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O “COCH O D A M UN I CI PALI DAD E”: UM A AN ÁLI SE D O

ROM AN CE FOGO M ORTO, DE JOSÉ LI N S D O REGO

Esequiel Gom es da Silva ∗

Re sum o Abst r a ct
Publicado em 1943, Fogo m ort o é um Published in 1943, Fogo Mort o is a nov el
rom ance que, segundo José Aderaldo t hat , according t o Jose Aderaldo Cast ello,
Cast ello, sint et iza t odo o t rabalho ant erior synt hecizes t he whole previous w or k of
de José Lins do Rego. No livro em Jose Lins of Rego. I n t he book in
quest ão, o aut or int ernalizou um período quest ion, t he aut hor int roduced an
im port ant e da hist ória polít ica brasileira: o im port ant m om ent of brazilian polit ics
enr edo se am bient a nos anos de hist ory: t he plot t akes place in
1911/ 1912, durant e a república oligarca, 1911/ 1912, during t he oligarch republic,
período no qual os cor onéis m ant inham o period in which t he colonels kept t he
cont r ole do pr ocesso eleit oral. Os sinais de cont r ol of t he elect oral process. But t he
m udança só com eçariam a aparecer com change signals already had st art ed t o
a eleição de Herm es da Fonseca para appear wit h t he elect ion of Herm es da
president e da república, em 1910, quando Fonseca for president of t he republic, in
se im plem ent ou a cham ada “ polít ica das 1910, when was im plem ent ed t he
salvações” . No m undo ficcional criado por “ salvat ion polit ics” . I n t he ficcional world
José Lins do Rego, há t rês gr andes cr eat ed by Jose Lins do Rego, it has
per sonagens, – cor onel Lula de Holanda, t hree gr eat charact ers – colonel Lula de
José Am ar o e Vit orino Carneiro da Cunha, Holanda, José Am ar o and Vit orino
– que repr esent am t rês t ipos de Carneiro da Cunha - t hat t hey r epresent
discursos: dos “ grandiosos” , dos t hree t ypes of speeches: of t he huge
“ som brios” e dos “ quixot escos” e que se ones, of t he shady and t he quixot ic ones
relacionam de form a bast ant e t ensa nesse and t hat t hey becom e r elat ed of
am bient e de agit ação polít ica. Mom ent o sufficient ly t ense for m in t his
de sucessão do gov erno est adual, em que environm ent of polit ics agit at ion. Mom ent
os coronéis, chefes de part idos polít icos, of succession of t he st at e gov ernm ent ,
organizavam seus “ cur r ais eleit orais” para wher e t he colonels, heads of polit ical
garant ir a vit ória do candidat o que part ies, organized it s “ elect oral cor rals”
apoiavam . Feit as essas observações, com t o guarant ee t he vict or y of t he candidat e
esse est udo, nosso int eresse é analisar o t hat t hey support ed. Made t hese
m odo pelo qual o rom ancist a configurou a com m ent s, wit h t his st udy, our int erest is
quest ão do vot o de cabrest o no int erior t o analyze t he way for which t he novelist
desse r om ance. Melhor dizendo, com o um configured t he quest ion of t he vot e of
fat or ext erno – o m om ent o da hist ória m uzzle in inside of t his novel. Bet t er
polít ica do país – se t ornou int erno, nas saying, as a ext ernal fact or - t he m om ent
palavras de Ant onio Candido. of t he count r y polit ics hist ory - becam e
int ern, in t he words of Ant onio Candido.

Pa la vr a s- cha ve Ke yw or ds

Hist ória; Lit erat ura; Polít ica; Rom ance; Hist ory; Lit erat ur e; Nov el; Polit ics; Vot e
Vot o de cabr est o. of m uzzle.


Mest re em Let ras pela Universidade Est adual Paulist a “ Júlio de Mesquit a Filho” – UNESP/ Assis e Doutorando
em Let ras na m esm a inst it uição. E- m ail: esequielgom es@yahoo.com .br

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Conside r a ções in icia is

No livro A t radição regionalist a no rom ance brasileiro ( 1999) , o aut or José


Maurício Gom es de Alm eida assinala que na década de 20 um grupo de
ent usiast as, t endo à frent e o sociólogo pernam bucano Gilbert o Freyre,
desenvolvia um a int ensa cam panha com um proj et o de revalor ização das
t radições regionais, am eaçadas de ext inção pelas alt erações profundas pelas
quais passava o Nordest e. Essa agit ação int elect ual, afirm a o est udioso, revelava
um a consciência regionalist a alt am ent e desenvolvida ent re os nordest inos. Tal
efervescência surgiu no m om ent o em que o nordest e canavieir o se encont rava
em decadência. A revalor ização da cult ur a era um a form a de im pedir que a
herança do passado desaparecesse com plet am ent e. Nesse prim eiro m om ent o, o
m ovim ent o int elect ual encont rava- se dom inado por preocupações de carát er
cult ural, m as em breve período at ingir ia t am bém o pensam ent o lit erár io.
Ainda de acordo com o est udioso brasileir o, foi a par t ir dos anos 30 que
um a verdadeira explosão de criação ficcional m arcou um a fase nova no
desenvolvim ent o da m oderna lit erat ura br asileira. Não se pode desconsiderar o
m ovim ent o lit erár io que ocorria, concom it ant em ent e, no eixo sul do país, m as
foram os escrit ores da região nordest e que obt iveram m aior repercussão j unt o
ao público; dent re eles dest acou- se o paraibano José Lins do Rego, em cuj a obra
“ o t radicionalism o cult ural dos anos 20 funde- se às preocupações sociais da
década seguint e, produzindo um dos conj unt os ficcionais m ais ricos da lit erat ura
brasileira” ( ALMEI DA, 1999, p. 202) .
Foge ao nosso obj et ivo analisar as qualidades est ét icas de t oda a ficção do
escrit or paraibano; nosso int eresse est á volt ado especificam ent e para o rom ance
Fogo Mort o, publicado em 1943. Esse rom ance seria, segundo José Aderaldo
Cast ello ( 1961) , um t rabalho que sint et iza t udo o que o rom ancist a j á havia feit o
nos rom ances ant eriores, ou sej a, no “ ciclo da cana- de- açúcar” .
Em Hist ória concisa da lit erat ura br asileira ( 2001) , pensando nas
caract eríst icas do prosa m odernist a, o professor Alfredo Bosi ret om a a
form ulação feit a por Lucien Goldm ann par a a gênese da obra narrat iva: a ideia é
a de que exist e um a hom ologia ent re a est rut ura do rom ance e a est rut ura social
em que se insere o aut or. Com base nos pressupost os do t eórico m arxist a, Bosi
dist r ibui o rom ance brasileiro da década de 1930 em diant e em quat ro
cat egorias: rom ance de t ensão m ínim a, rom ance de t ensão crít ica, rom ance de
t ensão int erior izada e rom ance de t ensão t ransfigurada. Seguindo essa
classificação, Fogo Mort o seria o rom ance de t ensão crít ica, cuj as caract eríst icas
principais são a oposição e a resist ência agônica do herói às pressões da
nat ureza e do m eio social. Esse seria, port ant o, o que Lukács cham ou de “ herói
degradado” no seu inconform ism o com as est rut uras sociais vigent es.
Cast ello ( 1961) observa, no rom ance em quest ão, a criação de um m undo
com post o em que avult am grandiosos, som brios e quixot escos em sit uações
dram át icas pessoais, vividas sob o peso dos valores t radicionais, pat r iarcalist as e
fat alist as; nesse m undo ficcional, há t am bém o m andonism o polít ico arbit rár io,
inj ust o e prot ecionist a, cont ra o qual o cangaço, capaz de afront ar o próprio
poder do Est ado, represent a um a força vingat iva da alm a sert anej a. Ut ilizando o
realism o form al com o m ét odo narrat ivo, o rom ancist a ficcionalizou um m om ent o
im port ant e da dinâm ica da vida polít ica brasileira, ao m esm o em t em po que
represent ou, na obra em quest ão, o plurilinguism o social; pois grandiosos,
som brios e quixot escos são coronel Lula de Holanda, José Am aro e Vit or ino,
respect ivam ent e; t rês indivíduos inser idos em classes diferent es e que, port ant o,
falam linguagens dist int as para apresent ar sua concepção de m undo. Mas além

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desses t rês t ipos de discurso há t am bém a linguagem dos gêneros, que pode ser
represent ada pela fala de quat ro personagens: Mariquinhas, dona Am élia, sinhá
Velha e sinhá Adr iana.
Com efeit o, at ravés da form a rom ance, o aut or cont em plou aspect os da
realidade int er ior dos personagens, ut ilizando- se do m onólogo de cada um deles
para expressar suas angúst ias, suas m ágoas, seu m edo, sua frust ração e seu
inconform ism o com a est rut ura social. Paralelam ent e a isso, volt am os a
enfat izar, t am bém represent ou de form a t ensa, e às vezes côm ica, um a part e
im port ant e da dinâm ica polít ica brasileira: um a polít ica baseada no m andonism o,
no prot ecionism o e no vot o de cabrest o. Em bora essa não sej a a t ônica do
rom ance, est á bast ant e present e e é a part e que m ais nos int eressa com o obj et o
dest e est udo.

Um pou co de h ist ória

O rom ance Fogo Mort o foi publicado em 1943, nos est ert ores da dit adura
Vargas, m as o enredo se passa por volt a de 1911/ 1912, durant e a república
oligarca, per íodo no qual os coronéis m ant inham o cont role do processo eleit oral.
No livro Coronelism o, enxada e vot o ( 1975) , o est udioso Vit or Nunes Leal
faz um a análise do sist em a polít ico br asileiro desde a era colonial at é a
republicana, consider ando a presença do m unicípio e o seu relacionam ent o com
as dem ais esferas do poder público do país, ou sej a, a esfera est adual e a
federal.
Explicando m elhor, as peculiar idades da est rut ura agrária do país
cont ribuíram para a m anut enção da prát ica coronelist a. A gam a de pessoas no
cam po dava lugar de dest aque ao coronel, pois era em t orno dele que se
agrupava um a sér ie de t rabalhadores rurais desam parados. Considerado com o
hom em rico e poderoso, é “ para o próprio coronel que o roceiro apela nos
m om ent os de apert ura, com prando fiado em seu arm azém para pagar com a
colheit a, ou pedindo dinheiro nas m esm as condições, para out r as necessidades”
( NUNES LEAL, 1975, p. 24) . A “ bondade” encont rada na figura do pat rão
favorecia a form ação de um a relação de grat idão e lealdade por part e do
em pregado. Essa sit uação, aliada à ignorância do eleit or, que vive isolado
geograficam ent e e dist ant e dos m eios de com unicação, levam - no a obedecer à
orient ação polít ica do coronel, cuj o prest ígio polít ico era proporcional ao núm ero
de vot os que conseguia arregim ent ar em seus “ currais eleit orais” . Nas eleições
est aduais e federais, ao despej arem seus vot os nos candidat os governist as, os
dir igent es polít icos do int er ior t ornavam - se credores de especial recom pensa,
que consist ia em ficarem com as m ãos livres para consolidarem sua dom inação
no m unicípio.
Segundo Nunes Leal, isso acont ecia porque o “ Brasil t inha um regim e
represent at ivo num a inadequada est rut ura econôm ica e social, havendo
incorporado à cidadania at iva um volum oso cont ingent e de eleit ores
incapacit ados para o conscient e desem penho de sua m issão polít ica” ( NUNES
LEAL, 1975, p. 253) .
Essa sit uação só ir ia apresent ar sinais de m udança com a eleição do
m arechal Herm es da Fonseca para president e da república, em 1910 28 . Foi
durant e seu governo que se im plem ent ou a cham ada “ polít ica das salvações” ,

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Essas inform ações hist óricas de carát er polít ico est ão disponíveis no sit e da fundação Joaquim Nabuco:
< ht t p: / / www.fundaj .gov.br> .

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que consist ia em int ervir nos Est ados para est abelecer governos m ilit ares em
subst it uição aos oligarcas. Com esse plano, pret endia- se m oralizar o regim e
polít ico represent at ivo e acabar com a violência no cam po, provocada por
“ guerras” ent re os coronéis em disput a por m aior prest ígio. Vislum brava- se
t am bém dar um a expressão verdadeira ao vot o, que at é ent ão era dir igido pelas
oligarquias at ravés de seus “ currais eleit orais” .
Pensando na região nordest e, no est ado da Paraíba, o coronel José Joaquim
do Rego Barros, polít ico int egrant e da 1ª Assem bléia Const it uint e paraibana, era
o candidat o de oposição a Álvaro Machado, que dom inava a polít ica do Est ado
desde 1892, j unt am ent e com seus irm ãos Afonso e João Machado.
Em Pernam buco, a sit uação não era diferent e; desde de 1896, o
pernam bucano Francisco de Assis Rosa e Silva dom inava o cenário polít ico. A
salvação est aria nas m ãos do general Em idio Dant as Barret o, t am bém
pernam bucano. Enquant o m ilit ar, esse general part icipou da Guerra do Paraguai,
da Revolt a da Arm ada e foi com bat ent e na Guerra de Canudos. Quando
concorreu polit icam ent e com Rosa e Silva, ocupava a função de m inist ro de
guerra.
O Ceará, há m ais de 20 anos, est ava sendo governado por Ant onio Pint o
Nogueira Acciolly, que foi subst it uído pelo coronel Marcos Franco Rabelo. Não
pret endem os realizar um est udo exaust ivo acerca da sit uação polít ica de t oda a
região nordest e; porém , os t rês est ados cit ados servem para ent enderm os um
pouco m ais da t ram a de Fogo Mort o, j á que esse episódio de sucessão eleit oral
serve com o pano de fundo da narrat iva. É nesse clim a de t ensão e disput a que
se desenvolve o conflit o. Rego Barros, Dant as Barret o e Franco Rabelo, t rês
vult os hist ór icos, apesar de não t erem voz na narrat iva, foram ficcionalizados por
José Lins do Rego.
Out ro personagem ficcionalizado foi Manuel Bat ist a de Morais, vulgar m ent e
conhecido com o Ant onio Silvino, cangaceiro que t inha a fam a de prot eger
pessoas sim ples com o m ulheres, cr ianças, doent es e idosos. Foi preso durant e o
governo de Dant as Barret o. O período de 23 anos em que est eve preso
cont ribuiu para sua regeneração.

Vá r ze a do Pa r a íba : o “coch o da m u n icipa lida de ”

Diferent em ent e dos cinco pr im eiros livros, nos quais a crít ica apont a
elem ent os aut obiográficos e m em orialíst icos na est rut ura narrat iva, em Fogo
Mort o, o escrit or José Lins do Rego t rabalhou t em as com o a frust ração, a
loucura, a t r ist eza, o poder e a polít ica, ou sej a, problem as de cunho psicológico,
exist encial e social serviram com o elem ent o de com posição da obra lit erár ia. No
ent ant o, para est e t r abalho int eressa- nos, part icularm ent e, os dois últ im os – o
poder e a polít ica. Observando esses dois aspect os, com o present e art igo t em os
o obj et ivo de fazer um a análise do rom ance em quest ão, t ent ando reflet ir na
m aneira com que o escrit or ut ilizou um fat o da realidade ext er ior – a prát ica do
coronelism o e, m ais part icularm ent e, o vot o de cabrest o - com o elem ent o de
com posição art íst ica. Ut ilizando as palavr as do crít ico Ant onio Candido ( 2000) ,
pret endem os analisar os procedim ent os form ais ut ilizados para t ornar int erno um
fat or ext erno, ou sej a, um dado da realidade social.
O rom ance am bient a- se na zona rural nor dest ina, m ais especificam ent e na
Várzea do Paraíba e, no que concerne à est rut ura, divide- se em t rês part es, que
t êm com o t ít ulos os nom es de t rês personagens principais da t ram a: José Am aro
da Silva, Coronel Luís César de Holanda Chacon e Vit orino Carneiro da Cunha.

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Com essa est rut uração, o narrador cont a as hist ór ias de t rês indivíduos
pert encent es a classes sociais diferent es, relacionando- se ent re si de form a
t ensa.
José Am aro é o seleiro frust rado e dependent e que m ora nas t erras do
coronel Lula e não paga foro. Suj eit o esquisit o e am argurado, possui um vazio
int er ior e alim ent a um cert o ódio pelos r icos e poderosos da região. Cost um a
falar que só t rabalha para quem quer, m as na realidade, vive angust iado por t er
que oferecer seus serviços para os cam um bem bes, j á que é at ravés do ofício de
seleiro que provê o sust ent o da casa. Mora com a esposa e a filha Mart a, um a
solt eirona de 30 anos, que perde o uso da razão e é int ernada em hospit al de
loucos em Recife.
Lula de Holanda é o senhor de engenho decadent e e soberbo. Herdou a
propriedade do sogro, m as nunca t eve disposição para o t rabalho. Com o passar
do t em po t ornou- se m isant ropo e beat o. Mora no engenho Sant a Fé com a
esposa dona Am élia, a filha Nenêm e dona Olívia, a cunhada louca.
E por fim , Vit or ino Carneiro da Cunha, o personagem côm ico da hist ór ia.
Um a cr iat ura desbocada e m ent irosa que vive a vagabundear pelos engenhos do
m unicípio do Pilar. É o hom em de ação polít ica na Várzea do Paraíba. Sua
esposa, Sinhá Adriana, t rabalha para prover o sust ent o da fam ília. Têm um filho,
Luís, que é oficial da m ar inha e m ora no Rio de Janeiro.
Dent ro desse am bient e ficcional cr iado por José Lins do Rêgo, além das
quest ões de cunho psicológico, exist encial e social, com o j á foi m encionado, o
aut or t rabalhou algum as sit uações de conflit o em t orno da est rut ura polít ica do
país. Para t rat ar dessa quest ão est rut ural, além dos personagens principais j á
cit ados, const ruiu alguns personagens hist óricos, que não t êm voz diret a na
narrat iva, um a vez que seus nom es são apenas m encionados pelos
prot agonist as, m as cuj a exist ência cont ribui significat ivam ent e para o
desenvolvim ent o da t ram a.
A est rut ura narrat iva se inicia com a represent ação da linguagem social do
hom em oprim ido. É essa a part e m ais ext ensa do livro: cerca de 110 páginas em
que o enredo se desenvolve na “ área da voz” de José Am aro, ut ilizando aqui a
expressão de Bakht in ( 1998) . A represent ação de que falam os se faz em um
com ent ário sobre polít ica, que acont ece no prim eiro capít ulo, da prim eira part e.
Trat a- se de um diálogo ent re José Am aro e o negro Leandro, em pregado de
August o do Oit eiro, um senhor de engenho da região:

– Não est ou zangado, est ou dizendo a verdade. Sou um oficial que não m e
ent rego aos m andões. Quando a gent e fala nest as coisas vem logo um pobre
com o você dizendo que est ou zangado. Zangado por quê? Por que digo a
verdade? Sou eleit or, dou o m eu vot o a quem quero. Não vot o em governo
( REGO, 1998, p. 18) .

O diálogo acont ece na ocasião em que Leandro com ent a com José Am aro
que irá levar um recado do pat rão para Am brósio, o ex- delegado e chefe da nova
polít ica do Pilar . Na opinião do seleiro, Am brósio é um banana, um pau- m andado
que recebe ordem dos ricos. Ao que t udo indica, t rat a- se de um a sit uação em
que August o de Oit eir o vai t ent ar livrar da prisão os responsáveis por dois cr im es
ocorridos num a fest a em casa de Chico Naninha. Essa prot eção que o
propriet ár io oferece ao t rabalhador rural será lem brada/ cobrada em época de
eleição, quando o chefe precisar assegurar seu prest ígio, garant indo um a cert a
quant idade de vot os nas urnas. De fat o, no final da nar rat iva, o pat rão de
Leandro prom et e vot ação cerrada de seus eleit ores no candidat o de oposição,
cuj a cam panha polít ica t em o ex- delegado acim a m encionado com o responsável.

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Há, port ant o, um a relação de subm issão e lealdade ent re o senhor de engenho e
o ex- delegado, caract eríst ica do coronelism o.
Durant e a conversa com o negro, o seleiro m enciona sua condição de eleit or
livre. A ut ilização do discurso diret o por est e personagem nos faz pensar que ele
foi const ruído com a consciência do poder do seu vot o para m udar o st at us quo.
É enfát ico ao falar de sua decisão de não vot ar em candidat o da sit uação. Tant o
agora, com o em out ras ocasiões em que se fala do eleit or José Am aro, o aut or
t rabalha cenas dialogadas dest e com seus int erlocut ores; o personagem
represent a o discurso da m assa de ignorant es que com põem os “ currais
eleit orais” . Em out ra ocasião, Zé Medeiros, parent e do prefeit o do Pilar , andara
lhe pedindo o vot o, m as o seleiro negou porque part ilha da opinião de que
“ Quinca Napoleão é um ladrão de t erra. O Pilar é um a t erra infeliz; quando sair
da m ão do velho José Paulino, vai parar na bolsa de Quinca Napoleão” ( REGO,
1998, p. 18) . Cont ext ualizando um pouco, José Paulino era o grande coronel da
Várzea do Paraíba, propriet ár io do engenho Sant a Rosa, que concent rava em
suas m ãos o poder polít ico local. Era duram ent e crit icado por m ant er no poder
um suj eit o com o Quinca Napoleão – um ladrão, segundo José Am aro e Vit or ino –
que vivia com prando casa em Recife enquant o as ruas do Pilar achavam - se
esburacadas e a ilum inação pública em pet ição de m isér ia. Tam bém era
censurado pelo desvio dos im post os arrecadados no m unicípio, os quais só eram
suficient es para “ encher a pança dos fiscais” .
Se José Am aro t em consciência de que é um eleit or de vot o livre, em seu
cam inho vai aparecer o capit ão Vit orino Carneiro da Cunha para t ent ar persuadi-
lo a vot ar no candidat o da oposição. A j ulgar pelas caract eríst icas do
personagem , não é exagero afirm ar que se t rat a de um t ipo ficcional const ruído
com base no suj eit o hist ór ico Joaquim Manoel Carneiro da Cunha, cidadão
paraibano que viveu no século XI X, deput ado eleit o por seu est ado nat al,
pert encent e ao grupo de José Bonifácio e que, j unt o com est e, pret endia realizar
t ransform ações agrárias, sociais e educacionais. Volt ando para o m undo ficcional
criado por José Lins do Rêgo, o capit ão Vit or ino é o líder responsável por
arregim ent ar vot os para a bat alha eleit or al que ir ia m udar a sit uação polít ica
est adual e m unicipal. Nesse sent ido, ele represent a o discurso de um suj eit o
hist ór ico pert encent e a um grupo que t eria com o m et a derrot ar as oligarquias
rurais nas urnas:

Cont o com o seu vot o. Vam os bot ar o José Paulino para fora de um a vez da
polít ica. O Am brósio conhece o m eu prest ígio. Ele sabe que sou hom em para
levar duzent os vot os às urnas. Est es m eus parent es da Várzea est ão
enganados. O capit ão Vit orino Carneiro da Cunha t em am igos. Cont o com seu
vot o? ( REGO, 1998, p. 25) .

As linguagens represent adas pelos dois int er locut ores dest e excert o
concordam em um pont o: era preciso t ir ar a hegem onia polít ica das m ãos do
propriet ár io do engenho Sant a Rosa. Porém , o seleiro não responde à pergunt a
feit a pelo com padre. Em vár ios out ros m om ent os, o Papa- Rabo t ent a persuadir
Zé Am aro a vot ar em seu candidat o, m as a respost a é sem pre o silêncio. Se se
aproxim ava a hora da m udança e o seleir o t inha convicção de que não vot ava
em candidat o do governo, duas podem ser as razões para est e m ut ism o. A
prim eir a delas é que, apesar de represent ar um a linguagem conscient e de seu
direit o de vot o livre, no ínt im o, a sua condição de subservient e não lhe perm it ia
cont rariar o desej o de um chefe polít ico. De fat o, José Am aro só expressa suas
preferências polít icas em sit uações nas quais dialoga com pessoas de sua igual
condição, com o o Pascoal it aliano, o pint or Laurent ino; enfim , só com pessoas

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que fazem part e da classe oprim ida. A out ra causa provável é que o chefe
polít ico era um cidadão desacredit ado at é m esm o por um suj eit o ignorant e com o
José Am aro. Nesse sent ido, o rom ancist a const ruiu o episódio de form a bast ant e
côm ica. A com eçar pela descr ição física, as caract eríst icas de Vit or ino j á nos
rem et em a um a cert a com icidade. Era gordo, m ont ava um bur rico raquít ico que
não agUent ava t am anha carga no lom bo, às vezes, t ropeçando e levando- o ao
chão. Quando est ava usando fraque, at é Severino, o guia do cego Torquat o
“ olhava espant ado para os t raj es do capit ão” e caia na r isada.
Vit or ino t em um a post ura que vai de encont ro ao com port am ent o exigido
para um cidadão, cuj a t arefa é agilizar a cam panha polít ica de candidat os
responsáveis pelo fut uro do Est ado. É um hom em que vive a t r ocar insult os com
a “ canalha” da Paraíba, m orm ent e quando o cham am de Papa- Rabo. É um
vagabundo, e por isso, sinhá Adr iana “ t inha que t rabalhar para sust ent ar a casa.
Vit or ino levava dias sem aparecer, sem dar not ícias, correndo o m undo, dando
desgost o” ( REGO, 1998, p. 41) . I nvent a hist órias e exagera nos fat os que cont a.
Arranj a confusões as m ais diversas. Não hesit a em ir ao Pilar fazer barulho na
port a da casa de Quinca Napoleão, chefe do execut ivo m unicipal. Mas apesar de
t odas essas “ qualidades” , é det erm inado e t eim oso. Leva a sér io sua
incum bência. Para ele, era aquele o m om ent o de m udar a sit uação polít ica da
região:

– Vou dar com o José Paulino no chão. Vem aí o coronel Rego Barros, é
m ilit ar, é hom em de dar razão a quem t em . Vai ser governador. Ladrão com
ele é na cadeia. Dant as Barret o est á em Pernam buco. Franco Rabelo no Ceará.
O Lula de Holanda devia chefiar o part ido aqui no Pilar ( REGO, 1998, p. 28) .

– Est á t arde, m eu com padre. Ainda t enho que ir falar com o dout or Sam uel
sobre negócio de polít ica. O August o do Oit eiro m e prom et eu vot ação cerrada
no coronel Rego Barros ( REGO, 1998, p. 204) .

Mesm o sendo um est abanado, o Papa- Rabo t inha consciência da conj unt ura
polít ica do país. Par a ele não havia dúvida. Est ava cont ra o governo. Era
correligionár io da candidat ura do polít ico paraibano e j unt o com seu eleit orado
ir ia às urnas para salvar a Paraíba da cobiça dos oligarcas. Queria livrar os cofres
públicos das gar ras de Quinca Napoleão e colocá- lo na cadeia; quer ia José
Paulino pagando im post os.
O m ar ido de sinhá Adriana insist e em pedir o vot o do seleiro, m as est e sai
pela t angent e, afir m ando que as eleições ainda est ão dist ant es. É que “ est a
hist ór ia de eleição, do coronel Rego Barros, não int eressava ao m est re Am aro”
( REGO, 1998, p. 36) . Nesse sent ido, ele represent a o discurso da resist ência:
“ vot o em quem bem quiser, vot o at é no diabo” ( REGO, 1998, p. 43) . Não vot a
em governo, m as t am bém não se anim a em vot ar em Rego Barros. Apesar de
viver num “ curral eleit oral” t ent a m ost rar seu direit o e sua aut onom ia: - “ Olhe,
seu Pascoal, pode dizer aí, por t oda part e, que o m est re José Am aro só vot a num
hom em . É no capit ão Ant onio Silvino” ( REGO, 1998, p. 49) . Vem os aqui um
out ro suj eit o hist ór ico brasileiro, m ais especificam ent e do cangaço nordest ino
servindo com o personagem de ficção. Volt ando à narrat iva, o int er locut or de
Am aro fica est upefat o ao ouvir a preferência do seleiro. Na verdade, “ o nom e de
Ant onio Silvino exercia sobre ele ( Am aro) um poder m ágico. Era o seu vingador ,
a sua força indom ável, acim a de t odos, fazendo m edo aos grandes” ( REGO,
1998, p. 56- 7) . O personagem profere um discurso que m ost ra ao leit or a
im agem de um indivíduo que não t em “ m edo nem dos grandes nem dos
pequenos” , m as o narrador deixa cair sua m áscara: na verdade é um fraco que
só encont ra confiança na figura do cangaceiro. A adm iração por Ant onio Silvino é
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t am anha que o seleiro frust rado não hesit a em se t ornar um colaborador do
bando, j unt am ent e com o cego Torquat o e o cont rabandist a de aguardent e
Alípio, out ros adm iradores do vingador dos pobres. I ronicam ent e, quando a força
policial do t enent e Mauricio chega no Pilar, com a t arefa de com bat er o cangaço,
e prende José Am aro, o cego Torquat o e José Passarinho, o cangaceiro salvador
não m ost ra seu poder de prot eção para com os pobres. Ao invés de invadir a
cadeia para libert ar seus prot egidos, ele t ent a salvar a própr ia pele e
desaparece. A responsabilidade pela liberdade dos t rês fica a cargo de Vit orino,
que escreve de próprio punho um pedido de habeas corpus.
Após sair da cadeia, sem casa para m orar e abandonado pela esposa,
Am aro dá cabo da própria vida. Pode- se dizer, ent ão, que o seleiro era o herói
problem át ico em choque com as est rut uras sociais: era inconform ado, porque
não t inha um filho hom em que lhe prot egesse e grit asse com os grandes;
t am bém era infeliz porque sua filha, além de ficar no carit ó, enlouquecera; sent ia
que o povo da Várzea o odiava porque “ via na sua cara a cara do m onst ro
not urno que era obra do diabo” ( REGO, 1998, p. 235) ; sent ia- se inút il e perdido
para sem pre; “ devia desaparecer, fugir, não ficar um dia m ais naquela t erra que
o desprezava” ( REGO, 1998, p. 235) . Nem chegou a dar o vot o ao candidat o de
sua preferência. A j ulgar pelo desfecho da narrat iva, o que se pode pensar é que,
apesar de t er consciência de sua condição de eleit or de vot o livre, esse
personagem que represent a a população const it uída pela ar r aia- m iúda e que
vivia t rabalhando para os senhores de engenho, ainda não t inha poder par a
m udar nada. Não t inha força para m ant er a própr ia vida.
É nessa t erceira part e do livro que acont ecem as m aiores peripécias do
capit ão Vit or ino. O cangaceiro Ant onio Silvino havia invadido a casa de Quinca
Napoleão e por essa razão o t enent e Mauricio passou a prender o povo do Pilar
para invest igação. Nessa circunst ância, Vit orino aparece na condição de prot et or
dos fracos e oprim idos e desacat a o referido t enent e. Em out ra ocasião, j á havia
agredido fisicam ent e o delegado José Medeiros. Essas ações fizeram com que
Papa- Rabo fosse preso e espancado, sob ordem das duas aut oridades
desrespeit adas. I nt eressant e é que o personagem não t em consciência, ou finge
não t er, de que sua prisão foi provocada por desrespeit o às aut oridades.
Considerava- se um a vít im a de perseguição polít ica. A form a com que a not ícia
repercut iu na im prensa foi bast ant e posit iva para enalt ecer a im agem desse
personagem diant e da população. Falava- se que “ um hom em de bem ,
propriet ár io na Paraíba, fora agredido pela força pública porque se m ant inha
cont ra a sit uação” ( REGO, 1998, p. 202) . Sem pre que o j ornal da oposição
publicava art igos acerca das perseguições da polícia ao capit ão Vit or ino, ele se
fort alecia m ais diant e dos adversários.

O j uiz dr. Sam uel fornecia- lhe not as escrit as que ele m andava ao Nort e,
crít icas ao prefeit o, aos abusos do delegado, às regalias do coronel José
Paulino. O chefe da nova polít ica do Pilar era o ex- delegado Am brósio, velho
do part ido Liberal, que fora procurado para m ovim ent ar no m unicípio
governist a a candidat ura do coronel Rego Barros. Mas o hom em de ação era o
capit ão Vit orino ( REGO, 1998, p. 210) .

O j uiz Sam uel era inim igo do delegado e do prefeit o Quinca Napoleão.
Aproveit ando- se da sit uação, com os art igos que redigia, at ingia m oralm ent e
seus rivais, ao m esm o t em po em que fort alecia a cam panha do candidat o da
salvação. O episódio é côm ico porque, apesar do narrador afirm ar que o capit ão
Vit or ino era o hom em de ação da candidat ura Rego Barros, ele m ais parece um
pau m andado; não hesit a em ir ao j ornal levar os escrit os do j uiz.

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Em m eio a t odo esse rebuliço, as relações t am bém ficam t ensas ent re o
t enent e Maurício – que a t odo cust o quer afirm ar sua aut oridade, desobedecendo
a ordem que o j uiz dera para que os presos fossem libert ados – e coronel José
Paulino, que se sent e desonrado com o aut orit ar ism o daquele e m anda o filho
Juca ent regar a chefia polít ica ao president e.
Após sair da cadeia e t am bém após t er conseguido por em liberdade as
vít im as do t enent e Maurício, Vit or ino sent e- se o hom em responsável pelo fut uro
do Pilar. Tinha os seus eleit ores e não vot ava em chapa de governo. Com ele não
haveria “ t olerância para com suj eit os safados, que só queriam com er no cocho
da m unicipalidade” ( REGO, 1998, p. 253) . Sob seu com ando “ não haveria
ladrões, fiscais de feira roubando o povo” ( REGO, 1998, p. 253) . Mandaria com
decência. Não perm it ir ia m anda- chuva algum passando a m ão nos cofres
públicos. Tinha espír it o público, não há com o negar, pois pensava em const ruir
obras de ut ilidade pública, com o calçam ent o nas ruas, um cem it ério novo e um
j ardim . Já se considerava o chefe polít ico; o hom em que nom earia am igos e que
t inha poder para m andar prender e m andar solt ar . Vem os, pois, que é nessa
t erceira part e do livro que se encont ra o m aior coro de represent ações
discursivas, em bora, na m aior ia das vezes, a linguagem das aut oridades policiais
– o delegado José Medeiros e o t enent e Maurício – e da aut or idade j udicial – o
j uiz Sam uel – sej a represent ada em discurso indiret o e, port ant o, filt rada pela
consciência do narrador.
O senhor de engenho é um a out ra classe social que t eve sua linguagem
represent ada em Fogo m ort o, aqui ficcionalizado no personagem coronel Lula de
Holanda, um velho epilét ico e descrent e na polít ica do país. Era pelo im pér io,
m as sent iu- se roubado com o processo de abolição. Tinha sido um liberal, m as a
polít ica não lhe apet ecia m ais. Com isso, “ o Part ido Liberal perdera os eleit ores
do Sant a Fé” ( REGO, 1998, p. 147) . Assim com o o Sant a Fé, o senhor de
engenho t am bém est ava de “ fogo m ort o” , polit icam ent e falando. Mesm o assim ,
coronel José Paulino o procura para falar sobre polít ica. Eis o resum o da conversa
ent re os dois:

Não iria m ais às eleições. Mas o coronel José Paulino pedia- lhe ent ão que
deixasse que os seus eleit ores o acom panhassem no pleit o. Consent iu. E
quando o out ro saiu, de est rada afora, arrependeu- se da fraqueza que t ivera.
Ent ão m oradores de seu engenho seriam eleit ores do seu vizinho? Sent iu- se
dim inuído ( REGO, 1998, p. 160) .

O int eressant e dessa revelação do narrador é a facilidade com que os


coronéis resolvem a quest ão do vot o. Os m oradores parecem m esm o est ar em
um “ curral eleit oral” do qual são facilm ent e t ransferidos para out ro. Lula de
Holanda e José Paulino são de part idos diferent es: aquele foi liberal e est e é
conservador. Ao eleit or não era facult ado o direit o de escolher. Na verdade, o
chefe polít ico da Várzea sabia usar est rat égias para garant ir a lealdade do
m ar ido de dona Am élia. Ofereceu- lhe a pat ent e de t enent e- coronel da guarda
nacional que, a pedido do governo, ele ir ia organizar no Pilar . Dias ant es,
sabendo José Paulino que o vizinho t inha um a dem anda na j ust iça por causa de
um as t erras, com prou o engenho “ para servir o am igo apert ado” . Essas ações de
José Paulino em relação a Lula de Holanda é que caract er izam o filhot ism o:
prot eção, prest ação de favores e oferecim ent o de cargos públicos para quem
oferecesse apoio polít ico e vot os de cabrest o, com o m ost rou Vict or Nunes Leal
( 1975) , no livro j á cit ado nesse est udo.

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Conside r a ções fin a is

Com est e t rabalho não t ínham os int enção de fazer um a análise exaust iva do
livro Fogo Mort o, m as apenas levant ar quest ões que apont em para um a out ra
possibilidade de leit ur a; um a leit ura que est ude a est rut ura narr at iva em relação
com alguns aspect os do cont ext o polít ico represent at ivo do início do século XX.
Com o vim os, o t em a do vot o de cabrest o foi t rabalhado de duas form as pelo
aut or José Lins do Rego. O personagem José Am aro represent a a linguagem de
um a m assa de t rabalhadores rurais que j á m ost rava sinais de consciência do seu
direit o de vot o livre. No ent ant o, a m ort e do seleiro ant es das eleições, t alvez
sej a um a form a de m ost rar que sua consciência ainda est ava em est ado m uit o
prim it ivo e, port ant o, sem forças para m udar a sit uação da est rut ura social que o
reprim ia t ant o.
A out ra form a encont rada pelo aut or para ficcionalizar esse dado da
realidade ext er ior foi const ruir um personagem côm ico dot ado de caract eríst icas
condenáveis a um suj eit o responsável por agilizar a cam panha de um candidat o
que rom peria as oligarquias do poder. Com o podem os perceber, Vit or ino era o
t ipo est abanado, vagabundo e sem credibilidade algum a. O próprio pr im o, o
coronel José Paulino, não dava crédit o ao que o Papa- Rabo falava, considerava- o
um a cr iança.
Ao escrever o rom ance, cont em plando esse m om ent o da hist ória polít ica
brasileira, o rom ancist a t am bém represent ou art ist icam ent e a linguagem de
vár ios suj eit os hist ór icos envolvidos nessa dinâm ica social. Represent ação essa
que caract eriza o gênero rom ance, com o bem lem bra Bakht in ( 1998) .
Há que se ressalt ar t am bém que, em bora o aut or t enha configurado no
int er ior do rom ance a quest ão do regim e represent at ivo com um a cert a
com icidade, não deixou de const ruir um personagem que, quando se acha no
poder, t em , em cert a m edida, a m ent alidade daqueles que crit ica: vai nom ear
am igos para os cargos públicos. “ Não havia quem pudesse com ele” . I sso não
seria um a form a de m ost rar que a sit uação das oligarquias ainda se perpet uaria?

SI LVA, E. G. da. The “ Municipalit y Troug” : a Analisys of Jose Lins do Rego’s


Novel Fogo Mort o. Olh o d’á gu a , São José do Rio Pret o, v. 2, n. 1, p. 24- 34,
2010.

Re fe r ên cia s

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CASTELLO, J. A. José Lins do Rego: m odernism o e regionalism o. São Paulo:


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Sit e da Fundação Joaquim Nabuco. Disponível em < ht t p: / / www.fundaj .gov.br> .


Acesso em 24/ 05/ 2010.

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