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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA &

IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE


O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

CAIO PRADO JÚNIOR E HÉLIO SILVA: DISCURSOS SOBRE O


GOLPE DE 1964.

Olívia Candeia Lima Rocha1

INTRODUÇÃO

Há acontecimentos políticos que ganham relevância pela amplitude de seus


impactos na sociedade, o que contribui para que se tornem objetos de análise
historiográfica. Os debates e a repercussão midiática sobre o cinquentenário do golpe
militar de 1964 destacaram que o passado é problematizado, revisto e reinterpretado
continuamente; colocando em evidência as contradições e as disputas em torno do
estabelecimento da verdade histórica.
Uma das maneiras de se compreender as questões de um determinado período é
realizar uma análise do discurso produzido pelos atores históricos, diretamente ou
indiretamente engajados na ação política do seu tempo. De forma, a perceber quais são
os problemas que são enfrentados e as propostas de solução, a partir dos debates
realizados no âmbito da esfera pública, sendo necessário questionar o que o autor estava
fazendo, que sentidos estava produzindo, como propõe Pocock2.
O Golpe de 1964 a principio foi designado de Revolução, declarando-se que o
mesmo era necessário para defender a democracia, contra uma ameaça comunista. Os
debates realizados na articulação academia e imprensa explicitam a relevância do

1
Mestre em História do Brasil (UFPI), Professora do Curso de História do Campus Senador Helvidio
Nunes de Barros da Universidade Federal do Piauí. Email: candeia09@hotmail.com
2
POCOCK, J.G.A. Linguagens do ideário político. Organização: Sérgio Miceli. Tradução Fábio
Fernandez. São Paulo: Edusp, 2003, p. 9-82.
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período para o Brasil contemporâneo, no qual há demandas por esclarecimentos, por


justiça, ao mesmo tempo em que se procura compreender e produzir interpretações
sobre os acontecimentos.
Segundo Arendt3 o sentido de irresistibilidade, trata-se de uma permanência do
sentido original da palavra Revolução, enquanto termo oriundo da astronomia, que
significa restauração, invés de mudança. O sentido de Revolução teria se modificado no
decurso da Revolução Francesa e passado a influenciar os historiadores em relação aos
acontecimentos políticos, adquirindo a noção de novidade e transformação das
estruturas sociais.
Foram selecionadas as obras, A Revolução Brasileira, com primeira edição em
1966, de Caio Prado Júnior e 1964: golpe ou contragolpe publicado em 1975, por Hélio
Silva. As duas obras constituem-se em documentos históricos que apresentam visões
distintas sobre os processos políticos implicados na deposição de João Goulart e na
instituição de uma ditadura, com presidentes militares. Constata-se que A Revolução
Brasileira conta com uma sétima edição, publicada em 2000, pela editora Brasiliense; e
a última edição de 1964: golpe ou contragolpe de Hélio Silva, realizou-se em fevereiro
de 2014, pela editora L&PM, que destaca a isenção do autor ao narrar os fatos:

Hélio Silva recupera com isenção e fidelidade as minúcias da


preparação, da eclosão e os primeiros movimentos de uma ditadura
que mergulharia o país em um longo período de obscurantismo,
perseguições, desprezo às liberdades individuais e aos direitos dos
cidadãos. Rigoroso na exposição dos fatos, isento no tratamento das
personalidades que fizeram a história, Hélio Silva se eleva acima dos
vencedores e vencidos para descrever os fatos como eles se passaram,
sustentado por copiosa documentação. Como destaque deste livro, há

3
ARENDT, Hannah. Da revolução. Revisão: Caio Navarro de Toledo. Tradução: Fernando Didimo
Vieira. São Paulo:Ática; Brasília,DF: Editorada UnB, 1988.
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também preciosos depoimentos de personagens diretamente


envolvidos nos acontecimentos4.

O que está pressuposto tanto pelo o autor como pelo comentário da editora sobre
a última edição da obra, é que o mesmo desvela a verdade sobre os fatos, entretanto,
compreende-se, que a narrativa produz sentidos que possuem a dimensão de veracidade,
mas que não são isentos. Dessa forma, considera-se pertinente considerar os sentidos
lançados sobre o passado e que em certa medida ainda repercutem na sociedade
contemporânea.

CAIO PRADO E A REVOLUÇÃO BRASILEIRA

A Revolução Brasileira, do historiador Caio Prado Júnior, teve sua primeira


edição publicada em 1966, o que propiciou ao autor, o título de Intelectual do ano, com
o prêmio Juca Pato, concedido pela União Brasileira de Escritores. Caio Prado Júnior
produziu diversas obras nas quais buscou compreender a sociedade brasileira, dentre
elas, a Formação do Brasil Contemporâneo (1942), e História Econômica do Brasil
(1945). A atuação intelectual de Caio Prado Júnior foi articulada com a militância
política no Partido Comunista Brasileiro-PCB, pelo o qual foi eleito em 1947, Deputado
Estadual em São Paulo; tendo o mandato cassado com o cancelamento do registro do
PCB pelo governo Eurico Gaspar Dutra (1946-1951).
Em A Revolução Brasileira Caio Prado Júnior buscou refletir sobre os
problemas sociais e econômicos da sociedade brasileira, apontando o que considerou
como equívocos do Partido Comunista Brasileiro e caminhos sobre a Revolução que

4
1964: GOLPE OU CONTRAGOLPE. Disponível em:
http://www.lpm.com.br/site/default.asp?Template=../livros/layout_produto.asp&CategoriaID=610619&I
D=838253 Acesso em: 30 jun. 2014.
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deveria ser realizada no Brasil. Essas reflexões inserem-se em um contexto, no qual não
se realizou uma revolução de caráter comunista, e a suposição de que ela estaria em
curso serviu de pretexto para a deposição do presidente João Goulart, por meio de um
golpe militar.
Caio Prado Júnior5 frisa que a formação colonial forjou as bases das
desigualdades ainda vivenciadas pela sociedade brasileira em meados do século XX.
Dentre essas condições apresentavam-se a concentração da propriedade da terra, e a
dependência econômica em relação aos interesses do mercado internacional, no qual o
Brasil inseria-se como país agroexportador. Ele critica a teoria sobre a revolução
brasileira que caracterizava essa formação como feudal, incorrendo em um equívoco de
interpretação ao atribuir à luta dos trabalhadores rurais o objetivo de livre ocupação e
utilização da terra:

As aspirações e reivindicações essenciais da grande e principal parte


da massa trabalhadora rural do país não tem aquele sentido apontado.
Refiro-me naturalmente à parcela maior e mais expressiva dos
trabalhadores rurais brasileiros que se concentram nas grandes
explorações agrárias do país - da cana-de-açúcar, do café, do algodão,
do cacau e outros da mesma categoria. [...] Nos maiores e principais
setores da agropecuária brasileira, naqueles que constituem em
conjunto o cerne da economia agrária do país e onde se concentra a
maior parcela da população rural, os trabalhadores, como empregados
que são da grande exploração, simples vendedores de força de
trabalho, portanto, e não “camponeses”, no sentido próprio, aquilo que
aspiram e o que reivindicam, o sentido principal de sua luta, é a
obtenção de melhores condições de trabalho e emprego6.

5
PRADO JÚNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1978.

6
PRADO JÚNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1978, p. 49.
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Considerando-se os problemas estruturais e as revindicações que se


apresentavam na sociedade brasileira do período, Caio Prado Júnior acreditava que
estava em desenvolvimento um processo revolucionário, o qual era gradual e inevitável:

[...] As forças revolucionárias vêm adquirindo no Brasil, sobretudo a


partir da última Grande Guerra, um impulso considerável. Não
somente em termos de agregação e acumulação de potencialidades,
mas ainda de consciência coletiva do processo em curso e em que tão
claramente se evidencia a necessidade de reformas substanciais e
profundas de nossas estruturas políticas, econômicas e sociais. A
consciência revolucionária tem hoje no Brasil - e isso já vem de data
relativamente afastada, e ganhando terreno dia a dia - considerável
projeção7.

Constituíam forças potencialmente revolucionárias, os trabalhadores rurais e o


proletariado urbano, compreendido como grupo destituído da propriedade dos meios de
produção, sendo explorado em sua força de trabalho, e que em geral enfrenta condições
de existência precárias. Caio Prado Júnior considerava que essas circunstâncias eram
propícias à maturação do processo revolucionário, entretanto:

[...] o que se tem visto, afora agitação superficial, por vezes aparatosa,
mas sem nenhuma profundidade ou penetração nos sentimentos e na
vida da população, afora isso, o que há de real é a estagnação daquele
processo revolucionário. Ou pior ainda, a sua degenerescência para as
piores formas de oportunismo demagógico, explorando as aspirações
populares por reformas. Foi esse o espetáculo que proporcionou ao
país o convulsionado governo deposto a 1º de abril8.

Para Caio Prado Júnior, os trabalhadores rurais e urbanos encontravam-se


despreparados para exercer o papel revolucionário, que lhes era atribuído, cabendo ao
Partido Comunista atuar de forma a prepará-los para adquirir consciência do mesmo. O

7
Ibidem, p. 22.
8
PRADO JÚNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1978, p. 22.
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PCB encontrava-se distanciado desses estratos sociais, enquanto, fazia acordos e


conferia apoio a governos que não eram comprometidos com seus ideais e finalidades.
Para o autor isso decorria da ausência de uma teoria revolucionária eficaz, orientada
pelos fatos da realidade, da má compreensão do marxismo e da transposição de um
paradigma revolucionário que não considerava os aspectos sociais e econômicos da
sociedade brasileira. Esses seriam fatores que contribuíram para o insucesso do Partido
Comunista Brasileiro em realizar uma revolução no Brasil. A efusão social em prol de
reformas sem as condições de construir consenso serviu de justificativa para uma reação
conservadora que culminou no golpe de 1964. O qual se apresentou como
revolucionário e defensor da democracia, isso para o autor seria decorrente do fato de
que “seus promotores sabiam, como sabem da ressonância popular dessa expressão e da
penetração que tem em largas camadas da população brasileira”9.
Caio Prado Júnior, observa que o termo revolução era empregado em situações,
nas quais seria mais apropriado utilizar a palavra insurreição. Comumente se tratava de
episódios nos quais se empregavam ações caracterizadas pela força e pela a violência
para derrubar governos, visando a tomada de poder por grupos de oposição ou por
segmentos sociais. Essa acepção eliminava um significado que para ele seria essencial,
o de transformação. Para ele, revolução constitui-se como um:

[...] processo histórico assinalado por reformas e modificações


econômicas, sociais e políticas sucessivas, que, concentradas em
período histórico relativamente curto, vão dar em transformações
estruturais da sociedade, e em especial das relações econômicas e do
equilíbrio recíproco das diferentes classes e categorias sociais10.

9
Idem.
10
Ibidem, p. 11.
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Considerando-se esses parâmetros, depreende-se que para Caio Prado Júnior o


movimento político de 31 de março de 1964, constituiu-se em uma insurreição, ao qual
ele designa de “golpe de 1º abril”, e não uma revolução; tendo em vista que seus efeitos
a curto e em longo prazo, não provocaram mudanças estruturais, sobretudo no sentido
em que o autor as compreendia, e nem proporcionaram um equilíbrio entre os diferentes
grupos sociais. Para ele as medidas tomadas pelo governo militar aguçavam as
contradições da sociedade brasileira, dando continuidade e projetando para o futuro esse
Brasil dependente do mercado internacional e com acentuada desigualdade social:

[...] Foi-se ainda mais longe que anteriormente, abafando


gradativamente e eliminando pela violência e o terror não somente a
ação, mas ainda qualquer voz divergente, em particular aquelas
capazes de representar as forças de renovação, isto é as populares,
maiores interessados na remodelação das velhas estruturas e
reconstrução delas sobre novas bases voltadas para a libertação do
país de suas contingências coloniais herdadas do passado, tanto as
econômicas (a dependência e subordinação ao sistema internacional
do imperialismo) como as sociais, os baixos níveis materiais e
culturais da massa da população brasileira11.

Assim, ainda constituía-se em uma necessidade realizar a revolução brasileira.


Caio Prado Júnior não fornece um modelo de processo revolucionário, composto por
etapas a serem realizadas, nem lança perspectivas temporais; também, não a caracteriza
como uma revolução de caráter comunista, com estatização da propriedade privada. Isso
decorre em parte pelo entendimento de que a ameaça de uma revolução comunista, foi
utilizada muito mais como um pretexto para o golpe de 1º de abril, do que se constituía
em uma possibilidade efetiva. A suposição dessa ameaça era enfatizada pelos Estados
Unidos para justificar seu intervencionismo, frente a qualquer ação contrária aos seus

11
PRADO JÚNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1978, p. 240.
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interesses. Neste aspecto, havia uma convergência e uma reciprocidade de apoio entre
os governos militares e a política norte-americana.
A Revolução Brasileira se constituiu em uma obra aberta. Sendo posteriormente
acrescentados os capítulos, Adendo a Revolução Brasileira e Perspectiva em 1977. O
primeiro se constitui em uma resposta de Caio Prado Júnior às críticas de Assis Tavares.
Caio Prado Júnior reafirma o cuidado de não emprestar apoio a políticas que não
representam o interesse nacional, ou que se declaram nacionalistas, mas em uma análise
mais detida, percebe-se que representam demandas de setores específicos da sociedade,
principalmente da iniciativa privada. Ele cita como exemplo, o antiimperialismo
discursivo contra a “desnacionalização das empresas brasileiras”, através da demanda
por recursos financeiros junto ao capital externo. Essas preocupações disfarçadas de
nacionalismo visavam reclamar financiamento público para formar o capital de giro
dessas empresas.
Caio Prado Júnior não propõe uma estatização das empresas, mas defende a
regulação da economia pelo Estado. No capítulo, Perspectiva em 1977, inclui-se na
análise do autor a preocupação com o reestabelecimento democrático. Para ele a
finalidade essencial do golpe militar de 1964, foi o alijamento dos grupos populares da
política e o silenciamento das reivindicações dos trabalhadores, o que atendeu aos
interesses do empresariado. Para ele a revolução “não se fará nunca através de manobras
artificiosas de bastidores, mas tem de partir e somente pode partir da ação popular”12.
Para ele a democracia só pode ser adquirida pela prática, assim, o primeiro movimento a
ser realizado na conjuntura do período, seria a participação das camadas populares na
atividade política. Contudo, o autor compreendia que esse segmento social precisava ser
orientado, pois:

12
PRADO JÚNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1978, p. 218.
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[...] se lhe falta tutela e lhe é dado agir por iniciativa própria, será
vítima da demagogia e de aproveitadores mal-intencionados de sua
boa fé iludida. Terá sido isso muitas vezes o caso, e não é abafando a
voz e ação populares que se corrigirá tal situação. Antes pelo
contrário, é somente por essa ação que o povo adquirirá a experiência
política que eventualmente lhe faça falta, e aprenderá a defender
conscientemente seus verdadeiros interesses e promover com acerto
suas aspirações de maneira racional como os demais setores da
população brasileira13.

A experiência aparece como um fator de promoção do aprendizado democrático,


mas também fica explícito o entendimento das massas como imaturas e despreparas,
portanto manipuláveis. A orientação das camadas populares deveria ser realizada pelas
esquerdas, especialmente, pelo Partido Comunista.
A revolução a ser realizada na sociedade brasileira, não era de caráter comunista.
Para ele era necessário estabelecer um regime político democrático, no qual a economia
deveria ser regulada pelo o Estado e orientada pelos interesses nacionais, e não apenas
dos grupos privilegiados economicamente ou do capital externo. O autor critica uma
modernização, entendida a partir da produção de bens de consumo, de incremento da
infra-estrutura relacionada à construção civil e aos serviços de comunicação, e que
ainda assim, eram realizadas com ineficiência. O desenvolvimento a se buscar deveria
ser a promoção de melhores condições de vida material e cultural para a população,
“capacitada, no seu conjunto, para usufruir alguma coisa do conforto, bem-estar e
elevação do espírito que a ciência moderna proporciona14”, o que compreendia aspectos,
como alimentação, saúde, habitação e educação. Talvez essa fosse a proposição que era

13
Ibidem, p. 250.

14
PRADO JÚNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1978, p. 229.
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possível, pois se tratava de uma época de desencanto com o comunismo soviético, na


qual se verificava, o enfraquecimento da União Soviética no cenário internacional e a
percepção de que uma suposta revolução “comunista” foi utilizada em 1937 e 1964,
como justificativa para a instauração de governos autoritários, respectivamente, o
Estado Novo, de Getúlio Vargas e a ditadura militar.

HÉLIO SILVA E A TESE DE CONTRA-REVOLUÇÃO

Hélio Ribeiro da Silva nasceu em 10 de abril de 1904, no subúrbio carioca do


Riachuelo (Estrada de Ferro Central do Brasil). Dedicou-se ao jornalismo e à análise
política. Esperava ser indicado deputado estadual pelo Presidente do Estado de São
Paulo, Júlio Prestes de Albuquerque. Entretanto, a Revolução de 1930, frustrou suas
expectativas políticas e fechou os jornais em que trabalhava; O País e o Correio
Paulistano que foram incendiados. Durante a Campanha Presidencial de 1949, ocupou o
cargo de redator-chefe da Tribuna da Imprensa a convite de Carlos Lacerda. Participou
da Fundação do Partido Democrata Cristão, no Rio de Janeiro, juntamente com Alceu
Amoroso de Lima e Paulo Sá. O referido jornal caracterizava-se como conservador e de
oposição à política preconizada por Getúlio Vargas15.
A primeira edição de 1964: golpe ou contra-golpe, ocorreu em 1975. Nesta obra,
Hélio Silva16 afirma estar produzindo um documento historiográfico, dotado do cunho
de veracidade. Segundo ele a história precisava começar a ser escrita com os
depoimentos dos protagonistas e testemunhas, categoria na qual ele também se insere.

15
HÉLIO SILVA. Disponível em:
http://www.lpm.com.br/site/default.asp?TroncoID=805134&SecaoID=948848&SubsecaoID=0&Templat
e=../livros/layout_autor.asp&AutorID=508160 Acesso em: 30 jun. 2014
16
SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração: Maria Cecília Ribas Carneiro. Porto
Alegre: L&PM, 1978.
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Percebe-se que sua preocupação era produzir uma compreensão sobre os


acontecimentos relativos ao golpe militar, através de um relato cronológico. O autor
inicia a introdução com a frase, “estávamos em plena crise”. Essa crise seria
caracterizada pelos aspectos político, militar e econômico, e evidenciava-se pela
mudança de presidentes no período de 1961 e 1965, a saber: Jânio Quadros, João
Goulart e Humberto Castelo Branco. Para ele, havia forças históricas que se
sobrepunham à vontade dos agentes históricos, que eram impelidos por elas. Jânio
Quadros foi “levado à renúncia”; João Goulart “deposto” e Humberto Castelo Branco
conduzido à presidência por um “movimento revolucionário”.
Segundo Hélio Silva, o golpe de 1964 teria sido motivado pela a existência de
uma crise institucional em um Estado ineficiente em arbitrar os conflitos de interesses
entre os diferentes estratos sociais, devido à perda da representatividade política.
Acrescenta-se, neste cenário um programa de reformas compreendido como uma
ameaça comunista, e, sobretudo, “o ingresso acelerado e não ordenado” das “massas”
no processo político, que passou a se caracterizar pela “agitação” 17. Neste aspecto, as
análises de Hélio Silva e Caio Prado Júnior convergem, ao se considerar que para os
grupos detentores do poder político e econômico da época, a participação popular na
política era percebida como um problema, pois a mesma era vista como “inconsciente”
ou era qualificada como despreparada para a ação política.
Segundo Hélio Silva, os militares de 1964 reivindicavam uma origem
revolucionária. O autor destaca em sua análise a ideia de necessidade histórica como
algo que se impõe aos agentes históricos, “são os militares que assumem, de fato, a
função de árbitro e estabilizador que farão sentir sempre que julgarem ameaçado o

17
Idem.
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sistema existente18”. Assim, o autor justifica as intervenções dos militares brasileiros na


política, atribuindo aos mesmos um papel de poder moderador, que oscila entre uma
atitude progressista ou conservadora, mas sempre contrária à tendência da sociedade.
Para Hélio Silva, a intervenção militar era inevitável, ou seja, sua ocorrência era uma
questão de tempo e de condições favoráveis para a realização da mesma. Ele afirma que
as greves, as reivindicações por direitos e por salários tumultuavam a gestão de João
Goulart; configurando-se um conflito entre as massas urbanas, os líderes populistas que
reivindicavam mudanças estruturais e rápida modernização e a classe dominante
ruralista, articulada com os novos grupos patrimoniais, oriundos da industrialização.
Para o autor, esta disputa de poder impossibilitava a execução de qualquer programa de
reforma por parte dos dirigentes, tendo em vista que, exigia-se de João Goulart a
realização de reformas, para as quais, seria necessário que se detivesse poderes
absolutos.
O Governo de João Goulart buscava apoio nos movimentos sociais, urbanos e
campesinos, nas classes subalternas das forças armadas, e contava com políticos
favoráveis às reformas como, Miguel Arraes, Leonel Brizola, e o Deputado Francisco
Julião, advogado, cuja base de apoio eram as ligas camponesas. A realização de um
plebiscito em 1962 restabeleceu o regime presidencialista. As reformas que o governo
de João Goulart defendia se estendiam a diversos setores, dentre eles, cita-se a reforma
universitária, a nacionalização das refinarias de petróleo, a reforma eleitoral, o controle
de remessas ao exterior e a reforma agrária. Segundo o discurso de João Goulart em 13
de março de 1964, essas reformas eram necessárias para combater a desigualdade social
em uma perspectiva democrática. Destacando-se que o discurso de defesa da
democracia era utilizado tanto pelo governo João Goulart, como pelos militares e

18
SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração: Maria Cecília Ribas Carneiro. Porto
Alegre: L&PM, 1978, p. 18.
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políticos civis que combatiam o governo, dentre eles, Magalhães Pinto, governador de
Minas Gerais, que teve um papel decisivo no golpe de 1964.
As reformas propostas e a forma de conduzi-las afrontavam interesses dos
setores que ocupavam posições privilegiadas na sociedade, no que tange ao poder
econômico e político. João Goulart defendia a desapropriação de latifúndios
improdutivos, e de terras apropriadas às margens de obras públicas como ferrovias e
açudes, mas sem indenização. A maioria dos deputados da União Democrática
Nacional-UDN considerava que o programa de reformas era “comunizante”. A posição
do Governo em relação às reformas lhe custou a cisão da aliança pela qual se elegeu
PSD-PTB. O partido do presidente o PTB se tornou minoria no congresso e esses
fatores, contribuíram para o rápido reconhecimento do Congresso ao golpe de 1964,
declarando vaga a presidência da república19.
No comício de 13 de março de 1964, João Goulart informava que pretendia
encaminhar essa proposta de reforma ao Congresso. Considerando-se que muitos
parlamentares e militares de patentes mais elevadas fossem proprietários de terra, não se
deveria esperar que essa medida fosse aprovada pelo congresso. A desapropriação de
terras sem indenização era percebida pelos grupos já mencionados, como um atentado à
propriedade privada, e, portanto, como início da implantação do comunismo no país, e
de uma “ditadura de esquerda”, como acusavam os opositores das reformas e do
governo. Greves, manifestações populares e a desapropriação de terras eram entendidas
por setores militares e grupos dominantes economicamente, como uma ameaça aos seus
interesses e a ordem social estabelecida. Para Hélio Silva, “o movimento de 64
caracteriza-se melhor como a reação das classes conservadoras, a defesa do status quo

19
SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração: Maria Cecília Ribas Carneiro. Porto
Alegre: L&PM, 1978.
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da alta e média burguesia contra a sociedade de massas que o processo de socialização


acelerado anunciava20.
Dentre os fatores que contribuíram para o sucesso do golpe, menciona-se a
construção de uma opinião pública favorável, através do Instituto de Pesquisa e Estudos
Sociais – IPES, criado em 1961, com a participação e apoio de profissionais liberais,
industriais e empresários paulistas, dentre eles, Júlio de Mesquita Filho, proprietário do
jornal O Estado de São Paulo, que se tornou líder do grupo. A atuação do grupo não se
restringiu à propaganda, recorrendo ao uso de ações violentas, como a agressão de
manifestantes de esquerda nos comícios anticomunistas. Segundo Helio Silva:

No inicio de 1964, esse grupo paulista, civil e militar, temia uma


tentativa governamental de criar um estado totalitário. Do ponto de
vista de alguns civis a escolha se colocava em termos de ir até o fim
no movimento que haviam iniciado ou correr o risco de sérias
represálias se as coisas mudassem. Começaram, então, a armar-se. Só
o grupo Mesquita gastou dez mil em armas, inclusive metralhadoras.
Grupos em bairros de São Paulo conseguiram armas, munições e
víveres, e cuidadosamente projetaram planos de defesa para as
quadras em que residiam21.

Além disso, contavam que, se caso irrompesse uma guerra civil e pudessem
resistir por 48 horas, poderiam contar com o apoio do governo americano. Dentre os
desdobramentos, da atuação do INPES, menciona-se a criação do Grupo de Atuação
Patriótica - GAP que atuava no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas e era formado por
jovens de família de elevado poder aquisitivo, realizando um contraponto entre os
jovens à União Nacional dos Estudantes - UNE. O grupo era vinculado ao Almirante
Silvio Heck e dirigido por Aristóteles Drummond que defendia a mobilização armada

20
SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração: Maria Cecília Ribas Carneiro. Porto
Alegre: L&PM, 1978, p. 247.
21
Ibidem, p. 255-256.
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contra os camponeses de Francisco Julião e o Grupo dos Onze de Leonel Brizola. Havia
conivência de setores do exército em relação às ações ilegais deste grupo22.
Ressalta-se ainda, que em São Paulo, fazia parte da formação de opinião pública
favorável ao golpe, relacionar o ano de 1964 ao de 1932, no qual, o Estado de São Paulo
encampou uma guerra civil, que se justificava em prol da defesa da constitucionalidade
e contra o governo autoritário de Getúlio Vargas. Evocava-se assim, um espírito
patriótico. A relação articulada pelos conspiradores entre a Revolução
Constitucionalista de 1932, e o Golpe de 1964, configura-se como uma estratégia de
legitimação política. A Revolução Constitucionalista se opôs ao governo de Getúlio
Vargas, que ascendeu ao poder através de uma insurreição, impediu a posse de Júlio
Prestes de Albuquerque, e adotou medidas como fechamento do Congresso, deposição
de governadores e revogação da Constituição. Getúlio Vargas havia perdido a eleição
para presidente da República, para Júlio Prestes, no entanto, alegou-se que essas foram
fraudulentas. O Golpe de 1964 utilizando o argumento de defesa da democracia se opôs
ao governo de um Vice-Presidente que fora eleito e que assumiu o cargo de Presidente
com garantia constitucional, portanto, dentro do processo democrático. Essa associação
entre movimentos políticos que se processavam em contextos bastante distintos
agregava também um possível sentimento revanchista das elites civis de São Paulo, mas
também de Minas Gerais, que tiveram seu revezamento político no governo federal
interrompido por Getúlio Vargas, oriundo de São Borja cidade do Rio Grande do Sul.
Combate-se assim, também uma geração de políticos populistas, sobretudo, quando a
emergência dos mesmos no cenário nacional deu-se em relação com Getúlio Vargas,
como era o caso de João Goulart e Leonel Brizola, cuja filiação dá-se não apenas pelo
vínculo político, mas também regional. Além disso, Getúlio Vargas foi evocado por

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SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração: Maria Cecília Ribas Carneiro. Porto
Alegre: L&PM, 1978.
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João Goulart no comício de 13 de março de 1964, na questão da nacionalização das


refinarias de petróleo. Portanto, a vinculação entre João Goulart e Getúlio Vargas era
feita direta ou indiretamente, tanto pelo grupo governista e favorável às reformas, como
pelos contrários e que se designavam como democratas e anticomunistas.
A partir da análise de Hélio Silva23, depreende-se que o regime presidencialista,
tendo à frente João Goulart, acentuava entre os militares o temor da deflagração de uma
revolução comunista. O apoio do governo, às reivindicações de oficiais de patentes
menos elevadas, como sargentos e cabos, sobretudo da Marinha, desagradava oficiais
mais graduados e era percebida como um incentivo à quebra da hierarquia militar.
Leonel Brizola viajava pelo o país, com a justificativa de buscar apoio para as
Reformas, dirigindo criticas ao General Muricy, um militar de oposição ao governo e
contrário às reformas, em uma viagem ao Grande do Norte, em maio de 1963, provocou
polêmicas e reações negativas de militares. O que serviu de teste e colocou em
evidência a possibilidade de união dos militares contra o governo e as reformas.
Um dos fatos que fatos que recebe destaque nas narrativas sobre o período é a
Marcha da Família com Deus pela Liberdade que foi realizada no dia 19 de março de
1964. Segundo Hélio Silva a campanha de mobilização para o evento foi intensa e
contou com telefonemas em nome de Leonor Mendes de Barros, esposa do Governador
de São Paulo, e com manifestações da União Cívica Feminina em frente de fábricas.
Sobre essa Marcha Hélio Silva destaca:

Na primeira fila estão os Deputados Herbert Levy, Conceição da


Costa Neves, Jairo Albuquerque, Cunha Bueno, o Gen. Nelson de
Melo e o Senador Pe. Calanzas. Há uma pequena clareira num dos
lados: um grupo de homens e mulheres, de braços dados formam um
anel de proteção para D. Leonor Barros. Bandeiras do Brasil e de São

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SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração: Maria Cecília Ribas Carneiro. Porto
Alegre: L&PM, 1978.
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Paulo aparecem em profusão. Papéis cortados são atirados dos


edifícios. Aos que estão nas janelas a massa grita em coro: ‘Desce,
desce’. Faixas lembram ‘32+32=64’, numa alusão à revolução
constitucionalista. A multidão repetia em coro: ’Um, dois, três,
Brizola no xadrez’; ‘Tá chegando a hora de Jango ir embora’. O fecho
da Marcha é a banda da Guarda Civil executando Paris Belfort, hino
da revolução de 3224. [grifo do autor]

O termo marcha faz alusão a uma ação militar, organizada, com disciplina,
direcionada para o mesmo sentido, de forma progressiva. A referida Marcha foi
realizada cerca de uma semana após o comício do governo em prol das reformas. A
função de ambos os eventos seria a capitalização de apoio popular e da opinião pública
favorável. O Golpe de 1964 foi bem sucedido, devido à organização que vinha se
realizando desde a derrota sofrida em 1961, com a posse de João Goulart. Dentre os
pronunciamentos realizados o autor destacou o de militares como o General do Exército
Humberto Castelo Branco, chefe do Estado-Maior, realizado no dia seguinte à Marcha:

Não sendo milícia, as Forças Armadas não são armas para


empreendimentos antidemocráticos. Destinam-se a garantir os poderes
constitucionais e sua coexistência. A ambicionada Constituinte é um
objeto revolucionário pela violência com o fechamento do Congresso
e a instituição de uma ditadura. A insurreição é um recurso legítimo
de um povo. Pode-se perguntar: o povo brasileiro está pedindo uma
ditadura militar ou civil e Constituinte? Parece que ainda não.
Entrarem as Forças Armadas numa revolução para entregar o Brasil a
um grupo que quer dominá-lo para mandar e desmandar e mesmo para
gozar o poder? Para garantir a plenitude do grupamento
pseudosindical, cuja cúpula vive na agitação subversiva cada vez mais
onerosa aos cofres públicos? Para talvez submeter a nação ao
comunismo de Moscou? Isto sim, é que seria antipátria, antinação e
antipovo. Não, as Forças Armadas não podem atraiçoar o Brasil.
Defender privilégios de classes ricas está na mesma linha
antidemocrática de servir a ditaduras fascistas ou síndico-comunistas.
O CGT anuncia que vai promover a paralisação do País, no quadro do

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Ibidem, p. 339.
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esquema revolucionário. Estará configurada provavelmente uma


calamidade pública. E há quem deseje as Forças Armadas fiquem
omissas ou caudatárias do comando da subversão25.

Segundo Hélio Silva esse pronunciamento foi interpretado de diferentes formas,


pois, enquanto o Gen. Humberto Castelo Branco ainda era depositário da confiança do
governo, nos círculos conspiratórios era tido como agente catalisador dos vários
movimentos preparatórios, portanto, essas declarações eram interpretadas como um
sinal de que a revolução ia ser deflagrada. Para os agentes do período, envoltos nos
acontecimentos, pode não ter ficado claros todos os sentidos da referida manifestação.
Mas o que o Chefe do Estado-Maior faz é indicar que as Forças Armadas pretendiam
intervir em nome das instituições democráticas, do povo e da Constituinte,
restabelecendo a “ordem”. Indica ainda que não pretendiam entregar o poder a nenhuma
das tendências; as sindicalistas, e de esquerda alinhadas ao governo ou a direita
conservadora, contrária às reformas e representada por políticos que almejavam o cargo
de presidente.
Hélio Silva destaca que os partidos políticos e civis muitos dos quais apoiavam o
golpe realizavam convenções e definiam os candidatos à Presidência. Na União
Democrática Nacional-UDN havia uma disputa entre os nomes de Carlos Lacerda,
governador do Rio de Janeiro e Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais. O
Partido Social Progressista-PSP deliberou em fevereiro de 1964 pela candidatura
Ademar de Barros, governador do Estado de São Paulo e João Calmon, respectivamente
a presidente e vice-presidente. O Partido Social Democrático-PSD no dia 20 de março
de 1964, realizou sua convenção favorável à candidatura de Juscelino Kubitschek, com
2.849 votos contra um voto para o também ex-presidente Mal. Eurico Gaspar Dutra e 39

25
BRANCO, Humberto Castelo. apud. SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração:
Maria Cecília Ribas Carneiro. Porto Alegre: L&PM, 1978, p. 343.
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abstenções. O que evidenciava a separação de rumos entre o PSD e o PTB para a


campanha presidencial. Quanto ao PTB, havia segmentos que contavam com a reeleição
de João Goulart, quando se considera faixas como: ”JG/65: Coragem para as reformas”,
no comício de 13 de março, as quais teriam sido colocadas à revelia de João Goulart e
dos promotores do evento.
A imagem de João Goulart que é enfatizada no relato de Helio Silva, é de um
presidente alheio aos acontecimentos, que em diversos momentos subestimava o curso
dos mesmos e hesitava em tomar as medidas que seriam necessárias, algumas vezes,
pode ser percebido como apático. A outra imagem de João Goulart que é apontada na
obra, mas sem destaque é a de pacifista. João Goulart, já sem condições de resistir ao
golpe de forma bem sucedida, decidiu não promover uma resistência armada, que
iniciaria uma guerra civil no país.
A partir da análise de Hélio Silva compreende-se que o sucesso do golpe de
1964 decorreu de um processo articulado meticulosamente nos anos subsequentes à
posse de João Goulart. Os conflitos de interesses da sociedade civil e a ambição dos
partidos pelo poder repercutiram nas instituições políticas-administrativas locais, e nas
esferas do legislativo federal, formadas por pessoas pertencentes à elite econômica, a
famílias proprietárias de latifúndios, ou com vínculos com essas. A mobilização da
opinião pública favorável e a organização de agremiações civis contrárias às reformas
garantiram o nível de aceitação pública que a intervenção militar precisava. Mas o fator
determinante foi o trabalho de mobilização interna das forças armadas e o planejamento
das manobras a serem realizadas. Hélio Silva não inclui considerações finais, mas na
introdução à segunda edição da obra, fica claro que ele defende a tese de que o
movimento de 1964 foi uma contra-revolução ou um contragolpe:
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A reedição deste livro impunha-se desde que se esgotou a 1ª edição.


Porque as revelações que trouxe não foram desmentidas, antes
confirmadas em outras publicações de pesquisadores diversos,
nacionais e estrangeiros. O título escolhido causou escândalo, no
primeiro momento, quando ninguém ousava classificar o movimento
de março e abril de 64 de um contragolpe, desfechado sob a
motivação de que o Presidente João Goulart pretendia dar um golpe,
implantando uma república sindicalista, perpetuando-se no poder.
Depois da publicação de nosso livro, vulgarizou-se a denominação
adequada. Estudiosos e homens de governo; revolucionários e contra-
revolucionários adimitem, se não proclamam, que o movimento de 64
é uma contra-revolução26. [grifo do autor]

A narrativa de Hélio Silva não é convicente no sentido, de apontar indícios de


que o governo preparasse um golpe comunista ou a instalação de uma República
Sindical. Os relatos que foram buscados para a realização do trabalho são, sobretudo, de
militares de oposição ao governo, aos quais ele não alisa, e apresenta como status de
verdade. O sentido de contra-revolução, pode ser considerado na perspectiva de que as
reformas defendidas pelo governo implicavam em uma Revolução, no sentido moderno
da palavra, de transformação das estruturas sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As interpretações dos autores não se desvinculam de suas filiações políticas, por


isso, Caio Prado Júnior volta sua análise para as classes que seriam potencialmente
revolucionárias e para o Partido Comunista; enquanto, Hélio Silva valoriza o
protagonismo dos militares e lideranças civis do golpe de 1964. Hélio Silva filiava-se a

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uma tendência de oposição em relação aos governos de Getúlio Vargas, constando entre
políticos com os quais manteve relações, nomes como, Carlos Lacerda e Julio Prestes.
Neste sentido, destaca-se que foi um dos fundadores do Partido Democrata Cristão no
Rio de Janeiro, e que se opunha ao que se denominava de “getulismo”. Esta oposição
não se referia apenas a Getúlio Vargas, mas também a políticos que de alguma forma
vinculavam-se ao mesmo ideologicamente ou através da rede de alianças partidárias,
dentre os quais, Juscelino Kubitschek, João Goulart e Leonel Brizola.
A análise de Caio Prado Júnior configura-se como um ensaio analítico sobre um
viés marxista, que considera aspectos, como estruturas, sobretudo, sociais e econômicas.
A abordagem de Hélio Silva caracteriza-se como uma narrativa, com capítulos curtos,
semelhante a uma novela desenvolvida a partir de intrigas. Caio Prado Júnior expõe-se
seus argumentos, enquanto, a perspectiva de Hélio Silva, dilui-se no texto, em uma
linha de sentido que é desenvolvida pelo o encadeamento cronológico dos
acontecimentos.
Hélio Silva buscou narrar os acontecimentos que produziram o golpe de 1964,
produzindo um sentido de interpretação, no qual é possível supor que houvesse mesmo
uma crença de que estava em curso um processo de comunização do Brasil, pelo menos
entre alguns militares e segmentos civis. Para Caio Prado Júnior esse discurso era uma
ficção, que teve sua eficácia ao ser tomada como real. Enquanto, para Caio Prado
Júnior, Jânio Quadros e João Goulart eram políticos demagogos que manipulavam as
massas, para Hélio Silva os dois sucumbiram às pressões, e João Goulart seria
despreparado para o cargo e impotente frente à força dos acontecimentos. Caio Prado
Júnior contrapõe-se a ideia de que tenha havia qualquer revolução, e que era necessário
realizá-la.
A concepção de contra-revolução pode ser admitida na acepção de que em seus
objetivos e efeitos, a intervenção militar caracterizou-se pela manutenção de uma ordem
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social e econômica, que favorecia os interesses e a propriedade de grupos dominantes e


que estavam ameaçados pelas reformas que o governo João Goulart defendia e buscava
implementar.
As obras analisadas constituem-se em documentos históricos e políticos que
permitem vislumbrar, problemas que eram elencados, divergências, disputas, mas
também proposições e ações em torno dos mesmos. Os autores produzem significados
que de forma nenhuma são neutros. Não apenas os homens, mas a maneira como eles
representam o passado insere-se na conjuntura histórica em que foi produzida e na qual
os autores viveram.

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Da revolução. Revisão: Caio Navarro de Toledo. Tradução:


Fernando Didimo Vieira. São Paulo: Ática; Brasília, DF: Editorada UnB, 1988.
POCOCK, J.G.A. Linguagens do ideário político. Organização: Sérgio Miceli.
Tradução Fábio Fernandez. São Paulo: Edusp, 2003, p. 9-82.
PRADO JÚNIOR, Caio. A revolução Brasileira. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1978.
SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? 2ª ed. Colaboração: Maria Cecília Ribas
Carneiro. Porto Alegre: L&PM, 1978.

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS
IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA &
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O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64

1964:GOLPE OU CONTRAGOLPE. Disponível em:


http://www.lpm.com.br/site/default.asp?Template=../livros/layout_produto.asp&Catego
riaID=610619&ID=838253 Acesso em: 30 jun. 2014.
HÉLIO SILVA. Disponível em:
http://www.lpm.com.br/site/default.asp?TroncoID=805134&SecaoID=948848&Subsec
aoID=0&Template=../livros/layout_autor.asp&AutorID=508160 Acesso em: 30 jun.
2014
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