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pejos de intuitivo, com esta forma final da crise européia do Estado liberal,
o fascismo.
Em Alberto Torres impressiona a intuição da realidade que era sub-
jacente às elites e nem entrevista pelos letrados, mas advinhada por este
homem que, no entanto, integrava as oligarquias políticas dominantes, às
quais se aliou e serviu. Torres, de algum modo, repetiu Justiniano José
da Rocha, um outro intuitivo panfIetário no Império, com sua "Ação,
reação, transação". Quase que o repetiu, quando denunciava a conciliação
das elites brasileiras, com os arranjos políticos de cúpula, das elites bra-
sileiras privilegiadas, das elites com jóias, automóveis, casacos de pele
e palácios, e viagens à Europa. Estas elites brasileiras tinham sua lide-
rança da sociedade nacional justificada pelas fórmulas abstratas do Estado
liberal. E eram inadvertidas da miséria do povo, da realidade dos "sem
direitos", do que ia subjacente na Nação brasileira, que Alberto Torres
apontava por intuição. Este panfIetário pregava a intervenção do Estado,
em reorganização de fundo.
O homem do povo, este mereceu de Alberto Torres a verificação de
suas qualidades. Numa boa página, Alberto Torres - que em geral não
escrevia bem - , fez o elogio do brasileiro como povo laborioso, de alto
a baixo, do fazendeiro ao moleque. O homem brasileiro ocioso parecia
uma calúnia e um mito, a Alberto Torres, um mito concebido pelas elites.
As elites privilegiadas é que, para ele, tinham se tomado ociosas, como
os fazendeiros absenteístas.
Vejo em Alberto Torres o pesquisador exigente de realidade e de ob-
jetividade para as instituições políticas e sociais, critério que ele propunha
em substituição ao subjetivismo liberal. Com tal critério para o Brasil,
ele deu uma versão brasileira desta fase da história das ideologias políticas
do Ocidente, quando o Estado, que é uma instituição permanentemente
mutável, então posto sob princípios de Estado liberal, entrou em crise. Esta
crise estava claramente consciente para o geral dos estudiosos do Poder, na
Europa, seja do poder econômico, seja do poder político. Quando aqui
Torres escrevia, a crise do Estado liberal lavrava fora, em outras versões
nacionais. O programa de certos partidos italianos, franceses, alemães,
bem como as soluções escandinavas, ao Estado liberal, ou a solução ita-
liana da época do corporativismo, as representações classistas, e no mais,
tudo eram sugestões, que apareciam no quadro das ideologias da época.
Mas todas resultado da crise do Estado liberal.
Alberto Torres, vejo-o como a versão cabocla dessa crise do Estado
liberal no mundo ocidental, ou seja, da crítica ao Estado liberal. Ele não
confiava mais em que a construção brasileira da Federação, tão ortodoxa
na Constituição da época, permitisse levar soluções aos problemas na-
cionais. Denunciou mesmo uma falta de síntese nacional, na construção
do Poder, neste País; pois que ele conviveu com o apogeu, véspera da
desintegração, do federalismo, como então vigente em termos tão exas-
perados, na Primeira República, em reação ao centralismo da monarquia.
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havia surgido dos escombros da Bastilha e iria agonizar nas trincheiras
da I e da 11 Guerra Mundial.
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participar desta ilustre mesa-redonda, eu estava fazendo uma leitura da
obra A política, de Aristóteles, com intenção talvez de escrever um tra-
balho sobre a atualidade política do grande estagirita. Fazendo um re-
trospecto da vida e obra de Alberto Torres, encontrei entre os dois, com
uma defasagem de mais de dois mil anos, uma grande afinidade, porque,
como os senhores sabem, Aristóteles estabelecia uma tipologia política,
distinguindo os governos puros dos governos impuros. Mas ele não o
fazia com o objetivo de aderir a este ou aquele governo, mas sim para
estabelecer determinados parâmetros à luz dos quais pudesse fixar as
idéias em torno do que chamava uma cidade perfeita ou uma república
perfeita, que não seria nem pura nem impura, mas o resultado de sua
experiência objetiva e realista sobre as diferentes constituições que tinha
examinado. Alberto Torres, não sei se chegou a ler ou a se basear fun-
damentalmente em Aristóteles, embora o tenha citado algumas vezes em
suas obras, a verdade é que mais ou menos realizou o mesmo trabalho,
porque fez muitas leituras em torno das formas políticas dominantes na
sua época, sem aderir porém a qualquer uma delas e procurando sempre,
através de uma reflexão objetiva, determinar com precisão aquilo que
cabia ao Brasil, não ao mundo em geral, mas, precisamente, determinada-
mente, ao nosso País.
A respeito disso, para fundamentar minhas afirmações, extraí algumas
citações que vou ler rapidamente. Uma citação, por exemplo, de Clóvis
Bevilaqua, que vem no livro de Saboia Lima. intitulado Alberto Torres
e sua obra: "Alberto Torres, tendo-se informado de todas as correntes
modernas de pensamento, por nenhuma se deixou subordinar. Com sua
elasticidade mental, adquiriu vistas próprias, indicando soluções novas.
Cabe aos seus estudos e propostas o nome de política racional". Há
outra citação do próprio Alberto Torres, ao declarar que "estava des-
preocupado de ser filósofo, sociólogo, economista ou cultor de qualquer
outra ciência, sempre procurando a verdade no exame da realidade ob-
jetiva dos fatos". Dizia ele que "tomar consciência dessa verdade não era
abrir a memória a citações eruditas". Realmente, ele evitou mesmo a
erudição. "Nem era de dar-se a sistemas prestabelecidos, mas procurar
compreender a coisa como realmente era". "As verdades - dizia ele -
são superiores à divergência de escolas, de orientação e de sistemas, são
fatos e como fatos se impõem". No livro do Prof. Barbosa Lima Sobrinho
encontrei esta afirmação: "Ele se deixava orientar por um relativismo
profundo, contrário a todas as ortodoxias, a todas as escolas, a todos os
ismos." E o próprio Agripino Greco entusiasmou-se com o trabalho de
Alberto Torres dizendo que "sente-se nele o dom de ver tudo sob o as-
pecto de universalidade". De modo que a minha conclusão é que Alberto
Torres, abstraindo-se de ortodoxias, raciocinava como aquele pensador
francês Marchal: "Le vingt siecle est faustien. S'il vent comprendre, c'est
pour agir" ... Quer dizer, o século XX, em que começava a trabalhar
e a escrever, se queria compreender, era para realizar alguma coisa em
Magdaleno Girâo Barroso - Tanto assim que esse poder não era presi-
dido pelo presidente da República, mas por um de seus membros próprios.
E a finalidade dele, pelo contrário, não era dar mais força ao Executivo
como tal, ao presidente da República como tal, mas limitar as suas res-
ponsabilidades, através de uma ampla ação dinâmica e orgânica sobre
todas as atividades nacionais. Embora eu não considere que fosse viável,
nem mesmo naquela época, um poder desse tipo - isso não importava,
no meu entender, num fortalecimento do Poder Executivo, a ponto de
levá-lo a um sistema autocrático, a um sistema autoritário. A finalidade
desse poder coordenador era coordenar os outros três poderes nos seus
conflitos, nos seus prováveis conflitos, e, ao mesmo tempo, realizar, através
de um colegiado, ampla ação de caráter dinâmico, de caráter orgânico,
sobre todas as atividades nacionais. Tanto que lhe destinava nada menos
que quinze atribuições, mencionados em seu projeto de Constituição.
Quanto aos outros itens do roteiro, reuni aqui vários deles, que achei
que têm conexão uns com os outros. São justamente os que o Prof.
Ramalhete fez referência. São os de números 4, 5 e 7.
O item 4 se refere ao governo forte; o 5 diz respeito ao problema das
injustiças sociais, e o governo forte era justamente para resolver esse
problema. E o item 7 se refere à possível tese socialista de Alberto Torres.
Esses três itens se entrosam, porque o governo forte, que realmente
Alberto Torres pleiteava, tinha como sua principal finalidade resolver o
problema da justiça social, sem entretanto chegar ao socialismo marxista.
Djacir Menezes - Estou lendo neste instante uma citação sua, que jus-
tamente corrobora esse seu pensamento. Diz Alberto Torres: "As minhas
idéias políticas nada têm de sistemático, de preconcebido ou de reflexo.
São idéias de homem público elaboradas durante longos anos."
Clóvis Ramalhete - Esta seria uma grande sugestão à casa que nos
hospeda esta manhã.
Clóvis Ramalhete - Elas vieram a surgir pouco depois. Mas, ProL Bar-
bosa Lima, gostaria de ouvi-lo sobre um tema que, parece-me, poderá
vir a ser um dos frutos desta manhã, que é procurarmos fazer com que
se afaste de Alberto Torres a suspeita de que ele foi um teórico do arbítrio.
Quando se fala em "governo forte", interesseiros - houve-os há pouco,
na História brasileira - procuram envolvê-lo na concepção de um teórico
do arbítrio. E isso não é verdade.
Alberto Torres procurava tornar efetivos os direitos econômicos e do
bem-estar social do indivíduo. Não pode ser chamado de teórico do regime
autoritário. O que distingue um sistema de governo constitucional, num
Estado de direito, de um sistema de governo autoritário, é que no sistema
de governo constitucional em Estado de direito existe divisão de poderes,
mas com efetivo controle mútuo entre os poderes, e com a prevalência
do indivíduo ante o Estado. Mas num regime autoritário, por definição,
o indivíduo é sufocado; e a divisão de poderes é esmaecida quando o
controle mútuo entre os poderes também desaparece. No sistema de
Governo proposto por Alberto Torres, vê-se uma tentativa de fortalecer
a divisão de poderes, com controle mútuo e ante a prevalência do indi-
víduo, que ele queria com garantias efetivas perante o Estado. Este ho-
mem foi interesseiramente apodado de propugnado r do regime discricio-
nário. O "governo forte" que Alberto Torres pedia entretanto era uma
revisão da partilha do poder nacional, então mal feita na Federação or-
todoxa brasileira, a qual havia dado aos estados-membros, por exemplo,
toda a reserva das terras devolutas do Brasil.
Inclusive, deu-lhes o subsolo com minas e jazidas. De tal modo que
foi possível a certo presidente de Minas Gerais impedir que se iniciasse
neste país a siderurgia por capricho contra o presidente da República,
já que o subsolo pertencia à decisão estadual. Tão "estaduanos", tão pro-
vincianos éramos então, que chegamos à caricatura de termos, pelas
simpatias de um rei da Bélgica para com o Brasil, visto surgir essa si-
derurgia de nome muito engraçado, que é a Belgo-Mineira, em vez de Belgo-
Brasileira. A Bélgica, unindo-se ao estado-membro, em vez de à União
Federal. Eram os exageros do nosso provincianismo como certa Escola
Teuto-Sergipana. "Teuto-Sergipana" é de morrer de rir, tanto mais que
não é escola, nem teuto, nem sergipana. Para mim é charada cultural.
Eminentes homens dela eram pernambucanos e cearenses e as idéias
apenas eram lidas em alemão, mas não se originou aqui um "sistema"
filosófico ou jurídico.
Esses excessos de provincianismo brasileiro na crítica de Alberto Torres
precisavam de um movimento contrário e pendular, de fortalecimento do
Adilson Macabu - Acho que o senhor foi muito feliz quando exprimiu
seu pensamento ao afirmar que se Alberto Torres vivesse hoje e acom·
panhasse a atuação das empresas multinacionais seria certamente diferente.
Ele já defendia a idéia de que o Estado deveria exercer uma vigilância
Barbosa Lima Sobrinho - Isso seria também uma conclusão das idéias
dele, embora nós tenhamos tido a experiência da representação classista,
não sei se se recordam.