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O CICLO DA

||

O CICLO DA
REVOLUÇÃO
BURGUESA
O

CDAI LO REVOLUÇÃO
OCTAOIANNI
O debate político brasileiro sempre passa pela questáo da democra
cia. No presente, como no passado, essa tem sido uma preocupação
¬

REVOLU BURGUESA
OCTMJ [ANN
fundamental do povo, expressa nos seus movimentos sociais e par ¬
ÇÃ
O
tidos políticos. Operários, camponeses e setores da classe média —

BURGESA
destacando-se a presença e a reivindicação de negros e mulatos,
bem como índios e caboclos — todos lutam por condições de vida e
trabalho que não podem realizar-se sem as conquistas democráti ¬

cas. Esse continua a ser um desafio básico.


Esse e outros desafios polí ticos do povo brasileiro têm muito a ver
com a história das últimas décadas. Para compreender e resolver os
desafios do presente, vale a penaexaminaralgumas linhas principais
da histó ria polí tica. 0 autoritarismo, compreendendo militarismo ,
populismo , desenvolvimentismo, violência estatal generalizada e ex

Octavio
¬

ploração permanente do trabalhador, formam-se com a revolução


burguesa.
A história da revolução burguesa no Brasil tem uma esp écie de
desfecho no regime militar iniciado em 64. Sob diversos aspectos, a
crise do regime militar pode ser vista como o fim de todo um ciclo da lan i
histó ria brasileira, no qual sobressai o autoritarismo . Por isso é pos
¬

sí vel dizer que os dilemas do presente recolocam principalmente a


questão da democracia.
O Autor: Octavio lanni , sociólogo formado pela Universidade de São
Paulo, onde se doutorou em 1962 e lecionou em 1956-69. Também
lecionou na Columbia University , New York , na Universidade Nacio ¬
.
ir
nal Aut ó noma, no México, e na Oxford University, Inglaterra , ao
longo dos anos 1967-73. Foi membro do Centro Brasileiro de Análise
e Planejamento, em São Paulo. Desde 1977 é professor de sociologia
no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontif ícia
Universidade Católica de São Paulo. Autor de vários livros , pela Vo ¬

zes publicou : A Luta pela Terra, Colonizaçãoe Contra-Reforma Agrá ¬

ria na Amazônia, Impèrialismo e Cultura e Dialética e Capitalismo.

2

I^VOZES , o
ATENDEMOS PELO REEMBOLSO POSTAL 1976-3 ç
© 1984, Editora Vozes Ltda. ' SUM ÁRIO
Rua Frei Luís, 100 |
25600 Petrópolis, RJ
Brasil

Diagramação
Valdecir Mello

Pref ácio 7

I — A Revolução Burguesa
1 . Monarquia e oligarquia 11
2 . Populismo e militarismo 17
3 . Ordem e progresso 23
4 . A idéia de revolução burguesa 28
5. A revolução de cima para baixo 33
6 . Revolução e contra-revolução 39

II — Modelos de Capitalismo
1 . A revolução democrá tico-burguesa (PCB) 47
2 . Neobismarckismo (ISEB) 55
3 . Segurança e desenvolvimento (ESG) 63

III — Populismo e Militarismo


1 . A crise de hegemonia e populismo 77
2 . Militarismo e classes sociais 93
3 . A marcha da contra-revolução 102
PREFÁCIO

A problemá tica da revolução burguesa reaparece com freqiiência


na reflexão sobre a história e as formas do Estado brasileiro. Todos
os que buscam compreender as relações e reciprocidades entre a
sociedade e o Estado esbarram com ela . Mesmo aqueles que refle¬
tem sobre as condições e as possibilidades da revolu ção popular
( operá ria , camponesa ou operá rio-camponesa ) també m esses defron ¬
tam-se com interrogações sobre qual foi , ou como tem sido , o de¬
senvolvimento da revolução burguesa. Ao examinar os partidos po¬
líticos, eleições, sindicatos urbanos, sindicatos rurais, ligas campo¬
nesas, associações de bairros, comunidades eclesiais de base, mo¬
vimentos messiâ nicos, correntes de opiniã o p ú blica , movimentos
sociais, greves, revoltas, golpes , quarteladas e outras manifestações,
-
em todos esses casos recoloca se a quest ão do cará ter da revolução
burguesa no Brasil.
Naturalmente diferem bastante as entonações e as linguagens dos
que discutem ou escrevem sobre essa problem á tica. Inclusive há

——
aqueles que examinam apenas aspectos isolados sociais, pol íticos,
jurídicos, económicos, culturais ou outros da questão. Mas é
inegá vel que sã o muitos os cientistas sociais, escritores , pol íticos,
jornalistas que escreveram e est ão a escrever sobre ela. Em Eucli-
des da Cunha , Alberto Torres, Rui Barbosa , Oliveira Vianna , Gil ¬
berto Freyre , Astrojildo Pereira , Sé rgio Buarque de Holanda , Caio
Prado J ú nior, Nelson Werneck Sodré , H élio Jaguaribe , Celso Fur¬
tado, Florestan Fernandes, Edgar Carone, Antônio Câ ndido, Ray -
mundo Faoro e Carlos Nelson Coutinho, para mencionar alguns
nomes, h á uma preocupação acentuada com aspectos ou o conjun ¬
to dessa problemá tica . Também escritores como Machado de Assis,

7
Uma Barreto e Graciliano Ramos, dentre outros romancistas, con¬
tistas c poetas , entram nesse debate, por via de suas artes. Variam
as linguagens e entonações. Uns se colocam abertamente em favor
de formas autorit á rias de organiza ção do poder estatal , como Oli ¬
veira Vianna ; outros preconizam solu ções liberais, como Rui Bar¬
bosa ; e h á aqueles que apontam no sentido do socialismo, como
Astrojildo Pereira . Também há os que oscilam de uma a outra con ¬
vicção; e os equidistantes. Ao analisar as condições históricas da
revolução burguesa no Brasil, os escritores e cientistas sociais apon ¬ I
tam diversas tendê ncias na organização efetiva e possível do Es¬
tado no Brasil. A REVOLUÇÃO BURGUESA
Os três ensaios reunidos neste livro abordam vá rios aspectos dessa
histó ria . Ainda que escritos em distintas ocasiões, relacionam-se à
problemá tica da revolução burguesa. H á ressonâ ncias e desdobra ¬
mentos entre eles. O primeiro é o mais abrangente. O segundo e
o terceiro, entre outras questões, retomam e desenvolvem um tema
fundamental : o modo pelo qual se resolve a revolu çã o burguesa no
Brasil.
O primeiro ensaio, sob o t ítulo “ O Ciclo da Revolu ção Burguesa
no Brasil ” , foi publicado na revista Temas de Ciências Humanas
( n9 10, São Paulo, 1981) . O segundo, com o t ítulo “ Modelos Po¬
l í ticos Brasileiros ” , publicou-se na revista Tudo é História ( n 9 2, São
Paulo, 1978) , da Associa ção dos Universitá rios para Pesquisa em
História do Brasil ( AUPHIB) . E o terceiro, escrito em 1980, é
inédito. Os três foram revistos para esta edição.

São Paulo, 15 de novembro de 1983.

O. I .

8
1.
MONARQUIA E OLIGARQUIA

A problemá tica da revolução burguesa surge com especial ênfase


quando a reflexão se concentra nas formas históricas do Estado bra ¬
sileiro. Toda pesquisa sobre o poder estatal, em si e em suas rela¬
ções com a sociedade, o cidad ão, as raças e etnias, os regionalismos,
os grupos sociais e as classes sociais, coloca e recoloca a persistên¬
cia do cará ter autoritá rio do poder estatal . Todas as formas histó¬
ricas do Estado, desde a Independência até ao presente, denotam
a continuidade e reiteração das soluções autorit á rias, de cima para
baixo, pelo alto, organizando o Estado segundo os interesses oligá r¬
quicos, burgueses, imperialistas. O que se revela, ao longo da his¬
tória, é o desenvolvimento de uma espécie de contra-revolução bur¬
guesa permanente.
A Monarquia esteve organizada sob a égide do “ poder modera¬
dor ” . Na prática, o poder moderador do “ monarca filósofo, sá bio e
-
austero ” , vestido de “ paternalismo” e “ bom senso ” , garantia e rei¬
terava o monopólio do aparelho estatal por parte dos donos de
>

escravos, senhores de engenho, fazendeiros de caf é, estancieiros, pro¬


priet á rios de terras, negociantes, interesses estrangeiros. Tanto os
escravos como os livres ( negros, mulatos, índios, caboclos, brancos,
imigrantes) eram considerados gente de “ outra ” categoria, condição,
raça ou casta. Desde o começo, o Brasil tem jeito de território
ocupado; e o povo aparece como povo conquistado. Desde o prin ¬
cípio os blocos de poder aparecem como arranjos de conquistadores.
Em 1824, quando discutia a Constituição outorgada por D. Pedro
I , Frei Caneca denunciava o caráter antidemocrá tico da instituição
que garantia ao Imperador enfeixar tanto poder em suas mãos. “ O

11
poder moderador de nova invenção maquiavélica é a chave mestra tica e a preemin ê ncia dos interesses dos grupos e camadas domi¬
da opressão da nação brasileira e o garrote mais forte da liberdade nantes representados no aparelho estatal eram de tal porte que al¬
dos povos. Por ele , o Imperador pode dissolver a cá mara dos depu ¬ guns intelectuais e políticos imaginavam que a sociedade fosse amor¬
tados, que é a representante do povo, ficando sempre no gozo dos fa e o Estado organizado; como se este pudesse existir por si. Não
seus direitos o senado, que é o representante dos apaniguados do percebiam o protesto do escravo, a insatisfação do branco pobre no
Imperador . . . Demais, eu n ão posso conceber como é possível que meio rural, as reivindicações de artesãos, empregados e funcion á ¬
a cá mara dos deputados possa dar motivos para ser dissolvida , sem
jamais poder dá-los a dos senadores . . . A atribuição privativa do
rios na cidade. Sem saber
vencedores.

talvez —
escreviam a crónica dos

executivo de empregar, como bem lhe parece conveniente à segu ¬ Por sob a aparê ncia de paz e tranqiiilidade , ou moderação, que
rança e defesa do impé rio, a força armada de mar e terra , é a teriam caracterizado a época mon á rquica, na prá tica germinaram
coroa do despotismo e a fonte caudal da opressão da nação . . . ” l protestos e lutas. “ Sabiam os conservadores mais que os liberais
Em 1869, F. Quirino dos Santos escrevia que o povo n ão estava que forças subterrâ neas agiam por baixo de seus pés e podiam
nas cogita ções dos governantes. Os grupos dominantes, cujos inte¬ transformar-se num vulcão social , de um momento para outro. As
resses estavam representados no Estado mon á rquico, n ão tomavam leis repressivas como a de 3 de dezembro de 1841, que instituiu
cm conta a opini ão de setores populares. “ O povo n ão entra como um verdadeiro policialismo judiciá rio, a agravação das penas aos
porção mínima para nada do que se delibera em relação ao seu escravos, desde 1835, mostram que os conservadores temiam essas
estado ” . 2 À mesma é poca , em 1877, Tobias Barreto lastimava que forças populares e fizeram essas leis como um instrumento político
o povo não tivesse força para fazer face aos “ assaltos do poder ” . não só contra os liberais, mas contra todos os que se insurgissem
E apontava a desproporçã o entre o aparelho estatal e a sociedade. contra o poder ” . 4 À medida que se formava e desenvolvia o Estado
“ Entre nós, o que h á de organizado, é o Estado, n ão é a Na ção; é nacional, organizava-se o aparelho estatal de modo a garantir o re¬
o governo, é a administração, por seus altos funcioná rios na , torte gime de trabalho escravo. Depois, à medida que o regime de tra ¬
por seus sub-rogados nas prov í ncias, por seus ínfimos caudatá rios balho escravo foi sendo substitu ído pelo de trabalho livre , os grupos
nos municípios ; —
não é o povo, o qual permanece amorfo e dis¬
solvido, sem outro liame entre si , a n ão ser a comunhão da língua ,
e as camadas dominantes reorganizaram o aparelho estatal de modo
a garantir o predomínio dos seus interesses, em detrimento de tra ¬
dos maus costumes e do servilismo. Os cidad ãos n ão podem , ou balhadores rurais e urbanos, negros, í ndios, imigrantes. Os gover¬
nantes reagiam negativamente às reivindicações populares. “ Na lei
ra ção os prende uns aos outros;

melhor , não querem combinar a sua ação. Nenhuma nobre aspi ¬
eles não têm , nem força de¬
fensiva contra os assaltos do poder, nem força intelectual e moral
para viverem por si ” . 3
e no debate parlamentar sempre se distinguiu revolução, feita por
gente igual, e rebeldia, sedição e insurreição , feitas por gente menor
socialmente ou por escravos” . 5 Da í a brutalidade da repressão. Nem
por isso, no entanto, os setores populares deixavam de reivindicar,
A impressão de que a sociedade, o povo, os grupos sociais, as protestar e lutar. “ O decénio (1870-80) não está isento de revoltas,
pessoas pouco ou nada representavam era negada pelas medidas de a do quebra-quilos, em 1874, no Nordeste, e a dos Muckers, no
controle e repressão que o governo punha em ação. Diante das -
Rio Grande do Sul , em 1874 1875, ambas r ústicas, de influência
forças sociais não representadas no bloco de poder , em face da re ¬ religiosa ou messiâ nica, nem de inumerá veis bandos que lutam no
beldia latente ou aberta contra os interesses dos senhores de escra ¬ interior, nem tampouco das insurreições negras ” . 6 “ Em Mossoró
vos, nos engenhos de açú car e fazendas de caf é , o poder mon á r ¬ ( Rio Grande do Norte) , em 27 de janeiro de 1879, a popula çã o
quico agia de forma cada vez mais repressiva . A for ça , a sistemá- paupé rrima de indigentes e retirantes que pedia apenas gêneros ali¬
I I rei Cuncca , Ensaios Politicos , Pontificia
ment ícios, sofreu das autoridades policiais as maiores violências , de
Universidade Católica , Rio de Janeiro , 1976 ,
'>
!•
\ Quirino dos Santos , “ O povo". Gazeta de Campinas , 1 ! de novembro de 1869 .
4. José Honório Rodrigues, Hist ória, Corpo do Tempo , Editora Perspectiva , São Paulo ,
> Marla Stella Martins Bresciani , “ As voltas de um parafuso" , Ci ência e Cultura ,
'vnl P|

Ul , n * 8 . S ñ o Paulo , 1978 , p . 913- 924; citação da p 916 1976, p . 144.
5 . José Honório Rodrigues , op . cit . , p . 145 .
l I obla » Marreto , Um Discurso em Mangas de Camisa , Livraria São José , Rio de Ja -
6 . José Honório Rodrigues , op. cit . , p . 145.

12 13
que resultaram seis mortos e vá rios feridos ” . 7 Sob vá rios aspectos, taduais e as desigualdades regionais, de modo a preservar e forta ¬
a brutalidade do Estado mon á rquico foi a contrapartida das rei¬ lecer o poder do bloco agrá rio que dominava o aparelho estatal.
vindicações, protestos e lutas de forças populares, no campo e na “ A Nação é entendida como um equil í brio ou armist ício entre gru ¬
cidade. pos locais de poder ” . 8 Por sobre os interesses do povo, ou às costas
A propósito da história da revolução burguesa , pois, cabe algu ¬ deste, o Presidente da Repú blica, os governadores estaduais e os
ma referê ncia ao período mon á rquico: 1822-89. Nessa é poca ocor ¬ coronéis locais articulavam-se como um vasto aparelho estatal de
reram alguns fatos notáveis, relativos a problemas tais como os se¬ fato. Essa política , iniciada por Campos Sales ( 1898-1902 ) , garan ¬
guintes: lutas de independência , revoltas e guerras populares, lutas tia a submissão do legislativo, em todos os ní veis , ao executivo.
separatistas, fugas e revoltas de escravos , primórdios da sociedade Assim, os interesses populares urbanos, que haviam empolgado o
civil , cidadania , vida partid á ria , opinião pú blica e outros aspectos movimento republicano , logo foram afastados. “ A estrutura pol ítica,
do processo hist órico de formação do Estado nacional. Nessa é poca , assentada sobre a pol ítica dos governadores, representava o retorno
as campanhas republicana e abolicionista são expressões muito im ¬ dos propriet á rios de terras ao poder ” . 9 Em poucos anos , em seguida
portantes da sociedade civil cm formação. Ao lado do amplo pre¬ à abolição da escravatura e à queda da Monarquia , organiza-se um
dom ínio do trabalho escravizado , como base de todo o vasto edif ício novo bloco agrá rio, representado no Estado olig á rquico que predo¬
do poder moná rquico ( o que limita ou nega uma verdadeira socie¬ minou durante a Primeira Repú blica . “ Tratava-se de entregar cada
dade civil burguesa ) é inegá vel que vá rios acontecimentos ocorridos Estado federado, como fazenda particular , à oligarquia regional que
na é poca permitem colocar os anos da monarquia como o tempo o dominasse , de forma a que esta , satisfeita em suas solicita ções,
das manifestações primordiais da revolu ção burguesa que se desen¬ ficasse com a tarefa de solucionar os problemas desses Estados, in ¬
clusive pela dominação, com a força , de quaisquer manifestações de
-
rolará desde 1888 89 em diante.
resistê ncia ” . 10 Alijavam-se os setores populares. “ A Repú blica , de¬
Durante a Repú blica, em suas diversas etapas , o Estado adquiriu pois de dez anos de tropeços , descarta-se, como o Impé rio desde
a fisionomia oligá rquica , corporativa , populista , militar. A despeito 1840 , do mais sedicioso e an á rquico de seus componentes: o povo ” . 11
das formas jurídico-pol íticas estabelecidas nas constituições republi ¬
canas, a verdade é que o poder estatal tem sido exercido de modo Para muitos, era evidente a imensa dist â ncia entre o poder e o
autorit á rio ou ditatorial , quando não fascista . povo. Alguns registravam o fato com l á stima ; outros assumindo o
ponto de vista do bloco agrá rio representado no aparelho estatal.
O Estado oligá rquico, vigente durante a Primeira Repú blica , em Havia um forte racismo permeando a tese da “ incapacidade ” do
1889-1930, é todo ele marcado pelo arbítrio dos governantes contra povo , a tese da “ necessidade ” de um Estado forte. “ Todos os pa íses
setores populares que se organizavam para reduzir a explora ção; que apresentam um n ú mero muito grande de mestiços acham-se ,
ou lutavam para avan çar em conquistas democr á ticas. Muitos pa ¬ só por esse motivo, votados a uma perpétua anarquia , a menos que
deciam a violê ncia oligá rquica , sob a forma estatal e privada: os sejam dominados por uma mã o de ferro. Tal ser á fatalmente o
seguidores de Antônio Conselheiro, em Canudos; os seguidores de caso do Brasil ” . 12 Esse ponto de vista , combinado com a idéia dos
João Maria , no Contestado; colonos nas fazendas de caf é, quando regionalismos , da descentralização, do separatismo e outras preo¬
realizavam greves protestando contra as condições de trabalho e re¬ cupações predominantes na economia pol í tica do bloco agrá rio que
muneração; operá rios nas f á bricas e oficinas , por ocasião de as- passou a predominar , tudo isso reforçava a tese da “ necessidade ”
sembléias e greves; seringueiros na Amazônia , quando tentavam es¬ do Estado forte, sobrepondo-se e impondo-se aos interesses popula ¬
capar das malhas da escraviza ção organizada no sistema de avia ¬ res. “ Somos um pa ís sem direção política e sem orientação social
mento; populares do Rio de Janeiro, em 1904 , quando protestavam
8 . M á rio Wagner Vieira da Cunha , O Sistema Administrativo Brasileiro, Centro Brasi
contra a vacina ção obrigat ó ria . leiro de Pesquisas Educacionais , Rio de Janeiro , 1963, p. 16.
9 . Paulo Roberto Motta , Movimentos Partidários no Brasil , Fundação Get ú lio Vargas
Ao mesmo tempo, durante a Primeira Repú blica , desenvolvia-se .
Rio de Janeiro 1971, p. 38.
10 . Nelson Werncck Sodré , Formação Hist órica do Brasil , Editora Brasiliense , São Paulo
a pol í tica dos governadores, que permitia às classes dominantes dos .
1962 p . 306.
11 . Raymundo Faoro, Os Donos do Poder , 2 vols., Editora Globo, Porto Alegre 1975 .
Estados mais poderosos capitalizar as disputas das oligarquias es- volume 2, p. 567.
12 . Alberto Sales , citado por Maria Stella Martins Bresciani , "As voltas de um para
7 |o« ó llonó rlo Rodrigues, op. cit., p. 147. fuso ” , citado, p. 921.

14 15
e económica . Este é o espirito que cumpre criar. O patriotismo sem 2.
b ú ssola , a ciencia sem síntese, as letras sem ideal, a economia sem
solidariedade, as finanças sem continuidade, a educação sem siste¬ POPULISMO E MILITARISMO
ma , o trabalho e a produ ção sem harmonia e sem apoio, atuam
como elementos contr á rios e desconexos, destroem-se reciprocamen¬
te , e os egoísmos e interesses ilegítimos florescem , sobre a ruina da
vida comum ” . 13
Há toda uma “ interpretação ” da sociedade fundamentando a con ¬
ciliação pelo alto, a manipulação do aparelho estatal em beneficio
dos interesses do bloco agrá rio. Daí o predomínio do Poder Exe¬
cutivo sobre os outros poderes. “ Possu ímos, segundo dizem os en ¬
tendidos , três poderes —
o executivo, que é o dono da casa , o le¬
gislativo e o judiciá rio, domésticos, moços de recados, gente assa ¬
lariada para o patrão fazer figura e deitar empáfia diante das vi¬
sitas ” . 14 O arranjo dos interesses do bloco agr á rio fundamentava e Antes de mais nada , a revolução de 30 teve um cunho contra
revolucionário, no sentido de fazer face ao ascenso político de forças
-
organizava todas as principais atuações do aparelho estatal contra
colonos, seringueiros, caboclos, sitiantes, índios , negros, oper á rios,
populares e inclusive setores de classe média que se organizavam
populares. Desde anos e d écadas anteriores —
junto com algum de¬
senvolvimento industrial , a urbanização, o crescimento do setor ter¬
para reivindicar. Tanto assim que a quest ão operá ria , por exemplo,
era considerada “ questão de polícia ” . A mesma idéia da sociedade
ciá rio e outros processos sociais e económicos

aumentava e ge-
neralizava-se a movimentação de empregados, funcion á rios , oper á ¬
“ amorfa ” vinha junto com a prá tica da repressão. “ A agitação ope¬ rios, intelectuais e outras categorias sociais urbanas. També m no
rá ria é uma questão que interessa mais à ordem p ú blica do que à campo crescia a inquietação de colonos, sitiantes, caboclos e outros,
ordem social ; representa ela o estado de espí rito de alguns oper á ¬ devido às flutuações da cafeicultura e suas repercussões na vida das
rios , mas não o estado de uma sociedade ” . 15 classes e grupos subordinados. Al ém disso, era cada vez mais geral
e forte o descontentamento com o despotismo do Estado oligá rquico.
Em 1929 a oligarquia cafeeira , principal força do bloco agr á rio,
Foi nesse contexto que Antônio Carlos fez sua famosa declaração:
entra em crise. A revolu ção de 30 assinala a transi ção para uma
“ Façamos a revolu ção, antes que o povo a faça ” . 16 Estava em mar ¬
é poca na qual se dinamizam processos económicos, pol íticos, cul ¬
cha uma espécie de contra-revolu ção. “ Fazer a revolução de cima
turais, demográficos e outros tais como os seguintes: industrializa¬
para evitar que ela partisse de baixo, isto é, permitir ao país a
ção, urbanização, sindicalismo estatal , intervencionismo governamen ¬
ilusão de algumas pequenas coisas, que o contentavam , como pleitos
tal crescente na economia, fortalecimento do aparato estatal, prin ¬ eleitorais sem aparente compressão dos governos, reconhecimento de
cipalmente do executivo. Devido à “ nova ” configura ção das classes
deputados e senadores sem declarada interferê ncia do Presidente da
sociais urbanas e às suas rela ções de força , o Estado começa a ex¬
Repú blica , respeito à autonomia dos Estados e, sobretudo , escolha
pressar um novo arranjo de classes: burguesias cafeeira, comercial ,
do chefe do Executivo, sem que ela parecesse provir de uma im ¬
industrial e imperialista , em associação com setores de classe média
posição do chefe do Executivo em exercício” . 17
e operá rios. Alguns aspectos do significado da revolu ção de 30 e
dos seus desdobramentos nos anos posteriores merecem registro es¬ -
Pouco a pouco, forma se um bloco industrial-agrá rio, compon ¬
pecial. do interesses da cafeicultura , ind ústria , comé rcio e imperialismo. Se
Alberto Torres , A Organização Nacional , Imprensa Nacional , Rio
p. 15147. Gracillano
. de Janeiro, 1914,
.
16 . Barbosa Lima Sobrinho, A Verdade Sobre a Revolução de Outubro, Edi ções Unidas ,
São Paulo, 1933, p . 29.
Janeiro, 1976, p. 9
Ramos , Linhas Tortas , Distribuidora Record , Rio de
. .
Clluçlo de uma crónica datada de 1915 . 17 . José Maria Belo Panorama do Brasil , Livraria José Olympio Editora , Rio de Ja ¬
15 Washington Luiz , em declarações de 1920 , quando era governador do neiro , 1936 , p. 199 Para Astrojildo Pereira , a palavra de ordem de Antônio Carlos na
Estado de
.
SAu Paulo Repetiu declaração semelhante em 1926, quando era Presidente da Repú blica. -
prá tica significava o seguinte: “ façamos a contra revolução antes que as massas façam
.
Conforme registro de José Albertino Rodrigues, Sindicato e Desenvolvimento no
. .
funAo I uropé ln do Livro , São Paulo, 1968, p 68
Brasil , Di- ga São Paulo , 1979, p. 191 . - -
a revolução” Conforme Astrojildo Pereira , Ensaios Hist óricos e Pol í ticos, Editora Alfa Ome
.
16 17
6 verdade que a preocupação com a indústria não era inicialmente tes, com freqiiência houve repressão contra operários e camponeses.
visí vel, isto não significa que o governo permaneceu indiferente ao Era forte a primazia do Poder Executivo sobre os poderes Legisla
assunto. Ao contr ário, as medidas anticíclicas adotadas para prote
¬

tivo e Judiciário. Seguidamente o princípio da cidadania



¬

a des ¬

ger a cafeicultura e outras políticas governamentais favoreceram peito dos poucos que o desfrutavam — era violado pelos governan¬
tanto as f ábricas e oficinas existentes como a criação de novas. Sob tes ou os seus funcionários civis, policiais ou militares. Em geral,
v ários aspectos, a revolução de 30 assinala uma transição impor¬ havia espaços democráticos em uma cidade, como no Rio de Janeiro,
tante na história da sociedade brasileira. “ Apeou do poder do Es ¬
por exemplo, mas não nas cidades do Nordeste; nem mesmo em
tado os propriet ários rurais, os cafeicultores que dominavam a Pri ¬
Recife ou Salvador. À s vezes, em uma mesma área metropolitana
meira República e que, pelo estilo do governar e pela política eco¬ como a do Grande São Paulo, os espaços democr á ticos abriam-se
nómica que imprimiam, já constituíam um estorvo ao desenvolvi ¬
às classes dominantes e aos setores médios, mas não aos operários.
mento do País. No seu lugar, ascende um outro setor da classe dos Quanto aos trabalhadores rurais — oper ários, colonos, sitiantes, pos
proprietários rurais, uma composição de setores nos quais prevale
¬
¬
seiros, moradores e outros — nada; ou muito pouco. Em geral, o
ciam aqueles que tinham uma ligação maior com o mercado interno pouco de democracia que houve no Brasil em 1946-64 ficou em
e que, por isso, puderam mostrar-se mais sensíveis a um projeto de algumas cidades, em alguns setores sociais burgueses e médios das
.
industrialização do País . . O movimento polí tico-militar de 30 dei ¬

cidades.
xou completamente intocado o campo, onde viviam, naquela época,
cerca de 70% da população brasileira. Não se tocou nas oligarquias Desde 1964, sob a ditadura militar, muito da problemática da
.
rurais . .” 18 revolução burguesa e do car á ter autorit ário do Estado se recolocou
de forma escancarada, brutal. Nesse tempo, o Estado fascista se
Sob vários aspectos, o Estado Novo ( 1937-45) reforç a e desen ¬

impõe e sobrepõe às classes e grupos assalariados, às regiões e aos


volve algumas tendências que se haviam esboçado em 30-37: ar ¬

cidadãos ”, como um vasto bloco de poder articulado segundo as


ranjo de classes urbanas com a burguesia agrária, principalmente
exigências da grande burguesia financeira e monopolista ( estrangeira
do setor cafeeiro; industrialização; participação do Estado em as- e nacional) . É t ão acentuado o divórcio entre o Estado e a maioria
suntos económicos, tanto para proteger atividades económicas pre ¬

da sociedade civil, que o povo se sente estrangeiro no próprio País;


existentes como para favorecer novas; sindicalismo atrelado ao apa ¬

relho estatal; formalização jurídico-polí tica das relações de produção,


emigra para dentro de si mesmo .
segundo exigências do capitalismo industrial, conforme a Consolida ¬
Nessa época, o poder estatal é levado a organizar-se segundo a
ção das Leis do Trabalho (CLT) ; fortalecimento do Estado, em doutrina de “ seguranç a e desenvolvimento”. Uma doutrina “ novi-
face das exigências do capital e do controle das classes assalariadas, nha em folha, aut óctone de fato”. Sob a ditadura militar, os prin ¬

tanto oper ários como empregados e funcionários. cipais problemas da sociedade, tais como as desigualdades sociais,
os desequilíbrios regionais, a posse e o uso da terra, o problema
Mesmo em 1946-64, quando vigorou a democracia representativa,
dos posseiros, a situação das comunidades indígenas, a quest ão ope¬
durante essa época os governos populistas incutiram conotações au ¬

r ária, os dilemas do ensino e outros, tudo é tratado pelos governan¬


torit árias no aparelho estatal. O governo do Marechal Eurico Gaspar
tes em termos de estratégias e t á ticas militares, de geopolí tica. Fa¬
Dutra ( 1946-50) , em 1947 fechou o Partido Comunista do Brasil
( PCB) e cassou os mandatos dos deputados desse partido Ainda . la-se desses problemas e encaminham-se políticas a propósito deles
em termos de “ frente ” oposicionista, sindical, parlamentar, dos meios
durante esse governo foi bastante brutal a repressão contra operá ¬

de comunicação, estudantil ou outras. E a linguagem dos ideólogos


rios. Também políticos, estudantes, intelectuais e outras categorias
da ditadura — ou os seus tecnocratas — torna explícita a compre
sociais foram reprimidos durante a campanha em favor de uma po¬ ¬

ensão militarista, ou geopolí tica, das relações entre o Estado e a


lí tica nacionalista na questão do petróleo. Sob os governos seguin-
sociedade. Em face da crise da ditadura e da necessidade de en¬
18 |ncob Gorender, em debate sobre a revolução de 1930, publicado sob o tí tulo “ Um contrar alguma “ conciliação” pelo alto, através da qual o bloco de
I « tildo H serviço do capital” , Folhetim , n? 196, São Paulo, 19 de outubro de 1980, p .
- . .
11 19; citação da p 11 poder não perca o controle do aparelho estatal, diversos ideólogos

18 19
c escribas da ditadura trabalham a geopolítica do poder, das rela¬ as classes dominantes respondem com a violê ncia. Nem as conquis¬
ções do Estado com a sociedade, os “ cidad ã os” , os grupos e as tas democrá ticas bá sicas da própria burguesia são preservadas. Nesse
classes sociais. Oferecem recomendações aos membros do bloco de sentido, há uma contra-revolução burguesa que atravessa essa his¬
poder , em um País no qual esse próprio poder mantém o povo dis¬ tória.
perso, dispersado pela violê ncia.
Wanderley Guilherme: “ A pol ítica de descompressão deve ser
A despeito das experiências democrá ticas reais , independentemen -
te da forma jurídico-pol ítica de poder estatal delineada na Consti ¬
uma pol ítica incrementalista , isto é, implementada por aproxima ¬ tuição, a verdade é que o autoritarismo predomina ao longo da his¬
ções sucessivas, provocando modificações marginais no estado de tória do Brasil. Sob governos eleitos ou golpistas, civis, militares ou
coisas prevalecentes. Quer isto dizer que se trata de uma política mesclados de militares e paisanos, em geral predomina o Estado de
de avanços moderados, introduzindo-se uma inovação de cada vez, forma autoritá ria , ou propriamente ditatorial . E subsiste a sensação
enquanto se mant é m sob controle o resto do sistema . . . Da í que: de território ocupado; de povo conquistado. Subsiste a impressão de
liberdade de imprensa , habeas corpus , regime eleitoral , regime par¬ que os governantes são conquistadores.
tid á rio, mecanismos sucessórios, etc., sejam problemas que devem
ser tratados separadamente, atacando-se um apenas quando o an ¬ No princípio, sob o Estado mon á rquico ( 1822-89) , no qual o
terior tenha já sido resolvido e absorvido . . . Quer isto dizer que poder moderador do rei tem uma conotação arbitrá ria , predominam
a política de descompressão, ao renunciar aos instrumentos gené ri¬ os interesses do bloco agrá rio vinculado principalmente à cana e ao
cos de coação ( atos, cassações, censura, etc.) , precisa substituí-los caf é. Em seguida , sob o Estado oligá rquico ( 1889-1930) , no qual
por instrumentos específicos de coerção, que obriguem as á reas libe¬ a pol í tica dos governadores tem um papel saliente, reforçando o au ¬
radas a não extravasarem os limites da descompressão planejada , e toritarismo, predominam os interesses do bloco agrá rio apoiado prin ¬
isto com a mesma agilidade e velocidade com que o extravasamento cipalmente na cafeicultura. Depois, sob o Estado populista ( 1930-64) ,
tende a ocorrer ” . 19 que passa por um período de “ formação” ( 1930-37 ) e pela ditadura
do Estado Novo ( 1937-45 ) , predominam os interesses do bloco in ¬
General Golbery: “ Tratar-se-á, no nosso caso, de manter e am¬ dustrial-agr á rio, vinculado principalmente ao caf é e à ind ú stria de
pliar uma á rea central de manobra , essencial à promoção, em tran - bens de consumo durá veis. A partir de 1964, sob o Estado militar ,
qiiilidade e segurança, de nossos objetivos pol íticos, mediante a apli¬ apoiado em um poderoso bloco industrial , ou melhor, financeiro e
cação, em sucessão irregular, de golpes inopinados contra as vá rias monopolista , predominam os interesses da grande burguesia finan ¬
frentes circundantes, cada uma de per si . . . Para tanto, cuidar-se-á ceira e monopolista estrangeira. Em todas essas é pocas, os imperia ¬
de consolidar e, se possível, ampliar as próprias forças, mantendo lismos inglês, alem ão, norte-americano e outros estão presentes e são
sempre dissociada a frente oposicionista , já agora , també m pelo decisivos.
atendimento privilegiado das pretensões deste ou daquele partido
ou grupo, em detrimento dos demais. E isso . . . poder á vir a ser al¬ Talvez se possa afirmar que o â mbito histórico da revolução bur¬
cançado, numa há bil e esclarecida manobra de cooptação por par¬ guesa no Brasil situa-se entre a abolição da escravatura e o desfe¬
tes ” . 20 cho da ditadura militar. Antes de 1888 já ocorriam acontecimentos
que tinham algo, ou muito , a ver com a forma ção da sociedade
Sob vá rios aspectos, o que revela essa história é o desenrolar de civil, a cidadania, o Estado nacional. Algumas revoluções e batalhas
uma espécie de contra-revolução burguesa permanente. Diante dos políticas, parlamentares e de opinião pú blica situam-se nesse con¬
freqiientes movimentos de ascenso popular, na cidade e no campo, texto. As campanhas republicana e abolicionista também têm algo
19 , Wanderley Guilherme dos Santos, Poder & Pol í tica, Forense- Universitária , Rio de de escaramuças que precedem as principais lutas da revolução bur¬
laneiro . 1978, p . 153, 154 e 156. guesa deflagrada em 1888-89. No presente, as políticas adotadas
20 . General Golbery do Couto e Silva , Chefe do Gabinete Civil do governo do General
lofio Baptista Figueiredo, em conferência proferida na Escola Superior de Guerra no dia pela ditadura militar impulsionaram bastante o ascenso da grande
I " de ) ulho de 1980, “ Golbery Define Estratégia de Figueiredo ” . O Estado de S . Paulo,
SAo Paulo, 26 de outubro de 1980 , p. 132 . A primeira parte dessa conferê ncia foi publi - burguesia. Ao mesmo tempo, desenvolveram as contradições de
.
.
mdii sob o titulo "Ó Pensamento de Golbery Sobre o Brasil ” , O Estado de S Paulo , São
classes, em âmbito nacional. O alargamento e a dinamização do
Paulo, 19 de outubro de 1980 , p 152.

20 21
mercado; a generalização da mercadoria; a crescente subordinação 3.
das mais diversas formas de trabalho ao capital; o desenvolvimento
da ind ústria cultural ; a expansão do sistema p ú blico e privado de ORDEM E PROGRESSO
ensino; a diversificação das correntes de opinião p ú blica; o desen ¬
volvimento das classes sociais e da consciência de classe; tudo isso,
e outros desenvolvimentos da sociedade civil , tem algo a ver com
o desfecho do ciclo da revolução burguesa no Brasil. Trata-se de
uma revolução que se resolve de forma altamente contraditória.
Produz e reproduz tanto contradições entre burguesias e assalaria ¬
dos , principalmente a grande burguesia financeira e monopolista,
por um lado, e o proletariado e o campesinato, por outro, como
produz e reproduz diversas e not á veis contradições no â mbito das
classes dominantes, nacionais e estrangeiras.
Um aspecto importante do cará ter do Estado brasileiro aparece
nas modulações dos lemas adotados pelos governantes durante a
é poca republicana . O lema principal é ordem e progresso. Mas logo
transformou-se em ordem & progresso. E o povo brasileiro tem sido
reiteradamente obrigado a defrontar-se com o significado ideológico
e prá tico do lema.
Nos começos da Primeira Repú blica , em 1894-97 , tropas milita ¬
res arrasam o povoado e a população de Canudos, no Estado da
Bahia. Um movimento messi â nico de base rural , composto de cam ¬
poneses pobres, foi considerado inimigo pelos governantes que ser¬
viam aos interesses dos senhores de engenho, fazendeiros, grandes
propriet á rios de terras , Igreja , beneficiá rios civis e militares da ca¬
feicultura e outros interesses representados no Estado oligá rquico.
“ Atrás dos sertanejos de Canudos suspeitavam-se poderes mais for¬
tes e recursos mais temíveis . . . uma vasta conspiração urdida com
o fito de restaurar a monarquia ” . Foi t ão intenso e eficaz o alarde
provocado pelas oligarquias que a 5 de outubro de 1897 “ Canudos
foi expurgado, após um assédio longo e cruento ” . 21 Canudos é um
acontecimento trágico e simbólico do que tem sido a contra-revo¬
lu ção burguesa permanente no Brasil.
Gilberto Freyre: “ Quanto aos erros que o Exé rcito cometeu em
Canudos , na luta célebre em que se empenhou contra uma popula ¬
ção de retardados na sua economia ou na sua cultura, como se
fossem inimigos da Na ção ou do Estado ou do Regime, foram antes

- .
.
21. J. Pandiá Cal ógeras , Formação Hist órica do Brasil Companhia Editora Nacional ,
.
São Paulo, 1966, p 350 351 Citação da 6» edição. A 1» data de 1930 .
22 23
erros das elites brasileiras de então . . . Foram erros nos quais se mocracia racial” , a pol ítica de integra ção regional , u doutrina da
manifestou um pendor ainda hoje de quase todos nós, brasileiros, “ harmonia ” entre o capital e o trabalho. Muitas coisas desdobram -
especialmente quando homens de governo ou legisladores: o de pre¬ se do lema ordem e progresso.
tendermos resolver tudo que é problema nacional —
o de organiza ¬
ção de trabalho, o de mudança de regime político, o de defesa contra
Há um fio militarista que tece a larga histó ria do Estado auto ¬
o Comunismo, o de má literatura infanto- juvenil , o do petróleo
militar ou policialmente. Pela força ou pela censura prévia ” 22 . — rit á rio, amarrando passado e presente, região e Nação, Canudos c
ABC, sociedade civil e Estado. Tanto que ideólogos do militarismo ,
do aparelho estatal militarizado, criam e recriam o lema da ordem
Euclydes da Cunha: “ Canudos n ão se rendeu . Exemplo ú nico em & progresso, ou seguran ça & desenvolvimento, de permeio a dita ¬
toda história , resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado pal ¬ dura & exploração. De repente, toda a história política se reduz á
mo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao en¬ história militar. “ Guiado pelos ensinamentos de Caxias, o Exé rcito
tardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos mor¬ se fez presente nos magnos episódios da vida nacional: teve influ ¬
reram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma ência decisiva na abolição; proclamou a Rep ú blica ; participou dos
criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil sol¬ movimentos que culminaram com as conquistas sociais de 1930; re¬
dados ” . 23 peliu a intentona comunista de 1935; lutou contra o nazifascismo na
Europa ; derrubou a ditadura em 1945 e desencadeou a Revolu çã o
Esse o sentido histó rico, ideológico e prá tico, de ordem & pro¬ democrá tica de 31 de março de 1964 , atendendo ao apelo de todos
gresso. Ressoa assim até ao presente. os setores da comunidade nacional ” . 25
Em seguida , décadas depois, o lema Ordem e Progresso ganhou Militares e burgueses, por si e pela voz e escrita dos seus ideó¬
nova imagem: segurança e desenvolvimento. Todos os governos mi¬ logos, têm sido solidá rios na idéia de que as intervenções dos mi ¬
litares instalados desde 1964 encarregaram-se de mostrar ao povo a litares no processo político garante a “ tranq üilidade ” , a “ paz so¬
força repressiva e espoliativa de segurança & desenvolvimento. Em cial ” , a “ estabilidade pol ítica ” , a “ segurança ” , a “ ordem ” , o “ pro¬
abril e maio de 1980, quando os metal ú rgicos de São Bernardo do gresso” , o “ desenvolvimento” . Alegam que os militares exercem sua
Campo e Diadema realizaram uma greve reivindicando aumento sa ¬
missão e tradição de “ poder moderador ” . Como se fora o poder mo ¬
larial, houve ocupação militar e policial do sindicato, est ádio da
ná rquico transfigurado? Afirmam a sua missão “ regeneradora ” , tanto
Vila Euclides, paço municipal , praças, ruas, pá tio da Igreja Matriz
que o Golpe de Estado de 31 de março de 1964 tem sido denomi ¬
de São Bernardo. Canudos continua ressoando. 24
nado por eles de “ Revolução Redentora ” . São freqúentes as diligê n ¬

Tanto ordem e progresso como o seu desdobramento mais recente,


seguran ça e desenvolvimento, expressam muito da ideologia e pr á ¬
cias e proclamações de porta-vozes da burguesia
ca e nacional como estrangeira — —
tanto olig á rqui ¬
no sentido de preconizar “ essa
tica dos governantes. Expressam um aspecto fundamental da con¬ interferência da força” no processo pol ítico. “ Não só a admito como
tra-revolu ção burguesa permanente que se desdobra desde 1888-89. a preconizo, em situações desesperadas, como um remédio heróico ” ,
São lemas que expressam o discurso dos vencedores, dos conquis¬ como “ o imperativo da segurança nacional ameaçada pela subversão
tadores, das “ elites ” , ao povo, aos “ sú ditos dispersos” . Sintetizam ou anarquia ” , como “ tutela da ordem ” . 26 Inclusive preconiza-se uma
os sermões, as proclamações, as ordens-do-dia dos governantes ao geopol ítica do poder, ao gosto militar. “ Num governo militar faça-se
povo disperso, dispersado. tudo em cará ter de campanha , como se estivéssemos em guerra com
o inimigo atrá s ” . 27
Ao mesmo tempo , a ideologia das classes dominantes reitera a
idéia do cará ter “ não-violento ” da histó ria brasileira, o mito da “ de- 25. General Walter Pires de Carvalho Albuquerque , “ Ordcm -do dia do Exército ” , tor ¬
-
.
nai do Brasil , Rio de Janeiro, 26 de agosto de 1979, p 19. Consultar també m Gilberto
22 . Gilberto Frcyrc, Nação e Exército, Livraria José Oiympio Editora, Rio de Janeiro,
Freyre , Nação -
e Exército, citado , esp. p . 43 44.
26 . José Amé rico dc Almeida , “ A Revolução de Março e Seus Antecedentes Hist ó ricos " ,
1949 , -
p. 24 25.
Euclydes da Cunha , Os Sert ões ( Campanha de Canudos) , Livraria Francisco Alves,
publicado pelo Mal . Humberto de Alencar Castello Branco e outros, A Revolução dc 31 tie
25 . Março, 2» Aniversá rio, Colaboração do Exército, Biblioteca do Exército Editora , Rio dc Ja ¬
-
p. 611.
1946 ,
24 .
Hé rcules Corrê a , O ABC de 1980 Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, -
neiro, 1966, p. 35 51; cita ção da p. 37.
. . . .
27 . José Américo de Almeida , op cit , p 51
1980; Octavio lanni , O ABC da Classe Operária, Editora Hucitec, São Paulo, 1980.

24 25
Um componente essencial dessa ideologia e pr á tica do militarismo Da í o antimilitarismo difuso ou visí vel , conforme a ocasião e o
é a tese de que “ a sociedade civil parece incapaz de resolver por lugar. Seria ingénuo imaginar que o povo n ão sabe, n ão entende ,
si mesma ” crises graves. 28 Alega-se que “ a causa profunda das as malhas do poder com que se defronta cotidianamente. Aconte¬
interrupções reside na instabilidade pol í tica , própria da fase de de¬ cimentos como Canudos e ABC estão sempre ressoando na história
senvolvimento que o pa ís atravessa já há algumas d écadas , e que do povo. f á em 1910 Rui Barbosa havia colocado um aspecto do
se acelerou consideravelmente no após-guerra ” . Instabilidade essa de¬ problema ao procurar distinguir “ as instituições militares ” do “ mi¬
vida à “ ação constante de poderosos fatores de ordem social ” . litarismo ” . J á naquele entã o ele havia notado que “ o militarismo,
29

Assim , “ a imperfeição e o mau funcionamento das instituições civis governo da nação pela espada , arruina as instituições militares ” . E
brasileiras ” criam a “ necessidade ” da intervenção militar no pro¬ acrescentava que “ as instituições militares organizam juridicamente
cesso político. 30 Os ideólogos do “ poder moderador ” , das interven¬ a força ” , ao passo que “ o militarismo a desorganiza ” . 34 É que a
ções militares como “ prá tica pol í tica brasileira ” , afirmam que as contra-revolu ção burguesa tem muito a ver com o militarismo, com
periódicas atuações “ contr á rias às normas da representação popular ” a militarização do aparelho estatal . “ Tem sido a triste sina do exér¬
são acontecimentos que “ correspondem a uma necessidade social cito no Brasil nunca ter logrado ser compreendido pelas classes
inilud ível” . 31 Haveria algo como uma congé nita “ instabilidade po¬ civis, e especialmente pelos partidos pol íticos ” . 35
lítica ” , ou “ imaturidade da democracia brasileira ” . Assim , “ essas Tudo isso adquire novas tonalidades na é poca da ditadura ins¬
intervenções não poderão ser suprimidas enquanto a própria socie¬ talada sob o lema seguran ça & desenvolvimento. Em pouco tempo,
dade civil n ão criar outros sistemas de segurança mais perfeitos e tudo se dissolve em uma singular ideologia da ditadura do grande
capazes de substitu í-las ” . 32 capital financeiro e monopolista , como se tudo fosse uma coisa só:
Sob vá rios aspectos, em diferentes ocasiões da história da socie¬ “ Progresso, Ordem , Na ção , Desenvolvimento, Seguran ça , Planifica¬
dade brasileira, os fios do militarismo e da ordem & progresso ção e até mesmo ( por que não? ) Revolução . . . Sob o peso desse
tecem-se numa poderosa rede, a serviço das classes dominantes. aparelho mental . . . vergam opressos quase todos os gestos da vida
Sempre que as “ normas da representação popular ” são aproveitadas social, da conversa cotidiana aos discursos dos ministros . . . Em
e alargadas pela atuação pol ítica do povo, de operá rios e campo¬ termos quantitativos, nunca foram tão acachapantes o capital, a in¬
neses, sempre as classes dominantes, os militares , policiais e setores d ústria do veneno e do supérfluo, a burocracia , o exército , a pro¬
da Igreja movimentam-se em marchas, quarteladas ou golpes. Na paganda , os mil engenhos da concorrência e da persuasão” . 36
prá tica, o processo político, a vida partidá ria , a experiência demo¬
crática , o jogo das forças políticas no curso da histó ria da revo¬
lu ção burguesa, tudo isso é posto em quest ão pelas freqtientes in¬
tervenções militares. “ A participa ção dos militares foi , praticamen -
te, um fator constante nas alterações do sistema partidá rio brasi¬
leiro ” . 33 É assim que ordem & progresso, seguran ça & desenvolvi¬
mento e militarismo constituem-se numa poderosa argamassa do Es¬
tado autorit á rio —
civil, militar, corporativo, fascista
classes dominantes impõem ao povo , a oper á rios ,
que as
camponeses, em¬

pregados, funcioná rios e outros assalariados.

28 . Fernando Pedreira , Março 31 , Civis e Militares no Processo da Crise Brasileira , José


Á lvaro Editor. Rio de Janeiro, 1964, p . 57
. .
29 . Fernando Pedreira , op cit , p. 60.
.
. .
50 . Fernando Pedreira , op cit , p. 44 . 34 . Rui Barbosa , “ O civilismo ” , cm Escritos e Discursos Seletos, Editora José Aguilar
.
.-
51 Fernando Pedreira , op. cit , p. 42 43
. .
52 . Fernando Pedreira , op cit , p. 43
. . .
Ltda., Rio de Janeiro, 1960, p 307.
35 . J . Pandiá Cal ógeras Formação Histórica do Brasil , citado, p. 269 .
36 . Alfredo Bosi, O Ser e o Tempo da Poesia , Editora Cultrix, São Paulo, 1977, p.
33 . Paulo Roberto Motta , Movimentos Partidários no Brasil , Fundação Get ú lio Vargas,
. .
Rio de Janeiro, 1971, p 77

26 27
visível entre duas épocas. E efetivamente da í por diante estava
4. melhor preparado o terreno para um novo sistema, com seu centro
A IDÉ IA DE REVOLUÇÃO BURGUESA de gravidade não já nos domínios rurais, mas nos centros urbanos ” . 37
Caio Prado J ú nior confere maior significado à ruptura , ou pas¬
sagem histórica , assinalada pela abolição da escravatura, imigra ção
de braços para a lavoura e proclamação da Repú blica. Ao mesmo
tempo que se generaliza o regime de trabalho livre, a organização
do aparelho estatal se abre às exigências do capitalismo. E adquire
novo dinamismo a tendência histórica predominante da produção
brasileira , uma “ economia voltada para a produção extensiva e em
larga escala de matérias-primas e gêneros tropicais destinados à ex¬
portação” . 38 Desenvolvem-se as condições sociais, económicas , po¬
líticas e culturais de produção mercantil, de produção de mais-valia .
“ No terreno económico observaremos a eclosão de um espírito que
A história da sociedade e dos desenvolvimentos do poder estatal se não era novo, mantivera-se no entanto na sombra e em plano
no Brasil, desde fins do século passado, coloca e recoloca a proble¬ secundá rio: a â nsia de enriquecimento, de prosperidade material.
má tica da revolução burguesa. Ao mesmo tempo, busca-se estabele¬ Isto, na monarquia , nunca se tivera como um ideal legítimo e ple¬
cer as fases dessa revolução, ou os seus momentos principais. São namente reconhecido. O novo regime o consagrará . . . A transfor¬
diferentes as sugestões de historiadores, sociólogos e outros cientis¬ mação terá sido tão brusca e completa , que veremos as próprias
tas sociais. Inclusive são diferentes as interpretações, quanto ao ca ¬ classes e os mesmos indivíduos mais representativos da monarquia ,
rá ter mais ou menos autoritá rio, conservador, ou mesmo liberal, dos dantes ocupados unicamente com pol ítica e funções similares, e no
desdobramentos do Estado brasileiro ao longo da revolução. N ão h á máximo com uma longínqua e sobranceira direção de suas proprie¬
muito acordo sobre as principais marcas da periodização, mas há dades rurais, mudados subitamente em ativos especuladores e nego-
algum consenso sobre a época que abarca . A abolição da escrava ¬ cistas . . . Transpunha-se de um salto o hiato que separava certos
tura, a queda do regime moná rquico , a imigração de braços para a aspectos de uma superestrutura ideológica anacrónica e o nível das
lavoura, o predomínio do fazendeiro de caf é, o desenvolvimento ca ¬ forças produtivas em franca expansão. Ambos agora se acordavam . . .
pitalista e outros desdobramentos da história brasileira ajudam a A ambição do lucro e do enriquecimento se consagrará como um
delimitar a época da revolução. pito valor social” . 39
Sérgio Buarque de Holanda confere uma importâ ncia especial à Nelson Werneck Sodré atribui importância particular à burguesia
abolição do trabalho escravo, ao predomínio do trabalho livre. Teria nacional, que começa a emergir como força política à época da crise
havido uma transição, ou ruptura , qualitativamente fundamental, da monarquia. J á em 1882 “ a burguesia industrial nascente , gerada
nessa ocasião. “ A grande revolução brasileira n ão é um fato que se pela acumulação proveniente da economia de exportação, coloca no
registrasse em um instante preciso; é antes um processo demorado palco as suas reivindicações ” . À época da transição para o período
e que vem durando pelo menos há três quartos de século. Seus republicano, “ emergem forças novas, aparece a acumulação, alar¬
pontos culminantes associam-se como acidentes diversos de um mes¬ -
gam se as relações capitalistas no campo” . Torna-se claro o papel
mo sistema orográfico. Se em capítulo anterior se tentou fixar a do setor da burguesia que se acha em ascenso Na prá tica , a pro¬ .
data de 1888 como o momento talvez mais decisivo de todo o nosso
desenvolvimento nacional, é que a partir dessa data tinham cessado
clamação da Repú blica “ resulta do fracionamento na classe domi -
de funcionar alguns dos freios tradicionais contra o advento de um .
37. Sé rgio Buarque de Holanda , Raizes do Brasil , 3* edição Livraria José Olympio Edi¬
-
tora , Rio de Janeiro, 1956, p. 250 251. A 1» edição desta obra data de 1936.
novo estado de coisas, que só então se faz inevitável. Apenas nesse 38 . Caio Prado J únior, História Económica do Brasil , 3» edição, Editora Brasiliense, São
sentido é que a Abolição representa , em realidade, o marco mais
.
Paulo, 1953, p 213.
.
39. Caio Prado J únior, História Económica do Brasil , citado, p 214 215 - .
28 29
liante de senhores de terra ” , quando os setores mais avançados da fato, para a consolidação do estilo democr á tico de vida . Doutro lado,
burguesia agrá ria e industrial procuram libertar-se do “ velho apa ¬ de 1875 a 1930 os interesses da revolução burguesa ficaram sob o
relho de Estado” representado pela monarquia. Surge uma domi ¬ mais completo controle social dos setores rurais e da dominação
nação burguesa “ embrion á ria ” , pois que “ ainda submetida à classe tradicionalista . . . Tanto a chamada “ revolução de 1930 ” quanto a
senhorial de que se originara em grande parte —
outra parte se
origina no grupo mercantil ” . Assim , os primórdios da revolu ção
40
“ revolução constitucionalista ” , de 1932 , respondem à necessidade de
implantar novas formas de organiza ção do poder na sociedade bra ¬
burguesa e da burguesia nacional est ão juntos; e prosseguem de par sileira , capazes de expandir e de acelerar as transformações reque¬
em par. “ As caracter ísticas principais ( da revolução burguesa bra ¬ ridas pela revolução burguesa ” . 44
sileira foram as
) seguintes : exist ê ncia de massa camponesa nume¬
ricamente preponderante e principal como produtora de bens eco¬ Carlos Nelson Coutinho também relaciona o processo histó rico
n ómicos; de numerosa pequena burguesia, com função pol í tica des¬ da revolu ção burguesa brasileira com o problema da formação de
tacada ; de proletariado pouco numeroso mas crescente, com formas uma economia mais caracteristicamente capitalista , com base no tra ¬
de organização em desenvolvimento mas ainda fracas ; de burguesia balhador livre. Para ele, trata-se de caracterizar a feição “ prussia
na ” , isto é, autorit á ria , adquirida pela revolu ção burguesa no Brasil.
-
recente, ascensional , com amplas perspectivas nacionais e fracas pers¬
pectivas internacionais ” . 41 “ Constata-se , presentemente, e de algum Trata-se de uma sociedade na qual a “ passagem para o capitalismo ”
tempo a esta parte, que a burguesia , no Brasil , que é o caso que ocorre sem alterações na estrutura agrá ria. Em lugar de uma “ au ¬
-
nos interessa, divide se em duas frações: a que se associa ao impe¬ tê ntica ” revolu ção , “ de baixo para cima ” , realizam-se arranjos de
c ú pula , “ de cima para baixo ” . “ Todas as grandes alternativas con ¬
rialismo e a que resiste ao imperialismo; é evidente que a primeira
nã o pretende nenhuma participa ção na Revolução Brasileira ; à se ¬ cretas vividas pelo nosso Pa ís, direta ou indiretamente ligadas à que¬
gunda se convencionou conhecer como burguesia nacional ” . 42 la transição ( Independência , Abolição , Rep ú blica , modificação do
bloco de poder em 30 e 37, passagem para um novo patamar de
Florestan Fernandes chama a atenção para as figuras do fazen ¬ acumulação em 64) , encontraram uma resposta “ à prussiana ” ; uma
deiro de caf é e do imigrante. Esses os dois “ agentes humanos ” que resposta na qual a concilia ção “ pelo alto ” n ão escondeu jamais a
se constitu íram como “ protagonistas históricos” da revolução bur¬
guesa. “ Sem o saber (e també m sem o desejar de forma consciente) ,
intenção explícita de manter marginalizadas ou reprimidas
qualquer modo, fora do â mbito das decisões —
de
as classes e ca ¬

o fazendeiro acabou compartilhando do destino burguês, que aca ¬ madas sociais “ de baixo ” . Portanto , a transição do Brasil para o
lentava os modestos ou ambiciosos sonhos do imigrante ” . 43 Mas o capitalismo (e de cada fase do capitalismo para a fase subseqiiente)
passado escravocrata continuou pesando sobre as condições de vida não se deu apenas no quadro da reprodução ampliada da dependên¬
do fazendeiro e imigrante. Nisso está uma das singularidades do cia . . . ; essa transição se processou também segundo o modelo da
processo da revolução burguesa no Brasil. “ Em sua variante brasi ¬ “ modernização conservadora ” prussiana ” . 45
leira ele se tornou demasiado lento, muito descont ínuo e só nas
á reas urbanizadas de industrialização intensa ele chegou a atingir Assim , entre outras questões, a histó ria da revolução burguesa
quase todas as esferas da vida social organizada . . . O grosso da põe e repõe o problema do Estado forte. A forma “ prussiana ” da
sociedade brasileira continuou variavelmente mergulhado nas idades revolução burguesa brasileira diz respeito ao car á ter autorit á rio das
histó ricas anteriores, e o povo n ão se configurou plenamente como diferentes formas históricas adquiridas pelo poder estatal. Há algo
realidade histórica. Em conseqiiê ncia , a I Repú blica aparece como
uma fase de transação com o “ antigo regime ” e não contribui, de
de singular nessa revolução —
na hist ó ria dessa revolu çã o
que se cria e recria um Estado sempre predominante, impositivo
pois — .
Uns se referem à “ via prussiana ” , em contraposição à “ via demo¬
40 Nelson Wemeck Sodré, Hist ória da Burguesia Brasileira , Editora Civilização Brasi¬
-
leira , Rio de laneiro, 1964, p. 202 203.
41 Nelson Wemeck Sodré, Introdução à Revolução Brasileira, 3* edição, Editora Civi¬
crá tica ” , conforme sugeriu Lenin , inclusive beneficiando-se de indi -
lização Brasileira, 1967, p. 245 .
.
42 Nelson Wemeck Sodré Introdução à Revolução Brasileira , citado p . 247 .
43 Florestan Fernandes, A Revolução Burguesa no Brasil , Zahar Editores, Rio de Ja¬
44 . Florestan Fernandes, Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento , Zahar Editores,
- .
Rio de laneiro , 1968, p. 190 191
.
neiro, 1975 , p 104.
45 . Carlos Nelson Coutinho , A Democracia Como Valor Universal , Livraria Editora Ci¬
.
ê ncias Humanas , São Paulo, 1980, p 71 72 - .
30 31
caçoes de Marx e Engels. Outros sugerem que no Brasil tem havido
uma “ revolu ção passiva ” , ou “ revolução-restauração ” , de acordo com 5.
expressões cunhadas por Gramsci . Também fala-se em “ moderniza¬ A REVOLUÇÃO DE CIMA PARA BAIXO
ção conservadora ” . Em todos os casos busca-se chamar a atenção
para o car á ter autoritá rio do Estado, ao longo das fases em que se
desenvolve a revolução burguesa no Brasil.

Todos estão de acordo em que as classes dominantes, ou os blocos


de poder , sempre buscaram impor os seus interesses, em geral de
forma exclusiva , sobre o conjunto da sociedade. Por meio da “ con¬
ciliação entre frações das classes dominantes ” e lançando mão de
“ medidas aplicadas de cima para baixo ” , em geral os blocos de
poder conseguiram monopolizar largamente o aparelho estatal . Seja
impondo-se pela violência, seja antecipando-se na adoção de me¬
didas paliativas, seja cooptando lideranças e organizações, com fre -
qiiência as classes e frações de classes dominantes impõem-se aos
grupos e classes subordinados , na cidade e no campo. Talvez se
possa dizer que “ as transformações ocorridas em nossa história n ão
resultaram de autê nticas revoluções, de movimentos provenientes de
baixo para cima, envolvendo o conjunto da população ” . 46 Há algo
na história da sociedade brasileira que permite que “ o poder bur¬
guês ” consiga sempre reiterar e fortalecer as “ estruturas e funções
nacionais de sua dominação de classe” . 47 Ao longo da história da
Rep ú blica, desde 1888-89 até ao presente, o poder estatal confun¬
de-se cada vez mais com a economia pol ítica do capital, da acumu ¬
lação capitalista.
Florestan Fernandes: Literalmente, pois, revolu ção nacional signi¬
fica , cm semelhante contexto histórico-social e pol í tico: 1 ) integra¬
ção horizontal, em sentido e em escala nacionais, dos interesses das
classes burguesas; 2 ) probabilidade de impor tais interesses a toda a
comunidade nacional de modo coercitivo e “ legítimo” . 48
.
46 . Carlos Nelson Coutinho, A Democracia Como Valor Universal , citado , p. 32 e 71
47 . Florestan Fernandes , A Revolução Burguesa no Brasil , citado , p. 301 .
.
48 . Florestan Fernandes, A Revolução Burguesa no Brasil , citado, p. 301

32 33
Werneck Vianna: “ Mas se a revolução ‘pelo alto’ consiste numa essas liberdades. 53 Da í a "necessidade ” da primazia do Estado sobre
a sociedade. “ N ão temos nenhuma mística incorporada ao povo ;
forma de induzir a modernização económica atrav és da intervenção
pol í tica , implica , de outro lado, numa “ conservação ” do sistema po
l í tico, embora promova rearranjos nos lugares ocupados pelos seus
¬
portanto, não tem o nosso povo
de povo-massa — —
considerado na sua expressão
a consciência clara de nenhum objetivo nacional
diferentes protagonistas. Num certo sentido , toda revolução ‘pelo a realizar ou a defender, de nenhuma grande tradição a manter,
de nenhum ideal coletivo, de que o Estado seja o órgão necessá rio
alto’ assume a configuração particular de uma revolução ‘passiva’,
à sua realização ” . 54 “ Esse alto sentimento e essa clara e perfeita
como Gramsci a descreveu no Risorgimento, isto é, de uma revolu ¬
consciência só serão realizados pela ação lenta e contínua do Estado
ção sem revolu ção . .. ” 49
É nessa perspectiva que se coloca a discussão sobre o car á ter da
— um Estado soberano, incontrastável, centralizado, unitá rio, capaz
de impor-se a todo o país pelo prest ígio fascinante de uma grande
sociedade civil brasileira. A discussão sobre a forma “ prussiana ” , missão nacional” . 55
ou “ passiva ” , da revolução burguesa brasileira com freqiiência supõe
ou afirma a “ fragilidade” da sociedade civil. É antiga a idéia de Essa tese ganha e reganha adeptos. Sob a ditadura militar ins¬
que o povo brasileiro e as formas de atuação pol ítica que ele tem
talada em 1964 , foi reavivada . Como núcleo da ideologia da dita ¬

dura, da doutrina de “ segurança & desenvolvimento ” , do lema


desenvolvido são “ dé beis ” , incapazes de fazer frente ao aparelho
estatal autorit á rio, à força dos grupos e classes dominantes, nacio¬ “ ordem & progresso” , ressurgiu a idéia da sociedade “ amorfa ” ou
nais e imperialistas . Esse pensamento vem de longe, e permeia in¬
“ dé bil ” . Conforme observou Michel Debrun , depois do “ esmaga¬
mento da sociedade civil ” , para a tecnocracia civil e militar foi
terpretações bem diversas: conservadoras, fascistas, liberais , social-
muito f ácil chegar à conclusão “ de que a sociedade era exatamente
democratas e marxistas. São muitos os que acabam por aceitar , por
como Oliveira Vianna a tinha descrito. Ou seja , uma matéria amor¬
implicação ou de forma explícita , a id é ia de que a sociedade é
fa que tinha que ser organizada de cima para baixo” . 56 Tanto que
“ amorfa ” . se torna a lembrar a “ den ú ncia clássica e irretorquível” feita à
Oliveira Vianna retoma e desenvolve a tese do pensamento con¬ “ tradição liberal brasileira ” por Oliveira Vianna , ao constatar que
servador brasileiro, com relação às caracter ísticas da sociedade civil “ o povo brasileiro era “ um povo-massa ” , que deveria ser tutelado
e da cidadania , em geral carregando na idéia do Estado forte. Las¬ por suas elites ” . 57 Os atos institucionais e complementares, as cons¬
tima que se fale em “ sufrágio universal ” , em se tratando de “ toda tituições e as leis, as proclama ções e as ordens-do-dia, as diretrizes
esta incoerente popula ça de pardos, cafuzos e mamelucos infixos ” . 50 e as pr á ticas da ditadura militar se fundam nessa tese.
Afirma que o brasileiro tem apenas o “ sentimento da sua comuni¬ Em vá rios quadrantes, subsiste e ressurge a tese da incompetência
dade local” , da “ sua família ” , do “ seu clã ” ou , no máximo, “ seu ou fragilidade da sociedade civil. Sob vá rios aspectos, a ideologia
partido regional ” , como no extremo sul ; que da “ Pá tria comum ” , das classes dominantes, da contra-revolução burguesa permanente ,
do “ Brasil cada um de nós tem apenas uma consciência sem den ¬ da conciliação pelo alto, alcança e envolve diferentes correntes in¬
sidade, nem nitidez, sem força determinante ” . 51 Alega que o povo telectuais e políticas. Ao perder de vista a história social do povo,
n ão tem o sentido da liberdade. “ Estudai a história social do nosso as revoltas e revoluções, as greves e os movimentos sociais, as mui¬
povo: nada encontrareis nela que justifique a existência do senti ¬ tas lutas populares na cidade e no campo, alguns deixam escapar
mento de liberdades pú blicas ” . 52 Apenas “ uma minoria de homens a tese básica da “ revolução pelo alto” , dos arranjos das classes e
excepcionais pelo talento e pela cultura ” , mas formada sob “ influ¬ 53 . Oliveira Vianna , Populações Meridionais do Brasil , citado , Primeiro volume, p . 395 39 .
ê ncias de meios exóticos ” , estrangeiros, é que compreende e sente 54 . Oliveira Vianna , Instituições Pol í ticas Brasileiras , citado. Primeiro volume, p. 382.
55 . Oliveira Vianna . Populações Meridionais do Brasil , citado, Primeiro volume, p. 387 38 .
Conforme escreve Oliveiros S . Ferreira , reiterando Oliveira Vianna : "Afinal , somos um
povo essencialmente autorit ário , como começamos a aprender a ver depois de 1964” . Con ¬
49 Luiz Werneck Vianna , Liberalismo e Sindicato no Brasil , Editora Paz e Terra , Rio
de lanciro, 1976 , p . 141. sultar Oliveiros S. Ferreira , “ Por que ler Oliveira Vianna . hoje ” , Cultura , n» 20 , publi¬
50 . Oliveira Vianna , Instituições Polí ticas Brasileiras , 2 vols., 2* edição, Livraria José cação de O Estado de S . Paulo , São Paulo, 26 de outubro de 1980, p. 10-13; cit . da p. 11.
Olympio Editora , Rio de Janeiro, 1955, Primeiro volume , p. 317 . 56 . Michel Debrun , "Pensar, pensamos. Mas . . . ” , Folhetim, n« 142, São Paulo, 7 de
outubro de 1979, p. 5.
51 . Oliveira Vianna , Instituições Pol í ticas Brasileiras, citado, Primeiro volume , p. 384.
52 . Oliveira Vianna , Populações Meridionais do Brasil , 2 vols . Livraria José Olympio 57 . Simon Schwartzman , "A estruturação da sociedade ” , O Estado de S . Paulo, São
Paulo, 15 de junho de 1979, p. 2.
.
Editora , Rio de Janeiro , 1952, Primeiro volume ( 5» edi ção) , p 391 .
34 35
frações de classes dominantes de cima para baixo. “ No Brasil . . . sivos; militares e paisanos ; burgueses e operá rios. Ao estabelecer
a sociedade civil tem sido fraca e mal articulada . . . O Estado n ão que a sociedade civil é frá gil ou amorfa , os governantes , muitos in ¬
podia deixar de ser forte. A dura realidade dessa coer ção brutal telectuais, as frações e classes representados nos blocos de poder
exercida por um Estado sempre forte sobre uma sociedade civil estabelecem, ao mesmo tempo, que o povo, o “ cidadão” , precisam
sempre fraca tem sido habilmente disfarçada pela historiografia ofi ¬ ser tutelados.
cial , de uma perspectiva conservadora ” . 58
Para reduzir, ou anular, ainda mais a cidadania de cada um e
Neste ponto cabe uma digressão sobre as críticas que Rui Bar¬ todos , são muitos os círculos governamentais e intelectuais nos quais
bosa recebeu de dois representantes do pensamento reacioná rio bra ¬ se acredita , ou insinua , que o povo e o cidadão precisam ser pro¬
sileiro: Oliveira Vianna e Gilberto Freyre. Ambos reconheceram que tegidos inclusive de si mesmos. “ O que se ouve a cada passo é
Rui era liberal , lutava pela democracia representativa , o respeito que este povo, dado o seu grande atraso, do que precisa exata ¬
pela opinião pú blica, os princípios da cidadania , a importância dos mente é de uma força que o tutele, o eduque c o conduza , prote¬
partidos polí ticos. Mas afirmaram que tudo isso estava fora do gendo-o mesmo contra si próprio, pois as suas deplorá veis condi¬
lugar, era exó tico. Alegaram que estava intoxicado de leituras es¬ ções de educação e cultura o predispõe a todos os desatinos ” . 62
trangeiras, de doutrinas ou “ influê ncias de meios exóticos, princi ¬ Está sempre sujeito a “ eventuais lideranças carism á ticas e manipu ¬
palmente americanos e ingleses ” . 59 Inquietaram-se com o credito lações de máquinas partid á rias e propagand ísticas de todo o tipo ” . 63
pol í tico que ele abria ao povo, ao cidad ão, ao civilismo, à socie¬ Na prá tica “ o povo brasileiro ainda n ão est á preparado sociológica ¬
dade civil , em oposição ao militarismo, ao arbí trio dos governantes mente para gozar de uma democracia plena ” . 64 Tanto assim que
contra o povo, à contínua violação de princípios e conquistas de¬ cabe o Estado proteger, tutelar e disciplinar o cidadão e o povo,
mocrá ticos. Consideraram que Rui Barbosa era incómodo, equivo¬ pois que “ liberdade e direitos emanam do Estado ” . 65 Daí a criação
cado, precisamente porque lutava pela democracia burguesa. Para da figura da cidadania regulada, que n ão tem ra ízes “ em um código
Oliveira Vianna , estas eram idéias “ perecíveis ” em Rui : acreditar de valores polí ticos , mas em um sistema de estratifica ção ocupacio-
em um “ regime de partidos e de opinião” , no “ sistema de sufr á gio nal ” . 66 A l ógica do capital impõe-se a todas as rela ções e poros da
universal” , nas “ excursões em propaganda de candidaturas
que mostrava desconhecer as verdadeiras condições culturais da nossa
no — sociedade, sem mediações. “ Em outras palavras, são cidad ãos todos
aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em
formação política ” . 60 “ Sob vá rios pontos de vista foi até bom para qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei. A ex¬
o Brasil — e para ele —
não ter chegado à presidência da Repú ¬
blica. Ou morrer deixando um belo exemplo de coragem cívica: a
tensã o da cidadania se faz, pois , via regulamentação de novas pro¬
fissões e / ou ocupações, em primeiro lugar, e mediante amplia ção do
de um liberal fiel ao seu liberalismo. Mas não era de um Rui mag¬ escopo dos direitos associados a estas profissões, antes que por ex¬
n íficamente liberal que o Brasil precisava ” . 61 pans ã o dos valores inerentes ao conceito de membro da comunidade.
Tudo isso indica a anulação da cidadania. Sob vá rias formas, por A cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão
meio do golpe de Estado, da manipula ção dos partidos, da falsifi ¬ restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo,
cação de resultados eleitorais, da manipulação das estatísticas, de tal como reconhecido por lei ” . 67
todas as formas da violência , os governantes e os seus associados Sob as mais diversas formas, tanto pela “ pol ítica ” como pela “ ci ¬
“ anulam ” também a cidadania . Na pr á tica, criam-se diversas “ clas¬ ência ” , tanto pela “ lei ” como pela “ profissão ” , os governantes e os
ses ” de “ cidad ãos ” : analfabetos e alfabetizados; homens e mulhe ¬
res ; urbanos e rurais ; brancos, índios e negros; impolutos e subver - 62 . José Maria dos Santos, Notas à Hist ória Recente , 1944. Conforme Bolivar Lamou
-
nier , “ Representação Pol í tica’’, mimeo., Cedec Cebrap , São Paulo, 1978 , epígrafe . -
63 . Simon Schwartzman , “ A estruturação da sociedade” , citado.
58 . Leandro Konder, A Democracia e os Comunistas no Brasil , Edi ções Graal , Rio de 64 . Coronel Toledo
loledo Camargo , “ Camargo: o povo po n ão está apto para democracia plena ” ,
O Estado de S . Paulo, São Paulo , 26 dc novembi de 1977 , p . 4.
Janeiro, 1980, p. 15. Diireitos emanam do Estado ” , O Estado de S .
65 . General Argus Lima , "Argus Lima: Direitos
59 . Oliveira Vianna, .
Populações Meridionais do Brasil , citado Primeiro volume, p. 395 .
60 . Oliveira Vianna , Instituições Pol í ticas Brasileiras , citado, Segundo volume , p. 471. Paulo, São Paulo, 11 de setembro de 1976 , p. 14.
.
bI Gilberto Freyre , Pessoas , Coisas & Animais , MPM Propaganda São Paulo , 1979, p.
66 . Wanderley Guilherme
neiro , 1979, p. 75.
Guilhi antos, Cidadania
dos Santos Cidac e Justiça, Editora Campus, Rio de Ja -
. - -
176 Citação extra ída do capítulo intitulado “ Terei sido um anti Rui ?” , p . 175 176. 67 . Wanderley Guilhi herme dos Santos, Cidadania e Justiça , citado, p. 75.

36 37
seus funcion á rios tratam de controlar e subordinar o “ cidad ão ” , o
povo, as reivindicações e conquistas populares. Os partidos, os sin ¬ 6.
dicatos , as eleições, os debates pú blicos, as assembléias , as greves, REVOLU ÇÃO E CONTRA-REVOLU ÇÃO
os movimentos sociais, muitas reivindicações e conquistas populares
são dissolvidas em expedientes burocr á ticos, manobras de coopta ção,
diversionismos. A “ burocracia ” , com a qual se defronta qualquer
pessoa , em toda repartição pú blica ( federal , estadual ou municipal ) ,
é uma poderosa técnica de dominação, de garantia das estruturas pre¬
valecentes, de bloqueio das reivindica ções populares. Estas são ex¬
pressões correntes e antigas nas esferas governamentais:
sabe com quem está falando? —
Você
Aos amigos tudo, aos inimigos, a

lei. — H á leis que pegam e leis que não pegam. São expressões que
refletem a escamoteação cotidiana dos direitos ou das petições do
“ cidad ão” , em face da autoridade , do “ amarelo ” . 68 Essa cultura do
autoritarismo tanto é criada e recriada no â mbito das repartições
Cabe fazer agora dois ou três reparos ao modo pelo qual a pro¬
pú blicas, como transborda e permeia amplamente o pensamento e
blemá tica da revolu ção burguesa no Brasil tem sido examinada por
a prá tica das classes dominantes e seus epígonos de diferentes lin ¬
guagens, entona ções e sotaques. “ Na realidade . . . todas as corren ¬
intelectuais do passado e presente; alguns dos quais mencionados
aqui . São reparos que buscam apenas recolocar a problem á tica ,
tes conservadoras, religiosas, ou leigas, otimistas ou pessimistas, me¬
antes do que resolvê-la .
taf ísicas ou sociológicas, moralistas ou cínicas, científicas ou místi¬
cas, concordam em um determinado ponto essencial. Isto é: em im¬ A noção de via prussiana ( revolução passiva , revolução-restaura ¬
pedir que as massas populares se organizem, reivindiquem , fa çam ção ou moderniza ção conservadora ) tem sido empregada principal ¬
política e criem uma verdadeira democracia ” . 69 mente de modo a enfatizar a conota ção autorit á ria do Estado; mas
São essas, em linhas gerais, algumas características do debate com escassa aná lise das relações de classes envolvidas em cada oca ¬
sobre a revolução burguesa e formas do Estado no Brasil. sião. É verdade que há sempre uma referê ncia ao bloco histórico,
ou de poder ; há sempre uma alusão, ou explicitação, das classes e
frações de classes que compõem as forças e os interesses no Estado
mon á rquico, oligá rquico, corporativo, populista , militar. Mas h á
pouca , ou nenhuma , referê ncia à s classes e for ças políticas subor ¬
dinadas da cidade e do campo. O mais freq ü ente é a referê ncia à
sociedade civil , à pouca força , debilidade ou desorganização pol ítica
da sociedade civil. Por implica ção, alude-se à fragilidade ou nulida ¬
de da cidadania. Desse modo, uns e outros
res, social-democratas e marxistas — — liberais, conservado¬
acabam por aceitar , de con ¬
trabando ou conscientemente , a tese de que a sociedade civil é amor¬
fa , frá gil , incompetente, imprevisível, infiltrada ou perigosa; tese
que desde a década dos vinte interessa cada vez mais abertamente
aos fascistas.
68. "Amarelo” é a expressão que Fabiano usa para designar o soldado que o atemo¬
riza , prende e agride. Sã o metáforas: o “ soldado amarelo ” é o braço armado do gover ¬
.
no: e Fabiano é o povo. "Governo é governo ” Conforme Graciliano Ramos, Vidas Secas , Por esse caminho, os liberais e social-democratas põem em ques¬
.
5* edição Livraria |osé Olympio Editora , Rio de Janeiro, 1955.
69 , Leandro Konder , “ Unidade da direita ” , Jornal da República, n » 22, Sã o Paulo, 20 t ão, em d úvida, tanto a sociedade civil como o cidadão, tanto o
de setembro de 1979, p. 4 . sindicato e o partido como a opinião pú blica , a imprensa e a igreja.
38 39
As mais diversas expressões reais (e freq üentemente vigorosas) da fortalecimento do poder estatal, o monopólio do Estado pela grande
sociedade , do povo, são tomadas como precá rias, débeis, incapazes. burguesia financeira imperialista e nacional associada.
Da mesma maneira , deixam de lado, ou esquecem, toda a história
de lutas pelas liberdades democrá ticas, desde Frei Caneca e Rui Bar ¬ Talvez haja dois aspectos particularmente importantes na proble¬
bosa e Raymundo Faoro, passando pelo abolicionismo, o civilismo, má tica da revolução burguesa , do cará ter autoritá rio do Estado no
a luta contra a ditadura do Estado Novo, a luta contra a ditadura Brasil. Ê provável que a forma pela qual se desenvolvem as classes
militar. sociais e o modo pelo qual o imperialismo está presente nessas re¬
lações expliquem boa parte dessa problemá tica. Esses dois aspectos,
E alguns marxistas esquecem que a via prussiana é uma espécie entretanto, não eliminam outros; ao contrá rio, podem incorporá-los.
de contra-revolução burguesa; uma forma de fazer frente a uma
configuração de forças sociais, políticas, económicas, culturais e É inegável que a história da ocupação da terra no Brasil tem
outras na qual as classes subordinadas se revelam muito ativas po¬ algo, ou muito, a ver com o deslocamento de contradições sociais
liticamente. O bloco histórico “ prussiano” (autoritá rio, ditatorial , de certas áreas económica e politicamente mais densas para outras
bonapartista , bismarckiano, militarista, etc.) é uma forma de as¬ “ pioneiras” , de “ fronteira ” , em “ expansão” . Muitas vezes, o Nor¬
sociação de classes e frações de classes dominantes e contraditórias, deste teve contradições sociais “ aliviadas ” pela transferê ncia de
— -
mas solid á rias no controle e fortalecimento do Estado burguês. Es¬
quecem a longa história de lutas populares : escravos, índios, imi¬
grantes, camponeses, operá rios, empregados , funcioná rios, estudantes
grandes contingentes de trabalhadores rurais
empregados ou superexplorados, flagelados ou não

desempregados, sub
para o Rio
de Janeiro, São Paulo, Brasília , a rodovia Belém-Brasília , o sul do
Pará , outras á reas da Amazônia.
ao longo das décadas. Esquecem as revoluções e os movimentos po¬
pulares: Confederação do Equador, Cabanagem, Sabinada , Balaiada , Outro aspecto importante, cujo peso ainda não foi suficientemen ¬
Farroupilha, abolicionismo, Canudos, Contestado, greves de colonos te avaliado, diz respeito às diversidades culturais e raciais inerentes
nas fazendas de caf é, greves de operá rios nas f ábricas, a greve dos à formação histórica de um povo composto de descendentes de es¬
300 mil em São Paulo, as lutas das ligas camponesas em 1955-64, cravos indígenas e negros , de comunidades indígenas anexadas , imi¬
revoltas indígenas, o protesto negro, lutas de posseiros em Trombas grantes europeus, japoneses e outros. As diversidades culturais e
( Formoso) e sul do Pará, greve de operá rios em Osasco e Con ¬ raciais têm sido manipuladas pelas classes dominantes, no sentido
tagem em 1968, greves dos canavieiros de Pernambuco em 1979 , de reduzir ou anular a “ cidadania ” de uma vasta parte do povo.
greves de metalú rgicos do ABC em 1978, 79 e 80.
Nã o há d ú vida de que as desigualdades e diversidades regionais,
Também cabe lembrar que sempre que há um avanço político de culturais, raciais e outras, além de seu peso especial, incorporam-se
forças populares (operários, camponeses, camponeses e operá rios, às relações e contradições de classes, em âmbito local, regional e
setores médios urbanos e outras) , as classes dominantes, mesmo nacional. Toda essa popula ção de negros, mulatos, índios, caboclos ,
débeis, juntam as suas forças para garantir e fortalecer o Estado -
japoneses, alemães, italianos, poloneses, sí rios, libaneses e outros dis
burguês. Em todas as ocasiões de grande ascenso político popular , -
persa se e organiza-se segundo as relações de classes mais ou menos
quando o Estado esteve amea çado, as classes e fra ções de classes desenvolvidas , conforme a época, o lugar e a ocasião. Sem esquecer
agrá rias, comerciais, bancá rias e industriais, nacionais e estrangeiras, que a grande maioria dos negros, mulatos, índios e caboclos encon¬
buscaram criar ou refazer os blocos de poder, de modo a garantir tra-se no proletariado urbano, proletariado rural e campesinato;
e fortalecer o aparelho estatal. Em algumas ocasiões , como em compõe as classes exploradas pelos diferentes arranjos dos blocos
1961-64, por exemplo, teria faltado às lideranças dos partidos e de poder formados ao longo da contra-revolução burguesa.
movimentos populares (operá rios, camponeses, empregados, funcio¬ Vejamos agora, um pouco melhor, em que a forma das relações
ná rios, estudantes e outras categorias ) a decisã o revolucioná ria pos¬ de classes e o modo pelo qual o imperialismo está presente nessas
sível em uma conjuntura de cunho revolucioná rio. A resposta foi relações podem explicar boa parte da problemá tica da revolu ção
o Golpe de Estado de 31 de março de 64, a ditadura militar, o burguesa e do cará ter autorit á rio do Estado no Brasil.

40 41
Primeiro, são m últiplas e reiteradas as ocasiões havidas na his¬ logia do autoritarismo, violê ncia , repressão, contra-insurgência, quar¬
tória da sociedade brasileira nas quais o povo protesta, reivindica , telada, Golpe de Estado que se infiltra por intermédio das embai¬
desenvolve movimentos sociais, realiza greves, revolta-se. Para re¬ xadas, empresas, agências governamentais, programas de assistência
lembrar alguns exemplos: Canudos e Contestado; greves de colonos técnica, intercâmbio de profissionais. Isto é, as potencialidades da
nas fazendas de caf é e greves operá rias desde fins do século XIX ; dominação burguesa , do despotismo do capital , freqiientemente são
organização de associações, sindicatos de operá rios urbanos, sindi ¬
reforçadas ou multiplicadas pela associação entre os interesses das
catos de operá rios rurais e ligas camponesas; a resistência armada classes dominantes locais com os interesses do imperialismo. Tudo
dos posseiros de Trombas ( Formoso) , em Goiás, nas décadas dos isso faz das classes dominantes um bloco de conquistadores, estra¬
cinqiienta e sessenta , e dos posseiros do sul do Pará, em setenta e nhos, estrangeiros'.
oitenta; as lutas dos índios contra posseiros, grileiros, latifundiá rios
e empresá rios; os quebra-quebras de bondes, ônibus e trens por po¬ Tudo isso não só esclarece um pouco o cará ter da revolução bur¬
pulares nos subú rbios e cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e guesa e do Estado autoritá rio como recoloca a problemática da re¬
outras. Tudo isso, sem esquecer a participação de operá rios, cam¬
poneses, empregados e funcionários em eleições, sindicatos, partidos,
volução popular no Brasil. A revolução popular
ria , camponesa ou
, oper á rio-camponesa , sob a

lideran

de base operá¬
ça operá ria
debates, conjuntos de m úsica , teatro, literatura de cordel, artesanato, tem muito a ver com o modo pelo qual a revolu o burguesa se
çã
correntes de opinião pública, igrejas e seitas. São muitas e diversas realiza. O jogo das forças sociais, as polarizações das classes do¬
e reiteradas as ocasiões nas quais o povo e o cidadão, os grupos minantes, as tendências das classes subordinadas, as formas e arti¬
sociais e as classes sociais mostram organização, consciência e força culações do capital, as possibilidades e os arranjos dos blocos de
política na luta para reduzir a exploração e aumentar a sua parti¬ poder, as formas reais e potenciais de hegemonia, tudo isso diz res¬
cipação política. Diante dessas lutas, as classes dominantes freqiien- peito às condições da revolu ção popular ; ao mesmo tempo que im¬
temente apelam para a violência, a repressão, o Golpe de Estado. plica na compreensão da revolução burguesa , do Estado burguês, do
Segundo, o imperialismo entra nessa história pelo menos sob duas despotismo do capital. Sob vá rios aspectos , enfim , a compreensão
formas. Por um lado, a burguesia estrangeira ( diretamente, por meío das peculiaridades da revolução burguesa e do cará ter autoritá rio
de sua tecnocracia ou por intermédio dos seus associados nativos) do Estado permite compreender as condições da revolução popular.
sempre está presente na exploração dos trabalhadores. Os operá rios A revolução popular está no horizonte das vá rias correntes polí¬
urbanos, os operários rurais e os camponeses ( na ind ústria automo¬ ticas burguesas, tanto as conservadoras e fascistas como as liberais
bilística , na ind ú stria qu ímica , nos setores de fumo, soja , caf é e e social democratas. Por razões as mais diversas, todos movimen¬
-
outros) , além de empregados e funcionários, estão sendo explorados tam-se tomando por referência o que poderia ser uma revolução ope¬
pelo capital imperialista. E isso refaz, acentua e alarga as contra¬ rá ria, uma revolução popular ou uma “ avalancha revolucioná ria ” .
dições de classes, na cidade e no campo, no âmbito local, regional Falam em refazer o “ pacto social” ; retomar a tradição brasileira de
e nacional. Por outro lado, as classes dominantes nativas, direta¬ “ conciliação” ; desenvolver um processo de “ transição política ” , da
mente ou por intermédio da sua tecnocracia civil e militar, sempre ditadura à democracia controlada, do Estado de fato ao Estado de
buscam a colaboração e o comando do imperialismo, toda vez que direito, sem estagnações ou retrocessos “ funestos ” ; buscar um “ gra ¬
as condições de classes colocam em causa a forma e o â mbito da dual, mas seguro aperfeiçoamento democrático” , com o “ mínimo
dominação vigente. A história da violência , repressão e golpes de de segurança indispensá vel ” e o “ máximo de desenvolvimento pos¬
Estado é uma história ininteligível se não se descobre o modo pelo sível” . Às vezes, forças burguesas descontentes, que se acham fora
qual o imperialismo participa dos acontecimentos. No Golpe de dos círculos privilegiados da ditadura militar, ou mais l úcidas, car ¬
Estado de 1945, contra o ditador Vargas, esteve muito atuante o regam nas tintas, para levar os governantes a ceder um pouco, a
embaixador norte-americano Adolph Berle ; e em 1964 , no Golpe de abrir alguns espaços políticos e económicos para elas. Outras vezes,
Estado contra o Presidente João Goulart, foi decisiva a atuação do há um reconhecimento efetivo da superexploração a que a ditadura
embaixador norte-americano Lincoln Gordon. Há toda uma tecno- militar submete as classes assalariadas e o campesinato. Por dife -
42 43
rentes motivos, retomam a quest ã o da “ reforma ” ou “ revolu çã o ” ,
pura defender as conveniê ncias de um “ novo pacto social” , dc urna
“ nova conciliação ” , sempre pelo alto, às costas do povo: operá rios,
camponeses, empregados , funcioná rios e outras categorias sociais.
Para os ideólogos, escribas , pol íticos, técnicos ou funcion á rios do
bloco de poder representado pela ditadura militar, trata-se de fazer
alguma coisa para afastar “ a hipó tese de mudan ça por via revolu ¬
cion á ria ” .
Clóvis Ramalhete sugere que é necessá rio encontrar “ um novo II
pacto social ” , que “ não será a vitória dos radicais ” . Essa seria uma
exigência da realidade, do impasse em que se colocou a ditadura
MODELOS DE CAPITALISMO
militar. E esclarece quais seriam os meios indispensá veis a essa re ¬
concilia ção pelo alto. “ Há apenas três grandes forças no Brasil
capazes de promover mudan ças sociais sem radicalismos e extremis¬
mos. Elas sã o as Forças Armadas, a administra çã o federal e a Igreja .
As três tê m abrangê ncia nacional, tê m disciplina interna, teoria,
objetivos ” . 70
Tancredo Neves afirma que “ a crise pol í tica decorre da timidez
do governo em processar a transição de um Estado autoritá rio para
um Estado democr á tico . . . Esta crise só se resolverá pela vida da
Constituinte ” . 71 Para ele é preciso fazer alguma “ reforma ” para evi¬
tar a “ revolu çã o” , o risco da “ avalancha revolucion á ria ” que faria
“ soçobrarem ” os “ segmentos privilegiados e minorit á rios nacionais ” .
Da í a importâ ncia e urgência da reforma da ditadura. “ O reformis¬
mo l ú cido, ené rgico e clarividente se nos afigura o mé todo ideal
para alcan çarmos as metas de uma sociedade pluralista , culta, forte
e dinâmica ” . 72
Lu ís Viana Filho volta a desenterrar um dos principais lemas da
contra-revoluçã o permanente. “ É oportuno recordar-se a famosa frase
do velho Antônio Carlos, em 1930: Fa çamos a revolu çã o antes que
o povo a fa ça ” . Sugere que os beneficiá rios da ditadura militar
abram mão de alguma parcela de “ privilégios e vantagens ” . E afir¬
ma que “ parece-me quase esgotada a capacidade dos pobres , entre
os quais devemos incluir a atual classe média , pois que “ até hoje
temos feito a política dos ricos” . Assim, “ essa revolução de cima
para baixo n ão é somente possível , mas sobretudo necessá ria ” 73 .
70 . Clóvis Ramalhete, “ Ramalhete acredita que a realidade levar
le ái o país a novo pacto
social’* , lornal do Brasil , Rio de Janeiro, 25 de maio de 1980 ,
71 . Tancredo Neves, “ Tancredo: Só Constituinte garante novo
novi pacto social ” , O Estado
de S. Paulo, São Paulo , 25 de maio dc 1980 , p. 6
.
.
72 Tancredo Neves, “ A importância de resistir ao arbí trio", Jornal do Brasil , Rio de
Janeiro, 19 de outubro dc .
de 1980, p 1 do caderno especial .
75 . Lu ís Viana Filho, "Revolução dc cima para baixo, prega Lu ís Viana” , Folha de S
1 auto , São Paulo, 6 de janeiro de 1980, p. 5.
.

44
1.
A REVOLUÇÃO DEMOCR ÁTICO-BURGUESA ( PCB)

Ao longo dos anos 1945-64 , o Partido Comunista do Brasil ( PCB )


defendeu um modelo de desenvolvimento pol í tico e económico que
implicava na consolida çã o e no crescimento do capitalismo nacio¬
nal. Esse modelo baseava-se na constatação de que havia no país
uma economia dependente , mas com potencialidade para tornar-se
autónoma , auto-sustentada , com centros de decisão nacionais. Para
tornar-se autónoma , nacional , a economia brasileira deveria ser im¬
pulsionada por um regime pol ítico apoiado numa aliança de classes
urbanas e rurais. Nessa aliança , a burguesia nacional deveria re¬
presentar um papel de vanguarda , secundada pelo proletariado in ¬
dustrial ; representar o seu papel de classe social , explorando as suas
potencialidades para conquistar a hegemonia económica e política.
A dificuldade maior era vencer o latifundismo e o imperialismo. O
“ regime democr á tico popular ” no qual se realizaria o modelo de¬
veria resultar de uma “ revolu ção democrá tico- burguesa de conteúdo
antifeudal e antiimperialista ” . Essa revolução seria realizada prin¬
cipalmente com base numa aliança do proletariado com a burgue¬
sia, alé m do apoio de camponeses e outras classes ou grupos subal¬
ternos , na cidade e no campo. E caberia à burguesia nacional rea¬
lizar, desse modo, a sua possível hegemonia. Para o PCB, a vitória
de um regime nacionalista , em termos pol í ticos e económicos, ou da
revolu ção democrá tico-burguesa, seria uma etapa necessá ria , prévia
à transi ção para o socialismo.
Em forma breve , esse é o perfil do modelo de capitalismo nacio¬
nal que esse partido propôs , desenvolveu e defendeu ao longo dos
anos 1945-64. Naturalmente variaram alguns termos do modelo.

47
Houve, por exemplo, reavaliações das potencialidades da burguesia
teresses afetados pela opressã o imperialista , disputa com os mono¬
nacional e do papel que o Estado poderia desempenhar na ruptura
com o latifundismo e o imperialismo, na direção de um capitalismo pólios imperialistas por uma maior parcela na exploração das ri¬
nacional . Mas é esse, em suas linhas gerais, o perfil do modelo.
quezas naturais do Brasil e da for ça de trabalho barata existente
no pa ís. Se bem que não seja capaz de romper por completo suas
Antes de especificar melhor os principais elementos do modelo, ligações económicas com o imperialismo e os latifundi á rios, sente-se
cabe aqui uma pequena digressão sobre a interpretação da realidade oprimida por ambos, opõe-se a ambos e, deste ponto de vista , pode
brasileira na qual ele se apoiava . A interpreta çã o que fundamentava participar do movimento revolucion á rio antiimperialista e antifeu ¬
a tese da viabilidade do capitalismo nacional, nos termos do
mo ¬
.
dal . . ”
delo proposto por esse partido, apoiava-se nos elementos que passo
a apresentar. “ Seria um erro , que enfraqueceria o campo das forças antiimpe¬
rialistas e antifeudais , confundir a burguesia nacional com as forças
No Brasil, a economia e a política estariam dominadas pelo do campo feudal-imperialista , assim como subestimar a significação
im ¬
perialismo, articulado com os latifundiá rios e a burguesia que tem a burguesia nacional , especialmente no est á gio atual do
comer¬
cial , compradora ou intermediá ria. Assim, havia uma articulação movimento revolucion á rio brasileiro, pela sua influê ncia nas fileiras
económica e pol ítica de classes que bloqueava a possibilidade do da pequena burguesia , das massas camponesas e mesmo de parte da
desenvolvimento económico e a emancipação da sociedade nacional. classe operá ria . . . . Sem amainar a luta económica pelos seus inte¬
É verdade que a burguesia industrial n ã o era alheia a essa
alian ça , resses de classe , contra a explora ção burguesa , trata-se para o pro¬
que caracterizava a dependência nacional. Havia um setor da bur¬ letariado de lutar e marchar junto com a burguesia nacional contra
guesia industrial que se aliara ao imperialismo; essa era a burguesia os imperialistas norte-americanos e contra o regime de latifundi á rios
dependente. Mas havia um setor da burguesia industrial que teria e grandes capitalistas . . . ”
os seus interesses voltados para o mercado interno e o desenvolvi ¬
“ A burguesia nacional , política e economicamente d ébil , n ão é
mento das forças produtivas do pa ís. Teria interesses antagó nicos
aos capaz de levantar a bandeira da democracia e da independ ê ncia na ¬
do imperialismo ; esta era a burguesia nacional . Mas a burguesia na¬
cional n ão tinha clareza quanto às suas potencialidades de hegemo¬ cional. Sob a pressão crescente dos monopólios imperialistas em
luta pelo lucro m á ximo e que exigem sempre a capitulaçã o total da
nia econ ómica e pol ítica. Era mesmo débil para enfrentar sozinha
o imperialismo e os seus aliados internos, os latifundi á rios e a bur¬ burguesia nacional , esta vacila, procura soluções de compromisso
guesia comercial. Daí a importâ ncia política do proletariado, e com o opressor estrangeiro. Nesse processo e visando reforçar sua
outras posição cm relação aos imperialistas, procura a burguesia nacional
classes sociais subalternas, para ajudar a burguesia a propor e im ¬
plantar uma nova conjugação de forças para o controle do aparelho obter o apoio da pequena burguesia e , em parte, igualmente da classe
de Estado. operária ” 1 .
“ A burguesia brasileira encontra-se hoje dividida em dois grupos Pouco a pouco, ao longo dos anos 1945-64 , o PCB desenvolveu
distintos. Um deles é formado pelos grandes capitalistas estreitamen¬ uma visã o mais n í tida e articulada do outro elemento do seu mo¬
te ligados aos latifundi á rios e que servem diretamente aos interesses delo de capitalismo nacional . Passou a valorizar a nacionalização,
de um ou de outro grupo de monopolistas estrangeiros, particular¬ isto é , a estatiza çã o de empresas estrangeiras que prejudicassem a
mente norte-americanos. Constituem eles minoria insignificante pelo consolida çã o e a expansã o da economia nacional, vista como uma
seu n ú mero, porém poderosa. O segundo grupo é constituído pela economia independente . Ao mesmo tempo, desenvolveu uma com ¬
parte restante da burguesia brasileira , denominada pelo Programa preensã o mais clara sobre a import â ncia de um setor privado na ¬
com acerto de burguesia nacional, e que reflete principalmente os cional articulado com um setor estatal cada vez mais forte. Essa
interesses da ind ú stria nacional . Esta parte da burguesia brasileira compreensã o das potencialidades do nacionalismo económico e po-
necessita evidentemente da ampliação do mercado interno, da pro¬
1 . Luiz Carlos Prestes , “ Informe de Balan ço do Comité Central do P.C.B. ao IV Con ¬
te çã o contra a concorrê ncia dos produtos importados, tem seus in ¬ . .
gresso do Partido Comunista do Brasil ” , Problemas , nf 64, Rio de Janeiro, dez 1954-fev
- - .
1955 , p. 47 103; citações das p. 61 63

48 49
l í tico esboçaram-se, por exemplo, no projeto que em 1947 a ban ¬
ter em conta a crescente import â ncia que os teóricos desse partido
cada comunista na Câ mara Federal , sob a liderança de Carlos Ma - iam dando à chamada “ burguesia nacional ” . Nessa ótica, o empre¬
righella , apresentou para discussão. Era uma proposta para a cria ¬
sá rio nacional representa uma força “ progressista ” , digna de apoio ” . 4
ção de uma ind ú stria nacional para a explora ção do petróleo. Pro¬
punha a criaçã o de um Instituto Nacional do Petróleo , com a res¬ Na medida em que crescesse o setor estatal da economia , isto
ponsabilidade de lavrar, industrializar , transportar, comercializar, etc., significaria , ao mesmo tempo, o enfraquecimento do imperialismo,
petróleo e derivados. por um lado, e o fortalecimento do capitalismo nacional , autónomo,
independente, por outro. A expansão das empresas estatais e a na ¬
“ Para o petróleo voltam-se as atenções dos países estrangeiros , in ¬
cionalização de empresas estrangeiras eram dois processos combi ¬
teressados no dom ínio do mercado mundial e o Brasil n ão poderia nados que favoreceriam a emancipa ção económica e pol í tica nacio¬
ficar indiferente à s tentativas de explora ção ou controle de um pro¬ nal . Assim , pouco a pouco, criar-se-iam as bases económicas de uma
duto de fundamental import â ncia , tentativas provindas, aliás , com economia em condições de realizar a transição para o socialismo.
particular agressividade , do capital monopolista . . . . “ As atuais empresas estatais, juntamente com os capitais e empresas
“ O Instituto Nacional do Petróleo terá um â mbito de atuação confiscados ao imperialismo norte-americano e aos elementos trai¬
muito maior que o do atual Conselho Nacional do Petróleo e uma dores da burguesia brasileira, constituirão a base económica para o
das suas mais importantes atribuições consiste em promover a novo regime ” . 5
constituiçã o de sociedade de economia mista com pessoas naturais Mas enquanto se formulava , aperfeiçoava ou mesmo se retificava
ou jurídicas brasileiras, a fim de exercer atividades relacionadas o modelo, o capitalismo continuava a desenvolver-se no Brasil . Ace-
com o abastecimento nacional do petróleo, reservando-se, porém, o lerava-se a industrialização, com crescente participação de capital,
mínimo de 51 % das ações nominantes em que ser á dividido o ca ¬ tecnologia e gerê ncia estrangeiros. Sob nova forma , a ind ústria su ¬
pital social. bordinava a agricultura , a cidade subordinava o campo. Modifica ¬
vam-se tanto a estrutura do subsistema económico brasileiro como
“ Evita-se assim o controle dessas sociedades por parte do capital
a sua estrutura de classes. A sociedade brasileira , isto é, a econo¬
privado, além do que, pelo pró prio projeto, fica exclu ída toda e
mia e a política , seguiam um curso que o modelo formulado pelo
qualquer participação dos trusts e monopólios na constituição de ca ¬
PCB apanhara de modo precá rio ou incompleto. Desenvolviam-se
pital e direção das mesmas sociedades ” . 2 as forças produtivas e as rela ções de produ ção, o que alterava , ou
Ao escrever sobre o car á ter da participa ção do PCB na Campa ¬ fazia aumentar, a discrepâ ncia entre ideologia e histó ria, entre o
nha do Petróleo ( que se desenvolveu ao longo dos anos 1947-53) modelo e as condições dc possibilidades de transformação da so¬
Gabriel Cohn ressalta dois aspectos básicos do capitalismo nacional ciedade brasileira . Assim , nem o imperialismo deixou de se interessar
que se propunha no modelo desse partido. Ele se refere à partici¬ pela industrialização do Brasil , nem a burguesia nacional deixou de
pação do Estado na ind ústria petrolífera. “ A criação de sociedades articular-se e rearticular-se com o imperialismo.
de economia mista sob o controle do Estado
vadas, como no Estatuto
— —
n ão empresas pri¬
antecipa , por sua vez, a solu ção tipo
“ A ‘burguesia nacional’ seriam os industriais que encontravam
pela frente, assim se explicava , a concorrê ncia e oposição do im ¬
Petrobrás, a ser apresentada cinco anos depois, no projeto enviado perialismo interessado em manter o Brasil na posi ção de simples for ¬
ao Congresso em 1952 pelo presidente Get ú lio Vargas ” . 3 E observa necedor de maté rias- primas. Essa interpretação foi bastante abalada
que esse partido conferia crescente importâ ncia à burguesia nacio¬ quando empresas estrangeiras ligadas a grandes trustes e monopólios
nal . “ Na an á lise das tomadas de posição do PC deve se também - internacionais, e, pois, tipicamente imperialistas , começaram a se
instalar no país, tornando-se fator de primeira ordem no est ímulo
2 . Carlos Marighella e outros , "Projeto n ® 382
— 1947: Cria o Instituto
Petr óleo e d á outras providências ” , Documentos Parlamentares, Volume CII ,
-
Edi çã o da Diretória de Documentaçã o e Publicidade , 1957, p. 171 178; citação
3 . Gabriel Cohn , Petróleo e Nacionalismo, Difusão Europé ia do Livro, São
Nacional do
Petróleo I I I ,
da p. 177 .
ao processo de industrialização brasileira ” . 6
p. 122. Paulo, 1968 , .
4 . Gabriel Cohn, op. cit ., p. 124 , nota n » 107
5 . Luiz Carlos Prestes , op. cit ., p. 64.
.
6 . Caio Prado Jr , A Revolução Brasileira , Editora Brasiliense , São Paulo, 1966, p. 109.
50
51
" Em proporçã o crescente os industriais brasileiros de certa ex¬ A alian ça de classes , na qual se baseia boa parte do seu poder ,
pressã o, os mais "progressistas” e próximos, por suas caracter ísti¬ funciona como um elemento t á tico da luta pela revisã o e reestru-
cas, da imagem que se faz da ‘burguesia nacional’, começaram a tura çã o das relações políticas e econ ómicas internas e externas. Mas
se associar à quelas empresas, e a se ligarem pelos mais diversos essa alian ça pode ser facilmente rompida : a) quando a burguesia
la ços e relações de toda ordem com elas e com interesses econ ó¬ nacional se acha suficientemente forte para administrar sozinha o
micos e financeiros internacionais em geral. E assim , ao contrá rio aparelho de Estado e beneficiar-se do monopólio do poder ; b ) quan ¬
de concorrentes e adversá rios , se tornaram em regra aliados , sócios , do essa burguesia consegue fazer acordos satisfató rios para si com
amigos ” 7 . o imperialismo; c) quando as lutas contra o imperialismo e os seus
aliados internos chega ao ponto de transformar-se em luta de classes
Os desenvolvimentos do capitalismo monopolista no Brasil, por¬
tanto, destru íram ou reformularam pela base dois termos do mo¬
aberta” 8 .
delo do PCB. A burguesia nacional , por um lado, aceitou a aliança H élio Jaguaribe: “ Insuficientemente compenetrada quer de seus
com o imperialismo, tanto económica como pol í tica . Houve asso¬ interesses de classe quer do seu papel sócio-político, a burguesia
ciações de empresas e interesses económicos de setores burgueses nacional brasileira foi influenciada do exterior no sentido de enfa¬
nacionais e estrangeiros. Além disso, a burguesia nacional incorpo¬ tizar as suas características burguesas em detrimento de seus traços
rou a “ histeria anticomunista ” que a doutrina da Guerra Fria di ¬ nacionais” . 9
fundiu em todas as sociedades dependentes dos Estados Unidos Oliveiros S . Ferreira: “ E todos se tornaram conspiradores da noite
desde 1947. Assim , na prá tica reduziu-se bastante, ou mesmo anu ¬ para o dia, e pediram armas para defender-se, e organizaram co¬
lou-se, a eventual contradição entre burguesia nacional e burguesia mités de salvação nacional ” . 10
estrangeira. E o Estado, por sua vez , tornou-se aliado, ou instru¬
mento, do capital monopolista. A expansão do capitalismo industrial Ao mesmo tempo, cresceu o poderio económico e político da bur¬
no Brasil (com as suas importantes influê ncias na agricultura e nos guesia monopolista , que se beneficiou , em escala crescente, da par¬
movimentos do capital financeiro) fez com que o Estado se tor¬ ticipaçã o do Estado na economia. À medida que se desenvolvia a
nasse um elo fundamental da acumulação monopolista de capital. industrialização e o conjunto da economia , expandia-se o capital
monopolista estrangeiro no pa ís e crescia o comprometimento do
Aliás, ao longo dos anos tanto decresceu a força da burguesia na ¬
cional como aumentou a articula çã o entre o capital monopolista e poder estatal com esse capital. Esse fenômeno ocorreu tanto na in ¬
o Estado. Foram motivos económicos e políticos que levaram a bur¬ .
d ú stria como na agricultura O processo desenvolveu-se ao longo
guesia nacional a abandonar a alian ça populista que poderia ter dos anos, mas teve duas épocas de maior florescimento: durante o
governo Kubitschek e sob os governos militares instalados após a
sido, segundo o modelo, uma base importante do capitalismo na ¬
cional. “ Em todos os casos em que os governos e as burguesias na¬ deposi ção do Presidente Goulart. “ Por um lado, o poder pú blico
cionais latino-americanos de base populista adotam polí ticas nacio¬ reelaborou e aperfeiçoou as garantias políticas, para que os investi¬
nalistas, ficam evidentes os limites dentro dos quais eles operam. dores estrangeiros pudessem sentir os seus interesses assegurados.
É este, em parte, o sentido do Acordo de Garantia de Investimen ¬
7 . Caio Prado Jr., op. citb ., ,
, » ., p. 110 . A problemá tica da hegemonia económica e politica <
tos, assinado pelos governos do Brasil e dos Estados Unidos, em
dUStriãtliza
iuayBu .
da burguesia nacional tem sido exanminada por diversos autores, cm seus escritos sobre
ção , irevolu
v ção bra
irasileira ou rolu çã o burguesa no Brasil: Nelson Wcrneck Sodré,
-
in 1965. Por outro, o poder p ú blico també m reelaborou e aperfeiçoou
Hist ória da Burguesi •sia Brasileira , Editor i Civiliza çã o Brasileira , Rio de
Janeiro -
, 1964 ; Nel as condições indispensáveis ao funcionamento adequado (do ponto
son Wemeck Sodré, Introd uçã
.
sileira , Rio de Janeiro . úção Brasileira, 3» edição, Editora Civilização Bra¬
-
iro, 1967, esp. p. 227 256; Fernando Henrique Cardoso, Empresário
;
Industrial e Desenvolvimento Económico no Brasil , Difusão Europeia do Livro, São Paulo,
de vista da empresa privada ) dos mercados de capital e força de
1964; Luciano Martins, Industrialização , Burguesia Nacional c Desenvolvimento , Editora
Saga , Rio de Janeiro , 1968; Florestan Fernandes , Sociedade de Classes e Subdesenvolvi¬
trabalho. Nesse sentido, também , é que o intervencionismo estatal
nto, 2» edição revista , Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1972; Florestan Fernandes
mento Fcmai , A fazia parte necessá ria do sistema de garantias para o funcionamento
Revolução Burguesa no Brasil , Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1975. Edgard Carone , A
-
Ouarta República ( 1945 1964 ) , Difel , Sã o Paulo , 1980; Anita Leocadia Prestes , “ A que he ¬
ran ça os comunistas devem renunciar?” , Oitenta , n' 4, Porto Alegre, 1980 , p. 197 223;
H é rcules Corrêa , A Classe Operária e Seu Partido , 'Editora Civilização Brasileira, Rio de - 8 . Octavio Ianni, Imperialismo na Amé rica Latina , Editora Civiliza ção Brasileira , Rio de
Janeiro, 1974, p. 42.
.
laneiro 1980; PCB: Vinte Anos de Polí tica 1958- 1979 (Documentos) , Livraria Editora Ci ¬ .
9. Hélio Jaguaribe “ Brasil: Estabilidade Social pelo Colonial- Fascismo?” , citado, p. 30 31.
ê ncias Humanas, São Paulo, 1980 . 10. Oliveiros S. Ferreira , O Fim do Poder Civil , Editora Convívio, São Paulo, 1966, p. -50.

52 53
c o florescimento da empresa privada , nacional e multinacional. 2.
Tralava-se de diminuir ou controlar os riscos pol íticos que pode¬
riam ameaçar os investimentos privados, de origem interna ou ex¬ NEOBISMARCKISMO ( ISEB) *
terna ” . 11
“ Sua função ( da crescente participação do Estado na economia ) ,
em geral, tem sido a de produzir infra-estrutura, insumos básicos ou
bens intermediá rios para os setores mais rent á veis da economia onde
estão as empresas privadas nacionais e estrangeiras. Em 1974, por
exemplo, a rentabilidade ( lucro l íquido património l íquido) das em ¬
presas estrangeiras ( 21,3% ) era quase o dobro das estatais ( 11 ,1 % )
e superior à das nacionais ( 20,01 % ) , entre as 200 maiores empre¬
sas . . . ” 12

O Instituto Superior de Estudos Brasileiros ( ISEB) foi criado em


julho de 1955, como órgão do Ministério de Educação, pelo go¬
verno Caf é Filho. E foi extinto em abril de 1964 , pelo governo do
Marechal Castello Branco. Assim , o ISEB teve relativamente curto
período de atuação, nos anos 1955-64. Mas durante esses anos teve
crescente participação na vida intelectual do país. Dentre os inte¬
lectuais que compuseram o ISEB ( nem sempre ao longo de todos
esses anos) inclu íam-se Hélio Jaguaribe, Alberto Guerreiro Ramos,
Ant ônio Câ ndido Mendes de Almeida , Roland Cavalcanti de Albu ¬
querque Corbisier , Roberto de Oliveira Campos, Ignácio M . Rangel ,
Nelson Werneck Sodré, Ewaldo Correia Lima, Á lvaro Vieira Pinto,
além de outros. Havia outros intelectuais que pouco se dedicavam
aos programas do ISEB, ou apenas emprestavam os seus nomes,
como Rômulo de Almeida, Augusto Frederico Schmidt, Gilberto
Freyre ou Heitor Villa Lobos. Também houve jovens isebianos , numa
ou outra fase , como Wanderley Guilherme e Carlos Estevam Mar¬
tins. E havia inclusive isebianos atuando em outros centros intelec¬
tuais, como por exemplo J ú lio Barbosa, em Belo Horizonte. Celso
Furtado teve dois livros publicados pela instituição.
N ão foi , no entanto, homogé nea e tranq ü ila a atuação desse órgão
no debate intelectual havido no país àquela época. Depois de um
começo talvez um tanto incerto, sob o governo Caf é Filho, o ISEB
adquiriu crescente dinamismo e projeção nos anos do governo
Kubitschek ( 1956-60) . Em 1958, numa contrové rsia a propósito

-
11 . Octavio Ianni , Estado e Planejamento Económico no Brasil ( 1930 1970 ), 2» edição, -
* Por alusão a Otto Bismarck ( 1815 1898) , primeiro- ministro do governo mon á rquico
alem ão em 1862-90. Figura central do cená rio pol ítico do pa ís , nessa é poca de consolida ¬
.
Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1977 , p. 273
ção da unidade nacional e intenso desenvolvimento industrial. A Alemanha projeta -se como
12 . Eduardo Matarazzo Suplicy, Pol í tica Económica Brasileira e Internacional , Editora
. .
Vozes, Petrópolis, 1977, p 16 potência capitalista de categoria mundial, ao lado da Inglaterra e Fran ça .

54 55
da participa ção do capital estrangeiro no desenvolvimento industrial Neste ponto, cabe uma informação complementar. Antes de 1955 ,
do Brasil , Hélio Jaguaribe se desligou do ó rgão. No mesmo ano, o grupo que formou o n ú cleo central do primeiro ISEB já se havia
também Guerreiro Ramos o deixou. Nos anos posteriores, sob os congregado no Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Pol í ¬

governos J â nio Quadros ( 1961) e Joã o Goulart ( 1961-64 ) , o ISEB tica ( IBESP ) , que esteve em atividades nos anos 1953-56. A Co¬
adquiriu outras conotações, distintas da que havia tido à é poca do missão Executiva do IBESP compunha-se de Hélio Jaguaribe ( se ¬
governo Kubitschek ; ou melhor, diferente da que tivera enquanto
H élio Jaguaribe atuava ali. Assim , ao longo dos anos 1955-64, o
cret á rio-geral ) , Ewaldo Correia Lima , Guerreiro Ramos , Roland Cor
bisier e Rômulo de Almeida . E a sua revista , os Cadernos do Nosso
-
ISEB teve principalmente duas fases marcantes, pelas propostas Tempo, era dirigida por Hélio Jaguaribe.
apresentadas nos escritos dos seus membros, além dos cursos, con ¬
fer ê ncias, debates e outras atividades intelectuais. Na primeira fase Assim , a criação do ISEB talvez tenha representado uma espécie
( 1955-58 ) , talvez a mais homogénea , pontificava principalmente de dupla consolidação do projeto alimentado por um grupo de in ¬
H élio Jaguaribe. “ Era , na verdade, uma constelação que tinha como telectuais que queria fazer-se ouvir e criar discípulos , principalmente
estrela central a Hélio Jaguaribe. Sua ascendência aparecia à obser ¬ dentro do aparelho estatal. Primeiro, conseguiu uma base econ ómi ¬
vação menos atenta . Conquanto os componentes apresentassem , em ca e organizatória estável, para realizar cursos, conferê ncias, semi ¬
todos os casos , qualidades intelectuais dignas de apreço, destacadas n á rios de estudos, pesquisas e publicações. Segundo, instalou-se di ¬
em alguns casos , era a Hélio Jaguaribe que cabia sempre a palavra retamente dentro do aparelho de Estado, como ó rgão do Ministé rio
final, acatada por todos. A ascendência , no caso, nada tinha de de Educação. Essas foram condições especialmente favorá veis para
caudilhcsco e parecia antiga , originá ria de bancos acad êmicos, em um grupo de intelectuais que se empenhava em criar uma “ ideolo¬
relação a alguns. Era livremente consentida . Repousava em bons -
gia do desenvolvimento” e torná la uma espécie de “ idé ia-força ” do
alicerces: a estima , a consideração , a admira çã o, principalmente ” . 13 capitalismo industrial , isto é, monopolista , que adquiria um impul ¬
so excepcional nos anos cinq ü enta . Vale a pena lembrar aqui alguns
Essa foi a ocasião em que ganhou feição o modelo neobismarckia- fatos notá veis , quando o capitalismo monopolista entrava em fase
no, nacional-desenvolvimentista, ou do nacionalismo desenvolvimen- de expansão no pa ís : a criação do Banco Nacional do Desenvol ¬
tisí a. Na segunda fase ( 1958-64 ) , talvez mais heterogénea, ou até vimento Económico ( BNDE) e do Banco do Nordeste do Brasil
mesmo contraditória , sobressaí ram intelectuais como Roland Corbi- ( BNB) em 1952; a criaçã o da Petrobr á s em 1953; a deposi çã o do
sier, Nelson Werneck Sodré e Álvaro Vieira Pinto, entre outros. presidente Vargas, o seu suicídio e a publicação da sua carta-tes¬
Esta foi a ocasião em que o modelo de capitalismo nacional prova ¬ tamento em 1954 ; o governo Caf é Filho, que durou alguns meses
velmente expressou a principal corrente dentro do ISEB. É claro em 1955-56 , sob o qual se promulgou a Instrução 113, da SUMOC ,
que a produção intelectual do órgão não se restringe à produção que favorecia a entrada de maquinaria do exterior e criava outras
.
desses dois modelos Havia no ISEB toda uma concepção muito facilidades para o capital estrangeiro; a criação da SUDENE em
especial de ideologia , ciê ncia, cultura , desenvolvimento, história, elite , 1959. Todos esses fatos expressam o contexto económico e pol ítico
massa , povo, na çã o, Estado e outros temas que mereceriam realce do “ desenvolvimentismo” brasileiro dessa década . Foi esse, provavel ¬
num estudo mais completo. Neste trabalho, no entanto, quero res¬ mente, o contexto no qual o ISEB se inseriu como uma matriz im ¬
tringir-me a apenas um aspecto da produção intelectual do ISEB. portante da “ ideologia do desenvolvimento” , que ent ão tomava con ¬
Examinarei, de modo breve, somente algumas caracter ísticas do mo ¬
ta dos governantes e amplos setores das popula ções urbanas.
delo neobismarckiano, formulado durante a primeira fase da pro¬
du ção intelectual desse órg ão. 14
lisrne et Poiitiques du Dé veloppement au Brésil ” . Soclotogie du Travail , Tiré à pari Paris
1965; Frank Bonilla , " A National Ideology for Development: Brazil ” publicado por K . II .
. .
13 . Nelson Werneck Sodré, “ História do ISEB ” , Temas de Ciência ncias Humanas, n 1, Silvert . Expectant Peoples: Nationalism and Development , Vintage Books , Nova York , 1967 ,
-
Editorial Orijalbo , São Paulo , 1977 , p . 101 119; citação da p. 109. ” p . 232 - 264; Simon Schwartzman , " Desenvolvimento Econó mico e Desenvolvimento Politi ¬
14 Trabalhos nos quais os seus atores examinam aspectos mais ou menos amplos da co ” , Revista Brasileira de Ciências Sociais , Vol . Ill , iv> 1 , Belo Horizonte , 1963, p. 271 - 282 ,
produção intelectual do ISEB: Caio Navarro de Toledo, ISEB: Fábrica de Ideologias , Edi ¬
tora Atica, São Paulo, 1977; Carlos Guilherme Mota, Ideologia da Cultura Brasileira:
- . -
/933 / 974, edição mimeografada, São Paulo, 1975, esp. p. 140 162; Maria Sylvia de Car ¬
valho Franco O Tempo das Ilusões, mimco., São Paulo, 1976; Michel Debrun, “ Nationa -
Nelson Werneck Sodré, “ Histó ria do ISEB ” , citado; Nelson Werneck Sodré , A Verdade
Sobre o ISEB, Avenir Editora , Rio de Janeiro , 1978; Hélio laguaribe, "ISEB
breve depoimento e uma apreciação crítica” , Cadernos de Opinião, n<> 14, Rio de Janeiro,
1979, p . 94- 110.
— Um

56 57
Vejamos, pois, alguns aspectos do modelo de desenvolvimento po¬ e ativo, a serviço da burguesia empresarial, isto é, industrial; ou a
l ítico e económico do ISEB dessa é poca de desenvolvimentismo do serviço do capital monopolista. Ao mesmo tempo, os termos do mo¬
capital monopolista; do ISEB da ideologia do desenvolvimento. delo mostram como se compreendem os outros estratos sociais, ou
as massas, e as suas reivindicações, sempre em conformidade com
Em primeiro lugar , toda discussão sobre o que fazer partia da as exigências do desenvolvimento económico capitalista , sob a lide ¬
idéia de que no Brasil a sociedade era principalmente arcaica , tra ¬
dicional , com poucos segmentos modernos. Estes precisavam ser di¬
rança do Estado. Para articular —
ou submeter —
os interesses
das massas aos da burguesia , cabe organizar , ou instituir, um “ par¬
namizados e poderiam mesmo empolgar e modificar o conjunto da tido do desenvolvimento” .
sociedade. Isto é, era dualista a compreensão isebiana da sociedade
brasileira e, por conseqiiência , a modernização estava na base da “ O bismarckismo , que melhor se diria neobismarckismo, para
sua concepção de progresso ou desenvolvimento. acentuar seu ajustamento às condições contemporâ neas, é o modelo
político consistente no exercício, pelo chefe do governo, de uma
-
Em segundo lugar, conferia se um papel n ão só relevante mas arbitragem entre os estratos sociais, baseada numa objetiva contabi¬
principal ao aparelho de Estado, na definição e condução do de¬ lidade social, que assegure o má ximo poder de investimento tole¬
senvolvimento económico. O “ Estado cartorial ” , que seria peculiar rá vel pela comunidade , regulando o regime de participação de cada
da sociedade arcaica , tradicional , deveria ser substitu ído por um estrato de acordo com sua efetiva capacidade política de reivindi¬
“ Estado funcional’’, em condições de programar e realizar pol íticas cação e assegurando aos empresá rios nacionais a liderança na pro¬
e projetos de desenvolvimento. moção do desenvolvimento da comunidade, concebida como nação,
Em terceiro lugar, cabia às elites esclarecidas e deliberantes
principalmente empresá rios industriais e intelectuais pôr em prá ¬— — de acordo com a programação tra çada pelo Estado” . 16
“ Nos casos em que o desenvolvimento é principalmente impulsio¬
tica a ideologia do desenvolvimento. Para isso, nada melhor do que nado pelo setor empresarial da burguesia, a forma pela qual esta
ganhar o controle ou a influência no aparelho de Estado. classe, sob a lideranç a de seus empresá rios, tende a instituir verda ¬
Em quarto lugar , e por implica ção do que já foi dito, não cabia deira representatividade política , é a organização de um “ partido
qualquer papel pol ítico especial à s classes sociais ou suas frações, do desenvolvimento ” , comprometido, ao mesmo tempo, com os in¬
salvo à burguesia empresarial , ou industrial, que teria nas elites in ¬ teresses do empresariado e das massas. Esse partido, para superar
telectuais, ou técnicos, os seus inté rpretes e servidores. Tanto assim a crise social, exige uma liderança arbitral de tipo neobismarckiano.
que “ nos trabalhos dos autores do ISEB nunca se encontra, a nosso Representativo dos interesses e das expectativas da burguesia empre¬
ver, qualquer tratamento rigoroso, do ponto de vista teórico ou em¬ sarial, o partido do desenvolvimento formula uma ideologia desen¬
pí rico, do problema das classes sociais; valem-se sempre para — volvimentista nacional-capitalista, orientada para os grandes investi¬
caracterização destas no interior da sociedade brasileira
quemas sumá rios e, por vezes, extremamente simplistas” . 15
de es¬ — mentos pú blicos e de base , para a produtividade do capital e do
trabalho, e para a consolidação e o engrandecimento da nação, atra ¬
vés de sua plena emancipação económica e de sua independentiza-
Em quinto lugar , e outra vez por implicação do que já foi ex¬ ção das pressões políticas externas , o que o faz propender ao neu ¬
posto, na concepção isebiana , o desenvolvimento econ ómico capita ¬ tralismo. De outro lado, vinculado às aspirações das classes, o par¬
lista deveria ser realizado por um estado autorit á rio. tido do desenvolvimento investe contra as formas pré-capitalistas de
Essas caracter
ísticas do modelo isebiano de desenvolvimento po¬ economia , favorece a socialização dos setores pú blicos, se esforça
l ítico e económico estão bastante explícitas e articuladas em alguns pela igualização das oportunidades e procura assegurar o máximo
escritos de Hélio Jaguaribe. Nesse modelo, que ele denomina à s bem-estar social compatível com as necessidades de investimento re¬
vezes neobismarckiano, outras vezes nacional-desenvolvimentista , ou produtivo ” . 17
nacionalismo desenvolvimentista, o que sobressai é o Estado, forte 16 . Hé lio Jaguaribe , Desenvolvimento Económico e Desenvolvimento Pol í tico, Editora
Fundo de Cultura , Rio de [ aneiro, 1962 , p. 68.
15 . Calo Navarro de Toledo, ISEB: Fábrica de Ideologias , citado, p. 117. .
17 . Hélio Jaguaribe , op. cit ., p . 83

58 59
Dentre as condições institucionais do desenvolvimento capitalista Note-se, mais uma vez, que se trata de impulsionar o desenvolvi¬
almejado para o Brasil de ent ão, ressalta o papel do Estado. Mas mento do capitalismo. Assim , o que se busca , com o modelo neo-
o Estado n ão se apresenta a í apenas como um produto ou compo¬ bismarckiano, é o desenvolvimento acelerado do capital privado,
nente da sociedade civil. No modelo bismarckiano ele aparece como nacional e estrangeiro. O que se busca é a realização da hegemonia
uma instituiçã o privilegiada , um tanto independente da sociedade económica e pol ítica da burguesia industrial . Da í por que o desen-
civil , à qual parece impor-se desde cima . É a partir dessa perspec¬ volvimentismo havido durante o governo Kubitschek parece ter sido
tiva que se coloca a possibilidade e a importâ ncia do planejamento uma espécie de apoteose isebiana , ou concretização do modelo neo-
estatal da economia . bismarckiano. A ideologia parecia fazer-se história .
“ Suponhamos, agora , que por instituições se entenda o sistema “ A tese central do nacionalismo desenvolvimentista é a de que
de normas que disciplinam o procedimento social. Nesse sentido, a a promoção do desenvolvimento económico e a consolidação da
principal instituiçã o, nas condi ções do mundo contemporâ neo, é o nacionalidade constituem dois aspectos correlatos do mesmo pro¬
Estado, quer o entendamos como agente, quer o entendamos como cesso emancipat ório. Para levá-lo avante, preconiza-se a mobiliza ¬
norma. Como agente , na medida em que, enquanto organiza ção po ¬ ção da consciê ncia nacional no sentido do desenvolvimento e dos
sitiva da comunidade, intervé m no processo de desenvolvimento, esforços pelo mesmo requeridos e a adoção da programaçã o global
quer promocionalmente, quer corretivamente, quer , inclusive , em como técnica para atingir a má xima e ótima utilização dos fatores
termos que importam em contê-lo ou dificultá-lo. Entendido como dispon í veis.
norma , na medida em que o Estado constitui o sistema de leis re¬
guladoras do comportamento social , e que essas leis disciplinam as “ O nacionalismo desenvolvimentista n ã o se opõe ao capital es¬
possibilidades de atuação da sociedade civil e de seus membros” . 18 trangeiro, como tal, mas apenas à tendê ncia de se lhe entregar a
“ Qualquer concepçã o a respeito da promoção do nosso desenvol ¬
função mais din â mica do desenvolvimento ou de se permitir que,
vimento deve partir da tomada de consciê ncia do mecanismo que pelo controle de setores económicos estratégicos e sobretudo dos re ¬
o realiza . Em outras palavras , deve levar em conta o fato de que, cursos naturais, possa o capital estrangeiro opor-se ou dificultar a
se o desenvolvimento é possibilitado por determinadas condições ins¬ utiliza çã o ótima dos recursos nacionais.
titucionais, se consiste no crescimento e na diversificação do pro ¬ “ O nacionalismo desenvolvimentista é a ideologia t ípica das for ¬

duto nacional , promover o desenvolvimento, portanto, como esfor ço ças novas, que se acham identificadas com o processo de decolagem
deliberado e consciente , importa em adotar as instituições que mais económica do Brasil : a burguesia urbana industrial, a classe média
favoreçam o crescimento e a diversificação do produto nacional. A urbana tecnol ógica , a classe média rural tecnológica e o proletariado
cria çã o de uma sociedade desenvolvimentista e o desencadeamento não cartorial , embora , na classe prolet á ria , a adesã o à ideologia do
de condições que propiciem a superação do subdesenvolvimento eco¬ desenvolvimento esteja subordinada à aspira ção mais premente pela
n ómico, estão essencialmente vinculados à idé ia de planejamento. redistribuição de renda ” . 20
. . . O principal problema que se apresenta para o planejamento
brasileiro é o de expandir a nossa capacidade de poupar, inclusive “ No plano pol í tico, o nacionalismo desenvolvimentista , com aque¬
mediante investimentos estrangeiros e orientar estes investimentos la margem de infidelidade e imprecisão usualmente peculiar aos es ¬

em uma linha que represente o má ximo de essencialidade” . 19 tadistas, foi a orientação predominante do governo do presidente
Kubitschek ” . 21
18 H é lio Jaguaribe , Condições Institucionais do Desenvolvimento ,
Instituto Superior do
-
Estudos Brasileiros , Rio de Janeiro, 1958, p . 39 40. Entretanto, depois da ampla realização do desenvolvimentismo
- .
19 Hélio Jaguaribe, op. cit ., p. 46 47 Note se que a idéia da preemin
-
e da import â ncia do planejamento económico estatal já havia sido apresentada ência do Estado
.
mente cm escrito de H élio Jaguaribe: “ O Estado do capitalismo industrial , portanto anterior¬ neobismarckiano durante o governo Kubitschek , houve os vaivé ns
, e a
lorliort , o que convém ao Brasil ( Estado organizador de desenvolvimento ) , é um Estado
cuias finalidades formais s3o din â micas: planejar , executar , controlar ” . Conforme ‘Para
dos governos Quadros e Goulart ; e, em seguida , o golpe de Estado
uma Pol í tica Nacional de Desenvolvimento ” , Cadernos do Nosso Tempo, n« 5, Rio de ‘
.
nclro 1956 , p . 47- 188; citação da p. 167. Consultar també m: Hélio Jaguaribe -
la
, O Naci
nnllsmo na Atualidade Brasileira , instituto Superior de Estudos Brasileiros , Rio de janeiro
.-
ó 20 . Hélio Jaguaribe , Desenvolvimento Económico e Desenvolvimento Politico, citado , p.
208- 209 .
21 . H élio Jaguaribe , op. cit . p. 210.

60 61
de 31 de março de 1964. Nos anos 1961-64 evidcnciou-se um cres¬
cente divórcio entre as tend ê ncias do poder económico, dominado 3.
pelo capital monopolista , e as tendências do poder pol ítico, domi ¬
nado pela aliança populista. Cresceu bastante a politiza ção das
SEGURANÇA E DESENVOLVIMENTO (ESG)
classes subalternas, na cidade e no campo. Parecem ter surgido
inclusive condições pré-revolucioná rias no pa ís. Diante dessa si¬
tuação, as forças burguesas e conservadoras nacionais , com apoio
do imperialismo, depuseram o governo do presidente Goulart. Vencia
económica e politicamente o grande capital. Vencia uma das “ vir ¬
tualidades ” do modelo neobismarekiano. “ Insuficientemente compe¬
netrada quer de seus interesses de classe quer do seu papel sócio -
pol í tico, a burguesia nacional brasileira foi influenciada do exterior
no sentido de enfatizar as suas características burguesas em detri¬
mento de seus traços nacionais” . 22
Na medida em que o poder estatal adquiriu o dinamismo desen- A Escola Superior de Guerra ( ESG ) , fundada em 1949, produ ¬
volvimentista preconizado no modelo neobismarekiano, o que ocor¬ ziu um modelo para o desenvolvimento político e económico do
reu foi um crescente comprometimento do Estado com o capital Brasil. É claro que o modelo denominado segurança e desenvolvi¬
monopolista. Por isso venceu a grande burguesia. Foi a grande bur¬ mento não surgiu pronto, delineado, desde o começo. Foi elaborado
guesia que se beneficiou do tipo de hipertrofia do poder estatal ao longo dos anos de 1949-64. E nos anos seguintes, desde 64,
— com o seu planejar , executar e controlar
conizou. —
que o modelo pre¬ quando posto em ação, ganhou outros desdobramentos prá ticos e
ideológicos. Aliás , nos começos, a ênfase maior do modelo era dada
à doutrina de segurança nacional . Depois, quando se torna a base
das políticas, planos, programas e projetos governamentais, ganhou
a sua feição mais elaborada , na articulação mais din â mica do de¬
senvolvimento capitalista “ associado ” , ou “ interdependente ” , com a
segurança interna .
Antes de caracterizar as linhas principais do modelo segurança e
desenvolvimento, pode ser oportuno lembrar que a ESG surgiu , em
1949, no contexto da guerra fria. Naturalmente houve outras in ¬
fluê ncias importantes na forma ção da referida escola e do modelo
por ela formulado. Por exemplo: a experiê ncia da participação bra ¬
sileira na Segunda Guerra Mundial , por meio da Força Expedicio¬
n á ria Brasileira ( FEB) ; o debate civil e militar, envolvendo inte¬
resses nacionais e estrangeiros, sobre as condições económicas e
políticas de cria çã o da ind ústria petrol ífera; o exemplo e a influê n ¬
cia do National War College do governo dos Estados Unidos ; a
antiga tradiçã o de participa çã o de militares em contrové rsias e de ¬
cisões pol íticas, tradição essa que transborda do tenentismo ; a preo¬
cupação de militares com o mando, a organiza ção e as mudanças
22 . H élio Jaguarlbe , “ Brasil: Estabilidade Social pelo Colonial Fascismo?” , publicado por
-
.
Celso Furtado ( organizador Brasil: Tempos Modernos , Paz e Terra , Rio de Janeiro, 1968, do poder estatal no Brasil; o reconhecimento de que a economia
-
p. 25 47; citação das p. 30 31 - . brasileira era extremamente vulnerá vel às crises económicas inter -
62
63
nacionais, ou aos bloqueios económicos inerentes às guerras de dominou nos escritos e debates da ESG foi a quest ão da segurança.
nações. Talvez se possam mencionar vá rios outros motivos diretos Foi nesses anos que amadureceu uma metamorfose fundamental na
c indiretos, que influ íram na decisão do governo do general Dutra ideologia militar : a doutrina da defesa nacional foi substitu ída ( ou
( 1946-50 ) de criar a ESG . Mas todos esses motivos ficaram subor¬
melhor , absorvida ) pela doutrina da segurança nacional , entendendo-
dinados aos interesses envolvidos na guerra fria , declarada desde se esta como segurança interna e externa . Vejamos algumas caracte¬
-
1946. Nesse ano, o ex premier brit ânico Winston Churchill fez um
r ísticas da doutrina de segurança nacional.
discurso em Fulton, nos Estados Unidos , dizendo que era tarefa pri ¬
mordial desse pa ís defender o “ mundo livre” , isto é, o capitalismo,
em face da União Soviética , isto é, do socialismo. Em seguida , os
Castello Branco: “ O tema escolhido
mento
— —
Segurança e Desenvolvi¬
é assunto dominante no vosso programa (da ESG ) , dou ¬
governantes norte-americanos adotaram pol íticas económicas , mili¬ trin á rio nos vossos estudos e hoje já integrado, em sua essência, na
tares e outras nesse espírito: o Plano Marshall , de 1947, destinou-se nova Constituição Brasileira (1967 ) e em leis modernas. Procura ¬
a apressar a recuperação das economias capitalistas européias , que rei desdobrá-lo segundo os seus próprios elementos constitutivos. A
haviam sido abaladas pela Guerra Mundial de 1939- 45 e estavam primeira parte a fixar é a dilatação do conceito de seguran ça na¬
ameaçadas pelas forças socialistas e comunistas que se haviam de¬ cional, bastante diferenciado, hoje, do conceito mais restrito de de¬
senvolvido e fortalecido no desenrolar da pr ópria guerra ; a Dou ¬ fesa nacional . A diferença é dupla . O conceito tradicional de defesa
trina Truman , de 1947, foi adotada no empenho norte-americano nacional coloca mais ênfase sobre os aspectos militares da seguran ¬
de evitar a vitória do socialismo na guerra civil que estava sendo ça e, correlatamente, os problemas de agressão externa . A noção de
travada na Grécia; ainda em 1947, foi assinado no Rio de Janeiro, segurança nacional é mais abrangente. Compreende, por assim dizer ,
pelos representantes das nações das Amé ricas, o Tratado Interame- a defesa global das instituições, incorporando por isso os aspectos
ricano de Assistê ncia Recíproca (TIAR ) , ou Defesa Hemisf érica; psicossociais, a preserva ção do desenvolvimento e da estabilidade
també m nesse ano, o governo Dutra declara ilegal o Partido Co¬ polí tica interna: alé m disso, o conceito de seguran ça , muito mais
munista do Brasil; o Ponto IV, do governo norte-americano, para expl í citamente que o de defesa , toma em linha de conta a agressão
assistê ncia técnica aos povos das á reas subdesenvolvidas , foi posto interna, corporificada na infiltração e subversão ideológica , até mes¬
em prá tica a partir de 1949, programa esse que parece ter forma ¬ mo nos movimentos de guerrilha , formas hoje mais prová veis de
lizado a assistência e cooperação norte-americanas para questões conflito que a agressão externa ” . 23
económicas, militares, educacionais, policiais e outras. Pouco a pouco,
Augusto Fragoso: “ A coexistê ncia , dita “ pacífica ” , entre as duas
as contradições entre o capitalismo e o socialismo, por um lado, e
superpotê ncias, entre a Democracia e o Totalitarismo, torna , na
as contradições de classes dentro dos pa íses capitalistas dominantes
realidade , a confronta ção armada direta entre os dois sistemas,
e dependentes, por outro, foram respondidas com medidas econó¬
micas, políticas, militares, culturais outras. Tudo isso fez parte da
“ diplomacia total ” , por meio da qual se pôs em prá tica a doutrina
sen ão impossível ao menos pouco prová vel
um ao outro, suficiente credibilidade — —
enquanto infundirem,
mas, ao mesmo tempo,
torna permanente, e mais atuante até, a ação do expansionismo to¬
norte-americana da guerra fria . Foi esse o clima no qual se criou
e desenvolveu a ESG, na qual se elaborou o esquema básico do talit á rio subversivo que visa a dominar , de qualquer forma , uma
modelo de segurança e desenvolvimento. Assim , o golpe de Estado a uma , as Democracias Ocidentais; urge que a Democracia conhe¬
de 1964 nã o poderia ser devidamente compreendido se n ão fosse ça e entenda bem a nova modalidade de agressã o ideológica a que
visto também como um fato da história da guerra fria. est á sujeita , hoje em dia , distinta de qualquer outra conhecida at é
agora e que se reveste da forma da chamada guerra revolucioná ria ,
Mas o modelo segurança e desenvolvimento n ão nasceu pronto. “ subversiva , universal e permanente” . 24
Ele foi ganhando desdobramentos, armaduras e aperfeiçoamentos ao
longo dos debates, da crescente articulação entre militares e civis , 23 . Marechal Humberto de Alencar Castello Branco , discurso pronunciado na Escola
Superior de Guerra , conforme a transcrição feita em: “ Castello: A Seguran ça é Defensiva ” ,
razões económicas e razões políticas , do Estado e da empresa pri¬ .
O Estado de S Paulo , São Paulo , 14 de março de 1967 .
24 . General Augusto Fragoso , “ Legislação de Seguran ça Nacional , Segurança e Desen ¬
vada . Mas talvez se possa dizer que nos anos 1949-64 o que pre¬ volvimento ” , Revista da Associação dos Diplomados na Escola Superior de Guerra , Ano
.
XXIV , n 162 , Rio de Janeiro, Í975, p 49-85; citação da p 51
“ . .
64
65
Conforme indicam esses textos, todo o quadro internacional
económico, polí tico e militar —
da guerra fria está presente na pro¬
du çã o e adoção da doutrina de seguran ça nacional. Aí est ão as
— ciclo de contradições no pa ís. Primeiro, colocaram o Estado por
sobre a sociedade civil, conferindo-se um poder pol ítico absoluto
sobre os cidad ã os, os grupos e as classes sociais, na cidade e no
contradições entre capitalismo e socialismo, da mesma forma que campo. Segundo, por implica ção ou deliberadamente, tomaram a
as contradições entre as classes sociais, dentro de cada pa ís e em sociedade civil como incapaz de autogovernar-se, porque sujeita à
â mbito internacional . Sob vá rios aspectos, os desenvolvimentos da corrupção e à subversã o, porque sujeita aos populistas, demagogos ,
guerra fria somente podem ser compreendidos como desdobramen ¬ carismá ticos e extremistas. Terceiro, criaram as condições pol íticas
tos de antagonismos e lutas de classes, em â mbito nacional e inter¬ preliminares do progressivo divórcio entre o Estado e a sociedade
nacional. civil. Desde o começo, o poder estatal foi posto como se pairasse
acima dos cidad ãos.
A segurança não é um fim em si. Articula-se com a economia.
Depende da economia . Serve ao desenvolvimento económico. A pros¬ Castello Branco: “ Um Governo no qual a justiça imposta a po¬
peridade económica pode beneficiar-se bastante da estabilidade po¬ derosos e humildes com igual isen çã o, seja uma â ncora do cidad ão,
l í tica garantida pela segurança. A segurança pode controlar, ou su ¬ um Governo onde todos , sem distinção, se sintam garantidos nos
primir, tanto os “ populistas ” , “ demagogos ” , “ carism á ticos ” e “ extre¬ direitos e prerrogativas. Um Governo, enfim, que se imponha como
mistas ” como os modelos, as organizações e os partidos que pro¬ seguran ça para que todos possam viver, trabalhar e prosperar num
põem arranjos deferentes para o desenvolvimento pol ítico e econó¬ ambiente de confian ça” 26 .
mico do pa ís. Tanto as ideologias como os políticos e os partidos Oliveiros S . Ferreira: “ Sufocando a liberdade de associação da
são suprimidos do cená rio pol í tico nacional pelo poder estatal ins¬ Sociedade Civil , a Sorbone ( ESG ) prepara , talvez sem o querer,
talado para dar passo à realiza ção do desenvolvimento capitalista um regime em que o capitalismo será burocrá tico, a Pol í tica não
com segurança. “ Desenvolvimento e segurança, por sua vez , são li¬ existirá e o Estado terá tudo a seu dispor . . . ” 27
gados por uma relação de m ú tua causalidade. De um lado, a ver¬
dadeira segurança pressupõe um processo de desenvolvimento , quer O fortalecimento e a hipertrofia do Poder Executivo enfraquece
económico, quer social. Económico porque o poder militar está tam¬ e submete os outros poderes, tanto o Legislativo como o Judiciá rio.
Instaura-se a ditadura. Ditadura essa que engendra ou reforça dois
bém essencialmente condicionado à base industrial e tecnológica do
n ú cleos ideol ógicos importantes, nos quais ela se expressa e re¬
pa ís. Social , porque mesmo um desenvolvimento económico satisfa ¬
pousa . Um deles é a doutrina de segurança e desenvolvimento, com
tório, se acompanhado de excessiva concentração de renda e cres¬
a qual e em nome da qual foi deposto o governo do presidente
cente desn ível social , gera tensões e lutas, que impedem a boa prá ¬
Goulart e sucederam-se os governos militares desde 64. O outro
tica das instituições e acabam comprometendo o pró prio desenvol ¬ n ú cleo ideol ógico importante para a sustentaçã o do poder esta ¬
vimento económico e a segurança do regime. De outro lado, o de ¬ tal instaurado nesses anos é a idéia de “ revolução ” . Os donos do
senvolvimento económico e social pressupõe um mí nimo de segu ¬ poder afirmam e reafirmam uma revolu çã o que n ão houve. Por
rança e estabilidade das instituições. E não só das institui ções po¬ intermédio de um ato institucional, conferem ao Golpe de Estado
l íticas, que condicionam o n ível e a eficiê ncia dos investimentos do de abril de 64 a categoria de revolução. E em nome dela passam
Estado, mas também das instituições económicas e jurídicas que , a governar, isto é, decidir, atuar ou impor , em todos os campos
garantindo a estabilidade dos contratos e o direito de propriedade, da vida social.
condicionam , de seu lado, o nível e a eficá cia dos investimentos
privados ” . 25 Assim, desde 64 desenvolveu-se um processo político por meio
do qual o poder estatal se impõe à sociedade, que aparece como
Ao investirem-se de poder para governar por meio de atos ins¬
titucionais, atos complementares, decretos e portarias, os governos 26 . Marechal Castello Branco, discurso pronunciado a 5 de junho de 1964, em Re ¬
cife, conforme transcrição do General Carlos de Meira Mattos, “ O Pensamento Revolu¬
resultantes do golpe de Estado de 1964 desenvolveram um novo . .
cion á rio Brasiieiro ” , publicado em A Revolução de 31 de Março 2i Aniversá rio Colabo¬
-
raçã o do Exército, Biblioteca do Exército Editora , Rio de Janeiro, 1966 , p. 128 142; ci¬
ta ção da p. 133.
25 . Marechal Castello Branco, “ Castello: A Segurança é Defensiva ” , citado. .
27 Oliveiros S. Ferreira , O Fim do Poder Civil , citado, p. 59.

66 67
se fora incapaz de autogovernar-se; uma sociedade
que seria inca¬ "ordem” , com "segurança ” , “ tranqiiilidade” , “ harmonia política e
paz de instituir um Estado que expressasse as
suas forças sociais, a
din â mica de suas classes hegemónicas e subaltern Nodal” . Estas seriam as ú nicas condições sob as quais pode ocorrer
as. A idéia de uma c manter-se o “ desenvolvimento económico” capitalista. É claro que
sociedade civil incapaz —
ou da incapacidade de largos segmentos
dessa sociedade, e não apenas das classes subaltern o que está em jogo aqui é o relacionamento entre alguns grupos do¬
— é o complemento ideológico necessá rio da pr
as, submetidas
á tica ditatorial.
Esse é o contexto no qual se compreende a articula
minantes e amplos segmentos sociais subordinados. Não é necessá¬
rio observar, neste ponto, que praticamente todas as classes e grupos
assalariados situam-se na condição de subalternos. Mas é convenien¬
ção din âmica
da repressão com a censura. Alé m dos efeitos te observar, também, que inclusive algumas frações das classes eco¬
lados dessas duas práticas, elas geram também combinados e iso¬ nomicamente dominantes passaram a ver-se na condição de politica ¬
a autocensura. E
esta acaba por alcançar tanto aqueles que
estão na oposição, como mente subalternas. Naturalmente não na mesma situa ção das outras
muitos dos que se acham no interior do próprio
aparelho estatal. classes subordinadas económica e politicamente.
Para manter largos segmentos da sociedade civil
submetid
estatal acaba produzindo uma paralisia generalizada os, o poder Vejamos, agora, alguns aspectos dessa concepção do relacionamen¬
, que entra in¬ to entre o Estado e a sociedade, conforme o escrito de um pesqui¬
clusive pelo aparelho estatal adentro.
sador que procurou sintetizar as linhas básicas da doutrina de se¬
Vejamos alguns textos nos quais estão expresso
s aspectos básicos gurança e desenvolvimento.
do processo político que configura e desenvolve
a ditadura . "Os princípios da organizaçã o militar devem reger a reorganiza ¬
1964 : “ A revolução vitoriosa se investe no
exerc ção nacional. Isto é, n ão são modelos políticos, mas modelos orga¬
Constitucional. Este se manifesta pela eleição popular ício do Poder nizacionais os mais adequados para a reorganização nacional. Re¬
lução. Esta é a forma mais expressiva e mais ou pela revo¬
radical do Poder Cons¬ organizada a nação nestes moldes, o Estado haverá de ter perfil
tituinte. Assim, a revolu ção vitoriosa, como o centralizado e a nação haverá de ser movimentada por governos
Poder Constituinte ,
se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior fortes apoiados basicamente nas Forças Armadas. Tais princípios
capacidade de constituir o novo governo. Nela
e tem a
se contém a força de reorganização nacional haverão de disciplinar a sociedade civil
normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita além de permitirem o m áximo rendimento nas diversas á reas de ati
dicas, sem que nisto seja limitada pela normativ normas jurí¬ vidade nacional” . 30
idade anterior à sua
vitória” . 28
“ O Estado é o instrumento de mobilização da ação coletiva . E a
1968: “ O Presidente da Rep ú blica poderá decretar lealdade para com o Estado deve ter precedência sobre as demais.
Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas o recesso do A centralização do poder é indispensável como garantia da unidade
e das Câma¬
ras de Vereadores, por Ato Complementar, em
estado de sítio ou nacional. Evita-se, por esta forma, o individualismo desagregador e
fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando as preferências clientelísticas tais como, por exemplo, as que predo¬
convocados
pelo Presidente da República” 29 . minaram nas relações entre o governo central e os Estados. As á reas
Pouco a pouco, revela-se clara uma idéia básica subjacent de consenso devem superar por larga margem as do dissenso para
doutrina de segurança e desenvolvimento. Refiro me à e à que a sociedade nacional seja viável. O controle e redução do dis¬
que a sociedade civil seria “ aná rquica , estaria - hipótese de senso é fundamental para que não o explorem os diversos tipos de

tas” , “ demagogos ” , “ carismá ticos ” e “ extremist
sujeita a “ populis¬ “ irracionalidade” (o pseudonacionalismo, o pseudodesenvolvimentis-
as” . A uma sociedade mo, o distributivismo emocional, etc.) , dos demagogos e radicais. A
sujeita a tais “ ameaças ” ou “ infiltrações” , impõe
cional” , capaz de “ organizar ” essa sociedade e fazê -
se um Estado “ fun¬ função da elite dirigente é educativa por excelência. É ela a de
-la funcionar em educar indivíduos de formação heterogénea , inculcando-lhes o sen¬
28 . Ato Institucional n* 1, de 9 de abril
de 1964, baixado pela Junta Militar que assu timento de comunidade e do interesse coletivo. À elite dirigente cabe
miu o governo com a deposição do presidente Goulart
29 . Ato Institucional n» 5, de 13 de . ¬

.
neral A Costa e Silva . dezembro de 1968, baixado pelo governo do Ge¬ na So¬
30 . Edmundo Campos Coelho , Em Busca de Identidade: o Exército e a Polí tica
- . .
ciedade Brasileira, Forense Universitá ria, Rio de Janeiro, 1976, p 167

68 69
ainda definir os interesses da coletividade já que aos indiv
íduos no na organização e controle das organizações através de medidas
faltam as condições para identificá-los ” . 31
que suplementem as empresas privadas, sem contudo as substituir .
Em poucos anos, o poder estatal foi posto não só como a enti¬ Tudo, enfim, a implicar num sistema de crescentes relações entre o
dade que organiza e dirige a sociedade civil, mas como a entidade Governo e o setor privado . . . ” M “ Mas, do mesmo modo que deseja
que institui a sociedade. Como grande parte da sociedade se
tornou cobrar, o Governo pretende, principalmente, ajudar a quantos quei ¬
suspeita aos donos do poder , estes procuraram conformar o
Estado ram e estejam em condições de desenvolver a empresa privada , com
de tal modo que o poder estatal passaria a outorgar cidadanias tanto a qual espera partilhar a responsabilidade de alguns investimentos
às gentes como às coisas, tanto às idéias como à s
mercadorias. “ To¬ essenciais” . 35 “ Esse modelo significa a maneira brasileira de organi¬
davia , a democracia que vislumbramos n ão é, necessariamente tíbia, zar o Estado e construir as instituições para criar , no país, uma eco¬
omissa, rastejante, pusilâ nime, inerte e inerme, que trema à simples nomia moderna , competitiva e dinâmica , que mostre a viabilidade de
cita ção de “ slogans ” prc-fabricados, tendo por base , capciosamente, desenvolver o Brasil com o apoio na empresa privada ” . 36
liberdade e direitos humanos. Esquecem, ou melhor, propositada ¬
mente escondem os trêfegos defensores dessa linha , aos Nesse sentido é que o planejamento governamental se transforma
menos avi ¬ numa prá tica por meio da qual se torna mais f ácil a articulação
sados , que liberdade e direitos emanam do Estado. Este, sim , é que
outorga ao homem tais privilégios, conseqiientemente, nã pode entre o capital monopolista e o Estado. A id éia de planejamento
o , ele, vem sempre acompanhada da idéia de eficá cia , desempenho, racio¬
o Estado, ser subalterno a semelhantes prerrogativas , sob pena de
ficar caracterizada a anarquia ” . 32 “ O Estado é quem diz o que a nalização ou outros elementos da ideologia do tecnocrata que serve
sociedade pode ou não pode fazer. Nã o sei como podem dizer que ao capital monopolista : diretamente , na empresa privada nacional e
essa afirma ção é totalit á ria . O Estado garante a liberdade dos ho estrangeira ; ou indiretamente, na tecnoestrutura estatal. 37 O plane¬
mens: a liberdade emana do Estado ” . 33
¬
jamento serve principalmente para desenvolver a “ racionalidade ” pro¬
pícia à maior acumulação de capital. Na forma em que tem sido
Esse modelo de desenvolvimento capitalista implicou na expansão posto em pr á tica , favorece a transformaçã o do excedente económico
da empresa privada , com o crescente apoio económico e pol potencial em efetivo; ou melhor , permite aperfeiçoar as condi ções
ítico do
poder estatal. Daí a congruência entre a “ moderniza pol í ticas e económicas que impulsionam a produ ção de mais-valia .
ção” do apa¬
relho estatal e a “ racionalidade” da empresa capitalista. Nesse
con ¬ “ O primeiro grande objetivo do planejamento e coordenação econó¬
texto foi que se situou o planejamento governamental da economia , mica no Brasil é aumentar o grau de eficácia e racionalidade da
pois que favoreceu bastante a acumulação privada política económica, em bases qualitativas e quantitativas. O segundo
do capital. À
medida que se implantava e desenvolvia o modelo, prosperava grande objetivo é dar à s forças representativas do país a consciê ncia
a
empresa privada nacional e estrangeira. Houve ampla dos objetivos nacionais a serem alcan çados” . 38 “ Imperioso, pois , re¬
integração
entre o capital monopolista e o Estado. E essa integra cordar a essência do planejamento, como processo institucionalizado
ção estava
clara no horizonte dos governantes . “ Dentre estes ( tra ços de aperfeiçoamento da política de desenvolvimento, seja em rela ção
fundamen ¬
tais do neocapitalismo brasileiro) poderíamos assinalar à a ção direta do poder p ú blico, seja em relação aos instrumentos de
a larga di ¬
fusão da empresa entre os acionistas; uma ativa concorr ação indireta sobre o setor privado” . 39 “ A ação governamental obe¬
ê ncia entre
as empresas, nos preços, na qualidade, no serviço e no decerá a planejamento que visa a promover o desenvolvimento eco¬
aperfeiçoa¬
mento t écnico; fixaçã o de sal á rios e condições de trabalho nómico-social do país e a segurança nacional . . . ” 40
mediante
contratos coletivos entre empregadores e sindicatos; açã o do
Gover- 34. Marechal Castello Branco, Discurso proferido em Fortaleza , a 23 de jjunho de 1964,
31 . Edmundo Campos Coelho, op . . , p. 174 . Consultar também: Ant ônio Paim , ,4 35. Marechal Castello Branco , op cit , p. 170.
-
Discursos 1964 , Secretaria de Imprensa , s / d . , p . 168 171; citação da p. 169 .
. .
Ouerela do Estatismo, Edi ções Tempo citBrasileiro , Rio de Janeiro, 1978, esp. p. 114 119; 36 . João Paulo dos Reis Velloso , "O Modelo Brasileiro de Desenvolvimento” . Revista
Oliveiros S. Ferreira, “ A Escola Superior de Guerra - Paranaense de Desenvolvimento, n » 24, Curitiba, 1971, p. 7-16; cita ção da p. 10.
blicado por Adolpho Crippa ( coordenador ) , As Idé no Quadro Político Brasileiro ” , pu ¬
tora Conv í vio, São Paulo, 1979, vol . II , p. 249 288. ias Pol í ticas no Brasil , 2 vols. Edi ¬
-
37 . Octavio Ianni , Estado e Planejamento Económico no Brasil ( 1910 1970 ), citado, esp
p . 313-316.
.
32 . General Argus Lima , "Argus Lima: - 38 . Disc
Discurso do Marechal Castello Branco, proferido a 21 de março de 1966 , transcrito
Paulo , 11 de setembro de 1976, p. 14. Direitos Emanam do Estado ” , O Estado de S.
.
em Planoi Decenal de Desenvolvimento Económico e Social Siderurgia: Metais N ão- Ferro-
33 . Opinião de uma “ personalidade , registrada por
Transitória ” , Folha de S . Paulo , 3 de ”julho de 1977, p 5Getú lio Bittencourt , "Situa ção é
.
sos De trtamento de Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1966, p. 21.
Departan
.
39 . Ibidem p. 22.
. . iinistrativa , Decreto-lei n» 200, de 25 de fevereiro de 1969 , Art . 7*.
40 . Reforma Administ
Consultar também: M ário H . Simonsen e Roberto de Oliveira Campos, A Nova Economia
70
71
Brasil sob a égide de duas realidades principais: a consciê ncia de
Mus era necessá rio convencer civis e militares de que a prosperi¬ potência emergente e as repercussões do atual quadro internacio¬
dade da empresa privada, nacional e estrangeira, poderia servir de nal” . 43
base ao projeto geopol ítico de “ potência intermediá ria ” , ou “ hege¬
m ónica ” , na América do Sul . Daí a crescente ênfase na ideia do Como vemos, pouco a pouco desenvolveu-se um novo termo do
pa ís “ grande ” , “ continental ” , ou “ potência emergente ” , que aparece modelo. Agora integram-se ideologicamente três idéias: segurança,
nos discursos e documentos de membros do governo, tecnocratas ou desenvolvimento e potência. São três idéias que se relacionam e di¬
n ão. Durante algum tempo, a idéia de “ potê ncia emergente ” certa ¬ namizam reciprocamente, informando a ideologia e a prá tica dos
mente encobriu o car á ter altamente subordinado do tipo de desen¬ governantes. À medida que prosperava a empresa privada , nacional
volvimento capitalista que se realizava no país. Talvez n ão seja por e estrangeira, refinava-se a idéia do pa ís grande, poderoso, no pre¬
acaso que as formulações sobre a potência emergente apareceram, sente ou no médio prazo. A prosperidade do capital monopolista
simultaneamente , nos escritos de técnicos e ideólogos nacionais e es ¬ era tomada como equivalente de prosperidade da sociedade nacio¬
trangeiros. Neste ponto, convém observar que a hipó tese de potên ¬ nal , bases da potencialidade hegemó nica . Daí a necessidade de per¬
cia emergente carregava também a id éia de “ aliado preferencial ” dos sistir na idéia e prá tica do Estado forte. Da í a necessidade de apelar
Estados Unidos, em questões económicas, políticas e militares rela ¬ para sacrif ícios crescentes, mas “ patrióticos ” . Por um lado , ligavam-
tivas à América do Sul. se segurança , desenvolvimento e potência emergente. Por outro, pro¬
Adolph Berle: “ O Brasil deverá encerrar o século XX com uma duzia-se a prosperidade do capital monopolista, a expansão do apa ¬
população de uns 125 milhões de habitantes, um potencial econó¬ relho estatal e uma singular aliança entre a grande empresa e o
mico compará vel ao dos Estados Unidos de hoje, e uma posição poder estatal. Daí os sacrif ícios económicos e políticos impostos às
predominante no mundo latino, europeu e americano ” . 41 classes subalternas, na cidade e no campo.

Zbigniew Brzezinski: “ O Brasil , obviamente, vai se tornar uma im ¬ Ernesto Geisel : “ Um projeto nacional de grandeza para a Pá tria ,
portante potê ncia; aliás, em certo sentido já o é. Dessa maneira terá alicerçado no binómio indissol ú vel do desenvolvimento e da segu ¬
que pensar sistematicamente sobre que tipo de novo sistema inter¬ ran ça , empolga , em todos os quadrantes, a alma popular e estimula
nacional deseja ajudar a criar. . . . Acho que seria ú til que o Brasil a realizações cada vez mais admirá veis, mesmo à custa de sacrif ícios
e os Estados Unidos realizassem mais consultas bilaterais sistem á ¬ maiores ” . 44
ticas sobre problemas globais que causam, atualmente, grande preo¬ Meira Mattos: “ Nosso ritmo de desenvolvimento terá que ser man¬
cupação” . 42 tido. Todos os sacrif ícios terão justa compensação. Escolhemos o
II PND: “ O Brasil pode, validamente, aspirar ao desenvolvimento caminho certo . . . Dele n ão haveremos de nos afastar. Não se cons¬
e à grandeza. Na ú ltima d écada, principalmente, mostrou a Nação trói uma obra ciclópica , gigantesca , como a de transformar este
grande país em nação poderosa , próspera e feliz, de alçá-la ao grupo
ter condições de realizar pol ítica de pa ís grande, com senso de seu
das que decidem em nível mundial, sem sacrif ícios. Faremos estes
próprio valor e consciência de responsabilidades

o habitual preço
da grandeza. Ao mesmo tempo, mostrou-se apta a realizar uma ex¬
sacrif ícios e chegaremos lá ” . 45
periê ncia de desenvolvimento eminentemente din â mica, associando a
vontade política , pela mobilizaçã o nacional , à capacidade de fazer,
pela ação do setor pú blico, da iniciativa privada e da comunidade.
Assim pôde o pa ís efetivar, em alto grau , o seu potencial de cres¬
cimento e dimensã o econ ómica. Até o final da década, estará o
43 . Repú blica Federativa do Brasil, Projeto do II Plano Nacional de Desenvolvimento
.
( 1975- 1979 ), Brasília , 1974 , p. 15 J .
. , . _
44 . General Ernesto Geisel , Discurso proferido ao receber o cargo de presidente da Re ¬
Brasileira , Livraria José Olympio Editora , Rio de Janeiro, 1974, cap. IV: "A Experiência
t

Brasileira de Planejamento", escrito por Roberto Campos . p ú blica , " Geisel Prega Comunh ão entre Governo e Povo", O Estado de S . Paulo , 14 de
41 . Adolph Berle, Tides of Crises , 1958. Citado por: General Carlos de Meira Mattos, m
llrasll: Geopol í tica e Destino , Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1975, p. 77. . .
45 ° General Meira Mattos, Brasil: Geopolí tica e Destino, citado, p 107
.
42 . Zbigniew Brzezinski , citado pelo General Meira Mattos, op. cit , p. 78-79.
73
72
Ill
POPULISMO E MILITARISMO
I

A CRISE DE HEGEMONIA E POPULISMO

Em 1945-64 a sociedade brasileira viveu uma época de razoá vel


progresso democr á tico. O povo alargou a sua participaçã o no pro¬
cesso político, em termos de eleições, representantes no legislativo,
agiliza ção de sindicatos e partidos polí ticos , debates e organizações
que ampliavam as estruturas políticas intermedi á rias criadas pela
Assembléia Nacional Constituinte que elaborou a Constituição de
1946. É verdade que as instituições jurídico-pol íticas reaproveitadas
da ditadura do Estado Novo (1937-45) , e as criadas desde 1946,
favoreciam uma democracia burguesa razoavelmente autoritá ria. Mas
os operá rios urbanos e rurais, camponeses, empregados, funcioná¬
rios , profissionais liberais, intelectuais, estudantes e outros setores
desenvolveram atividades sociais, políticas e culturais que implica¬
ram no avanço do processo democrá tico.
També m foram comuns as manifestações de cunho antidemocrá¬
tico. As greves operá rias com freqiiê ncia eram reprimidas com vio¬
lência . Em 1947 o governo do General Eurico Gaspar Dutra ( 1946-
50) cassou o registro do Partido Comunista do Brasil e o mandato
dos seus deputados, senadores e vereadores. Atendia a uma das im¬
posições da diplomacia da guerra fria, que o imperialismo norte¬
americano desencadeou em 1946, a partir do discurso anti-sovi é tico
de Winston Churchill , proferido na cidade de Fulton , Estados Uni¬
dos. Durante o mesmo governo de Dutra, houve violenta repressão
contra a classe oper á ria. Nos anos subseqiientes continuou a re¬
pressão contra operá rios, camponeses, empregados, estudantes e ou ¬
tras categorias sociais. Simultaneamente, fortalecia-se o poder da
grande burguesia industrial, comercial e bancá ria , associando inte¬
resses do capital imperialista com o capital nacional. O próprio apa-
77
relho estatal, com o Banco Nacional do Desenvolvimento Econ ¬
ó A despeito das flutuações do processo político, apesar dos surtos
mico ( BNDE) , criado em 1952, a Instrução 113 da SUMOC, de reacioná rios de grupos burgueses, latifundiá rios, imperialistas, mili ¬
1955 e o Plano de Metas, posto em prática em 1956-60, passaram tares e policiais, nesses anos desenvolveu-se bastante a vida pol í tica
a servir largamente aos interesses do capital privado nacional
e es¬ nacional , na cidade e no campo, nas regiões dominantes e nas su ¬
trangeiro. As forças económicas e políticas da antidemocracia bordinadas. Tanto cresce a importância dos partidos políticos , cm
au ¬
mentavam a sua força ao longo dos anos. â mbito nacional ou regional, como também aumenta a importâ ncia
É verdade que em certas ocasiões, como durante do sindicalismo urbano e rural. A lei dos partidos políticos e a
o governo Var¬ Constituição estabeleciam que os partidos deviam ter â mbito na ¬
gas de 1951-54, houve lutas contra o imperialismo e as
forças anti¬
democrá ticas. Sob vários aspectos, a campanha do petróleo, que ¬ cional. Isso não impedia que na prá tica funcionassem de modo di¬
sultou na criação do monopólio estatal em 1953, com a Petrobrás,
re verso, conforme a região. Inclusive havia partidos com bases sociais
foi uma luta contra o imperialismo. Também as campanhas popu¬ (grupos e classes sociais urbanos e rurais) bastante diversificadas,
lares dos anos de 1961-64, em defesa da constituição e das reformas segundo a região do País. No começo, eram uma incógnita para o
de base, tais como a agrá ria, bancá ria , urbana ( habitacional) , uni¬ povo. Depois, à medida que se desenvolvia o processo político, à
versitá ria e outras, fizeram progredir as conquistas democrá medida que o próprio povo, os grupos e as classes sociais, na ci¬
reais, alargando as estruturas políticas (sindicatos e partidos)
ticas dade e no campo, iam conferindo fisionomia aos partidos, paula¬
mediá rias garantidas pela Constituição de 1946.
inter¬ -
tinamente definiram se.
Sob vários aspectos, os avanços do processo democrá tico brasi¬ “ Nos partidos que, após o interregno do Estado Novo, aparece¬
leiro estão ligados ao populismo. O populismo dominou boa parte ram em 1945 e em 1947 se fazem sentir características inéditas. De¬
da vida política brasileira nesses anos. Como movimento polí nominam-se Partido Republicano Democrá tico, Partido Trabalhista
proposta ideológica, organização sindical e partid á ria , governo, ¬
tico, Brasileiro, Partido Social Democrático, Partido Libertador, Partido
gime político ou forma de organização do Estado , em
re Republicano, Partido Comunista do Brasil, União Democrática Na¬
termos das suas
relações com a sociedade, o povo, o cidadão, a economia, o capital cional, Partido Democrata Cristão, Partido Orientador Trabalhista ,
estrangeiro, as classes sociais burguesas e assalariadas, Partido de Representação Popular, Partido Social Trabalhista ( antes
etc., sob Partido Prolet á rio do Brasil) , Partido Trabalhista Nacional, Partido
todos esses aspectos o populismo domina largamente a vida polí
nacional em 1945-64. E é em ligação com o populismo que se
tica Socialista Brasileiro, Partido Social Progressista ( resultado da fusão
senvolvem as conquistas democrá ticas desses anos. Mesmo quando
de ¬
de três partidos surgidos em 1945, o Popular Sindicalista, o Repu¬
certos quadros burgueses do populismo adotavam posições d ú blicano Progressista e o Agrá rio Nacional) .
bias,
ou contrá rias às lutas democráticas que os setores populares do po¬ “ Em nenhuma época de nossa História foi tão marcada a nota
pulismo desenvolviam, mesmo nesses casos ficavam
evidentes os populista na atividade partid á ria, como a denunciam os adjetivos
comprometimentos do movimento populista, em sentido amplo,
com ‘popular’, ‘trabalhista’, ‘sindicalista’, ‘comunista’. Alguns chefes des¬
um tipo de participação popular que propiciava o avanço democr
ᬠses partidos são políticos de tipo desconhecido no passado, como
tico. Ao longo desses anos, cresceu a participação de operá rios,
cam ¬
Getúlio Vargas , que simbolizava ampla reforma social; Ademar de
poneses, empregados, funcioná rios e outras categorias
de assalaria ¬ Barros, Luís Carlos Prestes e Plínio Salgado, esses dois últimos, líde¬
dos no processo político. Nos sindicatos, partidos e eleições
cresceu res dos maiores movimentos ideológicos surgidos no Brasil , ao qual
continuadamente a participação do povo; tanto como massa de ma¬ se filiavam ou seguiam considerável massa de cidad ãos. Na organi¬
nobra de quadros políticos burgueses como na condição de opini
ão zação partidá ria posterior ao Estado Novo, eram evidentes as carac ¬

pú blica composta de cidad ãos. Uma primeira luta democr


á tica que terísticas da nova sociedade brasileira, as quais se exprimiam no po¬
se desenvolvia então (sob as condições económicas, políticas,
cultu ¬ pulismo de Getúlio Vargas e Ademar de Barros e na política ideo¬
rais, religiosas, militares, policiais e outras de um Estado de
tradição lógica em que se procuravam pautar as manifestações pú blicas de
autorit á ria) , uma primeira luta do povo era a conquista da
cida¬ Luís Carlos Prestes e Plínio Salgado . . . Os Partidos de tipo clás¬
dania. sico, como o PSD e a UDN, de 1945 a 1958, revelam tendência

78 79
pura o declínio ou quando muito para a
estagnação de sua força político udenista . Esse partido era incapaz de conquistar votos de
eleitoral. A tendência populista-ideológica é a
disso que, no período, é o PTB que se encontra em dominante. Resulta operá rios, camponeses, empregados e funcioná rios. Daí o paradoxo
do ponto de vista da força eleitoral” . 1 franca ascensão, em que viveu todos esses anos a UDN: defendia a democracia libe¬
ral em seu programa e discursos, mas trabalhava prá tica e cotidia ¬
Houve partidos que ganharam logo uma definição namente por soluções antidemocráticas e golpistas, como em 1954,
nacional, como
o Partido Social Democrá tico ( PSD) , a Uni
ão Democrática Nacional 1955, 1961, 1964 entre outras ocasiões. Rondou quartéis, distritos
( UDN ) , o Partido Trabalhista policiais e embaixadas, até que conseguiu ver por terra o bloco de
Brasileiro ( PTB) e o Partido Co
poder populista que predominou em 1946-64.
¬
munista do Brasil ( PCB) . Outros, como o
Partido Libertador ( PL)
e o Partido Social Progressista ( PSP) , ficaram
resses de alguns grupos liberais ga úchos, comomarcados pelos inte¬ Nos começos, em 1946, ainda eram poderosos, em termos abso¬
no
interesses de uma burguesia paulista negocista, recentecaso do PL, e lutos e relativos, os interesses da burguesia agrá ria. O peso desses
prometida com a democracia, como no e pouco com¬ interesses reduziu-se, à medida que prosseguia a industrialização, a
caso do PSP. Era bastante urbanização e o desenvolvimento das classes sociais urbanas. Tam¬
vari á vel o compromisso dos partidos com
sociais, conforme as condições de cada região,
os grupos e as classes
ou
-
bé m a economia e a sociedade rurais modificaram se bastante ao
longo desses anos. Mas não se desenvolveu nenhuma classe social
da Federação; e conforme a organização e lideran mesmo Estado
ça do partido em suficientemente poderosa para impor-se hegemonicamente ao conjun ¬
cada lugar e em â mbito nacional. Os partidos que
como nacionais, a despeito das diversas conotaçõ se afirmaram to da sociedade, às outras classes burguesas, médias e assalariadas;
assumiram, foram o PSD, UDN e PTB. O PCB, apesar
es regionais que ou no âmbito do poder estatal.
uma vida legal de pouca duração, em 1946 47 , de ter tido
realidade na vida política nacional, ao longo dos
-
continuou a ser uma Desde 1930, quando havia entrado em colapso o predomínio da
burguesia agrário-comercial baseada na cafeicultura, desde aquela
anos 1946-64. A
despeito dos diferentes embasamentos sociais
regionais, o PSD era ocasião havia-se formado no Brasil uma situaçã o de crise de hege ¬
um partido que reunia representantes de oligarquias monia. O poder burguês passou a ser exercido por uma combinação
guesias rurais, burguesias de base industria
agrá rias, bur¬
l grande parte da buro¬ tácita, ou declarada, conforme a ocasião, de vá rios grupos e classes
cracia p ública e federal e estadual e outros setores. sociais. Os desenvolvimentos das forças produtivas e relações capi¬
diferentes ocasiões se associou ao PSD, tinha umaObase PTB, que em
talistas de produção, na cidade e no campo, na indústria e agri¬
principal ¬
mente operá ria, urbana. É bom lembrar que o PTB cultura, provocaram tais desenvolvimentos das classes sociais, suas
Vargas para organizar e mobilizar os trabalhad foi criado por
relações e antagonismos, que surgiu a necessidade de os governan¬
banos independentemente e em oposição ao PCB
PSD que muitas vezes formaram a base polí
ores assalariados ur¬
. Foram o PTB e o
tico-partidá ria do po¬
tes — burocratas e tecnocratas, civis e militares, políticos e intelec¬
tuais, nacionalistas e pró-imperialismo — exerceram o poder estatal
pulismo. Assim como houve ocasiões em a serviço de um bloco de poder no qual não havia uma classe he¬
que o populismo contou
com a adesão tácita ou declarada do PCB e
outros partidos ; ou gemónica. Aliás todos os anos 1930-64 estão marcados por essa
secções estaduais, municipais e regionais de outros
partidos. A UDN crise de hegemonia. E o populismo que se forma , desenvolve e trans¬
em geral reuniu setores burgueses e liberais de base forma ao longo desses anos, é uma expressão dessa crise de hege¬
urbana. Mas
também teve bases rurais. Dentre todos os partidos ,
foi a UDN que monia. O bloco de poder populista expressa tanto a crise de hege ¬

manteve mais constante contacto e aliança com


setores monia como a importâ ncia da aliança de classes.
Inclusive esse foi o partido que mais insistentemente imperialistas.
tra a democracia vigente no Brasil em 1946 64. trabalhou con ¬ Vá rios aspectos da história dos partidos polí ticos e suas bases so¬
seguiu nunca conquistar a Presidência da Rep
- A UDN n ã o con¬ ciais est ão registrados nos textos transcritos a seguir. Em termos de
ública por via eleito¬ tendências predominantes, crescia a importância política das popu ¬
ral . J â nio Quadros, com quem a UDN venceu em
1961, não era um lações urbanas, principalmente operá rios, empregados e funcioná rios.
1 . Guerreiro Ramos, A Crise do Poder Mas também cresceu a import ância política de operá rios rurais e
. .
p 76 no Brasil , Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1961,
camponeses, tais como colonos, moradores, sitiantes, parceiros, ar -
80 81
rendat á rios, posseiros e outros. Havia uma pol ítica urbana
—com
base cm sindicatos, partidos, com ícios, debates, eleições e outras sição a eles, pois o bom êxito de sua estratégia exigia o respeito à
conquistas democrá ticas
— que estava entrando pelo campo, nos
.
s í tios e fazendas, nos latif ú ndios e empresas
legalidade. Qualquer mudança maior do sistema pol ítico acarretaria
contra ela a revolta dos grupos oponentes. Portanto , os senhores
rurais precisavam dar provas de que representavam interesses de
Motta: “ A cisão havida no seio dos proprietá rios de terra na Re¬ importantes grupos sociais, a fim de obter o apoio deles.
volu çã o de 1930 ainda persistia e diversas oligarquias locais patro¬
cinavam outras agremiações políticas que não o PSD. Partidos como “ As idéias de independ ê ncia do PTB tiveram in ício com o pró¬
a UDN e o PTB contavam entre seus líderes pessoas fortemente prio desenvolvimento do partido na década dos 50: primeiramente
envolvidas no latif úndio. Elas também tentavam controlar a buro¬ com o personalismo de seu fundador e posteriormente com a indus¬
cracia e usavam da coerção eleitoral para angariar votos. Por outro trialização e o desenvolvimento urbano. A polí tica do PSD , que
lado, as pessoas situadas na base aderiam a um Partido, temporá ria dominava o governo no per íodo de 1955-60, foi responsá vel , em
ou permanentemente, em fun ção da linha política por ele adotada grande parte, n ão só pelo crescimento do PTB, como também , da
em vista de uma eleição ou assunto. “ O sistema partid á rio n ã o UDN. O pessedismo da época consistia em não alterar a estrutura
podia expressar claramente a luta política nacional, uma vez que agrá ria brasileira de forma a manter intacto o poder dos clãs rurais.
n ã o representava um delineamento preciso das forças políticas Os programas de governo visavam , entã o, à industrializa ção e à á rea
em
ação. Assim, surgiram várias organizações que se tornaram podero¬ urbana . Em conseqiiê ncia, a urbanização crescente n ão fez mais do
sos grupos de pressão para exercer as funções dos partidos. No Con ¬ que fortalecer os partidos urbanos , ou seja , a UDN e o PTB, par¬
gresso, outrossim , os partidos també m foram superados pelos blocos tidos vitoriosos nas eleições de 1960.
parlamentares . “ A subida do PTB à liderança governamental ocorreu em 1961 ,
“ A elite agrá ria não podia depender somente de um partido para quando a ren ú ncia do Presidente J â nio Quadros assegurou àquele
exercer controle político. Eram necessá rias alianças que lhe dessem partido a Presid ê ncia da Repú blica, na pessoa do Vice- Presidente
força . A mais importante foi a união PSD- PTB. O PSD aliou -se ao João Goulart . Durante o primeiro ano de governo, o PTB ainda
PTB na esperança de controlar o movimento trabalhista. No caso respeitou a aliança com o PSD. Mas, influenciado por grupos socia¬
do PTB, a aliança oferecia uma proteção capaz de facilitar lhe a
ascensão, já que o PSD era o mais forte partido nacional. Esta
- listas e pressionado por l íderes regionais, o Partido Trabalhista dei¬
xou-se seduzir pela possibilidade de governar sozinho. Gradativa¬
aliança , aparentemente estranha, pois unia o mais conservador
PSD — com o mais reformista — PTB —
tinha a sua razão. O PSD,
— mente passou a ignorar a alian ça e engajou-se na campanha pelas
reformas de base liderada pelos comunistas e socialistas. Até ent ão
sendo um partido tipicamente rural, raramente entrava em luta elei¬ fora a UDN o principal adversá rio do PTB, estendendo també m
toral com o PTB, cuja massa de eleitores se concentrava na á rea sua oposição à alian ça PSD-PTB. Quando este ú ltimo passou a di¬
urbana . A UDN era a inimiga eleitoral de ambos, pois competia rigir ataques contra a propriedade privada , o PSD rompeu a ali ¬
com o PSD na disputa do controle do sistema partid á rio nacional, an ça e juntou-se à oposição udenista. Esse novo compromisso uniu
e lutava com o PTB na conquista do eleitorado urbano. Qualquer os dois grandes inimigos polí ticos brasileiros: a elite agrá ria e os
uniã o com a UDN era impraticá vel, tanto para um , como para grupos liberais da ind ústria e da classe média ., O traço de uni ã o
outro. entre eles era a defesa da propriedade privada. A aliança não era
“ Através desse sistema de barganhas e compromissos, a elite rural um contrato formal entre as duas partes, mas apenas uma mudan ça
tentou assegurar sua preponderâ ncia na vida política nacional. Os de posições políticas dos líderes pessedistas, que passaram a se sub¬
latifundi á rios, utilizando o PSD, a coação eleitoral e a burocracia, meter ao comando da UDN. O conchavo contava com as simpatias
conseguiram garantir sua influência no processo decisório. Embora dos l íderes militares: estes, em uni ão com os udenistas, derrotaram
crescesse o poder de outros grupos, tais como os trabalhadores e o PTB e assumiram o poder em 31 de março de 1964 ” . 2
industriais, tal elite não pôde recorrer a uma ação coercitiva de opo¬ 2 . Paulo Roberto Motta, Movimentos Partidários no Brasil , Fundação Getúlio Vargas,
. - .
Rio de Janeiro, 1971 , p 46 48

82
83
Campello de Souza: “ Dizendo resumidamente,
versos, porém convergentes. A função clientelística foi concretamen¬
a ) os pequenos partidos ‘ideológicos’ cresciam de maneira pro te assumida pela alian ça na medida em que o PTB controlava o
¬
porcionalmente mais rá pida nas regiões desenvolvidas e nos Ministério do Trabalho e os órgãos da Previdência Social e da po¬
grandes
centros urbanos; l ítica sindical e o PSD detinha todo o controle burocrá tico refe¬
b) o PTB, que se desenvolvera a partir de urna base exclusiva rente aos interesses de suas bases de poder rural e local, além dos
¬
mente urbana , localizada sobretudo nos grandes estados, órgãos de política financeira do país. Como todos os compromissos
ampliava
sua penetração nos estados menos desenvolvidos e também no ¬ pré-eleitorais assumidos por Kubitschek para a distribuição dos mi¬
terior, elegendo deputados, e mesmo prefeitos, em cidades
in nistérios e postos-chave foram cumpridos durante o governo, a fun ¬
médias,
especialmente naquelas onde a população operária ou urbana
re¬ -
ção de recrutamento confundiu se com a função clientelística. Em¬
presentava uma proporção considerável da populaçã bora representassem papéis políticos distintos dentro do sistema po¬
o total. Essa
ampliação, obviamente, não chegava a descaracterizá lo lítico, o PSD e o PTB formaram, ao ní vel nacional , uma aliança que ,
do trabalhista urbano;
- como parti¬
vigente com maior ou menor intensidade nos governos Dutra, Vargas,
c) face à concorrência dos pequenos partidos e do PTB, os Kubitschek e Goulart , tomou-se a força política mais expressiva no
mados partidos conservadores tradicionais
— PSD, PR e UDN
viam-se forçados a procurar suas bases ‘naturais’, e a cultivar
maior aproximação com elas. Parece possível afirmar,
cha ¬

uma
tendencial-
— período que se estende da criação à extinção daqueles partidos. O
ponto ótimo dessa aliança parece ter-se dado no per íodo que abran¬
ge o início do Governo Kubitschek até, grosso modo, fins de 1959,
mente, que eles teriam de aumentar a mobilização de suas quando as cisões e contradições entre os partidos passam a superar
respec¬
tivas bases, à medida que perdiam apoio, conquistado pelo PTB os benef ícios da união.
pelos pequenos partidos urbanos ” . 3
e
“ No Governo Dutra, por exemplo, a fragilidade da aliança PSD/
Todos os governos eleitos em 1946-64 tiveram algo a ver com o PTB é evidenciada em termos de participação no poder, pelo fato
populismo. Mesmo o governo J ânio Quadros, que durou alguns de que o PSB obtém 11 Ministérios, a UDN 3 e o PTB apenas a
meses, em 1961, beneficiou-se de uma aliança “ secreta ” com o pasta do Trabalho e mesmo assim ocupada por um petebista muito
po¬
pulismo no processo eleitoral. E é provável que uma das ligado ao PSD do que ao trabalhismo, como Otacílio Negrão de
razões
da crise em que se vê o governo Quadros, logo em seus primeiros Lima. No Governo Vargas de 1950 a predominância da alian ça
meses, se deva à contradição entre um governo altamente compro¬ PSD/ PTB é nítida (sob a hegemonia do PSD) , embora a UDN re¬
metido com o grande capital financeiro e monopolista, por um ceba quatro pastas e o PSP ( Partido Social Progressista) , uma. O
e uma opinião pública amplamente organizada em termos
lado,
naciona¬ ministério do governo de transição de Caf é Filho caracteriza-se uma
listas, em favor de reformas sociais, avançando para conquistas de¬ composição contrá ria à aliança PSD/ PTB.
mocrá ticas cada vez mais amplas e realmente populares. A partici¬
paçã o do povo no processo político era tal que todo governo
algo a ver com o populismo. Havia alianças, frentes e outros ¬
teve
ar
“ J á no Governo Kubitscheck —
e é nesse sentido que conside¬
ramos o ponto ótimo da aliança ao nível governamental —
a con¬
ranjos entre o PSD e o PTB, às vezes incluindo setores de partidos centração ministerial em torno de PSD / PTB é de 78 % em compa ¬
tais como o PCB e outros, que propiciavam formas de “ legitima ¬ ração com os 61 % de Vargas, sendo a lideran ça do PSD mais acen ¬
ção” , “ clientelismo” e “ recrutamento” freqüentes no populismo
. tuada: 52% contra os 44 % de Getúlio.
"Quanto à função de legitimação consideramos que a alianç
a fun¬ “ No governo presidencialista de Goulart a alian ça ressurge, mas
cionou efetivamente como um canal para o processamento das ¬
ferentes demandas no sistema político, representando interesses di
di
-
sob a hegemonia do elo até então mais fraco —o PTB. A posição
do PSD mudou: de partido do poder, com apoio do PTB, passou
a partido do poder por apoiar o PTB! Isso porque, para defender
/ ái êSSOÍ Pomcos no Brasil ( m a
° seus interesses no poder, o PSD é obrigado a apoiar, de certa ma-
84
85
nciru c até certo ponto, políticas às vezes de interesses antag to à pró pria elite. Deu-se isso, primordialmente , porque a alian ça
óni¬
cos” .
4 ocorrera apenas no â mbito restrito da Câ mara dos Deputados, en ¬
quanto que continuava a haver disputas políticas, nos Estados e
À medida que avançava o processo democrá tico, que os Municípios. Os militares necessitavam de uma estrutura de apoio,
trabalha ¬
dores em geral, na cidade e no campo, organizavam-se em termos uma vez que os principais líderes civis da Revolu ção se tinham in ¬
pol íticos, as forças reacioná rias do País, em associação com disposto com o governo, logo em 1965. A elite rural , por sua vez ,
o im ¬
perialismo, movimentavam-se no sentido de bloquear o processo ¬ tencionava reagrupar meios, a fim de dominar o governo. A impor¬
l ítico. Tanto a burguesia urbana como a rural
uma categoria social unificada
— —
quando não eram
po

mobilizaram-se para deter o as


censo político do povo. Já era amplo e intenso o processo político
¬
tâ ncia dos partidos foi minimizada pelo governo militar e o BRP do¬
minado pelos udenistas, que formavam obstá culos à ascensão dos
l íderes latifundiá rios.
de base popular, que se desenvolvia nos sindicatos, partidos ,
elei¬ “ Ocorreu todavia uma convergê ncia de interesses entre os mili¬
ções, greves, comícios, debates e muitas outras atividades.
Exata¬ tares e os propriet á rios de terra, ambos interessados numa reorga ¬
mente nos anos em que mais avançaram as lutas democrá ticas,
em niza çã o total das forças políticas. Como os partidos políticos, então
1961-64, precisamente nesses anos as forças reacioná rias organiza¬
ram-se para pôr em prá tica o golpe de Estado de 31 de março existentes , eram vistos como uma barreira que impedia a conse¬
de 1964 . cução desse objetivo, tinham de ser extintos. Isso feito, a elite agrá¬
ria conseguiu o que lhe era necessá rio para dominar a vida po¬
“ Do ponto de vista da elite agrá ria , a Revolu ção de 1964 signi¬ lítica ” . 5
fica que: primeiro, ela , embora apoiasse o movimento, não partici¬
pou da lideran ça e que, segundo, uma vez perdida a liderança po¬ A luta pela industrializa ção, nacionalização, estatiza ção, reformas
l í tica , teria de armar uma outra configura ção de forças que lhe de base, liberdade sindical, partidos políticos livres, cidadania e
assegurasse predom ínio efetivo na vida pol í tica nacional. muitas outras reivindicações populares e burguesas, todas essas lutas
expressam avanços democrá ticos, por dentro e por fora do popu ¬
“ Em primeiro lugar, o movimento de 1964 foi fomentado, em lismo. Esse processo político de grande envergadura aparece na
grande parte, pelas lideranças udenistas. Embora diversos
membros vida dos partidos e nas eleições. Por exemplo, aumenta o percen¬
do PSD apoiassem o governo, os postos principais eram controlados
tual do PTB, passando de 7,7 % , em 1945, para 29 ,8% em 1962.
pela UDN. Além disso, o Bloco Parlamentar Revolucionário ( BRP) , Bem ou mal, cresce a importância política dos assalariados em geral,
criado para dar apoio legislativo ao governo, era comandado pela
UDN. O BRP era constitu ído por, praticamente, todos os udenistas ,
.
principalmente operá rios urbanos Aliás, em 1962 já era notável
a penetração do PTB e do populismo no campo. Leonel Brizóla, no
um terço dos pessedistas e um quinto dos petebistas. A elite agrá ria , Rio Grande do Sul, Miguel Arraes e Francisco Julião, em Pernam¬
por sua vez, foi enfraquecida pela existência de um governo militar buco e outros Estados do Nordeste, além de outros políticos gover¬
aliado à UDN . Quando começaram a surgir divergências entre civis nadores, partidos, sindicatos rurais e ligas camponesas, tiveram al¬
e militares ela conseguiu . . . uma oportunidade de retornar à parti¬ guma ou muita rela ção com a expansão do populismo no meio
cipa ção nas lideranças revolucioná rias. rural.
“ Em segundo lugar tem-se que, sem d ú vida , o fato mais impor¬ Em termos de polariza ções, o PTB tende a basear-se cada vez
tante, do ponto de vista de tal elite, foi a retomada do comando mais amplamente em setores populares, tais como oper á rios, empre¬
da vida política. A coliga ção de forças nascida sob o novo regime gados, funcionários, camponeses e alguns outros. Inclusive combi¬
constitu ía-se, principalmente, do BRP e do minoritário Bloco da na-se bastante com o sindicalismo urbano e rural. També m as ligas
Oposi çã o. N ão obstante , a agrega ção de interesses pela criação de camponesas, criadas em grande n ú mero no Nordeste, em 1955-64 ,
blocos parlamentares revelou-se insatisfatória tanto aos militares quan¬ articulam-se bastante com o PTB e outras organizações pol í ticas que
4 Mari » Victória de Mesquita Bencvides , O Governo
se inserem direta ou indiretamente no movimento populista. “ Em
(Desenvolvimento Eco-
nOmUo e I stabilidade Política 1956- 1961) , Editora Paz eKubltschek
-
72 7 J . Terra , Rio de Janeiro, 1976, p. .
5 . Paulo Roberto Motta , Movimentos Partidários no Brasil , citado, p. 49

86 87
muitos municípios o PTB se transformou em um partido represen¬
tativo da classe trabalhadora ” . 6 E a UDN e o PSD se tornam cada seiros, peões, camaradas, empregados, vaqueiros, seringueiros e mui ¬
vez mais nitidamente partidos de setores sociais burgueses urbanos tos outros camponeses e operá rios rurais desenvolveram bastante a
e rurais. “ Há um aumento sistemático na porcentagem de votação sua organização e combatividade. Emancipavam-se das amarras po¬
total dada à UDN, à medida que se eleva a situação de classe” . 7 líticas do latif úndio, fazenda, empresa, do patrão, compadre, padri ¬
Durante esses anos cresceu muito a população operá ria na cidade nho, coronel. Começavam a conferir à sua voz e ao seu voto um
e no campo. Além do aumento e diversificação da força de traba ¬ significado mais condizente com os seus interesses pessoais, de grupo ,
lho propriamente dita, é necessário levar em conta os familiares e vizinhança, condição ou classe. O princípio e a prá tica da cidadania
dependentes, crianças e velhos, que compõem a classe operá ria. Em ganhavam algumas bases políticas novas também no campo, sob di¬
termos de Brasil, os operá rios somavam 781.185 pessoas em 1940, versas formas de organização da produção. Na cafeicultura, pecuá ¬
1.279.184 em 1950 e 1.425.886 em 1960. Em 1970, no entanto, ria, seringai, agroind ústria canavieira , produ ção do fumo, da uva ,
passam a um total de 2.225.526 pessoas. 8 Em geral, é bem elevada em diferentes atividades produtivas rurais, o sindicato, a liga, o
a percentagem de operários concentrados no Estado de São Paulo, partido, a eleição, ,o voto, a representação, o comício, a greve e
como um todo, ou na á rea da Grande São Paulo. Sem esquecer a outras formas de organização política ganhavam realidade e força.
crescente proletariza ção no campo, com o desenvolvimento da agro- Em 1963, por exemplo, havia 270 sindicatos rurais reconhecidos, e
indústria canavieira, do fumo, vinho, oleaginosas, sucos e outras pro¬ 557 aguardando reconhecimento; e um total de 10 federações rurais
já reconhecidas e 33 aguardando reconhecimento. 10 Nesse mesmo
duções agroindustriais; além do caf é, algodão, arroz, gado, etc A
proletarização, o desenvolvimento das classes sociais, a expansão e
. ano, eram 218 as ligas camponesas em funcionamento em todo o
diversificação do mercado interno, a intensificação da divisão do País, sendo que havia 64 em Pernambuco, 15 na Para íba, 15 em
trabalho (em â mbito da economia como um todo, de cada um dos São Paulo, 5 no Rio Grande do Sul, 8 no Pará, além de outras dis¬
setores, em particular, e de cada f ábrica e fazenda ) , tudo isso en¬ persas pelos outros Estados. 11
volve a politização crescente das relações sociais, das relações so¬ “ Com a finalidade de realizar a reforma agr á ria que efetivamente
ciais de produ ção. Cresce tanto a participação política em geral interessa ao povo e às massas trabalhadoras do campo, julgamos in ¬
como o engajamento em sindicatos, partidos, eleições, comícios, dispensável e urgente dar solução às seguintes questões:
greves, debates. Em 1950, eram 1.075 os sindicatos de empregados
existentes no Brasil. Em 1960 já somam 1.608. E em 1965 totalizam a) Radical transformação da atual estrutura agrá ria do pa ís, com
2.049. E os associados de sindicatos de empregados, que eram a liquidação do monopólio da propriedade de terra exercido pelos
807.442 em 1953, alcançam um total de 1.602.021 em 1965.9 latifundiá rios, principalmente com a desapropria ção, pelo governo
federal, dos latif úndios, substituindo-se a propriedade monopolista
No campo também crescia a atividade política organizada por in¬ da terra pela propriedade camponesa, em forma individual ou as¬
termédio dos partidos, sindicatos rurais, ligas camponesas, coopera ¬ sociada, e a propriedade estatal.
tivas de trabalhadores rurais e outras organizações. Juntavam-se às
tradições de lutas sociais no campo os movimentos políticos de b) Má ximo acesso à posse e ao uso da terra pelos que nela de¬
base urbana. Ao lado do messianismo, do catolicismo rústico, do sejam trabalhar, à base da venda, usufruto ou aluguel a preços mó¬
cangaço, reuniões de bairros e muitas outras atividades, sempre dicos das terras desapropriadas aos latifundiá rios e da distribuição
com alguma conotação política, desenvolviam-se as atividades de gratuita das terras devolutas.
sindicatos rurais, ligas camponesas e partidos políticos. Assim, os Al ém dessas medidas que visam a modificar radicalmente as atuais
sitiantes, moradores, meeiros, parceiros, arrendatários, colonos, pos - bases da questão agrá ria no que respeita ao problema da terra , sã o
6 . Gl á ucio Ary Dillon Soares, Sociedade e Política no Brasil , Difusão Européia do Li¬ necessá rias soluções que possam melhorar as atuais condições de
.
vro São Paulo , 1973, p. 196.
.
7 . Gl á ucio Ary Dillon Soares, op c/f., p. 198. vida e de trabalho das massas camponesas, como sejam:
8 . Helo ísa Helena Teixeira de Souza Martins, O Estado e a Burocratização do Sindi¬
cato no Brasil , Hucitec , São Paulo, 1979, p. 74. 10 . Robert F. Price, Rural Unionization In Brazil , mimeo., 1964, p . 83.
. . .
- ..
9 Helo ísa Helena Teixeira de Souza Martins, op cit , p 75 e 76. 11 . Coronel Ferdinando de Carvalho. O Comunismo no Brasil ( Inqué rito Potlcln! Mili ¬
tar n* 709) , 4 vols., Biblioteca do Exército Editora , Rio de lanclro, 1967 , I " v l , p
380-381.
88
89
a ) Respeito ao amplo, livre e democrático direito de organização no passado, de bloquear o processo político e destruir as conquistas
independente dos camponeses em suas associações de classe. democrá ticas.
b) Aplicação efetiva da parte da legislação trabalhista já existente Durante a vigência do regime democrá tico burguês, em 1946-64 ,
e que se estende aos trabalhadores agrícolas, bem como imediatas os acontecimentos políticos ( de cunho populista e adversos ao po¬
providências governamentais no sentido de impedir sua violaçã .
o pulismo, favoráveis à democracia e reacioná rios, tomados em con¬
Elaboração de Estatuto que vise a uma legislação trabalhista ade¬ junto e em perspectiva histórica ) propiciam algumas indicações de
quada aos trabalhadores rurais. grande importâ ncia.
c) Plena garantia à sindicalização livre e autónoma dos assala¬
riados e semi-assalariados do campo. Reconhecimento imediato dos
-
Primeiro, desenvolveu se a sociedade civil, em termos de ativida ¬
des, organizações e produções tais como: associações de classes,
sindicatos rurais. sindicatos, partidos, debates, propostas, correntes de opinião pú bli ¬
d ) Ajuda efetiva e imediata à economia camponesa, sob todas ca, circulação cada vez mais ampla de informações, idéias, pessoas,
as suas formas” . 12 organizações, controvérsias, mercado nacional, comunicações e trans¬
portes , articulações regionais e nacionais, etc. Desenvolveu-se bas¬
O que está acontecendo, por dentro e por fora do populismo, tante a sociedade nacional , como uma totalidade histórica, aberta ,
em sindicatos rurais, sindicatos urbanos, partidos políticos, eleições, em movimento. Os desenvolvimentos da economia, em termos de
greves, comícios, debates e muitas outras atividades políticas do indústria, agricultura, comércio, finanças, em termos de lugares, re¬
povo em geral ,

o que est á acontecendo é um avanço real do pro¬
cesso democrático. Além das propostas desenvolvimentistas, nacio¬
giões e nação, mercados, divisão do trabalho, mercantilização, etc.,
propiciaram alargamentos da economia política de uma sociedade
nalistas, antiimperialistas, industrialistas, pelas reformas de base e cada vez mais dinâmica, complexa, diversificada e nacional. Os
muitas outras, o processo político revela uma progressiva formação vá rios regionalismos foram reduzidos, subordinados ou redefinidos,
da opinião pública, do cidadão, da sociedade civil. A despeito da em termos de uma sociedade cada vez mais nacional.
atuação de forças reacioná rias, alarga-se, avança o processo
demo¬ Segundo, ao mesmo tempo desenvolveu-se a cidadania, como prin¬
crático. Pouco a pouco, a massa de migrantes, trabalhadores sem
direitos, negros, brancos, mulatos, índios, mestiços, imigrantes, cató¬ cípio e prá tica políticos. À medida que avan çava e consolidava-se
licos, protestantes, espiritas, umbandistas começam a aparecer como a vida política , em termos de organizações e atividades políticas e
pessoas, cidadãos; gente com algum direito, voz e voto. culturais (tais como associações, sindicatos, ligas camponesas, parti¬
dos, igrejas, escolas, além de debates, controvérsias, comícios, elei¬
Pouco a pouco, a massa começa a ganhar a fisionomia e o mo¬ ções, greves, etc.) também desenvolvia-se o princípio e a prá tica da
vimento de classe. Os operá rios da indústria e da agricultura, os cidadania. Pouco a pouco, as pessoas começavam a sentir-se e defi¬
camponeses, os empregados de escritórios de empresas privadas, os
funcionários de escritórios de repartições públicas, muitos, milhares, nir-se como cidadãos, com voz e voto, com opinião e decisão. A
despeito das diferenças e discriminações de classe, raça, religião,
milhões começam a pôr e repor as suas reivindicações económicas
e políticas. Ao longo dos anos 1946-64, há um ascenso geral do -
sexo e outras, as pessoas começavam a definir se com base em um
povo no processo político. E é contra esse ascenso, contra a meta¬ elemento político comum, às vezes novo, para muitos. A filiação
partidá ria, a filiação sindical, o voto secreto nas eleições municipais,
morfose da massa em classe, que cai toda a brutalidade do Golpe estaduais e federais, a possibilidade de falar pela voz do deputado,
de Estado de 31 de março de 1964. Tratava-se de colocar o povo,
os operá rios e camponeses, entre outros trabalhadores, fora do pro¬ de fazer-se ouvir pelo líder do sindicato ou partido, por via da im¬
cesso político. Tratava-se, mais uma vez, como em muitas ocasiões prensa , escrita ou falada, tudo isso constitu ía o princípio e a prá tica
da cidadania.
Terceiro, a massa , o povaréu , começou a sentir-se, compreender-se
12 “ Declaração dc Belo
c Trnbulhadorcs Agr ícolas, aHorizonte ” lançada pelo I Congresso Nacional dos Lavradores
17 de novembro 1961. Conforme transcrição dc Francisco
IIIIIAO , Oue S3o as Ligas Camponesas, Editora de
. - -
p 81 87 , citaçio das p. 84 85. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1962, e atuar como classe. Pouco a pouco, na cidade mais do que no

90 91
campo, em certas á reas da industria mais do que em outras, o tra¬
2.
-
balhador começou a ver se como operário, empregado, funcioná rio,
camponês e assim por diante. Ao longo dos acontecimentos polí¬ MILITARISMO E CLASSES SOCIAIS
ticos e económicos, desde as eleições e as greves, em muitos luga ¬
res, nos sindicatos e partidos, a massa desenvolveu-se em classe.
Quarto, por fim, e ao mesmo tempo que se desenvolviam todos
esses processos histórico-estruturais, o Estado ia adquirindo uma ar¬
ticulação especial, surpreendente, com a sociedade, as classes, os
grupos, o povo, os trabalhadores, os cidadãos. Pouco a pouco, à
medida que se desenvolvia a sociedade civil, que as classes sociais
emergiam da massa, que o cidadão começava a apresentar fisiono¬
mia e movimento, pouco a pouco o Estado ganhava uma configu ¬
ração histórica mais condizente com setores cada vez mais amplos
da sociedade. À medida que caminhava o processo democrá tico,
avançavam as conquistas, os movimentos populares se desenvolviam Na história das classes sociais no Brasil, o Golpe de Estado de
e consolidavam , também o Estado ganhava configuração mais de¬ 31 de março de 1964 assinala uma ruptura de profundas implica ¬
mocrá tica; parecia cada vez mais aberto às propostas dos movimen ¬ ções. A ditadura militar expressa o predomínio da grande burguesia
tos políticos de base popular. financeira e monopolista no mundo do Estado , das relações do Es¬
tado com as classes subordinadas, as várias categorias de “ cidadãos ”
e o conjunto da sociedade civil. Vários processos que se desenvol¬
viam na sociedade brasileira “ amadureceram” ou se tornaram muito
mais explícitos. Na pr á tica, a ditadura instalada com o golpe ex¬
-
pressa a vitória da contra revolução burguesa que se formou por
dentro da revolução burguesa brasileira. Sob vá rios aspectos, toda a
história da revolução burguesa no Brasil é também a história do
-
desenvolvimento e predomínio da contra revolução burguesa embu¬
tida no processo histórico brasileiro. Nesse sentido é que a contra-
revolução de 64 põe em evidência aspectos notáveis das relações
de classes e do processo político brasileiro .
Primeiro, a ditadura bloqueou e destruiu amplamente as conquis¬
tas democrá ticas que se vinham realizando no país desde a derru ¬
bada da ditadura do Estado Novo ( 1937-1945) . Ao longo dos anos ,
foram notá veis as conquistas democrá ticas burguesas e populares.
Em termos de partidos e sindicatos, associações e ligas, debates e
eleições, comícios e greves, reivindicações e direitos, foram bastan ¬

tes e notáveis as conquistas democrá ticas. A despeito dos freqiientes


e reiterados surtos reacioná rios, golpistas, o processo democrático
avançou bastante nos diversos lugares, níveis, ambientes e regiões
da sociedade brasileira. A ditadura organizou-se de modo particular¬
mente brutal, inclusive para destruir essas conquistas democrá ticas.
92 93
Tanto as conquistas democrá ticas populares como as burguesas foram Quarto, por fim , cabe tornar ainda mais explícito um aspecto
destru ídas sob o mando da grande burguesia financeira e monopo¬
fundamental do militarismo que toma conta do Pa ís desde 1964. O
lista. Para garantir-se contra os avanços políticos da classe operá ria , que está em quest ão, nessa é poca , é a ostensiva entrada de milita ¬
campesinato, empregados, funcion á rios , estudantes, intelectuais e al¬ res no processo político e no aparelho estatal , de modo a realizar
gumas outras categorias sociais da cidade e do campo, a grande uma eficaz recuperação do Estado burguês cm crise. Trata-se de
burguesia nacional e estrangeira preferiu incentivar a destruição dos instaurar, por via militar, as condições de “ ordem e progresso ” , ou
partidos, sindicatos, ligas camponesas, liberdade de imprensa, de “ segurança e desenvolvimento” , que as burguesias não estavam em
ensino e pesquisas e muitas outras conquistas democrá ticas. condições de criar por meio dos partidos. Diante do ascenso político
Segundo, a ditadura foi levada a adotar medidas e políticas de do povo, de oper á rios e camponeses, funcioná rios e empregados,
cunho social , educacional, económico, político, cultural e outras que estudantes e intelectuais, as burguesias nacional e estrangeira ape¬
aceleram o processo de transformação da sociedade brasileira em laram a determinados setores militares, policiais, da igreja , latifun¬
uma vasta f á brica de produção de lucro, renda e juro; ou mais- diá rios e outros, para quebrar a mesma ordem constitucional bur¬
valia. O capitalismo desenvolveu-se bastante, em termos intensivos e guesa que as lutas de classes estavam fazendo avançar. Diante do
extensivos, na cidade e no campo. Ao mesmo tempo que se desen¬ ascenso político do povo, no sentido de fazer avan çar a democracia ,
volvem as forças produtivas e as relações capitalistas de produção, a grande burguesia prefere destruir inclusive as poucas conquistas
desenvolvem-se as classes sociais, a produ ção de mais-valia absoluta democrá tico-burguesas alcançadas em 1946-64: voto secreto, parti ¬
e relativa , o poder do capital e as contradições de classes. Mais do dos, habeas-corpus , liberdade de imprensa , liberdade de reunião e
que em qualquer é poca anterior, a sociedade brasileira ganhou ainda discussão.
mais ampla e nitidamente o jeito de uma vasta f á brica, sob o lema Tudo isso significa que o militarismo que assume o poder em 64
“ segurança e desenvolvimento” . ( tendo sido gestado em anos anteriores, por dentro e por fora do
Terceiro, a ditadura militar é apenas a dimensão mais visível de processo democrático) expressa uma face muito especial da luta de
um bloco de poder que as consolida no controle do Estado brasi¬ classes; no Brasil e em â mbito internacional. Para o imperialismo
( norte-americano, alemã o e outros) o golpe salvou o Brasil para o
leiro. A grande burguesia, estrangeira e nacional, é a classe mais
importante desse bloco. Ela já era muito forte nos anos anteriores. “ mundo ocidental e cristão ” , isto é, antidemocrá tico, anti-socialista ,
Em 1956-60, sob o governo Kubitschek , ganhou muita força e poder. anti-soviético, contra-revolucioná rio. A ditadura militar instalada no
Em 1961-64 sentiu que o seu poder estava sendo ameaçado pela Brasil faz parte de uma onda fascista internacional , comandada
pelos governantes dos Estados Unidos. Essa ditadura é, simultanea ¬

crescente força pol ítica das classes assalariadas, principalmente ope¬


mente, expressão das contradições e lutas de classes em â mbito na ¬

rá rios e camponeses. Mas desde 64, passou a mandar e comandar


cional e internacional.
nas diretrizes do poder estatal. A ditadura colocou o aparelho es ¬
tatal quase que totalmente a serviço dos interesses dessa grande Vale a pena observar melhor algumas características da estrutura
burguesia. Tanto o planejamento governamental como a violência e relações de classes nos anos da ditadura militar. Alguns dos mo¬
estatal , a repressão e a censura , toda a vasta má quina do Estado, vimentos reais e potenciais da sociedade brasileira nesse tempo po¬
todo esse poder foi posto a serviço da acumula ção capitalista. As dem ganhar maior clareza se examinarmos alguns dados sobre as
outras classes, os outros grupos sociais que se associam no bloco classes sociais.
do poder obtêm algumas migalhas, restos do festim que a ditadura Durante as ú ltimas décadas, a estrutura de classes da sociedade
propicia à grande burguesia. Setores de classe media, pequena bur ¬ brasileira modificou-se bastante. Alguns processos estruturais impor¬
guesia , militares, policiais, clero, latifundiá rios, intelectuais , tecno- tantes, tais como a industrialização, a migração de trabalhadores (de
cratas, todos se articulam sob o mando da grande burguesia finan ¬ uma região a outra , do campo à cidade , da cidade ao campo) , a
ceira e monopolista. urbanização , o desenvolvimento do terciá rio e outros ganharam gran ¬

de dinamismo ao longo desses anos. Desenvolveram-se as forças pro-

95
dutivas c as relações capitalistas de produção, na cidade e no campo, Um aspecto fundamental da estrutura de classes da sociedade bru
na ind ú stria e agricultura. Em 1950, a população ocupada nos vá rios sileira pode ser observado na forma pela qual se distribui u renda .
setores e subsetores da economia brasileira passava de 17 milhões; Entre 1960 e 1970, cresceu bastante a renda do contingente muU
cm 60 ia além de 26 milhões; em 70 já ultrapassava 34 milhões; e rico da sociedade , ao passo que caiu a de todos os outros segmento!
cm 1976 era quase 39 milhões de pessoas. Em termos relativos, da sociedade. Conforme os dados disponíveis, os 5% superiores da
entre 1970 e 1976, os empregadores passam de 1,3% a 2,7 % ; os
popula ção remunerada tiveram a sua participação na renda aumen
empregados de 48,0% para 61,3%. Enquanto cai, cm termos abso¬
tada de 27,4 % para 36,2 % , ao passo que os 50 % inferiores ca í ram
lutos e relativos, o contingente ocupado na agricultura, aumenta
de 17,7 % para 13,7 % . 14
aquele ocupado em atividades ligadas à ind ústria, comé rcio, governo
e outras. Em 1970, as pessoas dedicadas a atividades agrícolas al¬ A ditadura expressa e consolida a vitória do bloco de poder cons¬
cançavam 51,6 % do total das pessoas ocupadas na economia bra ¬
titu ído sob o mando da grande burguesia estrangeira e nacional.
sileira. Em 1976, a agricultura brasileira ocupava somente 36,7 % Como produto e desenvolvimento da contra-revolução burguesa , ar ¬
desta população. Esse processo de diversificação da estrutura ocupa ticula praticamente todos os interesses reacionários, antipopulares e
-
cional brasileira, que já vinha em franco desenvolvimento desde antinacionais, de modo a alargar e intensificar a exploração da classe
as décadas anteriores, continua sob a ditadura. 13 Cada vez mais, operá ria e campesinato. “ A partir de 1964, as medidas do governo
diversificam-se as atividades produtivas, as relações de produção e brasileiro estimularam a acumulação de capital, favorecendo o ca ¬
as classes sociais. Tanto cresce o predomínio da cidade e da indús¬ pital estrangeiro, e mantendo os baixos custos da mão-de-obra . . .
tria sobre o campo e a agricultura como crescem as articulações O controle do governo sobre os sindicatos aumentou a partir de
entre a cidade e o campo, a indústria e a agricultura. Cada vez 1964 e o desenvolvimento capitalista dependente do Brasil depois
mais larga e intensamente o grande capital financeiro e monopolista de 1964 está sendo levado sob governos autoritários que expressam
(combinando a indústria, o banco, o comércio e a agricultura ) os interesses da burguesia internacionalizada e dos proprietá rios de
con¬
terras e tentam expandir as atividades económicas do governo” .
quista e reconquista a sociedade e o Estado. É nesse contexto que 15

cresce e alarga-se o poder da grande burguesia. Ao mesmo tempo De fato, cresceu bastante a tecnocracia estatal (civil e militar) . E
que se diversificam as relações de produção e as classes a burocracia pú blica , isto é, a massa dos funcioná rios pú blicos civis
sociais,
sob a ditadura militar aumenta o predomínio da grande burguesia
. (e reformados) , que engloba a tecnocracia, naturalmente cresceu
Desde que se instalou a ditadura não só se desenvolveram as mais ainda. Em 1960, a administração pú blica empregava 363.669
forças produtivas e as relações de produção como também cresce¬ funcionários. Em 1970 já eram 633.490 e em 1976 os funcioná rios
ram muito a concentração e a centralização do capital. As razõ pú blicos brasileiros totalizavam 1.379.302 pessoas. Em termos per¬
es centuais, isto é, relativos , também cresceu bastante o funcionalismo.
do capital, da grande burguesia , tomaram de tal forma o aparelho
estatal que as razões do Estado brasileiro passaram a ser fundamen¬ “ A administração pú blica empregava cerca de um vigésimo dos
talmente as do grande capital financeiro e monopolista. O Estado assalariados urbanos , entre 1950 e 1970, mas em 1973 e 1976 esta
passou a exercer, em uma escala talvez nunca igualada proporção cresceu para 7 a 8% . Como nestes ú ltimos anos muitas
em épocas autarquias e repartições foram transformadas em empresas ( por
anteriores, a função de gerente da vasta e complexa f á brica em
que se torna a sociedade brasileira. E o grande capital exemplo os correios e telégrafos, serviços de águas e esgotos, de
financeiro, melhoramentos urbanos, rodoviá rios, etc.) , o crescimento da pro¬
no qual os capitais bancá rio e industrial exercem o domínio dos
principais processos económicos, alarga mais do que nunca porção de empregados pú blicos é algo surpreendente. Ele talvez
a sua seja devido à grande expansão dos serviços de consumo coletivo
preponderâ ncia nas decisões e atividades do Estado. Nesse
sentido
é que o governo militar expressa apenas uma face de uma
ditadura 14 . Rodolfo Hoffmann , "Tendências da Distribuição da Renda no Brasil e suas Rela ¬¬
mais poderosa: a da grande burguesia, do grande capital. e Arthur Car
ções com o Desenvolvimento Económico” , publicado por Ricardo TolipanDesenvolvimento
los Tinclli (organizadores) , A Controvérsia sobre Distribuição de Renda e .
Zahar Editores, Rio de Janeiro , 1975 , cap. 4, p. 108.
13 . Paul Singer, Evolução da Estrutura Social 15 . Vilma Figueiredo, Desenvolvimento Dependente Brasileiro, Zahar Editores , Rio de Ja ¬
São Paulo. 1979, p. 29-A. Brasileira: 1950 a 1970, mitneo., Cebrap,
-
neiro, 1978, p. 122-3, 125 126.
96 97
(educação, sa úde , previdência social) , que continuam sendo presta ¬ gresso ou intervir num dos Estados da Oposição ( sendo n Gmmii
dos por ó rgãos da administra ção pú blica ” . 16 bara e São Paulo aqueles em que é mais prov á vel isso ocorrer ) I le
Assim , o bloco de poder conta com uma extensa burocracia , civil reconhece, contudo, como eu também, que Goulart poder á ovltni
e reformada , visível e invisível, presente e ativa em todos os níveis uma provoca ção óbvia , buscando um fato consumado utruvé i* tin
e em todas as regiões da sociedade brasileira. Seja em Brasília , ou manipulação de terceiros, do arrocho financeiro de Estado» o tie
no mais afastado município ; seja na arrecada ção de impostos ou
na concessão de favores e incentivos fiscais e crediticios para a
um plebiscito —
incluindo os votos dos analfabetos em apoio
de uma tomada do poder ao estilo bonapartista ou degaullista Poi
— .
grande burguesia; seja na á rea educacional ou policial, na comuni¬ isso , Castello Branco vem se preparando para uma possí vel ação
ca ção social ou na espionagem ; em todos os lugares est á presente provocada pela convoca çã o de greve geral , de instiga ção comunista ,
a vasta e complexa burocracia p ú blica posta a serviço do bloco por outra rebelião de sargentos, pela realizaçã o de um plebiscito
de poder . a que o Congresso se oponha ou mesmo uma grande reação gover ¬
namental contra a liderança civil ou militar democrá tica ” . 17
Sob o militarismo, o Estado est á posto a serviço da grande bur¬
guesia, da acumula çã o capitalista em larga escala. A ditadura c Desde que se instalou amplamente no poder estatal , mediatizada
a ponta do iceberg , do bloco de poder criado sob o mando da pela colaboração e associa ção de latifundi á rios, setores da Igreja ,
grande burguesia financeira e monopolista. Ela é a aparê ncia , o tecnocracia civil e militar e outras categorias sociais, a grande bur ¬
que é mais imediato e visível , da ditadura da burguesia . Foi a bur ¬ guesia conseguiu instaurar a sua ditadura sem aparecer como a
guesia que inspirou , orientou ou mesmo comandou a desestabiliza- classe ditatorial . Tudo pareceu resumir-se e desvanecer-se na dita ¬
ção do governo Goulart . Organizou uma ampla e intensa campanha dura militar. Na prá tica , foi a própria burguesia que inspirou ou
internacional , e dentro da sociedade brasileira, para desacreditar a comandou a contra-revolução burguesa representada pelo golpe de
democracia , o poder legislativo, os direitos trabalhistas , a participa ¬ Estado de 1964 e a ditadura criada desde essa data . Fez prevalecer
ção do povo no processo pol ítico, a campanha pelas reformas de a proposta reacioná ria , antidemocrá tica , fascist óide , que vinha pro¬
base, a quest ã o do imperialismo e outros temas Antes mesmo da . pondo e ensaiando desde anos anteriores. Nem a burguesia imperia ¬
realização do golpe, precisamente no dia 27 de março desse ano , lista, nem a nativa (em geral associadas em seus interesses, empre ¬
o embaixador dos Estados Unidos Lincoln Gordon já anunciava o sas e negócios ) têm compromissos com a democracia . “ Esses traços
nome do primeiro ditador da seqiiê ncia de ditadores militares inau ¬ autoritá rios aparecem , em primeiro lugar , na ê nfase que a elite in ¬
gurados pela grande burguesia. dustrial atribui à ordem e à estabilidade como condições necessá ¬
“ Segundo todas as probabilidades, o desenvolvimento mais signi ¬ rias para o desempenho de suas atividades económicas. A institu ¬
ficativo é a cristaliza ção de um grupo de resistência militar sob a cionaliza ção do conflito ao longo de linhas liberais n ão informa a
liderança do General Humberto Castello Branco, Chefe do Estado- visão da elite sobre a ordem e da estabilidade. Pelo contrá rio, o
Maior do Exé rcito. Castello Branco é um oficial de grande compe¬ que tende a ser valorizado é a supressão do conflito, ao mesmo
t ê ncia , discreto, honesto e profundamente respeitado, com forte de ¬ tempo que a liberdade de associação para a sociedade como um
dica ção a princípios legais e constitucionais, e que at é recentemente todo é vista como potencialmente ameaçadora dos interesses indus¬
se esquivava à s abordagens dos conspiradores anti -Goulart. Ele tem triais ” . 18
ao seu redor um grupo de outras altas patentes militares e está ago ¬ Na prá tica são vá rias as classes sociais e as facções de classes
ra assumindo o controle e a direção sistem á tica dos in ú meros gru ¬ que se associam na organiza ção e sustenta ção da ditadura militar .
pos de resistê ncia militar e civil em todo o pa ís , at é ent ã o vagamente Desde que se instalou , começam a evidenciar-se as classes e facções
organizados. de classes que ela representa , pelas pol íticas e atividades que o
"Castello Branco prefere agir apenas em caso de óbvia provoca ¬ 17 . “ Memorando Pessoal do Embaixador Gordon ", transcrito na Integra por Marcos Sá
çã o constitucional, isto é, uma ação de Goulart para fechar o Con
- Corrêa . 1964 Visto e Comentado l’ ela Casa Branca , L & PM Editores, Porto Alegre , 1977 ,
. . .
p 20- 24; cita ção da p 23
18 . Renato Raul Boschi , Elites Industriais e Democracia , Edi ções Graal , Rio de Janeiro ,
lt> Haul Singer , Evolução da Estrutura Social Brasileira: 1950 a 1976 , citado, p . 26. .
1979 , p. 175

98 99
“ Em termos quantitativos, nunca foram t ão acachapantes o ca ¬
poder estatal é levado a adotar. Todo o peso do aparato repressivo
pital, a ind ústria do veneno e do supé rfluo, a burocracia , o exér¬
do Estado é posto contra a classe operá ria e o campesinato, os
principais produtores de mais-valia . O planejamento governamental,
cito, a propaganda , os mil engenhos da concorrência e da persua ¬
são ” . 20
a repressão política , a censura , a pol ítica de arrocho salarial, a
intervenção nos sindicatos urbanos e rurais , a destruição das ligas Sob o militarismo, a vasta f á brica em que se transforma a so¬
camponesas, a prisão, seqiiestro, assassinato e desaparecimento de ciedade brasileira expressa fundamentalmente a predomin â ncia dos
operá rios e camponeses, tudo isso serve inclusive ao capital. Sob interesses da burguesia. A ditadura garantiu a “ seguran ça ” ou a
v á rios aspectos, à medida que se consolida a ditadura, torna-se cada “ ordem” , a fim de que a grande burguesia pudesse obter todos os
vez mais evidente a composição do bloco de poder, ou “ bloco do¬ principais resultados económicos do “ desenvolvimento ” , do “ pro¬
minante” . Desde o começo “ já se percebe a nova importâ ncia po ¬
gresso” . Sem ser necessariamente a classe governante, mantendo-se
l í tica dos grupos monopolistas estrangeiros, a crescente import â ncia como classe dominante , a grande burguesia estrangeira e nacional
de grupos monopolistas brasileiros e o novo papel de uma elite de consegue fazer com que vá rias classes sociais ( burguesia latifundiá -
administradores vinculados à intervenção económica do Estado, con ¬ ria , classe média, pequena burguesia urbana e rural) e vá rios gru ¬
dicionada pela atual forma de dominação. A hegemonia política cor ¬ pos sociais ou facções de classes ( tecnocracia civil e militar, clero,
responde sobretudo aos interesses dos primeiros . . . ” 19 intelectuais, militares, policiais) componham o bloco de poder da
Tudo isso, no entanto, aparece recoberto pela ideologia fascista ditadura; e ofereçam quadros (funcioná rios, burocratas, técnicos,
sintetizada no lema “ segurança e desenvolvimento ” . Uma vasta má ¬ ideólogos, etc.) para o exercício do governo ditatorial.
quina de propaganda , em funcionamento dia e noite, no interior e
no exterior, repete sem parar as mensagens da ditadura . Trata-se
de criar na população a imagem de uma sociedade está vel , pacífica ,
cordial, trabalhadora , ordeira , obediente. Nunca ficou t ão claro para
o povo , para os operá rios e camponeses, o que significa “ ordem e
progresso ” .
“ O papel mais saliente da ideologia é o de cristalizar as divisões
da sociedade, fazendo-as passar por naturais; depois, encobrir, pela
escola e pela propaganda , o cará ter opressivo das barreiras; por
ú ltimo, justificá-las sob nomes vinculados como Progresso, Ordem ,
Na ção, Desenvolvimento, Seguran ça, Planificação e até mesmo ( por
que não?) Revolução. A ideologia procura compor a imagem de
uma pseudototalidade, que tem partes, justapostas ou simétricas
( “ cada coisa em seu lugar ” , “ cada macaco no seu galho ” ) , mas
que não admite nunca as contradições reais . . .
“ Sob o peso desse aparelho mental não-totalizante, mas totalit á ¬
rio, vergam opressos quase todos os gestos da vida social , da con ¬
versa cotidiana aos discursos dos ministros, das letras de m úsica
para jovens às legendas berrantes dos cartazes, do livro didá tico ao
editorial da folha servida junto ao caf é da vítima confusa e mal-
amanhecida . . .
llruz losé de Ara ú jo, “ Mudanças na Estrutura Social Brasileira ” , publicado por J
14 . 20 . Alfredo Bosi, O Ser e o Tempo da Poesia, Editora Cultrix. São Paulo, 1977, p.
A . Albuquerque (coordenador) : Classes M édias e Pol í tica no llrasil , Editora Paz
(iuilhon
. . 145 146.
-
.
e Terra , Rio de janeiro, 1977 , cap Ill, p 89

101
100
Há desigualdades. São diversas as formas de organização social da
produção: sal á rio, dinheiro, espécie; aviamento, barracão, condição,
A MARCHA DA CONTRA-REVOLU ÇÃO mutirão; extrativismo, agricultura , agroind ústria ; autoconsumo, mer ¬
cado, mercado e autoconsumo. São vá rias as formas de organização
social da produção na cidade e no campo , nos Estados do Rio
Grande do Sul, Pernambuco, Piauí, Amazonas ou São Paulo. Ao
mesmo tempo, por dentro desse desenvolvimento desigual e com¬
binado, desenvolvem-se as classes sociais subordinadas, simultanea ¬
mente ao da burguesia nacional e estrangeira. H á um vasto exé r¬
cito industrial de trabalhadores, composto de segmentos de traba ¬
lhadores ativos e de reserva, que se estende e espraia por todo o
mercado nacional . Forma-se um vasto mercado nacional de forças
produtivas. Em escala cada vez mais ampla e intensa , circulam ,
em â mbito nacional , as pessoas, as coisas e as id é ias. Antes, talvez
Em perspectiva histórica ampla , essa é uma é poca em que se só o Exé rcito, a Igreja e o aparelho estatal tivessem â mbito na ¬
completa uma transição estrutural importante na sociedade brasi¬ cional. Agora também as classes sociais subordinadas , ou subalter ¬
.
leira Tanto se desenvolveu o capitalismo, que a ind ústria, a ci¬ nas, ganharam amplitude nacional. Formou-se o Brasil como nação,
dade , as classes sociais urbanas afirmaram amplamente o seu pre¬ como sociedade que talvez já tenha realizado todos os desenvolvi ¬
domínio sobre a agricultura , o campo, as classes sociais rurais. Mais mentos histórico-estruturais que formam as condições da democracia
que isso, o capitalismo “ revolucionou ” o campo, provocando uma burguesa ou popular.
larga monopolização das terras devolutas, a formação e expansão de
empresas agrícolas, pecu á rias, agropecuá rias , agroindustriais e outras, Durante a vigê ncia da democracia populista , as relações de clas ¬
avançando sobre latif ú ndios, terras ocupadas por posseiros, terras ses estiveram marcadas, de forma predominante, ainda que n ão
ind ígenas. Naturalmente subsistem terras ind ígenas, n úcleos de pos¬ exclusiva, por uma espécie de crise de hegemonia . Devido às con ¬
seiros, latif ú ndios, largas extensões de terras, como reservas de valor dições sociais, económicas e políticas sob as quais as classes sociais
de propriedade de grileiros, negociantes de terras, latifundiá rios, urbanas e rurais desenvolveram-se nesse tempo , nenhuma delas teve
empresá rios e outros. Mesmo assim, expandiu-se e intensificou-se o força suficiente para impor-se sobre as outras , e o conjunto da so ¬

desenvolvimento capitalista no campo, tanto na Amazônia como em ciedade. É verdade que a burguesia agrá ria , os latifundiá rios e a
São Paulo, tanto no Nordeste como no Rio Grande do Sul. Dina ¬ burguesia comercial haviam se debilitado bastante, desde a crise
mizou-se a agricultura, sob crescente influxo do capital industrial. económica mundial iniciada em 1929, que atingiu fundamentalmen ¬

Desenvolveram-se bastante as classes sociais rurais. E articularam-se te a cafeicultura . Inclusive foi no contexto dessa crise que se deu
largamente as classes sociais urbanas e rurais. Unificaram-se, em a Revolução de 30, a partir da qual as classes sociais urbanas , cada
boa medida, as classes sociais subordinadas. O proletariado urbano, vez mais poderosas, em face daquelas, foram se impondo às classes
o proletariado rural e o campesinato ganharam maior extensão e de base rural e ao conjunto da sociedade. Mesmo assim , a bur¬
integra ção. Nacionalizaram-se, no sentido de que ganharam â mbito guesia industrial emergente não conseguiu impor-se às outras clas¬
nacional. Formou-se um mercado nacional de força de trabalho, de ses. Foi no curso dos acontecimentos que se constituiu uma espécie
ampla e intensa movimentação. Cresceu o exército industrial de singular de bloco de poder , de cunho populista , no qual nenhuma
trabalhadores em â mbito nacional , ao mesmo tempo que o capital. classe social tinha mando e comando hegemónico. Desde a ruptura
As vá rias forças produtivas principais ( tais como a força de tra¬ política representada pela Revolução de 30, configurou-se uma crise
balho, o capital, a tecnologia , o planejamento governamental, a vio¬ de hegemonia que foi contornada e resolvida com a progressiva
lê ncia estatal, a divisão do trabalho) desenvolveram-se bastante, formação do que pouco a pouco passou a constituir-se o populismo.
uinda que em diferentes gradações, conforme o lugar e a ocasião. A revolução paulista de 32, a Constituinte e a Constituição de 34,

102 103
o levante comunista de 35, o Golpe de Estado e a Constituição de A história do populismo, sob vá rios aspectos , compreende a his¬
37 , o putsch integralista de 38 , a ditadura do Estado Novo, todos tória do processo pol ítico brasileiro em 1930-64. Como movimento
esses e outros acontecimentos políticos e económicos assinalam o político, desenvolveu as suas primeiras ra ízes em 1930-45, quando
desdobramento da crise de hegemonia . Isto é , são acontecimentos Vargas buscou sempre barganhar com as classes assalariadas urba ¬
que expressam a luta de classes sociais, ou frações de classes, no nas , principalmente os oper á rios. Com freqiiência discursava inici ¬
sentido de conquistar o poder estatal, conferir direção à máquina ando com a frase : “ Trabalhadores do Brasil ” . Durante esses quinze
do Estado. Em 1946-64 a crise de hegemonia teve continuidade. As anos, criou um vasto aparato burocr ático estatal , para “ organizar ”
disputas eleitorais polarizadas entre a UDN, por um lado, e o os trabalhadores; mas foi obrigado a atender as suas reivindica ¬
PSD-PTB, por outro, às vezes com a participação do PCB ao lado ções. É claro que a classe oper á ria pagou caro as conquistas ar¬
desta aliança populista , têm muito a ver com os desenvolvimentos rancadas à burguesia , ao Estado burguês, tanto em épocas ditato¬
da crise de hegemonia que abarca os anos 1930-64. Em distintas riais como em ocasiões de abertura democrá tica . Também o período
gradações, mas de modo persistente , muitos matizes do populismo de 1946-64 foi desigual, contraditó rio, do ponto de vista da classe
representam desenvolvimentos de um bloco de poder no qual ne¬ operá ria . Houve muita repressão, ao mesmo tempo que conquistas
nhuma classe é suficientemente poderosa para impor-se às outras e democrá ticas por parte dos oper á rios. Durante os governos popu ¬
ao conjunto da sociedade. Nem por isso, no entanto, o Estado deixou listas havia freqiientes flutuações nas relações do Estado com a
de ser burguês e as pol íticas que ele foi levado a adotar deixaram classe operá ria . Devido à composiçã o predominantemente burguesa
de favorecer o desenvolvimento do capital, da ind ú stria , do impe¬ do bloco populista , os oper á rios sofreram cont ínuas ondas repres¬
rialismo. sivas. O Estado burguês ganhava , à s vezes de modo not á vel , uma
feição populista . A pol ítica salarial, sindical e previdenciá ria ; as
“ O populismo como estilo de governo, sempre sensível às pres¬ inversões na ind ústria em geral , sem esquecer as constru ções urba¬
sões populares , ou como pol ítica de massas , que buscava conduzir, nas; o favorecimento da diversifica ção da economia , principalmente
manipulando suas aspirações, só pode ser compreendido no contexto pela industrialização ou a “ industrialização substitutiva de importa ¬
do processo de crise política e de desenvolvimento económico que ções ” ; o acesso relativamente f ácil de direções sindicais pelegas às
se abre com a revolução de 1930. Foi a expressão do período de antecâ maras do pal ácio do governo ; tudo isso configurava um misto
crise da oligarquia e do liberalismo, sempre muito afins na história de governo , regime e Estado populistas. Vá rias classes sociais, em
brasileira, e do processo de democratização do Estado que, por sua uma singular aliança t ácita, impl ícita , antes do que concertada em
-
vez, teve que apoiar se sempre em algum tipo de autoritarismo, seja grande estilo, vá rias classes acomodavam-se no populismo; burgue¬
o autoritarismo institucional da ditadura Vargas ( 1937-45) , seja o sia nacional , oper á rios , setores de classe média, militares, intelectuais
autoritarismo paternalista ou carismá tico dos líderes de massas da e partidos , principalmente PSD, PTB e PCB. Assim , o populismo
democracia do após-guerra ( 1945-64) . Foi também uma das ma ¬ tendia a articular um sistema de poder composto na seguinte for¬
nifestações das debilidades políticas dos grupos dominantes urbanos ma : aparelho estatal , segmento do sistema partid á rio e o conjunto
quando tentaram substituir-se à oligarquia nas funções de domínio do sindicalismo.
pol ítico de um País tradicionalmente agrá rio, numa etapa em que Por dentro e por fora do populismo , as classes assalariadas de¬
pareciam existir as possibilidades de um desenvolvimento capitalista senvolveram a luta por conquistas democr á ticas. Por si e ajudadas
nacional. E foi sobretudo a expressão mais completa da emergê ncia por diferentes correntes pol íticas de esquerda , as “ massas ” popu ¬
das classes populares no bojo do desenvolvimento urbano e indus¬ listas ganhavam cada vez mais os contornos e os movimentos de
trial verificado nestes decénios e da necessidade, sentida por alguns “ classes ” . Emancipavam-se dos limites do populismo. Ou melhor ,
dos novos grupos dominantes, de incorporação das massas ao jogo extravasavam o populismo. Repunham , em termos surpreendentes e
pol ítico ” . 21 incómodos para a burguesia nacional , os militares , setores de classe
média , latifundiá rios e burguesia estrangeira , o conte údo de classe
21 . Frunclsco Weffort. O Populismo na Pol í tica Brasileira, Editora Paz e Terra , Rio de
lunclro, 1978, p. 61. inerente ao populismo. Tanto assim que o populismo foi ao campo,

104 105
nlcançou oper á rios rurais e camponeses. Na década dos cinqiienta , mulas institucionais do pacto de dominação” vigente nos anos da
cresceu muito a organiza ção política de operá rios rurais e campo ¬ democracia populista. 23 Além desses aspectos, que podem ter tido
neses. Os antagonismos de classes subjacentes ao bloco populista alguma import â ncia na gestação e no andamento da crise , convém
tornaram-se cada vez mais abertos, desenvolvidos. J á durante a dé¬ lembrar que essa é uma época em que se aguça a contradição entre
cada dos cinqiienta , os oper á rios e os camponeses estavam avan¬ o poder político cada vez mais influenciado e orientado por forças
çando demais , do ponto de vista dos elementos burgueses que pre ¬ de base popular , e o poder económico, cada vez mais determinado
dominavam no bloco. Em 1961-64, à medida que se desenvolve a pelos interesses da grande burguesia monopolista estrangeira e na ¬
crise do Estado burgu ês , e n ão apenas do populismo , acelera-se a cional . Principalmente o governo Juscelino Kubitschek de Oliveira ,
metamorfose das “ massas ” em “ classes ” . com o Plano de Metas, havia favorecido o desenvolvimento do
grande capital , da grande empresa , da grande burguesia. As contra ¬
O populismo herdou um aparelho estatal já suficientemente po ¬
dições económicas e pol íticas, amplamente desenvolvidas com a im ¬
deroso, abrangente e ativo. E a força e a abrangê ncia do Estado plantação do Plano de Metas, agu çaram-se em 61 -64. Além do mais,
continuaram a crescer ao longo dos anos. Em 1946-64 aumentou nesses anos, intensificou-se a politização das classes assalariadas e
muito a capacidade de atuaçã o do Estado em questões económicas , campesinato. Houve uma larga metamorfose das massas em classes .
pol íticas, culturais, educacionais e outras. A criação do BNB e O proletariado urbano, proletariado rural , campesinato, empregados ,
BNDE em 1952, da Petrobr ás em 1953 , do Plano de Metas em funcioná rios, estudantes e outras categorias sociais aumentaram bas¬
1956-60, da Eletrobr á s em 1961 e do Estatuto do Trabalhador Rural tante a sua participa ção no processo pol ítico , na luta pela demo¬
( ETR ) em 1963, são algumas das manifesta ções do crescente poder
cracia.
do Estado. O car á ter autorit á rio do Estado brasileiro, que se de¬
senvolve ao longo da histó ria , desde o século passado, continuou a Tanto assim que a proposta socialista se tornou uma opção. Di ¬
afirmar-se e alargar-se sob a democracia populista. Sempre com a ante das condições económicas e pol íticas vigentes na é poca , as
poderosa colaboração do imperialismo e de forças militares e poli ¬ forças pol íticas de base popular, na cidade e no campo, passaram
ciais, as classes dominantes no Brasil controlam , bloqueiam ou sim ¬ a propor opções de cunho socialista. Diante das opções “ capitalis¬
plesmente suprimem os avanços democrá ticos do povo. Essa é a mo dependente ” e “ capitalismo nacional ” que se colocavam nos de¬
longa história. “ Guiado pelos ensinamentos de Caxias, o Exé rcito bates das forças políticas de base popular estavam apresentando as
se fez presente nos magnos episódios da vida nacional : teve influ ¬ opções “ socialismo por via pacífica ” e “ socialismo por via revolu ¬
ê ncia decisiva na abolição; proclamou a Repú blica ; participou dos cioná ria ” . A nacionaliza ção de empresas estrangeiras, era uma pro¬
movimentos que culminaram com as conquistas sociais de 1930 ; re¬ posta que unia as correntes pol íticas favorá veis tanto ao capitalis¬
peliu a intentona comunista de 1935; lutou contra o nazifascismo mo nacional como ao socialismo, ainda que com diferentes cono¬
na Europa; derrubou a ditadura em 1945 e desencadeou a Revo¬ tações. A criação de empresas estatais, seja pela estatização de em ¬
lução democrá tica de 31 de março de 1964 , atendendo ao apelo de presas estrangeiras, seja pela forma ção de novos empreendimentos,
todos os setores da comunidade nacional” . 22 tais como a Petrobrás, por exemplo, também podia unir correntes
favorá veis ao socialismo e ao capitalismo nacional. Para alguns se¬
A crise do populismo em 1961-64 é bem uma crise do bloco de tores favorá veis ao socialismo por via pacífica , a estatiza çã o pro¬
poder. As mesmas políticas que haviam sido possíveis sob o po¬ gressiva da economia ( tanto pela cria ção e expansão de empresas
pulismo provocaram tantos e tais desenvolvimentos das classes so¬ produtivas como pela adoção de controles e instrumentos de pla ¬
ciais e dos antagonismos dessas classes que o pacto do populismo nejamento governamentais) era uma maneira de criar condições for¬
e a democracia populista vieram abaixo. Só na aparência o po¬ mais para a transição paulatina para o socialismo. Junto com esse
pulismo entrou em colapso devido ao esgotamento do modelo de debate, essas correntes reiteravam a import â ncia da industrializa ção
substituição de importações; ou devido ao “ esgotamento das f ór- substitutiva de importações. Muitos acreditavam que a industriali-
-
22 General Walter Pires de Carvalho Albuquerque , “ Ordem-do dia do Exército ” , Jornal 23 . Celso Lafer , O Sistema Pol í tico Brasileiro , Editora Perspectiva , São Paulo, 1973, p.
do Brasil , Rio de lanclro, 26 de agosto de 1979 , p. 19. -
69 71 . Hélio Jaguaribe, Brasil: Crise e Alternativas , Zahar Editores, Rio de laneiro, 1974 .
106 107
zaçã o , que já ia avançada, era uma maneira de acelerar o processo “ O atual regime brasileiro é autoritá rio e semi-absolutista. Seu
dc “ emancipação ” económica do Pa ís , em face do imperialismo. sistema produtivo se baseia na grande empresa privada , nacional e
estrangeira , indistintamente, com ativo apoio do setor pú blico. Seus
Na pr á tica , por dentro e por fora desse debate, o imperialismo mecanismos de poder são controlados, por cooptação , pela alta hie¬
avan çava , fazia e refazia alianças , desenvolvia o seu poder econó¬
rarquia militar, notadamente do Exército, em alian ça com a bur ¬
mico e pol ítico. Fez aliados entre empresá rios, técnicos, intelectuais ,
guesia e a classe média , representadas por seus setores de c ú pula ” . 25
militares, policiais e membros da Igreja. A pretexto de defender a
democracia ocidental e cristã , a empresa privada , a livre empresa , Tavares: “ A fusão de interesses de grupos industriais, financeiros
a Pá tria, a Tradição, a Família e a Propriedade, conseguiu induzir e comerciais de distinta procedência que se está processando agora
o bloco de poder polarizado em torno do projeto de capitalismo no Brasil, e que permite uma maior internacionalização da empresa
“ interdependente” , como opção a ser imposta ao conjunto da so¬ produtiva “ brasileira ” , mediante novas formas de associação pro ¬

ciedade. Foi nesse contexto que se intensificou e generalizou o de¬ movidas pelo capital financeiro , corresponde a um rearranjo da es¬
bate que se nucleava principalmente em torno destas opções: capi¬ trutura oligopólica interna para adaptar-se melhor às novas regras
talismo dependente , capitalismo nacional , socialismo por via pacífica do jogo económico internacional” . 26
e socialismo por via revolucion á ria.
A crise da ditadura militar é bem a crise da contra-revolu ção
A instalaçã o da ditadura militar , a partir do Golpe de março de burguesa. A mesma ditadura burguesa , de fachada militar , que
1964, representa a vitória da opção “ capitalismo dependente” ou levou longe a contra-revolução burguesa , essa mesma ditadura pro¬
“ associado ” . Com a ditadura militar , o poder económico, desenvol¬ vocou, desde o seu in ício, um desenvolvimento surpreendente das
vido principalmente em 1956-60, conquistou o poder pol ítico. A contradições de classes.
ditadura , o Estado fascista criado desde 64, representam a vitória
de um novo e poderoso bloco de poder , sob o mando dos inte¬ Em primeiro lugar , desde o início a classe operá ria foi posta
resses da burguesia. O “ milagre económico ” , o modelo brasileiro” contra a burguesia, os militares e os partidos associados à bur ¬

de desenvolvimento capitalista, a repressã o, censura , tortura , assas¬ guesia . Também a tecnocracia pú blica e privada ( civil e militar )
sinato, seqíiestro e muitas outras manifestações da economia pol í¬ foi englobada na coleção dos inimigos da classe operá ria. Desde
tica da ditadura tem muitíssimo a ver com a economia pol í tica da o primeiro momento, a repressão e a exploração dos trabalhadores
grande burguesia estrangeira e nacional . foi tal que a classe oper á ria logo desenvolveu uma compreensão
política realista, sobre os seus interesses de classe e os seus ini¬
Jaguaribe: “ O quadro institucional que configura o atual regime migos de classe . Essa oposição operá ria de base urbana também se
brasileiro, considerado em seu aspecto mais amplo , apresenta , como estendeu pelo operariado rural e o campesinato . Cresceu a repoli-
principais caracter ísticas: 1 ) um Estado autoritá rio, dotado de gran ¬ tização de operá rios e camponeses, desde o primeiro dia da dita ¬
de capacidade superordenadora da sociedade civil; 2) um sistema dura militar . O protesto dessas classes sempre esteve preocupando
produtivo baseado na grande empresa privada , apoiada por uma os governantes, a tecnocracia civil e militar. Mesmo porque os ope ¬

importante rede de empresas e serviços pú blicos ; e 3) um conjunto rá rios e os camponeses são as classes que sofrem o maior impacto
de normas e medidas , expl ícita e implicitamente orientadas no sen¬ da ditadura . De repente, os governantes e os seus aliados e sim ¬
tido da exclusão seletiva , de qualquer forma apreci á vel de poder ou patizantes surpreendem-se com o reaparecimento da classe operá ria
de influência , dos intelectuais, da Igreja , e de grupos organizados no processo político, na luta contra a ditadura . “ Depois de dez
de estudantes , trabalhadores e representantes autónomos de setores anos de silêncio os trabalhadores voltam a se manifestar politica ¬
e interesses populares, ou seja , de quaisquer n úcleos capazes de mente e a reivindicar melhores salá rios no Brasil . Este processo
constituir um centro de aglutina çã o de formas efetivas de oposição teve início no segundo semestre de 1977 , quando a den ú ncia da
ao regime. 24
24 . H é lio laguaribe , Brasil : Crise e Alternativas , Zahar Editores , Rio de Janeiro, 1974 ,
. . .. .
25 . Hélio jaguaribe, op cit , p 152
26 . Maria da Conceição Tavares Da Substituição de Importações ao Capital Financeiro .
p . 40. . .
Zahar Editores, Rio de janeiro, 1972, p 255

108 109
manipulação dos índices de preços de 1973 levou os sindicatos a gerados por minorias radicais. Sejamos disciplinados , acolhendo con ¬
reivindicar a respectiva reposição salarial. E depois disso as mani ¬ fiantes as determinações dos poderes constitu ídos que , com total de ¬
festações dos trabalhadores, ainda que sempre muito moderadas e dica ção, vêm promovendo os reajustamentos necessá rios à normu -
prudentes , foram-se sucedendo. L íderes sindicais até há pouco des¬ liza ção institucional do pa ís. Mantenhamos, no entanto, vigilâ ncia
conhecidos despontaram no cená rio nacional . Por ocasião das co¬ indormida sobre aqueles que confundirem com tibieza o generoso
memorações do primeiro de maio as declarações e atitudes desses gesto de apelo à concilia ção e à fraternidade. Conservemo-nos fié is
l íderes revelavam uma independê ncia e uma consciê ncia políticas à memória de centenas de leais cidad ãos e camaradas nossos , sacri ¬
novas, a desmentir a crença generalizada de que o sindicalismo foi ficados na luta contra o pertinaz inimigo que , inspirado em id é ias
totalmente emasculado pela cooptação e pela repressão estatal. Fi ¬ estranhas à nossa forma de vida , e utilizando t á ticas diversas, têm
nalmente, na segunda semana de maio de 1978, os trabalhadores sucessivas vezes buscado empolgar o Poder , atentando contra a
metal ú rgicos de São Bernardo realizam a primeira greve significativa comunidade e as instituições ” . 28
depois da greve de Osasco em 1968 ” . 27
O que está em quest ão é um recuo de contra-revolução bur ¬
Em segundo lugar , o bloco de poder que desenvolveu com a di ¬ guesa. Para n ão ceder nada de substancial aos trabalhadores da
tadura militar, e a serviço do qual ela se acha , entrou em crise. cidade e do campo, a operá rios e camponeses , a burguesia que ins¬
Uma crise complexa , dif ícil. Por um lado, a burguesia “ nacional ” titui e orienta a ditadura busca a “ distensão ” pol ítica , a “ abertura
começou a manifestar inquietação com o profundo comprometimen¬ democrática controlada ” , a “ democracia forte ” . Modificar alguma
to do governo, do aparelho estatal , com o grande capital estrangei ¬ coisa para que nada se transforme. Diante da crescente força pol í¬
ro, com o imperialismo. É claro que essa inquietação n ão é pro¬ tica de classe operá ria , campesinato, setores de classe média (em ¬
funda ; inclusive é negociá vel. Mas n ão deixa de ser um dado da pregados, funcioná rios, estudantes , intelectuais e outros) , o bloco
crise. Há uma luta surda ou escancarada , conforme a ocasião, pela
de poder promove reformas sem qualquer profundidade. Busca ga ¬
divisão da mais-valia que o capital extrai da classe oper á ria e cam ¬
pesinato. Por outro lado, há setores militares inquietos com os rumos
rantir as bases jurídico-pol íticas do poder burguês ditatorial ou , no
mínimo, autorit á rio. A reforma partid á ria é bem uma amostra desse
da situação: cresce a penetração imperialista do Pa ís; diminui a
intento.
margem de autodeterminação do Estado brasileiro, em termos de
soberania ; alastra-se a corrupção; repolitiza-se o militar de forma É prová vel , no entanto, que esta seja uma é poca em que est ão
ampla em direções incómodas para o bloco de poder comandado se esgotando as condições de continuidade da contra- revolu ção bur¬
pelo imperialismo; aprofunda-se e alastra-se o protesto do povo, tra ¬ guesa no Brasil . Primeiro, cresceu a politização e a repolitização dos
balhadores, operá rios e camponeses contra a superexploração do seu trabalhadores, operá rios, camponeses, empregados, funcioná rios, es¬
trabalho pelo grande capital ; acentua-se o divórcio entre a maioria tudantes , intelectuais e outras categorias sociais subordinadas. Isto
da sociedade civil e o Estado, que se apresenta cada vez mais afas¬ é , pode aumentar a força pol ítica das classes assalariadas. E o for¬
tado do povo, estranho aos interesses dos trabalhadores. Tão longe talecimento da classe operá ria , em termos pol íticos , pode ser a base,
vai a crise da ditadura , que diferentes elementos do bloco de poder o in ício do esgotamento das condições da contra- revolu ção burguesa
passaram a falar em “ democracia ” . Continuam a insistir na tecla de no Brasil. Segundo, cresceu o subsistema económico brasileiro. De ¬
que a sociedade civil agasalha o inimigo, est á contaminada , precisa senvolveu-se intensiva e extensivamente o capitalismo , na cidade e
ser tutelada . “ Permaneçamos atentos aos graves problemas que hoje no campo. Com isso não só tendem a esgotar-se algumas “ frontei ¬
se antepõem à nossa marcha rumo ao desenvolvimento e ao pleno ras ” de manobra da burguesia e os seus aliados como tendem a
aproveitamento de nossas potencialidades. Redobremos a f é na de¬ agravar-se as contradições de classes , em â mbito nacional. Esse de¬
mocracia , pois só ela poder á assegurar a evolu çã o coerente e equi ¬ senvolvimento capitalista tem impulsionado a “ unificação” das clas¬
librada do organismo social brasileiro, sem traumatismos violentos ses sociais, a “ nacionalização ” das classes , inclusive o proletariado
27 . Luiz Carlos Bresser Pereira , O Colapso de Unta Aliança de Classes , Editora Brasi
.
llcit íO S8o Paulo, 1978, p. 160. - . - -
28 . General Walter Pires de Carvalho Albuquerque • ' Ordcni do dia do Ex ército” ,
nai do Brasil , Rio de Janeiro, 26 de agosto de 1979, p. 19.
tor ¬

110 111
c o campesinato. E também nacionalizam-se as contradições de clas ¬

ses, abrindo outras e novas perspectivas para o desenvolvimento da Este livro foi composto e impresso
nas oficinas da Editora Vozes Limitada
.
democracia no Brasil Terceiro, e a partir das tendências aqui es ¬
Petr ópolis - RJ - Brasil
boçadas, formam- se condições histórico-estruturais propícias à orga
¬

nização e luta políticas de envergadura nacional, no sentido da


transição do capitalismo ao socialismo. Diante da reiterada e con A EDITORA
tínua contra-revolução burguesa, as classes subordinadas parecem
¬

V VOZES
não ter outra alternativa senão lutar pela revolução popular. A MATRIZ:
burguesia não quis ceder, nem concordando com a criação da de ¬ Petr ópoMs Rua Frei Luis, 100
mocracia burguesa; apenas contrafacções, reformas “ de cima para 25600 Petr ópolis, RJ
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baixo” Diante dessa situação, o povo, trabalhadores, operários e .
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camponeses podem compreender que a sua revolução, de baixo para
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cima, emancipar á o povo, a classe oper ária, o campesinato e o con¬

junto da sociedade. Rio de Janeiro Rua Senador Dantas, 118


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* 15

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