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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
CAMPINAS
2021
RACHEL FERREIRA OLIVEIRA SANTOS
Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de Mestrado
Profissional em Educação Escolar da
Faculdade de Educação da Universidade
Estadual de Campinas como parte dos
requisitos exigidos para a obtenção do
título de Mestra em Educação Escolar,
na área de concentração Educação
Escolar.
CAMPINAS
2021
`
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
COMISSÃO JULGADORA:
2021
Aos meus amados: pais Antonio e Nilva,
esposo Gedson,
filhos Antonio, Heitor e Isadora.
Agradecimentos
aos meus pais, Nilva e Antonio, por dedicarem suas vidas em prol da minha felicidade e para
que eu realizasse todos os meus sonhos.
ao meu amado esposo, Gedson, por acreditar em mim e me apoiar sempre que preciso. Sou
grata por seu companheirismo e pragmatismo para apresentar-me soluções, quando necessito
de apoio.
aos meus filhos Antonio, Heitor e Isadora, meus bens mais preciosos. Agradeço por
entenderem as muitas horas de estudo que, muitas vezes, lhes privaram da merecida atenção,
constantemente solicitada por eles (“Mamãe, porque você não para nunca de estudar?”,
“Mamãe, você só estuda?’’).
à toda minha família, a qual é imensa e verdadeiramente unida, por isso não correrei o risco
de citar nomes, dada a imensa possibilidade de eu esquecer alguém de extrema relevância
para mim. Sou grata pelos muitos momentos de convivência aos quais devo a maior e melhor
parte da pessoa que me tornei.
à minha orientadora Aryane Santos Nogueira, por ter partilhado comigo seus conhecimentos e
por acreditar em meu trabalho, orientando-me com muita dedicação e competência e
conduzindo-me nesse início de jornada como pesquisadora. Suas orientações foram essenciais
para que eu conseguisse concluir essa etapa. Por isso, serei sempre muito grata.
às professoras Claudia Amoroso Bortolatto, Maria Teresa Eglér Mantoan, Miriam Cardoso
Utsumi, Nima Imaculada Spigolon e Rosemary Passos que dividiram comigo seus saberes os
quais também foram muito importantes para a minha formação com pesquisadora.
à professora Roxane H. Rojo, por partilhar, em suas aulas, sua vasta experiência em
letramentos, multiletramentos, novos letramentos, entre tantos outros temas, nas inesquecíveis
tardes de quarta-feira do primeiro semestre de 2019.
às professoras Ana Amélia Calazans e Lilian C. Ribeiro Nascimento por aceitarem compor
tanto a minha Banca de Qualificação, quanto a de Defesa. Sou grata pela leitura cuidadosa do
meu texto e pelas importantes contribuições que fizeram. Suas orientações e sugestões foram
imprescindíveis para o desenvolvimento e conclusão desta dissertação.
às professoras Heloisa Matos Lins (Qualificação), Inês Signorini e Janaina Cabello (Defesa),
por comporem a banca suplente deste trabalho.
a todos(as) participantes desta pesquisa sem os quais não seria possível a realização deste
trabalho.
aos amigos de todas as horas (motivo pelo qual recebemos da professora Nima o carinhoso
apelido de Bando) ─ Ana Claudia Geraldo, Clystiani Felizola R. Eloi, Cynthia A. Trepodoro
Honorato, Maria Ap. J. Salgado, Maria Criseide Risso. Suzy F. Pecht, Osias B. Anunciação
─ pelos momentos compartilhados: nos almoços de quinta-feira no Bandejão, na biblioteca,
na sala de aula, na lanchonete e por todos os momentos de risos fáceis, livres, soltos (Ah a
gargalhada da Salgado!).
Capítulo 1 ................................................................................................................................ 18
Capítulo 2 ................................................................................................................................ 35
Capítulo 3 ................................................................................................................................ 46
3.1. Práticas inclusivas mobilizadas pela leitura e produção nas diferentes linguagens ................. 47
3.2 Práticas inclusivas suscitadas pela manifestação das diversas culturas nas situações de
ensino............................. ................................................................................................................... 76
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa teve como objetivo analisar aulas de português desenvolvidas sob
uma perspectiva pedagógica pautada nos multiletramentos, a) identificando situações e b)
descrevendo-as de modo a revelar como a perspectiva assumida pode colaborar com uma
participação mais efetiva, isto é, mais inclusiva dos alunos, nas atividades desenvolvidas,
provenientes da adaptação de uma unidade de ensino1, a partir de uma sequência didática do
material de apoio dos alunos2. Essa unidade de ensino envolveu o trabalho com os gêneros
cartas de reclamação e solicitação, que já constavam na sequência didática e culminou na
produção de vídeos-denúncia dos problemas nas ruas, bairros e entorno da escola, observados
pelos estudantes.
A palavra inclusão tem sido utilizada nesta pesquisa como sinônimo da
possibilidade de uma participação real e efetiva da diversidade (HALL, 2000, 2003, 2006;
SILVA, 2000, 2011; CAVALCANTI, 2013) de alunos que compõem uma sala de aula nas
atividades pedagógicas que nela são desenvolvidas. No Brasil, o termo inclusão é usado com
muita frequência no âmbito da educação especial em referência aos alunos com deficiência e
altas habilidades. No entanto, nesta pesquisa, ele se refere, na realidade, ao acolhimento das
diferentes diferenças (cf. definição de Cavalcanti, 2011) no espaço escolar. Isto é, uma visão
que está em consonância com o reconhecimento das diferenças (linguística, cultural e outras)
as quais marcam presença na sala de aula e que, consequentemente, suscita e oportuniza um
olhar diferenciado e preocupado com a inclusão do alunado não apenas como inserção
(SAWAIA, 1999) no espaço escolar, mas como participação que se efetiva, dentre outros
modos, pela própria expressão das diferenças.
O desejo de buscar práticas de ensino mais inclusivas para o ensino-aprendizagem
da língua portuguesa sempre permeou minha trajetória docente. A Língua Portuguesa
começou a fascinar-me, desde a minha formação inicial. Lembro de posicionar-me no centro
da sala dos meus avós com apenas 8 anos ─ local de reunião diária de todos os filhos e netos,
para as sessões de contação de causos ─ e “impor” minha declamação do poema “Trem de
Ferro” de Manuel Bandeira. Ao longo de toda minha formação, em escola pública, mantive-
me apaixonada por todos os aspectos da língua como literatura, análise linguística, motivo que
me levou a escolher o curso de Letras. Conclui minha graduação em 2004, na Universidade de
1
O termo unidade de ensino neste texto nomeia todas as atividades que foram feitas para a obtenção dos
registros desta pesquisa, desde a sequência didática e do gênero textual escolhidos (carta de solicitação e
reclamação), até a produção de vídeos-denúncia.
2
FIGUEIREDO, Laura de. Singular & Plural: leitura, produção e estudos de linguagem/ Laura de Figueiredo,
Marisa Balthazar, Shirley Goulart. – 2 ed. – Moderna, 2015.
12
São Paulo (USP) e iniciei minha carreira docente em 2007, após passar em concurso público
da rede municipal. Sempre exerci minha profissão em escolas públicas municipais, portanto
meus alunos, incluindo os participantes desta pesquisa, frequentam o ensino fundamental II de
escolas localizadas normalmente em regiões periféricas das cidades.
Passado o enlevo inicial de docente em começo de carreira, comecei a notar que
aquela língua pela qual sempre fora apaixonada, dos livros literários clássicos, das gramáticas,
não coincidia com a variedade do meu alunado e não atendia suas reais necessidades. Logo
percebi também que o meu deslumbre direcionava-se para essas línguas reais3 dos alunos, em
toda a sua complexidade e não apenas para uma variedade de prestígio da língua. Encantava-
me os causos, as anedotas, os ditos populares, os regionalismos, ou seja, as manifestações não
canônicas. Fascinava-me a língua falada pelos meus alunos permeada pela história de cada
um e inquietava-me o fato de poucos alunos conseguirem expressar efetivamente nos eventos
mais monitorados de letramentos, principalmente nas práticas escritas, quando essas
requeriam maior proximidade da variedade urbana de prestígio.
Compreendi a necessidade de questionar-me quais línguas considerar em minhas
aulas e, principalmente, como ensiná-las, isto é, que estratégias adotar nas minhas práticas de
ensino. Desse modo, sempre busquei por cursos de formação continuada que refletissem sobre
estratégias de ensino nas aulas de português. Nesse sentido, a temática dos multiletramentos
começou a fazer parte das minhas reflexões e das minhas práticas desde 2018, ao participar de
um curso no I Encontro do Grupo de Pesquisa (Multi)Letramentos e Ensino de Língua
Portuguesa: Práticas docentes, Formação e Currículo ( MELP I), realizado no Instituto de
Estudos da Linguagem da Unicamp (IEL) e após a leitura do texto Cultura digital e ensino de
Língua Portuguesa, de Jaqueline Barbosa e Roxane Rojo, na revista Na ponta do lápis, do
programa Escrevendo o Futuro, no qual tratavam dos multi e novos letramentos e de como a
Base Nacional Comum Curricular-BNCC (BRASIL, 2018) contemplou tal tema.
Nessa mesma época, eu produzia um teatro de sombras com meus alunos, baseado
em um conto de mistério, o qual possibilitou o trabalho com várias linguagens (escrita, oral,
visual), exigindo diversas habilidades (produzir textos, produzir e editar vídeos, atuar, entre
outras) dos envolvidos. Essa atividade me fez compreender, ao começar a estudar o conceito
dos multiletramentos, que, para além da minha inquietação de quais variedades de línguas
considerar e, principalmente, de como ensiná-las, a concepção do objeto de ensino das minhas
3
Embora minha habilitação seja em Letras-Português, eu cursei a maioria das disciplinas da habilitação em
Linguística, porque me interessava estudar os aspectos do português por outro enfoque, uma vez que a
abordagem da Língua Portuguesa nessas duas habilitações é diferente.
13
aulas deveria expandir. Ainda que eu já buscasse considerar a diversidade cultural dos meus
alunos, faltava-me observar as várias linguagens e os novos gêneros presentes no cotidiano
dos estudantes.
As duas experiências mencionadas, acadêmica e prática, levaram-me a perceber
que trabalhar nessa perspectiva poderia ser uma forma de possibilitar uma participação efetiva
dos alunos nas atividades pedagógicas, isto é, uma forma de incluí-los, mesmo aqueles que
normalmente não eram bem sucedidos nas práticas tradicionais4 de ensino de língua
portuguesa, mais apegadas ao letramento da letra, dos gêneros clássicos, cânones e
tipicamente escolares5.
Ao direcionar meu olhar para o ensino da língua portuguesa, refletindo sobre
como esse é tratado, penso na possibilidade de contribuir para que os estudantes sejam
produtores e não meros reprodutores de conhecimento, podendo impulsionar uma melhoria no
ensino-aprendizagem. O Mestrado Profissional veio ao encontro do meu objetivo, uma vez
que esse me levou a pesquisar as minhas práticas de ensino.
Cada vez mais compreendo que buscar estratégias significativas para os alunos
em aulas de língua portuguesa, no contexto atual, contemplando as práticas com as quais
esses estão envolvidos em outras esferas sociais, no mundo físico ou digital, é de extrema
relevância6 para a Educação Básica, a fim de ampliar o conhecimento de língua pretendido
pela escola, que, na maioria das vezes, desconsidera as várias culturas e as diversas
linguagens, presentes no cotidiano dos discentes (GNL,1996; COPE; KALANTZIS, 2009,
2015; KNOBEL; LANKSHEAR, 2002, 2007, 2012; ROJO, 2012, 2019).
Para responder à pergunta de pesquisa como (de que modos) um trabalho
baseado nos multiletramentos pôde contribuir com a inclusão de um grupo de alunos em
aulas de ensino de Português, baseei-me em autores e estudos que tratam dos
multiletramentos, tais como, Grupo Nova Londres (1996)7; Cope e Kalantzis (2009, 2015,
2016); Rojo (2012, 2013, 2019); Knobel e Lankshear (2002, 2007); Lemke (2010) que
4
Práticas tradicionais ─ comuns à cultura tipicamente escolar ─ são entendidas, no contexto desta pesquisa, em
consonância com Cope e Kalantzis (2015), como práticas nas quais o professor é autoridade e único detentor do
conhecimento, enquanto o aluno é receptor passivo desse conhecimento que reside basicamente nas tradições das
sociedades de escrita e que é testado normalmente através de exames. As recompensas do sucesso escolar estão
nas pontuações e rankings e seus principais preceitos epistemológicos são a memória cognitiva e raciocínio
lógico (COPE; KALANTZIS, 2015, p. 7-9).
6
O estudo e modificação da realidade pesquisada pelos multiletramentos, que refletem as novas práticas de
leitura e escrita com as quais os jovens estão envolvidos atualmente, também se justifica uma vez que visa
atender às recomendações da BNCC (BRASIL, 2018) para a inserção, no currículo, da reflexão sobre diferentes
linguagens e o uso das novas tecnologias.
7
Doravante GNL.
14
discutem os letramentos que advieram da cultura digital e das habilidades necessárias para as
novas práticas de letramentos na esfera virtual. Para definição do conceito de inclusão, nesta
pesquisa, busquei interlocução com autores que refletem sobre a diversidade, as identidades e
as diferenças como Hall (2000, 2003, [1992]- 2006); Silva (2000, 2011); Sawaia (1999) que
reflete sobre a dialética exclusão/inclusão, além de considerar a proposta de Cavalcanti
(2013), ao alertar para as diferenças na diversidade e a necessidade de pensar, no ensino, as
línguas portuguesas que fazem parte dos repertórios dos alunos atuais.
8
É possível perceber, nos textos iniciais do GNL (1996), e, posteriormente, de Cope e Kalantzis (2000, 2009),
embora esses já sugerissem a valorização da diversidade cultural presente na escola, uma ênfase na
multimodalidade, ou seja, nas várias linguagens que compõe os textos atuais. No entanto, em textos mais
recentes de Cope e Kalantzis (2015, 2016) nota-se uma maior atenção/preocupação com a valorização/ inclusão
das diferenças presentes na escola.
17
CAPÍTULO 1
Os multiletramentos no ensino de língua portuguesa
Neste capítulo, exploro os conceitos centrais que fundamentam teoricamente esta
pesquisa, tais como os multiletramentos e a pedagogia dos multiletramentos. Ao final,
relaciono esses conceitos com a perspectiva de inclusão assumida nesta pesquisa.
9
Tradução nossa do original: “What is appropriate education for women, for indigenous peoples, for immigrants
who do not speak the national language, for speakers of non-standard dialects? What is appropriate for all in the
context of the ever more critical factors of local diversity and global connectedness?” (GNL, 1996, p. 2).
20
2009, 2015). Garcia-Canclini (2008), pesquisador da área de estudos culturais, afirma que as
produções que circulam nas mais diversas esferas sociais, desde muito tempo, são formadas
por textos híbridos, impuros. Deste modo, as classificações dicotômicas como cânone,
clássica/ de massa, popular não contemplam mais os fenômenos culturais contemporâneos.
Para Rojo (2012, 2013), “nesta perspectiva, trata-se de descolecionar os ‘monumentos’
patrimoniais escolares, pela introdução de novos e outros gêneros de discurso – ditos por
Canclini ‘impuros’ –, de outras e novas mídias, tecnologias, línguas, variedades, linguagens”
(ROJO, 2012 s/p).
Tais considerações apontam que, para além de nortear as práticas de ensino pela
perspectiva dos multiletramentos, isto é, considerando a multiplicidade de culturas/linguagens
que já adentraram a escola e problematizar as classificações dicotômicas ─ cânone/clássica,
popular/ de massa, culto/ inculto, central/periférico, entre tantas outras─, de acordo com Hall
([1992] 2006), é imprescindível refletir sobre as diferenças e sua relação com o processo de
construção das identidades da sociedade atual, o que levou estudiosos desse tema ao
questionamento de como entender e tratar a diversidade (HALL, [1992] 2006).
O sujeito atual, para Hall ([1992] 2006), é composto por várias identidades,
móveis, fluidas, por vezes contraditórias. O próprio processo de identificação por meio do
qual são projetadas as identidades culturais promove constantes mudanças, já que, na medida
em que os sistemas de significação e representação cultural multiplicam-se, somos
confrontados por uma multiplicidade de identidades possíveis, pelo menos temporariamente.
As sociedades modernas são caracterizadas pelas diferenças. Para Hall ([1992]-2006), as
identidades não são fixas, nem homogêneas e por isso “em vez de falar de identidade acabada,
deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento” (HALL, [1992]-
2006, p. 39).
Seguindo essa mesma tônica discursiva, Silva (2000, 2011) relaciona as
pedagogias às questões do multiculturalismo10 e das diferenças, mostrando que os currículos
tradicionais e as políticas educacionais apoiam-se num apelo à tolerância e ao respeito para
com a diversidade e as diferenças. Nessa perspectiva, as diferenças e as identidades são
cristalizadas, naturalizadas. Em vez disso, o autor defende um currículo e uma pedagogia que
busquem problematizar as diferenças e as identidades, uma vez que essas são
interdependentes, mutuamente determinadas; são ainda, segundo Silva (2000, p 127-130),
criações sócio- culturais de atos de linguagem, determinadas pelos sistemas discursivos e
10
O conceito de multiculturalismo utilizado por Silva (2000, 2011) alinha-se ao multiculturalismo crítico
(HALL, 2006, p.51).
21
simbólicos que lhes dão definição. A afirmação das identidades e a enunciação das diferenças
passam por relações de poder e não convivem harmoniosamente, pois há sempre uma disputa
de grupos sociais e implicam sempre as ações de incluir e excluir. Uma das justificativas para
a criação do conceito dos multiletramentos pelo GNL (1996) foi a necessidade de a escola, ao
considerar a multiplicidade cultural que compõe seu alunado, preparar os jovens e as crianças
para atuarem efetivamente não só no contexto escolar, mas, sobretudo, na sociedade
contemporânea. Coaduna com essa perspectiva a afirmação de Silva (2000, p. 154) de que a
pedagogia e o currículo deveriam criar oportunidades para os alunos questionarem
criticamente os sistemas e as formas dominantes de representação da identidade e da
diferença, uma vez que esses estudantes, ao conviverem com as diversas culturas, precisam
saber dialogá-las e negociá-las, em prol de uma convivência mais harmônica.
Atrelada ao imperativo de considerar as diversas culturas para comunicar-se na
sociedade contemporânea, para o GNL (1996), está a questão da variedade de linguagens,
segunda multiplicidade a ser considerada na conceituação dos multiletramentos. De acordo
Cope e Kalantzis (2009 b), com o advento da evolução tecnológica, os modos de significação
aumentaram exponencialmente e os textos que surgiram dessa mistura de linguagens, os ditos
multimodais, não se restringem mais só ao escrito, mas relacionam-se também com o oral, o
visual, o espacial, podendo aparecer vários desses aspectos num mesmo suporte.
Cope e Kalantzis (2009) afirmam que cada um desses diferentes modos expressa
muitos dos mesmos tipos de significados, ou seja, sentidos apresentados pelo modo visual
também podem ser explicados pelo textual, todavia esses modos também têm representações
que são únicas em si mesmas. O funcionamento do visual pode explicar os caminhos pelos
quais as imagens trabalham como linguagem, tanto como a representação textual explica a
linguagem do texto. Cope e Kalantzis (2009) afirmam ainda que é necessário, ao trabalhar
como uma linguagem diferente, tomar o cuidado de analisá-la segundo aspectos próprios da
linguagem em foco. Lemke (2010), ao tratar de letramentos multimidiáticos e hipermidiáticos,
considera que a escola precisa ensinar como vários letramentos e tradições culturais
combinam essas modalidades semióticas distintas, para construir significados que não são a
soma de cada modo, mas sim a multiplicação desses vários modos, isto é, juntos eles
constroem um novo sentido.
Por exemplo, após a leitura de um livro, o aluno poderia demonstrar o que
apreendeu da leitura, através de vídeo, desenho, resenha, histórias em quadrinhos, exposição
oral. No entanto, cada modo escolhido pelo aluno deveria ser orientado e analisado segundo o
funcionamento de cada linguagem. Essa seria uma maneira de incluir todos os alunos, pois,
22
segundo Cope e Kalantzis (2009b), se for escolhido apenas um modo de execução de uma
tarefa, alguns alunos que têm facilidade para o modo escolhido serão favorecidos. Assim, uma
atividade não compreendida só pela escrita, ao ser associada à imagem, pode facilitar a
apropriação dos sentidos, ao se retornar para o texto (COPE; KALANTZIS, 2009b). Além
disso, seria uma maneira de contemplar as habilidades, as particularidades do alunado e
principalmente de aproximar as atividades escolares das práticas da cultura digital as quais
são recorrentes no cotidiano dos estudantes, o que poderia evitar a exclusão daqueles que não
apresentam desempenho efetivo nas atividades tipicamente escolares.
Cope e Kalantzis (2009b, p. 363) asseguram que os letramentos tradicionais não
reconhecem os potenciais de aprendizagem e significados inerentes em cada modo
representacional, desconsiderando a sinestesia ─ conceito que pressupõe a transferência dos
significados de um modo representacional para outro, por exemplo, do visual para o textual ─
uma vez que, assim como a ação pode ser expressa em verbos numa sentença, essa também
pode ser representada por vetores nas imagens (COPE;KALANTZIS, 2009b).
Alia-se a isso, de acordo Cope e Kalantzis (2009b), o fato de a leitura e a
observação do mundo poderem requerer diferentes imaginações e esforços para representar
seus significados, e por isso cada indivíduo pode representar uma mesma realidade de
diversos modos.
Em suma, ao considerar os referidos aspectos, segundo Rojo (2012), os
multiletramentos (GNL, 1996; COPE; KALANTZIS, 2009, 2009b) podem ser compreendidos
como interativos, colaborativos, além de transgredirem as relações de poder. Ainda segundo
Rojo (2012), embasada em Garcia- Canclini (2008), os multiletramentos são também
híbridos, fronteiriços, mestiços de linguagens, modos, mídias e culturas e, conforme
apresentado anteriormente, essa hibridez, segundo Hall ([1992] 2006), é constantemente
alimentada pelo processo de identificação que promove novas e temporárias identidades. Para
isso, é necessário afastar das dicotomias ─ centrais periféricas, clássicas/ populares ─ e
considerar as diferenças na diversidade (CAVALCANTI, 2013), ou seja, em um mesmo
grupo, normalmente, há diferentes identidades convivendo, que estão em constante processo
de construção/reconstrução.
Em virtude do exposto, é preciso também considerar novas estéticas, pois os
letramentos valorizados pela escola e aqueles trazidos pelo alunado atual podem não
coincidir, dada a diversidade cultural e de linguagens com as quais esse lida no seu cotidiano.
A coleção, o valor estético e o gosto do estudante podem ser diferentes das escolhas do colega
23
ao lado, bem como do que é proposto como esteticamente válido pela escola e pelos materiais
didáticos, conforme Rojo (2012).
Knobel e Lankshear (2007) também argumentam que falta à escola considerar
outros meios de comunicação, além dos textos escritos, por exemplo, o espaço dos chats, dos
vídeos games, os quais normalmente são mais multimodais11. Segundo esses autores, mesmo
quando se tem um olhar da escola para esses novos meios e modos de se comunicar, é no
sentido de encaixá-las nos moldes do texto escrito e não de pensá-las segundo a perspectiva
dos novos letramentos que circulam na sociedade atualmente, aproveitando os interesses dos
jovens com essas novas ferramentas, para torná-los consumidores/produtores críticos dessas
novas práticas de letramentos.
Nessa perspectiva, Lemke (2010) alerta que é preciso entender quão restrita foi a
educação letrada tradicional, a fim de compreender o que é necessário oferecer aos jovens
atuais, para além do que foi ofertado pelas instituições de ensino até hoje. Esse autor
argumenta que os educadores, muitas vezes, não chegam a ensinar aos estudantes nem mesmo
como integrar desenhos e diagramas à sua escrita, quanto menos integrar em suas práticas
escolares os recursos digitais com os quais eles convivem atualmente.
Diante desse contexto, a solução apresentada pelo grupo de pesquisadores do
GNL para a inserção do trabalho com os multiletramentos no currículo escolar refere-se a
uma pedagogia dos multiletramentos (GNL, 1996, COPE; KALANTZIS, 2009, 2009b, 2015).
11
É importante salientar que, em consonância com Ribeiro (2016), todo texto é multimodal, porém, alguns são
mais multimodais que outros. Nos exemplos citados no texto, o chat é menos multimodal que um vídeo game,
pois, mesmo que o chat contenha emojis e gifs, muitas vezes tem predominância de linguagem verbal. Um texto
escrito apresenta aspectos de multimodalidade, uma vez que possui além da escrita, a linguagem visual, ao
considerar-se o layout da página, o tipo de letra. Entretanto, em grau menor que o vídeo game o qual traz
imagem em movimento, linguagem sonora, entre outras.
24
O trabalho com designs requer novas habilidades dos envolvidos com o processo
de ensino-aprendizagem. Desse modo, os papéis dos alunos e professores precisam ser
ressignificados em sala de aula. O educador passa então a ser um mediador, um colaborador e
não apenas um detentor do saber, adotando práticas de ensino fundamentadas na
aprendizagem por designs a qual requer aspectos como a interação, a autonomia, a
colaboração. A mediação pedagógica12, entendida como a capacidade do professor trabalhar
em colaboração com o alunado, acontece na forma como o docente trata o conteúdo e no
relacionamento com os alunos, colocando-os como sujeitos da aprendizagem (MASETTO,
2006, p. 144).
Conforme Cope e Kalantzis (2009a, p.10), o design define-se como um modo de
construções significativas, ou seja, um processo de elaborar sentidos tanto para si quanto para
o mundo, tratando qualquer atividade semiótica, inclusive o estudo de textos escritos, a partir
de três principais elementos: os designs disponíveis (available designs), o desenvolvimento
do próprio design (designing) e as ressignificações que possibilitam a construção de novos
significados (redesigned), segundo Cope e Kalantzis (2009a).
Assim, o primeiro passo de um currículo norteado pela aprendizagem por designs,
segundo Cope e Kalantzis (2009 a), é o estudo dos designs disponíveis, que são os padrões e
convenções de representação e produção de significados das várias esferas de comunicação
dos estudantes e educadores. No estudo dos designs disponíveis, para pensar as convenções
preestabelecidas, aquilo que já está posto como verdades universais, esses autores sugerem
cinco questões norteadoras, quais sejam: representacional (os significados se referem a
quê?), social (como os significados conectam as pessoas que estão com eles envolvidas?),
organizacional (como os significados estão organizados?), intertextual (como os
significados se encaixam no universo das significações?) e ideológica (de quem são os
interesses que os significados pretendem atender?).
O segundo elemento (desining), segundo Cope e Kalantzis (2009a), é um
momento de transformação/ ressignificação do mundo, em que o estudante constrói novos
processos de significação marcados pela inovação advinda dos questionamentos norteadores
ocorridos no primeiro passo (designs disponíveis), que promove um aprendizado situado e
construído pelo estudante, diferente das propostas transmissivas das práticas de ensino
tradicionais.
12
Julgo importante ressaltar que quando penso o professor como mediador, não tenho a intenção de diminuir a
importância essencial do professor no processo de ensino/aprendizagem. Essa mediação se refere apenas a uma
mudança no papel. O professor continua sendo fundamental para ajudar os alunos, trazer suas experiências e,
através da criticidade desenvolvida em conjunto, construir o conhecimento desejado.
25
13
Passada uma década, desde a formulação desses conceitos, as sugestões iniciais dos autores para a prática da
pedagogia dos multiletramentos foram reformuladas e renomeadas para ações pedagógicas mais reconhecidas ou
processos de conhecimento (COPE; KALANTZIS, 2009a, 2015): Experiências (conhecidas e novas),
Conceitualização (por categorização/ nomeação e por teoria), Análise (funcional e crítica) e Aplicação
(adequada ou criativa). De acordo Rosa (2016), “a renomeação das orientações pedagógicas foi também uma
ressignificação das práticas (ROSA, 2016, p. 44)”, o que para a autora caracteriza uma “recuada” ideológica,
uma vez que essa nova terminologia, mais próxima do domínio de uma linguagem positivista, indica as
limitações desses processos de conhecimento (ROSA, 2016, P. 44). Conforme a autora, considerá-los
separadamente não se mostra muito eficiente, já que, em alguns momentos, analisar um fenômeno linguístico/
práticas de letramento, separando “funcionamento” e “avaliação” pode parecer estranho. Essas são ações
pedagógicas maleáveis e adaptáveis. São orientações que buscam certa organização curricular no ensino pautado
pelo multiletramentos.
26
14
Entendo, com Alves et al (2019), que os alunos não podem ser privados da autonomia, da participação, da
interação oriundas do uso das tecnologias móveis em sala de aula, uma vez que essas fazem parte do cotidiano
dos alunos. As tecnologias móveis precisam ser integradas em função da aprendizagem, através de acordos pré-
estabelecidos em relação a tempo de uso, aos materiais que podem ser acessados, com a intenção de educar para
o uso pedagógico dessas ferramentas, em vez de simplesmente proibi-las. A proibição não tem se mostrado
eficiente, pois não impede a utilização desses dispositivos pelos alunos, além de desconsiderar a oportunidade de
educar o seu uso produtivo, saudável e construtivo e negar aos jovens o direito de uma escola que dialoga com
suas práticas cotidianas em outros espaços (ALVES et al. 2019, p. 123).
27
sistemática tanto dos gêneros que lhes são familiares, quantos dos novos gêneros estudados,
pensando no processo de produção e de recepção desses gêneros. Nessa etapa, de acordo
Cope e Kalantzis (2009, 2015), os alunos tornam-se conceituadores, ao fazerem análises
metalinguísticas que têm o objetivo de explorar, descrever e interpretar os gêneros e os
designs do mundo dos estudantes a partir de seus diferentes modos de significar. Deste modo,
o trabalho por designs, além de promover um ambiente propício para a ressignificação dos
papéis em sala de aula e o desenvolvimento da autonomia, da interação e a colaboração nos
alunos, suscita ainda a construção do letramento crítico, aspecto imprescindível para o
movimento seguinte, o enquadramento crítico.
O enquadramento crítico, conforme Cope e Kalantzis (2009b), refere-se a um
movimento pedagógico que tem como objetivo levar os estudantes a refletirem mais
profundamente nos gêneros conhecidos, ao mesmo tempo, que se apropriam criticamente dos
novos gêneros, pensando em questões históricas, sociais, culturais, ideológicas e de valores
centradas na relação entre o conhecimento individual e as práticas sociais. Para isso, faz-se
necessário o trabalho dos educadores com o letramento crítico, para prover os jovens de
habilidades que os ajude a participar efetivamente da sociedade contemporânea.
A perspectiva de letramento crítico com a qual esta pesquisa se alinha
fundamenta-se nos estudos de Souza (2011), para quem o letramento crítico tem a função de
desenvolver a percepção do entendimento, assim, o processo de ler criticamente envolve não
só aprender a escutar além dos textos e das palavras que o leitor estiver lendo, mas também
aprender a escutar as próprias leituras de textos e palavras (SOUZA, 2011, s/p). Essa acepção
de letramento crítico situa a produção de significados sempre a partir de pertencimento sócio-
histórico, levando tanto os autores quanto os leitores a tornarem produtores de significados.
Segundo Souza (2011), essa concepção de letramento crítico recusa a
normatividade universal e a crença em verdades universais e, desse modo, contribui para
ensinar/aprender a lidar com situações de conflitos e confrontos com a diferença, na medida
em que propõe que as verdades e os valores dos outros, assim como os nossos, são produtos
das suas comunidades e de suas histórias. Portanto, embora diferente dos nossos, esses são
igualmente fundamentados. Em uma sociedade que cada vez mais há diferenças na
diversidade e que surgem novas identidades constantemente (HALL, 2003; SILVA, 2000;
CAVALCANTI, 2013), saber lidar com os prováveis conflitos que surgirem dessas relações é
fundamental e por isso a importância de ensinar/aprender o letramento crítico, para que as
diferenças sejam problematizadas, questionadas e negociadas (SOUZA, 2011; SILVA, 2000).
28
15
A citação baseou-se num vídeo do Youtube, no qual Roxane Rojo concede uma entrevista sobre os
multiletramentos e a pedagogia dos multiletramentos, ao site do programa Escrevendo futuro, disponível em:
Parte1 <https://www.youtube.com/watch?v=IRFrh3z5T5w&t=472s>, Parte2
<https://www.youtube.com/watch?v=uj4gNjksb88>. Acesso em: 30 de maio de 2019.
29
16
Declaração Mundial sobre Educação para Todos (Conferência de Jomtien – 1990). Aprovada pela
Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia, de 5 a 9 de março de 1990.
https://www.unicef.org/brazil/declaracao-mundial-sobre-educacao-para-todos-conferencia-de-jomtien-1990
30
movimento de inclusão, isto é, no sentido de acesso à educação para todos em que se realiza o
binômio exclusão-inclusão: o movimento de inclusão “educação para todos” só existiu,
porque havia incialmente os excluídos da escola. Acesso e inserção na escola, no entanto,
podem não significar inclusão de fato, ou seja, podem não significar uma participação efetiva
dos alunos nas práticas que são realizadas em sala de aula (por exemplo, porque são
desconsideradas as suas diferenças). Quando são inseridos, pode haver um novo processo de
exclusão, na medida em que suas diferenças são apagadas, desconsideradas ou pouco
valorizadas – ao que Sawaya (1999) denomina de inclusão perversa.
As políticas de inclusão, quando não problematizadas, ao argumentarem que a
cultura a qual importa ao aluno conhecer é a ensinada pela escola, desprestigia todo o
conhecimento, os aspectos culturais e linguísticos próprios dos alunos, inferiorizando-os em
relação aos conhecimentos escolares. Segundo Veiga-Neto (2003), “qualquer pedagogia
multicultural não pode pretender dizer, aos que estão entrando no mundo, o que é o mundo; o
que no máximo ela pode fazer é mostrar como o mundo é constituído nos jogos de
poder/saber por aqueles que falam nele e dele, e como se pode criar outras formas de estar
nele” (VEIGA-NETO, 2003, p. 13).
Tais colocações levam a refletir sobre o termo normalidade. Assim como o termo
inclusão, as expressões normal/anormal são, com muita frequência, usadas no âmbito da
educação especial, em referência aos alunos com deficiência, diferentemente do que esta
pesquisa propõe ─ acolhimento das diferentes diferenças (cf. definição de Cavalcanti, 2011)
no espaço escolar. Portanto, complementa a perspectiva de inclusão desta pesquisa, a
afirmação de Veiga-Neto (2016) de que na dicotomia entre o normal/anormal, a anormalidade
não é exceção, pois cada vez mais aumentam os tipos inseridos nesse termo. Sob a
denominação genérica dos anormais abrigam-se diferentes identidades flutuantes, sempre
atravessadas pelas relações de poder.
O termo normalidade na escola contempla aquilo que é o esperado, o adequado e
o que foge a essa visão está posto no grupo dos que desviam da norma, ou seja, dos anormais.
Segundo Silva (2011), eleger uma identidade como norma é uma das formas privilegiadas de
hierarquização das identidades e das diferenças. Assim, quando a escola valoriza algumas
culturas/representações/linguagens/línguas desconsiderando a diversidade de outras que
convivem no seu contexto, ela está produzindo uma hierarquização, já que as identidades e as
diferenças não produzem classificações simétricas. Para Silva (2000), “podemos dizer que
onde existe diferenciação aí está presente o poder. Nesse sentido, “[...] a afirmação da
31
17
Os jovens apesar de utilizarem constantemente smartphones, tablets, notebooks e estarem frequentemente
conectados à internet, podendo acessar qualquer informação em tempo real; sem desenvolver o pensamento
crítico, estarão sujeitos às Fake News, aos discursos de ódio, às verdades tidas como inquestionáveis, sem terem
condições para questionarem, julgarem, relativizarem ou compararem essas informações. Essa questão é
considerada pela BNCC (BRASIL, 2020): “Ser familiarizado e usar não significam necessariamente levar em
conta as dimensões ética, estética e política desse uso, nem tampouco lidar de forma crítica com os conteúdos
que circulam na Web. A contrapartida do fato de que todos podem postar quase tudo é que os critérios editoriais
32
Em sentido semelhante a Rojo, Lemke (2010) ainda afirma que a escola tenta “[...]
impor aprendizagens uniformes em um tempo em que nunca houve desigualdades mais
radicais de todos os tipos entre os alunos de uma determinada idade” (LEMKE, 2010, p. 467).
Ao tratar dos aspectos tipológicos e topológicos da linguagem, o autor explica tal tentativa de
uniformização da escola e da sociedade em geral:
e seleção do que é adequado, bom, fidedigno não estão “garantidos” de início. Passamos a depender de curadores
ou de uma curadoria própria, que supõe o desenvolvimento de diferentes habilidades” (BRASIL, 2020, p. 68 e
69).
33
adequar-se aos dois lados dessas dicotomias, para serem membros de muitas
categorias cujos nomes e definições os façam parecer mutuamente
exclusivos. Nossas realidades vividas não podem ser representadas fielmente
de maneira tipológica; muitas pessoas não têm voz onde não há outras
formas de fazer sentido. O potencial topológico do letramento
multimidiático pode ajudar a dar voz, dignidade e poder para pessoas
híbridas reais [com identidade móveis, contraditórias e sobrepostas,
HALL, 1992]. Pode minar um sistema ideológico que limita identidades
pessoais a algumas caixinhas disponíveis e socialmente aprovadas,
permitindo-nos ver e mostrar uns aos outros o universo de possibilidades
humanas reais muito mais amplo e multidimensional (LEMKE, 2010, p. 467,
[grifo nosso]).
18
Tradução nossa do original: “[…] learning is not a matter of unilinear ‘development’ in which you leave
your old self behind, jettisoning lifeworlds that would in earlier times have been framed by education as less
inadequate to the task of modern life. Rather, it is an open-ended process of extending one’s cultural repertoire,
starting with a recognition of lifeworld experience and using that experience as a basis for extending what one
knows and what one can do. An inclusive process of transformation, then, is not a matter of vertical
development; rather, it is a process of expanding horizons” (COPE; KALANTZIS, 2016, p. 119).
34
Assim, a forma como a diversidade cultural aparece nas práticas de ensino precisa
ser refletida cuidadosamente. Há a necessidade de considerar as diferenças dentro dessa
diversidade (HALL, 2000, 2003, [1992]2006; CAVALCANTI, 2013; SOUZA, 2011; SILVA,
2000, 2011), para evitar que essas sejam apagadas, culminando na inserção perversa
(SAWAYA, 1999) dessas culturas, em vez da inclusão.
35
CAPÍTULO 2
Metodologia da pesquisa
Sendo assim, a compreensão de que esta pesquisa seria do tipo estudo de caso deu-se, após a
definição da minha pergunta de pesquisa, conforme reapresentada no primeiro parágrafo deste
capítulo, uma vez que meu questionamento foi norteado pela palavra “como”, ou seja, pelo
interesse em investigar de que modos trabalhar na perspectiva dos multiletramentos em
minhas próprias aulas afetava as ações dos participantes deste estudo.
Para Yin (2018), escolhe-se também estudo de caso, quando comportamentos
relevantes para o caso estudado não podem ser manipulados. Os fenômenos estudados ─
minhas práticas pedagógicas, as ações dos alunos no desenvolvimento das atividades em sala
de aula, entre outros ─ culminaram em comportamentos e respostas dos participantes sobre os
quais não se podia ter pleno domínio. Sendo assim, as respostas encontradas também tiveram
um aspecto mais explicativo dos fenômenos estudados e de explanação das ações dos
participantes envolvidos no estudo.
Por contar com diversas fontes de evidências (notas e diário de campo,
observação participante, entre outros), segundo Denzin e Lincoln (2006), uma pesquisa do
tipo estudo de caso pode comparar os dados coletados de forma triangular. Assim, em
consonância com a metodologia e tipo de pesquisa adotada, para a geração dos registro/dados
foram utilizados os seguintes instrumentos: observação participante, vídeo-gravação das
aulas e realização de diário de campo.
A observação participante como instrumento de pesquisa ocorreu na medida em
que eu atuava como professora e pesquisadora na sala em que a pesquisa foi desenvolvida.
Sobre este respeito, esclareço que para refletir sobre as minhas aulas, foi importante
considerar, segundo Cavalcanti (2000), que observar é algo que se faz a todo instante, no
entanto, observar em sala de aula, pressupõe atentar a detalhes, enxergar o que pode estar
invisível aos participantes. Assim, fazer pesquisa estudando as minhas próprias práticas,
exigiu meu olhar atento a tudo que acontecia a meu redor.
Além disso, todas as aulas pelas quais perduraram a aplicação da unidade de
ensino foram gravadas em vídeo. Por conta disso, é importante destacar que este estudo foi
submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Educação/UNICAMP sob
CAAE- 13906519.9.0000.8142 e aprovado por meio do parecer 3.535.791. Após a aprovação,
todos os alunos que aceitaram participar da pesquisa assinaram o Termo de Assentimento
(TA) e, seus responsáveis, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Com o intuito de acompanhar detalhadamente as minhas ações e dos alunos no
desenvolvimento das atividades, mantive dois pontos fixos de filmagens (fundo e frente da
sala) o que possibilitou, no momento da análise dos dados gerados, observar essas ações por
38
dois ângulos diferentes, garantindo, portanto, uma interpretação mais fidedigna dos dados. As
gravações foram produzidas com equipamentos pessoais: smartphone, tablet e tripé.
Além das vídeo-gravações e observação participante, após o término das aulas,
tive como prática registrar em diário de campo as minhas impressões sobre a aplicação de
cada etapa da unidade. Cada dia correspondia a uma entrada ou registro no diário de campo,
feitas sempre após as aulas, pela impossibilidade de fazer minhas anotações no desenrolar das
atividades e para evitar que alguma consideração importante sobre a aula passasse
despercebida. Nesses registros, além de as atividades desenvolvidas, eu pontuava os meus
sentimentos e impressões em relação ao que vivenciava diariamente e também os sentimentos
e reações dos alunos ─ por exemplo, como eles interagiam com as atividades, comigo e entre
si ─ (cf. CAVALCANTI, 2000). Os registros em diário de campo são profícuos para o
processo de triangulação dos dados.
A produção final dos alunos (vídeos-denúncia), após a aplicação da unidade de
ensino, assim como prints das conversas entre mim e os estudantes, que ocorreram ao longo
do projeto, via Whatsapp, também foram considerados parte dos dados gerados e objeto de
análise nesta pesquisa.
19
No capítulo de análise, trago um excerto que amplia esse perfil dos participantes e evidencia suas diferentes
identidades.
20
Um aspecto que também instou a escolha desse sétimo ano foi procurar repensar o uso do smartphone em sala
de aula, uma vez que, ao utilizar esse dispositivo atrelado à proposta pedagógica, garantiria a oportunidade aos
alunos de trabalharem em sala de aula com uma ferramenta que faz parte do seu cotidiano em todos os espaços
fora da escola. Além disso, possibilitaria educar a utilização desse dispositivo de maneira construtiva e
produtiva, pois percebi que, principalmente com essa classe, a proibição não estava impedindo o uso.
40
Uma vez elaborada a unidade de ensino, iniciei suas atividades com os alunos do
sétimo ano. Nesse momento, foram gerados os dados analisados nesta pesquisa. As atividades
foram desenvolvidas nas minhas 4 horas semanais de aula com a turma, por um período
aproximado de dois meses.
Como os gêneros dos textos com os quais trabalhei durante o desenvolvimento
dessa unidade, na maioria das vezes, circulavam nas esferas digitais, o uso de equipamentos
eletrônicos e o acesso à internet 22foi fundamental. Por isso é importante relatar as condições
da escola nestes aspectos. A escola possuía uma sala de informática com poucos
computadores (15 mais ou menos) dos quais apenas seis tinham acesso à internet, com poucos
Gigas disponíveis, mesmo para o uso de professores e funcionários, que ainda precisavam
compartilhar com os alunos que conseguiam “hackear” facilmente a senha da internet.
Como o acesso à internet na escola era limitado e o número de computadores
insuficiente, considerei a possibilidade de os alunos utilizarem, na maioria das vezes, seus
smartphones, nas atividades desenvolvidas para esta pesquisa23. Além de os recursos
tecnológicos que tínhamos disponíveis na escola serem aquém do desejado, outro desafio
enfrentado foi a resistência da comunidade escolar ─ pais, professores de outras disciplinas,
gestão ─ em relação ao uso do smartphone. A estratégia para solucionar essa questão foi o
diálogo com todos os envolvidos, mostrando a importância de educar os estudantes para o uso
construtivo, em vez da proibição, argumentando como o celular pode ser uma eficiente
ferramenta pedagógica.
21
Como é possível observar na descrição do cenário e dos participantes desta pesquisa e no capítulo de análise
de dados por meio dos excertos 27, 28 e 29, os vídeos só circularam na comunidade escolar, porque os alunos
perceberam que a divulgação desses poderia prejudicar parte da comunidade, ao mesmo tempo que beneficiaria
outra parte. Assim, os alunos decidiram apresentar os vídeos na escola na tentativa de conscientizar a
comunidade.
22
Ainda que esses aspectos tenham sido destacados, considero que trabalhar com os multiletramentos não
depende necessariamente do uso de novas tecnologias, mas principalmente de uma mudança de postura da
escola, do professor e do aluno em relação ao objeto de estudo ─ neste caso a língua portuguesa e os textos
multimodais. Assim, compreendo que o desenvolvimento da proposta não foi prejudicado.
23
Os dispositivos dos alunos restringiam algumas ações (uso de alguns aplicativos, armazenamento de imagens
e vídeos), pois possuíam pouco espaço de memória, câmeras de baixa qualidade, entre outros.
44
Todo o trabalho de produção e edição dos vídeos (produzidos pelos alunos como
produto final da unidade de ensino, sobre os quais discorrerei a seguir neste capítulo) foi feito
no celular dos alunos, já que eles demonstraram mais habilidade com esse aparelho do que
com o computador. Apenas um grupo utilizou, além do smartphone, o tablet de uma das
integrantes.
Como a classe foi dividida em quatro grupos de cinco participantes, resultaram do
projeto quatro vídeos-denúncia, os quais, para efeito de análise, foram nomeados de: grupo 1,
grupo 2, grupo 3 e grupo 4. Esse processo de produção dos vídeos, em alguns momentos,
contou com interações realizadas fora do horário de minhas aulas via WhatsApp.
Considerando o exposto, no Quadro 2, a seguir, são apresentados o conjunto dos
dados gerados de acordo com sua natureza e quantidade:
24
Esse número contempla os vídeos tanto das aulas que aconteceram na classe, quanto das que aconteceram na
sala de informática, quando a atividade exigia uso de computadores. Duas aulas por semana aconteciam na
biblioteca, devido a logística da distribuição das salas-ambiente da escola. Um desses vídeos foi feito na aula
coletiva/palestra/ socialização na qual os alunos apresentaram seu projeto para toda a comunidade escolar. Nesse
dia a gravação foi feita apenas pelo tablet.
25
Cada entrada correspondia ao dia de aula gravada, que normalmente correspondia a duas h/a, ou uma hora e
quarenta minutos.
45
CAPÍTULO 3
Os multiletramentos como propiciadores de participação efetiva na sala de
aula e potencial inclusão em outros espaços
Este capítulo é dedicado à análise dos dados os quais são provenientes do
desenvolvimento da unidade de ensino por mim adaptada, com o intuito de responder à
seguinte pergunta de pesquisa:
Como (de que modos) um trabalho baseado nos multiletramentos pôde
contribuir com a inclusão de um grupo de alunos em aulas de ensino de português?
Ao analisar os registros do desenvolvimento da unidade de ensino no sétimo ano,
pautada pelos multiletramentos, dois eixos principais foram considerados: o eixo das
linguagens e o eixo das culturas, contemplados por essa perspectiva. Importa ressaltar que, em
alguns momentos, os aspectos das diversas culturas e das variedades de linguagens emergiam
nos dados concomitantemente. Esse entrelaçamento ocorreu porque, ao se envolverem com
atividades em diferentes linguagens, os alunos usam suas experiências e vivências culturais
para se engajarem nas atividades desenvolvidas. Do mesmo modo, quando estão refletindo
sobre os aspectos culturais de um texto/ discurso/ gênero, eles trazem suas experiências com
as práticas de linguagens que fazem parte do seu cotidiano. Além disso, nesse processo,
entendimentos dos alunos sobre os objetos e práticas de ensino também foram revelados.
Na seção 3.1 analiso situações nas quais os alunos, por se envolverem com
atividades de leitura e produção que mobilizaram o trabalho com diferentes linguagens, foram
incluídos na aula, participando mais efetivamente, não só porque a proposta já contemplava
várias linguagens, mas, sobretudo, porque essa levou em consideração as linguagens trazidas
para dentro da sala de aula pelos alunos, em conjunto com suas vivências, experiências
prévias, identificações e compreensões.
A seção 3.2, por sua vez, traz a análise dos excertos em que observei a inclusão e
a participação efetiva dos alunos acontecendo em decorrência de esses poderem manifestar
suas culturas, identificações e entendimentos no desenvolvimento das atividades, tendo suas
diferenças dialogadas, problematizadas e negociadas no processo.
47
3.1. Práticas inclusivas mobilizadas pela leitura e produção nas diferentes linguagens
Para iniciar esta seção, trago o excerto 1 que mostra a aula em que introduzi a
unidade de ensino na qual a exploração de diferentes linguagens, atrelada a uma proposta
interativa, com o intuito de promover uma aprendizagem mais autônoma e ativa, propiciou
um maior engajamento dos alunos uma vez que, por exemplo, mobilizaram o conhecido para
explorar/compreender o novo em relação às linguagens trabalhadas em sala. Nessa aula,
iniciei apresentando o tema da sequência didática “Meio Ambiente e participação política”, na
qual os alunos, a partir de um grafite (Flop26) do Zezão (figura 1), refletiram e levantaram
problemas dos seus bairros, relacionando às discussões suscitadas por essa imagem do livro.
Para isso, um dos momentos da aula foi dedicado à realização da leitura dessa imagem a qual
retratava lixos espalhados pelo chão (vaso sanitário, aparelho de televisão, restos de
construção como tijolos e telhas quebrados, entre outros), ao pé de uma parede cinzenta,
aparentemente enegrecida pelo fogo. Havia na parede pichações as quais eram indecifráveis e
ao centro destacava-se o grafite na cor azul, conforme figura 1 a seguir.
A forma de conduzir a leitura abriu possibilidade para que os estudantes se
expressassem de maneiras mais individualizadas a respeito de como a imagem os mobilizava,
o que levou, por exemplo, a aluna Ângela (ver excerto 1) explorar compreensões sobre as
manifestações culturais artísticas presentes na imagem, aspecto que, não necessariamente
condizia com o que era esperado como resposta da leitura ─ um exercício de leitura de
imagens cuja finalidade era instigar, nos alunos, o início de uma discussão sobre participação
política em interface com a questão do meio ambiente, refletindo assim, sobre os problemas
ambientais de suas ruas, a seriedade do descarte inadequado do lixo e uma possível
intervenção nesses problemas.
26
Flop é uma imagem que mistura grafite e arte abstrata, quase sempre na cor azul, conforme definição retirada
do livro didático (FIGUEIREDO, Laura de. Singular & Plural: leitura, produção e estudos de linguagem/ Laura
de Figueiredo, Marisa Balthazar, Shirley Goulart. – 2 ed. – Moderna, 2015, p. 115) dos alunos..
27
Alguns episódios da discussão da aula introdutória mobilizada pela figura 1, assim como os excertos 1 e 2,
serão retomados para análise dos aspectos culturais na seção 3.2.
48
É possível perceber, na fala de Ângela, como ela traz o conhecido ─ aquilo que
sabe sobre grafite e pichação ─ para refletir o novo ─ a atividade de analisar um texto
imagético: uma fotografia artística com propósito de chamar atenção do público ao tecer,
visualmente, uma crítica a um comportamento social. Mesmo que inicialmente
compreendendo pichação e grafite como arte “Aqui tem dois tipos de arte30 [...]”, logo em
seguida, Ângela descreve opostamente os modos como os significados estão sendo
representados na imagem lida. Atribui à pichação um valor estético inferior “[...] é uma coisa
feia e polui [visualmente] os ambientes [...]” e, portanto, um caráter de não-arte “[...] a
28
Essa imagem não corresponde a do livro didático, pois, dada a questão de direitos autorais, eu não poderia
reproduzi-la neste texto. Deste modo, eu busquei o flop na internet e a única fotografia (de uso livre) encontrada
possuía uma pessoa ao centro. Precisei, assim, trabalhar na imagem, o que prejudicou um pouco a nitidez, ainda
que eu tenha testado alguns aplicativos para melhorá-la.
29
Os nomes dos participantes foram alterados para que não seja possível a identificação dos alunos.
30
A aluna Ângela, provavelmente, refere-se ao grafite e pichação como artes, em resposta à pergunta do livro
que as nomeia como manifestação artística.
49
pichação que não é uma arte [...]”. Enquanto, por outro lado, apresenta o grafite como arte
legitimada “[...] reconhecida no Brasil e em outros países [...]”.
Com essa fala, a estudante não chega exatamente a analisar a que se referem
(quais os significados) desses elementos visuais da pichação ou do grafite dentro do que se
configura o propósito da fotografia, isto é, chamar a atenção para um comportamento social.
Ângela não menciona, por exemplo, qual das duas linguagens seria mais efetiva do ponto de
vista receptivo e que causaria maior impacto ou conscientização por parte daqueles que as
visualizam, se seria o grafite ou a pichação. Mas, ao revelar-me seus entendimentos atrelados
aos valores estéticos e artísticos das duas linguagens, Ângela dá indicações de que sua leitura
dos elementos da imagem poderia caminhar para isso, como será possível observar no excerto
2 em seguida.
Antes de dar continuidade à análise dessa situação, para complementá-la com
outro excerto (excerto 2), cabe destacar que, a observação dos movimentos de uma pedagogia
dos multiletramentos atrelados a tal situação de ensino, permite visualizar uma interação em
momento de instrução aberta – estudávamos os modos de recepção e produção da imagem do
livro didático, sistematicamente e conscientemente – que abriu espaço para a expressão das
compreensões dos estudantes (como no excerto 1). Nos entendimentos de Ângela sobre as
linguagens por ela analisadas, estão concepções, comuns no contexto brasileiro, sobre o que
poderia (ou não) ser considerado arte, a partir do que se compreende como um senso estético
que é (ou não) valorizado. Isto é, junto da apresentação do seu conhecido, Ângela faz
conhecer, no espaço escolar, suas compreensões, diretamente ligadas com sua sócio- história e
identificações (HALL, [1992]-2006).
Um movimento pedagógico de enquadramento crítico poderia ter sido bastante
interessante para discutir com aqueles alunos o conceito de arte, de estética, ou mesmo para
fazê-los refletir que uma obra não precisa carregar beleza ou chancela para poder ser
considerada arte e que, portanto, podem existir diferentes formas artísticas de produção,
intervenção e transgressão. No entanto, o enquadramento crítico da situação de ensino acabou
sendo “enquadrado” pelos objetivos colocados na atividade proposta pelo livro didático.
Como esse objetivo era que os alunos reconhecessem os elementos da imagem
visual (como cores, objetos representados, enquadramento, entre outros), a intenção do autor e
da obra, pela minha intervenção como mediadora daquela interação, Ângela e os outros
colegas foram levados a analisar a que se referiam os elementos da imagem – dentre esses,
estão incluídas as linguagens da pichação e do grafite que Ângela havia destacado – para que
50
refletissem sobre quais sentidos eles possibilitavam construir. No excerto 2, a seguir, inicio
dizendo aos alunos para pensarem no “impacto causado pelo grafite”:
Excerto 2- Ângela, Lorenzo e Vinícius contrapõem a eficácia da linguagem visual (Flop) à escrita (Proibido
jogar lixo) para chamar atenção do interlocutor
Professora: agora vamos pensar no impacto causado pelo grafite, vocês acham que se no lugar do
grafite colorido, [...], tivesse apenas a linguagem verbal, uma frase escrita “Proibido jogar lixo”,
surtiria o mesmo efeito?
Ângela: talvez, se fosse uma frase colorida, umas cores chamativas, uma frase boa também.
Professora: o que está se destacando aí na parede?
Vários alunos: o grafite.
Professora: se tivesse sido pichado de preto “proibido jogar lixo”...
Ângela: não ia dar para ver porque a parede é escura.
Professora: não chamaria a atenção das pessoas tanto quanto, não é? [...] vocês disseram que o
que mais chama a atenção na imagem é o grafite. Por que ele chama tanta atenção?
Vários alunos: por causa da cor.
Ângela: porque a cor dele é muito viva.
Professora: a cor está sobressaindo. O que mais?
Ângela: é uma imagem [Flop] bonita.
Professora: há bastante contraste.
Ângela: porque dá pra destacar bastante, tem um fundo preto, cinzento, destaca mais o azul. [...] ia
ficar muito mais bonito se a parede fosse totalmente branca e não tivesse esses lixos no chão.
[...]
Professora: vocês acham que o artista conseguiu chamar a atenção das pessoas que passavam pelo
local, com sua obra? O artista atinge ou não o propósito dele?
Ângela: sim, as pessoas vão passar e vão pensar que o local precisa de uma limpeza. [...] uma
pessoa que olhasse para essa imagem e visse o estado do chão, ela ia pensar que precisa de uma
limpeza, uma reforma talvez...
Professora: vocês acham que ele conseguiu conscientizar as pessoas?
Lorenzo: acho que não. As pessoas estão muito loucas.
Professora: o que você quer dizer com as pessoas estão muito loucas?
Lorenzo: elas tacam lixo e não ligam para nada. Na cabeça delas elas pensam assim, que o lixeiro
vai passar e recolher e pronto.
Vinícius: pode ter um placão lá, professora, “não jogue lixo”, aí você vai olhar e tens uns latão de
lixo. [...] agora bota um baguio de “macumba” lá que ninguém joga mais...
Fonte: dados coletados pela pesquisadora
Para que os alunos pensassem sobre o sentido produzido pelo grafite colorido,
coloco, em contraposição, a possibilidade de uma frase escrita ser inserida em seu lugar “se
no lugar do grafite colorido, [...], tivesse apenas a linguagem verbal, uma frase escrita
“Proibido jogar lixo”, surtiria o mesmo efeito?”. A cor da frase ou mesmo o seu conteúdo
são colocados por Ângela como sendo elementos de importância para a produção do efeito
desejado. Ela diz que se fosse uma frase “boa”, “colorida” e “chamativa”, talvez surtisse
efeito. O fato é que Ângela não deixa de atrelar as suas concepções de bom e esteticamente
51
válidos para seguir com sua análise sobre os elementos visuais da fotografia. Para Ângela, o
flop surte efeito porque tem cor “muito viva”, “é uma imagem bonita” e, com isso, “dá para
destacar bastante, tem um fundo preto, cinzento, destaca mais o azul”.
Esse contraste entre o muro cinzento (sujo) e o “estado do chão” (cheio de lixo
descartado em local inadequado) com o azul vivo do flop é justamente um dos elementos da
imagem que permite a Ângela considerar que o propósito do artista foi atingido “as pessoas
vão passar e vão pensar que o local precisa de uma limpeza”. Mas, ainda que o peso do
sentido construído recaia sobre tal contraste, novamente, como quando contrasta pichação e
grafite, ela não deixa de registrar a sua estética: “ia ficar muito mais bonito se a parede fosse
totalmente branca e não tivesse esses lixos no chão”.
Lorenzo e Vinícius (excerto 2), por outro lado, discordam da colega e não
consideram que a conscientização foi atingida por meio do flop colorido. Na leitura que fazem
da imagem fotográfica, também trazem suas vivências externas ao universo escolar “as
pessoas estão muito loucas”, além de aspectos culturais “pode ter um placão lá [...] aí você
vai olhar e tens uns latão de lixo. Agora bota um baguio de macumba lá que ninguém joga
mais” naquilo que analisam da imagem. Esse é um exemplo de uma situação de ensino na
qual a proposta direcionava para o trabalho com linguagens e os conhecimentos prévios,
vivências e aspectos culturais dos alunos cruzam-se com a leitura que eles fazem dessas
linguagens, conforme se observa com a fala de Lorenzo sobre o comportamento das pessoas e
de Vinícius sobre a “macumba” (essa fala será explorada em mais detalhes no eixo das
culturas – item 3.2).
A situação de ensino, apresentada nesses dois dados (excerto 1 e 2), importa do ponto
de vista escolar, porque os alunos puderam observar que os significados podem ser expressos
em diferentes modos (linguagem visual e/ou linguagem verbal), pois, conforme Cope e
Kalantzis (2009b, p.422), deve ser parte dos aprendizados os alunos perceberem que cada
modo tem suas particularidades (há sentidos que só podem ser apresentados em determinada
linguagem), apesar do paralelismo possível entre eles, e que os significados, representados por
cada modo, não são exatamente os mesmos. Além disso, nesses momentos de trabalho com
diferentes linguagens, como é o caso dos excertos 1 e 2, pude observar uma participação mais
efetiva desses alunos se revelar: pela possibilidade de se colocarem a partir de suas diferenças
e diversidades. Como um dos objetivos da atividade era suscitar nos alunos a reflexão sobre
os diferentes significados carregados pelos modos de linguagem, esses manifestaram suas
compreensões, identificações, vivências e aspectos culturais, revelando novas e outras
possibilidades de leitura das diferentes linguagens e de seus sentidos.
52
Fonte: http://g1.globo.com/pernambuco/fotos/2014/01/fotos-confusao-de-fios-em-postes-do-recife.html
Fonte:http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2014/01/fios-soltos-e-caidos-de-postes-sao-risco-para-moradores-
do-recife.html
Excerto 3 - explicação da aluna Ângela em relação à diferença de enquadramento das imagens (figuras 2 e 3)
Professora: eu quero que vocês observem as duas fotografias com muita atenção e vejam o
enquadramento, a maneira como ele destacou o problema, qual delas seria mais interessante
para chamar a atenção para o problema denunciado?
Ângela: elas estão relatando, a mesma situação, o mesmo problema. [problema com a fiação
em situação irregular na grande Recife em áreas com movimento].
Professora: [a sala não presta atenção na fala da aluna, estão muito dispersos, eu peço
silêncio e falo para a aluna repetir] O que essas imagens têm em comum?
Ângela: elas retratam a mesma situação, mas com enquadramento diferente.
Professora: qual delas tem um enquadramento melhor 31 [para retratar o problema da
fiação]? Lembrando que ele quer denunciar o fio trazendo risco para a população. Qual
enquadramento fica melhor?
Ângela: o enquadramento sai melhor na imagem um [imagem no plano geral, o qual mostra
fios desencapados amarrados numa árvore num lugar de trânsito] só que a segunda imagem
ele trata mais do problema [plano médio que mostra como fio está baixo em relação à altura
do fotógrafo, à altura da mão] [...] relata mais o acontecido.
Professora: na primeira destaca o fio amarrado numa árvore mostrando a extensão da rua e o
potencial risco à população. E na segunda, o que acontece na segunda?
Ângela: tá ruim [o enquadramento], só que tá retratando bem o problema, está mostrando o
que estava acontecendo.
Professora: na segunda ela capta [a fotografia] como o fio está baixo, trazendo risco a quem
passasse pelo local. [...] depende daquilo para o que você quer chamar a atenção, a escolha do
enquadramento.
31
A resposta de Ângela pode ter sido influenciada pela pergunta da atividade proposta pelo livro que foi: “em
sua opinião, qual das fotografias ficou com o enquadramento mais interessante. Por quê?”. Com a pergunta
esperava-se que o aluno escolhesse qual fotografia utilizou o plano mais interessante para retratar melhor o risco
causado à população pelos fios irregulares e que o estudante justificasse sua escolha. Ângela, apesar da tentativa,
não conseguiu explicar as intenções do fotógrafo com o enquadramento escolhido e porque esse seria mais
interessante.
54
das duas imagens, no momento de prática situada, a minha mediação permitiu que a
observação e compreensão dos termos enquadramentos, planos, ângulos, próprios da
linguagem visual, fossem trabalhadas, no momento de instrução aberta, quando os orientei a
pensarem conscientemente nos modos de recepção e produção de um texto imagético,
levando-os a perceberem ainda a intenção do fotógrafo, ao escolher cada plano, para retratar a
situação desejada.
Em face do exposto, a aula de português mostrou-se mais inclusiva, uma vez que
incentivei os estudantes a manifestarem suas impressões sobre a fotografia, trabalhando suas
dificuldades na construção dos significados do texto imagético, possibilitando a esses por fim
entenderem o propósito da atividade. Em virtude da estratégia de ensino adotada,
conhecimentos que permitem uma participação mais efetiva desses estudantes também fora da
escola podem ter sido mobilizados. Deste modo, ao verem uma reportagem televisiva, por
exemplo, esses podem notar que o recorte, o enquadramento, o ângulo de uma imagem
estática ou em movimento pode não ter sido escolhido ao acaso, levando-os a perceberem que
a forma como um jornal apresenta um gráfico pode estar, propositadamente, induzindo o
leitor a uma interpretação errônea. A escola, ao formar estudantes para serem
consumidores/produtores críticos dos textos nas várias linguagens, está cumprindo o seu papel
de prepará-los para desempenharem sua cidadania plenamente, nas mais diversas esferas
sociais (COPE; KALANTZIS, 2009, 2015; LEMKE, 2010; LANKSHEAR; KNOBEL, 2002,
2007; ROJO, 2012, 2018). Deste modo, momentos que suscitaram nos alunos um novo olhar
para as diferentes linguagens e que podem ajudá-los nas práticas da cultura digital tão
recorrentes no seu cotidiano revelaram indícios de que uma aula de português mais inclusiva
poderia estar em curso.
Os excertos (4, 5 e 6) do quadro 3 a seguir retratam situações que propiciaram
tanto a participação efetiva em sala de aula, por terem possibilitado ao aluno Vinícius
expressar-se no modo mais acessível a ele e vivenciar um trabalho colaborativo de escrita
com o colega Paulo, quanto a possibilidade de a inclusão acontecer em outras esferas sociais
as quais podem vir a exigir que o aluno faça solicitações e reclamações por meio de texto
escrito. Esses momentos aconteceram quando produzíamos a carta de reclamação/solicitação
com os problemas do bairro, listados no início da unidade de ensino, que culminariam na
produção do vídeo-denúncia. Os próximos registros foram gerados todos na mesma aula. Para
facilitar o entendimento, elaborei o quadro 3 a seguir no qual apresento esses dados na
sequência em que ocorreram: antes, durante e após a elaboração da carta por Vinícius.
56
sentidos, mas o modo mais acessível ao aluno Vinícius foi o oral, tal como ele mesmo
expressou em suas palavras “escrever eu não sei, agora falar…” [...] “sei lá...é que falar é
mais fácil, professora.” Na linguagem oral, “quando eu estou falando, é muito mais
fácil,[...]” as ideias fluem, diferentemente da linguagem escrita “ [...] agora escrever , sei lá…
as ideias não vêm”. Assim, o fato de Vinícius ter tido a possibilidade de se expressar no modo
mais acessível a ele pôde ser usado como “andaime”32 (COPE; KALANTZIS, 2009, 2015)
para esse atingir o modo de representação pretendido pela escola ─ a escrita. Esse foi também
um passo importante para o aluno, já que dependendo do local onde ele possa vir a fazer uma
reclamação futuramente, a linguagem escrita poderá ser exigida em detrimento da oral e à
escola cabe a função de ensiná-la (COPE; KALANTZIS, 2009b).
Conforme explica Rojo (2013, p. 3), o problema é que nas escolas brasileiras as
formas orais são desconsideradas em favor das formas escriturais, para uma população
arraigada nas formas sociais orais de interação.
A dificuldade do estudante em transcrever suas ideias faladas no texto escrito é
demonstrada também pelos gestos, expressões faciais e postura corporal do aluno, conforme
observo em aula, na filmagem e também no relato em meu diário de campo (veja excerto 7).
A segurança e confiança demonstradas, no momento da fala (cabeça erguida, voz imponente,
olhando firmemente para professora na figura 5-B), foram substituídas por um olhar perdido,
ombros caídos, coçar e balançar da cabeça negativamente (figura 5-A).
Excerto 7- trecho extraído do diário de campo da pesquisadora em 08/10/2019 - observação sobre postura de
aluno durante execução de tarefa
Hoje observei que o Vinícius apresentou dificuldade na produção da carta, embora tenha
participado ativamente dos momentos de debate, mostrando muita desenvoltura. Quando
discutíamos os problemas do bairro, o aluno participava sempre com postura confiante, tom
de voz adequado, cabeça erguida, olhar diretamente direcionado para a professora, em
contrapartida, no momento da escrita, seu olhar era perdido, ombros caídos, às vezes,
balançando a cabeça negativamente, demonstrando o esforço que a tarefa demandava.
Trecho extraído do diário de campo elaborado em (08/10/2019)
32
O termo “andaime” utilizado por Cope e Kalantzis baseia-se nos estudos de Vygotsky, como é possivel
observar na citação desses autores: “Experiencing the New is a Knowledge Process in which the learner is
immersed in an unfamiliar domain of experience, either real (places, communities, situations) or virtual
(presented texts, images, data, facts or other represented meanings). […] For learning to occur, it also needs to be
scaffolded; there must be means for the parts that are unfamiliar to be made intelligible — with the assistance
of peers, teachers, textual cross-references or help menus, for instance. […] Learners encounter new
information or experiences, but only within a zone of intelligibility and safety, of what Vygotsky calls a ‘zone of
proximal development’, sufficiently close to the learners’ own lifeworlds to be half familiar, but sufficiently new
to require new learning (Vygotsky 1962 (1978): 86)” (COPE; KALANTZIS, 2015, p. 19 [grifo nosso]).
59
Figura 4- aluno Vinícius no quadro A, coçando sua cabeça, ao falar de sua dificuldade com a escrita, enquanto
no quadro B com uma postura mais entusiástica comenta sua facilidade com a oralidade
A B
com alguém que preencha formulários por ele, enquanto um homem de negócio pode ditar
uma carta para que um amigo a escreva, como os antigos escribas medievais. O episódio
mostra como o aluno, ao ter que se apropriar de um gênero tipicamente escolar e valorizado
pela escola, inova o processo de significação, demonstrando um aprendizado diferente, por
meio da reapropriação criativa (ROSA, 2016, p. 42) da proposta inicial (produzir uma carta),
quando esse sugere uma prática não prevista para o contexto da aula, dizendo que poderia
ditar uma carta e alguém escrevê-la. Essa situação, inclusive, foi vivenciada por Vinícius em
classe, ao escrever seu texto colaborativamente com seu colega Paulo. A fala de Vinícius
(“quer ser meu escrivão? [...]”), pelo seu caráter inovador, de ressignificação da realidade a
partir da participação efetiva do aluno na atividade, inspirou o título desta pesquisa.
Em virtude do exposto, observa-se que Vinícius teve a possibilidade de trabalhar
com a linguagem mais acessível a ele cerceada, em parte, pelo direcionamento da atividade ─
que partiu do livro didático o qual, conforme Rojo (2013, p.184), prioriza as variedades de
prestígio da língua portuguesa, os gêneros pertencentes à cultura do escrito, por exemplo, os
jornalísticos, aos quais a carta de solicitação/reclamação pertence. No entanto, a situação de
ensino, do modo como foi conduzida, possibilitando ao aluno trazer suas vivências para essa
atividade, somada à ajuda do colega Paulo e ao incentivo da professora, mobilizou uma
participação mais efetiva na aula de português. Vinícius, assim como os colegas, precisava
concluir a carta. Em decorrência desse fato, o aluno não pôde utilizar outras linguagens para a
produção final. Mas, ao mesmo tempo, o aluno vivenciou a oportunidade de trabalhar sua
dificuldade com a escrita em sala de aula, de modo que o envolvimento com essa prática pode
vir a possibilitar sua inclusão em outros espaços, fora da escola, em que for exigido o texto
escrito como forma de comunicação.
Depois de estudar gêneros próprios da escrita e da cultura escolar (reportagem,
notícia, carta de solicitação e denúncia), discutindo conceitos como modalização,
argumentação, verbos de elocução, principalmente no gênero carta e trazerem esses conceitos
para outras linguagens, trabalhando sob a perspectiva da multimodalidade dos textos atuais,
os alunos envolveram-se na etapa final da unidade de ensino: a produção dos vídeos-
denúncia. Como anunciado no capítulo metodológico, para essa produção, os alunos se
organizaram em quatro grupos, a saber:
Grupos Participantes33
Grupo 1 Ângela, Bruna, Leonardo, Murilo, Vinícius,
Grupo 2 Gustavo, Lorenzo, Natan, Paulo, Rael
Grupo 3 Emília, Giovana, Manuela, Marina, Valentina
Grupo 4 Gláucia, Júlia, Maria, Fernando, Washington
Fonte: elaborado pela pesquisadora
Excerto 8 - Ângela analisa música escolhida para o vídeo do grupo do colega Lorenzo
Ângela: o Lucas mandou [o vídeo] parecendo que estava documentando a morte de alguém.
Julia: o vídeo do Lorenzo ficou maior da hora.
Professora: a versão enviada ainda não foi o vídeo-denúncia, embora ele possa aproveitar
essa versão. Vocês ainda vão fotografar mais coisas, filmar outros problemas, editar...
Lorenzo: não tem mais nada para fazer...
Ângela: ah... e aqueles bueiros tudo entupidos lá não é nada?
Lorenzo: e eu não filmei não?
Ângela: você filmou os lá de baixo e aqueles lá do ponto, lá em cima...
Fonte: dados coletados pela pesquisadora
pelo colega. Assim, a estudante indica ter a consciência de que a linguagem sonora, associada
à imagem e ao texto, juntos, ajudam a construir os significados representados pelo vídeo e
interferem na maneira como o público vai interagir com esse.
O dado seguinte mostra o aluno Leonardo refletindo sobre a música mais
apropriada para compor seu vídeo-denúncia e despertar no seu interlocutor (o prefeito) o
desejo em atender a sua solicitação, conforme excerto 9:
Excerto 9- aluno Leonardo associa música do seu vídeo à possível interpretação de seu interlocutor
Leonardo: essa aqui [música] está boa? [...] tem um monte de música. [...] professora, essa
música aqui, olha.
Professora: esta [música] não está muito melancólica?
Leonardo: Imagine o prefeito ouvindo isso aqui. [Simula choro] “eu vou arrumar...”
Fonte: dados coletados pela pesquisadora
m
u
C D
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trF
E
at
B
ég
ia
s
d
e pesquisadora
Fonte: dados coletados pela
e
ns
Identificam-se no vídeo as características do gênero carta e vídeo-denúncia,
in 6- C/D), direcionando à prefeitura, à
quando os alunos marcaram o interlocutor (Figura
o
companhia de água e à companhia de energia. Também quando apresentaram as denúncias: o
di
problema do lixo, da fiação elétrica, dos bueiros entupidos por lixo, da falta de saneamento
re trazem as afirmações que a falta de
básico. Quanto à argumentação (ver figura 6- C/E),
ci doenças às crianças que brincam perto
saneamento básico em um dos bairros pode “causar
o do outro bairro “não deixando a água
do local, além de mau cheiro” e o lixo nos bueiros
circular para a central de tratamento”. A figura anaseguir mostra a modalização (figura 7-G)
da
escolhida pelos alunos, pois o grupo finaliza marcando bem a solicitação do vídeo “por esses
s
a
es
sa
66
motivos nós solicitamos que a [companhia de água e energia elétrica] e a prefeitura de [...]
resolvam os problemas mencionados nesse vídeo”, conforme figura 7:
B
A
A B
D
C
D
F
C
E
F G
E
G
Vale destacar o uso que o grupo 2 faz do enquadramento para produzir o vídeo,
utilizando o plano do detalhe com a foto do balde recebendo a água do cano do esgoto (figura
7-D), plano médio com a canaleta a céu aberto (figura 6-B/E) e plano geral com uma
34
Os alunos receberam um roteiro com algumas direções para produção do vídeo-denúncia, o qual se baseou em
uma ficha de avaliação da sequência didática, que gerou a unidade de ensino. Eu adaptei essa ficha de avaliação
para produzir o roteiro do vídeo. No entanto, ainda que tenha sido disponibilizado tal roteiro, o que moldou
bastante os vídeos dos alunos, os “desvios” não foram desconsiderados e, pelo contrário, foram bem-vindos,
dentro da perspectiva pela qual a unidade de ensino se propôs guiar.
67
Versão-1 Versão-2
!i1 e
rsão-2
35
A escolha desse grupo para representar o processo de edição deve-se a fato de o grupo 3 ter sido o que mais
mudou o vídeo ao longo da edição.
68
Versão-3 Versão- 4
rsão-4
A figura 8 traz os prints das telas das quatro versões do vídeo do grupo 3. De uma
versão para a outra, é possível notar que as cores, o tamanho, a disposição na tela e o tipo de
letras das legendas foram sendo alteradas. Muda-se também a quantidade de texto e a
argumentação. As minhas interações com o grupo interferiram na edição, como pode ser
observado no quadro 4:
A B C
69
D E F
Figura 9-Imagem da fumaça e do fogo no plano do detalhe utilizado pelo Grupo 3 em seu vídeo
esses são levados a observarem as similaridades e diferenças entre sua língua e a padrão, para
reduzir as ambiguidades de sua variedade linguística, a fim de generalizar o conhecimento dos
fenômenos linguísticos analisados. Acredito que esse movimento de pensar a língua do aluno
em relação à valorizada, objetivo do ensino de português pelas escolas, em consonância com
Cope e Kalantzis (2015), “requer que os alunos sejam criadores de conceitos e teorias. [...]
[transitando] entre o experiencial e o conceitual” (COPE; KALANTZIS, 2015, p. 19) e não
sendo meros assimiladores das regras propostas pelas gramáticas.
Observa-se no vídeo do grupo 3 uma reflexão crítica dos alunos, quando trazem
os danos que podem ser causados à população pelos problemas encontrados (Figura 8- versão
3 e 4) e o modo como editam o vídeo, reorganizando os elementos constitutivos dos
significados, indica a aplicação do conhecimento adquirido de forma ressignificada, com o
intuito de chamar a atenção das pessoas para sua reinvindicação e alcançar a solução para as
situações problemáticas em seus bairros.
As discussões sobre as produções dos grupos 2 e 3 revelaram indícios da
participação efetiva acontecendo, seja porque os estudantes manifestaram suas vivências e
identificações, seja pela reflexão sobre as diferentes linguagens e seus efeitos, propiciada pela
produção e edição dos vídeos. Semelhantemente, os vídeos-denúncia dos grupos 1 e 4,
caminharam nessa mesma direção no que se refere ao trabalho com outras linguagens e à
manifestação das experiências e compreensões dos alunos. No entanto, diferentemente dos
dois grupos anteriores, ao analisar suas produções finais, os vídeos-denúncia, observando o
modo como selecionaram e se utilizaram da linguagem verbal e das imagens, percebo que
suas escolhas parecem ter sido atravessadas pelos entendimentos que esses alunos têm da
cultura tipicamente escolar.
A figura 10 a seguir traz os prints do vídeo do grupo 1:
A B C
D E F
G I
H
K L
N O
M
P Q S
utilizadas na construção dos argumentos para a solicitação (como prova visual da necessidade
daquilo que solicitam). A linguagem visual foi utilizada pelo grupo como suporte à escrita,
prática recorrente no ambiente escolar, pois, segundo Ribeiro (2016), “os textos imagéticos
são pouco trabalhados nas escolas, sendo comum que apareçam como ‘complemento’ do texto
escrito ou ilustração ‘em diálogo’ com esse texto (RIBEIRO, 2016, p. 42)”. O grupo 1,
portanto, manteve-se arraigado ao modelo de atividades tipicamente escolares e até mesmo
nos momentos de edição isso pode ser observado, conforme prints apresentados a seguir na
figura 12:
Figura 12- prints do processo de orientação da pesquisadora para edição do vídeo-denúncia do Grupo 1
(COPE; KALANTZIS 2009, 2015; ROJO, 2009, 2019; BORTONI-RICARDO, 2004), já que
oportunizaram aos alunos refletirem sobre os aspectos linguísticos os quais também faziam
parte do objetivo das aulas. Além disso, esses elementos foram discutidos conforme surgia a
necessidade de reflexão sobre algum aspecto da língua dentro do contexto das produções dos
estudantes.
O grupo 4, por sua vez, assim como os demais, atendeu ao que foi proposto para a
produção do vídeo. Esse grupo encontrou/apresentou poucos problemas, o que pode ser
explicado pelo fato de duas integrantes morarem em um bairro mais estruturado e uma
terceira em sítio. A seguir, na figura 13, trago os prints do vídeo do grupo 4:
A
B
D E
O grupo 4 apresentou algumas denúncias tais como esgoto a céu aberto (figura
10- B), entulho acumulado e buracos (figura 10-C)). Direcionou sua solicitação aos órgãos
responsáveis “pedimos que nos ajude a resolver os problemas” (figura 10-D) e trouxe
argumentos “[...] que podem causar acidentes” e “[...] que pode trazer insetos perigosos”
(figura 10-C). Quanto ao trabalho com as várias linguagens, usou o suporte visual para
apresentar sua denúncia, ao trazer as fotografias dos problemas encontrados no bairro. Trouxe
76
legendas com pouco texto e cores bem contrastantes com o fundo da tela. A música escolhida
era lenta, remetendo a eventos tristes. Ainda que esse grupo tenha utilizado as linguagens
verbal, visual e sonora, sua produção ateve-se às compreensões dos alunos sobre uma
atividade tipicamente escolar.
As produções dos estudantes mostraram como esses veem e compreendem a
mesma realidade de diversos modos. Os vídeos denunciam problemas basicamente dos
mesmos bairros (exceto o grupo 4, conforme anunciado na apresentação desse grupo
anteriormente), entretanto os aspectos para os quais eles chamam a atenção e os modos de
representação escolhidos diferem de um grupo para outro. O grupo 2 enfatiza o problema do
saneamento básico, enquanto a ênfase do grupo 3 recai nas queimadas irregulares, ainda que
apresentem outros problemas, como o lixo e a fiação irregular, por exemplo. O grupo 1, por
sua vez, lista vários problemas estruturais e ambientais dos bairros apresentados, sem
priorizar nenhum deles. Já o grupo 4 denuncia buracos e esgotos a céu aberto. Em relação ao
modo de linguagem, como discutido anteriormente, os grupos 2 e 3 optaram por explorar mais
as linguagens visual e sonora, enquanto os grupos 1 e 4 priorizaram mais a escrita.
Ao analisar a participação dos alunos e suas produções em vídeo, considero que,
embora a cultura escolar arraigada em práticas grafocêntricas – práticas que hierarquizam a
escrita em detrimento de outros modos de linguagem (oral, visual, sonora, espacial) – tenha,
em alguns momentos, se sobreposto ao trabalho com outras linguagens, ainda assim, a
produção de vídeos-denúncia revelou-se como potencial para práticas mais inclusivas para
meus alunos, seja porque esses não deixaram de trazer suas experiências para produzir os
vídeos, seja porque, nesse processo, mobilizaram conhecimentos de linguagem que podem
oportunizar a participação em práticas futuras fora de sala de aula.
3.2 Práticas inclusivas suscitadas pela manifestação das diversas culturas nas
situações de ensino
A análise dos dados possibilitou-me observar que os modos como os alunos estão
lendo e compreendendo os textos em sala, assim como estão fazendo sentido das experiências
que trazem para dentro de sala de aula são atravessados pelos aspectos culturais desses alunos
─ que envolvem também mitos, crenças, inclusive suas compreensões sobre a cultura
tipicamente escolar ─ e por aquilo que vivenciam fora de sala de aula.
Mediante o exposto, o excerto seguinte relata um episódio acontecido na aula em
que introduzi a unidade de ensino, na qual iniciamos a discussão sobre os problemas
ambientais encontrados nos bairros, ruas e entorno da escola dos estudantes. Nessa aula, o
aluno Vinícius compara a fiação do seu bairro com a figura mítica da Medusa, conforme
excerto 11:
Excerto 11- Comparação do aluno Vinícius entre fiação irregular do bairro onde mora e a figura mítica Medusa
Lorenzo: [socializando sua lista de problemas do bairro] lá as energia é tudo gato.
Vinícius: fia, se você mexer num fio lá você toma um “chocão” que você cai duro. Os fios lá
é que nem a Medusa, botou a mão cai que nem pedra.
Fonte: dados coletados pela pesquisadora
36
Medusa, na mitologia grega, era um monstro feminino e quem quer olhasse diretamente para ela era
transformado em pedra. In: MEDUSA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation,
2020. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Medusa&oldid=57948324>. Acesso em: 25
abr. de 2020.
78
Ainda nessa aula, no exercício de leitura do texto imagético (veja excerto 2, figura
1- p. 47 ) o qual possibilitou não apenas o levantamento dos problemas dos bairros, mas o
início de uma discussão sobre o descarte inadequado do lixo, Vinícius sugere não acreditar na
conscientização das pessoas por meio do grafite (Flop do Zezão), conforme recupero a seguir
parte do excerto 2 que já foi anteriormente apresentado na página 47:
[Retomada de parte do] Excerto 2 - Vinícius sugere uma solução (utilização da macumba) para
conscientização da população
37
https://www.repasseinformativo.com.br/2017/04/caxias-em-detalhes-governo-medusa/
79
[...]
Professora: vocês acham que o artista conseguiu chamar a atenção das pessoas que passavam
pelo local, com sua obra? O artista atinge ou não o propósito dele?
Ângela: sim, as pessoas vão passar e vão pensar que o local precisa de uma limpeza. [...] uma
pessoa que olhasse para essa imagem e visse o estado do chão, ela ia pensar que precisa de
uma limpeza, uma reforma talvez...
Professora: vocês acham que ele conseguiu conscientizar as pessoas?
Lorenzo: acho que não. As pessoas estão muito loucas.
Professora: o que você quer dizer com as pessoas estão muito loucas?
Lorenzo: elas tacam lixo e não ligam para nada. Na cabeça delas elas pensam assim, que o
lixeiro vai passar e recolher e pronto.
Vinícius: pode ter um placão lá, professora, “não jogue lixo”, aí você vai olhar e tens uns
latão de lixo. [...] agora bota um baguio de macumba lá que ninguém joga mais...
Fonte: dado coletado pela pesquisadora
Vinícius no trecho anterior descrê da eficácia de uma frase (proibido jogar lixo)
ou mesmo da obra artística (o flop) para a conscientização do problema do lixo “pode ter um
placão lá, professora, “não jogue lixo”, aí você vai olhar e tens uns latão de lixo. [...]”. Para
ele, o mais efetivo do ponto de vista receptivo e que causaria maior impacto naqueles que
passassem pelo local seria “[...] bota[r] um baguio de macumba lá”. Para Vinícius,
conscientização é sinônimo de acabar com o descarte inadequado de lixo e, para que isso
aconteça, recupera aspectos culturais próprios que considera mais efetivos. Mais uma vez
Vinícius evoca seu conhecimento prévio, entrelaçado com suas crenças particulares e suas
concepções exteriores ao contexto escolar, para refletir sobre uma atividade proposta na sala
de aula. Ao comparar as experiências conhecidas com as novas, o aluno norteado pelo aspecto
representacional ─ o que o flop e a frase “proibido jogar lixo” representam (advertência para o
descarte inadequado de lixo) e a que eles se referem (conscientização das pessoas) ─ e pela
questão social ─ como os significados representados pelo flop e pela frase conectam as
pessoas com eles envolvidas (COPE; KALANTZIS, 2009a) ─ está refletindo se as pessoas
serão conscientizadas e mudarão ou não seu comportamento.
Ainda no que se refere às crenças pessoais do aluno, a fala de Vinícius sobre a
“macumba” permitiria um enquadramento crítico, para alcançar toda a sua potencialidade, no
entanto, as práticas podem ser cerceadas, às vezes, pelo objetivo da aula. Nesse caso, a análise
crítica da situação ateve-se à proposta do livro didático e para além dessa questão, na
impossibilidade de contemplar os vários acontecimentos simultâneos no contexto da classe. O
aluno, nesse momento, está refletindo como os significados construídos em relação à
“macumba” poderiam conectar as pessoas com eles envolvidas e um enquadramento crítico
poderia levar a uma reflexão sobre quais os referenciais culturais são respeitados ou
80
possibilidade de adotar em sala de aula uma prática de pesquisa muito recorrente fora da
escola: pesquisa no google38.
Excerto 12 - fala da aluna Ângela após realizar pesquisa da palavra imparcial pelo seu smartphone no Google
Professora: o que significa ser imparcial?
Ângela: [após pesquisar significado no google] “É um substantivo de dois gêneros que se
descreve uma pessoa ou entidade que não é parcial. Significa alguém justo, reto e neutro.”
Professora: ser imparcial significa ser neutro, ‘não tomar partido’...
Fonte: dados coletados pela pesquisadora
Excerto 13 - Ângela retoma o significado do conceito de imparcialidade mostrando-se autônoma, na aula do dia
seguinte
Professora: [retomando as características do gênero reportagem, durante a correção] outra
coisa importante, como eu havia dito pra vocês, um texto nunca é imparcial. Vocês lembram
o que é imparcial, não é?
Ângela: sim. É neutro.
Professora: nunca é neutro porque vai depender da linha do jornal, do público que ele quer
atingir, do recorte feito pelo jornal...
Fontes: dados coletados pela pesquisadora
Esse dado traz a fala da aluna Ângela que havia pesquisado anteriormente o
significado da palavra imparcial em seu smartphone (Excerto 12). No trecho, ela recupera o
sentido buscado oralmente pela professora, respondendo-a: imparcial “é neutro”. Tal resposta
38
Essa ação da aluna Ângela chama a atenção sobre o fato de a escola negar a importância do smartphone e até
mesmo proibi-lo, condenando o seu uso mesmo em situações como essa. Primeiramente, porque essas são
práticas de letramento tão cotidianas na vida dos estudantes. Em segundo lugar, porque a “pesquisa google”,
além de ser cotidiana, é também uma prática tipicamente escolar, pois se trata basicamente de usar um
“dicionário” ou uma “enciclopédia”, só que de forma digital e mais rápida.
82
dada pela aluna possibilita refletir como um movimento mais autônomo da estudante, a partir
da possibilidade de aproximar suas práticas da cultura digital39 (fazer buscas no smartphone)
das atividades escolares, pôde conduzir a uma aula mais inclusiva e a um aprendizado mais
efetivo.
Nos excertos anteriores, os dados evidenciam a inclusão acontecendo porque as
situações de ensino do modo como foram direcionadas, na perspectiva dos multiletramentos,
propiciaram a manifestação das crenças e compreensões dos alunos (excertos 11 e a parte
retomada do excerto 2) e das práticas da cultura digital (excertos 12 e 13), o que mobilizou o
engajamento dos estudantes com as atividades desenvolvidas. O trecho a seguir (excerto 14),
por outro lado, relata uma situação de ensino na qual os conhecimentos trabalhados em classe,
por meio da discussão que proponho para os alunos, foram interpretados por mim como
potenciais para a inclusão social40 de meus alunos fora do ambiente escolar, ao possibilitar
uma participação mais efetiva desses estudantes em outros espaços sociais.
O excerto 14 relata um episódio que suscitou uma necessária discussão com os
alunos de como se comportar no ambiente virtual e das práticas que circulam nessa esfera,
uma vez que esses usariam imagens, vídeos, músicas na produção de seus vídeos-denúncia.
Os estudantes precisavam saber quais eram os limites para a produção e postagem e, para isso,
seria necessário conhecerem algumas normas que regem o ambiente virtual em relação à
autoria, uso de imagens, entre outros, conforme excerto 14:
39
É importante ressaltar que a cultura digital quando adentra a sala de aula passa também pela questão da
afetividade, pois os alunos tanto estão mais acostumados, quanto gostam mais de fazer pesquisas através de
busca pela internet.
40
O termo inclusão social justifica-se no contexto desta pesquisa, pois ao considerar as
culturas/línguas/linguagens dos alunos nas práticas de ensino e, conjuntamente, trabalhar outras culturas e
linguagens, caminha-se no sentido da democratização de ensino, o que, consequentemente, poderá mobilizar a
inclusão dos alunos também em outros espaços sociais, fora de ambiente escolar.
83
essa situação de ensino, conforme mostra o próximo exemplo em que a aluna Manoela revela
seu entendimento em relação à cultura escolar. Na aula em que iríamos pesquisar reportagens
em outras linguagens e em diferentes mídias, na sala de informática, essa aluna sugeriu, em
vez disso, que fôssemos à sala de vídeo. Uma vez que pretendia possibilitar o trabalho
autônomo dos alunos em todas as etapas da unidade de ensino, expliquei a eles o motivo
dessa escolha, deixando explícita a importância de serem ativos no processo de pesquisa da
reportagem, conforme excerto 15:
Excerto 15 - explicação da professora à aluna Manuela sobre o porquê de os alunos pesquisarem as reportagens
na sala de informática
Professora: [na próxima etapa] depois a gente vai à informática e nós vamos assistir às
reportagens-denúncias...
Ângela: [entusiasmada] a gente vai hoje?
Professora: não hoje, a próxima etapa da atividade será essa.
Manuela: professora, em vez de ir para a sala de informática que você vai passar vídeo, por
que a gente não vai para a sala de vídeo?
Professora: na sala de vídeo a gente não vai conseguir acessar várias reportagens, eu preciso
de internet, não só da...
Manuela: por que você não “abaixa”?
Professora: pode ser uma opção, a gente poderia pensar nisso, se a gente baixar em um pen-
drive, mas assim... eu quero que vocês tenham ...
Vinícius: não professora é muito mais ruim, é melhor na informática
Professora: porque na informática vocês vão pesquisar, vão ter a liberdade de pesquisa, lá
[sala de vídeo] será uma coisa que eu estou trazendo para vocês, eu quero que vocês
pesquisem. Então vai ser na sala de informática mesmo.
Fonte: dados coletados pela pesquisadora
criativa (ROSA, 2016 p. 42) para a circulação de suas produções, ao optarem por usá-las
como meio de conscientização da comunidade escolar, fazendo a palestra.
Como anunciado anteriormente, quando decidíamos sobre a divulgação dos
vídeos, para que os alunos pensassem na função social de suas produções, retomei “Lembram
que nosso vídeo tem uma função social. Não é para ficar só para a gente. Nós queremos
divulgá-los.”. Essa fala leva-os a pensarem em algumas possibilidades (enviar para EPTV,
postar nas redes sociais) e citarem algumas redes sociais (Instagram, Facebook, Twiter,
Youtube). Destacam ainda a preocupação com a questão da adequação do vídeo à mídia,
conforme excerto 16.
EPTV tem um quadro”. Todavia, eu chamo a atenção para o fato de que “Nossos vídeos
tomaram outro formato, diferentes dos que fazem parte desse quadro. Será que ainda faz
sentido enviarmos? [...] para onde nós poderíamos enviar esses vídeos que chamaria a
atenção para os problemas nos bairros, então?”. Por conta disso, os alunos deram várias
sugestões: Facebook, Instagram, Twitter, Youtube. Neste momento, estávamos pensando
sobre questão estrutural, a partir dos apontamentos dos alunos em relação às semelhanças, às
diferenças e às limitações de cada rede social. Refletíamos ainda sobre a organização dos
significados em cada meio e como isso poderia interferir no modo como as pessoas
conectariam- se com os sentidos carregados pelos vídeos.
Os estudantes estavam trazendo suas vivências nas redes sociais “Facebook
ninguém usa mais”, “Instagram não tem como porque [vídeo] tem muito tempo.” para
atender a demanda da situação de ensino do momento ─ publicar um vídeo denunciando e
solicitando resoluções para os problemas de seus bairros e ruas. Esses dão indícios de saberem
que o público antecipa o conteúdo e o formato de vídeo disponibilizado por um canal, ao
acessar uma rede social, “[...] lá [canal do Lorenzo] é Free Fire. Imagina, chegar alguém lá,
oh... trabalho de escola” e isso pode interferir na intencionalidade comunicativa do canal com
o seu público. Percebe-se, a partir do excerto 16, que a situação apresentada mobilizou
práticas efetivas nas aulas de português, quando oportunizou aos alunos trazerem suas
experiências com diferentes ambientes digitais on-line, para pensar numa situação real e
significativa, sendo protagonistas na busca de soluções para os problemas que faziam parte de
seu cotidiano.
Por sua vez, o excerto 17, a seguir, realça as diferentes culturas e identidades que
se entrelaçavam na sala de aula e explicita o que determinou a decisão dos alunos sobre a
divulgação dos vídeos produzidos por eles. É possível perceber por meio de suas falas as
perspectivas dos vários envolvidos tais como: os proprietários/cuidadores/ocupantes dos
sítios; aqueles que moravam em casas regularizadas ou em residências irregulares; os que
pagavam aluguel ou aquele que o pai era proprietário de condomínio; os que moravam na
cidade em bairro periférico e aqueles que moravam na zona urbana em bairro mais
estruturado; e ainda aqueles que pagavam por serviços de água e energia e os que não
pagavam por esses serviços. Nesse sentido, os alunos estão refletindo na questão ideológica,
quando pensam nos interesses de todos os envolvidos com a mensagem passada pelos seus
vídeos. A pluralidade de identificações e interesses era imensa, conforme excerto 17:
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Professora: a gente observou a situação nos dois bairros, em que alguns estão em situações
regularizadas, outros não. Então o nosso vídeo poderia beneficiar algumas pessoas e prejudicar
a vida de outras. Diante disso, o que a gente poderia fazer?
Leonardo: não fazer nada.
Paulo: meu pai tem um terreno no bairro, ele tem dois, um no nosso e um no outro. [...] Ele
pagava um cara para cuidar. Não sei o que aconteceu, entrou uns cara lá e começaram a
construir umas casinhas lá e quase colocaram cimento. Meu pai foi lá, tinha um prazo
[provavelmente de aviso de despejo] e acabou com tudo. [...]
Ângela: eu acho que não vai adiantar mandar vídeo, fazer qualquer coisa, porque vai
prejudicar a vida de algumas pessoas e ajudar outras e se a gente deixar do jeito que está as
coisas...
Leonardo: eu acho que tem tipo uma divisão.
Rael: isso é injusto, nós paga aluguel nas casas e eles não pagam.
Leonardo: é uma injustiça ajudada, porque se você destruir aquilo ali, você vai ficar triste
porque destruiu a moradia de algumas pessoas.
Julia: a gente vai tentar resolver, só que nós somos poucos, não vamos conseguir resolver essa
causa, não vai adiantar nada.
Professora: a questão de serem poucos não seria um problema, pois, com a internet, em
segundos é possível alcançar muitas pessoas. O que precisamos pensar é que são vários
interesses que estão em jogo. [...] é uma questão muito mais complexa que foge da nossa
alçada.
Fonte: dados coletados pela pesquisadora
aluguel, eles não pagam nada. Eles invadiram aqui”/ “isso é injusto, nós paga aluguel nas
casas e eles não pagam.”. Para Silva (2000, p. 136-137), as diferenças revelam-se quando
traduzem o desejo de diferentes grupos sociais. Essas normalmente são hierarquizadas, na
busca pela garantia do acesso privilegiado aos bens sociais. Portanto, no exemplo anterior,
nota-se uma hierarquização dos interesses apresentados pelos alunos, entre os proprietários/
pagantes e os ocupantes/não pagantes dos terrenos, sítios e serviços de abastecimento de
água/energia.
O excerto anterior evidencia diferentes identificações e diversas culturas se
sobrepondo/ conversando/ discordando/ convergindo e, para além disso, procurando negociar
suas diferenças em busca de uma alternativa benéfica para todos os envolvidos ─ a resolução
dos problemas ambientais e estruturais de seus bairros. Tal situação vai ao encontro, como
aponta Souza (2014), da necessidade de a escola preparar os estudantes para confrontos de
toda espécie e para a negociação de diferentes interesses, por meio do letramento crítico, uma
vez que, para Andreotti e Souza (2008), são os conflitos e as diferenças que fazem o diálogo e
a aprendizagem relevantes. Assim, é evidente a necessidade de os alunos aprenderem a
negociar essas diferenças e, para isso, de acordo com Souza (2014), “ao mesmo tempo em que
se aprender a escutar, é preciso aprender a se ouvir escutando (SOUZA, 2014, s/p)”. Por conta
dessa perspectiva adotada, a solução encontrada pelos estudantes foi uma resolução conjunta
que, de certo modo, na visão dos alunos, contemplava os interesses de todos.
Nesse sentido, em consonância com Hall ([1992] 2006, 2000, 2003), as
identidades são construídas e reconstruídas constantemente nas interações com outras
culturas, além de dependerem dos interesses que o indivíduo tem dentro da comunidade a qual
pertence. Observa-se no excerto 17 que sobressaíram reinvindicações divergentes entre os
discentes, ao pensarem em como os significados representados nos seus vídeos afetariam as
pessoas envolvidas. Por isso, quando se pensa em políticas educacionais e práticas
pedagógicas para uma comunidade, é necessário evitar a homogeneização, para que não
aconteça a exclusão dos interesses de alguns integrantes envolvidos, já que, segundo
Andreotti e Souza (2008), aquilo que consideramos “bom e ideal” para um grupo é apenas
uma das perspectivas possíveis, fundamentada na nossa sócio-história. É imprescindível
considerar o olhar de quem pertence à comunidade alvo e vivencia suas diferenças, para que
conheçamos outras perspectivas, a partir de outros contextos sócio -históricos. Por essa razão,
uma solução proposta para as reinvindicações dos participantes desta pesquisa, que os
considerasse um grupo uniforme, por meio do apagamento de suas diferenças, poderia excluir
parte desses alunos.
92
interesses que vão além das reinvindicações dos seus vídeos (solicitar a resolução de suas
demandas) e da proposta da atividade desenvolvida na aula naquele momento (decidir como e
onde divulgariam os vídeos). Esse dado revela que o projeto levou os estudantes a pensarem
para além das consequências que os vídeos acarretariam para as suas comunidades refletindo
sobre a política de uma forma mais geral. Eles responsabilizam os governantes pela falta de
moradias que podem culminar em ocupações irregulares, como aconteceu em seus bairros.
Assim, os alunos partem de um problema da sua comunidade (ocupações irregulares), para
refletirem soluções mais amplas e abrangentes (politicas públicas para resolverem a falta de
moradias).
Para Cope e Kalantzis (2016, p. 122), “educação inclusiva tem a ver com a
autotransformação do aluno, os aprendizes atuando como agentes para transformar seus
mundos”. Nesse sentido, os exemplos anteriores (excertos 16, 17 e 18) demonstram situações
inclusivas acontecendo em minhas aulas, porque levam os alunos a respeitarem e
problematizarem as diferenças, presentes no contexto da classe. Além disso, as situações
vivenciadas em classe podem acarretar uma mudança no modo como os estudantes
consideram tanto os seus interesses quanto os dos outros e resultar em uma participação
protagonista na transformação de sua realidade.
O próximo exemplo (excerto 19) traz o momento em que, enquanto ainda
decidíamos onde divulgaríamos os vídeos, a aluna Ângela, após pedir licença, posicionou-se
ao meu lado, à frente da classe, sugerindo que fizéssemos uma palestra para a escola. Após
essa proposição, ela questiona a opinião dos colegas, conforme excerto 19:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
podiam mudar a todo instante, formando novas identificações, influenciadas pelas relações e
negociações que aconteciam no contexto da sala de aula. Para além de propor atividades que
possibilitem aos alunos manifestarem suas diferenças linguísticas e culturais, suas
compreensões e identificações, foi necessário que os alunos entendessem que essas diferenças
precisariam ser negociadas (SILVA, 2000, 2011, 2013).
Mediante o exposto, ainda como resultados encontrados nesta pesquisa, observou-
se que uma participação efetiva e inclusiva dos estudantes, mobilizada por situações de ensino
pautadas nos multiletramentos, apontaram não só para dentro, isto é, para uma sala de aula em
si mais inclusiva, mas também para o potencial inclusivo do que estava sendo trabalhado em
sala de aula. Ou seja, para a possibilidade de que o que estava sendo estudado pudesse
contribuir de alguma forma com uma participação mais efetiva e inclusiva de meus alunos em
outros ambientes fora da escola. De um lado, quando as atividades desenvolvidas em sala de
aula permitiram a expressão das culturas, línguas e linguagens, com as quais esses estudantes
convivem todo o tempo em outros espaços fora da escola, os discentes puderam manifestar
suas compreensões, suas identificações, engajando-se mais nas atividades propostas, de
acordo com suas diferenças linguísticas/ culturais e suas habilidades/ particularidades. Por
outro lado, adotar tal perspectiva, além de ter promovido a participação mais efetiva dos
estudantes em sala de aula, que se envolveram com os discursos/ textos/ conhecimentos
propostos pelas aulas de português, pode ainda suscitar a participação futura desses alunos,
em outros espaços sociais, fora do ambiente escolar, em que tais saberes, construídos em
classe, forem necessários. Nesse processo, também se mostrou relevante o papel inclusivo da
reapropriação criativa (ROSA, 2016) mobilizada pelos estudantes quando buscaram por
outros caminhos para desenvolver as atividades propostas.
Todavia, ainda que grande parte dos meus dados evidencie que guiar o ensino de
português pela perspectiva dos multiletramentos pôde contribuir para a participação/ inclusão
dos estudantes tanto dentro quanto fora de sala de aula, outro importante resultado encontrado
foi que essas situações, em alguns momentos, ainda se mostraram atravessadas pelas
culturas/compreensões do tipicamente escolar, por exemplo, quando os alunos antecipam
como o docente deveria agir em relação à determinada situação de ensino ou ainda quando
desenvolvem uma atividade moldados pelo que aprenderam/acreditam ser uma atividade
esperada/apropriada para o contexto escolar.
Vale ressaltar que os resultados encontrados e as reflexões aqui construídas estão
distantes de encerrar a temática explorada nesta pesquisa, dada a complexidade que envolve o
ensino de língua portuguesa desde muito tempo. Diante disso, por exemplo, uma questão
98
levantada a partir do resultado anteriormente apresentado e que ainda poderia ser mais
investigada é: como as representações dos alunos sobre a cultura escolar (o tipicamente
escolar), ao atravessarem situações de ensino pautadas na perspectiva dos multiletramentos,
podem vir a impactar o trabalho realizado na sala de aula?
Ainda que esta pesquisa tenha suas limitações, importa destacar que o estudo
empreendido pôde contribuir para ampliar o que normalmente se concebe como inclusão no
ensino, uma vez que a perspectiva adotada visibilizou situações nas quais refletir sobre
inclusão significou pensar em incluir a todos os alunos, nas práticas de sala de aula, não
porque teriam alguma deficiência, mas por terem acolhidas as suas diferenças: considerando
as suas culturas, línguas, linguagens, habilidades, particularidades, na tentativa de promover
uma participação real e mais efetiva de todos os envolvidos.
Diante do exposto, finalizo esta dissertação acreditando que a reflexão aqui iniciada
possa trazer contribuições para aulas de português, em outros contextos de ensino, ainda que
diferentes do meu. Nesse sentido, almejo também, na medida em que as diferenças culturais/
linguísticas dos alunos forem cada vez mais valorizadas, que as escolas se movam
gradativamente no sentido de formarem cidadãos poliglotas em suas línguas e multiculturais
em suas culturas (ROJO, 2009, p. 115), e de promoverem seu potencial inclusivo
considerando, tanto as práticas em sala de aula, como as situações em que for solicitada uma
participação efetiva e cidadã do alunado na sociedade contemporânea.
99
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condição e solução. Revista DELTA, Vol. 10, n. 2. São Paulo, 1994.
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https://www.researchgate.net/publication/236003625_Para_uma_redefinicao_de_letramento_
critico_conflito_e_producao_de_significacao
102
Objetivos:
- Apresentar aos alunos a unidade de ensino, mostrando quais os objetivos e quais serão as etapas da unidade de ensino;
- Solicitar aos alunos que, durante todo tempo da unidade de ensino, eles estejam sempre atentos aos problemas ambientais que encontrarem pelo bairro, pela
rua, ao redor da escola e registrarem com fotos e vídeos para utilizarem na produção do vídeo.
- Analisar a imagem de um grafite de Zezão no Brás.
- Refletir sobre os problemas ambientais das ruas, bairro, escola e cidade dos alunos;
Atividades
Etapa II: Ampliação do estudo dos elementos estruturais de uma reportagem nas diferentes mídias
Objetivos:
- Levar os alunos à sala de informática para lerem e assistirem a reportagens, observando sua estrutura. Para enfatizar o estudo com os textos multimodais,
procuraremos apresentá-los a reportagens em todos os formatos e em todas as mídias, para que os alunos percebam as várias linguagens ─ audiovisual e
escrita. Falaremos da importância das imagens, dos gráficos, dos áudios e dos vídeos nas reportagens em outras mídias e também da natureza dos hipertextos,
os quais não apresentam um sentido linear de leitura, permitindo aos leitores percorrerem o caminho que quiserem ao lê-los. Assim ele pode assistir ao vídeo,
em seguida ver as imagens e só depois ir ao texto, ou pode partir do texto, para depois ir para as outras linguagens. É importante ressaltar que não
produziremos um hipertexto, apenas apresentaremos o conceito aos alunos;
- Definir o que é reportagem e notícia, apresentando as diferenças e semelhanças entre elas;
- Explicar a diferença entre uma reportagem na TV, no jornal, na revista ou no site, mostrando as diferenças nas suas estruturas e que cada uma prioriza um
tipo de linguagem diferente;
- Definir o conceito de Lide, manchetes, títulos, subtítulos e sua relevância para a reportagem;
- Fazer um levantamento com os alunos de quem conhece o quadro do jornal da EPTV, no qual os cidadãos enviam vídeos e fotografias dos problemas de
suas ruas, bairros, cidades, rodovias para a redação do jornal para que sejam encaminhados e cobrados dos órgãos responsáveis pelo problema.
- Entrar com eles no site da EPTV, para que eles conheçam o quadro;
- Mostrar que é possível utilizar o vídeo que produziremos para enviar ao jornal, mostrando-lhes a relevância social do trabalho que desenvolveremos.
Materiais: computadores da sala de informática, celulares dos alunos e livros didáticos
Atividades
Aula 1 Aula 2
Atividades do livro: Atividades do livro:
- Neste momento o livro não será usado. - O livro será usado para retomar os conceitos de reportagem e notícia, apenas como
Adaptação da professora: suporte para pesquisa.
- As atividades desta etapa, nessa aula, foram adaptações feitas pela Adaptação da professora:
professora, no intuito de trabalhar com os Multiletramentos. -Sistematização das características e das várias linguagens encontradas nas
- Atividades de busca, navegação e pesquisa dos conteúdos da aula. reportagens pesquisadas. Para isso, passarei para os alunos algumas perguntas
norteadoras do que eles precisam observar. Por exemplo: Qual a linguagem
predominante em cada tipo de reportagem observada?; O que muda na estrutura da
reportagem de uma mídia para outra?; Qual tipo de reportagem ele acham que é
mais lida e chama mais atenção dos leitores atuais? O que permanece da reportagem
106
Metodologia: Metodologia:
- Dada a pouca quantidade de computadores com acesso à internet, os - Neste momento, a professora sistematizará com os alunos na lousa os resultados
alunos ficarão em duplas, ou trios nos computadores e poderão usar da busca dos discentes, considerando o que perceberam através das perguntas
seus celulares para fazer pesquisas. A professora, após passar as norteadoras citadas anteriormente.
orientações sobre a pesquisa, ficará circulando pelo espaço, orientado
os alunos em suas pesquisas.
Duração: 50 minutos Duração: 50minutos
Local: sala de informática
Etapa III: Conhecendo os gêneros carta de reclamação e de solicitação e vídeo-denúncia; trabalho com habilidades de argumentação, solicitação e
reclamação.
Objetivos:
- Conversar com os alunos sobre as diferentes cartas que circulam via correio, internet ou mesmo em mãos;
- Ver se eles sabem para que escrever uma carta e se eles já escreveram alguma carta para alguém;
- Ler alguns exemplos de cartas;
- Falar da importância de considerar quem será o interlocutor da carta;
- Estudar a diferença entre reclamar e solicitar, para observar a diferença entre carta de reclamação e de solicitação;
- Discutir a importância da modalização na produção de textos
cartas pessoal, solicitação, reclamação e de leitor. - Fazer exercícios os quais apresentam situações que possibilitem refletir sobre o
uso de carta de reclamação ou solicitação.
Adaptação da professora:
Nesta etapa as atividades detiveram-se ano livro didático.
Habilidades: Habilidades:
Leitura e compreensão Leitura e compreensão
- Identificar, em textos, os efeitos de sentidos do uso de estratégias de - Identificar, em textos, os efeitos de sentidos do uso de estratégias de modalização e
modalização e argumentatividade. argumentatividade.
Metodologia: Metodologia:
As atividades serão feitas em duplas, com a mediação da professora. As atividades serão feitas em duplas, com a mediação da professora. Após esse
Após esse momento faremos a socialização das respostas dos momento faremos a socialização das respostas dos exercícios e a sistematização dos
exercícios e a sistematização dos conceitos estudados na aula. conceitos estudados na aula.
- Identificar e avaliar posicionamentos explícitos e argumentos em - Identificar e avaliar posicionamentos explícitos e argumentos em textos
textos argumentativos, por exemplo, a carta de leitor e vídeos argumentativos, por exemplo, a carta de leitor e vídeos denúncias.
denúncias.
Metodologia: Metodologia:
- Alunos trabalharão em duplas, com a mediação da professora no - Alunos trabalharão em duplas, com a mediação da professora no momento das
momento das atividades do livro, as atividades adaptadas pela atividades do livro, as atividades adaptadas pela professora serão feitas
professora serão feitas coletivamente. coletivamente.
Duração: 50 minutos Duração: 50 minutos
Local: sala de aula
Etapa V: a organização das cartas de solicitação, de reclamação e do vídeo-denúncia
Materiais utilizados: livros didáticos e celulares dos alunos
Objetivos:
Atividades do livro:
-Fazer os exercícios para observar a organização de uma carta
Atividades adaptadas pela professora:
-Passar reportagens em vídeos, especificamente no formato de vídeo denúncia, para os alunos observarem a organização dos vídeos.
Habilidades:
Organização da carta e do vídeo denúncia
- Aprender organizar os textos e vídeos em partes e estabelecer relações de sentido entre essas partes.
- Produzir uma carta, seguindo o roteiro de produção do livro didático, a partir dos problemas ambientais listados pelos alunos no início da unidade;
- Revisar a produção seguindo a ficha de avaliação do livro.
Materiais utilizados: livros didáticos
Atividades
Aula 1 Aula 2
Atividades do livro: Atividades do livro:
- Explicar para os alunos o roteiro de produção; - Explicar os alunos como utilizar a ficha de avaliação da produção;
- Fazer a atividade de produção da carta proposta pelo livro. - Fazer a revisão das cartas junto com os alunos.
Adaptação da professora: Adaptação da professora:
- Não haverá nesta aula atividades adaptadas - Não haverá nesta aula atividades adaptadas
Habilidades: Habilidades:
Produção de texto Revisão de texto
- Produzir, revisar e editar textos reivindicatórios ou propositivos sobre - Produzir, revisar e editar textos reivindicatórios ou propositivos sobre
problemas que afetam a vida escolar ou da comunidade. problemas que afetam a vida escolar ou da comunidade.
Metodologia: Metodologia:
Aula expositiva, atividade individual com a mediação da professora. Aula expositiva, atividade individual com a mediação da professora.
Duração: 50 minutos Duração: 50 minutos
Local: sala de aula
Etapa VII: Planejamento do vídeo denúncia
Objetivos:
- Definir com os alunos os grupos de trabalho. Serão quatro grupos, com cinco participantes, portanto, a sala produzirá, no final, quatro vídeos-denúncia;
- Definir as condições de produção do vídeo, ou seja, produzir um roteiro, a partir daquele utilizado para a produção da carta;
- Decidir quais problemas serão tratados no vídeo;
- Decidir e avaliar o interlocutor e o gênero (será um vídeo de reclamação ou solicitação);
- Escolher os argumentos que serão usados;
- Selecionar os vídeos e as imagens que foram feitas pelos alunos que serão usadas;
- Decidir se haverá entrevistas, se colocarão efeitos sonoros;
- Assistir tutoriais para a produção de reportagens em vídeo.
Materiais utilizados: livros didáticos, material coletado pelos alunos (fotos e filmagens dos problemas encontrados pelo bairro), celulares dos alunos.
Atividades
Aula:
Os alunos definirão o roteiro dos vídeos, escolherão os argumentos e o interlocutor do vídeo, definirão o tom ( reclamação ou solicitação) e assistirão aos
tutoriais para com a ajuda da professora sistematizarem as características de uma reportagem em vídeo.
110
Habilidades:
- Capacidade de planejamento, de trabalho em equipe, cooperação.
Metodologia:
A sala será disposta em quatro grupos de cinco alunos, tendo pelo menos um dispositivo (celulares dos alunos) com internet no grupo, a professora ficará
circulando pelos grupos para ajudá-los na organização das atividades.
Duração: 50 minutos
Local: Sala de aula
Etapa VIII: Produção do vídeo
Objetivos:
- Produzir o vídeo, propriamente dito, juntando imagens, textos, vídeos, áudios e entrevistas.
Materiais utilizados: computadores da sala de informática e celulares dos alunos
Atividades
Aula
- A partir do planejamento feito na etapa anterior, juntar as imagens solicitadas, áudios, entrevistas, direcionar ao interlocutor apropriado, fazer a
sequenciação das cenas, de maneira a dar sentido à solicitação ou à reclamação do vídeo-denúncia
Habilidades:
- Identificar os efeitos de sentidos devidos às escolhas de imagens estáticas, sequenciação ou sobreposição de imagens, definição de figura/fundo, ângulo,
profundidade e foco, cores/tonalidades, relação com o escrito em foto- denúncia;
Metodologia:
Os alunos trabalharão em seus respectivos grupos, a professora mediará e coordenará as tarefas, esse momento será de muita troca de conhecimento, pois
será um momento no qual descobriremos como fazer os vídeos, uma vez que somos amadores, apesar da facilidade com as tecnologias que alguns alunos
possuem, muitas tarefas terão que ser pesquisadas, quando os filmes estiverem sendo produzidos.
Duração:
Aproximadamente quatro aulas. É difícil prever quantas aulas precisamente, pois dependerá do ritmo do processo de produção. Como são atividades novas
para a professora e para a maioria dos alunos, pode acabar demandando mais tempo que o previsto.
Local: Haverá alguns momentos em sala, apenas com os celulares dos alunos e outros na sala de informática, quando a tarefa exigir o uso do computador.
Etapa IX: Edição do vídeo
Objetivos:
Verificar, a partir do roteiro, se o vídeo cumpriu os propósitos abaixo;
- Elaboraram um vídeo que denuncia um problema do bairro, da rua ou do entorno da escola dos alunos?
- Iniciaram o vídeo situando o espaço e o tempo onde encontraram o problema denunciado?
- Formularam claramente uma denúncia em forma de solicitação ou reclamação?
- Argumentaram adequadamente para convencer os interlocutores, conforme acordado previamente?
111
- Estabeleceram uma lógica na sequência das gravações, das imagens e das argumentações?
- Usaram imagens e vídeos que realmente retratem o problema denunciado? Pensaram no melhor enquadramento, para destacar o que querem chamar a
atenção?
Duração: Aproximadamente duas aulas. É difícil prever quantas aulas precisamente, pois dependerá do ritmo do processo de edição. Como são atividades
novas para a professora e para a maioria dos alunos, pode acabar demandando mais tempo que o previsto.
Local: Haverá alguns momentos em sala, apenas com os celulares dos alunos e outros na sala de informática, quando a tarefa exigir o uso do computador.
Após a execução da unidade de ensino, os vídeos-denúncia produzidos pela classe seriam enviados ao quadro da EPTV que possui um espaço
reservado para denúncias, se os alunos decidissem enviar para a emissora. Os alunos foram questionados se queriam enviar os vídeos aos órgãos responsáveis
pelos problemas relatados nos vídeos, para perceberem a dimensão social do trabalho que fizeram. Outras possibilidades pensadas foram: no blog que eu havia
criado da sala, na execução de um projeto anterior (reportagem multimidiática sobre jogos), nos canais do Youtube de alunos que quisessem publicar em seu
canal, nas redes sociais (Instagram, Facebook).
No entanto, após a conclusão da unidade de ensino e finalização da edição dos vídeos, percebemos que se solicitássemos a resolução de alguns
problemas mencionados nos vídeos, haveria um conflito de interesses, dada a natureza dos bairros dos alunos, conforme descrito na introdução e no capítulo de
metodologia e de análise desta pesquisa. Assim, a socialização dos vídeos foi feita em formato de palestra de conscientização da comunidade escolar, numa
112
aula dada por professores de várias disciplinas, no pátio da escola, para todos os alunos da unidade escolar, mostrando os problemas do bairro sob a ótica de
várias disciplinas.