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o PENSAMENTO POUTICO DE ALBERTO TORRES·

Coordenador: Djacir Menezes


Participantes: Magdaleno Girão Barroso; Clovis Ramalhete; Barbosa
Lima Sobrinho; Adilson Vieira Macabu

Djacir Menezes - Senhores, o Ministro Themistocles Cavalcanti, que é


quem sempre preside estas mesas-redondas, anda estes dias enfermo, e
embora esteja se recuperando com muita rapidez, não pôde comparecer
hoje; me incumbiu então de fazer o possível para coordenar estes tra-
balhos como ele tem o hábito de fazer. De minha parte, lamentando a
sua ausência, farei o que em mim couber para orientar o debate onde sua
experiência seria inestimável, não só na ilustração do aspecto político da
obra de Alberto Torres, como de outros aspectos sociais. Ele muito de-
sejou aqui a presença do autor consagrado, que é Barbosa Lima Sobrinho,
da obra que tem servido para todos nós de instrumento para estudo da
vida de Alberto Torres.
Mas em sua ausência, declarando aberta a sessão e certo de que todos
desejam ouvir a palavra do Dr. Barbosa Lima Sobrinho - não digo sobre
este questionário, porque ele não é para ser seguido, mas apenas oferece
motivos de sugestão e provocação. De vez que não temos a pretensão de
discutir todos esses itens, o participante pode sair da pauta e não dar
nenhuma atenção ao roteiro estabelecido. Basta que fique dentro do tema
traçado, que é o pensamento político de Alberto Torres. Perguntaria se
o Dr. Barbosa Lima quer abrir os debates, dizendo algumas palavras
sobre Alberto Torres.

Barbosa Lima Sobrinho - Eu gostaria de ouvir a opinião dos outros,


para depois então dar a minha impressão.

Djacir Menezes - Neste caso, eu convidaria o Prof. Clóvis Ramalhete


para dizer alguma coisa.

• Mesa-redonda realizada no dia 13 de julho de 1978.

R. Cio pol., Rio de Janeiro, 22(1) :93-118, jan.lmar. 1979


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Clóvis Ramalhete - Agradeço ao Sr. Presidente.
Situando a época na qual Alberto Torres repensou a realidade brasi-
leira, sugiro definição global de sua obra: Alberto Torres terá sido no
Brasil uma versão cabocla e intuitiva do movimento europeu por uma
revisão crítica do Estado liberal. Era uma proposta generalizada, então.
A instituição política, ao tempo do fato, mostrava-se sujeita à erosão,
que já corroía o liberalismo econômico, ainda inspirador ao sistema legal
daquela época.
A Europa pusera em questão o Estado liberal. Alberto Torres, sem
eruditismo, deu-nos versão intuitiva deste movimento. E historicamente
estava ele correto com a hora.
Em Alberto Torres vemos claramente posta em dúvida a validade social
do subjetivismo da proposição abstrata dos liberais. Ele se ergueu então
a uma posição profética de crítico deste subjetivismo; e de rejeição dele.
E propôs para o Brasil a pesquisa da objetividade, negando vigência ao
subjetivismo como legitimador das instituições políticas.
O liberalismo econômico mostrou ser uma fraude contra as classes po-
pulares, desde a Revolução Francesa. Na mesma tumba, a Revolução
Francesa, na famosa noite de agosto de 1789, sepultou ao mesmo tempo,
a aristocracia feudal e os fracos. Criou então o contratualismo, em subs-
tituição à lei. Proibiu sindicatos. Instituiu uma suposta "liberdade", onde
devia estar o direito. Só se falava então na "liberdade". Ora, em matéria
econômica, a liberdade gera a opressão dos economicamente fracos. Só a
lei tutelar devolve liberdade ao oprimido. Esta crítica das "liberdades" do
contratualismo entretanto não foi colocada logo com o surgimento do
liberalismo econômico. Só mais tarde, na época em que Alberto Torres
escrevia suas obras, estava posta a crise dos conceitos, do liberalismo
econômico.
Ansiedades e reivindicações das coletividades tinham causado esta crise.
Pusera rachaduras no Estado, no Império alemão, na Monarquia italiana
e no czarismo da Rússia imperial, muito antes de estalarem, como depois
sucedeu.
Alberto Torres, neste País, pretendeu a substituição destas concepções
políticas, subjetivas e liberais, por ele acusadas de modo expresso, de
"idealistas" e de "abstratas". Torres propôs, em substituiç~o, uma veri-
ficação da objetividade social e nacional. Construiu então talvez a versão
brasileira, a versão cabocla, daquela mesma crise do Estado liberal, que
então lavrava por todo o Ocidente. As elites letradas do Brasil não o
saudaram logo. Explico o silêncio: distante, neste particular, de Euclides
da Cunha. Alberto Torres escrevia claro, mas sem qualquer beleza. Não
era um bom prosador. Não deslumbrou a sociedade de então com der-
rames de vocabulário.
Na Europa, a crise do Estado liberal levou-a à uma contrafacção de
remédio: o erro do fascismo. Não devemos porém confundir o pensamento
de Alberto Torres com sua acusação criticista nele alimentada com lam-

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pejos de intuitivo, com esta forma final da crise européia do Estado liberal,
o fascismo.
Em Alberto Torres impressiona a intuição da realidade que era sub-
jacente às elites e nem entrevista pelos letrados, mas advinhada por este
homem que, no entanto, integrava as oligarquias políticas dominantes, às
quais se aliou e serviu. Torres, de algum modo, repetiu Justiniano José
da Rocha, um outro intuitivo panfIetário no Império, com sua "Ação,
reação, transação". Quase que o repetiu, quando denunciava a conciliação
das elites brasileiras, com os arranjos políticos de cúpula, das elites bra-
sileiras privilegiadas, das elites com jóias, automóveis, casacos de pele
e palácios, e viagens à Europa. Estas elites brasileiras tinham sua lide-
rança da sociedade nacional justificada pelas fórmulas abstratas do Estado
liberal. E eram inadvertidas da miséria do povo, da realidade dos "sem
direitos", do que ia subjacente na Nação brasileira, que Alberto Torres
apontava por intuição. Este panfIetário pregava a intervenção do Estado,
em reorganização de fundo.
O homem do povo, este mereceu de Alberto Torres a verificação de
suas qualidades. Numa boa página, Alberto Torres - que em geral não
escrevia bem - , fez o elogio do brasileiro como povo laborioso, de alto
a baixo, do fazendeiro ao moleque. O homem brasileiro ocioso parecia
uma calúnia e um mito, a Alberto Torres, um mito concebido pelas elites.
As elites privilegiadas é que, para ele, tinham se tomado ociosas, como
os fazendeiros absenteístas.
Vejo em Alberto Torres o pesquisador exigente de realidade e de ob-
jetividade para as instituições políticas e sociais, critério que ele propunha
em substituição ao subjetivismo liberal. Com tal critério para o Brasil,
ele deu uma versão brasileira desta fase da história das ideologias políticas
do Ocidente, quando o Estado, que é uma instituição permanentemente
mutável, então posto sob princípios de Estado liberal, entrou em crise. Esta
crise estava claramente consciente para o geral dos estudiosos do Poder, na
Europa, seja do poder econômico, seja do poder político. Quando aqui
Torres escrevia, a crise do Estado liberal lavrava fora, em outras versões
nacionais. O programa de certos partidos italianos, franceses, alemães,
bem como as soluções escandinavas, ao Estado liberal, ou a solução ita-
liana da época do corporativismo, as representações classistas, e no mais,
tudo eram sugestões, que apareciam no quadro das ideologias da época.
Mas todas resultado da crise do Estado liberal.
Alberto Torres, vejo-o como a versão cabocla dessa crise do Estado
liberal no mundo ocidental, ou seja, da crítica ao Estado liberal. Ele não
confiava mais em que a construção brasileira da Federação, tão ortodoxa
na Constituição da época, permitisse levar soluções aos problemas na-
cionais. Denunciou mesmo uma falta de síntese nacional, na construção
do Poder, neste País; pois que ele conviveu com o apogeu, véspera da
desintegração, do federalismo, como então vigente em termos tão exas-
perados, na Primeira República, em reação ao centralismo da monarquia.

Pensamento de Alberto Torres 9S


Os 109 constituintes republicanos, em movimento pendular, caminha-
ram sem dúvida demasiadamente na direção do poder local. Apoiaram-se
nas oligarquias rurais e municipais. Construíram sobre estas organizações
paroquiais e de clãs os grupos políticos estaduais, em travejamento de
fidelidades sobrepostas - tudo a partir da descentralização. Concepções
abstratas legitimavam então o sistema. As elites conciliavam-se, satisfeitas,
sobre uma nação em que entumeciam problemas não atendidos. Eis a
denúncia central de Alberto Torres, panfletário sem o saber, mas um
Torquemada das instituições liberais da Primeira República.
Esta foi a sua acusação ao irrealismo da nossa Fundação. Impedidas
as possibilidades de um poder nacional planejador, Alberto Torres sentia
no Brasil a falta da "síntese nacional" no poder. Era, neste particular, e
aí apenas no caso brasileiro, um crítico da Federação ortodoxa. Ele não
se colocou junto ao bacharelismo da época, com o movimento revisionista
da Constituição. Foi mais além: Foi um intuitivo de ciência política, um
intuitivo de sociologia, quando propunha e definia um movimento de pes-
quisa da realidade brasileira.
:f: verdade que nos seus escritos ele se dirigia, no entanto, às próprias
elites exercentes do poder. Na sua mensagem de escritor, repetidamente
se lê o apelo aos homens de qualquer ''prestígio'', aqueles que tinham
"prestígio" de alguma maneira. Ele se endereçava às elites no poder.
Não lançou mensagem às massas populares. n que também isso fazia
parte da sua formação e condizia com as soluções propostas. E não
estava de todo errado, quase profetizou. N a verdade as elites do poder
pouco depois vieram a interferir neste País, um tanto na direção que
Alberto Torres vinha propondo. Refiro-me ao ciclo de 1930 em diante.
:f: certo que os tenentes que em 1930 davam "voz de prisão" a general
só formalmente não eram a elite. Da elite formal seria o general. Mas as
"classes armadas" integram as elites do poder. :f: certo ainda que as in-
dústrias urbanas, então apenas nascentes, e que depois vieram a fortalecer
a tomada final do poder às oligarquias rurais, eram apenas surgentes então
e sujeitadas ainda às lideranças econômicas rurais, com seu binômio pro-
dução de café-exportação de café, ou seja, ruralismo e comércio. Indústria,
de lado; capital financeiro brasileiro, de lado. Essas elites urbanas do
poder, então débeis no entanto, eram os destinatários da mensagem de
Alberto Torres, para que fortalecessem o Poder central e enfrentassem
com objetividade as grandes questões nacionais.
Fiz esta digressão, mas a convite do Djacir Menezes, mestre que admiro,
autor de uma das páginas mais felizes que tenho lido sobre este problema
crucial na essência do direito, que é a coerção no direito. A convite de
Djacir Menezes, faço a dissertação inaugural desta manhã. Ela aí está
colocada e somente como um work-paper. Vale como proposta de traba-
lho, ou seja: Alberto Torres era, sim ou não, um reflexo no Brasil do
pensamento político da época que então lavrava no Ocidente, nas cátedras,
nos comícios, nas greves, para criticar e pôr fim ao Estado liberal. Este

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havia surgido dos escombros da Bastilha e iria agonizar nas trincheiras
da I e da 11 Guerra Mundial.

Djacir Menezes - Se ninguém ainda se sentiu motivado pelas palavras


do Prof. Clóvis Ramalhete, eu diria apenas, com os olhos no roteiro
apresentado, que as idéias que me parecem mais evidentes no pensamento
político de Alberto Torres seriam as do item 4, por exemplo, formuladas
sob uma forma interrogativa mas que no texto distribuído saíram afirma-
tivamente:
(Lendo) "A concepção de governo forte, definida no pensamento de
Torres, não se aproxima do presidencialismo autoritário como tentativa
de corrigir os excessos do individualismo liberal e da iniciativa privada?"
Creio que, em torno desta pergunta, há muito que ponderar.
A outra, logo a seguir:
(Lendo) "Uma das teses mais atuais de Torres poder-se-ia formular como
a condenação da neutralidade do Estado diante das injustiças sociais. Só
um Executivo forte enfrentaria o problema eficazmente."
É um pensamento que deriva da minha leitura feita da excelente obra
do nosso companheiro de mesa Barbosa Lima Sobrinho.
Os outros dois pontos, seriam:
(Lendo) "9. Qual o estilo de "governo forte" que se pode presumir do
estudo do pensamento político de Alberto Torres?"
E, por último, os enunciados 13 e 14, que também resultam da leitura
de Torres e da seleção feita de alguns pensamentos e reflexões na obra
já citada: .
(Lendo) "Os enunciados de direitos e liberdades individuais valem em
função do sistema de garantias que os tornam efetivos."
Este pensamento, acho-o digno de meditação e de grande alcance:
(Lendo) "Uma nação é livre - considera Torres - quando é senhora
do controle dos instrumentos vitais de sua ação econômica."
É um pensamento já muito divulgado, mas na forma literária por que
está dito aqui ganhou nitidez extraordinária.
Quando li o livro de Barbosa Lima Sobrinho, assim que saiu, ainda
andei, como costumo fazer, anotando na última página as reflexões que
me parecem de mais força na obra. "A neutralidade do Estado diante da
injustiça social." Isso é um princípio que não se pode mais omitir em
nenhuma constituição moderna. Outra, é uma observação vinda da própria
vida política: "Prevalência da oligarquia plutocrática na vida real sobre a
democracia nominal", na página 376 da obra. E muitos outros pontos
que, naturalmente, serão levantados ainda pelos debate dores.

Clóvis Ramalhete - Caro Prof. Djacir Menezes, apenas como proposta


de ordenamento do trabalho, sugiro que se analisem os aspectos dos itens
4, 5 e 13 do roteiro distribuído aos desta mesa-redonda. Essencialmente,
eles contêm a posição de Alberto Torres que ainda há pouco procurei

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destacar em sua obra: a do pensador que propugna reformulação das
concepções abstratas do Estado liberal, para substituí-las por um sistema
tutelar, dado pelo Estado, aos problemas sociais do indivíduo.
Diz o item 13:
(Lendo) "Os enunciados de direitos e liberdades individuais valem em
função do sistema de garantias que os tornam efetivos."
Esta cláusula "que os tornam efetivos", é um convite ao intervencio-
nismo das leis, nas relações sociais. Esse intervencionismo iria pôr fim
ao subjetivismo contratualista liberal. O intervencionismo não significa,
necessariamente, a administração pública. O intervencionismo assenta em
toda uma ordem legal, que então seria novidade. "Que os tornam efetivos"
significa a lei poder tutelar. Ora, a lei só pode tutelar com extinção do
subjetivismo do liberalismo contratual.
Mas suponho que o exame do conceito nacional de economia, de Al-
berto Torres, encontrado no item 14, possa ser tratado depois do exame
e debate dos conceitos dos itens 4, 5 e 13 onde, de modo mais evidente,
surge a posição de Alberto Torres, como trazendo uma versão brasileira
à crítica do Estado liberal que andava pelo mundo na sua época. No~
itens 4, 5 e 13 nota-se sua referência crítica aos excessos do individualismo
liberal, e a postulação do enfrentamento eficaz por parte do Estado dos
problemas sociais, só tratados eficazmente se o Estado pudesse intervir.
E mais ainda, na expressão final do item 13 quanto "aos direitos e liber-
dades individuais se deve dar uma força de efetividade". E só se poderia
dar uma força de efetividade, na opinião de Torres, quando o Estado
deixasse de ser liberal. São problemas que têm essência idêntica ou vi-
zinha. Mas a outra, "que é uma nação livre e instrumentos vitais de sua
ação econômica", esta parece-me ser um tratamento de macroeconomia,
que se distingue, se afasta dos dois primeiros. É a proposta que faço aos
companheiros eminentes desta mesa-redonda.

Djacir Menezes - Tem a palavra o Sr. Magdaleno Girão Barroso.

Magdaleno Girão Barroso - Sinto-me até constrangido em discorrer sobre


Alberto Torres diante de seu eminente biógrafo, o Prof. Barbosa Lima
Sobrinho, para o qual, naturalmente, nada que eu disser será novidade.
Em todo caso, cumprindo meu dever, aqui estou e, antes de entrar pro-
priamente no assunto ventilado pelo Prof. Djacir Menezes e pelo Prof.
Clóvis Ramalhete, desejaria fazer um pequeno intróito, de modo global,
sobre a obra e o pensamento de Alberto Torres.
Quando fizemos o curso da Escola Superior de Guerra, nOS5a turma
tinha que escolher um patrono. A escolha recaiu na figura do Presidente
Rodrigues Alves. Mas a verdade é que eu fiz a defesa da candidatura
de Alberto Torres, o que demonstra, desde aquela ocasiiío, minha ad-
miração pelo grande patriota brasileiro.
No momento em que o Prof. Djacir Menezes me fez o convite para

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participar desta ilustre mesa-redonda, eu estava fazendo uma leitura da
obra A política, de Aristóteles, com intenção talvez de escrever um tra-
balho sobre a atualidade política do grande estagirita. Fazendo um re-
trospecto da vida e obra de Alberto Torres, encontrei entre os dois, com
uma defasagem de mais de dois mil anos, uma grande afinidade, porque,
como os senhores sabem, Aristóteles estabelecia uma tipologia política,
distinguindo os governos puros dos governos impuros. Mas ele não o
fazia com o objetivo de aderir a este ou aquele governo, mas sim para
estabelecer determinados parâmetros à luz dos quais pudesse fixar as
idéias em torno do que chamava uma cidade perfeita ou uma república
perfeita, que não seria nem pura nem impura, mas o resultado de sua
experiência objetiva e realista sobre as diferentes constituições que tinha
examinado. Alberto Torres, não sei se chegou a ler ou a se basear fun-
damentalmente em Aristóteles, embora o tenha citado algumas vezes em
suas obras, a verdade é que mais ou menos realizou o mesmo trabalho,
porque fez muitas leituras em torno das formas políticas dominantes na
sua época, sem aderir porém a qualquer uma delas e procurando sempre,
através de uma reflexão objetiva, determinar com precisão aquilo que
cabia ao Brasil, não ao mundo em geral, mas, precisamente, determinada-
mente, ao nosso País.
A respeito disso, para fundamentar minhas afirmações, extraí algumas
citações que vou ler rapidamente. Uma citação, por exemplo, de Clóvis
Bevilaqua, que vem no livro de Saboia Lima. intitulado Alberto Torres
e sua obra: "Alberto Torres, tendo-se informado de todas as correntes
modernas de pensamento, por nenhuma se deixou subordinar. Com sua
elasticidade mental, adquiriu vistas próprias, indicando soluções novas.
Cabe aos seus estudos e propostas o nome de política racional". Há
outra citação do próprio Alberto Torres, ao declarar que "estava des-
preocupado de ser filósofo, sociólogo, economista ou cultor de qualquer
outra ciência, sempre procurando a verdade no exame da realidade ob-
jetiva dos fatos". Dizia ele que "tomar consciência dessa verdade não era
abrir a memória a citações eruditas". Realmente, ele evitou mesmo a
erudição. "Nem era de dar-se a sistemas prestabelecidos, mas procurar
compreender a coisa como realmente era". "As verdades - dizia ele -
são superiores à divergência de escolas, de orientação e de sistemas, são
fatos e como fatos se impõem". No livro do Prof. Barbosa Lima Sobrinho
encontrei esta afirmação: "Ele se deixava orientar por um relativismo
profundo, contrário a todas as ortodoxias, a todas as escolas, a todos os
ismos." E o próprio Agripino Greco entusiasmou-se com o trabalho de
Alberto Torres dizendo que "sente-se nele o dom de ver tudo sob o as-
pecto de universalidade". De modo que a minha conclusão é que Alberto
Torres, abstraindo-se de ortodoxias, raciocinava como aquele pensador
francês Marchal: "Le vingt siecle est faustien. S'il vent comprendre, c'est
pour agir" ... Quer dizer, o século XX, em que começava a trabalhar
e a escrever, se queria compreender, era para realizar alguma coisa em

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termo!> de ação. E, como ele próprio confessou, suas investigações sempre
visavam o imediato das soluções, despreocupadas, por isso, da parte
erudita ou da adesão a precedentes históricos do pensamento.
Agora, indo diretamente às proposições do roteiro apresentado pelo Prof.
Djacir Menezes, fazendo uma síntese do que aí está estabelecido, relati-
vamente à primeira proposição que diz:
"Todas as lutas humanas são redutíveis, em última instância, a rivalidades
econômicas". Esta proposição de Alberto Torres em seu livro Vers la Pai:x
inserir-se-á, coerentemente, em seu pensamento político e jurídico, exposto
em obras posteriores?"
Eu responderia pela negativa porque, de fato, Vers la Paix foi o pri-
meiro livro escrito por Alberto Torres. A princípio, como hão de convir,
ele se deixou influenciar pelas idéias do liberalismo, inspirador da Carta
de 1891. Só depois é que refez o seu pensamento. Foi até acusado,
muitas vezes, de contradições. Algumas delas procurou justificar, mas
outras chegou a aceitar, dizendo que havia mudado de pensamento à luz
da realidade objetiva.

Djacir Menezes - Mas o que parece que invalida um pouco é o "todas".


Essa palavra aí é que tranca.

Magdaleno Girão Barroso - Por isso mesmo, para evitar interpretação


muito rígida, é que também recorri a citações. Muitas delas tirei de Al-
cides Gentil, de seu livro As idéias de Alberto Torres. Uma delas é a
seguinte: "O traço distintivo de nossa época é a supremacia do poder
econômico". Ele dizia do poder econômico, não da economia em si, da
economia como tal, porque são coisas diferentes. Afirmar a projeção
exclusiva dos fatores econômicos seria recair no materialismo histórico
marxista. Mas dizer que o poder econômico realmente existe em supre-
macia, era se manter dentro das normas gerais da teoria política. Acen-
tuou ainda que "em nosso país o grande problema é o da economia total
da sociedade", na mesma ordem de idéias, mas reconhecia a significação
de outros fatores e, na verdade, os resumia numa síntese que era o pro-
blema da organização política.
Para ele, o essencial não era a economia, como vemos. A política
exercia, em seu entender, o verdadeiro papel demiúrgico da organização
social. E vêm outras citações interessantes: "Não há nenhum problema
social solúvel isoladamente. A vida da grande maioria da nossa população
é extremamente precária, por causas climatéricas, por causas econômicas
e por causas sociais. Não existe em nosso país nenhuma organização capaz
de solver o nosso problema social e econômico. Todos eles convergem,
em suma, para uma síntese geral, o problema político".
São citações que tirei do artigo do autor, publicado pelo Prof. Djacir
Menezes em seu livro O pensamento político brasileiro.
Com relação ao item 3, achei muito interessante, porque realmente tem

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sido levantada a questão. O item 3 diz: "Na sua obra fundamental, Torres
afirma categoricamente que a "restauração do regime parlamentar seria a
maior demonstração de incapacidade política que poderíamos dar". En-
tretanto, concebeu uma espécie de poder moderador, que limitaria o
presidencialismo. Não lhe parece uma tentativa de compromisso entre a
instituição monárquica e o regime presidencial instituído em 1889?"
O poder imaginado por Alberto Torres denominava-se "poder coorde-
nador". f: o que consta da Seção 3~, do Título I, artigos 57/60 do seu
modelo de Constituição. Ele não era parlamentarista como todos sabemos.
Entendo particularmente que o fato de ele ter que instituir esse poder
coordenador não o aproxima nem da monarquia, nem do parlamentarismo,
porque esse poder tinha uma feição diferente. E até nisso ele foi precursor
do que nós hoje queremos para o Brasil, por exemplo, o Conselho de
Estado, uma forma de Conselho Constitucional ou de' Conselho Nacional,
sugerido recentemente por vários cientistas políticos para a nossa refor-
mulação política atual.

Adilson Macabu - Esse poder inclusive seria um quarto poder, integrado


por membros vitalícios, de modo que poderia, efetivamente, segundo as
idéias de Alberto Torres, exercer essa espécie de poder coordenador, mas
sem interferir diretamente nos outros poderes.

Magdaleno Girâo Barroso - Tanto assim que esse poder não era presi-
dido pelo presidente da República, mas por um de seus membros próprios.
E a finalidade dele, pelo contrário, não era dar mais força ao Executivo
como tal, ao presidente da República como tal, mas limitar as suas res-
ponsabilidades, através de uma ampla ação dinâmica e orgânica sobre
todas as atividades nacionais. Embora eu não considere que fosse viável,
nem mesmo naquela época, um poder desse tipo - isso não importava,
no meu entender, num fortalecimento do Poder Executivo, a ponto de
levá-lo a um sistema autocrático, a um sistema autoritário. A finalidade
desse poder coordenador era coordenar os outros três poderes nos seus
conflitos, nos seus prováveis conflitos, e, ao mesmo tempo, realizar, através
de um colegiado, ampla ação de caráter dinâmico, de caráter orgânico,
sobre todas as atividades nacionais. Tanto que lhe destinava nada menos
que quinze atribuições, mencionados em seu projeto de Constituição.
Quanto aos outros itens do roteiro, reuni aqui vários deles, que achei
que têm conexão uns com os outros. São justamente os que o Prof.
Ramalhete fez referência. São os de números 4, 5 e 7.
O item 4 se refere ao governo forte; o 5 diz respeito ao problema das
injustiças sociais, e o governo forte era justamente para resolver esse
problema. E o item 7 se refere à possível tese socialista de Alberto Torres.
Esses três itens se entrosam, porque o governo forte, que realmente
Alberto Torres pleiteava, tinha como sua principal finalidade resolver o
problema da justiça social, sem entretanto chegar ao socialismo marxista.

Pensamento de Alberto Torres 101


Magdaleno Girâo Barroso - Então vou reproduzir mais algumas citações,
para fundamentar o ponto de vista que acabei de expender. Dizia ele: "A
cada fração de liberdade de que o indivíduo abre mão deve corresponder
igual parcela de garantia da vida real, prática e orgânica, do seu corpo
e do seu espírito". Quer dizer, a toda prerrogativa corresponder uma se·
gurança; o seu contrário seria o excesso de liberdade.
Outra citação: "Pela sua intervenção em toda a vida nacional, a lei e o
governo podem tomar-se fonte permanente de desigualdade e de privi-
légios".
E finalmente: "A sociedade deve primar sobre o indivíduo, mas este
precisa estar seguro de seus direitos".
De fato, isso se refletiu perfeitamente na Constituição que ele modulou.
Ele instituiu o chamado mandado de garantia, que é precursor de nosso
mandado de segurança. Ele previu todos e mais alguns dos direitos fun-
damentais da pessoa humana, dentro dos pressupostos garantidores do
seu respeito.
Cabe citar, a propósito, o item 18 do art. 50: "Em nenhum caso é
lícito ao Governo tomar iniciativa de planos políticos ou promover ação
política ou administrativa de qualquer natureza, sem a ciência e sem au-
torização do Congresso Nacional".
Ele previu um sistema de responsabilidades do Chefe do Executivo. E
o poder coordenador, como eu já disse, se de um lado criava um corpo
orgânico de controle das atividades nacionais, como colegiado, de outro
lado se incumbia do controle dos demais poderes, em seus possíveis ex-
cessos. Portanto, se ele propunha um governo forte, não chegava a ser
um governo autocrático e nem mesmo eu consideraria um governo au-
toritário.
O que ele queria era o que ele mesmo chamou uma política orgânica,
um governo orgânico, em que houvesse organicidade capaz de solucionar
a problemática nacional. E nessa tendência ele não atingiu nem quis
atingir o socialismo, porque era tanto anti-individualista quanto anti-so-
cialista. Ele se colocava no meio termo.
Dizia, por exemplo, o seguinte: entre o individualismo que se assenta
sobre institutos jurídicos derivados da solidariedade dos argentários e o
socialismo, que pretende esquecer as desigualdades naturais, há uma ter-
ceira forma de justiça. Portanto, o que ele realmente colocou foi o nosso
atual Estado intervencionista.

Clóvis Ramalhete - Peço licença ao Proi. Girão Barroso para reiterar


que Alberto Torres foi então, como sempre. um intuitivo. Ele se antecipou
com a proposta profética do que só hoje chamamos de "democracia social",
opondo-a à "democracia liberal", a qual Torres criticava. A obra dele
- esta é colocação toda minha e que enuncio com a maior modéstia -
mostra a posição de um crítico ao Estado liberal, que Alberto Torres
redigiu em lapejos às vezes de paragenialidade. Ele era dotado desta

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inteligência autêntica, que é a inteligência intuitiva. Foi dotado de ad-
mirável intuição da versão nacional de um fenômeno político mundial.
Em Alberto Torres prefiro esta obra de intuição, adivinhação e crítica,
àquela outra obra dele em que o analista se faz proponente de soluções
práticas. Nestas, Torres não vôa tão alto. Realmente foi invulgar, e
colocando-se na estirpe dos grandes intuitivos brasileiros como Euclides
da Cunha, na denúncia d'Os sertões, verberando as elites europeizadas
brasileiras, privilegiadas fruidoras e culpadas das desgraças populares do
sertão, ou na estirpe de outro intuitivo como Justiniano José da Rocha,
com seu admirável panfleto Ação, reação e transação ao tempo do Império.
Quanto a Alberto Torres, este todo o tempo profligou a conciliação das
elites na cúpula de uma Nação de misérias, alheias a uma Nação de
miseráveis. As elites no poder, e conciliadas em torno de abstrações~
federalismo, presidencialismo, eleições fraudáveis. A conciliação das elites
- a elite econômica do latifundiário rural, com a elite urbana da época,
que então era apenas o comércio exportador do produto latifundiário
rural; aliadas à classe política; e esta alimentada nas oligarquias eleitoreiras
do "coronelismo".
Estas elites do poder conciliadas consistiam naqueles privilegiados que
Alberto Torres descreveu, enunciando até mesmo os seus símbolos de
dominantes em certa passagem. Não sou eu quem os enumera, são pa-
lavras dele - quando menciona as jóias, os casacos de pele, os automóveis,
as mansões. Esquecidas, porém, estas elites privilegiadas, das populações
brasileiras do interior e das classes baixas. Encontro Alberto Torres muito
melhor como um intuitivo da agonia do Estado liberal como instituição
do poder, mas que o mundo ainda adotava, dando ele desta crítica, uma
versão brasileira. Aí ele é melhor do que quando propõe soluções. Como
proponente vem-lhe a inteligência analítica, uma forma inferior de inteli-
gência. A inteligência intuitiva é a dos gênios. Alberto Torres teve cin-
tilações parageniais, na intuição.
Não devemos confundir o intervencionismo de Alberto Torres com o
intervencionismo da administração pública ...

Magdaleno Girão Barroso - Burocrático.

Clóvis Ramalhete - ... do poder, como apenas Poder Executivo. Parece


que ele tinha a intuição, ainda que mal formulada, de uma global ordem
jurídica que buscasse uma ordem legal socialmente tutelar dos direitos.
Quando ele diz que o direito do indivíduo devia corresponder a garantias,
na realidade Alberto Torres está pedindo garantias da realidade. Está
pedindo o intervencionismo da lei. Porque a lei também pode ser inter-
vencionista. Não é só o Executivo que o pode ser.
A transformação atual do direito, em síntese, e quando se afirma que
o Estado liberal terminou, consiste em que o direito do propietário, do
patrão e do credor, foram substituídos, na democracia social, pelo direito

Pensamento de Alberto Torres 103


do trabalhador, do inquilino e do devedor. Porque a lei passou a intervir
na tutela destes. Ora, Alberto Torres postulou tornar efetivas as garantias
do indivíduo. Quando ele propunha o fortalecimento do poder, não se
voltaria necessariamente, para a máquina burocrática. Mas para uma
nova ordem jurídica, estatuindo a ordem social assim concebida que pu-
sesse freio às liberdades da elite dominadora. Torno a registrar que Alberto
Torres foi muitíssimo melhor como crítico do regime liberal e de seu
sistema de governo, do que como proponente de soluções. E para meu
gosto: ele não escrevia bem, ficando longe de seus companheiros de
autodidatismo de pesquisa da realidade brasileira, excelentes prosadores,
Euclides da Cunha e Oliveira Viana.

Magdaleno Girão Barroso - Realmente, quando eu disse que ele se


mostrou partidário do nosso atual Estado intervencionista, não quis me
referir propriamente, estritamente, a este conceito de Estado burocrático,
Estado paternalista, Estado incentivador, mas realmente neste conceito mais
orgânico da composição de um Estado em função de um todo social.

Clóvis Ramalhete - Prof. Magdaleno Girão, quando há pouco tentei a


defesa de Alberto Torres contra a confusão de seu governo forte com
um governo arbitrário e fascista, como tantos em erro supõem, esbocei
a defesa de sua obra porque na fase brasileira de 1937 a 1945 houve
certa tentativa de justificar o Executivo arbitrário de então com as idéias
de Alberto Torres. Foi uma fraude intelectual, servida para consumo
deste País. Ela preveniu os de boa fé, contra a aceitação de bons pensa-
dores nossos, da estirpe de Oliveira Viana e Alberto Torres.

Magdaleno Girão Barroso - Concordo inteiramente com a sua opm13o.


O que me parece, para concluir esta parte, é que Alberto Torres - há
até expressões dele bastante claras a respeito - defendeu para o País o
que ele chamou Estado social. São expressões que ele mesmo usou. Mas
isto não quer dizer - e aqui entro na última pergunta feita pelo Prof.
Djacir - que ele estivesse preso a uma ideologia. Ele era um anti-
ideólogo por excelência. Era um homem que procurava o racional acima
do ideológico, porque a ideologia, como sabemos, à luz da sociologia do
conhecimento, é uma contrafação da razão, em geral. De modo que ele
era um anti-ideólogo, um racional, embora de certa forma tivesse sido
um utópico, dentro de todo o seu objetivismo, porque ele queria um
governo perfeito.
Esta a minha primeira explanação.

Adilson Macabu - Eu gostaria de fazer uma pequena intervenção.

Djacir Menezes - Pois não, pode falar.

104 R.C.P. 1/79


Adilson Macabu - Talvez eu seja a pessoa menos indicada para dis-
correr sobre Alberto Torres. Não o farei. Não cometerei tal imprudência,
descer a detalhes. Mas, antes de ouvirmos a palavra autorizada do ilustre
escritor Barbosa Lima Sobrinho, eu gostaria de enfatizar a participação
deste brilhante fluminense que foi Alberto Torres que, numa vida rela-
tivamente curta, em tomo de 53 anos, denotou um espírito de vivacidade,
de luta e de presença na realidade nacional que fizeram com que suas
idéias ficassem definitivamente consagradas na história da evolução das
instituições políticas nacionais, não só pela sua atuação em vida, como
pelo desdobramento que essas idéias possibilitaram posteriormente. E
não seria hoje excessivo afirmar o título que o Ministro Cândido Mota
Filho deu a seu livro quando, em 1931, escreveu uma obra sobre Alberto
Torres e o tema da nossa geração. Eu acho que as idéias de Alberto
Torres constituem ainda o tema da minha geração, porque elas estão
presentes, principalmente porque ele procurou ressaltar dois pontos fun-
damentais. Em primeiro lugar, a sua fé nacionalista, uma fé nacionalista
que propugnava, como foi muito bem acentuado, não por ideologias e
contornos ideológicos, mas simplesmente para identificar, até nos valores
étnicos e sociais brasileiros, aqueles pontos mais fundamentais do nosso
povo e defendendo, inclusive, os nossos interesses econômicos, dentro da
visão economicista que ele procurou dar a muitas das suas formulações.
O outro ponto, foi quando ele defendeu a necessidade do fortalecimento
do poder, esse fortalecimento do poder que poderia, numa observação
mais rápida, ser interpretado por alguns como tendências autoritárias,
quando não era nada disso, no meu entender. Era um fortalecimento
do poder que visava, principalmente, a ajustar os textos legais existentes
no Brasil à nossa realidade social, dentro da coerência com a sua fé
nacionalista. Tanto que ele propugnou, de imediato, pela revisão consti-
tucional brasileira, e isso pôde dar às suas idéias algumas características
do chamado Estado forte, porque nessa revisão constitucional estava
inserida a idéia da ...

Djacir Menezes (Interrompendo o orador) - Se não me engano, parece


que ele preconizava o período presidencial para oito anos, não?
Adilson Macabu - Exatamente. Na revisão constitucional que defendia
preconizava a intervenção federal nos estados, bem como a alteração na
composição das câmaras legislativas, integradas por representantes classistas.
Suas posições pareciam conduzir à idéia de um fortalecimento excessivo
do Poder Executivo. Tudo leva a crer que ele era um homem de grande
visão, até mesmo precursor do que hoje se constitui numa alternativa para
o aperfeiçoamento do sistema político brasileiro, onde a adoção do voto
distrital surge como uma das medidas para dar autenticidade à represen-
tação.
Por outro lado, quando pensava em representantes classistas, objetivava,
ao que tudo indica, melhorar o nível da representação, de modo a atender

Pensamento de Alberto Torres 105


aos diversos segmentos sociais que reclamavam maior participação na
sociedade brasileira.
Alberto Torres, no nosso entender, concluindo esta ligeira intervenção,
eis que estamos ansiosos para ouvir o Prof. Barbosa Lima Sobrinho, foi
efetivamente um admirável lutador. Desde cedo, iniciou atividades jor-
nalísticas, colaborando com inumeráveis publicações. Já em 1889, fun-
dava um jornal, em Niterói. Ainda jovem, participava das principais
decisões nacionais, pois com pouco mais de trinta anos, foi nomeado
Ministro da Justiça e Negócios Interiores. Procurava, então, desenvolver
todo aquele caleidoscópio de idéias, num país que carecia de pessoas
com idéias. N aquela época, as elites eram extremamente reduzidas, mas
mesmo com essas condições adversas, ele buscava a adequação de rea-
lidade social à realidade brasileira.
No nosso entender, esse aspecto era muito importante porque na sua
luta Alberto Torres condenava a ausência da participação do Estado e
até mesmo sua atuação passiva, em relação às injustiças sociais. Essa
bandeira era bastante avançada para a época, vivíamos uma fase em que
muitas conquistas sociais ainda estavam por ser concretizadas. Legislação
trabalhista, previdência social, não formavam entre os temas do momento
político brasileiro. Hoje, considerando o atual estágio de desenvolvi-
mento do País, com a presença de um crescimento demográfico intenso,
mais do que antes, as idéias de Alberto Torres estão avivadas. Vale dizer,
que se tivermos sensibilidade suficiente para a percepção das injustiças
sociais, é que seremos capazes de criar, desenvolver e aperfeiçoar defini-
tivamente instituições autênticas e coerentes com a realidade nacional. Ele
teve o grande mérito de ressaltar em todas as oportunidades as injustiças
sociais perpetradas pelas elites econômicas.
À medida que o País se desenvolve, essas idéias passam a estar, no
nosso entender, na ordem do dia, uma vez que precisamos hoje reavaliar
a "presença de Alberto Torres", título feliz do livro escrito pelo Prof.
Barbosa Lima Sobrinho. Acho que as idéias de Alberto Torres estão
inseridas na realidade nacional contemporânea, onde a tecnocracia s('
agigantou de tal forma que as aspirações sociais nem sempre estão sendo
atendidas devidamente, em função da insensibilidade de algumas elites,
que não buscam compreender essa realidade nacional. Acredito que a
análise da obra de Alberto Torres, o estudo das suas idéias por parte
das novas gerações, seria extremamente importante para ajudar a repensar
o momento político e econômico brasileiro em que vivemos.
Concluindo, gostaria de dizer que Alberto Torres, sempre coerente
com sua fé nacionalista, procurou mostrar, principalmente, que o brasi-
leiro - e se aplica também à nossa época - precisava aproveitar as
lições de outros povos, sem lhes copiar as instituições, que deveriam re-
sultar da própria natureza do País.
Esse senso de realismo, essa convicção nacionalista autêntica, a defesa
das reais aspirações nacionais, caracterizaram as idéias de Alberto Torres,

106 R.C.P. 1/79


precursor de tantas aberturas políticas e jurídicas, que, não obstante terem
decorridos alguns anos, não estão esquecidas. nem desatualizadas. Ao
contrário, suas idéias estão presentes e ajustadas à nossa época.
Deveriam ser ressaltadas, principalmente nos institutos de pesquisas,
para que a nova geração de brasileiros possa, efetivamente, estar impreg-
nada desse nacionalismo sadio e construtivo, que era o cerne de suas idéias.

Djacir Menezes - Penso que é chegado o momento de ouvirmos a pa-


lavra de Barbosa Lima Sobrinho.

Barbosa Lima Sobrinho - Eu gostaria de dizer, inicialmente, que quem


vem para uma mesa-redonda, onde estão presentes pessoas tão ilustres
como o Prof. Djacir, o Prof. Clóvis Ramalhete, o Prof. Girão, e um
representante da mocidade, como é o Prof. Macabu, vem para aprender,
não para ensinar. E isso tudo para verificar a repercussão que poderia
!e~ tido um livro publicado há dez anos, em relação propriamente à
interpretação dessa grande figura brasileira que foi, sem dúvida alguma,
Alberto Torres.
O nosso Dr. Clóvis Ramalhete, como o Dr. Djacir Menezes, toda vez
que se manifestam trazem aberturas novas para qualquer inteligência, a
gente vem sempre aprender com os dois. Tenho verificado aqui com o
Dr. Clóvis Ramalhete e até na Ordem dos Advogados, na brilhante oração
que ele pronunciou, o quanto seria útil uma convivência constante com
ele, para aprender tanta coisa que ele sabe, dada a sua grande cultura e
a criatividade de sua inteligência.
Eu devo dizer que esse livro de Alberto Torres foi escrito num mo-
mento em que parecia necessária a presença de Alberto Torres, porque
naquela hora nós estávamos com um Presidente da República, que era
então o Marechal Castelo Branco, que considerava o nacionalismo "ir-
racional". Eu procurei, então, entre as grandes figuras brasileiras, um
patrono para o nacionalismo. Fui até censurado por me deter em Alberto
Torres porque, sobrinho de uma grande figura da república que foi Bar-
bosa Lima, todos achavam que eu devia dedicar minha atenção, real-
mente, à biografia de meu tio. Mas eu achei que a hora precisava de
um advogado do nacionalismo e não havia para mim figura mais ex-
pressiva do que Alberto Torres, até mesmo por uma circunstância que
o nacionalismo ele o ensinara não apenas como uma convicção doutrinária
mas com a experiência de sua própria vida.
O Estado do Rio que vivia, até então, do imposto de exportação do
café que lhe dava grande receita, de repente entrou em decadência. Isso
porque os preços do café começaram a se aviltar. E não foi só o de-
clínio da própria produção cafeeira do Estado do Rio, foi também a
circunstância da baixa dos preços do café nos mercados internacionais.
" Aliás, é interessante notar que com os problemas sociais criados para o
Estado do Rio com o declínio da produção do café três figuras marcantes

Pensamento de Alberto Torres 107


da terra fluminense se destacaram, e se levantaram, não num protesto,
mas como que num despertar de inteligência para cogitar dos problemas
que iam surgindo em torno da decadência da lavoura cafeeira. Foi o
caso de Silva Jardim que se tornou propagandista da República, dando
uma visão inteiramente nova às idéias republicanas; foi o caso de Oli-
veira Viana, já orientado para a parte das soluções sociológicas e foi,
sobretudo, o caso de Alberto Torres.

Clóvis Ramalhete - A respeito do declínio do café convêm citar o


ano de 1904 com a Convenção de Taubaté, quando os "cafeisistas" pe-
diram a intervenção do Estado que, no caso foi a intervenção de São
Paulo. O Governo de São Paulo comprou a safra de café. Começou então
uma política dirigida do café, e o fim do Estado liberal. O declínio do
café em 1904 é contemporâneo da obra escrita de Alberto Torres.

Barbosa Lima Sobrinho - A reunião de Taubaté, realmente, já foi uma


conseqüência desse declínio porque eles já sentiam a presença do inter-
mediário, do comissário estrangeiro no mercado brasileiro de café. Tinha
havido como que uma transformação na parte tocante aos comissário~
que antigamente era dos brasileiros e, de repente, eles se tornaram mais
enfeudados ou presos a interesses americanos. Isso se refletiu, realmente,
na administração de Alberto Torres. Ele sentiu na carne a pressão desses
interesses estrangeiros. E o Estado do Rio sofreu com isso, tanto assim
que Quintino Bocaiuva, quando foi indicado, naquela ocasião, para a
presidência - naquele tempo era presidência - do Estado do Rio, decla-
rou que tinha a impressão de que era apenas um liquidante de uma massa
falida. Por aí se vê, realmente, a situação a que chegaram. Alberto
Torres talvez não tivesse atentado bem ainda para os nossos problemas
do nacionalismo. 'É possível que tivesse despertado nessa ocasião e co-
meçou, então, a estudá-los mais a fundo para chegar depois aos seus
grandes livros, sobretudo aqueles que retratam suas idéias sobre o na-
cionalismo e os problemas realmente brasileiros, e uma monografia que
ele publicou já na parte final de sua vida e, principalmente, nos artigos
que publicou na imprensa a partir da divulgação de seus livros. Uma
coisa curiosa é que ele publicou em 1909 Vers la paix, em 1913 e 1914
saíram outros livros publicados pela Imprensa Nacional, pois ele não
encontrava editor para eles; era um favor da Imprensa Nacional publicá-
los, e a maior parte dos exemplares dedicava a amigos, apondo a sua
assinatura e dedicatória. Ele pedia, com uma insistência enorme, pedia
por favor que lessem os seus livros. Continuou, depois desses livros, a
escrever artigos para vários jornais em que colaborava, A Noite, por
exemplo, O Imparcial, O Estado de São Paulo. E esses artigos, até hoje,
não foram republicados. Seria do maior interesse reuni-los. Aliás, eu
tenho um amigo no Estado do Rio, Dalmo Barreto, que já reuniu esses
artigos, constantes de um álbum que D. Heloísa e D. Marieta Alberto

108 R.C.P. 1/79


Torres, filhas de Alberto Torres, nos permitiram consultar. Isso iria
revelar exatamente o pensamento dele até o final de sua vida porque ele
foi, realmente, um homem, como aqui se assinalou, que foi elaborando
seu pensamento dia a dia, sempre atento às novas formulações e sempre
desejoso de expressá-las com absoluta independência e autonomia inte-
lectual. Dele pode-se dizer que teve uma ideologia, mas uma ideologia
própria, porque ela se foi formando em conseqüência da colaboração de
todas as outras ideologias. f: possível que ele tivesse tido mais influência
de Augusto Comte do que de Marx. Este é um ponto que também se
poderia assinalar. O Dr. Djacir Menezes está aí para nos elucidar.

Djacir Menezes - Estou lendo neste instante uma citação sua, que jus-
tamente corrobora esse seu pensamento. Diz Alberto Torres: "As minhas
idéias políticas nada têm de sistemático, de preconcebido ou de reflexo.
São idéias de homem público elaboradas durante longos anos."

Barbosa Lima Sobrinho - Isso está exatamente dentro da interpretação


que estou dando aqui. O livro foi escrito há dez anos e muitas coisas
aconteceram. De dez anos para cá eu fui chamado a intervir em muitas
outras lutas. Eu sou um homem que está sempre preso às batalhas de
cada dia e não sei, realmente, me recusar a intervir nas lutas para que
me desafiam. Sou um batalhador em disponibilidade para atender a todas
as pelejas que possam interessar ao público brasileiro.

Clóvis Ramalhete - f: o preço de ser um grande homem. E de ser um


bom brasileiro.

Barbosa Lima Sobrinho - E de ser brasileiro como foi Alberto Torres.


Esse aspecto, exatamente, da coordenação das idéias nacionalistas dele
com a experiência pessoal é que me parece a coisa mais expressiva entre
os adeptos do nacionalismo no Brasil. Sentiu na carne e expressou nas
suas idéias, o seu pensamento e as necessidades brasileiras. Concordo
muito com as opiniões de Clóvis Ramalhete quando ele frisa, realmente,
que na formulação das medidas que ele apresentou há alguma coisa a
desejar. Talvez ele não tivesse, na verdade, uma grande objetividade ou
se deixasse iludir por esperanças, sem um senso crítico mais completo
em relação às próprias sugestões que fazia. E queria, de fato, um governo
forte. Isso não inspirou só a Constituição de 1937. Antes da Constituição
de 37 houve um episódio que eu registro no livro e em que a Fundação
Getulio Vargas está, também, de certo modo envolvida, que foi o pleito
dos integralistas para fazerem de Alberto Torres o patrono do integralismo
no Brasil.

Clóvis Ramalhete - Mas não confundi-lo com fascismo.

Barbosa Lima Sobrinho - Mas integralismo, de certa maneira ...

Pensamento de Alberto Torres 109


Clóvis Ramalhete - Não. Não confundir Alberto Torres com fascismo.

Barbosa Lima Sobrinho - Rafael Xavier estava na presidência da So-


ciedade Amigos de Alberto Torres. Essa sociedade existiu e teve uma
grande presença. Um dos seus presidentes foi Rafael Xavier que era daqui
da Fundação Getulio Vargas. Não sei se se lembram dele. Ele já está
afastado hoje do serviço da Fundação, mas foi um homem muito atuante
aqui dentro. Fora daqui exercia a presidência da Sociedade Amigos de
Alberto Torres. Sentiu a invasão da Sociedade por elementos do Partido
Integralista que queriam fazer dela como que o campo para as manifes-
tações de suas teses e de suas formulações políticas. Rafael Xavier resistiu,
não permitindo a invasão do integralismo na Sociedade Amigos de Alberto
Torres porque sempre achou - e eu concordei inteiramente com ele -
que Alberto Torres era um advogado de formas democráticas.
Basta ver que no próprio projete de Constituição resguarda, acima de
tudo, e de certa maneira coerente também com Augusto Comte, a ampla
liberdade de pensamento e de opinião, sem qualquer censura. E quem
resguarda ampla liberdade de pensamento, sem qualquer censura, está
resguardando a própria liberdade, porque não há governo autoritário, não
há governo ditatorial que não comece realmente pela medida da censura,
em particular, contra a liberdade de imprensa. Inclusive, esses governos
autoritários se baseiam em quê? Baseiam-se numa forma de solução
econômica, que é o achatamento dos salários.
Eu duvido que se possa manter um achatamento de salários em regime
de liberdade. Então o achatamento de salários provoca o regime ditatorial.
Este vem como uma necessidade prática das próprias instituições, para
garantir aquela solução que seja considerada providencial e que, todos
sabemos, está longe de ser providencial, se nos abeberarmos um pouco
na própria doutrina. São coisas que, de certa maneira, foram combatidas
por Alberto Torres. Tenho aliás todo um capítulo, exatamente nesse
livro, com o título Governo Forte e Democracia, que é a própria defesa
dessa tese que estou expondo. Foi, de fato, um defensor do mandado
de garantia, foi um dos iniciadores desse mandado de garantia.
No Supremo Tribunal Federal defendeu, quase que como pioneiro, a
ampliação do habeas-corpus, para garantir outros direitos que não esta-
vam propriamente contidos no direito de locomoção. A tese dele até se
destacava da tese de Pedro Lessa. Pedro Lessa ficava mais com o direito
de locomoção e Alberto Torres o aceitou para a prevenção e a defesa
de outros direitos, dando um elastério que, de certo modo, ia confundir
o habeas-corpus com o mandado de segurança.
Clóvis Ramalhete - Esse assunto é de importância na história do direito
brasileiro. Trata-se de contribuição brasileira, a concepção brasileira de
habeas-corpus, mas criada pelo eminente Rui Barbosa. Não é de Alberto
Torres. Rui Barbosa estendeu o habeas-corpus para além do direito de
locomoção, concepção esta que veio a ser consagrada por uma corrente

110 R.C.P. 1/79


no Supremo Tribunal. Esta concepção brasileira de habeas-corpus não
se restringiu apenas à defesa do direito de locomoção. Via na proteção
ao "direito de ir e vir" um "direito meio", indispensável para exercer-se
um outro direito, através dele. Então, por habea...'iI-corpus, protegia-se por
exemplo um candidato eleito para o governo fluminense, Raul Fernandes,
a fim de que ele pudesse locomover-se para ir tomar posse. Protegendo-se
o "direito de ir e vir" estava-se também protegendo outro direito lesado.
Locomoção, direito meio; outro direito, o direito fim.
Esse elastério do habeas-corpus é concepção em cima de um direito já
muito antigo. Mas trata-se de uma contribuição do Brasil para o direito
ocidental, concepção de Rui Barbosa. Não é de Alberto Torres.
Barbosa Lima Sobrinho - O precursor realmente dessa criação foi Rui
Barbosa, mas Pedro Lessa o aceitava para proteção do direito de loco-
moção. E na própria evolução desse problema, sob a influência dessa
idéia, é que surgiu o pleito da Câmara Municipal da então Capital da
República, obtendo um habeas-corpus, que Alberto Torres impugnou,
porque achou que realmente estava longe do fundamento do direito de
locomoção. O habeas-corpus para ele era a proteção do indivíduo. Esse
aspecto também foi muito bem assinalado pelo Dr. Clóvis, pois as idéias
de Alberto Torres, a sua preocupação fundamental, era exatamente uma
ampla proteção ao homem, ao indivíduo, aos direitos que o protegessem.
Agora, o que me encantou mais, o que me fez realmente escrever o
livro, foi mostrar a batalha de um homem que defendia o nacionalismo,
a sua preocupação com os interesses brasileiros e como esses interesses
brasileiros eram sacrificados por interesses estrangeiros. Ele compendiava
de uma maneira geral esses interesses estranhos naquela expressão "ar-
gentários".

Adilson Macabu - A propósito, o senhor não acredita que um dos


fatores deflagadores, digamos assim, dessa consciência nacionalista de
Alberto Torres tenha sido exatamente a discussão do projeto sobre os
seguros e a remessa de lucros para o exterior?

Barbosa Lima Sobrinho - Este foi um debate de grande importância,


qual seja, o debate sobre a remessa de lucros nas empresas de seguros.
Eu aliás tive oportunidade de, num trabalho que nunca chegou a ser
publicado e que foi um parecer dado quando se procurava criar o Ins-
tituto de Resseguros do Brasil, quando eu integrava a Comissão de Fi-
nanças da Câmara, elaborar um parecer longo, que poderia até ser cha-
mado de monografia. Nesse parecer eu estudava esses antecedentes,
principalmente a defesa dos interesses brasileiros, através das instituições
públicas. Eu fixava bem esses aspectos, que devem ter atraído a atenção
de Alberto Torres no momento, embora eu não me lembre se nessa
ocasião ele já houvesse deixado o Governo do Estado do Rio.
Creio que, mais do que tudo, o que influiu realmente na sua concepção
do nacionalismo foi a convicção de que sentia, através do preço do café,

Pensamento de Alberto Torres 111


a pressão dos interesses estrangeiros que tinha, de certo modo, impedido
que realizasse, no Estado do Rio, a administração que desejava fazer.
Sofreu por isso grandes críticas, exatamente pelas restrições que o preço
do café veio a acarretar para sua administração. Teve que demitir vários
intelectuais, alguns poetas, e eles então se reuniram na famosa Lira Aca-
ciana, para atacarem violentamente Alberto Torres, através de poesias
satíricas muito bem feitas, porque eram realmente grandes figuras da
inteligência brasileira, como Alberto de Oliveira, Olavo Bilac e outros.
Ora, confundir Alberto Torres com o Conselheiro Acácio era realmente
uma prova de grande imaginação literária ou pelo menos do interesse
pessoal rudemente sacrificado. Justificava-se isso em poetas que tinham
perdido emprego dado pela administração anterior. Mas esses homens
que fizeram a Lira Acaciana, todos eles depois se aproximaram de Alberto
Torres, reconhecendo-lhe o mérito, que, posteriormente, passaram a louvar
e a exaltar.
Mas não se pode ignorar que, na sua geração, Alberto Torres acabou
como que exorcizado. No seu tempo exerceu, numa certa fase, o Minis-
tério da Justiça. Através do Ministério da Justiça, chegou ao Governo do
Estado do Rio. Depois, foi deputado, foi ministro do Supremo Tribunal
Federal. Mas talvez não houvesse revelado seu entusiasmo e a sua de-
dicação às teses nacionalistas, porque quando revelou suas idéias próprias
em relação ao nacionalismo não teve mais nenhuma função, nenhum
cargo. Ficou como um banido, afastado realmente, como adversário dos
interesses brasileiros, quase que tido também como um ideólogo irracional.

Clóvis Ramalhete - Com seus livros, Alberto Torres de algum modo


escreveu seu testamento ideológico, antes de ser sepultado vivo como
político.

Barbosa Lima Sobrinho - Mas ele foi sepultado em vida. Teve um


grande desalento em conseqüência desse exílio, em vida.
Mas nessa fase continuou a agir através de jornais, por isso acho que
a revelação desse trabalho seria de grande interesse para vermos com que
vigor reagiu, arvorando a bandeira do nacionalismo, que soube defender
com uma bravura inevitável.

Clóvis Ramalhete - Esta seria uma grande sugestão à casa que nos
hospeda esta manhã.

Barbosa Lima Sobrinho - Se quiserem tomar a frente disso, vou entrar


em entendimentos com o Delmo Barreto, que mora em Niterói, porque
ele organizou realmente esses artigos todos, em grande parte já orientado
pelo álbum de recortes da família. Mas aquele álbum era deficiente.
Observei que vários episódios da sua vida não estavam naquele álbum,
a começar pelo episódio com Silva Jardim, que acho fundamental, prin-

112 R.C.P. 1179


cipalmente porque naquela hora a divergência dele com Silva Jardim era
clara. Ele achava que, sob a inspiração positivista, Silva Jardim fora
mais longe na adoção do poder autoritário do que ele próprio. Sinal de
que no conjunto da vida de Alberto Torres, tomando todos esses elemen-
tos, essa atitude face a Silva Jardim, depois sua atitude no Supremo
Tribunal para defesa da ampliação do habeas-corpus, depois as idéias
externadas no seu projeto de Constituição, nós vemos que esse homem
teve uma coerência de tal ordem na defesa das idéias democráticas que
longe de nós julgá-lo inspirador de governos autoritários, sejam eles quais
forem.
Agora esses interesses argentários, como ele os chama, são interesses
de tal ordem que, nós sabemos, não é fácil afastá-los porque a convicção
em que se vive, há não sei quanto tempo, é de que o importante é o
capital. O capital é importante, o capital é essencial e, como nós não
temos capital, temos que nos curvar diante dos países que o têm, quando
a experiência de todos os países que enriqueceram nos demonstra que o
capital se faz em casa.

Clóvis Ramalhete - Com tal título li um livro excelente sobre o Japão,


e que leva a sua assinatura, Prof. Barbosa Lima Sobrinho.

Barbosa Lima Sobrinho - Eu fiz um estudo sobre o desenvolvimento


do Japão sob o título: Japão, o capital se faz em casa, porque me parecia
que era interessante trazer ao Brasil a demonstração de uma experiência
prática que chegara, realmente, a vitórias espetaculares na industrialização
do Japão, com a idéia de afastar o capital estrangeiro e procurar o de-
senvolvimento com o nosso próprio capital, com os nossos próprio!>
recursos.
Isso, aliás, não era uma norma só do Japão. Era uma norma de
todos os países que se desenvolveram. Era o que se tinha observado na
Inglaterra, o que se tinha observado na França, era o que se tinha ob-
servado na Dinamarca, na Suécia e na própria Suíça. E nos EUA, tam-
bém, os capitais estrangeiros não tiveram o relevo que doutrinadores
• brasileiros alienados gostariam de lhe dar. Quem estuda realmente a his-
tória econômica dos EUA, verifica que a participação do capital estran-
geiro foi insignificante no conjunto das suas realizações.

Magdaleno Girão Barroso - O capital humano é que emigrou para os


EUA.

Barbosa Lima Sobrinho - O que houve nos EUA foi a acumulação de


recursos próprios, através de todos os processos que permitem a amplia-
ção desse capital. Eu fiz dessa experiência japonesa uma demonstração
do resultado prático de uma experiência semelhante. Agora, nós vivemos
.. aqui escravizados a essa orientação e cada vez admitimos mais a pre-

Pensamento de Alberto To"es 113


sença do estrangeiro. Alberto Torres profligava tremendamente a atuação
dos trusts, mas teve a felicidade de não conhecer as muItinacionais. Não
sei o que ele escreveria, se tivesse visto as muItinacionais.

Clóvis Ramalhete - Elas vieram a surgir pouco depois. Mas, ProL Bar-
bosa Lima, gostaria de ouvi-lo sobre um tema que, parece-me, poderá
vir a ser um dos frutos desta manhã, que é procurarmos fazer com que
se afaste de Alberto Torres a suspeita de que ele foi um teórico do arbítrio.
Quando se fala em "governo forte", interesseiros - houve-os há pouco,
na História brasileira - procuram envolvê-lo na concepção de um teórico
do arbítrio. E isso não é verdade.
Alberto Torres procurava tornar efetivos os direitos econômicos e do
bem-estar social do indivíduo. Não pode ser chamado de teórico do regime
autoritário. O que distingue um sistema de governo constitucional, num
Estado de direito, de um sistema de governo autoritário, é que no sistema
de governo constitucional em Estado de direito existe divisão de poderes,
mas com efetivo controle mútuo entre os poderes, e com a prevalência
do indivíduo ante o Estado. Mas num regime autoritário, por definição,
o indivíduo é sufocado; e a divisão de poderes é esmaecida quando o
controle mútuo entre os poderes também desaparece. No sistema de
Governo proposto por Alberto Torres, vê-se uma tentativa de fortalecer
a divisão de poderes, com controle mútuo e ante a prevalência do indi-
víduo, que ele queria com garantias efetivas perante o Estado. Este ho-
mem foi interesseiramente apodado de propugnado r do regime discricio-
nário. O "governo forte" que Alberto Torres pedia entretanto era uma
revisão da partilha do poder nacional, então mal feita na Federação or-
todoxa brasileira, a qual havia dado aos estados-membros, por exemplo,
toda a reserva das terras devolutas do Brasil.
Inclusive, deu-lhes o subsolo com minas e jazidas. De tal modo que
foi possível a certo presidente de Minas Gerais impedir que se iniciasse
neste país a siderurgia por capricho contra o presidente da República,
já que o subsolo pertencia à decisão estadual. Tão "estaduanos", tão pro-
vincianos éramos então, que chegamos à caricatura de termos, pelas
simpatias de um rei da Bélgica para com o Brasil, visto surgir essa si-
derurgia de nome muito engraçado, que é a Belgo-Mineira, em vez de Belgo-
Brasileira. A Bélgica, unindo-se ao estado-membro, em vez de à União
Federal. Eram os exageros do nosso provincianismo como certa Escola
Teuto-Sergipana. "Teuto-Sergipana" é de morrer de rir, tanto mais que
não é escola, nem teuto, nem sergipana. Para mim é charada cultural.
Eminentes homens dela eram pernambucanos e cearenses e as idéias
apenas eram lidas em alemão, mas não se originou aqui um "sistema"
filosófico ou jurídico.
Esses excessos de provincianismo brasileiro na crítica de Alberto Torres
precisavam de um movimento contrário e pendular, de fortalecimento do

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poder central neste país. Mer~ P?der central, para poder planejar o
Brasil, é bem diferente de autOrItarIsmo.
Estas as idéias que aqui coloco, para tentar limpar Alberto Torres da
sujeira de um mito criado contra ele, o qual é: Alberto Torres, teórico
de um regime autoritário para o Brasil.
Gostaria de ouvi-lo, Sr. Barbosa Lima Sobrinho, com a sua autoridade,
a este respeito. Mas não antes de permitir-me agradecer-lhe as referências
que fez às minhas intervenções nesta manhã, com que me distinguiu.

Barbosa Lima Sobrinho - Sabe que sou antigo admirador.


Está neste livro, aliás não é ignorada esta atitude de Alberto Torres
em relação à influência dos grupos econômicos nacionais e estrangeiros
que ele denominava argentarismo, quando dizia que o argentarismo, em-
bora alheio à política, domina mais que os próprios poderes públicos e
irrita a chaga da miséria. O despotismo do dinheiro, em face dos fa-
mintos e da gente de posição será o estado permanente das nossas so-
ciedades, se a política não for substituindo o velho equilíbrio das forças
tradicionais pelo equiHbrio conservador da balança dos interesses fundados
nas necessidades vitais e nas aptidões do homem.
:E: um ponto de vista que eu acho fundamental, realmente, na estru-
turação das idéias de Alberto Torres.
Agora, pode-se dizer que ele foi um defensor, propriamente, da inter-
venção do Estado? Eu creio que ele desejaria que essa intervenção re-
sultasse de uma comparação de todos os interesses sociais. Quando fosse
possível e útil, muito bem. Mas eu perguntaria, no caso de não ser
possível a solução privatista seria necessário afastar a intervenção do
Estado? Se nós dermos o relevo que essas idéias dele, na defesa dos
interesses gerais da sociedade, devem ter, nós chegaremos à convicção
de que, no caso de não haver aquela coordenação e espécie dos interesses
privados, Alberto Torres concordaria com a intervenção do Estado, como
um meio de trazer aquelas soluções, que não estavam sendo adotadas
ou praticadas e que seriam fundamentais na estruturação da economia
brasileira. Foi, aliás, o que o Japão fez, porque o desenvolvimento eco-
nômico do Japão começou, sobretudo, com medidas tomadas pelo Es-
tado, que chegou a fundar diversas empresas. Depois, pela presença dos
interesses dos samurais, a quem precisavam também atender, as empresas
que davam lucro em favor dos samurais, e as outras, que não davam
lucro, ficavam com o Estado. No fundo de tudo, combatiam as interven-
ções estatais naquelas empresas que dão lucro. Nas outras que não dão
lucro todos concordam com a alienação do Estado.

Adilson Macabu - Acho que o senhor foi muito feliz quando exprimiu
seu pensamento ao afirmar que se Alberto Torres vivesse hoje e acom·
panhasse a atuação das empresas multinacionais seria certamente diferente.
Ele já defendia a idéia de que o Estado deveria exercer uma vigilância

Pensamento de Alberto Torres 115


intervencionista e coibir as investidas das oligarquias financeiras sobre os
interesses nacionais, por que essa era a realidade da época. Atualmente,
sua luta seria estendida, certamente, ao combate do papel desenvolvido
pelas empresas multinacionais, verdadeiros tentáculos que atuam na eco-
nomia nacional e sufocam o seu próprio desenvolvimento.
Há um aspecto a ser analisado, Dr. Djacir, que consta do questionário
e me parece merecer a opinião dos ilustres in.tegrantes desta mesa-redonda.
Trata-se do item 10, sobre a presença de uma representação classista nas
Assembléias Legislativas.
"A representação classista nas Assembléias Legislativas não exprimiu
uma transição frustrada para um Legislativo mais técnico e mais isento
das manobras facciosas?"
O que verificamos hoje é que se procura criticar a atuação do Poder
Legislativo, uma vez que ele não parece cumprir adequadamente suas
tarefas e funções, por faltar-lhe um pouco de elitismo profissional, de gente
mais gabaritada para exercer a representação popular, embora eu entenda
que ela deve atender a todos os segmentos sociais. Mas será que essa
idéia de se colocar nas Assembléias uma representação classista, não foi
uma forma que ele já propugnava naquela época, visando melhorar a
atuação do Poder Legislativo, que deveria ser mais técnico e menos de-
magógico, mais atuante e menos inexpressivo? Não seria um inconformis-
mo com o funcionamento desse poder, mais interessado em conceder
títulos de cidadãos honorários e moções de congratulações sem se preo-
cupar efetivamente com as principais dificuldades do País, com os aspectos
econômicos e políticos, com as injustiças sociais que existem na realidade
nacional?

Barbosa Lima Sobrinho - Isso seria também uma conclusão das idéias
dele, embora nós tenhamos tido a experiência da representação classista,
não sei se se recordam.

Diacir Menezes - Isso é um assunto que daria uma outra mesa-redonda.

Barbosa Lima Sobrinho - Nós tivemos essa representação classista exa-


tamente no Governo de Getúlio Vargas e essa representação classista
funcionou no Congresso como uma força do próprio Governo, com poucas
exceções, como por exemplo Levy Carneiro, representando os advogados,
e um ou outro industrial, mas o conjunto das representações classistas se
somava sempre às reivindicações governamentais. A medida em si exa-
minada é uma medida errada quando, de certa maneira, conquista a adesão
do nosso personagem, mas temos que verificar como isso vai reagir. Num
País cheio de vícios políticos como é o Brasil, há o grande perigo das
melhores idéias se deteriorarem na prática.

Magdaleno Girão Barroso - Eu tenho a impressão de que ele, propria-


mente, não visava uma representação classista, porque eu estive vendo

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na relação das entidades que estavam representadas no Senado e verifiquei
que ele tinha mais por objetivo a representação social, todo o segmento
da sociedade, tanto que ele incluía jornalistas, padres, magistrados e
outras personalidades que não se podem classificar como integrantes de
uma classe propriamente dita. Para mim, foi essa a verdadeira idéia dele.

Djacir Menezes - Parece-me que vamos nos aproximando de um en-


cerramento, a não ser que alguém ainda queira fazer outras considerações.

Magdaleno Girão Barroso - Gostaria de fazer, considerações finais sobre


tudo aquilo por que Alberto Torres propugnou, e que são realidades can-
dentes do nosso tempo. Por exemplo, ele foi o precursor do mandado de
segurança. Ademais, queria transformar o Código Penal num código de
segurança jurídica e social, já ampliando o campo dessa legislação. Foi
o antecessor dessa lei que hoje existe em nosso País e que instituiu a
cadeira de estudo de problemas brasileiros, porque desejava fundar o
Instituto Nacional de Estudos Brasileiros. Foi o precursor também do
sistema universitário porque, em 1911, propôs a criação da universidade
brasileira. Também aventou a idéia da inserção no regime presidencial
de um órgão moderador, hoje preconizado por muitos sob a forma de um
Conselho Nacional ou de um Conselho de Estado. Nessa mesma ordem
de idéias, apoiou o fortalecimento do poder central do Governo, ponto
de vista perfeitamente aceito nas circunstâncias atuais da evolução social
e econômica dos povos. Anunciou a legislação trabalhista, porque queria
proteger o trabalhador nacional. Lançou essa filosofia da racionalização
do poder, que está em voga no campo da ciência política. Finalmente,
defendeu o Estado social, aspiração de nossos dias.

Barbosa Lima Sobrinho - Eu gostaria que essas palavras que acabamos


de ouvir do Sr. Magdaleno Girão Barroso figurassem como uma das
conclusões do nosso encontro, porque contêm uma síntese admirável. A
defesa do trabalhador, ele já iniciava quando candidato a deputado pro-
vincial, ainda no tempo da monarquia. A propaganda dele já era também
interessada na defesa do trabalhador. De forma que, em todos esses
campos, seu pensamento foi pioneiro. Teve a premonição, foi um homem
que teve uma visão extraordinária e objetiva dos problemas brasileiros.
Podemos discordar de uma ou outra solução dada por ele, se se permitir
um exame mais completo de cada uma dessas teses, mas, em linhas gerais,
ele foi realmente um pioneiro, um grande pensador e uma figura mar-
cante, cuja presença eu acho que não deve ficar apenas na geração atual,
mas deve continuar nas gerações futuras, porque deve ser uma das grandes
vozes para a orientação do Brasil, em busca dos seus verdadeiros destinos.

Djacir Menezes - Senhores, agradeço em nome do Ministro Themístocles


Cavalcanti, a quem vou prestar contas, daqui a pouco, dos excelentes
resultados destes nossos debates ...

Pensamento de Alberto Torres 117


Clóvis Ramalhete - Levando a ele nossas homenagens.

Djacir Menezes - ... a presença de todos aquiescendo ao nosso convite.


Insisto na orientação que adotamos de estas mesas-redondas que não
costumam apresentar conclusões. Deixamos sempre o assunto em aberto.
Isso facilita a quem coordena os trabalhos. A razão é que a taquigrafia
nos entrega o pronunciamento de cada um, e os enviamos para revisão
dos autores a fim de que a publicação seja devidamente autenticada.
Quero comunicar, também, especialmente ao Dr. Barbosa Lima Sobri-
nho, que o Ministro Themistocles considerava sua presença nesta mesa-
redonda como uma autent;cação do debate em torno de Alberto Torres.
E, como sz.be MZi-.:abu, ele dava grande importância a este ato de pre-
sença do eminente pensador, parlamentar, jurista e autor da obra fun-
damental no assunto.
Evaristo de Moraes comunica, por telefonema, que não poderia vir,
apesar de ter chegado ao meio do caminho, em virtude de um desastre
de ônibus que o bloqueou no trânsito, obrigando-o a voltar para casa.
Creio que me resta, apenas, renovar os agradecimentos e comunicar
que brevemente receberão as provas taquigráficas.

Djacir Menezes - Está encerrada a sessão.

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