçam o quadro;
- Mostrar que é possível utilizar o vídeo que produziremos para enviar ao jornal, mostrando-lhes a relevância social do trabalho que desenvolveremos.
Materiais: computadores da sala de informática, celulares dos alunos e livros didáticos
Atividades
Aula 1 Aula 2
Atividades do livro: Atividades do livro:
- Neste momento o livro não será usado. - O livro será usado para retomar os conceitos de reportagem e notícia, apenas como
Adaptação da professora: suporte para pesquisa.
- As atividades desta etapa, nessa aula, foram adaptações feitas pela Adaptação da professora:
professora, no intuito de trabalhar com os Multiletramentos. -Sistematização das características e das várias linguagens encontradas nas
- Atividades de busca, navegação e pesquisa dos conteúdos da aula. reportagens pesquisadas. Para isso, passarei para os alunos algumas perguntas
norteadoras do que eles precisam observar. Por exemplo: Qual a linguagem
predominante em cada tipo de reportagem observada?; O que muda na estrutura da
reportagem de uma mídia para outra?; Qual tipo de reportagem ele acham que é
mais lida e chama mais atenção dos leitores atuais? O que permanece da reportagem
106

escrita nas reportagens em outras mídias?.


Habilidades: Habilidades:
Pesquisa, leitura e compreensão Leitura e compreensão da estrutura textual
- Perceber e analisar os recursos estilísticos e semióticos dos gêneros - Sistematizar os recursos estilísticos e semióticos dos gêneros jornalísticos, os
jornalísticos, os aspectos relativos ao tratamento da informação, a aspectos relativos ao tratamento da informação, a ordenação dos eventos, as
ordenação dos eventos, as escolhas lexicais, a morfologia dos verbos e escolhas lexicais, a morfologia dos verbos e as linguagens de reportagens em outras
as linguagens de reportagens em outras mídias. mídias.

Metodologia: Metodologia:
- Dada a pouca quantidade de computadores com acesso à internet, os - Neste momento, a professora sistematizará com os alunos na lousa os resultados
alunos ficarão em duplas, ou trios nos computadores e poderão usar da busca dos discentes, considerando o que perceberam através das perguntas
seus celulares para fazer pesquisas. A professora, após passar as norteadoras citadas anteriormente.
orientações sobre a pesquisa, ficará circulando pelo espaço, orientado
os alunos em suas pesquisas.
Duração: 50 minutos Duração: 50minutos
Local: sala de informática
Etapa III: Conhecendo os gêneros carta de reclamação e de solicitação e vídeo-denúncia; trabalho com habilidades de argumentação, solicitação e
reclamação.
Objetivos:
- Conversar com os alunos sobre as diferentes cartas que circulam via correio, internet ou mesmo em mãos;
- Ver se eles sabem para que escrever uma carta e se eles já escreveram alguma carta para alguém;
- Ler alguns exemplos de cartas;
- Falar da importância de considerar quem será o interlocutor da carta;
- Estudar a diferença entre reclamar e solicitar, para observar a diferença entre carta de reclamação e de solicitação;
- Discutir a importância da modalização na produção de textos

Materiais utilizados: livros didáticos


Atividades
Aula 1 Aula 2
Leitura e compreensão Atividades do livro:
Atividades do livro: Leitura e reflexão sobre a estrutura do gênero.
- Leitura de algumas cartas do livro ( são quatro exemplos); - Estudar o conceito de modalização, para entender a diferença entre reclamar e
- Fazer atividades, pensando na situação da interação, a partir de solicitar;
107

cartas pessoal, solicitação, reclamação e de leitor. - Fazer exercícios os quais apresentam situações que possibilitem refletir sobre o
uso de carta de reclamação ou solicitação.
Adaptação da professora:
Nesta etapa as atividades detiveram-se ano livro didático.
Habilidades: Habilidades:
Leitura e compreensão Leitura e compreensão
- Identificar, em textos, os efeitos de sentidos do uso de estratégias de - Identificar, em textos, os efeitos de sentidos do uso de estratégias de modalização e
modalização e argumentatividade. argumentatividade.

Metodologia: Metodologia:
As atividades serão feitas em duplas, com a mediação da professora. As atividades serão feitas em duplas, com a mediação da professora. Após esse
Após esse momento faremos a socialização das respostas dos momento faremos a socialização das respostas dos exercícios e a sistematização dos
exercícios e a sistematização dos conceitos estudados na aula. conceitos estudados na aula.

Duração: 50 minutos Duração: 50 minutos


Local: sala de aula
Etapa IV: A importância da argumentação em carta de reclamação e solicitação e, por conseguinte, nesta unidade de ensino, no vídeo-denúncia
Objetivos:
- Estudar a importância de argumentar em cartas de solicitação e reclamação e em vídeos- denúncia;
- Diferenciar opinião e argumentos;
- Conceituar os tipos de argumentos, verbos de elocução, situação de interação e os operadores argumentativos;
- Esclarecer que, apesar do vídeo se fundamentar em linguagem audiovisual é possível argumentar, porque são feitas escolhas que não são neutras. Mostra-se
um ponto de vista e defende-se aquilo em que se acredita. Estudaremos assim, a diferença de argumentação entre uma carta escrita e um vídeo denúncia.

Materiais utilizados: livros didáticos e celulares dos alunos


Atividades
Aula 1 Aula 2
Atividades do livro: Atividades do livro:
- Leitura de cartas para observar a argumentação - Exercícios do livro para observar a argumentação no gênero estudado.
Adaptação da professora: Adaptação da professora:
- Mostrar reportagens em outras mídias para os alunos perceberem se - Sistematizar com os alunos a argumentação nas reportagens gravadas em vídeos.
há também argumentação
Habilidades: Habilidades:
Argumentação na carta e vídeos denúncia Argumentação na carta e vídeos denúncia
108

- Identificar e avaliar posicionamentos explícitos e argumentos em - Identificar e avaliar posicionamentos explícitos e argumentos em textos
textos argumentativos, por exemplo, a carta de leitor e vídeos argumentativos, por exemplo, a carta de leitor e vídeos denúncias.
denúncias.

Metodologia: Metodologia:
- Alunos trabalharão em duplas, com a mediação da professora no - Alunos trabalharão em duplas, com a mediação da professora no momento das
momento das atividades do livro, as atividades adaptadas pela atividades do livro, as atividades adaptadas pela professora serão feitas
professora serão feitas coletivamente. coletivamente.
Duração: 50 minutos Duração: 50 minutos
Local: sala de aula
Etapa V: a organização das cartas de solicitação, de reclamação e do vídeo-denúncia
Materiais utilizados: livros didáticos e celulares dos alunos

Objetivos:

- Conhecer como se organiza uma carta e um vídeo-denuncia.


Atividades
Aula 1

Atividades do livro:
-Fazer os exercícios para observar a organização de uma carta
Atividades adaptadas pela professora:

-Passar reportagens em vídeos, especificamente no formato de vídeo denúncia, para os alunos observarem a organização dos vídeos.

Habilidades:
Organização da carta e do vídeo denúncia
- Aprender organizar os textos e vídeos em partes e estabelecer relações de sentido entre essas partes.

Metodologia: Aula expositiva, atividades em dupla.


Duração: 50 minutos
Local: sala de informática ou sala de vídeo
Etapa VI: produção das cartas de solicitação e reclamação
Objetivos:
109

- Produzir uma carta, seguindo o roteiro de produção do livro didático, a partir dos problemas ambientais listados pelos alunos no início da unidade;
- Revisar a produção seguindo a ficha de avaliação do livro.
Materiais utilizados: livros didáticos
Atividades
Aula 1 Aula 2
Atividades do livro: Atividades do livro:
- Explicar para os alunos o roteiro de produção; - Explicar os alunos como utilizar a ficha de avaliação da produção;
- Fazer a atividade de produção da carta proposta pelo livro. - Fazer a revisão das cartas junto com os alunos.
Adaptação da professora: Adaptação da professora:
- Não haverá nesta aula atividades adaptadas - Não haverá nesta aula atividades adaptadas
Habilidades: Habilidades:
Produção de texto Revisão de texto
- Produzir, revisar e editar textos reivindicatórios ou propositivos sobre - Produzir, revisar e editar textos reivindicatórios ou propositivos sobre
problemas que afetam a vida escolar ou da comunidade. problemas que afetam a vida escolar ou da comunidade.
Metodologia: Metodologia:
Aula expositiva, atividade individual com a mediação da professora. Aula expositiva, atividade individual com a mediação da professora.
Duração: 50 minutos Duração: 50 minutos
Local: sala de aula
Etapa VII: Planejamento do vídeo denúncia
Objetivos:
- Definir com os alunos os grupos de trabalho. Serão quatro grupos, com cinco participantes, portanto, a sala produzirá, no final, quatro vídeos-denúncia;
- Definir as condições de produção do vídeo, ou seja, produzir um roteiro, a partir daquele utilizado para a produção da carta;
- Decidir quais problemas serão tratados no vídeo;
- Decidir e avaliar o interlocutor e o gênero (será um vídeo de reclamação ou solicitação);
- Escolher os argumentos que serão usados;
- Selecionar os vídeos e as imagens que foram feitas pelos alunos que serão usadas;
- Decidir se haverá entrevistas, se colocarão efeitos sonoros;
- Assistir tutoriais para a produção de reportagens em vídeo.
Materiais utilizados: livros didáticos, material coletado pelos alunos (fotos e filmagens dos problemas encontrados pelo bairro), celulares dos alunos.
Atividades
Aula:
Os alunos definirão o roteiro dos vídeos, escolherão os argumentos e o interlocutor do vídeo, definirão o tom ( reclamação ou solicitação) e assistirão aos
tutoriais para com a ajuda da professora sistematizarem as características de uma reportagem em vídeo.
110

Habilidades:
- Capacidade de planejamento, de trabalho em equipe, cooperação.
Metodologia:
A sala será disposta em quatro grupos de cinco alunos, tendo pelo menos um dispositivo (celulares dos alunos) com internet no grupo, a professora ficará
circulando pelos grupos para ajudá-los na organização das atividades.
Duração: 50 minutos
Local: Sala de aula
Etapa VIII: Produção do vídeo
Objetivos:
- Produzir o vídeo, propriamente dito, juntando imagens, textos, vídeos, áudios e entrevistas.
Materiais utilizados: computadores da sala de informática e celulares dos alunos
Atividades

Aula
- A partir do planejamento feito na etapa anterior, juntar as imagens solicitadas, áudios, entrevistas, direcionar ao interlocutor apropriado, fazer a
sequenciação das cenas, de maneira a dar sentido à solicitação ou à reclamação do vídeo-denúncia
Habilidades:
- Identificar os efeitos de sentidos devidos às escolhas de imagens estáticas, sequenciação ou sobreposição de imagens, definição de figura/fundo, ângulo,
profundidade e foco, cores/tonalidades, relação com o escrito em foto- denúncia;
Metodologia:
Os alunos trabalharão em seus respectivos grupos, a professora mediará e coordenará as tarefas, esse momento será de muita troca de conhecimento, pois
será um momento no qual descobriremos como fazer os vídeos, uma vez que somos amadores, apesar da facilidade com as tecnologias que alguns alunos
possuem, muitas tarefas terão que ser pesquisadas, quando os filmes estiverem sendo produzidos.
Duração:
Aproximadamente quatro aulas. É difícil prever quantas aulas precisamente, pois dependerá do ritmo do processo de produção. Como são atividades novas
para a professora e para a maioria dos alunos, pode acabar demandando mais tempo que o previsto.
Local: Haverá alguns momentos em sala, apenas com os celulares dos alunos e outros na sala de informática, quando a tarefa exigir o uso do computador.
Etapa IX: Edição do vídeo
Objetivos:
Verificar, a partir do roteiro, se o vídeo cumpriu os propósitos abaixo;
- Elaboraram um vídeo que denuncia um problema do bairro, da rua ou do entorno da escola dos alunos?
- Iniciaram o vídeo situando o espaço e o tempo onde encontraram o problema denunciado?
- Formularam claramente uma denúncia em forma de solicitação ou reclamação?
- Argumentaram adequadamente para convencer os interlocutores, conforme acordado previamente?
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- Estabeleceram uma lógica na sequência das gravações, das imagens e das argumentações?
- Usaram imagens e vídeos que realmente retratem o problema denunciado? Pensaram no melhor enquadramento, para destacar o que querem chamar a
atenção?

Materiais utilizados: computadores da sala de informática e celulares dos alunos


Atividades
Aulas:
- Todas as atividades da aula serão utilizadas para os acertos finais dos vídeos.
Habilidades:
- Selecionar, cortar, juntar imagens; trabalhar melhor enquadramento; junção de imagens e áudios; colocar legendas e créditos;
- Fazer a edição do vídeo checando se todos os itens do roteiro foram seguidos e consertando possíveis problemas.
Metodologia: Os alunos trabalharão em seus respectivos grupos, a professora mediará e coordenará, orientando-os na execução das tarefas. Nessas aulas as
atividades ficarão mais centralizadas naqueles que tem mais habilidades com edição, inclusive algumas atividades poderão ser realizadas em casa por alguns
alunos. No entanto, os outros contribuirão no apoio a estes colegas, segundo as habilidades de cada um. Para facilitar o trabalho, solicitarei que os alunos
publiquem no grupo de WhatsApp as imagens e os vídeos produzidos, para facilitar o trabalho de junção do material para a produção do vídeo.

Duração: Aproximadamente duas aulas. É difícil prever quantas aulas precisamente, pois dependerá do ritmo do processo de edição. Como são atividades
novas para a professora e para a maioria dos alunos, pode acabar demandando mais tempo que o previsto.
Local: Haverá alguns momentos em sala, apenas com os celulares dos alunos e outros na sala de informática, quando a tarefa exigir o uso do computador.

Após a execução da unidade de ensino, os vídeos-denúncia produzidos pela classe seriam enviados ao quadro da EPTV que possui um espaço
reservado para denúncias, se os alunos decidissem enviar para a emissora. Os alunos foram questionados se queriam enviar os vídeos aos órgãos responsáveis
pelos problemas relatados nos vídeos, para perceberem a dimensão social do trabalho que fizeram. Outras possibilidades pensadas foram: no blog que eu havia
criado da sala, na execução de um projeto anterior (reportagem multimidiática sobre jogos), nos canais do Youtube de alunos que quisessem publicar em seu
canal, nas redes sociais (Instagram, Facebook).
No entanto, após a conclusão da unidade de ensino e finalização da edição dos vídeos, percebemos que se solicitássemos a resolução de alguns
problemas mencionados nos vídeos, haveria um conflito de interesses, dada a natureza dos bairros dos alunos, conforme descrito na introdução e no capítulo de
metodologia e de análise desta pesquisa. Assim, a socialização dos vídeos foi feita em formato de palestra de conscientização da comunidade escolar, numa
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aula dada por professores de várias disciplinas, no pátio da escola, para todos os alunos da unidade escolar, mostrando os problemas do bairro sob a ótica de
várias disciplinas.

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