Você está na página 1de 157

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA


ORDENAÇÃO POLÍTICA DO COTIDIANO DA ESCOLA

VALDELICE DE OLIVEIRA

CUIABÁ/MT

2010
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
1

VALDELICE DE OLIVEIRA

O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO


POLÍTICA DO COTIDIANO DA ESCOLA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação no Instituto de Educação
da Universidade Federal de Mato Grosso como
requisito para a obtenção do título de Mestre em
Educação na Área Teorias e Práticas da Educação
Escolar, linha de pesquisa Formação de Professores
e Organização Escolar.

Orientador: Prof. Dr. Ademar de Lima Carvalho.

CUIABÁ/MT
2010
2

O46p

Oliveira, Valdelice de.


O papel do Coordenador Pedagógico na ordenação política do cotidiano da
escola. / Valdelice de Oliveira – Cuiabá (MT): A Autora, 2010
.
153 p.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Educação).Universidade Federal de Mato Grosso.


Instituto de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Ademar de Lima Carvalho.


In Inclui bibliografia.
1.Formação de professor. 2. Organização Escolar. 3. Coordenador

Pedagógico. I. Título.
CDU: 371.13
3
4

DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado:

Aos meus pais


Seu Antonio “Caloi” (in memorian)

E a minha queria mãe Dona Almerinda

Exemplos de vida

Aos meus filhos


Manoel Henrique

Rafael

Ana Elisa

João Paulo

Razões da minha existência


Neta

Marília

Continuidade da vida

Ao meu esposo e companheiro

Paulo Sales

Compreensão e cumplicidade.
5

AGRADECIMENTOS

A Deus pelo dom da vida e por todas as bênçãos e vitórias que sempre me concede.
A minha família: pai (in memorian) pelas lágrimas quando passei no vestibular; a
minha mãe pela fortaleza e incentivo; irmãs, principalmente minha irmã Ivone pela
ajuda em tempos difíceis, irmãos, cunhadas e cunhados, em especial a minha
cunhada Luci e Edilson, pela acolhida em sua casa quando tinha aula em Cuiabá; ao
Paulo Victor pela ajuda no computador e meus queridos avós, principalmente meu
avô Arlindo, poeta da vida e admirador da beleza das letras e das palavras que se
combinavam embaixo do pé de mangueira (saudades).
Base para ser o que sou.
Aos meus filhos: Manoel Henrique, Rafael, Ana Elisa e João Paulo pela
compreensão, carinho em todos os momentos, principalmente os de ausência.
Ao amigo, esposo e companheiro Paulo Sales, pelo apoio, inclusive financeiro e
incentivo.
Ao professor Dr. Ademar de Lima Carvalho pela convivência, disponibilidade,
paciência, amizade e profissionalismo ao partilhar conhecimentos ao longo deste
trabalho.
Às professoras Drª. Ilma Passos Alencastro Veiga pela beleza das palavras no
exame de qualificação, Drª Ozerina Victor de Oliveira pela exigência e contribuição
por ocasião do exame de qualificação, Drª Simone Albuquerque pelas contribuições
e carinho.
Aos professores do curso de Mestrado em Educação do PPGE/UFMT pelo apoio e
pelas contribuições teóricas que enriqueceram esta pesquisa.
À equipe da Secretaria do Mestrado, especialmente a Luiza, Mariana e Jeison pelo
carinho e eficiência no atendimento.
Aos colegas de turma, unidos pelo esforço, e em especial aos amigos de orientação
Fábio pelas deliciosas contribuições por época de sua estadia em minha casa,
Marimar pela cumplicidade e Anunciata pelos encorajamentos. Que nunca nos
esqueçamos uns dos outros.
Aos queridos colegas da Escola Estadual Elizabeth de Freitas Magalhães pelo apoio
e contribuição, em especial a minha querida amiga e companheira de todas as horas
Ana Maria Lourenço.
Enfim, a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram e torceram por
esse momento de VITÓRIA, sobretudo as coordenadoras entrevistadas.
A todos vocês, que fizeram e fazem parte da minha vida, MUITO OBRIGADA!
6

RESUMO

Este trabalho é o resultado de uma pesquisa em nível de mestrado do Programa de


Pós-graduação em Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de
Mato Grosso e teve por objetivo compreender como se ordena politicamente a
prática pedagógica mediatizada pela articulação do coordenador pedagógico no
cotidiano da escola na Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso em Rondonópolis.
O estudo foi realizado através da análise bibliográfica, baseando, além da literatura,
nos documentos oficiais da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso e
das escolas estudadas; além disso, recorreu-se à realização de entrevistas
semiestruturadas de abordagem qualitativa. Os resultados evidenciam que a prática
pedagógica na articulação do cotidiano da escola é focada numa concepção de
senso comum, cuja ordenação reforça aspectos da organização escolar
comprometida com a racionalidade técnica com significado normativo-burocrático em
que as estruturas formais e informais são dependentes de uma focalização avaliativa
e interpretativa e que a ordenação política dada pelo coordenador a esse cotidiano
traz marcas de cotidianidade. O estudo aponta ainda, que o trabalho pedagógico
está sendo construído na experiência do trabalho docente, e que se torna
necessária a superação da relação assistencialista presente nas práticas
desenvolvidas pela coordenação pedagógica. Os dados revelam, também, que a
formação continuada que se desenvolve na escola, através do projeto SALA DO
PROFESSOR, atende a objetivos pontuais, de caráter e atualização pontual. Mas
apontam também, que esta formação retrata que o coordenador está comprometido
não só com as rotinas, mas já sinaliza para aspectos mais emancipadores quando
estabelece a mesma como consistindo em momentos de reflexão na escola acerca
das práticas pontuais ali desenvolvidas e a experiência como sendo espaço de
aprendizagem. O estudo sugere uma formação centrada no CEFAPRO voltada para
os coordenadores pedagógicos e sugere, a retomada da reflexão que aponte
caminhos e maneiras mais significativas às políticas educacionais de formação de
professores que, centradas na escola, objetivem contribuir para o desenvolvimento
profissional dos professores e, sobretudo, para a construção da identidade do
coordenador pedagógico como ordenador/organizador da atividade educativa da e
na escola. E, mais, ainda, tenham como meta oportunizar o desenvolvimento da
aprendizagem dos alunos, finalidade própria de uma Educação democrática e de
qualidade.

Palavras-chave: Formação de professor; Organização Escolar; O papel do


Coordenador Pedagógico.
7

ABSTRACT

This work is the result of research at the Masters Program Graduate Education
Institute of Education, Federal University of Mato Grosso and aimed to understand
how political orders pedagogical practice mediated by joint pedagogical coordinator
in the daily school in the State Schools of Mato Grosso in Rondonopolis. The study
was carried out through the bibliographical analysis, basing, besides the literature, on
the official documents of the General office of State of Education of Mato Grosso and
of the studied schools; besides, one resorted to the realization of semistructured
interviews of qualitative approach. The results show up that the pedagogic practice in
the articulation of the daily life of the school is focused in a conception of common
sense, which ordering reinforces aspects of the school organization made a
commitment to the technical rationality with bureaucratic-prescriptive meaning in
which the formal and informal structures are dependent of a focusing evaluative and
interpretative and which the political ordering given by the coordinator to this daily life
brings marks of cotidianidade. The study begins to appear still that the pedagogic
work is being built in the experience of the teaching work, and that the overcoming of
the relation becomes necessary assistencialista present in practices developed by
the pedagogic co-ordination. The data reveal, also, what the continued formation that
is developed in the school, through the project ROOM OF the TEACHER, pays
attention to punctual objectives, of character and punctual updating. They point to
them to me also, that this formation shows that the coordinator is compromised not
only with the routines, but more emancipadores signals already for aspects when it
establishes as same as consisting at moments of reflection of the school about the
punctual practices there developed and the experience like being a space of
apprenticeship. The study suggests a formation centered in CEFAPRO turned to the
pedagogic coordinators and it suggests, the recovering of the reflection that points to
ways and more significant manners to the education politics of teachers' formation
that, centered in the school, aim to contribute to the professional development of the
teachers and, especially, for the construction of the identity of the pedagogic
coordinator I eat ordenador/organized of the educative activity of and in the school.
And, more, still, take as a mark oportunizar the development of the apprenticeship of
the pupils, own finality of a democratic Education and of quality.

key words: Teacher's formation; School Organization; The paper of the Pedagogic
Coordinator.
8

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO...............................................................................................................09
I METODOLOGIA E MÉTODO NA EDUCAÇÃO.................................................................12
1.1 Opção Metodológica........................................................................................................12
1.2 Análise Documental.........................................................................................................15
1.3 Técnica de Coleta de Dados – Entrevista.......................................................................16
1.4 Dialogando com os Sujeitos da Pesquisa......................................................................19
II COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA: ORGANIZAÇÃO, CONCEPÇÕES E PRÁTICAS
EDUCATIVAS........................................................................................................................22
2.1 Da Supervisão Escolar ao Coordenador Pedagógico......................................................30
2.1.1 Da Caracterização Histórica da Coordenação na Rede Estadual de
Mato Grosso...........................................................................................................................34
2.2 A Coordenação Pedagógica: Conceitos e Significados.................................................39
2.3 Ação Coordenadora: Uma Reflexão Sobre o Papel do Coordenador
Pedagógico.............................................................................................................................46
2.4 Pressupostos de Ordenação Política no Papel do Coordenador
Pedagógico.............................................................................................................................48
2.5 A Coordenação Pedagógica: Um Olhar Sobre e Através da Organização da
Escola.....................................................................................................................................54
III A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA ESCOLA...............................66
3.1 O Cotidiano da Escola: Definição de Papeis............................................................69
3.2 A Escola como uma Instituição Social: a Cultura da Gestão
Escolar....................................................................................................................................76
3.2.1 Escolas Democráticas: Estruturas e Processos Democráticos........................81
3.2.2 A Autoridade do Coordenador Pedagógico: As Relações de
Poder na escola......................................................................................................................84
IV O COTIDIANO DA ESCOLA: DA PRÁTICA PENSADA À PRÁTICA
REALIZADA..........................................................................................................................89
4.1 A Ordenação Política do Cotidiano da Escola: Da Ação Coordenadora
a Valores de Gestão.............................................................................................................111
4.2 Concepções e Práticas do Coordenador Pedagógico....................................................122
4.3 O Coordenador Pedagógico e a Formação Continuada que se Desenvolve na
na Escola..............................................................................................................................134
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................142
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................150
9

APRESENTAÇÃO

Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se


descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem,
mas, sobretudo, com eles lutam.

(Paulo Freire)

A temática desta pesquisa foi proposta com o objetivo de compreender como


se ordena politicamente a prática pedagógica mediatizada pela articulação do
coordenador pedagógico no cotidiano da escola o que também pauta a
problematização nuclear deste trabalho. Sabe-se que ao coordenador cabe a
organização das rotinas da escola, acompanhamento de alunos e reuniões de pais,
eventuais substituições do diretor, e que ainda lhe pesa a responsabilidade sobre as
questões disciplinares que envolvem a relação professor- aluno/- aluno/aluno, como
também o atendimento a questões externas da escola... Tudo isso nos oportuniza a
reflexão sobre vários pontos básicos: como se estabelecem as ações
implementadas na formação continuada na escola e quais as perspectivas e as
práticas educativas refletidas na sua ação coordenadora a partir das concepções e
processos democráticos de gestão educacional.

Para o desenvolvimento desse tema apresentamos concepções importantes


com vistas a definir, delinear e contextualizar a materialidade da coordenação
pedagógica na Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso. O propósito foi explorar o
entendimento desse coordenador sobre a prática pedagógica que se desenvolve
através da organização da escola, exploração essa permeada pelas seguintes
categorias de análise: concepção de educação, concepção de gestão, concepção de
escola e de formação continuada que nos parecem importantes para a definição do
papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação política se
dá ao cotidiano da escola, tudo isso entremeados pelos elementos de análise que
nos conduzam a um olhar sobre as esferas cotidianas e não-cotidianas.

A supervisão escolar percorreu uma longa trajetória histórica, desde a


formalização do ensino e a institucionalização da escola. É importante analisar neste
10

contexto a importância do papel e da função do coordenador a partir dos


pressupostos da racionalidade técnica ou da racionalidade emancipatória e os
caminhos percorridos por esse papel e essa função em busca de sua materialidade
no desenvolvimento das práticas educativas que se desenvolvem na escola.

E ainda objetivamos contribuir para a prática pensada e dialogada através


dos conhecimentos e entendimentos produzidos ao longo do percurso desta
pesquisa, cujo objetivo é também, apontar caminhos que possibilitem a reflexão para
o desenvolvimento de políticas públicas que possam ressignificar o papel e a função
coordenadora nas escolas como organizadores da produção educativa, com vistas a
produzir a aprendizagem docente e dos alunos.

Este relatório de pesquisa está dividido em 04 (quatro) capítulos,


sendo os três primeiros uma revisão de literatura, onde procuramos trazer uma
compreensão teórica acerca da temática em questão. No primeiro, fazemos uma
descrição metodológica dos passos utilizados para o desenvolvimento da pesquisa e
no segundo capítulo faz-se uma caracterização dos principais elementos de análise
da pesquisa. Por estes elementos buscamos trazer uma compreensão geral acerca
do objetivo de estudo que é a discussão sobre o papel do coordenador pedagógico e
a sua delimitação histórica, a ordenação política como forma de organização da
escola e do trabalho pedagógico que ali se desenvolve, revisadas pelas concepções
elencadas. Já no terceiro, após uma leitura histórica e as considerações feitas
acerca da supervisão escolar e coordenação pedagógica, procuramos apresentar a
organização do trabalho pedagógico na escola.

Para levar-nos a um entendimento acerca dessa temática, procurou-


se, no contexto desse trabalho, discutir desde a forma de gestão, a concepção de
papeis e funções e como se desenvolvem cotidianamente. A partir, também, do
entendimento da escola como uma instituição social, donde se expressam as
estruturas e processos democráticos, entremeados por valores de gestão e das
relações de poder e ainda, afirmativamente, pelo entendimento da vida cotidiana e
suas esferas de cotidianidade e não-cotidiano que se revelam diariamente no
desenvolvimento profissional dos coordenadores pedagógicos. No quarto capítulo
está a análise dos dados levantados através dos documentos da escola: regimento e
11

plano de ação das quatro coordenadoras pedagógicas das duas escolas estaduais
de Rondonópolis. E ainda, as entrevistas realizadas com estas protagonistas teve o
propósito de saber-se acerca do seu trabalho pedagógico e as condições que se
realiza, por meio da análise das concepções elencadas e ainda, pela avaliação do
conceito de cotidiano. A compreensão estabelecida a respeito de tais práticas e suas
concepções, atende ao pressuposto, também, de estudar os elementos históricos
que conferem identidade a esta função na escola, principalmente na formação
continuada que ali se desenvolve.
12

I – METODOLOGIA E MÉTODO NA EDUCAÇÃO

Escolhe teu diálogo e tua melhor palavra, ou teu


melhor silêncio, pois mesmo no silêncio e com o
silêncio dialogamos.

(Carlos Drummond de Andrade)

1.1 Opção Metodológica

Neste capítulo, são apontadas as concepções teóricas de abordagens da


pedagogia crítica e da pesquisa qualitativa e os procedimentos e técnicas que
possibilitam a compreensão da realidade em estudo.

Como forma de aproximarmos do estudo dessa realidade, que nos


propusemos a fazer, pautamo-nos nos princípios da dialética freiriana, corroborada
na concepção de Kosik (1995).

Pelo pensamento freiriano há possibilidade que homens e mulheres


construam sua história, e construam-na apenas na atuação das pessoas, porque o
mundo se apresenta como uma construção histórica na perspectiva do ser
inacabado, na consciência do Ser Mais e da inconclusão. Tudo isso propicia a
sedimentação da ação dialógica, do homem que se educa em comunhão,
constituinte de uma razão dialógica e permite estabelecer a humanização através
dos conceitos de ser humano, de visão política, de história, de sociedade, de escola
e de educação. Uma possibilidade de viabilização dessa proposta de humanização
do mundo e dos homens está na construção de uma nova racionalidade, que possa
superar os conflitos e as contradições existentes na educação e na sociedade. Esse
pode ser o modo de pensarmos as contradições da realidade, por considerar que
todas as coisas estão em movimento, relacionadas umas com as outras.

A racionalidade proposta por Paulo Freire na Pedagogia do Oprimido se


baseia nos seguintes princípios:

a) Amor ao mundo e às pessoas;


13

b) Humildade e confiança no dialogar;


c) Fé na possibilidade de construção da história e de transformar o
mundo;
d) Esperança na possibilidade de uma outra realidade, construída por
meio da reflexão e ação;
e) Pensar crítico que permita ver a realidade objetiva tal como se coloca
e suas outras possibilidades.

Nesta perspectiva, pode-se também perceber e avaliar que a investigação


das práticas pedagógicas desenvolvidas pelo coordenador pedagógico ocorre
sempre num contexto premiado por uma multiplicidade de sentidos que, por sua vez,
fazem parte de um universo cultural que deve ser estudado pelo pesquisador.

Essa multiplicidade de sentido se justifica como uma forma de poder buscar a


interpretação do objeto e assim compreendê-lo também, como resultado de
múltiplas determinações.

Esse é o contexto para o desenvolvimento da matéria, da natureza e do


próprio homem. É uma concepção de homem, de sociedade e da relação homem-
mundo, assim, os fatos não podem ser examinados, compreendidos como
desligados do processo histórico-econômico, cultural e político da humanidade,
condição para que o homem se torne homem.

Em Kosik (1995) essa forma de pensar se apresenta na pesquisa a partir dos


seguintes entendimentos:

a) O objeto da pesquisa, assim como homem e a sociedade são


resultantes de uma construção histórica;
b) Existe uma relação dialética entre a objetividade e a
subjetividade;
c) A realidade é a unidade do fenômeno e da essência, sendo que
para atingir a essência é preciso compreender o fenômeno, pois
a atividade do fenômeno é manifesta na essência;
d) As unidades contraditórias nas quais a contradição é essencial
são formadas pelas conexões íntimas existentes entre realidades
diferentes;
e) A realidade consiste numa totalidade em movimento, sendo ela
mesma, elemento ou parte de outra totalidade, de modo que não
há ponto de partida absolutamente certo e nem problemas
definitivamente resolvidos, devendo o fenômeno ser
compreendido como momento do todo que tem a função de, ao
mesmo tempo, definir a si e ao todo, ser produtor e produto,
14

revelador e determinado, assim como conquistar o próprio


significado e conferir sentido.

Direcionadas por essa forma de pensar as pesquisas possibilitam a inter-


relação entre quantidade e qualidade. Valorizam o social e o histórico, posto ser o
homem determinado pelo contexto histórico, portanto um ser de relações, capaz de
criar, intervir e transformar a realidade.

Por esta concepção, MacLaren (1995) afirma que podemos observar e


interpretar nosso objeto de estudo, não como algo estático e passivo, mas como
sendo sujeito que interage com o pesquisador mudando e sendo por ele
transformado. Segundo o autor,

A teoria dialética tenta provocar as histórias e relações de


significados e aparências aceitáveis, traçando interações do
contexto à parte, do sistema ao evento. Desta maneira a teoria
crítica nos ajuda a concentrar simultaneamente em ambos os
lados de uma contradição social. (p. 199)

Nesta perspectiva optamos pela pesquisa qualitativa como abordagem de


investigação, análise documental e entrevistas.

A pesquisa qualitativa é uma forma de compreender o mundo através de uma


visão holística, humanista, indispensável para a complexidade encontrada nos
fenômenos, sendo sensível ao contexto e às inter-relações pessoais onde ocorrem
os eventos e atenta aos fenômenos de exclusão e marginalização (Bogdan e Biklen,
1995).

Dessa forma, organizaram-se todos os dados coletados em conformidade


com as seguintes categorias de análise: Concepção de Educação, Concepção de
Gestão, Concepção de Prática e Concepção de Escola que perpassam os
elementos de análise:

Ação coordenadora (papel e territorialidade);

Estrutura e organização da escola (racionalidade e ordenação política)


15

Conceitos de poder (ordenação política- autonomia)

Cotidiano escolar (Cotidiano e cotidianidade e não-cotidiano)

Desse modo, visamos identificar como o professor na investidura da função


de coordenador pedagógico atua como sujeito na ordenação política do cotidiano
escolar e qual a natureza, concepções e processos democráticos de gestão
educacional que embasam seu fazer pedagógico no dia-a-dia da escola.

1.2 Análise Documental

A análise documental serve fundamentalmente para se perceber e se ter uma


compreensão dos fios e da trajetória histórica empreendida pela supervisão
educacional até a coordenação pedagógica, na Rede Estadual de Ensino de Mato
Grosso. Esse tipo de pesquisa tem a função de ajudar na busca de informações
factuais nos documentos em casos de questionamentos que podem ser respondidos
via pesquisa empreendida em documentos específicos (LÜDKE E ANDRÉ, 1986).

Os documentos utilizados foram as normativas editadas pela Secretaria


Estadual de Educação quando da normatização do processo organizativo anual da
escola e do organograma para o funcionamento das escolas públicas do Estado de
Mato Grosso. Por estas normativas pudemos não só extrair informações acerca não
só da passagem histórica da supervisão educacional - cuja formação era centrada
apenas na pedagogia - para a coordenação pedagógica com exigência somente da
formação em nível de 3º grau - ou seja, com qualquer graduação, desde que fosse
licenciatura, alguém poderia assumir tal função na escola - bem como analisar nesta
passagem histórica a materialidade da coordenação a partir dos pressupostos legais
vigentes.

Analisamos outros documentos: os regimentos das escolas onde se realizou a


pesquisa quando tratam da questão da coordenação pedagógica e sua instituição na
escola, e os planos de ação das coordenadoras pedagógicas, com vistas a perceber
16

o planejamento e a territorialidade da prática pedagógica desses sujeitos em ação


na unidade escolar.

1.3 Técnica de Coleta de Dados – Entrevista

Para o desenvolvimento deste trabalho optou-se pela pesquisa qualitativa,


utilizando-se da técnica de coleta de dados - entrevista, pois este tipo de instrumento
é adequado à realidade empírica quando considerada como sendo complexa, porém
objetiva. Entendemos que a entrevista viabilizaria melhor o desenvolvimento da
pesquisa, validando os resultados, pois imprime significado à investigação, posto
possibilitar a obtenção de dados que podem não ser encontrados em registros e,
além disso, demonstra ser um instrumento valioso para os estudos em ciências
humanas e sociais. Os dados coletados podem ser utilizados tanto em estudos de
fatos, como de caso ou de opiniões.

No presente trabalho a opinião das coordenadoras pedagógicas foi


imprescindível para promover interpretações e leituras sobre a organização do
cotidiano escolar. Tais opiniões tornaram-se ferramentas importantes para a análise
das práticas mediatizadas pela articulação do coordenador pedagógico quando da
configuração de sua prática pedagógica no cotidiano. A voz dos sujeitos na pesquisa
pareceu um instrumento extremamente valioso e singular; obviamente, não se trata
apenas de um diálogo simples. É diálogo enquanto expressão de objetivos definidos
e de uma discussão orientada. Rosa e Arnoldi (2008, p.19) explicitam que

Essas entrevistas de comunicação natural, sobre a vida


cotidiana, fornecem informações relevantes de acordo com os
objetivos da pesquisa, o tempo e os recursos disponíveis para
a sua realização.

O fato é que a organização das experiências das coordenadoras


entrevistadas pode nos ajudar a recuperar aspectos interessantes das narrativas em
que expuseram sua rotina, suas tarefas, o nível de comprometimento profissional de
cada uma delas com a escola e a prática pedagógica que conseguem desenvolver
cotidianamente.
17

Nas entrevistas procurou-se apresentar um nível adequado de subjetividade


entre entrevistador e entrevistado com vistas a transformar em dados toda e
qualquer informação que pudesse nortear os questionamentos e descrever
oralmente situações convertidas em dados relevantes para os resultados e contribuir
para o alcance de nossos objetivos. Essa forma de abordagem pode suscitar
ocorrências de duas ordens, como bem pontuam Rosa e Arnoldi (2008):

1– descrição de acontecimentos vividos pelo entrevistado e


interpretações dessas experiências através de relatos mais
profundos;
2- representação dessas vivências e experiências (p.25).

Evidentemente recomenda-se que os entrevistadores se mantenham dentro


dos limites e das regras de etiqueta em relação aos entrevistados conforme se vê
em Denzin (apud ROSA E ARNOLDI, 2008, p. 26).

Optamos pelas entrevistas semi-estruturadas, pois era importante para este


trabalho que as coordenadoras pedagógicas discorressem e verbalizassem seus
pensamentos, suas opiniões e suas reflexões sobre o tema apresentado.
Formulamos questões de forma que se oportunizasse às entrevistadas uma
dinâmica natural ao discurso proferido e ainda que se pudesse captar informações
que as mesmas trouxessem ao estudo.

Além disso, realizamos entrevistas com questões abertas e com questões


fechadas. Apresentou-se inicialmente o conteúdo das entrevistas e foram
explicitados os objetivos da pesquisa. A entrevista foi composta por quinze (15)
questões; as cinco primeiras tratavam de caracterizar melhor nossas protagonistas
quanto a suas formações, o tempo de serviço de cada uma e ainda há quanto tempo
exercem a função de coordenadoras e por qual processo passaram para galgar tal
atribuição na escola. Ao proceder assim, objetivava-se delimitar o tempo histórico da
ação coordenadora desenvolvida por elas, para delinear neste período não só a
trajetória histórica da coordenação no município de Rondonópolis, bem como
perceber a identidade e a singularidade de seu trabalho na unidade escolar. As
18

outras dez questões, agora abertas, visavam a depreender a avaliação do trabalho


da coordenação e a descrição feita por elas acerca das tarefas realizadas
diariamente: (1) a forma como organizavam suas rotinas diárias; (2) como se
prepararam para assumir a coordenação da escola; (3) quais aspectos no
desempenho de sua função consideravam mais relevantes e quais, apesar de
relevantes, não conseguiam desempenhar e por qual motivo; (4) que
estabelecessem uma ordem de prioridades para a função do coordenador
pedagógico; (5) como estavam distribuídas as tarefas entre a equipe gestora e o
grau de satisfação de cada uma; (6) como se dava a organização de seus trabalhos
enquanto coordenadoras, com o trabalho do professor, inclusive na formação
continuada; (7) quais as tarefas que realizavam com os alunos; (8) quais eram os
principais problemas enfrentados pelas entrevistadas na função em pauta; (9) que
entendimento tinham sobre o papel da coordenação pedagógica, das funções
institucionais da coordenação e como as desempenhavam; e, por último, voltamos à
mesma pergunta que já lhes havíamos feito, agora procurando inserir as suas
compreensões num contexto mais amplo da instituição escolar, quando lhes
perguntamos [no contexto organizacional do trabalho pedagógico na escola]; (10)
qual seria mesmo o papel do coordenador pedagógico e, ainda, como tal se
desenvolvia naquele cotidiano.

O propósito de interrogar duas vezes sobre o papel do coordenador


pedagógico da escola atendia à intenção de se depreender, após longa conversa, se
as nossas protagonistas já conseguiam elaborar outras considerações que
pudéssemos trazer ao estudo com vistas a atender ao objetivo desta pesquisa, qual
seja, o de saber qual o papel do coordenador pedagógico na ordenação do cotidiano
da escola e ainda, na materialidade do seu papel neste cotidiano, se havia diferença
entre o papel “institucionalizado” e o que, de fato, conseguiam desempenhar na
unidade escolar. Nesse aspecto, a intenção não era estabelecer comparações, mas
objetivamente perceber a mediatização do seu trabalho na articulação do seu papel,
para enfim, avaliar qual ordenação política se dava e se dá no cotidiano escolar às
práticas educativas que ali se desenvolvem.
19

1.4 Dialogando com os Sujeitos da Pesquisa

Ao pensarmos na realização desta pesquisa, estabelecemos como ponto


de partida a utilização da sensibilidade fenomenológica freiriana1 para olhar o
coordenador pedagógico como um ser preocupado com a produção da qualidade do
ensino e da aprendizagem, com a possibilidade de avaliar sua prática pedagógica,
reconhecer limites e também possibilidades para a materialização de sua função na
escola.

A proposta do estudo foi perceber, avaliar e analisar em escolas da Rede


Estadual de Ensino de Mato Grosso como a coordenação pedagógica articula e
ordena o cotidiano da escola e em quais perspectivas se faz e a partir de quais
pressupostos. Para atender este objetivo nos propusemos estudar desde a
escola como uma organização educativa até a rotina, os valores de gestão e a
prática pedagógica que ali se desenvolve.

Para a delimitação do universo a ser pesquisado, utilizamos os seguintes


critérios:

 A escolha de apenas duas escolas estaduais do município de


Rondonópolis;
 Que as escolas atendessem a todos os níveis da educação básica (a
escola de nove anos e ensino médio);

Escolhidas as duas escolas Estaduais, elas foram assim denominadas:

 Escola Alfa (o nome deve-se ao fato de ter sido a primeira escola


visitada), localizada num bairro de trabalhadores distante 10 km do centro
da cidade de Rondonópolis e que atende aos alunos no seu entorno e

1
Paulo Freire foi considerado Fenomenológico com o lançamento do seu livro Pedagogia do Oprimido cujas
ideias se aproximam dos princípios da fenomenologia que defende o homem Sujeito = fonte constitutiva do
conhecimento de todo objeto de experiência e reflexão conecta definitivamente o ser e o mundo, a essência e a
existência, o corpo e a mente. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. Tradução Reginaldo di Piero. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1971.
20

dos bairros circunvizinhos, inclusive das aldeias e zona rural mais


próxima, acolhendo, portanto, estudantes da classe trabalhadora.
 A escola denominada Escola Ômega (visitada por último) localiza-se no
centro da cidade e atende alunos da classe média e dos bairros mais
próximos ao centro.

Alfa é uma escola grande, atende aos três turnos de funcionamento e


oferece as seguintes modalidades de ensino: a escola de nove anos, ensino médio
seriado e educação de jovens e adultos para o ensino fundamental e médio, conta
com 1480 alunos com um grupo de 92 profissionais da Educação2 e com o trabalho
de 03 coordenadoras pedagógicas e 03 articuladores para o atendimento dos alunos
matriculados na escola organizada por ciclo de formação humana.

A Escola Ômega é uma das primeiras instaladas no município de


Rondonópolis, de estilo confessional3, o prédio pertence a uma congregação
religiosa que atende a 651 alunos do ensino fundamental e médio, apenas nos
períodos matutino e vespertino, dispõe de um grupo de 82 profissionais da
Educação e conta com o trabalho de 01 coordenadora pedagógica e 03
articuladores para o atender aos discentes matriculados na escola organizada por
ciclo de formação humana.

Os sujeitos desta pesquisa são quatro coordenadoras pedagógicas da Rede


Estadual de Ensino do Estado de Mato Grosso na cidade de Rondonópolis. Esta
conta com 33 escolas públicas estaduais e atende a um público de 30 mil alunos.
Todas as quatro coordenadoras são mulheres e com certo nível de experiência na
carreira do magistério, tendo em média 15 anos de atuação como professoras. Duas
são pedagogas com formação em docência, uma de cada escola; uma é formada
em Matemática e a outra em Letras. Todas foram eleitas pelos pares e
desempenham há pelo menos 04 anos a função de coordenadoras pedagógicas.

2
Por profissionais da Educação entendem-se todas as pessoas que atuam na escola: Diretor, coordenador,
articulador, técnico administrativo, técnico de lab. Informática, apoio a infra-estrutura, vigilante e merendeira.
3
É uma escola de estilo religioso porque dão uma formação pautada em valores religiosos. O prédio da escola
pertence a uma congregação católica, mas o Estado de Mato Grosso, via SEDUC, determina toda a organização
e o processo ensino aprendizagem da escola, mantém financeira e didaticamente o corpo docente, funcionários e
discente e é responsável pela manutenção do seu espaço físico.
21

Para efeito de identificação dos sujeitos do estudo, importantes para a


contribuição com a produção do conhecimento existente, no apontamento de
caminhos que informem maneiras mais significativas para o estabelecimento da
ação coordenadora, foi pedido a elas que escolhessem como gostariam de ser
identificadas neste estudo e dada a sugestão de que utilizassem uma única palavra
ou expressão que pudesse traduzir o sentimento que cada uma delas tem quando
se identificam com a coordenação ou com o trabalho que desenvolvem na
coordenação. Desta forma, as nossas protagonistas ficaram denominadas com os
seguintes codinomes: CRIATIVIDADE, LUZ, DETERMINAÇÃO E FORÇA DE
VONTADE.

E ainda para informações adicionais, quanto à caracterização da


coordenação pedagógica na pesquisa, com vistas a estabelecer uma compreensão
sobre as estruturas organizacionais da escola em Mato Grosso, entrevistamos uma
ex-conselheira do Conselho Estadual de Educação.
22

II - A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA: ORGANIZAÇÃO,


CONCEPÇÕES E PRÁTICAS EDUCATIVAS

A maior riqueza do homem é a sua


incompletude. Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu
não aceito. Não agüento ser apenas um
sujeito que abre portas, que puxa válvulas,
que olha o relógio, que compra pão às 6
horas da tarde, que vai lá fora, que aponta
lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai .Mas
eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o
homem usando borboletas.

(Manoel de Barros)

De modo geral, a atuação do coordenador pedagógico nas escolas públicas


tem suscitado vários debates, propostas e reflexões, cujas inspirações vêm
marcadas por experiências adquiridas anteriormente. Este capítulo, tem por
objetivo estabelecer nossa compreensão teórica acerca do tema em questão, uma
vez que, querendo ou não essas marcas acabam por se impregnar aos referenciais
subjacentes a tais discussões vindos de teóricos que preconizaram tais debates e
reflexões, e em muitas dessas discussões suscitaram propostas que vislumbram
responder aos anseios de professores e gestores escolares; objetiva também
contribuir para a definição de políticas públicas voltadas para o (re) pensar da
organização da escola e as práticas educativas ali desenvolvidas.

Nesse contexto, observa-se que a função do coordenador pedagógico é


nova, os debates em torno do tema “educação” não o são: carregam concepções e
referenciais articulados a práticas sociais vivenciadas. Desse modo, discutir a
identidade do coordenador pedagógico e a ordenação política que ele consegue dar
ao cotidiano da escola a partir desse delineamento não só de sua identidade, bem
como da delimitação de seu papel, com foco na sua ação coordenadora e na forma
como logra desempenhar sua função, pode significar rever posições, resgatar
experiências, retomar conflitos, fazer opções, entrar em embates, enfrentar
diferenças. Assim, gostaríamos de refletir sobre o tema em questão
problematizando-o a partir de três aspectos que se imbricam: a ação do coordenador
23

pedagógico na e através da organização da escola, o significado histórico da


hierarquia da função do coordenador pedagógico na instituição escolar e as
concepções que amparam sua prática cotidiana. Tais reflexões têm base no
pensamento de Paulo Freire, na pedagogia crítica desenvolvida através de seus
escritos e ainda de Vitor Paro, Ilma Passos, MacLaren e outros.

Pautamo-nos em Paulo Freire (1987), na Pedagogia do Oprimido, sobretudo


no seu pensamento acerca da dialética da relação dialógica, para afirmar nesta
pesquisa que os sujeitos da escola devem realizar o processo educativo de educar e
aprender em comunhão, e ainda, que a prática educativa realizada por meio da ação
coordenadora do professor na investidura da função de coordenador pedagógico
deve, sobretudo, fazê-lo no movimento da transitividade para a promoção de sua
própria transformação. E também procuramos olhar o coordenador pedagógico
como um ser motivado e aberto para o conhecimento e para a busca do
entendimento de sua prática, um modo de imprimir materialidade a sua função na
escola, pautado na compreensão dos princípios que regem uma Educação Cidadã
sedimentada no ideário da pedagogia crítica para a qual MacLaren (1997, p. 190)
aponta que “uma grande tarefa da pedagogia crítica tem sido descobrir e desafiar o
papel que as escolas representam em nossa vida política e cultural”.

Esse desafio posto não está apenas na consistência lógica da verificação,


mas na escolha moral a ser feita. Assim sendo entendemos ser necessário neste
projeto conceber a ação coordenadora sob a égide da pedagogia crítica. Como
resultante dessa escolha moral, parece evidente que o coordenador pedagógico, o
diretor e os professores podem não ter tão clara tal concepção, mas sob o aspecto
político esta abordagem se faz necessária, uma vez que a Escola é e sempre será
um artefato social, resultante também de práticas sociais, impregnadas de
representações legitimadas de formas individuais e coletivas de vida social, que se
estabelecem nas relações de poder que veem na escolarização uma forma de
política cultural, como enfatiza Giroux (1997).

Ainda segundo MacLaren (p.199) a “pedagogia crítica compromete-se com


formas de aprendizado e ação empreendidos em solidariedade com grupos
24

subordinados e marginalizados”. Tal entendimento talvez nos leve à apreensão do


conceito da função do coordenador, numa compreensão filosófica da materialidade e
territorialidade na e através da organização da escola.

No pensamento de Paulo Freire e de Henry Giroux acerca da distinção entre


escolarização e educação, a primeira como sendo um modo de controle social e, a
última, potencial de transformação da sociedade, entenderemos o comprometimento
(ou não) e a função de um sujeito ativo e comprometido (ou não) com o aumento de
“poder pessoal e social” dentro da escola, pautados numa concepção histórico-
crítica acerca do papel social da escola, bem como dos atores ali presentes, no
paradigma de gestor e no das escolhas “morais” que estão postas no “chão” da
escola.

Neste contexto, talvez seja possível perceber que começa a se explicitar para
muitos dos envolvidos com a atuação do coordenador pedagógico que vários estilos
de coordenar os trabalhos nas escolas estão em construção.

O segundo aspecto do tema se refere ao significado histórico da hierarquia de


funções na instituição escolar, e merece ser tratado com bastante atenção, não só
pela complexidade que carrega, mas porque historicamente tem marcado com tal
intensidade os modos de fazer e pensar da educação que suas práticas acabaram
por “naturalizar-se”, de acordo com Saviani (2003, p.27),

É exatamente num contexto de maior valorização dos meios


na organização dos serviços educacionais, tendo em vista a
racionalização do trabalho educativo, que ganham relevância
os técnicos, também chamados de especialistas em educação,
entre eles, o supervisor.

Referimo-nos aos códigos e normas regulamentadores e produtores das


relações pedagógicas entre técnico, diretor, professor, aluno, chegando até as
famílias. Instauradas desde as décadas de 20 a 30, durante o processo de
institucionalização do sistema escolar, essas regras foram lentamente se
incorporando às práticas pedagógicas, criando hábitos e reestruturando
mentalidades. Assim, perderam-se de vista os fios históricos, artífices dessa “lógica
25

administrativa”, que passou a ser percebida, em seus dispositivos de funcionamento,


como “natural” e intrínseca aos espaços escolares.

Vemos como sendo necessário tomarmos consciência desses fios históricos


como uma contingência que nos permita perceber a trama da fabricação de
discursos, que nos leve a pensar e formar hábitos e atitudes engendrados
historicamente, os quais perpassam pelo conceito de homem e pela concepção de
sociedade e de Educação que são produzidos. Pelo contrário, ao compreendermos
que certas regras e normas que delimitam e burocratizam nosso fazer pedagógico
foram produzidas sob contingências determinadas e por sujeitos em luta, disputando
projetos sociais bastante concretos, entendemos que nosso olhar pode ser mais livre
do que pensamos, ou seja, ao descobrirmos que tal condição pertence a
contingências históricas entendemos que é possível ensaiar novas formas de ver e
fazer (ALVES E GARCIA, 2003). A complexidade desta reflexão está no fato de que
sintetiza um longo e polêmico movimento histórico, em que as memórias registradas
pela história da educação nem sempre nos esclarecem sobre o processo pelo quais
certos projetos foram vitoriosos (RANGEL, 2001).

Assim, fomos formados e nos profissionalizamos a partir de um discurso


4
(paidéia e duléia) uniformizante e consensual, atuando numa estrutura na qual a
lógica administrativa e racionalizadora, tomada como medida de eficiência, pode ter
extrapolado nossas possibilidades de pensar e fazer.

Com essas reflexões, num terceiro aspecto nos propomos pensar o trabalho
do coordenador pedagógico. Nossa análise se concentra no que consideramos
essencial: a importância e a singularidade da ordenação política do cotidiano escolar
a partir da ação coordenadora das práticas educativas que se desenvolvem na
escola, pautada nas experiências que estão sendo geradas a partir das diferenças
culturais de cada escola, em meio a enfrentamentos, lutas, discussões e também a
diálogos e solidariedade (FREIRE, 1987). Trata-se de um momento rico de
construção de uma territorialidade que deve ser vista e trabalhada com muita

4
Paidéia – Educação da infância – o pedagogo que supervisionava a educação das crianças da classe dominante;
e duléia, em grego, significa escravidão; daí, também, Educação dos escravos (SAVIANI, 2003, p. 17).
26

perspicácia, uma vez que a retórica da autonomia e das especificidades do papel do


coordenador se faz presente em muitos textos oficiais, surgindo junto a
regulamentações burocráticas difíceis de serem superadas, infindáveis, e por isso
mesmo, inconclusivas.

Torna-se emergencial perceber a natureza da prática pedagógica do


coordenador, compreendendo essa natureza como sendo resultante de
pressupostos pedagógicos e políticos de uma concepção de educação na qual esta
pautada, e significativamente, toda a organização da Escola. Entendemos serem
várias as dificuldades e os problemas enfrentados pelos agentes da coordenação
escolar, ao transformar na prática diária as propostas teóricas e legais,
principalmente no momento em que todas as posições mais recentes em educação
ressaltam a necessidade da revisão do papel da escola; deste modo as pessoas que
determinam as mudanças e que nem sempre são as mesmas a realizá-las em ações
concretas, não podem contribuir para uma divisão de forças entre os que elaboram o
referencial teórico que embasa as mudanças necessárias e a grande maioria de
pessoas que está em contato diário com os problemas educacionais. Daí a
importância da determinação da “territorialidade” do papel do professor coordenador
pedagógico e a possível contribuição que se possa dar em melhor definir a sua
função política na unidade escolar, sobretudo no aspecto de ordenador da política
de formação pedagógica nesse espeço e, principalmente na explicitação de sua
identidade.

É necessário entender, obviamente, que nem todos os problemas são


advindos da prática pedagógica do coordenador, sendo que os históricos dilemas da
escola são conjunturais e de gestão pública. O mundo do trabalho exige de seus
trabalhadores disponibilidade e referências e o cotidiano da escola reflete o modelo
de organização da sociedade capitalista operacionalizado na divisão social do
trabalho e de classe. A organização da escola ainda está pautada nesse modelo, a
estrutura curricular ainda engessa e burocratiza a escola, que tenta sobreviver aos
pruridos cientificistas dos "diagnósticos" e "levantamentos" intermináveis,
reiteradamente, inconclusivos.
27

Assim, afirma Contreras (1990, p.27) que “a escola é produto, em parte, do


próprio processo de institucionalização da sociedade que vem associado à divisão
do trabalho e à concomitante distribuição social do conhecimento”.

Assim, os problemas da escola parecem ser simplesmente aqueles que são


percebidos pelas comunidades escolares e locais, podendo ser decorrência de uma
concepção simplista de apreender a essência do cotidiano da escola. Haverá, nessa
percepção, enganos, distorções. Neste contexto deve-se indagar como a prática
pedagógica da coordenação pode estimular o professor à criticidade, a análise, a
dúvida produzindo conhecimento ou apenas se baseando numa educação livresca e
burocrática de fácil e superficial implementação. Poderia se depreender então, que
há muitas interferências alheias ao processo-ensino aprendizagem, que poderiam
explicar a dicotomização da prática educativa envolvendo tais atores.

Contreras (1990, p.40) ainda observa:

A incorporação das ciências sociais na decisão e justificação


do currículo permitiu identificar a visão da sociedade
estratificada por classes com sua concepção como
estratificada por capacidades, justificando a primeira pela
segunda, “desideologizando” assim a questão e apresentando-
a como irremediável.

Por outro lado, é importante que se avalie a escola sem retirá-la histórica e
contextualmente das discussões em torno das questões dilemáticas em que está
inserida a educação, objeto de investigação da Pedagogia, um objeto inconcluso,
histórico, porque o é também o ser humano (FREIRE, 1987), que constitui o sujeito
que a constitui e é por ele constituída. Por isso, não será captada na sua
integralidade, mas o será na sua dialeticidade, no seu movimento, nas suas
diversas manifestações enquanto prática social, nas suas contradições, nos seus
diferentes significados, nas suas diferentes direções, usos e finalidades. Tal postura
encontra eco nas palavras de Kowarzik (1983, p.70) ao dissertar sobre a dialética do
diálogo libertador de Paulo Freire quando afirma que “a educação é uma
experiência basicamente dialética da libertação humana do homem, que pode ser
realizada apenas em comum, no diálogo crítico entre o educador e educando”.
28

Desta forma, podemos demandar esforços para se pensar o conhecimento na


direção emancipadora e possibilitar que os atores da escola,
professor/aluno/gestores/coordenadores pedagógicos ao construírem seus saberes
o façam num espaço de profunda reflexão-ação. Para Alarcão (2003, p.38) a
assertiva se assenta na ideia que

Uma Escola reflexiva é uma comunidade de aprendizado e é


um local onde se produz conhecimento sobre educação. Nesta
reflexão e no poder que dela retira toma consciência de que
tem o dever de alertar a sociedade e as autoridades para que
algumas mudanças a operar são absolutamente vitais para a
formação do cidadão do século XXI.

Propõe-se que essa reflexão-ação esteja no âmbito da interferência do real,


da modificação e transformação da práxis educativa, com vistas a,
substantivamente, transformar o ser humano alargando os conhecimentos que os
educadores têm de sua ação sobre a própria ação de educar, como forma de intervir
socialmente nos contextos onde se situa.

A visão aqui construída pretende apenas propiciar uma compreensão, a partir


da realidade da escola acerca da natureza do trabalho empreendido pelo
coordenador pedagógico, com base em concepções de educação e de gestão que
claramente definem qual ordenação política é dada a esse cotidiano; visando
contribuir para o repensar das práticas cotidianas desenvolvidas pela e na escola,
contribuindo, enfim, com a prática pensada e dialogada para e por nossos alunos,
razão pela qual empreendemos tanto esforço.

A prática a ser discutida aqui se insere na concepção de educação enquanto


processo dialógico entre os sujeitos, mediatizada pelos saberes imprescindíveis à
construção da prática educativa (FREIRE, 1998) por esta premissa concebe-se que
a prática educativa é feita de uma série de exigências, e dentre elas cumpre-nos
destacar a reflexão crítica sobre a prática, que Paulo Freire na Pedagogia da
Autonomia denomina como sendo o - “pensar certo -”; logo, prática alia-se ao
29

conceito de saber, de pensar e o pensar sobre o fazer5, que Carvalho (2005, p.47)
classifica como sendo

Um ato político de interação entre os sujeitos no processo de


construção do conhecimento, sendo, portanto, um trabalho de
mediação que se expressa na prática educativa enquanto
processo do conhecimento [...].

Nesta abordagem podemos pensar o ato educativo como resultante de um


processo de questionamento científico. Alarcão (2008) define aprendizagem como
sendo “... um processo transformador da experiência no decorrer do qual se dá a
construção do saber” e, por conseguinte a prática educativa se dá no movimento da
observação6, do - “pensar certo” - (FREIRE,1998) – na reflexão (SCHON,1992;
NÓVOA,1992; ALARCÃO,2008) e na ação (ALARCÃO,2008; GADOTTI,1998;
FREIRE,1998; PARO,2007; VEIGA,1995; CARVALHO,2005).

Nesta trilogia pensar certo/reflexão/ação está demonstrado o movimento da


prática: a começar pelo convite freiriano do - “pensar certo” - ou seja, uma postura
que coloca como condição que saber ensinar não é transferir conhecimento, mas sim
a possibilidade de construção do trabalho educativo; para ele uma das “bonitezas” é a
possibilidade de estar no e com o mundo como seres históricos, intervindo para
conhecê-lo e assim produzindo conhecimento. Quanto à proposta da reflexão, através
dos escritos de Schon (1992) se introduzem conceitos de prática, caracterizando-a
como sendo resultante apenas de um processo reflexivo. Com Nóvoa (1992) e
Alarcão (2008) amplia-se o conceito de professor reflexivo na intermediação da
prática; para estes autores a reflexão pode operacionalizar as transformações, de
modo sistemático, para o crescimento profissional e o desenvolvimento do ensino. Na
defesa da ação pedagógica como mola propulsora do ato educativo está Gadotti
(1998) quando propõe o rompimento com as ideologias dominantes que se apropriam
de discursos teoréticos para representar o mundo de maneira falsa e distorcida, sua

5
Abordagem utilizada na explicitação da planificação de Alarcão (2002) modelo concebido primeiramente por
Kolb (1984)
6
- Os processos de observação e reflexão são assim entendidos quando a experiência é analisada e
conceptualizada como servindo de guia para as novas experiências, o que confere à aprendizagem um caráter
cíclico, desenvolvimentista. Alarcão (2002, p.49)
30

base está no desvelamento e na desocultação dos “pensamentos apócrifos”7, ou seja,


que retiram a verdade e a fé na força da construção do pensamento crítico e
coletivizado.

Com Freire (1998) a ação é proposta como um exercício de liberdade que é


inerente ao ser humano e que nos envolve em ações práticas e conceituais
resultando numa experiência dialógica singular e ímpar. Paro (2007), por sua vez
afirma que a ação é comprometimento que se estabelece em um modelo de
educação e apresenta a atualização histórico-cultural do ensino envolvendo desde
dimensões individuais e coletivas a dimensões políticas que podem afirmar ou
reafirmar a função da escola. Veiga (1995) defende a ação como forma de organizar
o trabalho pedagógico na escola; para ela a escola é local de concepção, realização e
avaliação do projeto educativo. Carvalho (2005) ao descrever os caminhos perversos
da educação propõe que a ação só pode ser impulsionada pela reflexão da prática,
reconhecendo a escola como um espaço de problematização para o repensar crítico
dessa prática.

Neste sentido, pensamos que a coordenação pedagógica deve revestir-se de


significados que a levem para além da simples orientação corriqueira e metódica, mas
na perspectiva das ações participativas, da intrínseca relação entre concepção de
construção do conhecimento e concepção do fazer pedagógico, entrelaçados pela
visão de mundo, de homem e de sociedade.

2.1 Da Supervisão Escolar ao Coordenador Pedagógico

A ideia de supervisão nasce, é importante que se diga, com a necessidade


de avaliar a organização da Escola. A supervisão educacional é, portanto, contributo
necessário para a ideia, também, da construção de uma escola de qualidade.
Nestes termos, vemos que a ideia de supervisão é mediadora da ação coordenadora

7
O termo "apócrifo" foi cunhado por Jerônimo, no quinto século, para designar basicamente antigos documentos
judaicos escritos no período entre o último livro das escrituras judaicas, Malaquias e a vinda de Jesus Cristo. São
livros que não foram inspirados e que não fazem parte de nenhum cânon. São também considerados apócrifos os
livros que não fazem parte do cânon da religião que se professa. http://pt.wikipedia.org/wiki/Livros_ap%C3%B3crifos
31

que historicamente passa da condição de função para a de profissão. Pode-se


afirmar que a função supervisora nasce nas sociedades primitivas, nas quais o
ambiente, o meio social e relações múltiplas empreendidas pelo ser humano
determinavam um modo de organização e neste modo e em comunidade se
educavam as pessoas. A Escola nasce com o conceito de organização das polis,
onde frequentar a Escola era um privilégio somente para os que tinham direito ao
ócio, isto é, a quem detinha o direito de não trabalhar, os que não precisavam
trabalhar, os ricos, portanto. Saviani (2003, p.16) explica que “a palavra escola,
como se sabe, deriva do grego e significa, etimologicamente, o lugar do ócio”.

A partir da sociedade antiga, a partir do direito à propriedade, a escola


também se dividiu: uma dominante – para a classe que não precisa trabalhar e outra
– para escravos, servos, feudos que representa o processo de trabalho. Neste
contexto, Saviani (2003, p.16), a “função supervisora [...] vai assumir claramente a
forma de controle de conformação, de fiscalização e, mesmo, de coerção expressa
nas punições e castigos físicos”.

A função do supervisor traz em si duas configurações: do pedagogo que


supervisionava a educação (Paidéia) das crianças das classes dominantes e do
capataz que supervisionava a educação (duléia) da classe trabalhadora (Idem,
2003).

Na época moderna a necessidade da generalização da escola impõe sérias


exigências para a estruturação e organização escolar. Neste processo, ao se
garantir a acessibilidade a uma parte maior de cidadãos, indiscriminadamente, torna-
se necessária também a disseminação dos códigos formais. Com esse processo de
institucionalização generalizada da educação, percebe-se o esboçar da ideia de
supervisão educacional. Tal ideia vai ganhando materialidade à medida que a escola
vai se organizando, passando pela manifestação religiosa nos séculos XVI e XVII, à
qual se somam as propostas de Lutero, Calvino e Milanchtton, com Comenius, os
Jesuítas e os lassalistas, nos séculos XVIII e XIX; passa também pelas propostas de
organização de sistemas estatais e nacionais, de orientação laica, até as amplas
redes escolares instituídas no século atual (SAVIANI, 2003, p.19).
32

A partir desse momento histórico, com a ideia de supervisão já bastante


sedimentada, novos passos são dados na direção de se conferir uma concepção
identitária a este profissional: neste modelo de organização escolar era preciso
separar a “parte administrativa” da “parte técnica”, separação que é condição sine
qua non para o surgimento do supervisor educacional, com função distinta da do
diretor e do inspetor. Como afirma Saviani:

Momento de maior valorização dos meios na


organização do trabalho educativo, tendo em vista a
racionalização do trabalho educativo onde os
técnicos ganham relevância, também chamados de
especialistas em educação, entre eles, o supervisor
(2003,p.27).

Já em 1969, temos a edição do Parecer 252, com ele reformulam-se os


cursos de Pedagogia em quatro habilitações: Administração, Inspeção, Supervisão e
Orientação. Não se pode perder de vista que o modelo organizativo da Escola
pautou-se pela e na pedagogia tecnicista, cujo objetivo mais premente era garantir a
eficiência e a produtividade do processo educativo. Esses fios condutores históricos
nos levam a compreender por que talvez seja tão complicado, ainda hoje, entender e
delimitar a territorialidade da ação educativa do coordenador pedagógico. Para
Saviani (2003) se o supervisor não se dá conta de que cumpre uma função política,
tampouco tem consciência de qual função é essa e, menos ainda, sabe explicitá-la.

Se nos anos 60 e 70 a supervisão como especialidade pedagógica deve


garantir a efetividade – eficiência dos meios e eficácia dos resultados - das práticas
educativas desenvolvidas na escola, pode-se ver que se espera desta figura dentro
do modelo tecnicista o que nos diz Rangel (2003, p.71) “Sonha-se com a supervisão
que acompanha, controla, avalia, direciona as atividades da escola, evitando
„desvios‟ na direção do seu sucesso”.

Na década de 80 a Universidade do Estado do Rio de Janeiro reformula seu


curso de Pedagogia, retirando a formação do supervisor, sendo que essa formação
específica transpõe-se para a pós-graduação a qual nesse momento, acredita-se ser
espaço para sua ressignificação, “no sentido de reconceituá-la e o de revalorizar a
33

sua formação e ação, reconhecendo seus aspectos gerais, básicos e sua


especificidade” (RANGEL, 2003, p.74).
Novamente os estudos acerca da questão voltam-se para a ação supervisora,
pensando-se a supervisão a partir do seu nome como atributivo identitário, numa
perspectiva de que a designação está diretamente ligada ao pensamento de que o
significado do nome é igual ao significante da função. Rangel (2003, p.76) apresenta
vários significantes da função supervisora, como forma de dar identidade à função
do supervisor educacional:

a) Supervisão se constitui pela articulação das atividades


específicas da escola. (super) perspectiva de ângulo de visão,
para o supervisor possa olhar o conjunto de elementos e seus
elos articulados.
b) Supervisão educacional situa no que diz respeito às questões e
serviços da educação, a ação supervisora. Aspectos macros,
aspectos estruturais, sistêmicos da educação.
c) Supervisão escolar serviços administrativos, de funcionamento
geral como também pedagógicos.
d) Orientação pedagógica – designa, parcialmente, uma das
atividades supervisoras;
e) Coordenação – designativo que se atribui a uma das condutas
supervisoras;
f) Coordenação de turno – refere-se à organização das atividades
de cada turno escolar;
g) Coordenação de área ou disciplina – função integradora de
conteúdos e métodos de ensino no âmbito de determinada
disciplina ou área de estudo;
h) Supervisão pedagógica – refere-se à abrangência da função
(coordenar e orientar).

Ainda pensando na designação nominativa, as representações em torno da


figura do supervisor são remissivas, no Brasil, ao capataz e à ditadura. Em seu bojo,
traz consigo para o interior da escola a divisão social do trabalho, deixando clara a
forma de hierarquização do trabalho na escola. Em função dessa origem, nada
nobre aos pensamentos de hoje e que se apresenta como sendo ligada ao poder e
ao autoritarismo, há a necessidade, agora, de o COORDENADOR PEDAGÓGICO
assumir uma postura diferenciada: conquistar a confiança dos professores
(VASCONCELLOS, 2006, p.86).
34

2.1.1 Caracterização Histórica da Coordenação na Rede Estadual de Mato


Grosso

Os caminhos percorridos pelas estruturas organizativas da Rede Estadual de


Ensino de Mato Grosso somente permitiram, até 1995, que ocupassem essa função,
ainda denominada supervisão escolar, o professor com habilitação em Pedagogia, a
que se considerava como “habilitação específica na área”. Por essa época ainda
existia no quadro da carreira do magistério a função de administrador educacional.
Na Instrução Normativa 002/95/SEE/MT8 de 15 de janeiro de 1995, pode-se
observar o seguinte texto no seu artigo 5º § 1º: “Só poderá integrar a equipe
Técnico-pedagógica profissional com habilitação específica na área”.

A novidade é que pela primeira vez, na Alínea A do Artigo 6º da mesma


Instrução Normativa aparece a possibilidade de que inexistindo um profissional
habilitado na área possa assumir essa função como coordenador pedagógico um
professor de outra área. Tem-se, inicialmente, que: a habilitação específica
correspondia ao supervisor educacional e quando aberta a outras licenciaturas à
coordenação pedagógica. A referida Instrução Normativa ainda previa como critério
de escolha um teste seletivo pelo qual passariam os candidatos.

No Diário Oficial do Estado de Mato Grosso de 28 de dezembro de 1995, na


página 88, naquele mesmo ano, portanto, é editada outra Instrução Normativa, a de
nº 006/95/SEDUC/MT, que dispõe também sobre os critérios para a organização e
reestruturação do quadro de pessoal das escolas públicas estaduais. O texto do
Artigo 2º tem a seguinte redação:

As atribuições de coordenação pedagógica na escola serão


exercidas por coordenador pedagógico, escolhido através de
critérios de conhecimento, dentre os professores efetivos,
estáveis ou contratados temporariamente, com formação na
área de educação.

No parágrafo primeiro lê-se:


8
SEE/MT- Secretaria de Estado de Educação, no mesmo de ano, em 1995 a Instituição passa a ser denominada
SEDUC – Secretaria Estadual de Educação e Cultura.
35

Ficam desativadas as funções de Supervisor Escolar,


Administrador e orientador Educacional.

No parágrafo segundo lê-se:

Os atuais Supervisores Escolares continuarão no exercício de


suas funções até a seleção dos coordenadores pedagógicos.

Nessa Instrução Normativa a Secretaria de Estado de Educação traz uma


definição da prática educativa político-administrativa e pedagógica do coordenador:
a coordenação pedagógica é revestida de uma concepção de prática educativa, o
que sugere a configuração de um ser responsável por esse trabalho na escola.
Então para as atribuições da prática de coordenação do trabalho pedagógico na
escola recorre-se à instituição do Coordenador Pedagógico. Determinam-se no
artigo 3º, em 4 alíneas, as atribuições desse Coordenador Pedagógico:

a) Coordenar e subsidiar a construção do Plano Político da Escola;


b) Acompanhar e avaliar a execução do Plano Político pedagógico;
c) Articular a formação continuada dos professores e membros do
Conselho Deliberativo da Comunidade Escolar;
d) Viabilizar as estratégias e ações necessárias à garantia da
qualidade do ensino.

Em 30 de janeiro de 1996 é editada a Instrução Normativa 001/SEDUC/MT,


(um mês após a edição da já mencionada Instrução Normativa 006 de 28 de
dezembro de 1995), na substituição do Secretário Walter Albano pelo Secretário
Carlos Alberto Maldonado, revogando a 006/95; porém, o novo texto não se refere
mais à Supervisão Escolar e reforça ainda mais a institucionalização da função de
Coordenação Pedagógica. No seu Artigo 3º, tem-se a seguir: “As escolas poderão
possuir coordenação pedagógica, atendendo a seguinte proporção [...]” No
Parágrafo 2º e 3º, lê-se:

Os coordenadores pedagógicos serão professores efetivos,


possuidores de qualificação profissional em nível de 3º grau,
36

escolhidos pelo conjunto dos professores em exercício na


unidade escolar.
Em caso de inexistência no quadro da Escola de professores
habilitados a nível de 3º grau, a escolha deverá recair naqueles
que estejam cursando o 3º grau, ou, se persistir a ausência,
naqueles que possuam habilitação a nível de 2º grau.

Nota-se, então, a extinção do termo supervisor educacional. A


coordenação pedagógica estava, enfim, institucionalizada e a exigência de formação
para isso, era apenas que fosse em nível de 3º grau, podendo ser, portanto, de
qualquer licenciatura. No caput do artigo 4º, temos, então, a definição do papel a ser
desempenhado pelo coordenador pedagógico, uma compilação do texto revogado
da Instrução Normativa 006/95/SEDUC/MT, agora com 5 alíneas:

a) Coordenar e subsidiar a construção do Plano Político Pedagógico


da escola;
b) Desempenhar papel integrador das práticas pedagógicas na
escola;
c) Acompanhar e avaliar a execução do Plano Político Pedagógico;
d) Articular a formação continuada dos professores e membros do
Conselho Deliberativo da Comunidade Escolar;
e) Viabilizar as estratégias e ações necessárias à garantia de
qualidade do ensino.

Um pouco antes dessas medidas, mais especificamente em 1994, o


Estado de Mato Grosso dá terminalidade aos cursos de Magistério que eram
oferecidos na rede pelas Escolas Estaduais autorizadas para esse fim. E, ainda
neste mesmo período, a UFMT9 promove reforma na estrutura curricular do curso de
Pedagogia, deixando de ofertar em nível de graduação a formação para Supervisão
e Administração Escolar, formações então elevadas em nível de pós-graduação.
Tudo isso culmina por trazer ao “chão da escola” uma série de lutas, que
resulta numa nova configuração na carreira do magistério a partir da promulgação
da Lei 9394/96, que corrobora com esta ideia. Ainda mais, em Mato Grosso é
aprovada, mediante luta empreendida pelo SINTEP/MT10, a LC11 50 de 01/10/1998,

9
UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso.
10
SINTEP/MT – Sindicato dos Trabalhadores na Educação Pública de Mato Grosso.
11
LC 50/MT – Lei Complementar de nº 50 do Estado de Mato Grosso.
37

implantando a Carreira dos Profissionais da Educação Básica de Mato Grosso e,


depois, a LC04 de 22/01/2002, que altera a LC50 dando-lhe nova redação. Temos,
enfim, a caracterização de profissionais da educação atribuída a todos os atores da
escola, não mais, apenas, aos docentes.

A partir da implementação dessas leis no estado, todos os profissionais


da Rede Estadual de Ensino precisaram realizar um novo enquadramento na
carreira. Obrigou-se que os professores que tivessem concurso de 1ª a 4ª série, mas
não fossem habilitados em Pedagogia executassem a partir dessa data suas
funções de acordo com sua formação em nível de 3º grau. Assim, professores
concursados para as séries iniciais, mas que estavam por aquela época (1998) já
formados em Letras, por exemplo, deveriam ministrar aulas de 5ª a 8ª séries; o que
valia não mais eram seus concursos, mas as suas habilitações, mantidos apenas os
professores com Magistério sem formação superior. Todo esse movimento
produzido na Rede Estadual de Ensino provocou uma série de transtornos, mas
também uma profícua reflexão acerca do papel da escola e consequentemente do
papel do professor e, ainda, sobre o professor na investidura da função de
coordenador pedagógico.

Torna-se claro também que certa angústia acompanhou essas experiências


singulares. Sente-se, por um lado, a necessidade de “definir a identidade do
coordenador pedagógico” cujo espaço parece não estar assegurado e, portanto,
ameaçado por outras formas de poder e necessidades (PARO). Por outro, é possível
apreender um movimento criativo e inventivo em que, a despeito da não
“institucionalização” de fato da função, ou talvez por isso mesmo, existe um
processo de conquista de uma “territorialidade própria.” Neste último sentido, é
preciso decorrer um tempo para a acomodação de conquistas, pois não há,
felizmente, uma tradição ou modelos que condicionem tais práticas. Elas estão se
fazendo mediante um aprendizado local, com indagações e buscas de respostas a
problemas gerados no cotidiano das escolas.
38

Essas indagações e buscas parecem querer se explicitar nos encontros de


coordenadores pedagógicos promovidos pelo CEFAPRO/MT12 e nas trocas de
experiências que os coordenadores promovem entre si e que passam a ter um
significado especial, já que a escuta do outro também adquire um sentido de
aprendizado.

Outro espaço aberto nas escolas, para que tais indagações vicejem são as
discussões e as reflexões que brotam da (re) discussão acerca da identidade
docente, a partir das reflexões do projeto SALA DO PROFESSOR 13 que se tem
desenvolvido nas unidades escolares. Sob o ponto de vista do alcance político-
pedagógico, pode-se dizer que há uma oportunidade histórica se construindo em
relação ao trabalho do coordenador pedagógico. Torna-se imperioso, portanto, a
busca de definição de sua função. O movimento talvez se faça a partir e no interior
das relações travadas no dia-a-dia da escola; são caminhos e atalhos a serem
construídos/seguidos.

A esse contexto é importante acrescentar as atuais políticas de valorização da


ação coordenadora nas escolas de Mato Grosso quando se define, com amparo na
Lei Complementar 206/2004, que dispõe critérios sobre a dedicação exclusiva a
instituição também da gratificação aos coordenadores e, ainda, a aprovação no
Congresso Nacional da Lei 11.301/2006, promulgada pelo Presidente da República
e que permite ao professor na função de direção e coordenação o mesmo direito à
aposentadoria especial. Isto potencializa a conquista de uma “territorialidade
própria”.

A Rede Estadual de Ensino em foco tem deflagrado uma política que orienta a
formação centrada na escola, o que nos levou a refletir sobre as condições em que
se dá o trabalho do Coordenador Pedagógico da escola pública estadual a despeito
de todas as considerações anteriormente feitas. O coordenador pedagógico passa
agora a ser anunciado como um ator em potencial do processo formativo na escola,
papel antes de competência e gerenciamento dos CEFAPROS - Centros de

12
CEFAPRO/MT – Centro de Formação de Professores do Estado de Mato Grosso.
13
SALA DO PROFESSOR – Projeto do Formação Continuada do Estado para ser desenvolvido nas horas-
atividades das Escolas Estaduais do Estado.
39

Formação dos Professores, para além de sua já consolidada ação como


organizador/mediador da proposta educativa da escola.

LUCK (2006, p. 23-24) Observa que

A gestão emerge para superar, dentre outros aspectos,


carência: a) de orientação e de liderança clara e competente,
exercida a partir de princípios educacionais democráticos e
participativos; b) de referencial teórico-metodológico avançado
para a organização e orientação do trabalho em educação; c)
de uma perspectiva de superação das dificuldades cotidianas...

2.2 Coordenação pedagógica: Conceitos e Significados

Para compreender o sentido e o significado da coordenação pedagógica no


contexto da educação escolar no Brasil, fez-se necessário percorrer a trajetória
história da supervisão escolar e sua passagem para uma nova configuração de
ordenação pedagógica na escola, denominada de coordenação pedagógica.
Percorrido o trajeto, pensamos ser necessário perceber agora, como está
estabelecida essa nova configuração a partir dos conceitos e significados
produzidos.

Para efeito de nosso entendimento, torna-se imprescindível perceber não só


a natureza da prática educativa do coordenador pedagógico, empreendida político-
pedagogicamente nesse contexto, bem como perceber também, suas imbricações
conceituais e os significantes produzidos e construídos na busca da significação ou
ressignificação dessa função no contexto do desenvolvimento profissional
(SACRISTAN, 1995) que se desenvolve na escola.

Nestes termos, tomamos por base as palavras de Ademar de Carvalho que se


encontram num artigo apresentado na Anped – CO 2008, que assim define o
coordenador pedagógico:
40

Em nossa realidade a coordenação pedagógica é ocupada por


um professor que desempenha atividade docente na escola. Isso
significa dizer que o coordenador é um professor que deve
comprometer-se como o trabalho pedagógico de sua escola.
(2008, p.135)

Para isso, simultaneamente, é preciso explicitar uma conceituação, que tem


sido o cerne de diversas compreensões acerca do mesmo assunto: o papel social da
Escola, sendo portanto, indissociável dos significados produzidos historicamente em
torno da coordenação pedagógica, para só então, a partir dessa contextualização,
melhor compreender e apreender os conceitos e significados que circundam a
questão.

Vitor Paro (2008) faz um estudo acerca desse assunto e nos traz duas
formas de se visualizar conceitualmente a educação. A primeira é denominada por
ele como sendo a concepção do senso comum. Nesta, a educação é entendida
como sendo “a simples passagem de conhecimentos de quem sabe para quem não
sabe” (p.20), também definida por Paulo Freire como sendo “Educação Bancária”.
Por esta concepção, a Coordenação Pedagógica é, então, ou se torna, uma mera
organizadora das rotinas da escola, sejam elas de qualquer natureza. Numa
linguagem mais simplista ainda, são “bombeiros a apagar os diferentes focos de
incêndio na escola, e no final do dia vem o amargo sabor de que não se fez nada de
muito relevante [...]” (VASCONCELLOS, 2006, p. 85). O mesmo autor explicita que é
grande a esfera de atuação e preocupação do coordenador pedagógico, abarcando
elementos, tais como currículo, construção do conhecimento, processo ensino-
aprendizagem, relações interpessoais, ética, disciplina, avaliação de aprendizagem
e institucional, relacionamento com os pais, recursos didáticos, e tantos mais; que se
faz necessário reiterar que nosso olhar se estabelece no momento em que ele deve
dar uma ordenação política a toda essa esfera de atuação e preocupações
infindáveis. Neste emaranhado de situações com as quais se lida no dia-a-dia na
concepção do senso comum pode ocorrer uma série de distorções no que se
concebe por educador e por educando, evoluindo das atividades-fins (o processo
pedagógico) para as atividades-meio (direção, coordenação), que por sua vez são
desenvolvidas de forma a não dar oportunidades de decisão aos envolvidos no
trabalho da escola. Vitor Paro (2008, p.9) pontua ainda que,
41

No senso comum, educação e ensino são tidos por sinônimos:


ambos se reduzem a passagem de conhecimentos- ainda que
se trate de valores ou atitudes. O importante é sempre o
conteúdo, o educador é o simples provedor de conhecimentos
e informações; e o educando, o mero receptáculo a tais
conteúdos.

A educação “bancária” apresentada por Paulo Freire consiste apenas em


transmitir conteúdos de forma verbalizada, oral ou escrita, de conhecimento e
informações, de quem educa para quem é educado. Quanto à gestão, nesta
concepção tradicional, a convivência acontece apenas de uma forma: pela
dominação, ou seja, quando uma das partes reduz ou anula a subjetividade da outra
com a capacidade de determinar o comportamento de outros.

Quanto à segunda conceituação, que é a concepção crítica da educação,


Paro (2008, p.27) assim explicita:

Para a educação, a principal implicação dessa condição do


humano diz respeito ao tipo de sociedade que se tem em
mente em termos políticos e, por conseguinte, ao tipo de
homem político que se pretende formar.

A educação consiste na apropriação da cultura, porque interfere na natureza


ao criar suas próprias condições de existência, interfere socialmente quando atualiza
a história e a sua cultura, enfim, interfere na formação de si próprio e de outrem,
como ser social e político. Consideramos interessante ressaltar que nosso foco jaz
sobre a configuração, a partir desses contextos, do papel do coordenador
pedagógico na escola. Por este viés, deve ser entendido, no pensamento de
Carvalho (2008),

que o papel fundamental do coordenador reside na


capacidade de mobilizar os professores, alunos e comunidade
para a constituição e concretização do projeto político
pedagógico da escola. (p. 139)
42

Logo, o coordenador é um ordenador da atividade educativa na escola, é “o


que consegue reunir à sua condição de especialista a sua condição de político”
(Idem, 2008, p.138).

Mas é preciso ter um entendimento histórico acerca da “configuração” dessa


função na escola. E ao buscar na história tal configuração, podemos perceber que
grande parte dos problemas acerca da identidade do coordenador pedagógico,
denominação atualmente dada ao supervisor pedagógico, decorre também dos
vários caminhos que a escola em sua forma organizativa foi tomando ao longo do
tempo; nisto se encontram desde aspectos culturais significativos e multifacetados,
até as nuances tayloristas, das quais a Escola ainda não conseguiu se desvencilhar.

Investigando-se a organização das atividades educativas no Brasil a partir dos


Jesuítas, mais especificamente do Padre Manuel da Nóbrega, tem-se a formulação
do Plano de Ensino da Educação Jesuítica, o qual traz em seu bojo a ideia de
supervisão. Após a morte de Nóbrega, o Ratium Studiorum é o documento mais
original a formular e institucionalizar tal concepção, sendo constituído por um
conjunto de regras que procuram normatizar todas as atividades das pessoas
ligadas ao ensino, institucionalizando, enfim, a supervisão pedagógica. Neste
postulado a função supervisora é destacada das demais funções educativas
(SAVIANI, 2003). E só tempos depois, com as aulas régias, que tal função perde sua
materialidade ao ficar diluída na função do diretor geral.

Na década de 20, os “profissionais da Educação” dão significado ao


aparecimento dos técnicos em escolarização com a criação da Associação Brasileira
de Educação em 1924 essa ideia ganha força e forma. A partir daí, uma série de
eventos históricos conflui sobremaneira para a composição da natureza da
supervisão escolar como forma de conceber a organização da escola, entre eles o
Parecer 252/69 donde se extraem os requisitos básicos para se conferir à
supervisão escolar o status de profissão, ou seja, a caracterização da sua
necessidade social. Ao curso de Pedagogia é atribuída a função de formador de um
profissional com perfil de gerenciamento, com a especificação das características
que se exigem para uma ordenação desta profissão, que segundo Saviani (2003,
43

p.31) o curso foi reaparelhado para formar, entre os vários especialistas, o


supervisor educacional.

Enquanto isso, por conta de um processo de urbanização acelerado no país e


com o crescimento da indústria brasileira, a escola recebe, também no aspecto
social, várias incumbências. Parte destas está na necessidade de formação de mão-
de-obra qualificada. Em consequência disso, passa-se a exigir também qualificações
intelectuais específicas. Neste contexto, vê-se que a coordenação pedagógica
reveste-se de alguns pruridos a que nos referimos anteriormente. Para Saviani
(2003) o trabalho dominante do homem coincidirá com a função supervisora, a
atividade de controlar e comandar o trabalho pedagógico na escola. Nisto se
configura a divisão social do trabalho: de um lado, os que pensam, mandam e
decidem e, de outro, os que executam, caracterizando-se uma expropriação do
saber do professor, colocando-se entre este e o seu trabalho a figura do técnico
(VASCONCELLOS, 2006).

Neste contexto, ao se definir o papel do coordenador pedagógico tal definição


apresentar-se-ia de forma negativa, pois os termos recorrentes que o adjetivam são:
“dedo-duro, fiscal, pombo-correio, faz-tudo, quebra-galho, tapa-buraco e ainda
burocrata”, devido aos infindáveis relatórios, gráficos, levantamentos, diagnósticos
sem fundamentos práticos e inconclusivos, uma fonte inesgotável de técnicas vazias
e generalistas que quase sempre não levam e nem se chega a lugar algum, de
acordo com Vasconcellos (1995). Mas, também segundo o autor, caracterizando-o
de forma positiva é possível compreendê-lo por articulador do projeto político-
pedagógico, através da reflexão, da participação e da fomentação dos meios
necessários para o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem.

Alarcão (2001), por sua vez, alerta que do ponto de vista institucional, ponto
central da atividade pedagógica, é importante e necessário desfocar tal atividade da
figura do coordenador e focá-la na função coordenadora que se desenvolve na
escola, podendo ser assim compreendida:

Um processo em que um professor, em princípio


mais experiente e mais informado, orienta um outro
44

professor ou candidato a professor no seu


desenvolvimento humano e profissional (p.13).

Se a coordenação pedagógica começa encontrar sua territorialidade, há que


se perceber, então, em qual ou quais perspectivas isso acontece. Alarcão (2001,
p.15) afirma, a propósito da questão:

[...] na perspectiva de desenvolvimento profissional do


professor e de desenvolvimento profissional em situação
de trabalho e no coletivo dos profissionais, a supervisão
começa a assumir características de coordenação de
projetos de investigação-ação [...].

Ao mesmo tempo, vê-se que para o atendimento de necessidades tão


diversas e para o desenvolvimento de práticas num contexto de tamanha
contradição e conflitos como o é, concebidamente, o espaço escolar. Para a escola
urge a necessidade do desempenho intenso de um conjunto de funções, que vão
desde o ensinar ao gerir recursos, gerir e avaliar projetos, implementar e
desenvolver ações sócioeducativas (como se lhe fora um atributivo) até a questões
externas ao clima escolar, como a violência e outras.

Para que o supervisor/coordenador possa dar conta de sua função, assentada


nesse contexto, Alarcão (2001) postula que o seu papel seja reflexivo para e numa
escola reflexiva, que fundamentalmente se estabeleça em dois níveis:

1. Na formação e no desenvolvimento profissional dos


agentes de educação e a sua influência no
desenvolvimento e na aprendizagem dos alunos e;
2. No desenvolvimento e na aprendizagem organizacional e a
sua influência na qualidade da vida das escolas. (p. 50)

Mas é importante ressaltar que o papel do coordenador não está apenas nos
limites da escola; há que observá-lo no âmbito da administração e das políticas
educacionais, políticas públicas então, donde se depreende que, ao mesmo tempo
em que ele gere é gerido.

No que toca a Lei 9.394/96, nossa LDB, no seu artigo 64 estabelece que
45

A formação de profissionais da educação para a


administração, planejamento, inspeção, supervisão
e orientação educacional para a educação básica,
será feita em cursos de graduação em pedagogia
ou em nível de pós-graduação [...] garantida, nesta
formação, a base nacional comum.

Cabe ao coordenador, assim, ser portador de uma formação centrada na


efetivação curricular da base nacional comum, isto posto fica claro no texto da Lei a
ausência de questionamentos acerca de quais são as finalidades do exercício das
práticas profissionais desses coordenadores e como estas deverão ser
desenvolvidas.

Para que se perceba a importância do trabalho do coordenador pedagógico,


há também que se explicitar os conceitos de política, planejamento, gestão e
avaliação que compreendem a administração da educação (FERREIRA, 2001).

Em síntese, a reflexão aqui desenvolvida, levou-nos a compreender que ao


longo dos tempos, a coordenação pedagógica, apesar das dificuldades conceituais e
de territorialidade, da legislação, da história e, ainda, do cotidiano e da organização
escolar, teve uma configuração pouco valorizada na escola. A coordenação
pedagógica é aqui entendida como uma atividade de natureza político-pedagógica e
social que perpassa a construção de uma relação desde intra e interpessoal até a
relação escola-comunidade, visando a formação do sujeito coletivo e ao
desenvolvimento profissional dos professores, traduzida em ações programáticas
voltadas para a formação continuada que se desenvolve na escola e na
implementação do projeto político pedagógico como mecanismo de reflexão coletivo
e também voltados para o fomento de espaços de interação, nestes contextos
formativos (ALARCÃO, 2008), tomando como foco central da ação coordenadora a
ordenação do pedagógico.
46

2.3 Ação Coordenadora: Uma Reflexão sobre o Papel do Coordenador


Pedagógico

Nesta seção procuramos fazer algumas considerações acerca do trabalho do


coordenador pedagógico tentando compreender seu campo de atuação e seus
significantes nominativos uma vez que segundo afirmação de Gadotti (1998, p. 107)
“Não adianta mudar o vocábulo [substituir “supervisão escolar” por “coordenação
pedagógica”] se não for mudada a ideologia”.

Fique entendido que, ao tratar da acepção da ideologia presente nessa


afirmação, o autor põe em discussão as origens históricas, as quais já nos
reportamos aqui, pois se trata do entendimento de que a supervisão escolar nasce
no ideário da fiscalização, da correta execução dos objetivos empreendidos e
eficiência dos resultados, contudo apesar de já se ter ultrapassado essa concepção
fiscalizadora para uma mais coordenadora não se pode propriamente dizer que se
tenha mudado de ideologia: pelo princípio da cotidianidade, a prática do
coordenador ainda continua reprodutivista, uma vez que traz as marcas das
regulamentações, das atividades rotineiras, do pragmatismo e se encontra
impregnadas do modelo organizativo voltado para a ação, ou seja, determinada por
regras repetitivas. Gadotti (1998, p. 108) ainda salienta que a seu ver “uma
supervisão libertadora deveria se aproximar do sentido que dá Antonio Gramsci ao
intelectual, isto é, o organizador da produção e da cultura”.

Nestes termos, o coordenador pedagógico seria um organizador da produção


na escola. Assim, estaria organizando a aprendizagem e as relações de produção
da mesma atuando com valores éticos, sociais e políticos, entre outros, isto é,
trataria das relações humanas, decorrentes de um trabalho coletivo e acolhedor,
inclusive de forma afetiva. Se a educação está para a promoção do homem, então o
coordenador pedagógico deveria também estar a serviço da promoção humana.
Pensamos que o coordenador trabalha com a produção do professor, com a
avaliação do processo pedagógico, ordenando a política de formação e construindo
o projeto político-pedagógico na escola.
47

Com esta premissa, consideramos que a prática educativa, como função


transformadora mediatizada pela prática pedagógica, é a efetivação da
transformação dos sujeitos para o Ser Mais, atuantes, enfim, da transformação da
prática social (FREIRE, 1987).

Para caracterizar a ação coordenadora tem-se por base a singularidade do


enfoque e a ênfase sobre o processo didático pelo qual o currículo se implementa na
escola e sobre a necessidade de formação para acompanhá-lo e atualizá-lo no
cotidiano da escola, aqui entendido como dia-a-dia escolar. Seu sentido está nas
relações pessoais e na relação didática, imprescindíveis para se contrapor à
linearidade e à verticalidade, nas quais se pautam as relações funcionais, cerne do
autoritarismo. Isso nos faz lembrar a perspectiva foucaultiana, que recomenda o
olhar crítico na percepção das formas de controle sobre o corpo e a mente.
Contrapor significa associar liberdade com responsabilidade para a conquista da
autonomia de opções e decisões.

Rangel (2001, p. 63) aponta como sendo atributos do papel do coordenador


pedagógico:

 Acompanhar a atualização pedagógica e normativa, com


especial atenção, em ambos os casos, aos fundamentos;
 Propiciar oportunidades de estudo e interlocução dos
professores, em atividades coletivas, que reúnam professores que
desenvolvem um mesmo conteúdo nas diversas séries e níveis
escolares;
 Propiciar oportunidades periódicas de reavaliação de currículo
e programas;
 Propiciar oportunidades de estudo e decisões coletivas sobre
material didático.

Neste elencário tem-se ainda como atributivo do papel do coordenador a


descrição de métodos e técnicas de ensino e também evidenciar princípios,
conceitos e atribuição de significados ao processo avaliativo, inclusive institucional,
da escola como um todo.
48

2.4 Pressupostos de Ordenação Política no Papel do Coordenador Pedagógico

Nesta seção, nosso objetivo é indicar mais claramente quais pressupostos


caracterizam a ordenação política como uma forma organizativa do trabalho do
coordenador pedagógico no uso de suas atribuições e funções desempenhadas
cotidianamente na escola, a partir do conceito de uma racionalidade emancipatória
voltada para as atividades educativas que ali se desenvolvem, inferindo que esta
racionalidade propõe que os sujeitos que atuam se supõem mutuamente, forma de
contraposição a uma racionalidade técnica na qual pode estar assentada a
administração escolar. Na concepção, a partir de uma matriz sociológica, que
concebe a escola como uma organização educativa, os pressupostos ordenativos,
com base em Lima (2001) pautam-se na existência de modelos caracterizadores das
formas organizativas escolares, por estes pressupostos a ordenação política
mediatizada pelo coordenador pedagógico dá-se de duas formas: uma normativista,
voltada para a regulação das rotinas e para o controle direcionado à ação educativa;
e outra, que é fruto da reflexão sobre e na ação educativa, ambas embutidas num
conceito de racionalidade, que depende de como se compreendem as práticas
educativas que se exercem na escola e, sobretudo, para quem tais procedimentos
se endereçam e com quais propósitos se estabelecem no espaço escolar.

Nosso ponto de partida está em afirmar que não basta somente mudar as
regras formais para que se mude a escola, que não são apenas os modelos
normativistas que influenciam as práticas de gestão, no caso em específico, o
coordenador pedagógico. Essas influências são um composto de fatos, objetivos,
interesses, circunstâncias que podem se refletir no entendimento que esses atores
tem da escola e da materialidade do trabalho que ali se desenvolve.

A ordenação política em cuja compreensão nos baseamos tem seus


fundamentos no ideário da construção social da escola e do conceito de
racionalidade política e emancipatória, baseado nos pensamentos de Freire (1987),
Veiga (1995, 2003), Gadotti (1998), Lima (2001), Paro (2008) e Carvalho (2008). Por
ela entende-se que os modelos organizacionais são plurais, contraditórios,
diversificados e, sobretudo, dinâmicos, de caráter dualista, ou seja, dependendo da
49

produção (interpretação social e política), produtos da reflexão crítica e/ou da


reprodução (pragmatismo e racionalidade) produtos da alienação14 as quais
coexistem na administração escolar, mas podem ser construídas e/ou reconstruídas
pelo coordenador pedagógico, estando no âmbito da possibilidade, condição para a
materialidade do racionalismo emancipatório preconizado por Paulo Freire. Para
pensar a escola, é preciso repensar a ação do homem em sociedade e essa busca
só é possível a partir dos homens em entendimento na ação dialógica, forma de
responder à manipulação por meio da organização.

O coordenador pedagógico, ao ordenar politicamente o cotidiano escolar na


esfera de sua atuação, vive de forma dilemática as ações da escola, posto que ele
pode reproduzir ou criar ou recriar estruturas organizacionais a partir dessas ações
empreendidas. Ele pode até mesmo ocultar, a bem do exercício de sua função, as
estruturas globais e as regras formais da racionalidade técnica e apresentá-las ou
sob a retórica do formalmente instituído, ou sob a paráfrase das regras dos modelos
decretados (normas), isto é, num processo de releitura analítico-interpretativa.

Esse viés, constroi-se por dois referenciais: o conceito de gestão e o conceito


de escola, donde se pode afirmar que num espaço de gestão democrática, apesar
das regras, há maior possibilidade de recriação e contraposição ao modelo
impositivo e burocrático das normas determinadas pela administração central
(Secretaria de Estado de Educação/MEC), a que se chama modelo decretado (Leis,
resoluções, portarias, etc.). Nesta visão, a ordenação política segue o que preceptua
os modelos orientativos das ações organizacionais, cuja evidência se dará na forma
e no tipo de organização em que o coordenador poderá lançar mão dos preceitos da
análise/reflexão para a interpretação coletiva, pautada na racionalidade política,
portanto, emancipadora (LIMA, 2001).

Ordenação, aqui, entende-se como uma forma de organizar a ação educativa


da escola, a partir de um encadeamento de prioridades em ascendência, em termos

14
Alienação: termo retomado pela Teoria do Cotidiano como forma de explicar o processo reprodutivo das
atividades desenvolvidas sem serem submetidas a um processo avaliativo e reflexivo para superação da
cotidianidade. (DUARTE, 2007).
50

valorativos. A pretexto dessa ordenação política há que se considerar um quadro de


práticas possíveis para as ações possíveis, Lima classifica que,

No quadro de certas regras e de certos arranjos


estruturais, morfológicos e de poder, mas também,
indubitavelmente, como fatores de criação e de
recriação permanentes, de outras regras e de
outras estruturas igualmente possíveis mais
inventável e manejável (2001, p.114).

No pressuposto da acepção política esse processo de ordenação


possibilita uma co-construção ou uma produção participativa e coletivizada, o
que concretiza a gestão democrática da escola entendida como instituição e
local de trabalho (SILVA JUNIOR, 1990) e não como meros instrumentos.

A este pensamento, queremos agregar a análise da negação assentada na


cultura do positivismo, que renega a natureza política da escola,pois está
comprometida com a racionalidade técnica, um dos pressupostos da ordenação da
qual pode estar impregnada a ação do coordenador pedagógico, sendo imperioso
que se desenvolva uma racionalidade emancipadora (FREIRE,1987) e sobretudo
libertadora baseada na busca de um novo sentido para a atividade educativa através
da democratização dialogada do sistema escolar.

A escola enquanto construção humana precisa, por meio do diálogo, entender


a reelaboração da racionalidade como uma exigência para a transformação da
humanidade, de natureza inconclusiva, na concepção do ser inacabado, cerne então
da reinvenção e da transformação (idem,1987). Assim a racionalidade técnica
encontrada na administração escolar por meio de previsão, controle das ações
educativas e controle do comportamento alheio, como ação estratégica, pode dar
lugar à participação coletiva e a metáforas de ordenação/organização
reconceptualizadas nos pressupostos da concepção freiriana de que o mundo não é
só resultado de forças pautadas em rígidos padrões de qualidade e embrenhadas
nos pruridos do pragmatismo e normativismo, mas na atuação das pessoas. Se o
mundo não o é, mas está sendo, pode-se concluir que poderá ser de outra maneira.
51

O processo dialético está mais no limite das possibilidades do que propriamente das
dificuldades (FREIRE,1987).

Se essa ordenação mediatizada pela atuação do coordenador pedagógico


está na esfera do político, talvez seja importante ressaltar que o modelo político é o
que se preocupa em realçar a diversidade de interesses e de ideologias,
impossibilitando a existência de objetivos consistentes e prévios, posto estarem em
permante construção e reconstrução e em partilhamento, estando também, na
valorização do poder com foco no respeito à coletividade, na luta por uma sociedade
livre, ou seja, capitaneada na direção de uma prática pedagógica que não oculte o
conflito, mas sobretudo desoculte-o. Este é um tipo de racionalidade, a racionalidade
política. Há que se considerar que tal racionalidade não seja fácil de se implementar
na escola, uma vez que a mesma está controlada centralmente pelo Estado através
dos efeitos de socialização para a conformação, o qual mobiliza os interesses que
ele defende em detrimento da mobilização de interesses de todos os sujeitos da
escola, conforme alerta Gadotti (1998).

Para Lima (2001), o modelo político coaduna com o modelo social; neste, os
processos educacionais são apreendidos como fenômenos espontâneos, ou seja,
valoriza-se especialmente a forma de organização informal, análise sincrônica e
analógica do que está subtendido, em oculto, pois a escola é uma organização
complexa composta de relações formais e informais. No modelo burocrático ou da
organização burocrática temos o tipo mais puro do modelo racional e nele se
acentua a importância das normas abstratas e das estruturas formais. Neste viés, há
maior controle sobre os processos de planejamento e de tomada de decisões, na
proposição e consistência dos objetivos, com maior ênfase no produto do que no
processo, nos fins do que nos meios, postulados intencionalmente nos
procedimentos racionalizadores.

É importante ressaltar que, ao se tratar da questão da racionalidade


emancipatória e dialógica proposta por Freire (1987) e da qual nos apropriamos, é
preciso explicitar que a escola tem em sua composição dois tipos de estruturas: as
estruturas administrativas e as pedagógicas, nosso campo de estudo. Nas primeiras
52

está a gestão dos recursos humanos, físicos e financeiros; e nas estruturas


pedagógicas se encontram as interações políticas do processo ensino-
aprendizagem e de currículo. De acordo com Veiga (1995, p.25),

A análise da estrutura organizacional da escola visa identificar


quais estruturas são valorizadas e por quem, verificando as
relações funcionais entre elas. É preciso ficar claro que a
escola é uma organização orientada por finalidades, controlada
e permeada pelas questões do poder.

Segundo a autora uma forma de ordenação política das práticas cotidianas da


escola está na perspectiva da construção do projeto político-pedagógico da unidade
escolar como fomentador intencional, coletivo, no sentido de definir as práticas
educativas a serem desenvolvidas nesse espaço, fortemente sedimentadas nas
características que se fizerem necessárias para o cumprimento de seus propósitos e
intencionalidades.

Por outro lado, Veiga (2003;) num artigo intitulado Inovações e Projeto
Político-Pedagógico: Uma relação regulatória ou emancipatória15 adverte que:

O projeto político-pedagógico, na esteira da inovação


regulatória ou técnica, está voltado para a burocratização da
instituição educativa, transformando-a em mera cumpridora de
normas técnicas e de mecanismos de regulação convergentes
e dominadores. (p.272)

E, ainda, que

O projeto político-pedagógico e a avaliação nos moldes


inovadores das estratégias reformistas da educação são,
portanto, ferramentas ligadas à justificação do desenvolvimento
institucional orientada por princípios da racionalidade técnica,
que acabam servindo à regulação e à manutenção do instituído
sob diferentes formas. (p.272)

Mas nele, também, se consolida um processo constituinte e democrático das


tomadas de decisão, sendo necessário e imperioso o refutar das relações

15
Cad. Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 267-281, dezembro 2003. Disponível em
<http://www.cedes.unicamp.br>
53

“competitivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina do mando


impessoal e racionalizado da burocracia que permeia as relações no interior da
escola” (Veiga, 1995, p.14), como resultado de uma ampla mobilização interna que
permita o aprender a pensar e a realizar a ação educativa no e com o outro de forma
coerente.

No mesmo artigo, Veiga (2003, p.275) salienta que:

A inovação emancipatória ou edificante é de natureza ético-


social e cognitivo-instrumental, visando à eficácia dos
processos formativos sob a exigência da ética. A inovação é
produto da reflexão da realidade interna da instituição
referenciada a um contexto social mais amplo.(p.275)

Para que tais ações reflexivas se efetivem, Veiga (1995, p.16-19) propõe alguns
princípios que nortearão essa abordagem do projeto político-pedagógico:

a) Igualdade: ponto de chegada com e para todos;


b) Qualidade: a formal e a política, uma pela habilidade de manejar
meios e a política em favor do fazer da história humana;
c) Gestão democrática: racionalidade emancipatória,participação de
todos;
d) Liberdade: ideia de autonomia;
e) Valorização do magistério: condições de trabalho, valorização dos
profissionais da educação, valorização da formação continuada.

A autora ainda pondera que, para além da importância desses princípios para
garantir sua operacionalização nas estruturas da escola, está a garantia que tudo
isto seja recorrente no cotidiano escolar, marcadamente na dinâmica real e concreta
de tal cotidiano. Tais palavras ganham maior dimensão quando assim explicitadas:

A elaboração do projeto político-pedagógico sob a perspectiva


da inovação emancipatória é um processo de vivência
democrática à medida que todos os segmentos que compõem
a comunidade escolar e acadêmica participam dela, tendo
compromisso com seu acompanhamento e, principalmente,
nas escolhas das trilhas que a instituição irá seguir. Dessa
forma, caminhos e descaminhos, acertos e erros não serão
mais da responsabilidade da direção ou da equipe
coordenadora, mas do todo que será responsável por
recuperar o caráter público, democrático e gratuito da
educação estatal, no sentido de atender os interesses da
maioria da população. (idem,p.279)
54

2.5 A Coordenação Pedagógica: Um Olhar Sobre e Através da Organização da


Escola

É importante ressaltar neste ponto, que a emergência nessa problemática em


torno da coordenação pedagógica se dá também no tocante à organização e
estruturação da escola, posto serem dilemáticas as concepções que permeiam as
ações escolares, e tal verificação ocorre também no contexto dos fios condutores
que perpassam as reformas pedagógicas, que dão à escola uma configuração que a
caracteriza como sendo um espaço de conceituações normativas, propostas nas
reformas centradas mais nos problemas do que propriamente nas soluções.

Neste momento abrimos breve espaço para contextualizar a organização da


escola nas amarras produzidas pelas Reformas da Educação, sem, no entanto nos
determos mais especificamente no exame das mesmas; apenas tecermos breves
considerações a esse respeito, por entender ser importante compreender tais
postulações na construção, ao longo da história, da compreensão que se deva ter
acerca do desenvolvimento do ensino do Brasil e à sua institucionalização. Desde
os primórdios as reformas se caracterizam por ser um dispositivo de regulação
social com vistas a criar, de tempos em tempos, novas regras para o viver social,
assim, acaba por alterar os modos de organizar o tempo, o espaço e o saber
escolar, sugerem modos de pensar/fazer educação e estabelecem outros padrões
de comportamento (MATE, 2006, p.72).

Pensando que através da organização da escola pode-se olhar os fios


condutores que regem as ações e as práticas ali desenvolvidas, não seria de outra
forma depreender que daí não sairia incólume a prática educativa da coordenação
pedagógica. Ainda nos embrenhando por tais fios, vemos o direcionamento que
essas proposituras vão tomando ao longo do tempo e ao sabor das concepções que
enredam cotidianamente as ações da escola.

Retornando à década de 20, vemos as reformas do ensino organizando este


como um conjunto de conhecimentos sobre educação centrados na figura do
professor que o promove como agente redentor, ou seja, aquele que assume o
55

papel de redimir o aluno de sua condição de “não-civilizado” fundamentado numa


concepção de Educação que se identifica com a educação bancária definida por
Paulo Freire, com a perspicácia que tão bem lhe é conferida. Torna-se necessário
enfatizar que tais postulações se estabelecem no ideário da Escola Nova, formação
da nacionalidade e preparação para a sociedade produtiva, com a exclusiva
preocupação nos conhecimentos que dessem conta de definir o porquê da escola.

O espaço escolar de então era concebido e organizado com base na divisão


(disciplinas), com critérios de seriação e de avaliação pautados na
fabricação/formação de um modelo de professor que se ajustasse a essas
exigências postas. Subjacente a isto, havia o ideário de que novos métodos e os
programas deveriam trazer os modos de pensar a disciplina, o conteúdo, a
educação, o aluno, o espaço escolar como forma de criar verdades nas quais o
professor deveria construir sua prática (idem, p.74).

Todavia, Carvalho (2005, p.130) considera que a escola precisa ser


entendida “como um espaço de trabalho, na perspectiva de evidenciar as diferentes
funções postas no seu interior, bem como elas se articulam na ação pedagógica no
cotidiano da sala de aula”. Com esta compreensão fica mais evidenciado como se
apresenta a atual organização do trabalho da escola, a qual espelha os modos
como se determina e controla a prática do professor e também torna mais visíveis
as formas como a escola reage a tais controles. Neste contexto poder-se-ia
evidenciar qual a função do coordenador no processo de organização do trabalho
pedagógico.

Por esta perspectiva, a escola é vista como um espaço de trabalho e se


compreende que ela deve atentar para a sua função política (idem, p.130). Para o
autor em pauta,

A reflexão acerca da função política da escola tem a


finalidade de contribuir com a busca de novas alternativas
pedagógicas diante das contradições da escola atual.

O mesmo acrescenta ainda que


56

A escola é uma instituição social que se articula à história, ao


movimento social e que, ao mesmo tempo em que expressa de
modo amplo os projetos políticos e econômicos da sociedade a
que pertence, adota uma postura crítica diante da realidade
social. Entendida aqui como o lugar onde o professor e alunos
vivem juntos a aventura de educar-se [...] (ibidem, p. 130)

Desta forma, é imprescindível a apropriação desses fios condutores históricos


para se compreender a escolarização como um fenômeno histórico e desse modo
entendê-la na concepção critica da indagação do como e por que a escola adquiriu
as nuances que tem hoje, quanto à lógica do currículo, à formação inicial e
continuada do professor, à organização espaço-temporal das práticas educativas
que se desenvolvem na mesma. Talvez isto dê mais visibilidade a esse processo de
“naturalização” que se fundamenta na desapropriação do saber, na criação e no
reforço de práticas individualistas e formais, na imposição de programas à revelia
das discussões coletivas, na organização burocrática do tempo e horários, enfim, na
hierarquia das funções. Investigando o contexto da função da coordenação
pedagógica, na busca da verdade dessa função parece-nos importante considerar
que o trabalho do coordenador pedagógico possa estar condicionado ao contexto
descrito na fala de Mate (2006, p. 75):

A questão se torna controversa pois entende o espaço


do PCP (professor coordenador pedagógico) como uma
responsabilidade que não é unicamente da função mas
de todo um funcionamento em que se interpenetram
formas de poder de professores, administradores,
funcionários cujas práticas muitas vezes reproduzem
relações autoritárias que os discursos da atual reforma
pretendem criticar.

A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de nº


9394/96, vem proporcionar base legal para outorgar certa autonomia à gestão da
escola, quando destaca como sendo função desta proposição a execução de uma
proposta pedagógica, bem como administrar pessoal, recursos materiais e
financeiros. Nesta direção se implementam algumas ações desenvolvidas pelo MEC
através de um conjunto de programas, a saber: repasse de recursos para a
manutenção das escolas, educação à distância; TV ESCOLA; programa de
57

informática na educação (TICs16) criado pela Portaria nº 522/MEC/1997; PCNs


(artigo 22 LDB/96); descentralização e extensão da merenda escolar, implantadas
pelo Decreto 37.106/1955 e pela Lei 8.913/1994, que regulamenta a
descentralização dos recursos; Programa Nacional do Livro Didático (PNLD),
regulamentado pela Lei 11.525/2007; e transporte escolar (PNTE), instituído pela Lei
10.709/2003.

Todos esses programas são colocados como formas de resolver a situação


educacional, provocando melhora nos indicadores educacionais. São
encaminhamentos legais lançados para promover a universalização do ensino,
garantindo assim o acesso e a permanência escolar. No entanto, não se perceberam
significantes transformações na educação brasileira, não se garantiu o sucesso
escolar e, notadamente, a infra-estrutura das escolas, apesar alguma melhora,
apresenta um nível ainda precário. O mais notável em tudo isso, é que o tratamento
usual dessa questão tem, na maioria das vezes, um viés tecnicista. (AGUIAR, 2004)

Ainda encontramos escolas estruturadas com séries/fases diversificadas


numa mesma turma, vários turnos de atendimento, o que proporciona tempo
insuficiente de atenção pedagógica, escancarando graves problemas de
aprendizagem; encontram-se alunos com cinco ou mais anos de escolaridade que
ainda não sabem ler e escrever. Convém lembrar, a propósito da questão, que tais
programas passaram a exigir da gestão das escolas racionalidade na utilização dos
recursos (com valor sempre atrelado ao censo escolar do ano antecedente e aos
alunos de 06 a 14 anos), maior eficiência, portanto. As unidades escolares para
conseguir administrar minimamente as suas necessidades com estes recursos,
veem-se obrigadas a superlotar as salas de aula, sem, no entanto, terem melhorado
ou ampliado seus espaços físicos e instalações, agravando ainda mais a questão
pedagógica e o trabalho do coordenador pedagógico.

Outras medidas legais vão incidir significativamente na educação: a criação


do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEF) e o Plano Nacional de Educação. E também

16
TICs – Tecnologia de Informática e Comunicações para uso pedagógico nas escolas.
58

instrumentos de avaliação como o SAEB e o ENEM que acabam por aumentar o


poder regulador do Estado. Para além dos alardeados progressos da educação
brasileira a caminho da democratização do acesso e da permanência escolar, um
grande dilema continua a perseguir as políticas educacionais do Governo Federal: a
precariedade pedagógica dessa expansão que mantém o país nos últimos lugares
de qualquer comparação internacional a ser feita. O desempenho dos alunos
brasileiros continua ainda muito limitado, conforme denuncia Aguiar (2004).

Tecidas tais considerações, vemos a escola como uma organização educativa


marcada pelos fios condutores históricos de regulação social, efetivada por meio de
políticas educacionais que determinam as múltiplas dimensões do trabalho
pedagógico e administrativo da escola, posto serem múltiplas, também, as estruturas
que compõem a organização da mesma. Destacamos inicialmente a dimensão
racional, centrada no pragmatismo e na racionalidade técnica; a dimensão política
focada na percepção da diversidade de interesses, das ideologias, dos pólos de
poder, dos conflitos; e o modelo social, que trata os processos organizacionais como
fenômenos, acentuando, neste viés, o caráter adaptativo, ou seja, as formas de
proporcionar aos sujeitos integração, acomodação, constituindo, portanto, o aceite
do que está posto, admitindo a existência do consenso. Este último postula-se
exatamente no ponto que Paulo Freire se colocou contrário, quando defende a ação
educativa como um processo dialético, portanto em constante movimento dialógico,
considerando necessário e imperioso investir contra esse clima organizacional
taylorista da e na Escola.

Acerca deste problema Lima afirma que

As organizações são vistas como formas de realização de


objetivos e de preferências, numa visão instrumental centrada
na orientação para a tarefa e na importância das estruturas
organizacionais. Deste modo, a ação organizacional é
entendida como sendo o produto de uma determinada decisão
claramente identificada, ou de uma escolha deliberada,
calculada, em suma, racional (2001, p.21).

Pode-se considerar, então, que a burocracia seja resultante de um tipo


apurado de dominação: o legalismo burocrático presente no cotidiano escolar, na
59

materialidade dos diagnósticos e dos instrumentos de gerenciamento da escola


(PDE17), nos moldes administrativos da efetividade que preceptua a eficiência e a
eficácia no ato de educar e de conduzir a gestão da escola. O maior risco que se vê
na concepção racionalista é considerar possível estabelecer um comportamento
rigoroso e formal na seleção dos objetivos, na implementação dos programas, no
claro estabelecimento das metas a serem alcançadas, avaliando sua realização,
sem considerar as contradições e desarmonia entre o que propõe a instituição
escolar e o que dela se espera.

Neste espaço organizativo da gestão da escola, cabe o papel de garantir a


retórica da rigidez dos regulamentos, a valorização da hierarquia de onde emana o
poder, a organização formal da estruturação dos papeis e das tarefas individualistas,
departamentalizadas e especializadas de que tenta se apropriar a escola enquanto
organização educativa. É neste espaço que se insere o coordenador pedagógico,
neste mesmo contexto jazem os conflitos organizacionais, a definição problemática
dos objetivos, a informalidade (currículo oculto) e a improvisação. Segundo Lima
(2001, p. 31) talvez o que se tem seja mais a imagem de uma desorganização do
que propriamente de organização. O autor, ainda em suas considerações ,
avaliadas as questões já anteriormente tratadas, explicita que coexistem na escola
duas formas de organização, que por vezes se contradizem. Uma trata do plano das
orientações para ação organizacional, e a outra, do plano da ação organizacional.

Na primeira se consideram as estruturas formais e informais; as formais provêm


das orientações normativas advindas das administrações centrais
(SEDUC/MEC/CEE-MT18) e tem caráter impositivo por se estruturar e se inspirar em
regras formais-legais (normas), com linguagem jurídica (Resoluções, Portarias,
Decretos, etc.), que periodicamente são substituídas, alteradas, modernizadas sem
no entanto perder em sua natureza e objetividade. Temos, assim, neste modelo de
organização, a forma PARA A ORGANIZAÇÃO , posto serem estruturas apenas
atribuidoras de significado normativo, mero modelo racional-legal, dando
consistência ao modelo burocrático.

17
PDE – Plano de Desenvolvimento da Escola.
18
CEE/MT – Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso.
60

Quanto às estruturas informais, trata-se objetivamente das estruturas


ocultas (CURRÍCULO, CULTURA, ENCAMINHAMENTOS DAS ASSESSORIAS
PEDAGÓGICAS19,CDCES20), altamente dependentes de um tipo de “focalização
interpretativa” (p.52); são regras menos visíveis, circuntanciais (não são uniformes, e
de aplicação obrigatória), por isso mesmo, referenciadas e localizadas, do tipo semi-
estruturadas, baseadas em falas (às vezes são escritas), orientações a grupos,
comunicações internas, de alcance um pouco mais limitado e podem ser
interpretações das regras formais. Consideramos importante observar que essas
regras (semiestruturadas ou não estruturadas) não tem sua circulação de forma
aberta na organização da escola, o que requisita reflexão e interpretação. Essas
regras podem estar de posse da equipe diretiva, ou apenas do diretor da escola, fato
que lhe poderia garantir um certo grau de autonomia possível e, mais ainda,
legítima, do ponto de vista formal, um meio de resolver problemas, estabelecer um
tipo de regulação e de funcionalidade, que pode até ser contraditório em relação às
estruturas formais; não propriamente ilegal, mas amoral, antiético e autoritário.
Aqui devem se considerar, também, as estruturas informais quanto à
organização dos conteúdos curriculares e à avaliação dos alunos (Conselhos de
classe) ponto assim visto por Lima ( 2001, p.55):

A avaliação dos alunos em conselho de turma é, de resto, uma


das áreas em que tem sido possível encontrar uma grande
expressão das regras não-formais, mesmo através de
documentos produzidos nas escolas, que contemplam formas
de organizações processuais, sugestão e comportamentos que
não encontramos fixados por nenhuma orientação fomal-legal.

Neste espaço, devemos partilhar da ideia de que o debate acerca da


problemática que envolve a organização do trabalho da escola, sobretudo o do
coordenador pedagógico, exige reflexão, com vistas a compreender seu fazer
pedagógico e motivá-lo a embrenhar-se na luta através deste fazer, vendo a escola
como partícipe das lutas e também como resultado, como produto desta luta na
apropriação dos meios de produzir uma escola de qualidade para todos. Através da

19
Assessorias Pedagógicas – são braços da administração Central sediada nos municípios do Estado de Mato
Grosso.
20
CDCE- Conselho Deliberativo da Comunidade Escolar.
61

ordenação do trabalho pedagógico da unidade escolar mediatizado pela articulação


do coordenador pedagógico, o coletivo dessa escola pode ter mais possibilidade de
perceber “ a relação existente entre a organização da escola e o processo de
produção da sociedade e as suas determinações pedagógicas no cotidiano da sala
de aula” (CARVALHO,2005, p.130).
Neste contexto de organização do trabalho pedagógico na escola, o
coordenador exerce uma função significativa na dimensão da ordenação do
pedagógico da formação do professor, visando a melhoria da qualidade da docência
e do ensino aprendizagem. Haverá neste aspecto, um pouco da natureza dos
professores, mas sobretudo da equipe diretiva, e mais ainda, do papel do
coordenador pedagógico.

No tocante à segunda forma de organização escolar, a saber, a referente ao


plano da ação organizacional, é importante considerar que a unidade escolar não
pode ser apenas um locus de reprodução; vista dessa forma há que ser considerar
que a escola seria mera reprodutora dos aspectos formais e não-formais da
estrutura organizacional, o espaço da escola sob um olhar verticalizado que avaliaria
e reduzidiria a sua atuação simplesmente como uma mera subestrutura. A Escola
também é um locus de produção neste modelo de organização, arvorando para si a
produção de regras (não-formais e informais); ela pode se contrapor ao processo
reprodutivo e interpretar a ação organizacional com a possibilidade teórico-prática da
produção de outros tipos de regras, considerando neste contexto a discussão
coletiva. Neste sentido, a escola assumiria e desenvolveria uma “focalização
descritiva”, de acordo com Lima (2001): estruturas manifestas e efetivamente
atualizadas. Nesta forma, pode-se até negar um certo determinismo burocrático da e
na organização da escola.

Nesta forma de organização também, segundo Lima (2001), poder-se-ia


considerar e contrapor com uma infidelidade normativa, mas é necessário ter-se
claro que esta última e a fidelidade normativa coexistirão na forma de organização
da escola, e por isso seus atores precisam ter claro qual pespectiva deve ser melhor
focalizada, avaliada, interpretada, discutida e implementada na escola. Talvez a
maior força neste campo contraditório da concepção da escola enquanto
62

organização educativa não esteja na capacidade de produção de regras por seus


atores, sim na sua capacidade de se proteger da submissão às regras o que
constitui um poder, o poder construído nas bases do conhecimento e da
competência, isto é, que traz a seu favor certas vantagens das regras formais, como
forma de assegurar a igualdade de tratamento e defender-se de possíveis
arbitrariedades.

A partir destas considerações fica patente que não se admite apenas um


modelo de organização da escola, como prevê a perspectiva normativo/pragmática,
mas uma síntese das perspectivas analíticas e interpretativas, cerne dos

...modelos teóricos constituem referências potenciais,


alternativas implícitas ou explícitas nos processos de
construção dos modelos organizacionais da escola
enquanto configurações e modos de ação. (LIMA,
2001:97)

Essas referidas construções teóricas, uma forma de analisar os modelos


organizacionais da escola, são capazes de distinguir dois tipos de modelos
organizacionais: o primeiro corresponde aos modelos analíticos e interpretativos;
neles se distinguem os modos de focalizar e interpretar os fenômenos organizacionais
donde se permite a realização de “leituras e ensaios interpretativos das realidades
organizacionais escolares” (idem, p.98), que circulam inicialmente num quadro de
referência e conceitos os quais permitem o estudo que destaca elementos
particulares, teóricos e empíricos como forma de apreensão dos fenômenos
organizacionais.

Já o segundo tipo de modelos organizacionais consiste nos modelos


normativistas/pragmáticos, nos quais se encontram as imagens da escola como
burocracia, locus político, cultura dominante, sistema articulado etc., amparadas por
métodos e técnicas de organização e administração que instrumentalizam e
operacionalizam as ações da escola. São teorias e doutrinas que sistematizam a
gestão, a partir de ideologias organizacionais e administrativas, fortemente marcada
pelo pragmatismo e pelo normativismo, claramente sustentada pelas concepções de
63

Frederick Taylor.21 Predominan aqui os atos mensuráveis e comparativos


objetivando-se a efetividade através da eficácia e da eficiciência pautadas na
concepção mecanicista e instrumental de organização escolar. Esta natureza
normativista entende que existe apenas ação política e administrativa, postulado
que emana das instâncias educativas centrais, o que se poderia chamar de império
da racionalidade técnico-burocrática. De acordo com Lima (2001, p.102) neste
modelo,

A síntese, ou a paráfrase, de um decreto-lei considerado


estruturante, ou até mesmo o recurso a um organograma
da escola onde metodicamente se encontram dispostos
e fixados os diversos órgãos, e representadas
hierarquicamente as suas relações, constituem
alternativas frequente de caracterização.

Para o autor a escola, dentro desse modelo, é apenas uma imagem


refletida, uma cópia fiel, pois as estruturas e as formas já estão predefinidas.

Em contrapartida, no âmbito dos modelos organizacionais de escola como


construção teórica o modelo analítico e interpretativo entende que a estrutura formal-
legal não é a única existente, pois há outros modelos para além das circunscrições
normativistas. Tem materialidade a dimensão política e estratégica da ação
organizada, as contraposições à racionalidade, as tensões e conflitos de interesses.
Aqui se dão as atuações do SINTEP/MT22 na discussões acerca das políticas de
organização da escola e do papel dos trabalhadores da educação neste processo,
bem como a implantação da LC 50/98, nossa LOPEB/MT23, fruto de um radicalismo
sindical e de uma forte articulação da categoria dos professores e funcionários da
rede pública estadual, que culminaram numa carreira fortalecida pelo ideário de
profissionais da educação construído pelo Sindicato e seus sindicalizados, isto é,
não apenas entre os atores centrais (SEDUC/MT24) e períféricos (escola), mas

21
Frederick Taylor- é considerado o pai da Administração científica por propor a utilização de métodos
científicos cartesianos na administração de empresas. Seu foco era a eficiência e a eficácia operacional na
administração industrial. (WWW.wikipédia.org – consultado em 15 de julho de 2009).
22
SINTEP/MT – Sindicato dos Trabalhadores na Educação Pública de Mato Grosso.
23
LOPEB – Lei Orgânica dos Profissionais da Educação Básica de Mato Grosso.
24
SEDUC/MT – Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso.
64

também pelas instituições que gravitam no contexto das estruturas organizacionais


da escola, como os sindicatos, por exemplo.

Na concepção da construção social dos modelos organizacionais da escola


vê-se como possível admitir que as forças pragmatistas (elementos externos à
escola) podem ser contestadas e/ou contrariadas (elementos internos à escola).

Por um lado o modelo organizacional da escola de orientação para a ação do


ponto de vista jurídico-normativo regula a organização e o funcionamento escolar
sob a égide dominante do “modelo de gestão” que direcionam a administração e sua
forma de hieraquização e define seus papeis e funções, como as normativas anuais
da Seduc/MT que determinam o funcionamento das escolas, desde o calendário
escolar, lotacionograma até a constituição do corpo diretivo, como os coordenadores
e articuladores do I , II e III ciclos de formação humana, a periodicidade da
gratificação de função desses atores.

Por outro lado, esses procedimentos trazem por referência a recusa ao


descentralizar e, principalmente, ao proporcionar um certo poder a estes atores,
produzindo dentro da escola até mesmo uma desconfiança endêmica de que, diante
de tais prescrições, este ou aquele ator pode não ser capaz de desempenhar sua
função, e aqui fazemos o recorte para o sujeito em questão, o coordenador
pedagógico. O - “Diário Oficial” - parece ser o locus identitário das ações cotidianas
da escola. Mas também é nesse locus que no momento que as ações se tornam
públicas e ganham visibilidade social. Aquelas regras são lidas, comentadas,
criticadas, e assim, tornam-se objeto de variadas formas de recepção e
interpretação, que podem originar uma série de outras ações, tais como,
esclarecimentos, representações ou contrarepresentações jurídicas,etc.

Sendo assim, é possível que os modelos de organização analíticos e


interpretativos entrem em ação, viabilizando que se deem aos mesmos atos
normativos outra significação, captem-se outros sentidos, chame-se a atenção para
certos elementos e, partir daí, abram-se novos horizontes, talvez não previstos nem
coincidentes com o pensado pelo legislador. Também é importante salientar que,
65

neste processo de recriação orientado para a ação e para a produção (modelos


analíticos e interpretativos), não obstante se reconheçam os efeitos do processo de
reprodução (modelo normativo/pragmático) - que em várias circunstâncias assumem
o mesmo caráter – tais efeitos podem ser limitados e pontuais, ou seja, nem sempre
se anda literalmente sob o decretado. Quando se estabelem as regras para a
elaboração dos horários, para a gestão financeira, para o funcionamento da
coordenação pedagógica, para a hora de trabalho coletivo, para a hora-atividade,
para a formação continuada na escola, nestas ações é possível a recriação de um
modelo decretado e a produção de regras alternativas, o que poderia se denominar
modelo recriado e que pode ser constituinte de uma autonomia parcial da qual é
possível lançar mão. Trata-se, desta forma, de modelos interpretados, subjacentes,
enfim, aos modelos orientados para a ação organizacional.

Ainda na construção social dos modelos organizacionais de escola tem-se os


modelos organizacionais praticados ou em ação advinda do processo de seleção
das normas que a escola no ato de interpretar os atos legais, consegue na
efetivação da sua prática diária atualizar, estabelecendo articulações para propor
novas soluções, por vezes até mais criativas, a partir de ações que ela própria já
produziu, de interpretações anteriores já praticadas e reavaliadas, sem que os atores
lhes tivessem atribuído, conscientemente, o estatuto de regras (LIMA, 2001, p.111).
66

III - A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA ESCOLA

Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou


um ser condicionado, mas, consciente do
inacabamento, sei que posso ir mais além dele.

(Paulo Freire)

Neste capítulo, busca-se caracterizar o trabalho pedagógico que se


desenvolve na escola e os modos como as estruturas organizativas da escola se
processam e se estabelecem na definição de papeis e no desenvolver das práticas
pedagógicas que se interpõem nas relações mediatizadas pelo coordenador
pedagógico. A partir dos elementos de análise: cotidiano e cotidianidade e não-
cotidiano, procura-se compreender em quais condições essa tarefa diária se
desenvolve e quais princípios são basilares para a ação pedagógica que se realiza
na escola. Além do entendimento de prática desenvolvido a partir do conceito de
cotidiano, outros conceitos permeiam e agregam-se ao campo explicativo que
gravitam em torno da organização do trabalho pedagógico da escola, como a
concepção de prática e de escola. Por fim, delineada a compreensão, acerca desses
conceitos, pretendem-se discutir as práticas pedagógicas empreendidas pelo
coordenador no cotidiano da escola.

De início retomamos a ideia de que o trabalho do supervisor educacional


estava diretamente ligado ao objetivo de alcançar resultados, e resultados altamente
“positivos”, num processo de adestramento, de técnicas, que Lima (2001) classifica
como sendo “modelo decretado”, um dos princípios da racionalidade técnica que se
coloca a serviço do processo de desenvolvimento econômico em detrimento do
sóciocultural. Neste contexto o supervisor escolar carrega para si adjetivos como
repressor, inspetor, monitor e outros. Tão logo consiga se desvencilhar da pecha
negativista de seu redor, supervisão ainda é sinônimo de técnica, apesar de que,
outros termos já se agregam a esse campo administrativo-pedagógico, a saber,
67

promoção e coordenação dos processos pedagógicos, com referência à formação


que se realiza na escola. Em termos valorativos, o principal objetivo da coordenação
deve ser a promoção da qualidade de ensino.

A partir desses pressupostos pode-se entender como se desenvolvem as


tarefas da escola e de que forma devem ser organizadas para se cumprir,
necessariamente, o que preconiza Carvalho (2007, p.72), ao tratar das questões da
educação nas imagens e representações do Imaginário e a Ausência:

[...] a educação de qualidade social exige a configuração de


uma nova escola, comprometida com a busca de inovadora
prática organizativa, associada a necessidade e ao desejo de
encontrar e construir caminhos reais que possibilitem, nesse
cotidiano escolar, nova reconfiguração da prática
administrativa, pedagógica e avaliativa, de caráter democrático
e, principalmente, emancipador.

Neste sentido, é possível se inferir, em conformidade com o pensamento


freiriano, na busca do caráter democrático, mas, sobretudo, emancipador, que tanto
a humanização como a desumanização são possibilidades humanas, porém
somente a primeira pode e deve ser entendida como integrando as “vocações
humanas”, caráter que indica que receitas normativas não dão conta da realidade
escolar, a qual tem no seu âmago a diversidade. Essa é a base para a consolidação
do diálogo da participação coletiva, da reflexão, do trabalho formativo e de
elaboração de seus modelos explicativos através da necessidade de emancipação
(ALARCÃO, 2003 p.38).

Tendo como fundamento essa premissa, podemos considerar que a


organização do trabalho da escola, num contexto de cotidianidade (que se guia pela
analogia) ou de não-cotidianidade (que se guia pela (re) elaboração da experiência),
característica sociopolítica da prática pedagógica sedimentada na compreensão do
trabalho docente e pedagógico que se desenvolve diariamente na escola, tanto pode
ser negada na injustiça, na violência do opressor, como também pode ser afirmada
no desejo de liberdade, na luta do oprimido para recuperar a sua humanização
perdida (FREIRE, 1987).
68

O conceito de não-cotidiano entende-se por uma escolha moral; “quanto mais


valores permite realizar e quanto mais intensa e rica é a relativa esfera de
possibilidade” (HELLER, 2008 p. 25). Mas, segundo a autora desta citação, ninguém
consegue o tempo todo desligar-se da cotidianidade ou viver tão somente nela,
porque os homens participam da vida cotidiana (composta por subcotidianos, que
são fragmentos ou partes de um mesmo cotidiano) com toda a sua individualidade e
personalidade, ou seja, a experiência com a vida cotidiana coloca em funcionamento
todos os seus sentidos, seus sentimentos, suas ideologias e todas as suas ideias
(p.31), donde se depreende o conceito de cotidiano no contexto das esferas
cotidianas e não-cotidianas.

Duarte (2007, p.40) considera que pensar a partir desta perspectiva significa
defender que a prática pedagógica vise, a enriquecer o indivíduo e, também, propor
que ela objetive produzir no indivíduo carecimentos não-cotidianos, isto é, voltados
para a sua objetivação mediada pela formação e pelo nível de comprometimento
com essa formação.

Carvalho (2005, p.135) contribui para que se compreenda a questão


afirmando que

[...] a construção de um projeto educativo enquanto


instrumento teórico-metodológico determina os princípios e
finalidades políticas da escola, que articula a ação do professor
no cotidiano da sala de aula. O projeto da escola deve ser
entendido como um plano construído de forma participativa (...)
no sentido da indissociabilidade entre a dimensão política e
pedagógica [...]

Entendido assim, o trabalho pedagógico da escola é visto como forma de


engajamento, de participação histórica, coletiva, político-pedagógica e contributiva
para a construção de uma prática social cidadã. Carvalho (2005) e Veiga (1995)
defendem a implementação do projeto político-pedagógico como pólo articulador
central da reflexão da prática e da construção coletiva de uma nova prática
educativa que promova a superação do determinismo reprodutivista da e na
69

organização do trabalho da escola, destacando a importância da atuação do


coordenador pedagógico como articulador desse projeto.

Outra questão a ser considerada consiste em que, se a escola é o locus, os


protagonistas são os profissionais da educação, assim reconhecidos e identificados
ideologicamente, por se colocarem nesta relação que envolve empoderamento, na
perspectiva de cooperação e participação ativa no trabalho cotidiano da escola, sem
omitir o caráter político das relações pedagógicas.

3.1 O Cotidiano da Escola: Definição de Papéis

O processo de transformação do país, na sedimentação de processos


democráticos e, principalmente, na transformação da escola em uma escola de
massas, foi determinante para que os professores fossem tendo seus valores e suas
práticas sendo colocados em xeque e levando a profissionalidade docente
(SACRISTAN, 1995) - pressionados por um cotidiano reprodutivista e por vezes
sectário - ao campo da reinvenção. Essas alterações na dinâmica social da escola e
da sociedade como um todo requererem um novo sentido para a escola e para o
trabalho docente e reforça-se, então a necessidade da definição de papéis para o
desenvolvimento da atividade educativa.

A expressão profissionalidade docente aqui tomada tem sua definição em


Sacristan (1995, p.65):

Entendemos por profissionalidade a afirmação do que é


específico na ação docente, isto é, o conjunto de
comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e
valores que constituem a especificidade de ser professor.

Ao situarmos o trabalho educativo do coordenador pedagógico num contexto


de cotidianidade, torna-se mais premente defender que, em função da realidade
social e histórica que se coloca frente a frente à ação coordenadora, promova-se
constante (re) elaboração, para permitir que as práticas que se desenvolvem na
70

instituição escolar sejam um conjunto de práticas expressivas da atividade


profissional do coletivo da escola.

Quando se fala de cotidianidade, fala-se do contexto, do locus para as


esferas da vida cotidiana. Segundo Heller (2008) todas as atividades educativas são
resultados de escolhas morais a partir de uma escala de valores históricos e sociais;
assim sendo, para que haja possibilidade de desenvolvimento profissional na
perspectiva da ação docente é preciso espaço para a reflexão e avaliação acerca
dessas escolhas morais e dos valores e comportamentos selecionados como
importantes para conduzir e provocar o desenvolvimento profissional do coletivo da
escola. Todavia, para que isso aconteça, o coordenador pedagógico precisa se
colocar como o organizador das atividades educativas como expressão maior do que
seja prática profissional (SACRISTAN, 1995, p.66)

É possível até se afirmar que o cotidiano escolar pode ser feito do resultado
de um processo de massificação, numa avaliação apressada e em nível de senso
comum. Observamos o cotidiano da escola a partir do contexto da limitação dos
espaços físicos, abarcando uma série de programas socioeducativos; tem-se um
grande número de alunos que precisam obrigatoriamente estar matriculados e
frequentando a escola para garantir o direito à Bolsa Família, PETI25 e outras ações
sociais complementares. A escola, que antes representava meio de ascensão
econômica e social, tem seu “clima” posto no campo do dever, como uma imposição
legal. Essa nova situação marca o cotidiano da escola com alterações de motivação
e de disciplina. Arroyo (2007, p.12) assim se expressa: “As crianças e adolescentes
em seus rostos violentos ou em seus gestos indisciplinados, mais do que revelar-se,
revelam o lado destrutivo da civilização”.

Neste mesmo contexto, a demanda por professores determina que vários


profissionais integrem o trabalho docente, de maneira transitória, enquanto se
esperam alternativas profissionais. Como bem pontuou Ademar de Carvalho em

25
PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.
71

recente palestra aos recém admitidos aos bancos universitários da UNEMAT26, no


curso de Pedagogia,

A realidade da busca da qualificação técnico-científica no


mundo globalizado e complexo traz para as agências
formadoras de professores novos desafios, novas
preocupações que se conflitam com os limites institucionais.
Além dos desafios presentes na ação pedagógica, um
ascendente menosprezo pela experiência cultural não escolar
dos estudantes soma-se a esta questão, como também a
desconfiguração da razão de ser professor, sobretudo da
desagregação e isolamento do pertencimento como parte do
sistema de educação, do ensino.

Enquanto isso, a evolução científica e tecnológica também coloca em xeque


o papel da escola. A esse mesmo contexto agrega-se, também, a diminuição das
responsabilidades da família, repassadas invariavelmente ao professor e ao
coordenador pedagógico e, ainda um número sempre excessivo de alunos na sala
de aula, aumentando a relação numérica de alunos e de turmas por professor. A
esse fenômeno soma-se a intensificação do trabalho dos docentes e coordenadores
pedagógicos da escola, com um acúmulo de tarefas diárias e sobrecarga de
atividades. Esse dia-a-dia escolar, então, determina a forma como se tem
desenvolvido a profissionalização dos professores e o trabalho da equipe diretiva
com profundas marcas de cotidianidade, ou seja, marcas da reprodução da
sociedade baseada na divisão do trabalho, o que quase sempre resulta na
desqualificação do seu trabalho e das condições em que o desenvolvem, a partir dos
aspectos que caracterizam o conceito de Cotidiano, assim definido por Lefebvre
(1991 apud Duarte 2007, p.46): “O Cotidiano é a soma de insignificâncias e de
pequenos episódios repetitivos; porém, é na vida cotidiana que se situa o núcleo
racional revelador da riqueza escondida na trivialidade”.

O termo cotidiano aqui será tomado não como os atos discriminativos do dia-
a-dia, das rotinas diárias desenvolvidas pela escola e seus atores, mas a partir do
conceito em Agnes Heller (2008), que define a vida cotidiana como o conjunto de
atividades que caracterizam a reprodução dos homens singulares. Para distinguir as

26
UNEMAT – Universidade Estadual de Mato Grosso.
72

atividades que fazem parte das esferas cotidianas e não-cotidianas, tem-se como
referência a dialética entre reprodução da sociedade e reprodução do indivíduo.

Dessa forma, o coordenador pedagógico, num contexto de cotidianidade,


muitas vezes nem percebe a relação imediata entre pensamento e ação. No
desenvolver da ação coordenadora, muitas decisões diferentes e diversas precisam
ser tomadas, microdecisões precisam ser executadas num curto espaço de tempo e
o mais rápido possível, não há tempo para analisar todos os aspectos de todos os
casos, nem os casos que demandariam melhor e maior atenção. Assim, resolve-se
por analogia: busca-se em situações já vividas pontos semelhantes, tornando
possível a tomada de decisão, o que Heller (2008) classifica como sendo juízos
provisórios, meros exemplos de uma ultrageneralização. Agnes Heller (2008, p.56),
ao conceituar o que nomina como sendo vida cotidiana, cotidiano ou cotidianidade,
pondera que “não há vida cotidiana sem espontaneidade, pragmatismo,
economicismo, andologia, precedentes, juízo provisório, ultrageneralização, mimese
e entonação”. Sabendo que se o cotidiano se efetiva por e através de analogias, um
dos tipos de ultrageneralização, o mesmo pode estar fadado ou ao sucesso ou ao
fracasso, em conformidade com a opção feita, o que poderá promover alterações
nas novas avaliações a serem realizadas. Importa considerar como se realizam
essas avaliações. Se o cotidiano escolar está marcado por escolhas pedagógicas e
administrativas, elas deveriam estar norteadas por uma escala de valores. De
acordo com Heller (2008, p.70),

Quanto maior o compromisso pessoal e profissional com a


opção feita, tanto mais as decisões se elevam acima da
cotidianidade, porquanto fogem de esquemas determinados e
repetitivos.

No campo da avaliação e da reflexão, a autora a considera como “um meio


de superação dialética parcial ou total da particularidade [...]”, possibilitando, assim,
a intervenção na cotidianidade. O cotidiano da escola está composto na prática
educativa. Essa realidade escolar feita de regulamentos, atividades rotineiras,
hábitos e procedimentos confere um ritmo próprio à intervenção pedagógica,
impondo a homogeneidade de comportamento como a prática estabelecida no
pragmatismo e revelando a orientação para as atividades cotidianas. Para a
73

superação ou transformação desse contexto, Duarte (2007, p.30) preconiza:


“Defendemos uma concepção de educação escolar como mediadora, na formação
do indivíduo, entre a esfera da vida cotidiana e as esferas não-cotidianas da
objetivação do gênero humano”.

Diante do exposto, poderíamos depreender, então, que estamos aprisionados


neste cotidiano, tendo pouca chance e tempo para a reflexão (ALARCÃO, 2008).
Contudo, lembramos que Paulo Freire ao considerar a dialética e a escola como um
espaço de contradição recoloca a discussão no campo das possibilidades, uma vez
que renega os aspectos deterministas e reprodutivos das cercanias dos estudos
acerca das práticas desenvolvidas na escola. Nesse caso, vemos também que
Heller (2008, p.61) afirma:

A ordenação da cotidianidade é um fenômeno nada cotidiano: o


caráter representativo, “provocador”, excepcional, transforma a
própria ordenação da cotidianidade numa ação moral e política.

E ainda pontua que, “Quanto mais ´em movimento‟ está uma classe, quanto
maiores são suas possibilidades de uma práxis efetiva” (p. 73).

Entendemos que a prática educativa da escola no espaço da contradição nos


coloca no campo das possibilidades; nelas, deve estar contida a análise das
relações existentes, e pode-se encontrar valores, símbolos e significados a serem
transmitidos, advindos das relações reveladas na interação subjetiva entre o coletivo
da escola. Assim sendo, tem-se uma clara definição dos papéis a serem
desenvolvidos na escola e, ainda mais, como e para quem tais papéis de fato se
direcionam.

Gadotti (2002) ao tratar dos vários papéis dentro da escola e da importância


de sua atuação, chama atenção para a necessidade da autoafirmação na profissão
docente, quer seja na sala de aula, na direção, na coordenação pedagógica, enfim,
como profissional e da educação é preciso ter-se claro em qual concepção está
sedimentada sua atuação, e quão firme são seus propósitos na construção de sua
identidade, naquilo que o autor chama de “Boniteza de um sonho” parafraseando a
palavração freiriana. Ainda para o autor, é preciso estar atento ao compromisso
74

político-pedagógico a ser assumido para alcançar o claro objetivo de educar uma


nova geração.

A partir dessa visão social dos papeis a serem desenvolvidos na escola -


professor, aluno, pais, gestores - Gadotti (2002) convida-nos a refletir acerca da
seguinte constatação acerca do professor:

Nesse sentido, no contexto atual, podemos identificar e


confrontar duas concepções opostas da profissão docente: a
concepção neoliberal e a concepção emancipadora. A primeira,
amplamente dominante hoje, concebe o professor como um
profissional lecionador, avaliado individualmente e isolado na
profissão (visão individualista); a segunda considera o docente
como um profissional do sentido, um organizador da
aprendizagem (visão social), uma liderança, um sujeito político. (
p.15)

E ainda acrescenta que,

Numa concepção emancipadora da educação, a profissão


docente tem um componente ético essencial. Sua especificidade
está no compromisso ético com a emancipação das pessoas.
Não é uma profissão meramente técnica. A competência do
professor não se mede pela sua capacidade de ensinar – muito
menos “lecionar” – mas pelas possibilidades que constrói para
que as pessoas possam aprender, conviver e viverem melhor.
(p. 16)

Nesta perspectiva, compreendemos que a escola tem uma rede de papeis no


composto de suas estruturas organizativas, que não se pode perder de vista sua
relação com a comunidade e que é o coordenador pedagógico, “antenado” ao que
postula Gadotti (2002) ao definir sua função e determinar como sendo seu papel um
organizador da aprendizagem, que devem organizar, nesta perspectiva
emancipadora, a aprendizagem docente e a aprendizagem do aluno. Os vários
papéis no interior da escola devem, sobretudo, tomar para si a preocupação com a
melhoria da qualidade da docência e do ensino-aprendizagem, mediatizada pela
ação do coordenador pedagógico.

Por fim destacamos o argumento de Gadotti de que:


75

A noção de qualidade precisa mudar profundamente: a


competência profissional deve ser medida muito mais pela
capacidade do docente estabelecer relações com seus alunos e
seus pares, pelo exercício da liderança profissional e pela
atuação comunitária, do que na sua capacidade de passar
conteúdos. (p.15)

Neste ponto, explicitada nossa compreensão conceitual acerca do cotidiano,


torna-se importante ressaltar que entenderemos que a educação escolar assume um
papel importante na luta pelas transformações das relações sociais, tendo o papel
de conduzir os indivíduos no processo de apropriação do conhecimento. Portanto a
definição de papeis na escola passa, sobretudo, pelo entendimento de que a
educação, através das práticas pedagógicas ali desenvolvidas é mediadora entre as
atividades cotidianas e as não-cotidianas, o que pode não ter o poder de, por si só,
produzir a superação da alienação do indivíduo, mas evidencia dois aspectos
interessantes: a compreensão acerca dos papeis a serem desempenhados na
escola e o entendimento da educação escolar mediada para e através da prática
pedagógica. Nesse contexto, o conceito da prática pedagógica pode ser entendido
como um trabalho: o trabalho educativo (Saviani, 1991).
Heller (2008) analisa o trabalho educativo enquanto atividade, na qual
coexistem as esferas cotidianas e não-cotidianas, pois quando reproduz o indivíduo,
reproduz a sociedade. Por esta razão ao tratarmos da ordenação política do
cotidiano escolar mediado pela atuação do coordenador pedagógico nos remetemos
ao fato de que sobre este recai o papel de mediar a atividade pedagógica na escola,
e passa a ser de sua responsabilidade provocar a reflexão do coletivo da escola
para o cumprimento do seu objetivo social, qual seja o de promover a identificação
dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos para que se
tornem cada vez mais humanos e mais conscientes do seu inacabamento. Dessa
forma, cabe ao coordenador pedagógico buscar no conhecimento historicamente
produzido e na experiência do trabalho educativo acumulado aspectos que o
auxiliem no desenvolvimento de sua prática pedagógica, sobretudo na ordenação
política desse cotidiano. Pois no cotidiano também se faz história, não na
perspectiva das esferas cotidianas, ou seja, não como modelos a serem imitados
e/ou reproduzidos, mas na perspectiva da reelaboração do construído. Sobre isso,
Heller (2008, p.12) escreveu que
76

A história é a substância da sociedade. A sociedade


não dispõe de nenhuma substância além do
homem, pois os homens são os portadores da
objetividade social, cabendo-lhes exclusivamente a
construção e transmissão de cada estrutura social.

Assim sendo, podemos concluir que ao coordenador pedagógico, através do


seu trabalho educativo como um organizador das práticas pedagógicas
desenvolvidas no espaço escolar cabe, assertivamente, o compromisso de
encaminhar ao coletivo da escola a reflexão para o entendimento de que “no
decurso da história está o processo de construção de valores, justamente neste
ponto, estão as esferas cotidianas e não-cotidianas, ou seja, ou da degenerescência
e acaso desse ou daquele valor” (Idem, p.14). A mediação neste ponto está na
possibilidade de perceber sua condição de ser inconcluso para ter claro por qual
indivíduo e por qual sociedade o coordenador pedagógico empreende sua ação
coordenadora.

3.2 A Escola como uma Instituição Social: a Cultura da Gestão Escolar

Nesta seção, o intuito é o de fazer uma breve conceituação de escola como


uma instituição social e também explicitar, neste viés, a cultura de gestão aí
implementada. Parte-se do princípio de que “a dimensão social dos objetivos da
escola se sintetiza na educação para a democracia”27 (Paro, 2007, p.17),
extremamente comprometida com a formação democrática, porque se volta para o
cumprimento social de seu papel: capacitar e encorajar educadores e educandos,
numa relação dialógica, para que exerçam ativamente sua cidadania na construção
de uma sociedade melhor.

Para caminhar nessa vertente passa-se necessariamente pelo conceito de


qualidade de ensino; nisto está contida a essência da relevância social do papel da
escola como instituição social, sendo de vital importância a análise dessa
reconceptualização como forma de fugir dos paradigmas tradicionais e

27
Grifo nosso.
77

conservadores da educação. Essa análise traz, também necessariamente, todas as


questões acerca da qualidade do trabalho educativo da escola para o campo da
análise das políticas públicas que se efetivam objetivando o desenvolvimento da
escola como uma forma de garantia do sucesso da escola, objeto nuclear da
educação.

Para compreendermos tais aspectos, tomamos por base a concepção de que


a educação não é apenas informação, contida nos currículos e nos conteúdos
selecionados; a educação é uma atualização histórico-cultural28, supondo-se assim,
de modo mais profundo seus componentes de formação. A escola, nesse campo de
visão, é o veículo por onde a assimilação de valores, preferências, comportamentos,
hábitos e posturas e a apreensão de conhecimentos, aptidões, convicções e
expectativas são mediadas pela educação. Paro (2007, p.23), contudo, alerta:

Mas, para que isso, é imprescindível a maior clareza possível


sobre aquilo que se quer e sobre aquilo que se considera
individual e socialmente válido. Daí a constante atualidade da
discussão a respeito do mais rigoroso dimensionamento
possível da qualidade da educação escolar, por meio do
exame e discussão dos objetivos necessários à configuração
dessa qualidade.

Trata-se, portanto, de uma caracterização do papel da escola contida na


compreensão da educação a partir de seu caráter ético-político, com ênfase na
dimensão social dos seus objetivos. Considerando-se de antemão, também, que os
objetivos da escola passam necessariamente pela ideia de que a prática escolar e a
efetiva realização dos seus objetivos estão condicionadas às relações organizativas
didático-pedagógicas e à estrutura administrativa da escola, sendo, então, de vital
importância compreender-se a ação desses condicionantes.

Postulando o aspecto histórico, uma vez considerada a educação como


sendo um processo de mediação entre o indivíduo e a sociedade, tal acepção se
coloca no campo do estatuto de cientificidade da pedagogia, aliada a outros campos

28
Paro define a Atualização histórico-cultural como sendo um processo em que, quanto mais se apropria da
cultura, mais se humaniza porque se impregna da história. No momento em que nascemos, somos todos pura
natureza, o que nos proporciona desenvolvimento social é a história da sociedade em que nascemos, no momento
seguinte, cada indivíduo se apropria da cultura socialmente produzida historicamente atualizando-se como ser
histórico. (PARO, 2002, p.21).
78

do saber como a filosofia, a sociologia e a antropologia, basilares do pensamento


crítico acerca das concepções de homem, de indivíduo e de sociedade.

Libâneo (2005), ao postular o estatuto de cientificidade da pedagogia, amplia


o conceito de educação: para ele as práticas educativas não se restringem apenas à
escola ou à família, mas ocorrem em outros contextos, onde os homens, seres de
relações, desenvolvem práticas educativas classificadas por ele como sendo
educação informal, de modo institucionalizado ou não; são os saberes produzidos
nos processos e modos de ação coletivos de modo não intencional. O autor também
destaca, na configuração de educação não formal, já com certo nível de
intencionalidade e sistematização, as práticas educativas realizadas em instituições
não convencionais, tais como as que se verificam nas organizações profissionais,
nos meios de comunicação, nas agências formativas para grupos específicos. E, por
fim, as práticas educativas com elevados graus de intencionalidade, sistematização
e institucionalização, que são as que se realizam na escola ou outras instituições de
ensino, compreendendo o que Libâneo denomina de educação formal.

A educação assim compreendida e conceituada, que se verifica no âmbito


escolar, demanda que se estudem as práticas educativas produzidas nesse espaço,
mediatizadas pelas práticas pedagógicas ali realizadas, com vistas a explicitar
finalidades, objetivos sociopolíticos e formas de intervenção pedagógica. Essas
práticas não são isoladas do contexto sociopolítico e econômico; as injustiças, os
conflitos, o antagonismo social e a exploração estão ali presentes, de modo que a
construção e o fortalecimento dos princípios democráticos estejam fortemente
construídos e protagonizados no chão da escola.

Pontuadas todas as questões acerca do conceito de educação, certamente


tudo isso está associado a uma concepção diferente de organização, de gestão e
desenvolvimento dos processos educacionais. E, acima de tudo, demanda a
participação ativa de sujeitos conscientes e dinamizadores desses processos nas
instituições em que atuam: falamos da gestão democrática, e, sobretudo falamos de
novos paradigmas no pensar e agir, paradigmas estes que sejam mobilizadores de
estratégias articuladas para o desenvolvimento profissional de todos.
79

Quanto à concepção de prática educativa, ou prática pedagógica, ficamos


com a definição de Gadotti (1998), para quem a questão pedagógica está
diretamente relacionada à questão do poder. O autor descreve o que chama de
“tradição pedagógica brasileira” e, nesta vertente, teoriza que por tempos se ignorou
esta natureza, isto é, havia se negado a necessidade de uma revisão crítica da
tarefa de educar. Para romper este pensamento, o autor acredita ser mediante a
consciência de classe que se possibilitaria a apropriação de uma ideologia
libertadora, um conscientizador, portanto. Ao conceito de educador agrega-se o
conceito de prática pedagógica, aqui entendida como sendo o locus onde o
educador se educa; o verbo e sua ação têm vigência concomitante e atemporal, e
negar isto é negar o caráter dialético de educação. Por prática da educação, Gadotti
entende como sendo a possibilidade de recriar a teoria, questionar suas análises e
rever a sua própria prática, para o autor tudo isso tem uma finalidade: “Chegar a
Escola única29, intelectual e manual, igual para todos” (idem, p.81).

Para a efetivação desse pensamento, há que se promover alterações


pedagógicas que oportunizem o aparecimento de um novo educador que coloque o
ato educativo e a prática pedagógica no campo de reinvenção, “clima” para uma
educação democrática e comprometida com um novo projeto social e político e
também para, uma sociedade democrática.

Nesta mesma visão de escola e de prática pedagógica, temos as palavras de


Alarcão (2008, p.38):

Uma escola reflexiva é uma comunidade de aprendizagem e é


um local onde se produz conhecimento sobre educação. Nesta
reflexão e no poder que dela retira toma consciência de que tem
o dever de alertar a sociedade e as autoridades para que
algumas mudanças a operar são absolutamente vitais para a
formação do cidadão do século XXI.

Finalmente, no ponto de vista de Paulo Freire (1987), a escola é o local que


possibilita o processo de hominização, porque colabora com o processo de
construção do homem comum, é o local de reconhecimento da consciência, o

29
Grifo do autor.
80

reencontro e reconhecimento de si mesmo, porque a educação conscientiza sobre


as contradições do mundo humano.

Conceituando educação e o papel da escola na perspectiva reprodutivista,


Freire (1987, p. 34) assim descreve:

a) o educador é o que educa; os educandos, os que são


educados;
b) o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem;
c) o educador é o que pensa; os educandos, os pensados;
d) o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a
escutam docilmente;
e) o educador é o que disciplina; os educandos, os
disciplinados;
f) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os
educandos os que seguem a prescrição;
g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão
de que atuam, na atuação do educador;
h) o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos,
jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele;
i) o educador identifica a autoridade do saber com sua
autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade
dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações
daquele;
j) o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os
educandos, meros objetos.

Ele aponta possibilidades de rompimento com essa visão desumanizadora


do ser humano e aponta a relação dialógica como fomentadora de uma
educação libertadora das consciências humanas quando propõe:

Não há também, diálogo, se não há uma intensa fé nos


homens. Fé no seu poder de fazer e de refazer. De criar e
recriar. Fé na sua vocação de ser mais, que não é privilégio de
alguns eleitos, mas direito dos homens. (idem, p. 46).

Neste viés, a escola deve negar a função de impor a cultura dominante


quando oculta e sonega a transmissão de ideias, ela deve sugerir a crítica, que vai
para além da preparação para o trabalho, a qual, embora sob a égide da Escola
para todos promove a classificação, a exclusão e a não-participação social; a escola,
enfim, no uso de suas atribuições, deve utilizar o conhecimento para entender
melhor os mecanismos de socialização. Sendo assim, a gestão da escola pauta-se
na ruptura do modelo técnico-linear, no ideário freiriano, que postula o papel da
81

escola numa gestão de racionalidade emancipadora. Acredita-se que a procura por


essa racionalidade político-emancipadora venha ganhando corpo, contudo, o que se
pode observar ainda na escola, é que a racionalidade administrativa ainda força
certo distanciamento da emancipação dos sujeitos nas salas de aula.

Todas as dimensões da escola, quer administrativas, quer pedagógicas,


precisam estar mobilizadas para não reduzir o pensamento e a ação educativa às
perspectivas técnicas de gestão. Isto constitui uma forma de superar a
desvinculação entre as atividades-fins (processo educativo) e as atividades-meio
(diretor, professores, coordenadores e funcionários administrativos). É preciso
transformação e Paulo Freire (1991) alerta: essa transformação precisa ser feita em
conjunto.

3.2.1 Escolas Democráticas: Estruturas e Processos Democráticos

Nesta seção intencionamos explicitar melhor o conceito de democracia aliado


ao conceito de escola, acerca do qual já fizemos algumas considerações na seção
anterior, baseados no conceito de Apple e Beane (2001, p.14) segundo os quais “[...]
A ideia de democracia provavelmente tem a função crucial de julgar os eventos e as
ideias”.

É, portanto, o princípio fundamental das relações sociais e políticas, apesar


de todas as dissonâncias dos governos e políticos e das nações acerca de tal
pensamento. Caracterizando o sentido ambíguo que por vezes assoma nas
conceituações do que venha a ser democracia, observa-se que tal postura acomete
desde o senso comum até ao pensamento mais elaborado. É embaraçoso tratar de
democracia num espaço onde jazem riqueza e pobreza, domínio e dominado,
oprimido e opressor. Onde há maior riqueza e poder, as ambiguidades ligadas ao
conceito de democracia evidenciam claramente o beneficiamento de algumas
pessoas mais do que de outras.

Se for temerário falar em democracia no seu sentido etimológico, como sendo


força/poder do povo, tratemos então, no mesmo espaço de ambiguidade e de
contradição, o conceito de escolas democráticas. Para Apple e Beane (2001, p.17)
82

nas escolas a democracia depende dos “fundamentos de vida democrática”. Os


autores prescrevem as condições consideradas importantes para que as escolas se
configurem democráticas:

1. O livre fluxo das idéias, independentemente de sua popularidade,


que permite às pessoas estarem tão bem informadas quanto
possível;
2. Fé na capacidade individual e coletiva de as pessoas criarem
condições de resolver problemas;
3. O uso da reflexão e da análise crítica para avaliar as idéias,
problemas e políticas;
4. Preocupação com o bem-estar dos outros e com “o bem comum”;
5. Preocupação com a dignidade e os direitos dos indivíduos e das
minorias;
6. A compreensão de que a democracia não é tanto um “ideal” a ser
buscado, como um conjunto de valores “idealizados” que
devemos viver e que devem regular nossa vida enquanto povo;
7. A organização de instituições sociais para promover e ampliar o
modo de vida democrático.

É importante destacar também que no exercício da democracia nas escolas


estão presentes as tensões e as contradições, sendo, portanto, um espaço de luta.
Por sempre existir a possibilidade da ilusão de democracia, quando se trata das
tomadas de decisão podem-se abrir possibilidades para ideias antidemocráticas,
como a manutenção de desigualdades históricas na vida escolar, censuras e
sansões.

De acordo com Apple e Beane (2001), as estruturas e os processos


democráticos são marcados pela participação geral e coletiva, que consiste na
participação nas questões administrativas através dos colegiados, conselhos e
assembleias, nos planejamentos participativos compostos por uma “engenharia de
unanimidade”, tentativa de superação das ilusões de democracia. Esta superação
está na valorização da diversidade, do currículo democrático, está na cooperação,
em detrimento das competições promovidas através de notas, dos programas, etc. O
compromisso com escolas democráticas é resultante do empreendimento de
pessoas democráticas ou pelo menos, mais abertas ao processo de avaliar e refletir
sobre as contradições e os conflitos encontrados num espaço de heterogeneidade e
autonomia parcial. Segundo os autores, “Uma experiência democrática se constroi
83

mais pelo meio de seus esforços contínuos de fazer a diferença”. O empreendimento


não é nada fácil; é cheio de contradições, conflitos e controvérsias (idem, p.25).

De igual modo, é preciso estar atento ao papel social da escola, a partir da


compreensão crítica do papel da educação. Para o entendimento desse papel são
necessárias algumas considerações: o homem pode intervir sobre a natureza e
sobre a sociedade, sobre a primeira para torná-la útil; e sobre a segunda para
transformá-la em cultura; de forma mais abrangente, a escola vai caracterizando a
intervenção do homem sobre o homem, configurando o ato pedagógico. No
desenvolvimento de sua função, agregado ao conceito de escola democrática, há
que se perceber a serviço de quem, e na construção de que tipo de homem, a
escola constroi sua identidade. Se ela for comprometida com a ação transformadora
suas ideias estão vinculadas a raízes sociais. Mas, para que isso aconteça, essa
ação deve, sobretudo, estar arraigada no homem tomado coletivamente, ressalta
Gadotti (1998). O autor ainda considera que

A ideologia não suprime a individualidade, mas lhe dá força,


cimentando-a à massa, aos outros. Pelo sentido que damos à
ideologia, não é o homem que transforma, que faz a história,
mas a massa de homens, isto é, os homens juntos (p. 68).

Para Gadotti o conceito de democracia está diretamente ligado ao conceito de


ideologia e ao papel da escola, ficando entendida qual ideologia o autor defende: a
da luta de classes, ou seja, a operacionalização da mesma para uma ética coletiva.
Certamente, neste atributivo, uma educação voltada para ação transformadora a
partir de perspectivas sociais, observadas suas contradições e conflitos, cumpre o
papel não de alimentar tais contradições e conflitos, mas sim, de desvelá-las e
evidenciá-las com vistas à sua superação. Escolas democráticas, então, formam
consciência crítica acerca de si e da sociedade, porque estão comprometidas “não
apenas com o conteúdo e a forma do que pretende ensinar, mas com o contexto no
qual ensina” (idem, 1998, p.72).
84

Não é possível, portanto, separar o político do pedagógico, pois o ensino


precisa ser contextualizado historicamente, mas esse contexto não deve ser visto de
outra maneira senão a partir do conceito de homem e de sociedade. Politizar o
ensino significa lhe dar sentido e lhe possibilitar ideologicamente o compromisso
com o homem na formação do próprio homem, ou, digamos, dos seres humanos em
formação, ressaltando a dialética da formação de Paulo Freire de que os homens se
educam em comunhão.

A escola é então local de trabalho (SILVA JUNIOR, 1990) e local de debates


(GADOTTI, 1998), ambos os conceitos resguardam o aprofundamento das questões
sociais e políticas.

3.2.2 A autoridade do Coordenador Pedagógico: As relações de poder


na Escola

Entendemos que os sistemas de ensino existem como instrumentos que


garantam a continuidade da ação educativa sistematizada e que, por isso, todas as
suas ações têm como meta possibilitar que as escolas cumpram suas finalidades.
A(s) escola(s) é (são) múltiplo(s), conjuntos, sistemas - o que requer “competências
administrativas” para traduzir essa complexidade dos sistemas em benefício ao
atendimento da finalidade que a Escola tem; de acordo com Alves e Garcia (2003, p.
133), ”a escola é, portanto, o espaço/tempo de encontro de múltiplas redes
relacionais e de conhecimento.”

A Escola em si é complexa. A finalidade que busca não é fácil de ser


conseguida. Precisa da contribuição de vários profissionais especializados -
professores/direção/coordenação pedagógica/equipe de apoio, que passa
necessariamente pelo exercício do poder. Neste sentido buscamos as noções de
poder e educação refletidas cotidianamente no espaço escolar, com vistas a
perceber também o que se concebe neste espaço por democracia, autonomia,
currículo e formação de professor.
85

Paro (2008, p.51), tratando da matéria diz, que “[...] só tendo conhecimento
da intenção ou interesse de quem detém o poder é possível constatar se seu poder
está de fato sendo exercido.”

Faz-se necessário o entendimento de como esses conceitos permeiam a


prática educativa que se desenvolve na escola e na inter-relação desses como
valores produzidos ou reproduzidos culturalmente. Neste momento, intentamos
perscrutar como os conceitos de poder e educação estabelecem-se no chão da
escola, quando da organização e implementação de políticas públicas do e no fazer
cotidiano da educação. A sala de aula é determinada pelo que a circunda para além
de suas paredes - e, em certa medida, interfere para além dessas paredes. Como é
durante a aula que se dá a essência da Educação Escolar, é para ela que devem
convergir as várias competências dos profissionais da Escola - o que não significa
que todos atuarão na sala de aula!; o que não significa, também, que nela só atuam
os professores; nem que as equipes pedagógicas e de apoio só atuam fora dali!;
não sendo, também, que somente ali atuarão. Enfim, a organização da Escola é
coletiva e requer o concurso de especialistas que atuem coletivamente. Neste
contexto, buscamos o entendimento da exigência da formação centrada na escola,
na relação entre o administrativo e o pedagógico e também o entendimento da
natureza dessa relação.

A partir dos pontos já levantados na seção anterior, com base nos estudos de
Gadotti (1998) nos reportamos à postura do educador numa sociedade em conflito.
Para o empreendimento da postura a qual o autor se refere como questão
pedagógica, tem-se a questão do poder. Se a tradição pedagógica brasileira ignorou
tal questão, de outra forma há que se pensar na questão do poder como condutor da
ação pedagógica, no contexto de educar se educando. Isso não exime o
30
coordenador da função básica de - “dirigente político” - da ação pedagógica na
escola, de outro modo se negaria o caráter dialético da educação. O autor acredita
que uma das formas de empreender uma nova postura frente à educação de
contradição e conflitos está na perspectiva da memória histórica, ou seja, de um

30
“Dirigente político” é um termo usado por Gadotti para determinar a função do coordenador pedagógico (p.
76).
86

momento não só de atualização bem como de correção de equívocos ou mesmo de


desvelamento histórico da pedagogia do colonizador, evidenciando as contradições
do passado e do presente; outra forma é não ignorar “os prolongamentos políticos
do ato pedagógico” (p.78).

Não evidenciando tais contradições, a escola assume uma tarefa: a de


legitimar o poder totalitário, um empecilho para a construção de uma sociedade
democrática.

A compreensão do conceito de poder tomado neste trabalho evidencia-se nas


relações estabelecidas na escola; independentemente da concepção de educação aí
presente, ele demonstra o modus operandi daquelas relações. Paro (2008)
caracteriza dois tipos de poder: o poder que serve a dominação, denominado poder-
sobre e o poder que reforça a condição de sujeito do outro, o poder-fazer.

Todo o processo educativo está envolvido pelas relações de poder; seja em


estado potencial, seja em estado atual. O poder em estado potencial entende-se
como uma possibilidade do exercício desse poder (WEBER apud PARO 2008, p. 36)
“poder significa a probabilidade de impor a própria vontade, dentro de uma relação
social, mesmo contra toda resistência e qualquer que seja o fundamento dessa
probabilidade”. E ao poder atual fica entendido como o seu exercício de fato
(FOUCAULT apud PARO 2008, p. 36). “o poder não se dá, não se troca nem se
retoma, mas se exerce, só existe na ação”.

Assim, ambos os estados do poder pautam as relações da seguinte maneira:


o primeiro para quem tem o poder e o segundo para quem o exerce. Maior ou menor
obediência às ordens de quem detém o poder remete aos conceitos de poder
estabilizado e de poder institucionalizado. A sua compreensão é necessária para a
explicação e o entendimento do conceito de autoridade31, assim definido por Paro
(2008, p.39): “a autoridade é um tipo especial de poder estabilizado denominado
„poder legítimo‟, ou seja, aquele em que a adesão dos subordinados se faz como
resultado de uma avaliação positiva das ordens e diretrizes a serem obedecidas”.

31
Grifo do autor.
87

Por autoritarismo entende-se o poder estabilizado quando é utilizado em


prejuízo da condição de sujeito daquele que obedece. Nele, as relações de poder se
fazem pela coerção, modo caracterizativo da forma atual, que no seu exercício
através da manipulação caracteriza a forma potencial (ocultação, informações
distorcidas, doutrinamento etc.); já a persuasão, presente na forma potencial bem
como na atual, tanto pode conceber liberdade de opiniões como levar os sujeitos a
determinada doutrinação, de acordo com interesses. Paro (2008, p.54) assim a
definiu:

Assim entendida, a persuasão exibe uma aparência de extrema


fragilidade, pois nunca se pode estar certo de que poder
potencial que se julga ter venha a se confirmar no poder atual
que se exerce. Por isso a educação é sempre uma
possibilidade, não uma certeza.

Compreende-se aqui o poder estabilizado como o poder continuativo e


“naturalizado” por todos os envolvidos, ou seja, um poder institucionalizado, de
modo que a escola, professores, coordenadores e equipe possuam funções
definidas e coordenadas de maneira estável e aceitas institucionalmente. A isto se
pode chamar estabilidade.
A autoridade do coordenador pedagógico, como poder estabilizado e
institucionalizado leva-nos a refletir acerca da autoridade na escola, como poder
legítimo. Tal reflexão se dá no momento em que se avalia o desenvolvimento de
uma prática pedagógica democrática, a bem da verdade diretamente relacionada à
concepção de educação anteriormente explicitada, ou pela percepção e
consideração dos desejos coletivos, ou pela imposição arbitrária.

Por prática democrática e escolar deve-se entender, assim, que o termo não
se refere apenas à sala de aula. As relações de poder estão presentes nas questões
curriculares, nas normas tácitas e integradas ao dia-a-dia de todos, ao currículo
oculto: são aquelas normas, valores e crenças não declaradas e transmitidas de
forma subjacente no seio da escola.
88

Enfim, estudar a prática pedagógica do coordenador na perspectiva das


relações de poder amplia nossa compreensão do conceito de autoridade e ao
mesmo tempo oferece um horizonte para uma prática educativa voltada para a ação
humana para e por um ser humano emancipado, no fortalecimento mútuo das
subjetividades (idem, p.72).
89

IV - O COTIDIANO DA ESCOLA: DA PRÁTICA PENSADA À PRÁTICA


REALIZADA

Mire, veja: o mais importante e bonito do mundo é isto: que as


pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas –
mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam.
Verdade maior. E o que a vida me ensinou. Isso me alegra,
montão.”
(Guimarães Rosa)

Neste capítulo de análise, procuramos explicitar nosso entendimento sobre o


papel do coordenador pedagógico mediatizado por sua ação coordenadora na
articulação e ordenação política do cotidiano da escola, avaliando as condições e
direcionamento de suas tarefas diárias, através também, das contribuições dos
teóricos que subsidiam esta pesquisa.

Na presente seção discutimos a prática mediatizada pelo coordenador


pedagógico, com foco no que é pensado e no que é realizado, por meio das
estratégias planejadas e formalmente constituídas nos documentos e planos de
ação, na perspectiva do que se pensa e do que efetivamente se consegue colocar
em prática no cotidiano da escola.

Os dados coletados através dos documentos recolhidos nas duas escolas


públicas da rede estadual de ensino de Rondonópolis apontam, a priori, a forma
como estão formalmente organizadas as escolas pesquisadas. Tem-se inicialmente,
que utilizam como técnica para a formalização do trabalho da coordenação a
metodologia do estabelecimento de metas e ações. Obedecidas essas
formalizações, os planos de ação das coordenadoras estão organizados da seguinte
forma: em primeiro lugar descrevem as metas gerais do trabalho a ser desenvolvido
pela escola e em seguida essas metas se desdobram em ações que pontuam as
tarefas e as atividades para serem realizadas, estrategicamente, em conformidade
com o prescrito em linhas gerais.
90

O plano de ação das coordenadoras da Escola Alfa está pautado por


algumas considerações que a escola considera importantes, por isso utiliza como
justificativas para a materialização do projeto e desenvolvimento de suas práticas
educativas as considerações assim elencadas:

Considerando que a educação é um processo de construção


permanente dentro de um contexto que é relevante à junção de todos
os segmentos educacionais, a coordenação pedagógica representa
um dos caminhos para se efetivar o conhecimento por meio do
envolvimento de pais, alunos, professores, enfim, toda a comunidade
escolar;

O trabalho pedagógico inclui disciplina, organização, criação,


acompanhamento e ênfase no aprendizado do aluno. Desse modo, a
teoria e a prática necessitam ser refletidas e construídas, com base
na realidade da escola, para garantir o acesso dos alunos ao
processo ensino-aprendizagem e ainda a organização do trabalho
docente. A intervenção pedagógica sinaliza atingir a qualidade total;

Com os propósitos apresentados ressalta-se a importância de


organizar o trabalho da coordenação pedagógica para o mesmo
alcance o professor, o aluno e a eficácia do ensino. (Fonte: Plano de ação
das coordenadoras da Escola Alfa, sem numeração de página).

Este plano de ação, para a referida escola, de periodicidade anual, é


composto por 04 metas:

 Meta 1 – Organizar anualmente o fazer pedagógico coletivo da


escola, através da implementação de projetos, atividades
diferenciadas e do planejamento participativo;
 Meta 2 – Coordenar o processo de organização das pessoas no
interior da escola, buscando a convergência dos interesses dos
seus vários segmentos e a superação dos conflitos decorrentes
deles;
 Meta 3 – Colaborar na mudança de atitudes do professor para o
desempenho satisfatório do papel do educador, em função das
transformações que se operam na sociedade;
 Meta 4 – Ser um instrumento do reconhecimento dos caminhos
percorridos e da identificação dos caminhos a serem
perseguidos. (Fonte: Plano de ação das coordenadoras da Escola Alfa)

Para o cumprimento dessas metas, no plano de ação da coordenação da


Escola Alfa, estão descritas 41 Ações com suas respectivas justificativas, as
metodologias a serem trabalhadas e os resultados esperados. Na entrevista uma
das coordenadoras pesquisadas ainda complementou explicando que essa forma de
91

construir o plano de ação é pautada no modelo enviado pela Assessoria Pedagógica


do Estado.

O plano de ação da coordenação da Escola Ômega, diferentemente da


outra unidade escolar, não está construído em separado como um projeto: segue
uma sequência da escrituração do Projeto Político-Pedagógico, não apresentando
então justificativa geral do plano, apenas das ações.

Na Escola Ômega o plano de ação da coordenação está assim


especificado, como segue abaixo, sendo que com diagramação diferenciada,
descrevem as metas e logo em seguida descrevem-se as ações:

1- Orientações pedagógicas a professores, funcionários e alunos,


com 05 ações;
2- Orientar/coordenar/subsidiar as atividades relacionadas à
construção/elaboração/execução e avaliação dos projetos que
visem à melhoria do processo educativo e administrativo, as
relações humanas, solidárias e éticas. (Fonte: PPP da Escola Ômega)

Essas duas primeiras metas vêm acompanhadas da descrição de 20 ações,


onde se descrevem desde os projetos a serem desenvolvidos, até as ações a serem
implementadas.

A terceira meta está assim descrita no plano de ação da Escola Ômega:

3- Coordenar a elaboração, acompanhar e avaliar a realização do


Planejamento da Proposta Curricular, bem como os processos e
quadro administrativo.

Essa meta vem acompanhada de 03 ações a serem desenvolvidas no


calendário letivo.

A quarta meta que vem acompanhada de apenas 01 ação para ser


desenvolvida, está descrita da seguinte forma:

4- Participar dos projetos de formação desenvolvidos na rede com


vista ao aperfeiçoamento de sua função: cursos, seminários,
encontros com coordenadores e reuniões pedagógicas.

A quinta meta vem assim descrita no plano de ação:


92

5- Promover a integração de todos os segmentos da escola

Essa meta é composta por 06 ações a serem desenvolvidas para o alcance


do que objetiva o trabalho pedagógico. (Fonte: PPP da Escola Ômega)

Apesar de utilizar a mesma metodologia de projetos para a construção do


plano de ação da coordenação pedagógica, as duas escolas se diferenciam quanto
a metodologia de apresentação de seus planos, a escola central, não seguiu o
modelo da Secretaria, contido no Projeto Político da Escola, segue a sequência do
mesmo. Já a escola do bairro, o fez como um projeto em separado. Ambas se
utilizam da expressão “coletiva da escola” em vários pontos do plano, referindo-se à
participação de todos nas metas e ações referenciadas no projeto da coordenação.
Tais considerações, de nossa parte, não vinculam a nenhuma das escolas atribuição
de valor quanto à metodologia utilizada para a escrituração de seus projetos.

Em relação à natureza formal dos projetos, metodologicamente, estão


construídos de forma diferenciada: um está construído em forma de projeto e, o
outro, como decorrência do Projeto Político-Pedagógico da escola. Em termos
valorativos, a partir do conceito de racionalidade política, não afirmamos que a
natureza de um seja diferente do outro. Quando chegamos às escolas, ambos os
planos estão reservados em lugar próprio, distante da mesa das coordenadoras,
distante,portanto, do coletivo da escola. Olhando para este contexto Veiga (2003)
afirma que “o desenvolvimento do projeto implica a existência de um conjunto de
condições, sem as quais ele poderá estar condenado a tornar-se apenas mais um
„formulário administrativo‟” (p.276).

No que concerne à rotina de trabalho, o dia-a-dia de todas as entrevistadas


é muito parecido, no tocante ao acompanhamento dos projetos da escola, no
acompanhamento da formação continuada, o Sala de Professor, e no
acompanhamento administrativo da escola, diferindo, quanto à formação continuada,
no seguinte aspecto: na escola Alfa existem grupos de estudos interdisciplinares,
enquanto na escola Ômega além desta forma organizativa, ainda realizam um
encontro, a que denominam „hora de trabalho coletivo‟, realizado sempre
mensalmente e aos sábados e cujo objetivo é a implementação de atividades
93

coletivas de reflexão da prática e desenvolvimento coletivo de práticas pedagógicas,


classificadas pelas coordenadoras dessa escola, como sendo uma forma mais
democrática.

O pensado através dos escritos das duas escolas, colhidos dos


regimentos e dos planos de ação, quando trata do trabalho da coordenação
pedagógica, reflete uma estrutura de natureza normativista, constituída por um
quadro que gravita em torno dos objetivos da organização para a organização,
atribui significado normativo à ação organizacional, institui uma hierarquia formal e
distribui atribuições e competências, ainda que palavras como “democracia”,
“reflexão” e “coletivo” sejam recorrentes. É claro que para analisar regimentos, em
termos de procura de racionalidade, obviamente que se está perante o modelo
racional-legal, e pode-se ver que este tipo de documento tem por natureza e por
referência, a priori, a racionalidade técnica. Lima (2001, p. 51) verifica, a propósito,
que

As regras formais obrigam a um desempenho em


conformidade, tendo como bases predominantes de
legitimação a normatividade, o cumprimento da lei e dos
regulamentos, passível de controle e de fiscalização.

E assim se faz, desde a caracterização do que venha a ser coordenador


pedagógico até a determinação das atribuições desse coordenador. Os verbos
utilizados nos regimentos e nos planos de ação são colocados sempre no infinitivo e
revelam muito da natureza lógico-formal dos significados em que tais ações devem
se configurar: coordenar, manter, auxiliar, orientar, analisar, avaliar, concluir,
colaborar, organizar, dinamizar, acompanhar, propor, divulgar, promover. Essas
palavras ganham tal envergadura que Lima (p.51) comenta:

[...] a focalização normativa, mais dependente do estudo do


que deve ser do ponto de vista da administração do que
propriamente daquilo que os atores possam entender que deve
ser e, ainda, daquilo que é.

É de se observar que tanto os Regimentos das escolas quanto seus


respectivos planos são submetidos à apreciação das Assessorias do Estado no
município de Rondonópolis/MT. Os regimentos são submetidos, inclusive, à
94

avaliação do Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso – CEE/MT quando do


processo de Credenciamento32 das escolas. No período de 2007 a 2008, todas as
escolas estaduais do município tiveram que realizar seus respectivos
credenciamentos, donde se pode concluir que todos os documentos oficiais das
escolas estão em conformidade com os doutrinamentos oficiais dos órgãos
reguladores oficiais.

Veiga (2003) aponta ser de vital importância perceber o que se entende, avalia
e desenvolve na escola com vistas a alcançar e produzir inovação, quando da
reformulação dos regimentos, dos planos e até do projeto político pedagógico da
escola, pois se tratam de proposituras que incorrem na caminhada de fora para
dentro, para o instituído, da organização para a organização:

Se tomarmos os elementos constitutivos desta concepção de


inovação, percebemos, então, que toda inovação se articula
em torno da novidade, reforma, racionalidade científica,
aplicação técnica do conhecimento, de fora para dentro, ou
seja, instituída. Há ritualização e padronização do processo
investigativo. De forma geral, as idéias de eficácia, normas,
prescrições, ordem, equilíbrio permeiam o processo inovador
(p.270).

É certo que, mesmo com a frieza das palavras incrustadas nos regimentos e
nos planos, acaba por se revelar muito da natureza empreendedora da escola,
mesmo na busca dos resultados, na otimização do tempo do coordenador para dar
conta de todas as ações fossilizadas nos artigos dos regimentos e cristalizadas nas
metas e ações dos planos dos coordenadores pedagógicos. Nas entrevistas, das
quais nos ocuparemos a seguir, pode-se perceber através das narrativas que com
sofreguidão e exagero as coordenadoras aspiram, notadamente, a por em prática
todas as prescrições contidas nos documentos em epígrafe externando certa
contrariedade quando não conseguem realizar todas as ações programadas. Como
fica caracterizado nas falas das coordenadoras,
Os maiores problemas que vejo é porque a gente
tem o plano de ação, ainda bem que ele é flexível,

32
Credenciamento é uma exigência do CEE/MT amparado pela Resolução 232/CEE/MT que determinou o
Credenciamento de todas as escolas públicas para as suas respectivas autorizações de funcionamento como
instituições educativas.
95

muitas vezes tem a elaboração do PDE, então tem


as vezes tantas programações que foge do trabalho
do plano de ação. (LUZ)

São tantas outras coisas que não são


especificamente da função do coordenador, a gente
tenta ficar nele, mas não consegue. (FORÇA DE
VONTADE)

Quando são colocadas as angústias dos


professores aí você percebe o quanto você ainda
não fez e aí o tempo que você não tem pra fazer,
essa é uma grande dificuldade que eu encontro.
(CRIATIVIDADE)

Se no pensado as ações obedecem a uma ordem cronológica, a um


redimensionamento das pessoas, donde se extraem os vários papéis, no realizado
não é o que se pode observar.

Nas narrativas das entrevistadas, ao avaliarem a estrutura organizacional das


escolas em que trabalham, quando interrogadas, sobre as tarefas que realizam
diariamente no espaço escolar, elas assim se expressaram:

Primeiramente a acolhida com os professores no momento de


oração, receber os alunos [...] posteriormente alguns
encaminhamentos que são necessidades de ofício, de alguns
pedidos da Assessoria, vamos fazendo conforme vai
acontecendo os fatos na escola, também conforme a
necessidade, a urgência nós vamos resolvendo [...] certos
momentos também com os alunos, tem momento atendendo
ao pai, tem momento atendendo aos professores, conforme a
necessidade, conforme o problema vem surgindo.
(DETERMINAÇÃO)

Tirando as que não são da coordenação, que é ajudar resolver


os problemas dos alunos, resolver os problemas com
professores, resolver tudo de uma forma geral, a gente prepara
o Sala do Professor, dá assistência à direção. (FORÇA DE
VONTADE)

Me preocupo com a indisciplina, eu tenho estado ao lado da


direção numa tentativa de solucionar esses problemas, me
preocupado muito com a questão do aluno que é colocado pra
fora porque não quer acompanhar o conteúdo [...]
(CRIATIVIDADE)
96

Olha, as tarefas é auxiliar a direção no trabalho junto aos


professores e também junto com os alunos [...] então eu
acompanho os alunos se estão chegando no horário, se estão
uniformizados e se não estão pelo corredor. Eu auxilio assim
os professores nessa questão da organização dos alunos.
(LUZ)

Se no pensado a escola está sujeita a uma administração burocrática, nos


sentidos já referidos aqui, no realizado trata-se de outra perspectiva no mesmo
plano de ação organizacional; nele se focalizam outros tipos de estruturas e de
regras, menos visíveis (LIMA, 2001, p. 52) que são as estruturas informais,
designadas também por ocultas, ou seja, as múltiplas e diversas práticas que são
realizadas diferentemente das programadas e pensadas oficial e formalmente.

O que se percebe nas narrativas das coordenadoras é que há de fato uma


dicotomia entre o pensado e o realizado, uma vez que as regras informais raramente
serão detectadas por meio de documentos escritos, pois há certo tipo de regulação e
de funcionalidade que pode contrariar os requisitos formalmente estabelecidos, ou
de outro formo, reafirmá-los, porém num contexto menos ordenado formalmente e,
ainda, com outros objetivos, talvez menos planejados, ou planejados ao sabor das
circunstâncias impostas pelo cotidiano da escola. Lima (2001, p. 58) avaliando tal
situação assim descreve:

De um ponto de vista racional-legal, nas escolas opera-se por


referência a estas orientações normativas; um problema é
resolvido a partir do momento em que lhe é conferida solução
formal.

A partir daí, avaliando os planos de ação, os regimentos e em seguida as


entrevistas, pode-se perceber uma evidente separação entre a concepção proposta
nos documentos e a execução do que de fato se consegue por em prática.

No capítulo teórico afirma-se que a escola é um artefato social, e que o seu


papel social foi engendrado numa lógica administrativa, herança histórica dos
códigos e normas regulamentadoras e (re) produtoras das relações pedagógicas,
97

instauradas desde as décadas de 20 e 30 (SAVIANI, 2003). Por esta razão, essa


mesma lógica tomada como medida de eficiência extrapolou as possibilidades de
pensar e fazer.

A realidade é também experiência. E esta, pode oportunizar às escolas


uma reflexão maior sobre a multiciplidade de objetivos, o estabelecimento de uma
quantidade excessiva de metas que se desdobram numa sequência de ações. É
momento rico de construção de uma territorialidade do trabalho do coordenador
pedagógico; ao refletir sobre as disposições das normatizações e regulamentações
do seu trabalho, podem-se gerar, certamente, dúvidas e incertezas em relação à
qualidade do trabalho desenvolvido. Consideramos esse momento de crise como o
ponto ideal para que neste espaço de contradições, de diferenças, usos e
finalidades possam-se enfim, abrir espaços para a reflexão-ação, sobre a qual
observa Alarcão (2008, p.45)

Se a capacidade reflexiva é inata ao ser humano, ela


necessita de contextos que favoreçam o seu
desenvolvimento, contextos de liberdade e
responsabilidade. [...] a reflexão é tida em
consideração a dificuldade que os participantes
revelam em por em prática os mecanismos reflexivos.
É preciso vontade e persistência.

Contudo, há que se considerar a trilogia do pensar certo (FREIRE, 1998)


reflexão (SCHON,1992; NÓVOA,1992; ALARCÃO, 2008) e ação (ALARCÃO, 2008;
GADOTTI,1998; FREIRE,1987; PARO,2007; VEIGA,1995; CARVALHO,2005) com a
qual se possa afirmar que a escola é o lugar de organizar o trabalho pedagógico, até
mesmo pautado numa racionalidade técnica de inovação regulatória (VEIGA, 2003),
mas local também de concepção, realização e avaliação do projeto educativo.

Os princípios da racionalidade técnica estão para provocar a separação e


um distanciamento entre os “superiores” e os “subordinados”, e neste sentido,
quanto mais as políticas educativas são decididas de forma centralizadora, maior
predomínio haverá para uma concepção burocrática. O coordenador ao ser
responsabilizado pelo funcionamento da escola assume de fato o papel de gestor,
98

no sentido administrativo, um cumpridor de tarefas meramente pragmáticas e


oficiais. Nesta perspectiva, efetivamente, as relações se verticalizam.

Assim, veem-se contradições entre pensamento e ação. Isso revela muito


do que Lima (2001) descreve como sendo o princípio de planejar ensejado num
plano para a ação organizacional, em que as práticas educativas são pensadas a
partir da rigidez, da departamentalização e da especialização, sem tradição de
autonomia e com poder burocrático. Contudo, acreditamos que isso possa ser
rompido e pensado em outra perspectiva, na do contra-poder, ou seja, na
mobilização, na luta e no enfrentamento. Estes se fazem necessário por tudo na
escola ser passível de controle, mediação e racionalização, o ser humano quase que
desaparece, reduzindo-se a um ponto imaginário em que várias funções são
“amarradas”, sem, no entanto, haver consistência e preparação, inclusive
pedagógica, para tal empreendimento.

Ainda na análise dos documentos e das entrevistas, percebe-se que nos


primeiros aparece a ordenação do cotidiano escolar na relação ORGANIZAR PARA,
e nas entrevistas, na relação ORGANIZAR EM, ambos os instrumentos, apesar de
se endereçarem para o mesmo objetivo - configurar o trabalho educativo -, realizam-
no sob perspectivas diferentes. A primeira relação trata da escola como um local de
reprodução dos aspectos formais da estrutura organizacional postulados nas
instâncias centrais, focados no ORGANIZAR PARA ORGANIZAR a prática cotidiana
da escola, ao passo que a segunda apresenta uma mesclagem entre o significado
normativo, burocrático e as estruturas informais dependentes de uma focalização
interpretativa a que Lima (2001) classifica como sendo estruturas manifestas
(normas e prescrições dos documentos) e atualizadas (interpretações e formulações
de regras informais das e nas práticas cotidianas).

Lima (2001) contribui para o entendimento da questão apontando a


possibilidade de negação, pelo menos parcial, de certo determinismo burocrático de
organização escolar. Tal perspectiva se dá no PLANO DA AÇÃO
ORGANIZACIONAL, neste, o conceito de educação alia-se aos de “fé” e de
“esperança” (FREIRE, 1987), donde se pode extrair sentido para o trabalho
99

pedagógico. Neste viés o conceito de educação nos encaminhamentos e nas


estruturas e processos democráticos empreendidos pela e na escola pode
evidenciar a ação política do coordenador pedagógico, sabendo, este, contra o que
e a favor de quem tem sentido sua prática. A perspectiva está, sobretudo, na
construção do projeto político-pedagógico em que o conceito de educação se
confunda com o conceito de humanização, de hominização traduzido nas palavras
de Paulo Freire. O realizado por este prisma não descarta a organização, nem o
planejamento: a diferença está, principalmente, na forma e no conceito que permeia
as relações na escola.

Analisando esse mesmo contexto pelo princípio da racionalidade


emancipatória,

o sentido não advém de uma esfera transcendente,


nem da imanência do objeto ou ainda de um simples
jogo lógico-formal. É uma construção do sujeito! Daí
falarmos em produção. Quem vai produzir é o sujeito,
só que não de forma isolada, mas num contexto
histórico e coletivo [...]. Ser professor, na acepção
mais genuína, é ser capaz de fazer o outro aprender,
desenvolver-se criticamente. (VASCONCELLOS apud
GADOTTI, 2002 p.46)”.

Nesta perspectiva, tanto o pensado quanto o realizado andam na mesma


direção; podem até estar em mãos diferentes, todavia andam realmente na mesma
direção que é o diálogo, na perspectiva dialética freiriana. Esta considera o ser
humano como um ser inacabado, que precisa ter consciência de sua inconclusão,
pois essa é a possibilidade da educação, uma vez que a consciência do seu
inacabamento torna o ser humano educável. Para Freire o diálogo é a abertura
respeitosa ao outro, e tal abertura é imprescindível para a experiência fundante do
ser inacabado, nesta perspectiva de saber-se inacabado seria impossível não se
abrir para o mundo, para a procura de respostas às múltiplas indagações.

O pensado que se encontra nos planos de ação do coordenador, para além


da natureza lógico-formal pautada no modelo racional-legal, revela muito do
cotidiano dessas escolas e, como já observamos nos capítulos anteriores, nosso
conceito de cotidiano não trata das discriminações feitas no organograma das ações
100

e metas presentes nestes projetos, mas do que representam as diversas e múltiplas


atividades realizadas diariamente que influenciam e determinam as ações dos
indivíduos na escola. Estas ações constituem as rotinas, os hábitos, as escolhas, os
juízos de valor de que lançamos mão todo dia para a realização e desenvolvimento
de nossa vida. Daí depreende-se com qual conceito de homem, sociedade,
educação, aluno e escola escolhemos trabalhar diariamente na escola.

Acerca da organização de suas rotinas diárias nas escolas, as coordenadoras


assim a descreveram em suas falas:

A gente tem todo um plano de trabalho pra desenvolver, então


a gente se reúne e sempre que necessário a gente se reúne,
ás vezes semanalmente, às vezes quinzenalmente e a gente
tem assim todo um cronograma de trabalho dos projetos que
estão sendo desenvolvidos na escola e também todo o trabalho
diário de tudo aquilo que vem pra gente fazer, de acompanhar
[...] (LUZ)

Primeiramente eu me preocupo em receber bem meus colegas,


a quem chega na escola, seja do apoio, seja da secretaria, seja
os meus colegas articuladores, a direção. [...] procuro organizar
de uma forma que não seja também metódica, eu vou só fazer
só isso, eu não vou fazer mais conforme a necessidade, eu
procuro atender as necessidades da escola, mas pensando no
pedagógico. (DETERMINAÇÃO)

Bom, como eu passo a maior parte do tempo na escola né,


ontem eu comentei que eu trabalho em casa e moro na escola
né, eu cumpro os três períodos por quatro dias na semana,
mas essa rotina é organizada assim: eu chego, a gente já vê
assim o que tem de imediato pra se fazer, pra se pesquisar, a
preocupação maior é com o sala do professor, o que a gente
vai fazer, o que a gente vai discutir, aí vai pro computador, vai
pesquisar, vai abrir e-mails das sugestões que vem com o
101

pessoal do Cefapro, vai sentar com as outras coordenadoras


para gente checar o que vai fazer [...] e aí as coisas vão
acontecendo e a gente vai agindo e tudo. (FORÇA DE
VONTADE)

Na verdade não dá muito pra você organizar, você planeja, de


repente você chega na escola e já tem toda uma situação
pronta, você acaba entrando, você participa e a sua rotina
acaba, então você fica mais assim de acordo com o que
acontece na escola, e a rotina da gente sempre fica pra
próxima semana. (CRIATIVIDADE)

O que se percebe é que as rotinas destas escolas, e consequentemente


destas coordenadoras, estão seriamente comprometidas pela cotidianidade. Neste
contexto, muitas vezes não se percebe a relação imediata entre pensamento e ação,
não há tempo. No cumprimento das rotinas, múltiplas decisões precisam ser
tomadas, microdecisões precisam ser executadas num curto espaço de tempo e o
mais rápido possível, não se tem o tempo necessário para analisar todas as
especificidades dos casos, nem aqueles que demandariam melhor e maior atenção.

Assim sendo, torna-se necessário buscar e utilizar-se de informações ou


situações já vivenciadas para tornar possível a tomada de decisão. Agindo desse
modo, todas essas atitudes se colocam no campo das escolhas e das opções. O
cotidiano, desta forma, efetiva-se por e através de analogias, que de acordo com a
opção escolhida, poderão promover alterações às novas avaliações a serem
realizadas. A vida cotidiana está, como se pode perceber, carregada de alternativas,
às esferas cotidianas corresponde às esferas não- cotidianas.

Entende-se que a coordenação pedagógica pode escolher avaliar melhor seu


cotidiano e que para todas as escolhas há uma escala de valores morais e éticos.
Heller (2008, p. 39) afirma, sobre a questão:

Quanto maior é a importância da moralidade, do compromisso


pessoal, da individualidade e do risco (que vão sempre juntos)
na decisão acerca de uma alternativa dada, tanto mais essa
102

decisão eleva-se acima da cotidianidade e tanto menos se


pode falar de uma decisão cotidiana.

Embora toda escolha seja conflituosa, por vezes contraditória e incorra em


consequências, a execução da escolha e a vinculação consciente com a situação
escolhida demandam que, ao observar a questão por um determinado olhar,
suspendamos a possibilidade de olhá-la de outra maneira. Assim, o ritmo fixo, a
repetição, a rigorosa regularidade da vida cotidiana se expõem como uma das
características dominantes da cotidianidade que é o espontaneísmo, ou seja, a ação
sem o engendramento da reflexão, portanto, sem atividade crítico-consciente. Heller
(p. 49) observa que “o pensamento cotidiano orienta-se para a realização de
atividades cotidianas e, nessa medida, é possível falar de unidade imediata de
pensamento e ação na cotidianidade”. Nessa visão não se pode caracterizar a
prática cotidiana como práxis educativa, por não se verificar uma atividade humana
reflexiva para a ação consciente, mas uma atividade apenas reprodutiva, portanto
absolutamente pragmática, sendo as esferas cotidianas as que mais se prestam à
alienação.

O que está entendido e subentendido nas narrativas das coordenadoras é


o fato de que há na escola uma série de subcotidianos, fundamentada numa
hierarquia de atividades, a partir de uma “territorialidade”, a saber: o cotidiano da
escola, do ponto de vista organizacional, que envolve a gestão administrativa
(direção) e a gestão administrativo-pedagógica (coordenação); o cotidiano da sala
de aula, já definido, Paulo Freire, como sendo o de “uma educação bancária”, com
base na compreensão de que alguém sabe e ensina, outro não sabe e aprende; e o
cotidiano da implementação das práticas pedagógicas (a hora atividade e a
formação continuada que se desenvolve na escola).

Esses subcotidianos se expressam na prática pedagógica das


protagonistas quando afirmam:

Eu tenho estado ao lado da direção num tentativa


de resolver os problemas me preocupando com a
103

questão do aluno que é colocado pra fora, então a


gente perde do tempo neste aspecto, depois disso
a gente participa da sala de professor, participa da
hora atividade, participa da elaboração dos projetos
da escola. (CRIATIVIDADE)

Eu auxilio a direção, sou coordenadora do período


matutino, eu acompanho os alunos se estão
chegando no horário, auxilio o professor na questão
dos alunos. (LUZ)

Tirando as que não são da coordenação, que é


resolver os problemas dos alunos, resolver os
problemas com professores, resolver tudo de forma
geral, prepara o sala do professor e dá assistência
a direção e até algumas questões da secretaria.
(FORÇA DE VONTADE)

Vamos fazendo conforme vai acontecendo os fatos


na escola também e conforme a necessidade, a
urgência nós vamos resolvendo (...) procurando
estar sempre com os professores ,certos momentos
também com os alunos, tem momento que
atendendo ao pai,tem momento que atendendo aos
professores,conforme a necessidade,conforme o
problema vem surgindo.(DETERMINAÇÃO)

Todos esses subcotidianos aparentam estar desconectados da ação do


coordenador, parecem ilhados, parecem não pertencer ao mesmo mundo, todos
aparentam ter natureza própria com necessidades urgentes e singulares que
acabam por subtrair uma grande quantidade de energia desse coordenador. Pode-
se depreender, então, que pode haver efetivamente, uma série de ações díspares
na configuração do papel do coordenador pedagógico na escola justamente quando
ele deveria dinamizar e organizar todo o processo formativo e pedagógico da escola.
104

Assim sendo, para discutir a prática mediatizada e articulada pela ação do


coordenador pedagógico na ordenação do cotidiano escolar no desenvolvimento das
práticas, das atividades, das rotinas e tarefas diárias constituintes do seu fazer,
independemente do formalmente constituído - o que invariavelmente nos remete a
um conceito de prática e de práxis educativa - é preciso discutir os vários papeis que
se desenvolvem na escola e também os dilemas que estão postos quando se
percebe o desenvolvimento de uma prática cotidiana que não só espelha a
dicotomia em relação ao pensado e ao realizado, em nível de planejamento, mas
que, sobretudo, revela o distanciamento entre ORGANIZAR PARA e ORGANIZAR
EM, quando se efetiva essa ordenação no cotidiano da escola.

De fato, quando avaliamos a ordenação política dada ao cotidiano nas


escolas pesquisadas, observamos a presença de modelos organizacionais plurais,
contraditórios, diversificados e, principalmente, dinâmicos. Essa dinamicidade traz
remissivamente a questão do tempo. De caráter dualista, o tempo se apresenta para
estas coordenadoras de forma pragmática, impedindo-as de estabelecer uma
relação mais dialógica com os problemas, isto é, impossibilitando-lhes estabelecer
uma aproximação maior com esses problemas com vistas a reavaliá-los ou
transformá-los em atividades profissionais resultantes de um trabalho educativo
produzido e pensado pelo coletivo da escola. Desta forma, poderiam deixar de
responder à manipulação por meio do seu trabalho na organização escolar.

Toma-se, neste trabalho, a escola como um espaço de relações sociais e,


ainda mais, humanas, credo principal de Paulo Freire. Precisa ficar entendido
também, segundo a palavração freiriana, que a escola é um dos locais onde
acontece o processo de hominização dos seres humanos inconclusos, conscientes
do seu inacabamento, tendo a escola, não apenas como espaço aprendente, mas
como instituição social importante para a transformação da sociedade.

Reconhecidamente, nem todos os problemas são próprios da escola só por


serem vivenciados por ela, e assim ela não pode mudar tudo nem mudar a si mesma
sozinha, porque se encontra interligada à sociedade, portanto dependente de que a
transformação desta ocorra de forma que possa também transformá-la.
105

Paulo Freire (1998, p.67) propunha ainda que a escola não se separasse da
ética, pois a mesma revela a “boniteza de ser gente”. Para ele, “ensinar e aprender
não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”, e por
consequência, a “boniteza” da escola como espaço de/em formação. O autor
considera “uma pedagogicidade indiscutível na materialidade dos espaços” (p. 50). A
escola pode e deve ser vista como espaço cultural, político, de formação e como
espaço de esperança, enfim: como escola cidadã. Este é o conceito de escola e o
conceito de educação que perpassa o âmbito das discussões e da realidade em
debate neste estudo. Por esta premissa pode-se considerar que o trabalho do
coordenador pedagógico deva ser visto como uma atividade, que tem por fim a
qualidade do tanto do desenvolvimento profissional dos professores, como do ensino
para os alunos.

Quando perguntamos sobre quais aspectos consideram relevantes para o


desempenho da função de coordenador pedagógico, as entrevistadas dizem:

Eu acho que é relevante para o coordenador esse tempo com o


professor, que hoje é muito difícil porque você praticamente só
tem esse tempo na sala de professor e no projeto Sala do
Professor você já tem outra proposta de trabalho; o que eu
considero relevante seria ter tempo com os meus professores e
é o que eu não tenho. (CRIATIVIDADE)

Bom, na função do coordenador pedagógico o que seria


importante era a gente ter tempo para se ater à preparação do
que é a função que nós temos que trabalhar o Sala do
Professor, preparar nós teremos que ter mais tempo pra sentar
com as outras coordenadoras, estudar, discutir e tempo
realmente a gente não tem. (FORÇA DE VONTADE)

Um dos aspectos importante que eu considero muito relevante,


mas não depende da minha função é trabalho coletivo. [...]
outra questão que eu vejo assim que hoje a escola ela está
106

fazendo muito mais que o papel social de você acontecer


coisinhas às vezes simples que o professor poderia até tá
resolvendo na sala, mas aí ele manda que a coordenação
resolva aí eu digo: - Gente o que pode resolver na sala tenta
resolver aí. [...] Esse acompanhamento é mais social do que
educativo. (DETERMINAÇÃO)

Olha, eu assim eu gosto muito do trabalho que eu faço junto


aos alunos, conversar com os alunos, a gente chama,
aconselha, quando a gente vê os alunos não ta tendo um bom
desempenho que a gente faz conselho de classe
bimestralmente. [...] a gente acaba às vezes ficando frustrado
porque a gente não consegue ajudar mais o professor, o
professor a gente deveria ajudar. Uma professora me pediu
pra olhar os relatórios e dar sugestões, e tem três dias que os
relatórios estão na minha gaveta. (LUZ)

Os dramas diários presentes nos relatos das coordenadoras levam-nos a


perceber, em primeiro lugar, qual é o conceito de escola e de educação que aparece
nas falas de nossas protagonistas. O conceito de educação marcadamente presente
nas narrações de suas atividades diárias revelam certa conformação com o que está
posto; além disso, evidencia-se que seus comportamentos de certa forma cooperam
para o não engajamento do coletivo da escola. Ao trazerem para si todos os
problemas da sala de aula e da escola como se fossem apenas seus, retiram deste
coletivo a oportunidade da reflexão e da conquista de autonomia por parte dos
professores, além de exaustivamente trabalharem, guardando para si, sempre, a
sensação do nada feito, do nada produzido. Vê-se que impera a improvisação e a
utilização apressada de escolhas e alternativas como solução a estes problemas, as
quais, reiteradamente, apontamos serem reprodutivistas, característica profunda da
cotidianidade.
107

Em segundo lugar, observamos que a articulação presente mediada por


estas coordenadoras não se encontra no nível do pensamento que Vasconcellos
(2006, p. 87) propõe:

O núcleo de definição e de articulação da supervisão deve ser,


portanto, o pedagógico (que é o núcleo da escola, enquanto
especificidade institucional) e, em especial, os processos de
ensino-aprendizagem.

É preciso lembrar, antes de tudo, que a coordenação é exercida por um


educador, e por este viés entenderemos que o mesmo deve estar no combate a tudo
que contribua para desumanizar a escola. Nestes relatos é notório que as
coordenadoras até sofrem, pelas limitações impostas por esta rotina tão estafante e
até certo ponto vazia, sem o engendramento, da provocação, do questionamento, do
ânimo coletivo, uma vez que fica patente o descontentamento e a angústia dessas
coordenadoras por saberem e terem clareza de que poderiam estar fazendo
diferente. Tal descontentamento e angústia vem dessa consciência do não estar e
não ser que Paulo Freire (1983) relembra em seu livro A pedagogia como Prática de
Liberdade afirmando que a vocação humana do Ser Mais, é vocação ontológica do
ser humano, que é a sua humanização.

Entenderemos que a coordenação pedagógica, a partir da função social da


escola, deve ser a mediadora das relações, como articulação entre as atividades-fim
e as atividades-meio, encaminhando-se para a abertura de outros paradigmas de
uma supervisão para uma coordenação, pois se percebe na fala das protagonistas
que a coordenação não é ou não está sendo, mas deveria ser. A projeção de suas
ações a um futuro do pretérito com ação condicional atribui à visão das mesmas um
ângulo de ação remissivo, como possibilidade de efetivação. Pode-se ver isto, por
exemplo, no uso das formas verbais: “seria”; “ter tempo” (CRIATIVIDADE); “o que
seria importante” (FORÇA DE VONTADE); “o professor poderia”
(DETERMINAÇÃO); “ a gente deveria” (LUZ).
108

O que as coordenadoras reclamam acerca do tempo reafirma o número


excessivo de tarefas, causado por inúmeros problemas vivenciados no dia-a-dia
para organizar o planejamento e a execução do trabalho coletivo na escola, e isso
implica na existência de um sentido oculto que precisa ser interpretado e acerca do
qual discorremos, ligeiramente, no final desta seção. Por meio da mediação das
relações e da concretização de seu plano de ação,e entenderemos que apesar do
fator tempo, está reservado ao coordenador pedagógico, como um de seus
atributos, o de instrumentalizar o grupo para gerir os conflitos, favorecendo a
construção da autonomia e a emancipação dos indivíduos, para que assim a escola
possa cumprir o seu papel e que estes indivíduos ao efetuar suas demandas e
dinâmicas pessoais, deem vida à escola.

Conforme temos reiterado, portanto a prática pedagógica é sempre política,


isso dá a ela empoderamento para alguma coisa. É indispensável que o
coordenador pedagógico tenha uma razoável clareza sobre as reais funções que o
capital desempenha em relação ao seu trabalho; por este caminho deverá entender,
que a reflexão na e sobre a prática pedagógica não pode ficar alheia aos vínculos
entre trabalho e educação. (CARVALHO, 2005, p. 133).

Na perspectiva pensada e proposta por Veiga (2003) o projeto político


pedagógico pode ser o elo aglutinador entre as diversas práticas desenvolvidas pela
escola. A autora, porém, adverte que este projeto não deve de modo algum ser
utilizado e construído com base no conceito do “pronto e acabado”, cumprindo
objetivos meramente técnicos e burocráticos, corroborando os princípios da
racionalidade técnica, reforçando o poder de alguns em detrimento de outros. A
educadora considera, igualmente, que os conceitos de inovação e inventividade que
devem pertencer à natureza do projeto político-pedagógico precisam estar
entrelaçados aos conceitos de autonomia e emancipação. Ela acrescenta que

A inovação emancipatória ou edificante é de natureza ético-


social e cognitivo-instrumental, visando à eficácia dos
processos formativos sob a exigência da ética. A inovação é
produto da reflexão da realidade interna da instituição
109

referenciada a um contexto social mais amplo. (VEIGA, 2003,


p. 275)

E, ainda, que

Organizar as atividades-fim e meio da instituição educativa, por


meio do projeto político-pedagógico sob a ótica da inovação
emancipatória e edificante, traz consigo a possibilidade de
alunos, professores, servidores técnico-administrativos unirem-
se e separarem-se de acordo com as necessidades do
processo. (Idem, p.275)

E por fim, voltamos à questão do tempo, da qual se apropriaram todas as


coordenadoras envolvidas na pesquisa, quando justificaram o não-ser em suas
práticas pedagógicas. Paulo Freire adverte que é preciso cultivar uma inteligente e
inquieta paciência histórica, para que, junto com o coletivo da escola, possa se estar
atento e não haja quebra dos processos pessoais e sociais da humanização. E
quando falo do tempo, não se pode caracterizar que elas não se dedicam ao
trabalho, ao contrário disto se desdobram excessivamente sobre o trabalho como
bem aponta pelos menos duas das quatro coordenadoras. FORÇA DE VONTADE
relata que
Eu passo a maior parte do tempo na escola, ontem
eu comentei que eu trabalho em casa e moro na
escola, eu cumpro os três períodos por quatro dias
na semana.

Da mesma forma a coordenadora LUZ relata


Às vezes eu tenho que ficar além do meu horário
pra eu conseguir realizar.

Repensar essa jornada exaustiva e essa quantidade exorbitante de tarefas e


de responsabilidades não nos parece somente uma questão de organização do
trabalho educativo na escola, parece-nos, outrossim, uma questão de saúde do
trabalhador.
110

Segundo Paulo Freire ao tempo reserva-se o tempo da esperança e das


utopias, configuração do não-ser que está sendo, para o que deve ser, isto é, ele
constitui o espaço da produção, a possibilidade de transformação da escola e da
transformação do mundo. Ao assenhorarem-se do tempo histórico, na sua prática
cotidiana, num movimento político e emancipador, a coordenação para o exercício
qualitativo de sua função, deve se revestir de uma consciência histórica traduzida na
percepção preconizada por Freire (1987, p. 41):

O que antes já existia como objetividade, mas não era


percebido em suas implicações mais profundas e, às vezes,
nem sequer era percebido, se “destaca” e assume o caráter de
problema, portanto, de desafio. A partir deste momento, o
“percebido destacado” já é objeto da “admiração” dos homens,
e, como tal, de sua ação e de seu conhecimento.

Logicamente que, ao tratar o tempo nestes termos talvez possa entendê-lo


apenas por uma questão semântica, mas essa consciência histórica deve,
invariavelmente, nos remeter a uma avaliação dessas rotinas e a uma revisão da
ordem de prioridades estabelecidas na relação entre as múltiplas atividades
desenvolvidas pelo coordenador pedagógico. Avaliando os tipos de práticas
docentes Freire (1998, p.44) externou assim seu pensamento

Quanto melhor faça esta operação, tanto mais


inteligência ganha da prática em análise e maior
comunicabilidade exerce em torno da superação da
ingenuidade pela rigorosidade [...] quanto mais me
assumo como estou sendo e percebo a ou as
razões de ser porque estou sendo assim, mais me
torno capaz de mudar, de promover-me, no caso,
do estado de curiosidade ingênua para o de
curiosidade epistemológica.
111

4.1 A ordenação Política do Cotidiano da Escola: Da Ação Coordenadora a


Valores de Gestão

A partir do conceito de gestão e dos pressupostos de ordenação, numa


acepção política do papel a ser desempenhado pela coordenação pedagógica, com
vistas a propor uma racionalidade também política e emancipadora, torna-se
pertinente saber qual de fato é a ordenação que o coordenador pedagógico deve ou
consegue dar ao cotidiano da escola. Buscamos realizar este objetivo percebendo
quais valores de gestão embasam sua prática cotidiana e entendendo que a sua
função tem a ver com a organização do trabalho produtivo da escola, cujo objetivo a
ser alcançado deve ser a qualidade de ensino, através da valorização da prática
educativa do professor e do reforço às estruturas e processos democráticos na
escola.

Pensando nas estruturas e nos processos democráticos da escola,


perguntamos às entrevistadas sobre a forma como são distribuídas as tarefas pela
equipe gestora (direção e coordenação) e como organizam o seu trabalho com o
trabalho do professor e o aluno, ao que prontamente responderam:

Nós dividimos as tarefas por período, nós somos três


coordenadoras, cada uma cuida de um período, eu cuido da
tarde, eu estou satisfeita [...] uma certa forma de você não está
interferindo no horário da outra, no trabalho da outra, você está
se responsabilizando pelo seu trabalho e dentro do seu período
você pode estar criando diversas alternativas de trabalho,
diversos projetos, diversos eventos para a escola.
(CRIATIVIDADE)

Por sermos três coordenadoras cada uma assumiu um período:


a do matutino a questão do matutino, vespertino e eu no
noturno, então é satisfatório porque a gente está fazendo, está
trabalhando no período que gosta, apesar de, como eu falei,
passar boa parte do tempo na escola e em outros períodos e
auxiliar as outras, a gente está sempre junto, a gente trabalha
sempre juntas [...] (FORÇA DE VONTADE)
112

É como eu disse, a gente achou por bem direcionar um pouco,


mais por período, então eu sou mais responsável pelo período
matutino, mas isso não engessa meu trabalho, eu trabalho à
tarde, venho à noite, então a gente é uma equipe, uma sempre
ajuda a outra, então, mas, a gente procura distribuir até no
acompanhamento de alguns projetos, a gente procura distribuir
as tarefas, mas a gente se reúne e quando está precisando de
mais ajuda a outra está disposta. [...] (LUZ)

[...] na nossa reunião da equipe gestora que nós costumamos


fazer quinzenalmente, a gente procura deixar os papeis
definidos de cada uma, só que não tem como falar assim: eu
vou até aqui, o outro até ali. [...] sabe pra trabalhar um ajuda o
outro, um tá precisando o outro tá pronto. [...]
(DETERMINAÇÃO)

Em seus relatos acerca da organização de suas tarefas, é inegável que o


desenho organizacional da escola, os arranjos organizacionais e as suas estruturas
formais se predeterminam, atendem a um modelo uniformizado para todos, mesmo
na ordenação pedagógica, na formulação do currículo da escola, etc.,
independemente de ser a escola Alfa ou Ômega. É óbvio que toda estrutura requer
uma organização, uma ordenação, e ao que se observa, as equipes diretivas tentam
minimizar o impacto de um amontoado de tarefas que se avolumam, se interpõem
rotineiramente no dia-a-dia da escola. Para dar conta deste grande número de
atividades, torna-se de vital importância a divisão das tarefas e, até certo ponto, esta
forma de ordenação parece ser um mal necessário.

Porém, ao vislumbrar a participação coletiva, consideradas apenas as


relações entre as próprias coordenadoras, tal conceito se restringe apenas a uma
“ajuda” que uma dá a outra. Observa-se, então, a mesma hierarquia curricular,
baseada na divisão do ensino em disciplinas, na departamentalização, enfim na
divisão social do trabalho, modelo taylorista e de racionalidade técnica. Assim, o que
se vê é que as coordenadoras, por mais bem intencionadas e vocacionadas para o
trabalho como deveras são, acabam por desenvolver o que Lima (2001) classifica
113

como sendo o plano das orientações para a ação organizacional, em detrimento de


um plano da ação organizacional, ou seja, os regulamentos e as orientações só
servem formalmente para a organização da escola, cerne do modelo decretado, e
acontecem sempre de forma vertical. Já o plano da ação organizacional, ocorre de
forma horizontal, prevê a participação e a avaliação de outrem. Pelo fato de essas
coordenadoras reduzirem a sua ordenação a uma única orientação: a da divisão do
trabalho de forma muito pontual, pode-se classificar, a priori, a escola como uma
organização burocrática. Gadotti (1998, p. 20) acredita haver nesse momento uma
dissociação entre o homem e sua função, e para ele

Esta dissociação é reforçada pela importância e o crédito


atribuído atualmente às estruturas, às suas leis, ao seu
funcionamento. A escola está mergulhada na sociedade. São
os sistemas sociais, políticos, econômicos que determinam os
sistemas educativos e são esses sistemas que se exprimem
através dos educandos.

Por esse viés, a reflexão crítica e de fato coletiva voltada para o entendimento
da importância do papel da coordenação pedagógica, poderia mudar o curso das
coisas e a maneira como se estabelece tal função na escola. Isto contaria mais do
que a capacidade de organizarem-se umas com as outras.
E ainda no mesmo entendimento obtivemos as seguintes respostas, ao
interrogarmos as coordenadoras sobre a organização do seu trabalho com o do
professor:

A gente tem reuniões de replanejamento, pra está


acompanhando o plano de ação do professor, pra tá sugerindo
e nós temos o laboratório de informática, então a gente procura
estar sempre buscando sugestões pra eles de maneiras para
eles trabalharem. (LUZ)

Bom, lá em questão de organização o meu trabalho com o


trabalho do professor, eu, a gente, procura auxiliá-lo com
material didático, agora mesmo nós tivemos uma idéia de
trabalhar, de enfatizar a leitura e a produção de texto em toda a
114

EJA, por exemplo, e nós estamos correndo atrás de material,


montei uma caixa de material onde tem revistas, textos,
organizei tudo, tá, em pastas, os textos, as revistas, para os
professores utilizarem, então a gente tenta assim auxiliar na
medida do possível. (FORÇA DE VONTADE)

Nosso trabalho com o professor é o feito assim, na medida do


possível, de acordo com a disponibilidade do professor, porque
hoje eles participam da formação do CEFAPRO, de outras
formações, porque eles também estão preocupados com a
questão da contagem de ponto, de acordo com a pontuação,
então eles estão buscando suas formações. (CRIATIVIDADE)

Bom, é o trabalho com o professor, eu digo que é no cotidiano


é no dia-a-dia.[...] estamos reunidos no Sala do Professor com
os professores do período matutino e das 17:30 às 20:00 nós
estamos com os professores do vespertino. (DETERMINAÇÃO)

Neste ponto, queremos retomar o conceito gramsciano de que o professor é


um “organizador da cultura”, que atualizado por Gadotti, assevera ser o coordenador
pedagógico o “organizador da aprendizagem docente e discente”, pois, para ele a
educação é “essencialmente ato”, e daí depreende-se que educação é práxis, posto
ser um espaço de luta por liberdade, luta que deve prosseguir para além da prática
pedagógica, para além da escola. Gadotti (2002, p.8) reforça esse pensamento
afirmando que

Em resumo, poderíamos dizer que o professor se tornou um


aprendiz permanente, um construtor de sentidos, um
cooperador, e, sobretudo, um organizador da aprendizagem.
Se falamos do professor de adultos e do professor de cursos a
distância, esses papéis são ainda mais relevantes. De nada
adiantará ensinar, se os alunos não conseguirem organizar o
seu trabalho, serem sujeitos ativos da aprendizagem, auto-
disciplinados, motivados.
115

Como organizadora da aprendizagem, a coordenação não deve ser


entendida como assistencialista e domesticadora, conforme se observa nas falas
das coordenadoras pesquisadas, ao determinarem que ordenação conseguem dar
ao cotidiano escolar: são recorrentes os termos e as ideias de “assistência”, “ajuda”,
“auxílio”, “apoio”. Para se aproximar do sentido proposto por Gramsci, é necessário
que o coordenador seja aquele que organiza a produção na escola. Essa produção é
aprendizagem, é ensino; mediado pelas relações de produção da aprendizagem,
portanto, pautada nas relações humanas. A coordenação não pode ser concebida
por sua natureza puramente técnica, mas pelos seus fundamentos políticos,
portanto, libertando-se de seu ranço capitalista historicamente construído. Referindo-
se a ela, Gadotti (1998, p. 109) teoriza:

Por isso, como estratégia eu começaria pela própria formação


do supervisor. Seu curso é um curso sem teoria, isto é, sem
sólida visão da realidade educacional. [...] isso implicaria uma
orientação básica que seria alargar substancialmente o âmbito
da supervisão escolar, para que ela não seja apenas “escolar”.

Ser este organizador da produção educativa constitui um dos maiores


desafios da coordenação pedagógica, realizar um trabalho que tenha significado
relevante para professores e alunos, enquanto sujeitos autônomos fundamentados
na construção do pensar para agir e do pensar e agir. Para tanto, sua ajuda deve ter
o sentido de rever sua rotina, repensar sua prática, romper com o formalismo. A
ressignificação da função coordenadora do coordenador pedagógico passa pela
construção de sua identidade profissional, a partir da opção por um quadro de
valores, da reflexão coletiva e da posição de enfrentamento ao que está posto, no
sentido de negar a fragmentação do trabalho do coordenador, a individualização que
restringe sua atuação político-pedagógica no espaço escolar.
O trabalho desse coordenador deve estar comprometido com a proposta
geral da escola, onde atua, refutando o modelo decretado pelas políticas públicas de
isolamento, de controle formal e burocrático a que está submetida a escola. As
palavras de Paulo Freire (1987, p. 43) confirmam esse argumento:

Esta busca do ser mais, porém, não pode realizar-se no


isolamento, no individualismo, mas na comunhão, na
116

solidariedade dos existires, daí que seja impossível dar-se nas


relações antagônicas entre opressores e oprimidos.

Ao exercer uma função mais “assistencialista” o coordenador reveste-se de


uma concepção de educação tradicional que retoma os significados de supervisão
desde Ratium Studiorum, que se perpetuam e coexistem com os pensamentos mais
elaborados, críticos e reflexivos da atualidade.
Ao analisar que ordenação o coordenador consegue dar ao cotidiano da
escola, pode-se verificar com Carvalho (2005, p. 124), que

Os caminhos perversos da educação estão presentes na lógica


da organização escolar, na forma de transmissão do
conhecimento que desconsidera a realidade do estudante,
neste universo de luta dos contrários, onde de um lado se faz
presente o aluno com seu desempenho individual, e de outro
lado estão os determinantes sociais.

Por fim, diante da pergunta acerca da organização de seu trabalho


pedagógico no desenvolvimento de suas tarefas com os alunos, as coordenadoras
responderam:

As tarefas de acompanhamento da aprendizagem isso é


semanalmente, no nosso Sala do Professor mensalmente,
bimestralmente, semestralmente, anualmente. [...] reuniões em
sala de aula pra ver o que está faltando, porque de tal
comportamento, porque hoje os adolescentes estão muito, falo
mais do período da manhã, eles estão muito agressivos e há
necessidade da fazer um trabalho diferenciado com eles.
(DETERMINAÇÃO)

Olha, por incrível que pareça uma das atividades que eu mais
realizo com o aluno é chamá-lo para a direção, é cuidar desse
aluno que tá fora da sala e perguntar por que chegou atrasado,
[...] por que veio sem uniforme, a parte burocrática, a cobrança
mesmo da escola. São raros os momentos que nós podemos
sentar com esse aluno discutir os problemas que normalmente
117

existe a prática que pós conselho de a gente está chamando os


alunos que estão com dificuldades. (CRIATIVIDADE)

Bom, na verdade, com os alunos a gente acaba assim ficando


na questão só de resolver os problemas que aparecem, aqui é
um ou outro, até aluno que procura pra pedir auxílio, pra pedir
orientações, um termo do conteúdo lá dele, alguma coisa
nesse sentido, mas fora isso a gente não tem muito acesso,
muito contato nesse sentido, não. (FORÇA DE VONTADE)

Além de acompanhar, é por causa dessa divisão da


responsabilidade por período, então a gente acompanha mais
de perto a questão mesmo da organização do período e
também o acompanhamento do desempenho dos alunos,
sempre a gente faz é o conselho de classe, a gente chama os
pais, [...] e também o próprio desempenho dele, a gente passa
de sala em sala, a gente conversa, sensibiliza e mostra pro
aluno a quantidade de disciplina que ele não está tendo bom
desempenho. (LUZ)

É óbvio que na realidade presente nas narrativas das coordenadoras está


espelhada a atual estrutura organizacional da escola e tomada esta como uma
instituição formal e responsável pela formação do aluno que tem funcionado
predominante como mecanismo de controle e seletividade. Esta perspectiva de
educação contribui sobremaneira para a expulsão dos discentes, esse cotidiano
retratado tem conseguido a expropriação do conhecimento acumulado
historicamente. Desta forma, a ação coordenadora se apresenta desvinculada da
vida social e intelectual de nossos alunos e essa neutralidade pedagógica
relacionada às aproximações entre o trabalho educativo e a aprendizagem parece
marcar a prática do coordenador pedagógico.

Porém, mesmo num espaço de tanta contradição, o desafio colocado para o


coordenador pedagógico é encontrar a educabilidade do seu trabalho a partir do
118

empreendimento de uma práxis educativa para a escola. Para além da


operacionalização do modelo de organização baseado na divisão social do trabalho
e de classe, a organização do trabalho pedagógico, via papel do coordenador, deve
conduzir para uma aprendizagem na qual se possam prever dúvidas, perguntas,
conflitos, porém alicerçada numa convivência respeitosa e fraterna. A fraternidade
tratada aqui não se refere a nenhum tipo de sublimação, mas pauta-se na relação
dialógica freiriana em que os dialogantes, apesar de ora se oporem, ora se
aproximarem, admiram um mesmo mundo, onde a consciência pode se abrir para a
infinitude das múltiplas relações. Vemos em Carvalho (2005, p. 71) que,

Enfim, a relação pedagógica que prima pela transformação,


prescinde e deve ser tratada como uma situação dialógica,
visto que sua finalidade é problematizar e ativar a “curiosidade
epistemológica” do educando e educador, como enfatiza Paulo
Freire.

Assim, os valores da gestão pedagógica do ensino revestem-se da


atribuição de certo empoderamento a todos os papéis desenvolvidos na escola,
desde a autoridade do professor em sala de aula, a autoridade administrativa e
pedagógica constituída através de um poder institucionalizado e estabilizado, na
medida em que “a escola e os professores possuem funções definidas e
coordenadas de maneira estável e aceitas institucionalmente” (PARO, 2008, p. 57).
Mas é importante lembrar que as relações de poder são sempre relações
pedagógicas, e estas, por sua natureza são sempre políticas; por esta visão, Paulo
Freire defendia que o ponto de vista deve ser sempre o ponto de vista do oprimido.
Pode-se perceber, contudo, que as coordenadoras acabam por relegar para
segundo plano a organização do trabalho pedagógico traduzido na ação
coordenadora voltada para as tarefas que desenvolvem com os alunos. Acredita-se
que esta ação não deva estar apenas revestida de caráter punitivo, e autoritarismo e
de distanciamento em relação à qualidade do trabalho pedagógico voltado para os
escolares. Freire (1998, p. 104) convida-nos a entender que “a autoridade
coerentemente democrática está convicta de que a disciplina verdadeira não existe
119

na estagnação, no silêncio dos silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, na


dúvida que instiga, na esperança que desperta”.

Aqui ainda cabe aprofundar a análise desta questão, já levantada e discutida


também anteriormente, que é a questão das relações de poder na escola. A
finalidade de tudo já exposto é que escola cumpra seu papel, mas essa parece uma
tarefa nada fácil nem simples de ser conseguida, pois, como já afirmamos a escola é
complexa. Nesse ambiente as coordenadoras precisam ordenar seu próprio
trabalho, ordenar o seu trabalho com o trabalho do professor em sala de aula,
ordenar o seu trabalho com a formação continuada na escola e ordenar o seu
trabalho com o trabalho do aluno em situação de aprendizagem (dentro da sala de
aula) e em situação extraclasse (fora da sala de aula), sob dois aspectos:
intervenção pedagógica e indisciplina. Para a efetivação dessa grande quantidade
de tarefas e responsabilidades é preciso se admitir uma postura frente a tudo isso, e
tal postura passa obviamente pelas relações de poder na escola. Pois todo o
processo educativo está envolvido por essas relações de poder. O que se revela na
fala das entrevistadas é que, em determinado momento, quando da ordenação de
todas essas tarefas, elas exercem um poder, classificado por Paro (2008) de poder-
sobre, principalmente quando está em questão a indisciplina dos alunos.

Na fala da coordenadora CRIATIVIDADE tem-se que “[...] uma das


atividades que mais realizo com o aluno é chamá-lo para a direção, vê porque está
pra fora da sala e porque chegou atrasado”. A coordenadora LUZ também revela
que parte do seu trabalho com o aluno está relacionada à indisciplina e ainda ao
aconselhamento ao ocorrer baixo desempenho.

Para estes casos, Paro avalia que as coordenadoras podem estar sob a
anuência do poder estabilizado utilizado em prejuízo da condição de sujeito daquele
que obedece e no qual as relações de poder se fazem também pela coerção, modo
característico da forma atual, sendo que o exercício por meio da doutrinação
caracteriza a forma potencial, já com a persuasão presente tanto na forma potencial
(possibilidade de exercício do poder) quanto na forma atual (o exercício de fato),
120

tanto se pode conceber a liberdade de opinião, como levar os sujeitos a determinada


doutrinação.

Isso fica evidente nos vocábulos utilizados pelas coordenadoras: forma


potencial – “saber por que você está sem uniforme”, “saber por que chegou
atrasado”, “por que está pra fora da sala” – forma atual – “aconselho”, “sensibilizo”,
“auxilio”. Como se vê, quando se trata de indisciplina, elas utilizam-se do poder
potencial, e quando a questão é o desempenho do aluno elas recorrem mais ao
poder atualizado. Paro afirma que esta característica está fortemente ligada ao
conceito de educação do qual se apropriam os atores da escola, e vemos com
clareza tudo isso traduzido nas suas palavras,

O entendimento da educação como exercício do


poder, do modo como vimos examinando, ajuda a
compreender o processo pedagógico em si, mas deve
trazer maior clareza também à compreensão da
prática escolar em geral e à concepção de uma
organização escolar que favoreça a realização mais
democrática dessa prática (PARO, 2008, p. 69)

Ainda avaliando a questão da autoridade no contexto da ordenação do


trabalho educativo, percebe-se que as entrevistadas exercem um poder estabilizado,
que é aquele “naturalizado” como poder continuativo, reconhecido por todos os
envolvidos na escola, tornando-se legítimo. Por outro lado, o que se pode constatar
nas falas das mesmas é que essa “estabilização” e essa “institucionalização”
exercem um poder inverso no coletivo da escola, pois todos os envolvidos passam a
direcionar todo e qualquer problema a este coordenador, como se fora ele o único
responsável ou com poder suficiente para resolver todas as questões da escola.
Esta realidade fica patente nas narrativas das coordenadoras quando dizem:

A gente tenta auxiliar com tudo na medida do


possível [com o professor]. A gente fica na
questão só de resolver os problemas que
aparecem aqui [com os alunos]. (FORÇA DE
VONTADE)
121

A gente procura sempre estar buscando


sugestões e maneiras para eles [professor]
trabalharem. A gente aconselha os alunos
sobre seu desempenho. [...] tem um
atendimento aos pais [...] acompanha algum
conflito em sala de aula, chama para
conversar. (LUZ)

Nosso trabalho com o professor é o feito na


medida do possível de acordo com a
disponibilidade do professor, muitos estão
preocupados com a contagem de pontos, o
que mais discutimos é a questão da avaliação
e da indisciplina. O que mais realizo com os
alunos é chamar para direção pra cuidar por
estar fora da sala, a parte burocrática, a
cobrança mesmo e ainda discutir os
problemas das dificuldades dos alunos.
(CRIATIVIDADE)

Enfim, o que está posto é que, embora ao estudar a ordenação do cotidiano


da escola mediatizada pelo coordenador pedagógico, sobretudo no aspecto político,
observe-se que muitos entraves ainda precisam ser superados, a nosso ver a escola
nunca precisou tanto da institucionalização da coordenação pedagógica e da
materialidade do seu trabalho como garantia da funcionalidade das rotinas
escolares. O que é preciso, agora, é que na perspectiva das relações de poder isto
possa se ampliar, oferecendo um horizonte para uma prática educativa voltada para
a ação humana; todavia sabemos que isto não cabe apenas ao coordenador
pedagógico: esse poder-sobre, delegado pelos pares, precisa ser repensado, tudo
no espaço escolar deve ser responsabilidade de todos. Todo o coletivo da escola
precisa do que Paulo Freire apontou em muitos dos seus escritos, segundo
escreveu Guareschi (2008, p. 165), neles Freire afirma não acreditar numa
autolibertação, pois a libertação é sempre social e coletiva:
122

Mesmo quando você se sente, individualmente, mais


livre, se esse sentimento não é um sentimento social, se
você é capaz de usar sua liberdade recente para ajudar
os outros se libertarem através da transformação da
sociedade, então você só está exercitando uma atitude
individualista no sentido do empowerment ou da
liberdade.

Segundo Guareschi (2008), esse conceito de empoderamento aparece


pela primeira vez no livro Medo e Ousadia, escrito na parceria de Paulo Freire
com Ira Shor (1986). O termo deve ser tomado não no sentido de dar poder a
alguém e o outro receber, numa perspectiva individualista, mas sim
intimamente ligado à conscientização, como ato social e político (Idem, p. 165).
Tal é a perspectiva política que se deve dar a esta função pelo coletivo da
escola.

4.2 Concepções e Práticas do Coordenador Pedagógico

Esta seção tem o intuito de demonstrar qual prática que fato tem sido
desenvolvida cotidianamente na escola, a partir das descrições feitas nas narrativas
das coordenadoras. Procuramos dar aqui um significado histórico da hierarquia de
sua função e, também, trazer um entendimento sobre as concepções e as práticas
educativas empreendidas pelo coordenador pedagógico.

Se desde a sociedade antiga a função do supervisor assumia claramente a


forma de controle e de conformação, na época atual, quando se exige da escola
estruturação e organização, a supervisão educacional vai ganhando materialidade.
Esses fios condutores históricos nos levam a compreender porque não é tão fácil
determinar a territorialidade da função e do papel do coordenador pedagógico. No
percorrer desses fios, quando o termo supervisor é substituído por coordenador
123

pedagógico, duas lógicas se interpõem: a primeira diz respeito à questão da


formação de professores para atuarem na administração e supervisão escolar, e a
segunda, concerne à questão do papel do coordenador pedagógico nesta outra
lógica de formação e de organização da escola. No que diz respeito à formação,
destacam-se no Brasil as reformulações do curso de Pedagogia, a partir do Parecer
252/69, que vai provocar ações desencadeadas de reformulações culminando com a
transposição da formação do supervisor para a pós-graduação.

Para melhor entendimento desta questão, retomamos o conceito de educação


que se vê em Libâneo e Pimenta (2006, p.33), que a concebe como sistemas
educacionais para além da formal institucionalização da escola, pois prevê atuação
profissional nos vários campos sociais da educação, decorrentes de novas
necessidades e demandas sociais a serem reguladas profissionalmente. Por isso
mesmo, não se pode conceber que a pedagogia tenha como objetivo apenas a
formação docente.

Na questão do papel do coordenador na perspectiva da formação docente, o


que se observa é que, quando houve, por meio de reformulações dos cursos de
formação da Pedagogia, a separação entre trabalho pedagógico e trabalho docente -
porque o trabalho pedagógico não se resume apenas às atividades de sala de aula -
pode se verificar certa dificuldade em compreender na escola o fenômeno educativo.
Libâneo sobre o assunto assim se manifesta:

Dessa forma, o que nos parece problemático são os


seguintes aspectos: a) o caráter “tecnicista” do curso e o
consequente esvaziamento teórico da formação,
excluindo o caráter da pedagogia como investigação do
fenômeno educativo; [...] c) a fragmentação excessiva de
tarefas no âmbito das escolas; d) a separação no
currículo entre os dois blocos, a formação pedagógica de
base e os estudos correspondentes às habilitações.
(2006, p.19-20)
124

Em Mato Grosso, nas décadas de 80 e 90, vários fatores de mudança


se verificaram ao mesmo tempo: houve a reformulação dos cursos de
Pedagogia na UFMT; o Estado deixou de ofertar o curso de Magistério na sua
rede de ensino; parou de existir a função de supervisor educacional, que só
poderia ser exercida na escola por profissional formado em Pedagogia,
passando a haver então, a coordenação pedagógica, ocupada agora por um
profissional formado em qualquer habilitação, desde que licenciatura.
Curiosamente, a realidade que se apresenta, é que das quatro coordenadoras
entrevistadas duas são pedagogas, com formação para a docência, e duas de
outras habilitações, Matemática e Letras, e não aparece diferença alguma entre
o trabalho pedagógico desempenhado pelas mesmas. Todas elas se
ampararam nas suas experiências como professoras da rede básica há pelo
menos 15 anos, sendo que este foi o item equalizador das atividades
profissionais desenvolvidas por elas no exercício de suas funções como
coordenadoras. Daí o que se depreende, é que a identidade da coordenação
pedagógica se assenta na experiência e na história acumulada desde a
supervisão escolar, e o que está ajudando na construção de sua identidade de
coordenador é que a mesma está sendo construída e sedimentada na relação
histórica, para além de suas contradições históricas, também.

Para Gadotti (1998), supervisão e coordenação podem ser apenas


uma questão de nomes; o que precisa ficar claro é em qual ideologia estão
amarrados política e socialmente esses termos.

Para evidenciar o papel do Conselho Estadual de Educação de


Mato Grosso acerca da matéria em estudo, entrevistamos também uma ex-
conselheira estadual de educação quanto à atuação do CEE/MT sobre a
coordenação pedagógica. A mesma destacou que

As normativizações das questões da escola, não é


para questões do pedagógico, mas ele não influi na
ação do professor, ele influi na ação pedagógica, o
Conselho Estadual de Educação acaba agindo
indiretamente no resultado do pedagógico, no
125

resultado da educação em si do que a educação


propõe.

Por isso ressaltamos que essa atuação é apenas verificadora, se a


escola está em conformidade com o que está preconizado por todas as leis,
resoluções do CNE – Conselho Nacional de Educação e da própria SEDUC/MT
– Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso, uma vez que foi esta
Secretaria a institucionalizadora da coordenação pedagógica, bem como, quem
determinou o perfil de gestão da função, quando da sua implantação em MT,
através das Instruções Normativas 006/95/SEDUC/MT e Instrução Normativa
001/96/SEDUC/MT e também é quem define em Portarias anuais de lotação as
atribuições dessa função na escola.

A partir dessa institucionalização a coordenação pode ser exercida na


escola por um portador de qualquer habilitação, desde que seja para a
docência e se colocou como critério básico para o professor na investidura da
função a eleição pelos pares; a partir de 2000 começou ser cobrada, como
critério para o coordenador pedagógico ser avaliado pelos colegas, a
apresentação de um plano de ação, também estudado nesta pesquisa, e,
ainda, todas as escolas tiveram que colocar em seus Regimentos a definição
do trabalho e das tarefas a serem desenvolvidas pela coordenação
pedagógica.

Se a hierarquia dessa função ainda cumpre uma lógica


administrativa e ainda traz os ranços do passado, também já estudados, por
outro lado, já começa a se desenhar, nesse mesmo período, um prenúncio de
formação para os coordenadores pedagógicos via CEFAPRO, o qual se atribui
responsabilidade de preparar melhor esses profissionais eleitos nas escolas
públicas do Estado. O que se vê é que essas formações ainda são incipientes
e não tem conseguido seduzir os coordenadores pedagógicos, que são cada
vez mais compelidos a permanecer na escola com seus afazeres. O
CEFAPRO, segundo a coordenadora LUZ, envia uma programação, sugerida
126

como proposta de atividades para as formações que as coordenadoras


precisam desenvolver na escola através do projeto SALA DO PROFESSOR.

Assim, buscando entender melhor o trabalho pedagógico desse


coordenador fazemos algumas indagações, não só para atingir essa
compreensão, mas, também, através de suas narrativas, avaliar a questão da
organização desse seu trabalho e em quais condições ele se desenvolve.

Dessa forma, quando indagadas acerca do papel do coordenador


pedagógico, as coordenadoras entrevistadas caracterizaram-no da seguinte
maneira:

É, o papel da coordenação pedagógica é auxiliar diretamente o


trabalho do professor na elaboração dos planos de aula, na
elaboração de planos de ação seja bimestral, seja semestral, é
apresentar sugestões, acompanhar se o planejamento está
batendo, a teoria dele tá batendo com a prática e a gente tem
procurado fazer tudo isso assim da melhor maneira. (LUZ)

A responsabilidade de que se assumiu uma coordenação é que


acho que a chave maior disso é o trabalho com o Sala do
Professor, formação, então a gente é como eu falei, não tem
assim, mas a gente faz das tripas coração. [...] mas isso não
dá pra ser feito porque a gente se envolve com outras
atividades na escola. (FORÇA DE VONTADE)

Olha, eu acho que o papel da coordenação pedagógica é você


tá buscando essa coisa didática, esse trabalho com os
professores, esse saber fazer de forma que o aluno possa ser
o maior beneficiado e que o professor não sinta tão fora do
processo como eu percebo. (CRIATIVIDADE)

Bom, o papel da coordenação pedagógica é acompanhar o


processo de ensino-aprendizagem, avaliar e buscar junto com
127

os professores alternativas para sanar as dificuldades, para


que o aluno possa conseguir aprender. (DETERMINAÇÃO)

Verifica-se que as coordenadoras trazem o conceito de prática como


resultante de um trabalho pedagógico. Como afirma Veiga (1992, p. 16), a prática
pedagógica é “[...] uma prática social orientada por objetivos, finalidades e
conhecimentos, e inserida no contexto da prática social. A prática pedagógica é uma
dimensão da prática social [...]”. Ora, é sabido que a prática social está imbuída de
contradições e de características socioculturais predominantes na sociedade.

Neste contexto, desenvolver o exercício da participação é um desafio para


os próprios docentes e pesquisadores envolvidos no projeto. A participação ocorre
quando há disponibilidade individual para superar as deficiências e quando existe
liberdade e respeito entre os envolvidos. É um exercício de aprendizagem constante,
do saber falar, ouvir, propor, contrariar e complementar e acreditamos que a
informação e o desenvolvimento de conhecimentos científicos são fatores
impulsionadores da participação nas atividades escolares – no campo da prática
pedagógica e da gestão da escola.

Conforme se pode verificar neste ponto da exposição, o debate que está


posto versa sobre a educação escolar traduzida pela função e pelo papel do
coordenador pedagógico como organizador da aprendizagem docente a partir dos
fundamentos, apresentados nestas objetivações, do pensamento dialético entre
indivíduo e sociedade e também dos conceitos de cotidiano e não-cotidiano e da
prática pedagógica como sendo uma dimensão da prática social. Se a educação
podemos conceber como atividade mediadora para esta prática social, por prática
pedagógica podemos entender uma possibilidade de transformação dessa prática
pela mediação da transformação dos sujeitos da e na prática social. Para o assunto
Saviani (1986, p. 76) propôs a seguinte definição:

[...] A prática social referida no ponto de partida [...] e no ponto


de chegada [...] é e não é a mesma. É a mesma, uma vez que
é ela própria que constitui ao mesmo tempo o suporte e o
contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a finalidade
128

da prática pedagógica. E não é a mesma, se considerarmos


que o modo de nos situarmos em seu interior se alterou
qualitativamente pela mediação da ação pedagógica: e já que
somos, enquanto agentes sociais, elementos objetivamente
constitutivos da prática social, é lícito concluir que a própria se
alterou qualitativamente.

A efetivação de uma prática pedagógica que gere nos sujeitos que dela
participam, as transformações contributivas para sua atuação como sujeitos
transformadores da prática social, cuja decorrência está na construção e execução
de sua função, é a transmissão do saber acumulado historicamente. Para que tal
aconteça é imprescindível e necessário que essa historicização seja
indubitavelmente, na esfera crítica. Se, potencialmente, o trabalho das
coordenadoras não está direcionado a esta concepção de prática, é importante,
contudo, considerar alguns aspectos que sobressaem quando as mesmas
demonstram e reconhecem a extrema necessidade de oportunidade para mudar o
direcionamento do que fazem.

Quando a coordenadora DETERMINAÇÃO estabelece como papel do


coordenador pedagógico acompanhar o processo ensino-aprendizagem, ela entende
e concorda com todas as definições discutidas aqui. O que merece nossa reflexão,
também, talvez seja que o coletivo da escola deva conferir uma identidade ao
coordenador, avaliando como sendo importante a oportunização do tempo para que
ele possa estudar, propor e organizar o trabalho educativo. Se de um lado temos as
coordenadoras trazendo para si todos os problemas da escola, de outro temos
outros atores (professores, direção, alunos) impingindo-lhes tal responsabilidade.

No momento em que a coordenadora CRIATIVIDADE fala da didática e do


trabalho do professor voltado para o compromisso com o aluno, ela recoloca o
debate acima do conceito de cotidianidade, ou seja, refuta aspectos mais
reprodutivistas e reforça a formação do indivíduo como possibilidade de
emancipação. Por este foco, a coordenadora resgata o papel da escola e a
possibilidade de que a construção dos saberes se faça num espaço de profunda
reflexão-ação, convém lembrar que segundo Alarcão (2008, p. 41),
129

A noção de professor reflexivo baseia-se na consciência


da capacidade de pensamento e reflexão que caracteriza
o ser humano como criativo e não como mero reprodutor
de ideias e práticas que lhe são exteriores.

Tanto as coordenadoras LUZ e FORÇA DE VONTADE corroboram ser


primordial o foco no trabalho do professor, notadamente que se reforce a
profissionalidade docente, que se potencialize a natureza educativa do professor;
entretanto, há que se reforçar a identidade do coordenador pedagógico para além de
ajudador, de auxiliar e de coadjuvante no desenvolvimento das práticas educativas
que se desenvolvem na escola. Pelo conceito de prática de que nos apropriamos, a
coordenação pedagógica, nesta noção profissional, nas situações profissionais,
tantas vezes incertas e imprevistas, deve atuar de forma inteligente e flexível,
situada e reativa (idem, ibidem). Doutra forma, o modelo burocrático baseado no
princípio da racionalidade técnica tende ainda mais a desconfigurar a sua atuação
no contexto escolar, isolá-la e reduzi-la ao que comprovadamente se tem observado
no espaço das escolas: atividades diretamente voltadas para a reprodução do
indivíduo, quando minimizam a atuação dos vários papéis na escola, contribuindo,
igualmente, para a reprodução da sociedade. Dessas configurações apresentadas
nas narrativas em estudo, parte delas são consideradas atividades cotidianas.

Pelo conceito de cotidiano baseado nos escritos de Heller (2008) e Duarte


(2007) as coordenadoras não estão promovendo somente o distanciamento entre as
teorias sobre a escola e a realidade do dia-a-dia das escolas; estão, sim,
distanciando a educação escolar e a vida extraescolar dos indivíduos, pois “A
atividade escolar é vista como algo que não faz parte da vida cotidiana do indivíduo”
(DUARTE, 2007, p. 37).

Reforçamos, apenas, que não se trata de descaracterizar o ardoroso trabalho


das coordenadoras, mas, sobretudo, avaliar em quais perspectivas se coloca, no
espaço da escola, o papel da coordenação pedagógica. Duarte (2007), ao defender
uma concepção de educação como mediadora na formação do indivíduo, propõe
que a objetivação do ser humano seja posta na perspectiva das esferas não-
130

cotidianas; esta perspectiva exige participação e permite o enfrentamento dos


complexos problemas da sociedade.

Em outras palavras, não basta apenas formar indivíduos, é preciso saber


para qual tipo de sociedade e, sobretudo, para qual prática social, aliada ao tipo de
prática pedagógica, a coordenação empreende sua ação coordenadora como
elemento fundante para a construção da profissionalidade docente, através de
dinâmicas direcionadas para a construção do saber pelos próprios coordenadores,
num contexto de ação educativa e numa lógica de epistemologia da prática
coletivamente construída e aprofundada, condição para sua “territorialidade”.

Quando recorremos ao termo identidade profissional, colocamos as


discussões sobre a profissionalidade docente como parte integradora dos debates
acerca das práticas do sistema escolar. Sacristan (1995, p.65) aborda
profissionalidade do seguinte modo:

O conceito de profissionalidade docente está em permanente


elaboração, devendo ser analisado em função do momento
histórico concreto e da realidade social que o conhecimento
escolar pretende legitimar; em suma, tem de ser
contextualizado.

Ao analisarmos qual a natureza da prática pedagógica que se desenvolve na


escola, a partir da realidade em estudo e, mais propriamente, como a coordenação
dessa escola apresenta-se num contexto de profissionalidade, percebe-se um
comportamento profissional marcado pelas rotinas, pelas crenças e pelos
conhecimentos (re)produzidos que acabam por se traduzir na produção de um
conhecimento técnico legitimador das práticas ali desenvolvidas e reportam,
também, aos valores culturais alçados à categoria de importantes e prioritários.
Por esta razão, falamos também em profissionalidade considerando a
coordenação pedagógica, percebendo as estruturas organizativas que circundam
sua territorialidade na escola, pois levamos em conta a prática docente como bem
aponta Sacristan (1995, p. 71), “depende de decisões individuais, mas rege-se por
normas coletivas [...] e por regulações organizacionais”. Por outro lado, é importante
ressaltar que a prática tem uma relação de dependência do meio social organizado,
131

portanto lugar de conflitos, e por esta razão nem sempre todas as exigências
coincidem com as interpretações individuais; neste contexto, observa-se que a
resistência às determinações do trabalho docente fica mais evidente quando há
margem para a reflexão coletiva. O autor ainda considera que diversas ações e
programas precisam incidir nos contextos em que a prática docente se configura,
descritos a seguir:

- O professor e a melhoria, ou a mudança das condições de


aprendizagem e das relações sociais na sala de aula;
- O professor participando ativamente no desenvolvimento
curricular deixando de ser mero consumidor;
- O professor participando e alterando as condições da escola;
- O professor participando na mudança do contexto extra-
escolar. (p.77)

Confirmam-se de alguma forma o argumento acima ressaltado que,


quando perguntamos qual era mesmo o papel do coordenador pedagógico, nossas
protagonistas responderam da seguinte forma:

Como eu disse anteriormente, a gente sabe que o papel do


coordenador é não seria tá gerenciando problemas com os
alunos, a gente sabe que seria é bem voltado mesmo ao
acompanhamento do professor. [...] Além do nosso plano,
muitas vezes eu vou fazer tais e tais coisas, chego aqui às
vezes e têm tantas outras pra fazer. (LUZ)

Na escola como um todo seria dá auxílio por parte do material.


[...] o professor do primário vem te procurar, você procura
auxiliar, do fundamental vem, o do ensino médio, conforme a
gente é solicitada a gente vai correndo atrás. (FORÇA DE
VONTADE)

Eu vejo que eu estou misturada no meio, eu gostaria de estar à


frente, auxiliando meus professores, organizando
verdadeiramente o pedagógico, até porque eu vejo o
pedagógico é tão pouco discutido na escola. (CRIATIVIDADE)
132

Bom, eu penso que o trabalho pedagógico na escola já está


direcionado, já até por algumas leis que fala a questão das
horas e dos dias letivos, das horas a serem cumpridas. [...] A
coordenação tá direcionando quanto à questão da distribuição
dos horários, e se essas aulas estão ministradas. [...] Você tem
que coordenar tudo, você tem que estar “antenada” o tempo
inteiro. (DETERMINAÇÃO)

Veem-se deste modo, reiteradas pelas coordenadoras as considerações


aderentes ao conceito de prática pedagógica como resultante de um determinismo
contextual que envolve cotidianamente seu fazer. Sua ordenação lógico-formal
reduz a atuação das mesmas à solucionadores de problemas pontuais, e esses
esquemas subsidiados por valores e ideias dão base à articulação ação-
pensamento, ou seja, quanto menor o tempo disponibilizado ao coordenador, mais
os modelos racionalizadores surgem para justificar e explicar as suas ações no
contexto das esferas cotidianas (HELLER, 2008).

Outra questão a ser considerada, encontra-se no fato de que se percebe a


necessidade da prática profissional da coordenação pedagógica mais como um
controle da prática educativa, a fim de assegurar os princípios e finalidades da
educação tradicional de caráter lógico-formal inerente à racionalidade técnica,
levando-se em conta, inclusive, que a coordenação tem suas origens na
administração e era responsável pelo controle entre o planejado e o executado.
Contudo, há aspectos, de todo modo, bastante singulares no entendimento que as
coordenadoras têm acerca do seu papel na escola e também na ordenação que
conseguem dar ao seu cotidiano. Revelam compromisso com o trabalho que
desenvolvem, aspiram à qualidade no ensino ofertado por suas escolas e
demonstram reconhecer contradições importantes nesse cotidiano.

A coordenadora CRIATIVIDADE, interpretando sua prática, admite a


importância do pedagógico, avalia e traz reflexões acerca do conceito do que
acredita ser o papel do coordenador pedagógico: ainda que ligado ao conceito de
auxiliador, ajudador, sinaliza para o conceito de organizador do pedagógico.
133

Já a coordenadora FORÇA DE VONTADE fala da coordenação e da questão


dos saberes, quando se refere aos níveis de ensino e suas especificidades das
quais o coordenador deve dar conta, uma vez que no exercício de sua profissão
recorre ao estabelecimento de uma pluralidade de saberes (TARDIF apud ANDRÉ e
VIEIRA, 2006). São saberes advindos do processo de escolarização, dos cursos de
formação, da instituição escolar, das relações interpessoais e da experiência da
profissão. André e Vieira (2006, p. 17) afirmam acerca desta questão que

Ao desempenhar suas funções, o coordenador busca, em


última instância contribuir para a efetivação do processo de
ensino e aprendizagem, o que exige a mobilização de uma
série de saberes.

Do mesmo modo, a coordenadora LUZ segue acreditando na configuração da


coordenação pedagógica mais assistencialista, uma vez que o foco de sua prática
continua sendo a prática educativa do professor com todas as implicações já
analisadas neste estudo.

Finalmente, a coordenadora DETERMINAÇÃO, apesar de assenhorar-se de


princípios racionalizadores pautados no modelo decretado, confia que as leis sejam
suficientes para conferir às estruturas organizativas da escola um princípio
emancipador. Mas afirmou que o trabalho que realiza é bastante coletivo,
principalmente na formação continuada que desenvolve na escola, uma vez que
conseguiu garantir que todos participem mensalmente de um encontro coletivo para
a hora de trabalho pedagógico coletivo – HTPC, espaço de reflexão e avaliação da
escola e das práticas empreendidas.

Em síntese, a função do coordenador pedagógico no imaginário de nossas


protagonistas apresenta-se como práticas isoladas, assistencialistas e fortemente
amparadas nos princípios da racionalidade técnica; diante do pedagógico elas
assumem a posição do “faz-tudo”, de “cuidadores” e não conseguem atribuir
significado ao seu papel na escola como organizadores da produção educativa.
Apesar de serem extremamente dedicadas ao trabalho e de realizarem uma série de
134

atividades e projetos pontuais, realizam-nos em nível do senso comum. A ação


coordenadora e a ordenação dada ao cotidiano são lampejos do que efetivamente
gostariam que fosse, quando expressam estar conscientes do que deveriam estar
fazendo e não estão. A projeção do que fazem apresenta limites, pois se afastam do
conceito de educação problematizadora e emancipatória, e estão distantes de
conseguir refutar os princípios da racionalidade técnica a que estão submetidas e
fortemente determinadas nas escolas, inclusive pelas determinações dos
organismos centrais (Assessorias Pedagógicas e SEDUC/MT) e pela implementação
de uma série de programas que requer ainda mais tempo dessas coordenadoras,
que também precisam seguir algumas programações realizadas pelo CEFAPRO.

4.3 O Coordenador Pedagógico e a Formação Continuada que se


Desenvolve na Escola

Ao lado do conceito de prática, já discutido neste estudo, e do conceito de


profissionalidade docente, também já avaliado, está o conceito de formação de
professor. Este pensamento é o condutor para uma reconsideração da função do
coordenador pedagógico que contribui para uma mudança da conceptualização
teórica da sua formação, bem como do processo do seu desenvolvimento prático.

Por formação continuada entende-se, numa perspectiva crítico-reflexiva


defendida por Nóvoa (1991, p. 25), como sendo a

Que forneça aos professores os meios de um


pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de
autoformação participada. Estar em formação implica um
investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os
percursos e os projetos próprios com vista à construção
de uma identidade, que é também identidade profissional.

O autor defende que a formação não se constroi por acumulação de cursos


ou conhecimentos, mas sim por meio de um trabalho de reflexividade crítica sobre
as práticas e de (re) construção permanente de sua identidade pessoal.
135

A compreensão de formação continuada tomada aqui é a de que seu eixo


fundante seja uma formação centrada na escola em que “assenta tanto a reflexão-
na-ação, que analisa o conhecimento-na-ação, como a reflexão sobre a ação e
sobre a reflexão-na-ação” (GÓMEZ, 1992, p.111).

Dessa forma, ao serem interrogadas acerca da formação que se desenvolve


na escola, todas as coordenadoras falaram sobre o projeto implementado pelo
CEFAPRO, denominado SALA DO PROFESSOR e idealizado pela Secretaria
Estadual de Educação de Mato Grosso - SEDUC/MT sob o gerenciamento do
Centro de Formação de Professores. Em seus relatos as coordenadoras assim se
expressaram sobre o assunto em questão:

[...] na formação continuada nós temos aqui o Sala do


Professor e nós procuramos abordar assim assuntos que a
gente percebe o professor tem dificuldade, e os assuntos que
nós mais temos discutido é a questão da avaliação e da
indisciplina, embora quanto mais a gente discute, mais a gente
descobre que tem que buscar mais e mais alternativas.
(CRIATIVIDADE)

Ah, então, na formação continuada é como eu falei, a gente


senta se organiza, discute o que vai ser discutido naquela
semana, o que a gente vai trabalhar naquela semana no Sala
do Professor com sugestões do pessoal do Cefapro. (FORÇA
DE VONTADE)

Nós dividimos dois grupos pra essa formação continuada,


então a gente se subdivide, pra acompanhar esses grupos e
uma vez por semana a gente se reúne, a gente pode discutir
textos inclusive sugeridos pelo Cefapro e a gente discute
também o dia-a-dia da sala de aula, a gente assiste filme, é
uma programação que o Cefapro sugere [...] mas a gente
coloca também a nossa criatividade junto. (LUZ)

Nossa formação acontece nas terças-feiras no Sala do


Professor, nós temos uma formação continuada aos sábados,
136

um sábado por mês. Mais pertinente a cada ciclo, a cada


realidade, tem temática que aborda um tema assim geral que
serve para todos e a nossa formação continuada com outros
temas que vem mais pra nossa formação humana.
(DETERMINAÇÃO)

O princípio norteador do projeto de formação continuada da SEDUC/MT


gerenciado pelo Cefapro, o SALA DO PROFESSOR, é o de uma formação centrada
na escola. Em primeira análise, depreenderíamos ser este, então, um princípio
importante para conferir autonomia às escolas no deferimento das ações apontadas
pelas reflexões coletivas da unidade escolar. Isto poderiam dar sentido e fortalecer a
prática pedagógica dos coordenadores através de pressupostos mais democráticos,
entre os quais a construção de um projeto político que validasse as práticas
pedagógicas desenvolvidas pela escola, um espaço de conflitos e contradições,
porém democrático. Para Apple e Beane (2001, p.18),

Os educadores profissionais, assim como os pais, os ativistas


comunitários e outros cidadãos têm o direito de estar bem
informados e de ter uma participação crítica na criação das
políticas e programas escolares para si e para os jovens.

O pensamento construído aqui não concebe a formação de professores


como um instrumento produtor de milagres na escola, mas comunga da ideia de que
a formação continuada centrada na escola pode, sim, fomentar debates que
confiram à mesma um espaço permanente de reflexão.

Em segunda análise, vê-se, porém, que este projeto contribuiu para o


isolamento das ações fomentadas na escola e ainda passou a ser utilizado para
reflexões pontuais com o intuito de resolver problemas também pontuais, como a
indisciplina dos alunos, por exemplo. Garcia (1995) conceitua a formação contínua
ou em serviço na perspectiva do desenvolvimento profissional dos professores, a
qual pressupõe uma abordagem que valorize o seu “caráter contextual,
organizacional e orientado para a mudança” (p.137), pois não afeta somente os
docentes da escola, mas sim todo processo educativo. Por esta perspectiva estão
137

em debate e investigação ou estudo: a escola, o currículo, o ensino, os alunos e os


professores. O autor apresenta a afirmação de que

[...] o conceito de desenvolvimento profissional reside no fato


de pretender superar a concepção individualista e celular das
práticas habituais de formação permanente. Quer isso dizer
que o desenvolvimento do professor não ocorre no vazio, mas
inserido num contexto mais vasto de desenvolvimento
organizacional e curricular. (DILON-PETERSON apud GARCIA,
1995, p.139)

Assim, os apontamentos feitos pelas coordenadoras pesquisadas se


direcionam para o que em Garcia classifica como reciclagem, cujo caráter pontual e
de atualização pontual, constitui-se meramente em aspectos específicos do
aperfeiçoamento de professores, como uma ação específica de treino intensivo “que
ocorre quando o conhecimento que o professor tem de uma matéria se torna
obsoleto [...] ou quando se reconhece que existe uma lacuna crítica na formação de
professores” (LANDSHEERE apud GARCIA, 1995, p.137).

Na vertente da formação continuada como atributivo para o desenvolvimento


profissional e para o desenvolvimento da escola, torna-se de extrema importância a
presença do que Garcia (1995) caracteriza como liderança instrucional, papel do
coordenador pedagógico como impulsionador de mudanças e inovações, pautadas
na existência de uma cultura de colaboração, de participação coletiva e garantidas
por uma gestão democrática e participativa. Estes são, para o autor, os princípios
básicos para que tal desenvolvimento aconteça.

Em seus escritos Nóvoa (1992) aponta que “a formação de professores pode


desempenhar papel importante na configuração de uma „nova‟ profissionalidade
docente, estimulando a emergência de uma cultura profissional no seio do
professorado e de uma cultura organizacional no seio da escola” (p.24). Desta
forma, cabe-nos reconhecer que a agência formadora e responsável pelo projeto
SALA DO PROFESSOR, o CEFAPRO, ausentou-se do debate e da
responsabilidade de trazer para si a condução desse processo na escola.
Acreditamos que seja importante avaliar que a coordenação como se estabelece na
escola, tendo como critérios apenas a formação em 3º grau e a eleição pelos pares,
138

indica a necessidade de uma formação continuada e permanente voltada para os


coordenadores pedagógicos.

Quanto ao assunto em foco, mediante a pergunta sobre qual o tipo de


preparação que tiveram para assumir a coordenação, obtivemos das entrevistadas
as seguintes respostas:

Não tem receita, não tem manual, „faz assim ou faz assado e
vai dar certo‟. Como eu disse, é no cotidiano, ajuda com os
outros profissionais que já tinham experiência, até mesmo em
outra rede como trabalhar, como fazer, o que propor, porque é
um grande desafio, você sai da sala de aula, você tem 30; você
vem pra coordenação, você tem 600, 700, 800 alunos, mais
meus colegas de trabalho, mais a direção, mais os pais, todo
mundo cobra assim que eles têm você como referência.
(DETERMINAÇÃO)

O curso que eu fiz não tem muito a ver com coordenação, mas
como a gente trabalha na escola há muito tempo, então a
gente exerce o cargo mais pela prática do que propriamente
pela teoria do que a gente estudou. [...] quando assumi a
coordenação, eu procurei assim é estar ao máximo cumprindo
o plano de trabalho que a gente tem traçado, só que muitas
vezes a rotina diária acaba, a gente pré-planeja uma coisa pra
um dia, a gente não consegue realizar. (LUZ)

Na verdade é a gente acha que nunca está preparada, então


você vai, você assume uma função nova e você vai
aprendendo, no dia-a-dia, o dia-a-dia te ensina a fazer as
coisas, é, você de repente se acha assim: Será que nós vamos
dar conta de tudo?. Mas as coisas vão aparecendo, você vai
fazendo, o que vai aparecendo, você vai realizando. (FORÇA
DE VONTADE)

Então na verdade foi assim: quando assumi a coordenação, eu


procurei me lembrar das outras coordenadoras com as quais já
139

havia trabalhado, procurei observar como elas tinham


desenvolvido o seu trabalho, buscando assim um perfil,
lembrando como elas faziam o que elas buscavam, a partir
disso procurei ler também o que era o coordenador, mas toda
vez que a gente assume a coordenação é bem diferente causa
medo, porque você vê tantas situações na escola que você não
está preparado. (CRIATIVIDADE)

Nesse ponto da pesquisa, queremos pontuar algumas considerações importantes


acerca das falas dessas coordenadoras pesquisadas. Um dos pontos a ser
levantado e já delineado neste capítulo de análise, é a questão da experiência vista
como elemento básico para a constituição identitária da coordenação quando
reforçam que buscaram tal identidade na experiência vivenciada por outros
profissionais que já estiveram na mesma função na escola, ou mesmo nas
conversas com outras coordenadoras, quando das reuniões e encontros promovidos
pelo CEFAPRO. Estes momentos tornam-se potenciais espaços de troca de
experiência e aprendizagem. Contudo há que se considerar que deve existir uma
sistemática mais permanente de formação para os coordenadores, principalmente
aos ingressantes nesta função.

Outro ponto diz respeito à prática desenvolvida por estas coordenadoras,


que tem muito a ver com a máxima do “aprender em serviço”, ou seja, elas
aprendem ao sabor das circunstâncias provocadas pelo trabalho que efetivamente
se apresenta todos os dias, principalmente quando da formação continuada que se
desenvolve na escola, ainda que esta seja de caráter pontual e de atualização
pontual (Garcia, 1995). Se o cotidiano ensina, podemos então, observar para se ter
uma visão de coordenação o que tem peso neste cotidiano é a tradição, sendo
necessário, portanto, procurar neste cotidiano marcas que as coloquem acima da
cotidianidade, isto é, possibilidades de ir além das tradições.

A coordenadora LUZ apresenta um depoimento impressionante em suas


palavras finais:
140

Eu tô aposentando no ano que vem, mas


como eu estava na coordenação, optei por
não pedir, creio que seria injusto com meus
colegas que votaram em mim eu abandonar o
barco no meio do caminho, optei por terminar
o ano letivo. Eu tenho clareza até pelos
relatórios que tenho na minha mesa para ler,
que alguma coisa fica a desejar, mas do
ponto de vista pedagógico alguém tem que
ajudar a diretora. Eu já fui diretora, já fiquei
anos como professora e acho gratificante ter
minha carreira nessa função e tenho feito o
máximo para colaborar com meus colegas.

Quando ressaltamos a experiência como um fator identitário para o


coordenador observamos neste depoimento que os pares a reconhecem como
importante para se estar na coordenação e que a possibilidade da vivência, do
aprendizado acumulado historicamente traz perspectivas ao coletivo da escola.

Nas palavras de CRIATIVIDADE também percebemos esse mesmo


apelo identitário, quando relata em suas considerações finais:

Que as pessoas possam entender que antes


de ser coordenador nós também somos
professores, profissionais da educação [...]

Ademais, pode-se observar que o debate em torno da identidade de


trabalhador ou de profissional retorna frequentemente às falas das entrevistadas, ao
explicitar a busca de um sentido para a atividade docente, o que significa que, à
configuração do trabalho pedagógico subjaz a configuração de sua identidade
profissional.

Como se vê, as professoras alçadas à função e para o papel de


coordenadoras pedagógicas não obtiveram nenhum tipo de “preparação” além de se
espelharem nas experiências e nas tradições, todos os conhecimentos dos quais
141

lançam mão são meramente empíricos. E ainda fica patente o distanciamento entre
elas e os organismos formadores, inclusive o Cefapro e a própria Secretaria de
Estado de Educação de Mato Grosso, como responsáveis pelas políticas públicas
que se devem desenvolver nas escolas. Acrescida a isto, vemos a participação do
SINTEP/MT – Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública de Mato Grosso,
com relativa ausência e omissão a este debate.

Goméz (1992, p.111) aponta que no modelo de formação de professores


reflexivos, a prática “adquire o papel central de todo o currículo, assumindo-se como
lugar de aprendizagem e de construção do pensamento prático do professor”. O
autor concorda que o pensamento prático para a construção da prática como
desenvolvimento profissional adquire-se nos espaços de reflexão e de troca de
experiência; contudo, diferentemente do que apresentam as coordenadoras
pesquisadas, essa experiência não é empírica, é construída na comunhão entre a
teoria e a prática, e para tanto recomenda a colaboração das universidades nesse
projeto de formação continuada dos professores.

Por fim, quando as coordenadoras LUZ, DETERMINAÇÃO, CRIATIVIDADE


e FORÇA DE VONTADE expõem seus pensamentos sobre a formação que se
desenvolve na escola, confirmam-se dois aspectos bastante singulares desta
formação desenvolvida pelas escolas estaduais de Mato Grosso; o primeiro deles é
que esta formação continuada precisa se identificar mais com o desenvolvimento da
escola, para se constituir identitariamente como um processo de formação na
perspectiva do desenvolvimento profissional. E o outro aspecto, diz respeito ao
entendimento que se tem acerca do que seja identidade docente, a perspectiva que
se percebe tem a formação continuada como um prolongamento da formação inicial,
quando isso não se efetiva no cotidiano escolar, ela é vista como um tempo mal
aproveitado e sem inovação, com serventia apenas para garantir certificação para a
contagem de pontos a cada final de ano letivo.
142

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de


segundos, mas com tamanha intensidade, que se
petrifica, e nenhuma força jamais o resgata.

(Carlos Drummond de Andrade)

Iniciei esta pesquisa querendo saber qual o papel do coordenador


pedagógico na ordenação do cotidiano da escola. O propósito de ampliar meus
conhecimentos e oportunizar aos meus pares uma reflexão mais aprofundada sobre
as nossas próprias angústias na investidura da função perseguiu-me enquanto
prosseguia neste estudo. Estive na coordenação por quatro anos e por seis na
direção de escola e esse conhecimento acumulado integrou-se à minha formação
em Letras com habilitação em língua portuguesa e suas literaturas, da qual a prática
distanciou-me, aproximando-me do trabalho de gestão da escolar.

Então, o primeiro passo era potencializar melhor minha experiência


acumulada nestes dez anos, lidando, discutindo e conversando sobre educação. O
segundo era distanciar-me o suficiente do contexto de minha prática, para estudá-la
e assim poder estabelecer algumas considerações acerca dessa função na escola.
Os elementos de análise elencados para o estudo: a concepção de educação, de
escola, de gestão, de prática, de formação continuada e de cotidiano sendo
inumeráveis, tornou o mesmo, uma empreitada difícil e arriscada, porém
extremamente importante para quem deveria mergulhar na teoria como forma de
entender a prática. Todavia, há que se considerar também que “a reflexão crítica
sobre a prática se torna exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode
ir virando blábláblá e a prática, ativismo” (FREIRE, 1998 p. 24).

Para estabelecer uma compreensão teórica acerca do tema percorri longo


caminho, que se iniciou com a busca de estabelecer uma compreensão acerca da
coordenação pedagógica a partir de sua organização, concepções e práticas
educativas. Neste viés, coube olhar atentamente esta função, num processo
reflexivo em que se imbricariam três aspectos: a ação do coordenador pedagógico
143

na e através da organização da escola, o significado histórico da hierarquia de sua


função e as concepções que amparam sua prática cotidiana. Tais reflexões tinham
por base o pensamento de Paulo Freire, na pedagogia crítica constante em seus
escritos e de Vitor Paro, Ilma Passos, MacLaren, Alarcão e outros.

Isto posto, a fim de apreender as imbricações conceituais e os


significados construídos, era preciso colocar essas discussões sob a égide do
desenvolvimento profissional (SACRISTAN, 1995), como forma de provocar um
entendimento sobre o papel social da escola e do trabalho educativo como atividade
social e profissional, possibilitando a associação entre os significados historicamente
produzidos em torno da coordenação pedagógica.

O estudo sobre a ação coordenadora na e através da organização da


escola ressaltou aspectos da racionalidade técnica e marcas de cotidianidade,
questões essas que se tornaram imprescindíveis para uma análise mais
aprofundada acerca das práticas pedagógicas ali desenvolvidas, e de qual tipo de
ordenação foi possível se desenvolver. A investigação evidenciou a complexidade e
a dinâmica da função dos coordenadores pedagógicos, em que a reflexão ocupa um
papel essencial para os avanços da prática pedagógica, sobretudo através da
formação continuada que se desenvolve na escola.

No espaço escolar é essencial que o coordenador pedagógico esteja atento à


complexidade do seu trabalho, considerando os múltiplos fatores e condições
geradoras de situações singulares nas quais ele intervém com sua ação diária,
principalmente no estabelecimento e quantificação de objetivos, metas e ações.
Nesse contexto, ressalta-se a importância de compreender a dinâmica do cotidiano
da escola na procura dos aspectos relevantes desse trabalho para melhor
entendimento da prática educativa com seus significados políticos e ideológicos.

O estudo dos documentos das escolas que dão materialidade à função do


coordenador pedagógico revela uma ORGANIZAÇÃO PARA A ORGANIZAÇÃO, ou
seja, que cumpre o papel que se deve cumprir segundo tais postulações, feitas
quando do estabelecimento de critérios para ser, das regulamentações para ser, do
144

discricionamento de objetivos para ser. Licínio (2001) caracteriza esta situação como
sendo resultante de um modelo de organização da escola a que ele denomina de
modelo decretado ou racional, em que os fenômenos organizacionais têm uma
focalização normativa, e, então, requer-se a constituição de planos de orientação
para as ações organizacionais. De acordo com o autor

Constituem um quadro construído e fixado em torno


dos objetivos oficiais da organização (para a
organização), são atribuidoras de significado
normativo à ação organizacional, instituem uma
hierarquia formal e distribuem atribuições e
competências (p.51)

Entendo que tais documentos teriam como natureza própria a lógica do


organizar para, mas tal enfoque só pode ser e é verdadeiro se desprendido da
avaliação e distanciado da interpretação. Porém, segundo o autor em pauta,
eventuais “desvios e disfunções” ocorrem por meio de uma focalização descritiva
(estruturas manifestas e regras efetivamente atualizadas);

Neste sentido se recusa, de um ponto de vista


teórico, uma abordagem de tipo determinista, que
elegeria a ordem burocrática da conexão e das
orientações formais-legais como exclusivas. Pelo
contrário, admite-se a existência de outras ordens
concorrentes e a produção organizacionalmente
localizada de outros tipos de regras. (p.56)

Avalio ainda, que nem os regimentos escolares, nem tampouco os planos de


ação conseguem dar ao cotidiano e ao trabalho educativo do coordenador a
dinamicidade que a prática requer. Como Paulo Freire (1998), acredito que a
dinâmica da vida é sempre grande demais para ser aprisionada; segundo ele, “onde
há vida, há inacabamento. Mas só entre mulheres e homens o inacabamento se
tornou consciente”, completa o autor.

Faço esta avaliação também por considerar que o cotidiano escolar tem
dinâmica própria, a ser mais explorada a fim de se aproximar, cada vez mais,
questões teóricas e práticas pedagógicas. É no âmbito da análise do cotidiano da
experiência escolar como planejamento, organização diária, microdecisões,
sequência de atividades, encontros pedagógicos, opções pedagógicas e
145

administrativas que se deve buscar entender melhor as ações e relações dos


sujeitos que movimentam a escola. É a análise desse cotidiano que pode revelar a
prática educativa nos aspectos históricos e sociais.

Já nas entrevistas detectei a forma organizacional ORGANIZAR EM como


forma de ordenação do cotidiano da escola, uma mesclagem entre o significado
normativo, burocrático e as estruturas informais dependentes de uma focalização
interpretativa. Essa ordenação aparece então como as faces de uma mesma moeda:
de um lado as normas e prescrições dos documentos e, de outro, as atualizadas
interpretações e formulações de regras informais das e nas práticas cotidianas a que
Lima (2001) classifica como sendo estruturas manifestas. A ocorrência de uma não
anula a existência da outra, elas podem ser coexistentes.

O estudo acerca da ordenação do cotidiano mediatizado e articulado pelo


papel do coordenador pedagógico nos remete à questão do significado histórico da
hierarquia da função desse coordenador na instituição escolar e aponta que
nenhuma das coordenadoras das escolas pesquisadas, LUZ, DETERMINAÇÃO,
CRIATIVIDADE e FORÇA DE VONTADE obteve qualquer tipo de preparação para
assunção ao cargo: todas elas buscaram na própria experiência e na de outrem
subsídios para o desenvolvimento de seu trabalho pedagógico.

Por esse viés, trazem o conceito de prática como resultante de um trabalho


pedagógico. Convém lembrar que, como afirma Veiga (1992, p. 16), a prática
pedagógica é “[...] uma prática social orientada por objetivos, finalidades e
conhecimentos, e inserida no contexto da prática social. A prática pedagógica é uma
dimensão da prática social [...]”. Resultante, portanto, dos aspectos históricos e
culturais construídos socialmente. No contexto do desenvolvimento profissional,
torna-se importante considerar a constante reelaboração desses aspectos
construídos, a qual permita que as práticas que se desenvolvem na escola
constituam um conjunto de práticas expressivas da atividade profissional do coletivo
escolar.
146

À luz desse entendimento a coordenação pedagógica deve apresentar-se


como organizadora da atividade educativa na escola, seja ela de qualquer natureza.
Pelo conceito de emancipação, a educação consiste na apropriação da cultura,
sendo que o homem interfere também na natureza ao criar suas próprias condições
de existência e interfere socialmente quando atualiza a história e a cultura (PARO,
2008). Os sentidos adquiridos historicamente, quando da institucionalização da
escola, eram de que a supervisão escolar era necessária para a organização da
escola. Já o Parecer 252/69, além de conferir à supervisão status de profissão, ainda
lhe possibilitou uma caracterização de necessidade social, mas não suficiente por si
só para concebê-la como um trabalho educativo importante no trabalho pedagógico.
Nem tampouco a Lei 9.394/96 a LDB garante efetivamente a materialidade da
função do coordenador pedagógico como finalidade para cumprir o exercício das
práticas profissionais que não apenas as docentes, ou seja, traz apenas a garantia
do cumprimento da base nacional comum.

Em Mato Grosso a partir do momento em que a coordenação passa a ser


exercida por um portador de qualquer formação docente em nível superior e as
agências formadoras, tais como a UFMT, passam a centrar sua formação apenas no
trabalho docente, acaba-se por contribuir para dificultar a apreensão do fenômeno
educativo, quando da separação entre trabalho pedagógico e trabalho docente
(LIBÂNEO e PIMENTA, 2006), trata-se de uma questão polêmica. A propósito dessa
questão, ressalte-se que o estudo apontou que o trabalho pedagógico está sendo
construído na experiência do trabalho docente, uma vez que todas as
coordenadoras pesquisadas desenvolveram seu trabalho de forma equalizada,
independentemente de sua formação inicial, pois 50% delas são formadas em
pedagogia para a docência, e 50% em habilitações específicas.

Esse processo pode ser definido por uma epistemologia a que Paulo Freire
(1998) chama de boniteza do pensar certo, pautada na premissa de que

O processo de aprender, em que historicamente


descobrimos que era possível ensinar como tarefa não
apenas embutida no aprender, mas perfilada em si, com
relação a aprender, é um processo que pode deflagrar no
147

aprendiz uma curiosidade crescente, que pode torná-lo


mais e mais criador (p.27).

Quando avalio o trabalho dessas coordenadoras como impondo uma carga


excessiva de tarefas e responsabilidades a cumprir, verifico uma transferência
“natural” de poder que me parece escapismo docente, forma de se esquivar de um
empoderamento coletivo, pois me parece mais fácil delegar do que assumir
responsabilidades coletivas. Penso que para encarar esses enfrentamentos diários a
ordenação mediatizada e articulada pelo coordenador pedagógico deva ser
permeada por uma “curiosidade epistemológica” para reforço e sedimentação de
uma epistemologia da prática. Freire defende que isto garante autenticidade ao
trabalho pedagógico a ser desenvolvido, independemente do locus das muitas
práticas que se desenvolvem na escola. Essa defesa está presente na Pedagogia da
Autonomia, na perspectiva do Pensar certo:

Quando vivenciamos a autenticidade exigida pela


prática de ensinar-aprender participamos de uma
experiência total, diretiva, política, ideológica,
gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que
a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a
decência e com a seriedade. (1998, p. 26)

Foram analisadas, também, concepções que situam a prática cotidiana do


coordenador pedagógico no contexto das esferas cotidianas e não-cotidianas. O
estudo apontou que a ação coordenadora traz em seu interior um conjunto de
relações, circunstâncias complexas e diversificadas que exigem ações singulares e
contextuais e que, por isso, a formação intencional deve possibilitar o
desenvolvimento do coordenador como pessoa, como profissional e como cidadão.
Esta perspectiva se torna possível através da e na escola e na formação continuada,
pois, como forma de reagir ao referido modelo das ações organizacionais e de
elevar-se acima da cotidianidade, é preciso ir se desenvolvendo uma série de
buscas, reflexões e pesquisas que tenham o objetivo de construir um novo conceito
de formação continuada, numa lógica oposta à racionalidade técnica. Segundo
Nóvoa (1991, p.25), “a formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva,
que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as
dinâmicas de autoformação participada”.
148

Esse espaço de reflexão e avaliação do cotidiano da escola deve pautar-se


numa visão que supere a cotidianidade, transcendendo interesses particulares e
tendo em vista realizações genéricas33, tal como Heller (2008) propõe.

É a partir de uma concepção mais voltada para o processo de construção,


desconstrução e reconstrução do conhecimento que se precisa trabalhar com os
coordenadores pedagógicos em consonância com os princípios da racionalidade
emancipatória de que podem emergir outros padrões para o trabalho pedagógico
pautado no exercício profissional e, sobretudo, nas experiências. Acrescente-se que
a formação continuada que se apóia na reflexão sobre a prática, além de propiciar
ao coordenador um aprofundamento das temáticas educacionais, promove um
processo constante de autoavaliação e de avaliação coletiva.

Ao se apontar neste estudo o coordenador pedagógico como organizador


do trabalho educativo na escola, é preciso que se tenham claros alguns aspectos
históricos vinculados à função, que o tornaram alvo de críticas e discussões. De
acordo com Rangel (2001), todavia, uma concepção atual de supervisão passa de
escolar para pedagógica, cujo principal objeto é o processo ensino-aprendizagem.

Dessa forma, defendo a coordenação pedagógica como sendo uma forma


de garantir a melhoria da qualidade da docência e do mencionado processo ensino-
aprendizagem, uma vez que nas entrevistas percebo as coordenadoras LUZ,
CRIATIVIDADE, FORÇA DE VONTADE e DETERMINAÇÃO preocupadas e
altamente comprometidas com o seu trabalho, para além de todos os aspectos já
estudados aqui. É preciso, evidentemente, fomentar a superação desse clima
assistencialista, cuidador e ajudador presente nas práticas desenvolvidas por elas,
mas tal superação depende do coletivo da escola, uma vez que o entendimento
geral tem sido o de tratar-se de um “poder” delegado.

É preciso investir na formação continuada dos coordenadores pedagógicos;


considero que o CEFAPRO deva assumir essa tarefa e ter uma boa política de
formação assentada no contexto no desenvolvimento profissional, levando em conta

33
Realização genérica supõe atividade cooperativa e estabelecida por metas e valores para que os fins humanos sejam atingidos e ampliados
(HELLER, 2008).
149

que como diz Sacristan (1992, p.67), “a imagem da profissionalidade ideal é


configurada por um conjunto de aspectos relacionados com os valores, os
currículos, as práticas metodológicas ou a avaliação”.

Enfim, após todas essas considerações nos remetemos à síntese do presente


estudo, principalmente no que se refere à ordenação política do cotidiano no
contexto da vida cotidiana, consciente ou não, é o resultado de uma escolha: a de
ser ou não dialógico, de ser progressista. Uma escolha que exige de cada um de
nós a busca pela coerência tão difundida por Paulo Freire, pois, se escolhemos
trabalhar em prol da ação dialógica, da colaboração, união, organização e síntese
cultural do povo e dos nossos alunos, razão maior da existência da escola, temos de
nos esforçar para aumentar, o quanto pudermos, a unicidade entre pensamento e
ação.

E por fim, reacendo o debate em torno da questão dos cursos de pedagogia


reduzidos à docência, posso acreditar que tal princípio reafirma também a
separação entre trabalho pedagógico (especialista) e trabalho docente (docência).
Acaso não seria esse o ponto para qualificar ainda mais o trabalho do coordenador
pedagógico como organizador da atividade pedagógica e educativa da e na escola?

E quanto às projeções futuras, apoiada numa provocação feita por Duarte


(2007) alio-me ao seguinte questionamento para posteriores respostas: Podemos
considerar a relação entre educação escolar e prática social do indivíduo como
sinônimo da relação entre educação escolar e vida cotidiana do indivíduo?
150

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Aguiar, M. Â. A reforma da Educação Básica e as condições materiais das


escolas. In: M. Â. Aguiar, Retrato da Escola no Brasil (pp. 119-139). Brasília: CNTE,
2004
Alarcão, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva (6ª ed.). São
Paulo: Cortez Editora, 2008
Almeida, L. R. O coordenador pedagógico e questões de
contemporaneidade (2ª ed.). São Paulo: Edições Loyola, 2007
André, Marli E.D.A e Vieira, Marili M. Silva da. O coordenador pedagógico e a
questão dos saberes. In: Placco, V.M.N.S e Almeida, L. R (org.). O coordenador
pedagógico e a questão da contemporaneidade. (PP. 11-24) São Paulo: Edições
Loyola, 2007
Apple, Michael & Beane, Jame. O argumento por escolas democráticas. In: M.
A. Beane, Escolas Democráticas (2ª ed., pp. 7-40). São Paulo: Cortez, 2001
Arroyo, Miguel G. Imagens Quebradas: Trajetórias e tempos de alunos e
mestres. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2007
Bogdan, R. C.; Biklen, S. K. Investigação qualitativa em educação: uma
introdução à teoria e aos métodos. Portugal: Porto, 1994
Bruno,E.B.G et al. O coordenador pedagógico e a formação docente (7ª ed.).
São Paulo: Edições Loyola, 2006
Carvalho, Ademar. L. O imaginário e a ausência. In: Costa, W.A (org.)
Estigma e diferenças na Educação: a necessidade de uma educação inclusiva.
Cuiabá, 2007.
________.Os caminhos perversos da educação: a luta pela apropriação do
conhecimento no cotidiano da sala de aula. Cuiabá: EdUFMT, 2005
________.O Projeto Político Pedagógico: A Concepção do Coordenador.
(pág. 135 – 151) Anped- Centro Oeste. Brasília, 2008. CD

Contreras, Domingos J. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 1990


Danilo R.Streck e Euclides Redin, J. J. Dicionário Paulo Freire. Belo
Horizonte: Autêntica, 2008

Duarte, N. Educação Escolar, Teoria do cotidiano e a Escola de Vigotski (4ª


ed.). Campinas:São Paulo: Autores Associados, 2007

Ferreira, N. S. Supervisão Educacional para uma escola de qualidade (4ª ed.).


São Paulo: Cortez Editora, 2003
Freire, P. Educação como prática da liberdade (18ª ed.). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1983

_________ . Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,


1987
151

________. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática


educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1998
________ . Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a Pedagogia do
Oprimido (7ª ed.). São Paulo: Paz e Terra, 2000
Gadotti, M. Concepção Dialética da Educação: Um estudo introdutório (14ª
ed.). São Paulo: Cortez, 2003
_________ . Educação e poder: Introdução à pedagogia do conflito (11ª ed.).
São Paulo: Cortez Editora, 1998
_________ . Boniteza de um sonho: ensinar-e-aprender com sentido. São
Paulo: Cortez, 2002
Garcia, C. M. Formação de Professores: Para uma mudança educativa. In: C.
M. Garcia, Formação de professores:Para uma mudança educativa (I. Narciso,
Trad., pp. 137-145). Porto, Portugal: Porto, 1995
Giroux, H. A. Os professores como intelectuais: Rumo a uma pedagogia
crítica da aprendizagem. Porto alegre: Artes Médicas, 1997
Goméz, Angel Pérez. O pensamento prático do professor: A formação do
professor como profissional reflexivo. In: Nóvoa, Antonio. Os professores e a sua
formação. (PP.95-113). Lisboa, Portugal: Publicações Dom Quixote, 1992
Gramsci, A. Os intelectuais e a organização da cultura (9ª ed.). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1995
Guareschi, Pedrinho. Empoderamento. In: Streck, Danilo (Coord). Dicionário
Paulo Freire. (PP 165-166).Belo Horizonte: Autêntica, 2008
Heller, Agnes. O cotidiano e a história. Tradução Carlos Coutinho e Leandro
Konder. 8. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008
Instrução Normativa 002/95/SEE/MT
Instrução Normativa 006/95/SEDUC/MT
Instrução Normativa 001/96/SEDUC/MT
Japiassu, H. Nascimento das ciências Humanas. In: H. Japiassu, A pedagogia
das Incertezas (pp. 99-130). Rio de Janeiro: Imago, 1983
Kosik, K. A Praxis. In: K. Kosik, Dialética do Concreto (2ª ed., pp. 217-248).
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995
________. O mundo da pseudoconcreticidade e a sua destruição. In: K.
Kosik, Dialética do Concreto (2ª ed., pp. 13-39). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995
Libâneo, J. C. Pedagogia e Pedagogos, para quê? (8ª ed.). São Paulo:
Cortez, 2005
_________ e Pimenta, Selma Garrido. Formação dos profissionais da
educação: Visão crítica e perspectivas de mudança. In: Pimenta, Selma Garrido
(Org.). Pedagogia e pedagogos: Caminhos e perspectivas. São Paulo: Cortez, 2006
Lima, L. C. A escola como organização educativa:Uma abordagem
sociológica. São Paulo: Cortez, 2001
Lück, H. Concepções e processos Democráticos de Gestão Educacional (Vol.
II). Rio de Janeiro: Vozes, 2006
152

_______ . Gestão Educacional (Vol. I). Rio de Janeiro: Vozes, 2006


Lüdke, M.; André, M.E.D.A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas.
São Paulo: Epu, 1986
MacLaren, P. Pedagogia Crítica:Uma visão geral. In: P. MacLaren, A vida nas
Escolas: Uma introdução à pedagogia crítica nos fundamentos da Educação (L. P.
zimmer, Trad., 2ª ed., pp. 189-225). Porto Alegre: Artes Médicas, 1997
Mate, Cecilia H. O coordenador pedagógico e as reformas pedagógicas.
In:Bruno e Et All,O coordenador pedagógico e a formação docente.7ª Ed (p.71-
76),São Paulo: Edições Loyolas, 2006
Nóvoa, Antonio. Formação de professores e profissão docente. In: Os
professores e a sua formação. (p. 15 – 33) Lisboa: publicações Dom Quixote, 1992
Paro, V. H. Educação como exercício do poder: Crítica ao senso comum em
educação. São Paulo: Cortez, 2008
_________ . Gestão escolar,democracia e qualidade de ensino. São Paulo:
Ática, 2007
Pimenta, S. G. De professores, pesquisa e didática. São Paulo: Papirus, 2002
Placco, V. M. O coordenador pedagógico e o cotidiano da escola (4ª ed.). São
Paulo: Edições Loyola, 2006
Rangel, Mary (org). Supervisão Pedagógica:Princípios e práticas (5ª ed.). São
Paulo: Papirus, 2001
__________. Supervisão: do sonho à ação – uma prática em transformação. In:
Supervisão Educacional para uma escola de qualidade. Ferreira, Naura S. C. (org.).
4ª Ed. São Paulo: Cortez, 2003
Rosa, Maria V.F.P. C & Arnoldi, Marlene A.G.C. A entrevista na pesquisa
qualitativa: mecanismos para validação dos resultados. Belo Horizonte: Autêntica,
2008
Sacristan,J. Gimeno. Consciência e acção sobre a prática como libertação
profissional dos professores. In: A. Nóvoa. Profissão Professor (I. L. Mendes, Trad.,
pp. 63-88). Porto, Portugal: Porto, 1995

Saviani, D. Escola e Democracia (13ª ed.). São Paulo: Cortez, 1986


__________. A supervisão educacional em perspectiva histórica: da função à
profissão pela mediação da ideia. In: Supervisão Educacional para uma escola de
qualidade. Ferreira, Naura S. C. (org.). ( 4ª Ed.pp. 13-38) São Paulo: Cortez, 2003
________________. Pedagogia Histórico-Crítica:primeiras aproximações. 2ª
Ed. São Paulo: Cortez e Autores Associados, 1991

Silva, N. S. Supervisão Educacional: Uma reflexão crítica (12ª ed.). Petrópolis:


Vozes, 1987
Vasconcellos, C. D. Coordenação do Trabalho pedagógico: Do projeto
político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula (7ª ed.). São Paulo: Libertad, 2006
Veiga, Ilma Passos A. (org.). Projeto Político-pedagógico da Escola: Uma
construção possível. São Paulo: Papirus, 1995
153

________. Inovações e Projeto Político-Pedagógico: Uma relação regulatória ou


emancipatória. Cad. Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 267-281, dezembro 2003.
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
Wolfdietrich, Shmied-Kowarzik. Pedagogia dialética de Aristóteles a Paulo
Freire. Brasiliense. 1983
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download:

Baixar livros de Administração


Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo

Você também pode gostar