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ETIENNE BALIBAR

CINCO ESTUDOS
DO MATERIALISMO HISTÓRICO
VOLUME I

Tradução de
ELISA AMARO BACELAR

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PORTUGAL BRASIL

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1919.

ADVERTÊNCIA

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Recolho aqui, para os apresentar ao leitor,
cinco estudos do materialismo histórico, redi-
gidos ao longo dos últimos anos para usos e em
circunstâncias diferentes, mas durante o mesmo
trabalho. Bastam-me algumas palavras para
indicar a origem e para explicar a sua intenção.

O primeiro estudo, «Karl Marx e o mar-


xismo», é a versão completa dum artigo apare-
cido em 1971 na Encyciopaedia Universalis.
Retomci e desenvolvi a primeira parte, que
tinha abreviado para me manter no espaço que
me era devido.

O segundo estudo, «A rectificação do 'Mani-


festo comunista'», reproduz uma exposição que
me tinha sido pedida pelo Centro pedagógito
regional de Marselha, destinada aos professores
dos diferentes graus. Apareceu, tal como o apre-
sento aqui, em La Pensée de Agosto de 1972.

«Mais-valia e classes sociais» é um texto iné-


dito sob esta forma, no qual preciso e corrijo
formulações que datam de 1972º. Acrescentei-
“lhe, em anexo, o texto dum artigo publicado em
DVHumanité de 8 de Junho de 1973, sobre «Le-
nine, os comunistas e a imigração».

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1 Que eu tinha analisado num artigo sobre <As
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Formações sociais capitalistas», Les Sciences de Véco-

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nomie, CE.P.L., Paris, 1973.

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11
O texto do artigo «Sobre a dialéctica his- linha conjuntural, como um reservatório de eita-
tórica», que eu tinha redigido para responder cões e de ilustrações que possam fornecer, à
a algumas observações e críticas dizendo res- falta de provas, as garantias de autenticidade
peito à minha contribuição para Lire le Capi- ideológica. Se é indispensável à análise das
tal", apareceu em La Pensée de Agosto de situações concretas nas quais a classe operária
1973. Aproveitei esta reedição para acrescentar organizada enfrenta hoje o problema da revo-
esclarecimentos e completar a argumentação. lução, é precisamente porque não pode substi-
tuir-se a ela. A teoria marxista não pode ser
Enfim, «Materialismo e idealismo na his-
estudada independentemente da história do
tória da teoria marxista» reúne os principais
movimento operário, cujas etapas determinam
pontos das exposições que fiz em 1974 a pedido
os seus problemas, as suas demonstrações, a
das universidades de Bolonha e de Berlim.
constituição dos seus conceitos, as suas trans-
Agradeço aos directores das publicações que formações e inelutáveis rectificações.
me autorizaram a reproduzir os textos de que
eram proprictários. O estudo do materialismo histórico (simul-
taneamente o estudo dos conhecimentos cienti-
Apesar da diversidade, esses textos têm ficos que traz e o estudo da sua própria histó-
todos um mesmo objectivo: são estudos do ria) é uma tarefa colectiva do movimento ope-
materialismo histórico. Não são comentários, rário. É uma longa tarefa, não infinita (como
interpretações filosóficas do marxismo, em que se fosse preciso esperar até se ser um sábio
se expressassem os «pontos de vista» de uma marxista para investir na prática, como se fosse
escola, mas tentativas de estudar e assimilar necessário comecar pela teoria pura, com risco
algumas das suas lições principais, com vista de não mais sc sair de lá...) mas ininterrupta,
à prática. Não são «investigações» na base do como a prática revolucionária em si, de que é
materialismo histórico, para aplicar os concei- uma parte. É uma tarefa política, portanto é o
tos a novos problemas que tivesse ignorado, lugar e a aposta duma luta incessante, onde se
mas antes de tudo clementos do trabalho de reflectem em última análise os efeitos da luta
aprendizagem permanente que a teoria mar- de classes, no próprio seio do movimento operá-
xista requer. rio. Foi sempre assim, no próprio Marx, e de
z forma manifesta depois da sua morte; é assim
A teoria marxista não é, espontaneamente,
mais do que nunca, hoje. O estudo do materia-
«bem conhecida» por todos os que a invocam lismo histórico é logo de início uma luta contra
ou até citam ritualmente os grandes textos
a sua revisão, contra os seus desvios, pela sua
clássicos. Deve ser estudada em todos es porme-
rectificação e desenvolvimento, uma luta entre
nores. Deve, de facto, ser estudada à luz da
várias vias, com todos os riscos que isso com-
prática e dos problemas políticos do nosso
porta.
tempo, mas não ser posta «o serviço duma
As verdades científicas do materialismo his-
1 Paris, Maspero, 1965. tórico não são, para usar a expressão de Hegel,
À

13
como «moedas cunhadas prontas a serem con- mento teórico, em dois conceitos que são os
sumidas e entesouradas», depositadas no tesouro verdadeiros conceitos fundamentais do materia-
dos textos, no enunciado desta ou aquela for- lismo histórico: o da mais-valia e o da ditadura
mulação isolada, com valor em si própria, defi- do proletariado. Estes dois conceitos, e apenas
nitivamente, e que bastaria usar conforme as eles, cstabelecem uma ruptura c até um corte
necessidades. Mas não ficam também de fora irreversível com a ideologia das classes demi-
dos textos que produziu o trabalho de Marx, ou nantes, e permitem fundar uma ciência da his-
de Engels, de Lenine e dos seus sucessores, num tória e da luta de classes. Comandam a defini-
«sentido» misteriosamente escondido, sempre cão científica do «modo de predução», da «for-
pronto a ser descoberto à medida das inter- mação social», das próprias classes, das rela-
pretações subjectivas. Não são soluções, res- ções históricas entre a «base» e a superestru-
postas prontas, mas problemas, colocações de tura», etc.
problemas. Residem pois na relação objectiva
dos enunciados teóricos com a prática política Não se trata, pois, ao estudar o materialismo
do proletariado, em conjunturas históricas su- histórico, de procurar assimilar um «método»
cessivas, que modificam a sua aplicação. Resi- geral ou particular, quer seja concebido como
dem na relação objectiva dos enunciados teó- «científico» ou como «dialéctico», para o aplicar
ricos marxistas com os diferentes discursos em seguida à correcção das disciplinas existen-
ideológicos da ideologia dominante, que comba- tes ec até a recuperá-las para a boa causa.
tem e «criticam», para dar corpo e força à ideo- O método não existe, num sentido mais preciso,
logia proletária: discurso da economia política ação, no desenvolvimento de con-
burguesa, das filosofias morais e jurídicas da los. Eostudir o materialismo
história, do socialismo utópico e reformista. histórico, é antes de tudo, estudar no conjunto
Residem enfim na relação objectiva dos enun- das suas determinações os prchblemas precisos
ciados teóricos entre si, segundo a dialéctica da mais valia ce da ditadura do proletariado, e,
rigorosa duma demonstração onde se realiza nesta base, todos os problemas particulares da
pela primeira vez na história um ponto de vista tcoria marxista, da estratégia e da táctica
(isto é uma posição) teórica de classe prolc- da luta de classes.
tário(a).
Mais-valia e ditadura do proletariado não
As verdades científicas do marxismo resul- são os princípios duma doutrina acabada, dum
tam do facto de o materialismo histórico de- sistema económico ou político, mas os concei-
finir e analisar concretamente duas realidades tos científicos dum processo que não deixou,
indissociáveis: o processo da exploração capita- depois de Marx e Engels, de revestir novas
lista, o processo da revolução proletária e da formas, de conferir uma nova faceta às tendên-
luta de classes que a prepara e realiza. Estas cias históricas contraditórias da sociedade capi-
duas realidades exprimem-se antes de tudo, talista. «Esquecer» a mais-valia e a ditadura
graças a Marx que lhes inaugurou o conheci- do proletariado, renunciar a pôr-lhe em prática

14 15
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a definição completa (quer as palavras sejam O campo do materialismo histórico, é a uni-
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ou não conservadas), nao é apenas fazer revi- dade do problema da exploração e do problema
são do marxismo, é interdizer-se a possibilidade da luta revolucionária. Assim, «ditadura do
da compreensão e exploração da história das proletariado» não designa simplesmente uma
lutas de classes, de intervir nelas e de as orien- política do proletariado e das suas organizações,
tar para o sucesso da revolução. Estudar a mais- no sentido dum meio para atingir um fim (a
-valia e a ditadura do proletariado, é estudar emancipação dos trabalhadores e a abolição
a sua realização histórica contraditória, a sua das classes) entre outros meios concebíveis
variação mesmo em conjunturas dadas: para ou praticáveis. «Ditadura do proletariado» de-

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nós, em 1974, todas as conjunturas que resul- signa um período histórico inevitável, implícito
tem do desenvolvimento do imperialismo, das nas tendências contraditórias do modo de pro-
lutas da classe operária ce dos outros trabalha- dução capitalista, na forma específica de extor-
dores explorados, das lutas de libertação dos são da mais-valia,
que é o ponto de finalização de
povos oprimidos, das contradições no desenvol- todas as formas históricas de exploração. Logo
vimento do socialismo. li pôr na ordem do dia que o desenvolvimento da exploração capita-
de cada nova conjuntura um problema central: lista começa a suscitar revoluções comunistas
quais são as formas actuais da mais-valia? (quaisquer que sejam as vicissitudes do seu
Quais são as formas actuais da ditadura do desenvolvimento desigual), a ditadura do pro-
proletariado? É também, por isso mesmo, letariado csboça as suas próprias formas ten-
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reflectir e, antes de tudo, conhecer a história denciais, que comandam objectivamente a poli-
destes conceitos, estreitamente ligada à do tica proletária. O estádio supremo do capita-
movimento operário. lismo é ao mesmo tempo, por uma necessidade
interna, a época das revoluções proletárias vito-
Mais-valia e ditadura do proletariado não riosas, o estádio histórico onde a ditadura do
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são conceitos independentes um do outro. O proletariado constitui as suas primeiras bases


campo do materialismo histórico, não é a duráveis, a longa época do capitalismo «agoni-
justaposição do problema da exploração e do zante», da ditadura do proletariado que começa
problema da revolução. Não é a análise da his- ec da sua contradição inconciliável, que abrirá
tória do capitalismo e depois a do socialismo mais tarde (e que apenas abrirá) a perspectiva
e até a do comunismo (um mundo após outro,
do comunismo, da sociedade sem classes.
uma história após outra, uma história após
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uma pré história, ou um fim da histtória após Mas, reciprocamente, «mais-valia» não de-
a história). Não é também a análise das con- signa apenas uma soma de meios de exploração
dições materiais objectivas da revolução, e de- económica e de pressões sobre as condições
pois, noutro plano, a das suas formas práticas, sociais, políticas e ideológicas da vida dos tra-
activas, das suas condições «subjectivas». E me- balhadores. «Mais-valia» é o conceito da luta
nos ainda a análise da «economia», e depois a da
de classes que se manifesta no processo de pro-
«política» proletárias.
dução material e reprodução permanente das
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condições da produção, e é o conceito da his-

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tória das condições da luta de classes. É o
conceito do desenvolvimento tendencial da pro-
dução e da exploração capitalistas, na me-
dida em que depende do desenvolvimento da
luta de classes, e em particular da luta de
classe do proletariado, no terreno econó-
mico, no terreno político, no terreno ideológico.
É o conceito da exploração encarado do ponto
de vista da lutta de classe do proletariado e da,
sua tendência histórica. Eis porque o materia-
lismo histórico não define a mais-valia e não
analisa as suas formas de maneira isolada, uni-
lateral, mas sempre e já do ponto de vista da
ditadura do proletariado, do ponto de vista das
tendências revolucionárias objectivas que ela
implica. O campo do materialismo histórico,
diremos nós, é a unidade da mais-valia e da
ditadura do proletariado sob a determinação da
ditadura do proletariado.
MARX E O MARXISMO

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Lenine é por excelência, depois de Marx,
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o teórico desta unidade, o marxista dialéctico


que nunca analisou as formas de exploração e a
história do capitalismo doutra forma que não
fosse do ponto de vista da ditadura do proleta-
riado e das suas condições de actualidade. Eis
porque o marxismo, como materialismo histó-
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rico, como teoria da luta das classes, se tornou


leninismo, o «marxismo-leninismo». Estudar
o materialismo histórico nos textos de Marx, é
estudar Marx e explicá-lo do ponto de vista de
Lenine, segundo o «método» de Lenine.
Os estudos que se seguem desejam contri-
ãi
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buir para o esclarecimento deste princípio e


suscitar melhores aplicações.

Paris, 22 de Abril de 194.


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18
Karl Marx, nascido em Treves em 1818,

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morto em Londres em 1883, é o primeiro teó-
rico do socialismo científico e o principal orga-
nizador do movimento operário internacional
do seu tempo.

A apresentação e a análise da teoria de

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Marx não deixaram nunca de ser o pôr em
jogo lutas ideológicas, em última análise
políticas. Estas lutas aparecem a partir do
período da sua própria actividade. Continuam
no segundo período da história do movimento
operário moderno: o da formação dos partidos
socialistas de massas ce da II Internacional. No
terceiro período: o do desenvolvimento do impe-
rialismo e da revolução soviética. Não cessam
no quarto, o período actual: o da generaliza-
ção das lutas revolucionárias à escala mundial,
mas que é também o período da cisão do movi-
mento comunista internacional. Interessa sem-
pre, para compreender estas lutas, atender à
sua significação prática.

Este princípio aplica-se primeiro às contro-

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vérsias relativas à natureza e ao sentido da
filosofia, da qual se pensa geralmente que, fun-
daria» a teoria e a prática do marxismo. F'ilo-
sofia hegeliana como querem alguns (Marx
seria a continuação de Hegel, ou Hegel apli-
cado a uma nova matéria)? ou filosofia anti-
-hegeliana, como pretendem outros (Marx seria

21

N
Hegel invertido ou Hegel refutado)? Materia- históricos? Terá sabido por uma hábil táctica,

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lsmo naturalista, onde a história humana apa- fazer triunfar no movimento operário a sua pró-
rece como o prolongamento da evolução bioló- pria tendência contra outras, esperando que o
gica e até geológica, onde as «leis» da história seu conflito conduzisse à cisão? Ou então, foi,
seriam casos particulares duma dialéctica uni- pelo contrário (segundo a expressão da sua
versal da natureza? Ou então, e pelo contrário, biógrafa soviética, E. Stepanova), «o verda-
filcsofia antropológica e humanista, assente na deiro criador» da Internacional, exprimiu, cons-
«crítica» de todas as alienações da sociedade ciencializando, as tendências profundas do movi-
burguesa, no ideal ético duma libertação do mento, «facilitando» e «acelerando» o processo
social objectivo, e fazendo-se o intérprete
homem, na irreductibilidade criadora da prá- da
história em curso para instruir e guiar, antes de
tica humana na história? Mas a teoria de Marx
mais ninguém, os dirigentes naturais da classe
é ao certo «fundada» numa filosofia? Estas operária? Talvez nem uma coisa nem outra.
discussões, que renascem periodicamente, podem De novo estas discussões podem parecer pura-
F

parecer puramente especulativas; mas, em cer- mente eruditas e especulativas. Mas, tal como
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gãËi ËËËËliËgiEïËËã

tas conjunturas históricas, puderam influenciar aquelas, idênticas, que dizem respeito ao papel
directamente a linha política do movimento ope- histórico de Lenine, relacionam-se directamente
rário.! Voltaremos a este ponto. — a experiência prova—-o com as formas de
organização e portanto, de novo, com a linha
Mas este princípio aplica-se igualmente às ËfË política do movimento operário. Voltaremos
ËããçEËËËËiËiãË

a
controvérsias sobre o papel de Marx na histó- este ponto.
ria do movimento operário, e em particular na
Primeira Internacional, portanto sobre o empe- De facto, nestas questões «filosóficas» como
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nhamento e o alcance das lutas de fracções que nestas questões «históricas», trata-se exacta-
nela se desenrolaram, e sobre as circunstâncias mente do mesmo paradoxo, no qual, somos for-
cados a constatar, muitos marxistas trope-
da sua dissolução. Marx, esse jurista, esse filó-
cam ainda hoje: o que Marx parece trazer de
sofo, esse «sábio», teria sido de certa maneira
Ë

fora ao movimento do proletariado (uma «cons-


o convidado do movimento operário, como pre-
ciência», isto é, uma doutrina e uma estratégia),
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tende a maior parte dos historiadores burgue- é na realidade a ideologia proletária da própria
ses, social-democratas, ou anarquistas? Terá classe, na sua autonomia. Pelo contrário, os
introduzido do exterior no movimento operário arautos teóricos «autóctones» do proletariado
uma teoria forjada por si como observador (e não foram de facto senão representantes da
não participante directo) dos acontecimentos ideologia pequeno-burguesa. É neste sentido par-
ticular, contrário às verosimilhanças dum certo
senso comum, que o marxismo foi importado
1 Cf. Louis ALTHUSSER, Réponse à John Lewis, para a classe operária pela obra dum «inte-
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Maspero, 1978. lectual»: esta importação constitui o mesmo


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que aquele que permitiu ao prole- Pelo seu lado, o Estado prussiano faz com que

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processo

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ËiËliããffis Ë:isËËiÊ;Ê ãiËËã 3j€ËiË

í*ãËfffiËã
tariado encontrar as formas de organiza- o campesinato e a burguesia liberal paguem as
ção que comandam o seu papel histórico na luta esperanças nascidas com a guerra de liberta-

irËãËiã€
de classes. E por conseguinte são também, para ção nacional de 1813-1814, exercendo uma dura
cada época (a nossa incluída), as condições repressão; tenta realizar a unidade nacional por
meio da aliança das classes dominantes, a bur-
práticas que permitem a fusão da «teoria revo-
guesia e a feudalidade fundiária, sob a hege-
lucionária» e do «movimento revolucionário»
e utilização monia desta última. Procura os meios de
que estão em jogo na interpretação
da obra de Marx. tornar impossível a aliança da burguesia e das
Tentemos resumir os seus principais as- massas populares, característica da Revolução
pectos nesta perspectiva. francesa de 1789-1798,
O jovem Marx é estudante de filosofia e de

ïgËËËËãã;u iËËiã ËËËiãã

ËËu*Ëqã+E
3iËÈÈEãËiË ËËËãË ;Ëã'ËË
direito, em Bona e depois em Berlim. Em 1841
| AS ETAPAS DA POLÍTICA DE MARX doutora-se em filosofia (com uma tese sobre
a Diferença da filosofia da natureza em Demó-
crito e Epicuro), mas não consegue obter uma
1. A juventude de Marx (1818-1847): do demo- cátedra de professor: a partir desta época, com
cratismo revolucionário burguês ao interna- efeito, é membro do círculo dos «hegelianos de
cionalismo proletário. esquerda», animado por Bruno Baucr, «que
Na época da juventude de Marx, a principal procuravam tirar conclusões ateistas e revo-
contradição donde resultam as características
lucionárias da filosofia de Hegel»
da história europeia começa apenas a manifes- Torna-se então jornalista, depois chefe de

ËËF=i
tar-se como contradição da burguesia capita- redacção da Gazeta renana, de tendência demo-
lista e o do proletariado industrial, Mas, de país crática revolucionária (burguesa), onde repre-
para país, o seu desenvolvimento é extrema- senta o «partido filosófico». 4 Gazeta renana é
mente desigual. finalmente interdita pelo governo prussiano.
Na Alemanha, a burguesia só domina na Em França, para onde Marx emigra em

ËsÊ's!Ë Èã
Renânia, onde Marx nasceu (seu pai é um Outubro de 1843, a situação é muito diferente:
advogado liberal, de origem judaica, convertido a burguesia realizou, sob uma forma violenta-
ao protestantismo, «um verdadeiro Francês do mente contraditória, uma revolução política
século XVII»): é que a Renânia sofreu profun- e jurídica que a levou ao poder, sem encontrar
damente os efeitos da Revolução francesa, que logo a forma de dominação que lhe desse garan-
a tinha anexado provisoriamente, e sofreu antes
de Lenine, Karl Marg,
de qualquer outra região da Alemanha, os efei- 1 Segundo a expressão

ÈÊ9o
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Obras, tomo XXI, onde iremos buscar várias formula-
tos da revolução industrial. A principal ques-
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ções. Este resumo deve igualmente muito à obra de


tão política é sempre a da unidade nacional, ãi< -
9:>

o F.F
Jean Bruhat, Karl Marx e Friedrich Engels, Ensaio bio-


À
È
para a qual tende o movimento democrático. gráfico, Paris, 1970.

24 25

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tias ao mesmo tempo contra o regresso da anti- Estado e da ideologia (representada sobretudo

EËEËããHiÏ;iã iiÈiÏËíËËEËíË;çË
Ë;çiËg;*'ãËEËË
ãËËëgEËËi;$iË ËËËËqtï;€gcËi;EE
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ãïËãããËt:e* I *
ai;i';ã, tããli íËEggruggi5Ë$

EqË;EË-ËïttËE ï:ËãËãË ãËËËËËEÊã


ga classe «feudal» dominante e contra a nova pela sua forma religiosa), crítica em que ele
ameaça das classes trabalhadoras que explora. recorre à problemática da filosofia antropoló-
Esta contradição por resolver, fará da França, gica de Feuerbach, apresenta nestes textos O
ao longo de todo o século XIX, o país em que proletariado como a força histórica destinada,
«as lutas políticas de classe são levadas até ao pelo próprio facto da sua alienação absoluta,
seu termo», isto é, até ao antagonismo aberto, a derrubar as relações sociais existentes; o pro-

rE;Ëi*
à luta violenta pelo poder de Estado. letariado realizará assim a emancipação huma-
na, realmente universal, em oposição à eman-
Nos anos de 1840, comeca verdadeiramente cipação fictícia, simplesmente jurídica, reali-
ígËãgiiãËËãËããËËãi lgËËggiigË

o desenvolvimento da grande indústria; a classe zada pela burguesia. Mas, para isso, é-lhe ne-
operária torna-se a pouco e pouco uma força cessário aliar-se à filosofia, de maneira a tor-

'
decisiva na luta política contra o domínio da nar-se consciente da uiversalidade que traz

g
grande burguesia agrária e da «aristocracia em si.
financeira», ao mesmo tempo que começa a
desenvolver a sua luta económica contra o capi- Há pois nesta época, que precede imedia-

Ë;*;ÈË; Ëi:ïËEr:s
-ËlËâËËÊËïËËËËËE
ãifi9i ii :ïËËËË:ïi
tal. À França é também o país clássico do socia- tamente os «começos» do marxismo propria-
lismo e do comunismo «utópicos» (Saint-Simon, mente dito, um avanço relativo, mas decisivo,
Fourier, Cabet), primeiras formas de ideologia das posições políticas de Marx sobre as suas
política do proletariado, ainda dominadas pela posições teóricas. Este avanço traduz-se cada
ideologia pequeno-burguesa: mas, sob esta vez mais na presença, na sua problemática teó-
mesma dominação, surgem elementos decisivos rica, de teses que são verdadeiros «corpos es-
da ideologia proletária, que remetem para as tranhos», irredutíveis às suas premissas filosó-
condições de trabalho, de vida e de luta da ficas, mau grado as aparências da terminologia
classe operária. A forma de organização que e as profissões de fé dum certo humanismo
corresponde a esta primcira etapa histórica é a (mesmo crítico e revolucionário): estas teses
«seita», e mesmo a sociedade secreta operária. provêm directamente da experiência das primei-
ras formas de luta de classe organizada contra
Marx fica em Paris até Fevereiro de 1845 o capital. * Assim, o comunismo, que era a for-
ËããfËgllçi

(donde será expulso por Guizot a pedido da ma mais radical da ideologia revolucionária da
Prússia). Torna-se «comunista», frequentando classe operária, visto que punha em causa à
assiduamente os círculos de socialistas e comu-
nistas franceses, os dos operários alemães emi- 1 Para compreender esta situação paradoxal e

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grados (sobretudo a Liga dos justos). Publica instável, que caracteriza então o trabalho teórico de

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então «A Questão Judaica» (contra Bruno Marx (e de Engels) reportar-nos-emos, mais do que às

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«autocríticas» do próprio Marx, por vezes alusivas,
Bauer) e a Crítica da filosofia do direito de

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a um texto notável de Engels: o prefácio da reedição


Hegel, nos Anais franco-alemães, de que é um alemã (1892) da sua Situação da classe trabalhadora

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dos fundadores. Nos limites duma crítica do na Inglaterra (1845).
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própria forma da propriedade sobre a qual

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repousa a organização social, pode aparecer-
repudia o ideal vazio da fraternidade humana
-lhe não como um ideal intelectual de igualita- universal («Todos os homens são irmãos»), e
rismo e de fraternidade (em certos casos quase adopta a palavra de ordem: «Proletários de
religioso), mas como «a forma necessária todos os países, uni-vos!» É a primeira grande
e O

ËãËil ËgËËÈiËËË ãËË ËsËÈãgããËËsË


princípio energético do futuro próximo», formulação da ruptura com a ideologia e a polí-
como
o resultado do aprofundamento das próprias tica burguesas (ou pequeno-burguesas), a pri-
contradições da sociedade actual. Marx estuda meira formulação de autonomia teórica e prá-
portanto através da economia política inglesa tica do proletariado na própria sociedade bur-
(e francesa), a contradição do «trabalho alie-
guesa.
nado» que, na sociedade burguesa, espolia o pro-
dutor tanto mais quanto mais ele produz. * Dan- Mas a Liga dos comunistas está longe de ser
do mais um passo, em colaboração com Engels, uma organização de massas. Apenas agrupa
critica na Sagrada Família, dum ponto de vista uma minoria avançada.
materialista, toda a filosofia idealista da his-
tória e até o ponto de vista simplesmente «cri- Na mesma época, precisamente, Marx efec-
tico» sobre a sociedade, que traduz de facto tua (depois de Engels) as suas primeiras via-
a impotência histórica da pequena burguesia gens à Inglaterra: único país europeu onde a
intelectual. É, prova Marx, a luta de massa grande indústria capitalista já é dominante, e
do
proletariado que é a verdadeira «crítica» onde a classe operária começa a organizar-se
de
toda a ordem social existente. em movimentos cconómicos e políticos de massa
(carlismo, tradeunions), como mostra Engels
Em 1845, Marx, refugiado em Bruxelas, tra- na Sittração da classe trabalhadora na Ingla-
ËËËããÈã;

ËËËiË!Ëi

balha em colaboração com Engels na elabora- terra (1845), obra que teve uma influência deci-
ção duma concepção filosófica materialista da siva em Marx.
história, de que quer fazer a base teórica dum
socialismo proletário autónomo (Teses sobre Do ponto de vista teórico, o período da
Feuerbach, A Ideologia Alemã: manuscritos juventude de Marx conduziu-o portanto da filo-
publicados depois da morte de Marx e Engels). sofia idealista alemã, de que a dialéctica hege-
Ao mesmo tempo, milita activamente nos
liana era a forma mais sistemática (mas tam-
grupos revolucionários de operários alemães. bém, como o mostrará mais tarde Lenine, a
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Desempenha um papel decisivo na criação da mais contraditória), ao materialismo «crítico»


primeira organização operária internacional, a (sob a influência preponderante de Feuerbach),
Liga dos comunistas (1847), que, graças a ele, e depois ao materialismo histórico. Este pro-
cesso de transformação permitiu a combinação
de três «fontes» heterogéneas: a filosofia ale-
mã, o socialismo utópico (essencialmente fran-
1 Cf. Os Manuscritos economico-políticos de 1844, cês e inglês) e, em certa medida já (pois o seu
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encontrados e publicados depois de 1920,


uso sofrerá em Marx profundas transforma-
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29
partida prática imediata: por exemplo, na inca-

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ções ulteriores), a economia política «clássica»

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inglesa. Ao mesmo tempo que uma transforma-

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contra a dominação económica da burguesia, de
ção da posição teórica de Marx, trata-se pois,

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lutar também contra a sua dominação política

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de mais, duma transformação objectiva

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na incapacidade de reconhecer o carácter objeo-

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destas «fontes» elas próprias teóricas. É, neste

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sentido, o efeito dum processo histórico e social,

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itinerário subjectivo.' Uma riado, etc.
e não um simples

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tal combinação esboça-se então noutros teóricos


Miséria da filosofia, 1846 (o anti-Proudhon)

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do movimento operário (por exemplo Proudhon), e sobretudo
ultrapassar as o Manifesto do Partido comunista
sem que consigam no entanto

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por este facto, (redigido em 1847 para a Liga dos comunistas)
dificuldades que ela comporta;

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constituem as primeiras exposições
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eclética, domi- coerentes
a sua posição fica largamente

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ideologia bur- do materialismo histórico; isto é, os primeiros
nada em última análise pela textos de Marx cuja posição teórica é irredu-
a sua contra-

Ë
guesa. E esta contradição tem

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tível a qualquer forma anterior, onde a posição
específica do proletariado se torna dominante
ao mesmo tempo que encontra a sua formula-

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1 Não digamos, pois, que Marx (e Engels) levam ção. À ruptura é então simultaneamente teórica
a cabo esta transformação porque ela decorreria das e política.
em
suas posições proletárias, da sua tomada de posição
favor do proletariado: digamos antes que, nesta trans-
formação, se constituem e se reahzam pela primeira
ada,
vez na história, sobre uma base material determin
posições teóricas proletárias, de que eles se tornam
os representantes. Anote-se assim que O que faz pro- 2. As revoluções de 1848

co
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o
gredir esta transformação, o que confere ao trabalho
de Marx a sua eficácia é, em última análise, a própria
entre
natureza do conflito de classes que ai se joga
a ideologia burguesa e a ideologia proletária, com descn- Expulso de Bruxelas em Março

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de 1848,

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volvimentos diferentes Marx é na mesma altura convidado para re-

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Note-se bem, portanto: reduzir, como se faz muitas gressar a França pelo governo provisório saído
este processo ao trabalho da «reflexão», da
vezes,
«tomada de consciência» ou ao «génio» dos grandes da revolução de Fevereiro, a instigação dos seus
homens que adivinham o curso da história, ou estão membros operários. A revolução popular, ao
«avançados» relativamente a ele, é compreendê-lo não do mesmo tempo proletária, democrática e nacio-
e
ponto de vista da ideologia proletária, a que Marx nal, estende-se rapidamente a toda a Europa e
de vista da

a./
Engels chegaram finalmente, mas do ponto
ideologia burguesa, donde provinham e que abandonam em particular à Alemanha. Uma táctica mar-
ideo-
tendencialmente. Mas então, do ponto de vista da xista da direcção das lutas proletárias começa
idea-
logia proletária, que renuncia à estas explicações
tal processo deve aparecer-nos necessária a constituir-se no decorrer dos acontecimentos,
.

ustas, um
e intrinsecamente inacabado, ininterrupto: a história do com experiências positivas e negativas, sobre a
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não está acabada no próprio momento em que
marxismo base do materialismo histórico. É a própria con-

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começa.

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31
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Comité de salvação pública criado em Colónia.

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dição duma ligação recíproca entre a teoria revolucionária de

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acção

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Aí, esboça-se uma
ea prática. massa que ultrapassa largamente o quadro ini-
cial da seita socialista.
Marx opõe-se primeiro ao projecto de certos

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emigrados que querem organizar uma expedi- Depois dos artigos de Marx contra os massa-

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cão militar à Alemanha. Mas, quando estala cres dos operários franceses durante as jorna-
o levantamento pela unidade nacional e o gover- das de Junho, os comanditários liberais da Nova
no democrático, é ele que redige as «Reivindi- Gazeta renana retiram-se. É que a contra-revo-
cações do Partido Comunista na Alemanha», lução monárquica, feudal e da grande burgue-
programa duma possível unidade de acção entre sia progride na Alemanha, ao mesmo tempo
a burguesia liberal e o proletariado. A partir que a contra-revolução burguesa vence em
de Abril-Maio de 1848, põe esta linha em prá- França. A burguesia alemã no seu conjunto es-
tica, dirigindo cm Colónia a secção da Liga dos colhe a aliança com os grandes proprietários
comunistas. Depois, querendo a todo o preço fundiários, sob a hegemonia do Estado despó-
evitar à «vanguarda» proletária o isolamento tico, contra o liberalismo político e a unidade
duma seita, faz admitir a dissolução da Liga e a nacional. Marx, acusado de subversão, é no en-
constituição duma Associação dos trabalhado- tanto absolvido pelo júri de Colónia. Rompendo
res que contará sete mil aderentes na Renânia, com a burguesia democrática assustada pela
u;ã;ãË lË

e toma a direcção da Nova Gazeta renana (na revolução, retoma então o trabalho de organi-
qual colaboram também Engels, os irmãos zação e de formação teórica das oragnizações
Wolff, ete.). Neste jornal, dirá mais tarde, não operárias, ! ao mesmo tempo que tenta contri-
se podia desfraldar senão uma bandeira, a da buir para a resistência armada dos revolucioná-
democracia, mas duma democracia que eviden- rios renanos (de que o «general» Engels é o con-
ciaria sempre o carácter especificamente prole- selheiro militar).
tário que ainda não podia arvorar». Participa no
Na primavera de 1849, Marx é expulso da

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Alemanha e depois, para escapar à fixação
de residência pelo governo francês, refugia-se
de 1848, é preciso ler
1 Sobre os acontecimentos
dum ano, Marx e
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em Londres.
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o livro de Engels, inicialmente publicado sob a assina-


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tura de Marx: Revolução e contra-revolução na Ale- Engels percorreram assim, uma primeira vez,
manha, 1851-1852 (em La Révolution démocratique bour- todo o ciclo das situações, das relações de forças,
geoiseen Alemagne, Paris, Editions sociales). Engels faz que podiam então apresentar-se na luta da
uma análise da conjuntura histórica (relações de for- e todo
ças das classes sociais e sua evolução nos diferentes
classe operária e das classes dominantes,
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países) que é um modelo do género. Aí se encontra


em particular a demonstração da necessidade do papel
dirigente da classe cperária na sua aliança com a pe- 1 Cf. Trabalho assalariado e Capital, publicado
Õ"t4

ãd)
quena burguesia, e uma sistematização das «regras» em 1849, a partir de conferências feitas em 1847 em
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da insurreição de que Lenine e Marx desenvolvem Bruxelas.


as lições.
3 33
32
o ciclo dos métodos de luta política que lhes

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dependência, e as condições económicas mate-

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correspondem.
riais nas quais elas se desenvolvem, Marx enun-
Após o fracasso das revoluções em França cia uma quádrupla conclusão:

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e na Europa, Marx fica durante algum tempo
persuadido de que o renascer do levantamento 1. O estado da relação de forças entre as
está eminente em França. Assecções da Liga dos classes que lutam umas contra as outras na
comunistas reconstituída, escreve: «O partido sociedade moderna depende da conjuntura eco-
do proletariado deve diferenciar-se dos demo- nómica: o enfraquecimento da burguesia e o
cratas pequeno-burgueses que querem acabar seu isolamento resultavam da crise comercial
com a revolução a toda a pressa |...|, e tornar mundial de 1847, o seu fortalecimento em 1848-
a revolução permancnte até que todas as classes -1849 depende do regresso da prosperidade in-
mais ou menos possidentes tenham sido expul- dustrial. «Uma verdadeira revolução não é
sas do poder [...] em todos os principais países
possível senão nos períodos em que estes dois
do mundo.» (Abril de 1850). Na mesma altura
aparece nele pela primeira vez a noção da dita- factores — as forças produtivas modernas e as
dura do proletariado, forma política indispen- forças de produção burgue — sas
entram em

** Ës
sável para «manter a revolução permanente- conflito umas com as outras.»
mente até à realização do comunismo». !
2. O sucesso da revolução proletária nos
Mas, comparando o desenrolar das revolu- países europeus não depende do proletariado
ËË
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ções francesa e alemã, ao estudar a sua inter- unicamente (a luta de classes não é um simples
duelo entre a burguesia e o proletariado): de-
pende da sua capacidade de separar os peque-
1 A ideia de «revolução permanente», abandonada nos proprietários rurais, pobres, da burgue-
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por Marx depois de 1848-1850, foi retomada e genera- sia e do Estado que o exploram indirecta-
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lizada bastante mais tarde por Trotsky contra a teoria


mente, e de o aliar à luta contra as classes

leninista do imperiaismo e a política de «construção


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do socialismo num só país» na URSS. dominantes, sob a direcção da classe operária.


Uma tradição que ressurge periodicamente, por
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vezes «à esquerda» e por vezes «à direita» (notoriamente


em Bernstein, o pai do «revisionismo»), faz da «dita- 3. O desenvolvimento das contradições so-
dura do proletariado» uma noção «blanquista». O pró- ciais na Inglaterra, a luta autónoma do proleta-
prio Marx escrevia em As lutas de classes em França
(1848-1850): «O proletariado agrupa-se cada vez mais
riado contra a burguesia francesa, a guerra
em volta do socialismo revolucionário, em volta do democrática na Alemanha e na Europa central
comunismo para o qual a própria burguesia inventou são os factores inseparáveis dum mesmo pro-
o nome de Blanqui. O socialismo é a declaração perma-
nente da revolução, a ditadura de classe do proleta- cesso revolucionário. A ordem contra-revolu-
^

riado, ccmo ponto de transição necessário para chegar cionária e a repressão repousam, na Europa,
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à supressão das diferenças de classes em geral [...].» sobre a solidariedade das classes possuidoras.
34
35
4. O Estado moderno é o instrumento desta tanto no desenvolvimento das contradições da
dominação e desta solidariedade, o garante da produção capitalista, na «concentração» do pro-
manutenção da exploração sob as suas diferen- letariado num movimento político de massa,
tes formas. A própria República democrática e no conhecimento exacto destas condições.
burguesa, repousando no sufrágio universal e no Marx critica o voluntarismo dos que querem
mecanismo dos partidos, é a forma normal da a revolução na ausência das suas condições
«ditadura da burguesia»; é o único regime polí- objectivas, entre as quais o desenvolvimento e à
tico, com efeito, que permite a unidade das dife- organização do próprio proletariado. «Nós dize-
rentes fracções da burgucsia, portanto a domi- mos aos operários: vós tendes de atravessar
nação da burguesia sobre a classe camponesa quinze, vinte, cinquenta anos de guerras civis e
e a pequena burguesia. Eis porque a revolução de lutas internacionais, não apenas para mudar
proletária não pode levar a melhor senão com a a situação existente, mas para vos mudar a vós
condição de «concentrar contra o Estado todas próprios, e tornar-vos aptos para o poder polí-
as suas forças de destruição», e de «quebrar tico.»
a máquina do Estado que todas as revoluções
políticas — até ao presente — não fizeram mais
do que aperfeiçoar.»
3. O «Capital» e a Internacional (1850-1871)
Estas conclusões são enunciadas sobretudo
em As Lutas de classes em França (1850) e no Com o fim das revoluções de 1848 começa
18 Brumário de Louis Bonaparte (1852). Abrem um novo período que só acabará em 1871, pela
uma dupla problemática, cujo desenvolvimento Comuna de Paris. A princípio, é o triunfo da
e arranjos ulteriores determinarão o essen- reacção, no continente e mesmo em Inglaterra.
cial da contribuição teórica de Marx para O É o período da aliança reconstituída entre os
materialismo histórico. Por um lado, o pro-
governos russo, inglês, francês, prussiano, aus-
blema da base económica da história do capita- tríiaco, que acordam entre si, apesar das suas
lismo: em particular o da «correspondência» rivalidades, manter a ordem social existente.
entre o desenvolvimento dos antagonismos eco- «As diferentes querelas às quais se entregam
nómicos de classes, e o desenvolvimento das hoje os representantes das diversas fracções do
contradições (cíclicas ou não) na marcha da partido da ordem continental e em que se com-
produção e da circulação mercantis. Por outro prometem reciprocamente, longe de fornecerem
lado, o problema da natureza de classe do Es- a ocasião para novas revoluções, não são pelo
tado, e dos objectivos políticos da revolução contrário possíveis senão porque a base das rela-
proletária. Estes dois problemas aparecem da- cões é momentaneamente tão segura, e, o que
qui em diante ligados na mesma dialéctica. a reacção não sabe, tão burguesa.» Mas é tam-
bém o período dos primeiros confrontos impe-
Aos olhos de Marx, a chave da revolução rialistas pela divisão do mundo, em que se cons-
«ininterrupta» até ao comunismo está por- titui o império colonial inglês, o maior que a

36 37
história jamais conheceu. É o período em que, a) A Preparação do «Capital»

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a partir do «centro» inglês (Marx e Engels
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falam do monopólio industrial inglês, que domi- Mantendo-se afastado dos círculos de emi-

ËË:i
na o mercado mundial), a revolução indus- grados, Marx vive primeiro num grande isola-
trial capitalista se estende em profundidade mento. «Quando o vamos visitar, semos aco-
à França, à Alemanha, aos Estados Unidos. lhidos não por saudações, mas por categorias
Mas é também a partir da década de 1860, sobre- económicas», !

e
tudo, o período das lutas de libertação nacional
Prossegue encarniçadamente os seus tra-

ïiËã;çgËffiïËËËl ËïiÉËiËâãËã
na Europa (Itália, Polónia, Irlanda); o periodo

sË:ilËããËË,íiËEË ;;gieËËnãËã
do aumento maciço da classe operária, dos balhos económicos, sobretudo na sala de lei-
progressos da sua organização sindical, das tura do British Museum, que tratam principal-
grandes greves traduzindo o desenvolvimento mente da economia política, mas igualmente
da luta económica de classes em França, na da filosofia, da história, das ciências naturais
Inglaterra, na Bélgica. ! (química, agronomia), das matemáticas. Em
1866 ainda, escreve ao seu amigo Kugelmann:
Neste período, a actividade de Marx apre- «Se bem que consagre muito tempo aos traba-

ËËËËãËËãËËËËHiê:
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iË;ãE iËEããËi iãiËË
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senta à primeira vista dois aspeetos distintos: lhos preparatórios para o Congresso de Genéve
dum lado o trabalho teórico, que culminará [da Internacional], não posso, nem quero ir lá,
com a publicação do Capital, e cujos resultados pois é-me impossível interromper o meu tra-
E

só penetrarão a pouco e pouco na base do movi- balho durante tanto tempo. Com este trabalho,
iËã;ãË ÉËãËEËi

mento operário no decurso do período se- penso fazer qualquer coisa bem mais importante
guinte; por outro lado, a partir da fundação para a classe operária do que tudo o que poderia
da Internacional, o trabalho de organização fazer pessoalmente em qualquer congresso.»
política, sob uma primeira forma de «partido»
proletário, ainda muito frágil e contraditória, Este trabalho é frequentemente interrom-
mas definitivamente arrancada ao isolamento pido, por longos períodos, por causa da
das seitas de antes de 1848. É esta dijunção terrível miséria material (e por vezes moral)
relativa, historicamente inevitável, ao mesmo em que vive: «Penso, escreve a Engels, que
tempo ultrapassada e materializada na posição jamais se escreveu sobre o dinheiro tendo
prática e na acção dum indivíduo, que produz o tanta falta dele. A maior parte dos auto-
papel histórico excepcional de Marx e todo res que trataram deste assunto, viviam em boas
o problema da sua explicação. relações com o objecto das suas pesquisas.»
(21 de Janeiro de 1859.) Alguns filhos de Marx
morrem por essa altura em tenra idade. É a vez
1 Na Mensagem inaugural da AIT (1864), Marx dos oficiais de diligências o perseguirem, na
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esteira da polícia.
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resultam: a
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sublinha «dois grandes factos» que daí


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obtenção da lei das dez horas, limitando o dia de tra-


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balho, e o desenvolvimento das cooperativas operá-


I

1 Carta de Pieper a Engels, 1851.

Éì
rias.

38 39
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Marx colabora em diferentes jornais demo- que constitui a base material de todos os anta-
cráticos, e depois socialistas: nomeadamente o gonismos de classes da sociedade moderna. Rea-
New York Daily Tribune (dirigido por um anti- liza assim pela primeira vez, sob uma forma
go fourierista), onde aparecem as suas análises científica desenvolvida, a «crítica da economia
da política internacional (as guerras europeias, política», e constitui em contrapartida uma teo-
a guerra da Secessão americana), da coloniza-
ria das condições objectivas da revolução prole-
cão inglesa (China, Pérsia e sobretudo Índias),
tária e da sua necessidade, implicada no desen-
da conjuntura económica (a crise de 1857),
dos mecanismos do crédito bancário e da cir- volvimento das contradições sociais actuais.
culação monetária, do sistema industrial. Estes
artigos «alimentícios» são também o laboratório b) 4 Internacional
teórico do materialismo histórico. A partir de
1859, assume a direcção efectiva de Das Volk, Em 1864, por ocasião dum «meeting» inter-
órgão da Associação cultural dos operários
nacional organizado em Londres a favor da
alemães de Londres. Colabora nos jornais car-
tistas e socialistas ingleses (como o Pcople's liberdade da Polónia, funda-se a Associação
Paper). internacional dos trabalhadores, conhecida pelo
nome de Primeira Internacional.
Em 1859, Marx publica a primeira parte da
Contribuição à crítica da economia política, em Junta as organizeções operárias inglesas,
que figuram a sua teoria da mercadoria e a do alemãs, francesas, suiças, belgas e depois ita-
dinheiro (as únicas publicadas). Paralelamente lianas, espanholas, amcricanas, ete., de inspira-
a estes textos teóricos, tem de manter também ções ideológicas muito diversas (proudhonia-
longas polémicas: é este o sentido de Ilerr Vogt nas, lassalianas, bakuninianas, mazzinianas,
(1860), contra as falsificações da história do tradeunionistas, liberais inglesas, etc.). A sua
movimento operário por um naturalista, antigo reunião, mau grado as divergências, é «o pro-
deputado da Assembleia alemã de Francforte duto espontâneo do movimento proletário, ele
(1848) — os arquivos apreendidos pela Comuna próprio engendrado pelas tendências naturais,
provarão em seguida que ele era, conforme irreprimíveis, da sociedade moderna», isto é,
tinha afirmado Marx, o agente de Napoleão III. pelo desenvolvimento das lutas políticas e eco-
nómicas de classe, e da sua interdependência. O
Em 1867, enfim, aparece o livro I do Capital, que distingue a Internacional dos grupos ante-
resultado do trabalho de quinze anos, «certa- riores («a passagem do mundo das seitas para
mente o mais perigoso projéctil que jamais a real organização da classe operária») não é
foi lançado contra a cabeça dos burgueses, apenas o seu recrutamento, ainda modesto, mas
incluindo os proprietários fundiários» (carta a as suas formas de trabalho e de intervenção,
Becker, 1867). Marx expõe aí a teoria histórica que explicam o desenvolvimento da sua influên-
do processo de produção capitalista imediato, cia.

<0 41
A Internacional agrupa ao mesmo tempo as

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ses (Charleroi, 1868; Bãle, 1869). A AIT chega

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organizações «sindicais» (locais e profissionais) mesmo a conseguir, frequentemente, impedir as
e as organizações «políticas» (secções) — sem empresas cujos operários estão em greve de
contar com as adesões individuais. Marx, convi- contratar operários estrangeiros para os substi-

ãiËiiït
dado desde a origem a fazer parte do Comité tuir: o que era, segundo o direito burguês,
provisório, depois do conselho geral da AIT, faz atentar contra a «liberdade do trabalho», por
triunfar, contra o projecto dum simples orga- outras palavras, lutar contra a concorrência

Ëã
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nismo consultivo de ligação e de solidariedade, entre os trabalhadores que o salariato implica,
a concepção dum organismo de direcção polí- unificar nesta mesma luta a classe operária

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tica, encarregado de elaborar a partir das situa- perante os interesses comuns da burguesia.

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ções locais, segundo a expressão de Lenine,
O internacionalismo da AIT traduz-se tam-

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«uma táctica única para a luta proletária da

EiÏE:tÈiËËEÊ
classe operária nos diferentes países», táctica bém no terreno propriamente político: para
Marx, «a questão operária não é um problema

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não uniforme e invariável, mas fundada numa

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mesma concepção da prática política e no provisório, nem local, é uma questão da histó-
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conhecimento das tendências gerais da con- ria mundial», e, reciprocamente, a classe operá-
juntura histórica. É ele que redige o estatuto e ria não pode desinteressar-se das suas próprias
a mensagem inaugural da Internacional: consi- posições sobre a história mundial, como o de-

âCÈËËãËãEËËãË ËËËãrË
derando que «a emancipação da classe operária monstram os laços estreitos que unem objecti-
deve ser conquistada pela própria classe operá- vamente «a libertação social da classe operária
ria», e que ela consiste no «aniquilamento de inglesa e a libertação nacional dos irlandeses»;
qualquer dominação de classe», cuja base reside como o demonstram a contrario os laços entre a
na «sujeição económica do trabalhador ao pro- fraqueza política da classe operária inglesa e a

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prietário dos meios de trabalho», enuncia o prin- dominação comercial, colonial e industrial da

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cípio da combinação necessária das lutas eco- Inglaterra no mundo. «Um povo que oprime
nómicas e políticas, nacionais e internacionais. outros, dirá Engels a propósito da Rússia e da
Polónia, não pode emancipar-se a si próprio. A
«Além do trabalho para o meu livro, a AIT força de que necessita para oprimir os outros
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ËËããããiãiãË

toma-me imenso tempo, escreve Marx a Engels, acaba por se virar sempre contra si próprio.» !
pois estou de facto à cabeça deste assunto» A Internacional trava uma luta política e ideo-
(13 de Março de 1865). Só depois de 1869 lógica activa para apoiar os movimentos de
Engels poderá abandonar os seus negócios, ven- libertação nacionais na Europa. Contribui para
dendo a sua parte na impresa industrial fami- a mobilização da classe operária inglesa, para
ãiãããã

liar, e juntar-se a Marx, sendo cooptado no impedir a Inglaterra de intervir directamente


Conselho geral. O Conselho geral reúne-se todas na guerra da Secessão ao lado dos sulistas
(1862), e depois para a mobilização da classe
as semanas, recebe permanentemente corres-
pondentes do estrangeiro, organiza a solidarie-
dade material aos grevistas dos diferentes paí- 1 Táttérature dexilés, 1874.
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s
operária americana contra o conflito anglo-ame- é «tradeunionista», reformista e legalista, hesi-

ËiËËË, ;ããËilËçË Ës
ËËãËã
ricano (Maio de 1369). A partir daí, «a classe tando perante a luta económica de classe que,
operária aparece na cena histórica, não já como aos seus olhos, faz correr o risco de arrastar
um executante dócil, mas como uma força inde- a alta dos preços.
pendente (...) capaz de ditar a paz onde os
pseudo senhores gritam a guerra». ! O socialismo alemão está na sua maioria
organizado na Associação geral dos trabalha-
A Internacional realiza enfim vários inqué- dores alemães, fundada em 1863 por Lassale
ËãËãgãËgË

ritos sobre a condição operária, baseados num e Schweitzer, que alimenta de forma repetitiva
questionário estabelecido por Marx (1865: «É a ilusão duma intervenção socialista do Estado
preciso ter-se um conhecimento exactoe positivo prussiano: «Enxerta o cesarismo nos princípios
das condições em que trabalha e se move a democráticos» (Carta de três operários berli-
classe operária»). E difunde sob a forma de nenses a Marx, 1865), facilitando o jogo de
mensagens, publicadas em diferentes países, e Bismarck. «Está, escreve Marx em 1865, abso-
pela imprensa das secções nacionais, os textos lutamente fora de dúvida que a fatal ilusão de
de base duma formação teórica da classe ope- Lassale (...) será seguida duma desilusão. A
rária. lógica das coisas falará. Mas a honra do partido
operário exige-lhe que afaste estes fantasmas
A actividade da Internacional é, com efeito, a sua

antes que a experiência tenha provado


dominada por lutas ideológicas incessantes. inanidade. A classe operária é revolucionária
O socialismo francês é na maioria proudhon- ou não é nada.»
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ËãËãËËiãË

niano, hostil à acção política. «Desdenham de


toda a acção revolucionária, isto é, que brota da A partir de 1868, a classe operária suiça,
própria luta de classes, de todo o movimento so- italiana e espanhola é duradouramente influen-
cial concentrado, ou seja, realizável igualmente ciada pelo anarquismo de Baknnine,
por meios políticos (como por exemplo a dimi-
nuição legal do dia de trabalho); e isto sob o A Internacional não é «comunista». Se põe
pretexto de liberdade, de anti-governamentalis- em prática a palavra de ordem histórica do
mo ou de individualismo anti-autoritário». ? Manifesto («Proletários de todos os países,
uni-vos!»), não se refere a ela explicitamente.
O socialismo inglês, depois do «fracasso No preâmbulo dos estatutos da AIT, Marx es-
ããËi
giËã

retumbante» de todos os esforços para manter creve: «fui obrigado a admitir [...] passagens
ou refundir o movimento cartista (csmagado sobre o Dever, a Verdade, a Moral, e a Justiça;
pelo contragolpe de 1848 e pela emigração), mas foram colocadas de forma a não prejudicar
o conjunto. [...] Era muito difícil conseguir
apresentar o nosso ponto de vista sob uma
1 Mensagem da AIT à National Labor Union forma que o tornasse aceitável na fase em que
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dos Estados Unidos.


se encontra actualmente o movimento operário.

2 Carta a Kugelmann, 9 de Outubro de 1866.


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44 45
[...] Levará o seu tempo, até que o des- senão pela intervenção legislativa. Sem a pres-

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pertar do movimento permita a antiga fran- são constante dos operários, agindo de fora,
queza de linguagem [...]». nunca esta intervenção se produziria. Em todo
o caso, não se teria obtido este resultado pelos
A história da Internacional é por este facto acordos privados entre os operários e os capita-

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*ËiËÈËi
a do processo que permitiu que se instaurasse, à listas. Esta mesma necessidade duma acção polí-
custa duma luta sem tréguas contra estas con- tica geral é a prova de que, na luta puramente
cepções e estas práticas, a hegemonia do socia- económica, o capital é o mais forte. |...] A ten-
lismo científico (marxismo) no movimento ope- dência geral da produção capitalista não é elevar
rário, e se elaborassem ou precisassem a teoria o nível médio dos salários, mas baixá-lo, isto é,
e a táctica do proletariado. reduzir mais ou menos o valor do trabalho
ao seu limite mais baixo. Mas, sendo esta a
Cada Congresso da Internacional marcou, tendência das coisas neste regime, quer isso

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em função da conjuntura, a derrota duma forma dizer que a classe operária deve renunciar à
de socialismo pequeno-burguês, e um sucesso do resistência contra as usurpações do capital
marxismo: e abandonar os seus esforços para arrancar,
nas ocasiões que se lhe apresentem, tudo o que
1. Pela luta económica de classes e a sua pode trazer qualquer melhoria à sua situação?
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organização científica nos sindicatos, que são


as «escolas do socialismo» para a massa dos ;ïEEiãÊËãa;iç:ËËË+ËËË Se o fizesse, rebaixar-se-ia a não ser mais do
que uma massa informe, esmagada, de seres fa-
trabalhadores. Mas a luta económica não é útil mélicos para os quais deixaria de haver salvação.
e eficaz senão quando consegue preservar-se do [...] Se a classe operária mostrasse fraqueza no
reformismo: «Depois de ter demonstrado que a seu conflito quotidiano com o capital, ficaria
resistência periodicamente exercida por parte certamente privada da possibilidade de em-
do operário contra a redução dos salários e os preender este ou aquele movimento de maior
esforços que empreende periodicamente para envergadura. Ao mesmo tempo [...] os operá-
obter aumentos de salários estão inseparavel- rios não devem exagerar o resultado final desta
mente ligados ao sistema do salariato e são luta quotidiana. Não devem esquecer que lutam
provocados pelo próprio facto de o trabalho contra os efeitos e não contra as causas destes
ser assimilado às mercadorias e submetido efeitos. [...] É necessário que compreendam
por conseguinte às leis que regulam o movi- que o regime actual, com todas as misérias com
mento geral dos preços. [...] Trata-se final- que os oprime, engendra ao mesmo tempo as
mente de saber até que ponto, no decurso da condições materiais e as formas sociais necessá-
luta contínua entre o capital e o trabalho, este rias para a transformação económica da socie-
tem a sorte de ganhar. [...] A coisa reduz-se ao dade. Em vez da palavra de ordem conserva-
problema da relação de forças dos combatentes. dora: «Um salário equitativo para um dia de
No que diz respeito à limitação da jornada de trabalho equitativo», deviam inscrever na sua
trabalho [...], nunca foi regulada doutra forma bandeira a palavra de ordem revolucionária:

46 47
e
«Abolição do salariato». ! É necessário ler todo Internacional); pela incorporação dos inte-

ËË ffiiãffi ïiãffiïïlir
*ã ËËïË*$lã liiËããgltla
este texto modelo de análise dialéctica das for- lectuais revolucionários no movimento operário
mas da luta de classes. (os proudhonianos, confundindo pertencer à
classe e posição de classe, queriam excluir todos
2. Pelo princípio da apropriação colecti- aqueles que não fossem «operários manuais»).
va dos meios de produção pela classe operária,
contra o sonho do regresso à sua propriedade 5. Contra as ilusões pequeno-burguesas
individual, contra as “utopias pequeno-burgue-
a respeito do Estado burguês e do direito bur-
sas do igualitarismo, da autogestão, da fede-
ração dos pequenos produtores autónomos (Con- guês, que se exprimem ora no desconhecimento
presto de Bruxelas, 1868, c Bâle, 1869). «Não da sua necessidade histórica, na palavra de
é a igualização das classes, contra-senso impos- ordem vazia da sua «abolição» imediata («abo-
sível de realisar, mas pelo contrário a abolição lição da família! abolição do direito de heran-
das classes, o verdadeiro segredo do movimento ca! abolição da religião!»), ora na incapacidade
proletário, que forma o grande objectivo da de criticar as fórmulas da ideologia política e
ALT». jurídica burguesas («liberdade, igualdade, fra-
ternidade» universais, Verdade e Moralidade).
Contra a indiferença (dos proudhonia-
3.
nos sobretudo) relativamente às lutas nacio- O ano de 1867-1868 marca uma volta na
nais, contra a resistência dos operários a desso- história da A.LT., cujo papel nas greves euro-
lidarizar-se da «sua» burguesia e a lutar ao
peias traz à luz do dia e que os governos denun-
lado dos povos que ela explora (Marx vai de
ciam oficialmente como inimigo público. Mas
encontro em particular, na questão irlandesa,
ao «chauvinismo> que penetra profundamente
a Comuna de Paris vai transformar imediata-
mente o curso deste afrontamento.
a classe operária inglesa, e que mantém a pre-
sença na própria Inglaterra duma massa de tra-
balhadores irlandeses emigrados, que faz
pressão sobre o nível dos salários).
4. A Comuna, o fim da Internacional, as últi-
4. Pela organização da luta política de mas obras de Marx
iãããã

classe no aparelho político existente, sob a


forma dum partido organizado (os anarquistas
a) O «achado» histórico dos comunardos
querem a autonomia das secções locais, Marx
exige o reconhecimento da tendência geral da
g

A Comuna de Paris (18 de Março-27 de Maio


de 1871) e as suas consequências imediatas
1 Salário, Preço e Lucro, relatório apresentado em
marcam o fim do primeiro período da história
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1865 ao Conselho geral, contra as teses do owenista


inglês J. Weston. do movimento operário organizado que tinha
2 Circular de 9 de Março de 1869. lançado as bases duma fusão da teoria e da
o)

49

o)
48 É
prática revolucionárias. A Comuna acaba de

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movimento operário alemão. Em última análise,

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facto um período histórico, despedaçando ao
do lado alemão, a guerra comportava um
mesmo tempo a preponderância do socialismo
aspecto democrático e «defensivo». !
pequeno-burguês, não marxista, em certos paí-
ses europeus (em primeiro lugar na Alemanha),

ËgHFËËË
Mas a guerra franco-alemã significava tam-

*fiËÊËËË
e a unidade contraditória da Internacional, cuja bém que a revolução burguesa na Alemanha
desaparição acaba por implicar. Mas abre ao seria acabada «de cima», sob a hegemonia do
mesmo tempo um novo período, tornando possi- Estado prussiano dos fidalgotes. Por isso mes-
vel a constituição de partidos sccialistas de mo, anunciava a reconstituição imediata do
massa, e a preponderância do marxismo no bloco defensivo das classes dominantes euro-
seio delos. A Comuna foi um fracasso do pro- peias, à custa de algumas mudanças dinásticas
letariado francês, seguido duma nova repressão e duma inversão das hegemonias.
sangrenta (pelo menos 20 090 mortos, outras

*ËË
ËËE?ïã
tantas deportações Foi o que provou desde logo a aliança de

gïËãÊïu
e prisões).

'ËÉHËãË
No entanto, foi
também um sucesso do proletariado, que adqui- Bismarck e da burguesia francesa (Thiers,
riu um alcance universal, pois provou a possi- Jules Fabre, etc.), que permitiu o isolamento e o
bilidade da tomada do poder, revelou a primeira esmagamento da Comuna, que arrastou por sua

i,Fi ËË r ËïtËE
forma histórica concreta da ditadura do prole- vez a repressão feroz do movimento operário,
tariado, e abriu a via às revoluções vitoriosas não apenas em França, mas na Alemanha e em
do século XX. ! toda a Europa.

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Foi no breve intervalo, no «jogo» deixado por

ËËi iÈËËãË
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A acção da Internacional no decurso da
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ËãEs ãsiËËlÉï$

guerra franco-alemã de 1870 e da Comuna teve esta contradição complexa, que podia mani-
de ter em conta a grande complexidade das con- festar-se a acção do proletariado.
tradições que aí se acumulavam.

{3Es-*
No seu prefácio de 1907 à tradução russa
das Cartas de Marx à Kugelmann, Lenine insis-
À guerra franco-alemã anunciava, qualquer tiu demoradamente no alcance político da ati-
lggããgãgi

que fosse o seu resultado, a queda de Napoleão


HI, o fim do bonapartismo em França e o fim tude de Marx durante a Comuna, opondo-a
da sua influência na Europa. Implicava ao mes- ponto por ponto à de Plekhanov, que durante
mo tempo a realização da unidade nacional ale-
a revolução russa de 1905, depois de ter apelado
mã, isto é, a conclusão do processo da revolução
burguesa; e esta aparecia ao mesmo tempo

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1 Sobre a posição de Marx a propósito do «campo

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como a condição do aprofundamento das lutas que é necessário escolher», do ponto de vista dos inte-

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de classe na Alemanha,

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do desenvolvimento históricos do proletariado, nas

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do guerras entre
burguesias nacionais (no século XIX), é preciso ler o

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artigo fundamental de Lenine: «Sous un pavillon étran-
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ger» (1915), Oeuvres complêtes, t. XXI, p. 135 e seg.,

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1 Cf. Bruhat, Dautry, Tersen, La Commune de e também a brochura La Socialisme et la Guerre (1915),

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1871. Editions Sociales, 2.º edição, 1970.


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O. C., tome XXI, p. 305 e seg.



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para a revolta, exclamava subitamente: «Nunca dos Estados burgueses, a impreparação do pro-

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deviam ter pegado em armas». Desenvolvamos letariado.
o que ele apenas indica.
Mas, durante a Comuna, a atitude de Marx

Ëit Ëi:ffilËË'ËËËËã*ac
Antes da Comuna, Marx e Engels desacon- é totalmente diferente, o que a faz apare-
iãEgãla;Ëãiffiffi
selhavam qualquer insurreição, na qual viam cer aos olhos dos historiadores como uma «revi-
uma «loucura desesperada», que «nos lançaria ravolta».
cinquenta anos para trás», e «falsificaria todos
A partir da insurreição de 18 de Março de

iããËãËgfilããËgiËãË ãË*gãËãËãã
os dados», desenvolvendo no movimento operá-
1871, respondendo à provocação de Versalhes,
rio francês «o ódio nacional e o reino da fraseo- o Conselho geral da Internacional, que não tinha
logia». Mostram que «a classe operária francesa tido qualquer participação no seu desencadear,
se encontra colocada em circunstâncias extre- «saudou com entusiasmo a iniciativa revolucio-
mamente difíceis»; pois a seguir à queda do nária das massas». ! «Seria evidentemente mui-
Segundo Império, a República francesa «não to cómodo, escrevia Karl Marx a Kugelmann
derrubou o trono, mas apenas ocupou o lugar
(17 de Abril de 1871), fazer a história se só
deixado vago»: é a sua herdeira, uma simples travássemos a luta com probabilidades infali-
mudança de pessoas à cabeça do aparelho de velmente favoráveis [...] A desmoralização da
Estado, e não a expressão duma tomada de
classe operária seria uma infelicidade bem
poder pelas classes populares. Está portanto maior do que a perda dum número qualquer de
apta a continuar a sua política, a concentrar «chefes». Graças ao combate travado por Paris,
contra o proletariado todas as forças de re-

a luta da classe operária contra a classe capi-


pressão, a fim de perpetuar a ordem social exis- talista e o seu Estado capitalista entrou numa
fi ãËËigËËfiããiËa

tente. Além disso, a transformação duma guerra nova fase. Mas qualquer que seja o resultado
-ui*ïiÉËËããlãËË
nacional em guerra de conquista dinástica (com dela, obtivemos um novo ponto de partida duma
a fundação do Império alemão) não cria de importância histórica universal.»
maneira nenhuma as condições dum movimento
O Conselho geral organizou, sob a direcção

Ëãse:iËãËË
internacional de massa em favor da revolução. de Marx, e apesar de grandes dificuldades, a
Também Marx concentra os seus esforços (e os solidariedade internacional para com a Comuna.
da Internacional) nas manifestações de inter- Enviou representantes que, forçando o bloqueio,
nacionalismo franco-alemão (que tinham sur- puderam comunicar à Comuna informações (so-
gido no momento da entrada em guerra, nomea- bre o acordo secreto entre Bismarck e Jules
damente sob o impulso de Liebknecht), na luta Favre) e alguns conselhos tácticos em matéria
contra o imperialismo de Bismarck, e pelo reco- de defesa militar, finanças e política do traba-
nhecimento duma república francesa democrá- lho. Depois da queda da Comuna (que se deveu
tica. A atitude de Marx é ditada pelo seu claro em parte à «demasiada honestidade» dos traba-
conhecimento do aspecto principal existente na
contradição das classes em 1870-1871: a força 1 Lenine, artigo Karl Mara.
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52


de tudo, a ele vão buscar apenas

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os juízos

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lhaderes parisienses, que não quiseram anteci-

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*#ãt ËËËË
ËgËãËëãËE :ËBËËãïEËt iËEËsËqlËËËÊËËË
acerca do passado, mas não
ii*#ËH
par-se à concentração das tropas de Versalhes e
prussianas tomando a ofensiva, nem responder
para construir o futuro.» ?
procuram lições

llglïtË ;i e:ããutï*fiÉã:ËËË gÈ; ãi


ao terror burguês com o terror popular), Marx
Para acreditar numa inconsequência de

;ffããããÈEgËËe,íËgãË
organizou o salvamento dos que escaparam, as
Marx, é pois necessário, contrariamente à dia-
revelações públicas sobre o seu desenrolar, a
léctica, transformar «o aspecto principal» da
difusão das suas ideias. Antes mesmo do fim,
a análise das lições, cm intenção contradição (a força relativa do Estado bur-
empreendeu
guês) em aspecto único, esquecer o outro as-
do proletariado de todos os países. ' pecto da contradição, é necessário ver a força
(real) da burguesia do ponto de vista de que
Citemos de novo Lenine: «Marx dizia em

Ë ËE
ela própria se vê, e passar do respeito táctico
ËãËiËËi€ËËËìËÌËãË€ËiÊ

Setembro de 1870 que a insurreição seria uma


do adversário (indispensável) para o respeito
loucura. Mas quando as massas se revoltaram,
quis marchar com elas, instruir-se ao estratégico, que desencoraja toda a prática revo-
Marx

qË:ÌËË
lucionária. A posição de Marx é revolucionária
mesmo tempo que elas, na luta, e não dar lições
porque materialista: ela subordina a atitude dos
burocráticas. Compreende que qualquer tenta-
de contar antecipadamente com toda «a teóricos, dos dirigentes políticos da classe ope-
tiva
rária, não à espontaneidade, mas à iniciativa
exactidão com os êxitos da luta seria charlata- histórica das massas. Esta posição tem uma
nismo ou pedantismo irremissível. Considera
significação permanente, constantemente verifi-
antes de tudo o facto de que a classe operária,
*ãËã5!ãËË ãËËËËËË
cada pela história: a revolução não se desen-
heroicamente, com abnegação, com espírito de
elebora a história do mundo. Marx rola nunca segundo esquemas pré-estabelecidos,
iniciativa,
não é nunca aplicação dos «programas» conce-
considerava a história do ponto de vista dos que

íãËËuËË€sã
bidos pelo partido revolucionário. A política
a criam sem poder contar infalivelmente de
científica do proletariado não consiste em pro-
antemão com as possibilidades de êxito, mas
curar na teoria o plano dos acontecimentos his-
não a olhava como intelectual pequeno-burguês
tóricos vindouros, mas em procurar
que dá a sua lição de moral. [...] Marx sabia ver na teoria,
que em certos momentos da história no entendimento das tendências e das con-
também
dições actuais, os meios de compreender estes
uma luta encarniçada das massas, mesmo por
acontecimentos quando eles se produzem, a fim
uma causa desesperada, é indispensável para a
de neles participar activamente, em vez de os
educacão ulterior destas mesmas massas, para
aceitar passivamente.
as preparar para a luta futura. Esta maneira de
ffiïã

pôr a questão é inacessível, até mesmo estranha


Marx compreendia que a classe operária
!.â
no seu princívio, aos nossos pseudo marxistas
de citar Marx a propósito parisiense não podia escolher, sob o ponto de
actuais, que gostam

1 Prefácio à tradução

C)
Internacional, 4 Guerra russa das Cartas de Mura
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1 Cf. II Mensagem da
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cm França. a Kugelmenn, 1907.


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vista dos seus interesses históricos a longo passado o momento, que caracterizam as con-

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termo: a insurreição foi-lhe imposta pela pro- junturas revolucionárias, nas quais a luta de
vccação directa das classes dominantes. Pois a classes aparece com toda a clareza e nas quais,


burguesia francesa, a seguir à derrota militar, segundo as palavras de Marx, «os dias concen-

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tinha necessidade duma vitória efectiva sobre tram em si vinte anos». !
o proletariado para reconstituir a sua unidade,
para subordinar a Há uma estreita conexão entre as condições

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si própria e comprometer

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as camadas pequeno-burguesas, todas as outras em que se desenrola a experiência histórica da
classes de trabalhadores, para fundar a conti- Comuna e o seu conteúdo principal, a primeira
nuidade do Estado burguês. Tinha necessidade realização prática da ditadura do proletariado,
de esmagar politicamente o proletariado, quer «achado» das massas de que Marx, pelo facto da
forçando-o a recuar sem combater, quer pela sua participação e da sua adesão imediatas,
violência. Mas os dois meios equivalentes para a mas também devido ao seu papel anterior e às
burguesia (vitória «pacífica» ou guerra civil) suas descobertas, pôde apropriar-se teorica-

+
não são de forma nenhuma equivalentes para a mente.
classe operária. A sua resistência, na qual afir-
mava a sua própria capacidade de transformar b) A ditadura do proletariado
toda a sociedade e abolir a exploração, era o
único meio de fazer progredir o movimento

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Neste trabalho, o que forneceu a Marx o

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revolucionário. Depois do período de 1848-1852, critério prático de que toda a experiência

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o próprio desenvolvimento do capitalismo e das necessita foi este paradoxo: a Comuna, de
lutas de classe modificou o lugar do prole- facto, não seguiu a política que ditavam as

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tariado na sociedade, de maneira que o fra- posições ideológicas da maior parte dos seus

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casso de Junho de 1848 e o fracasso da prima- membros; seguiu uma política diametralmente
vera de 1871 têm uma significação exacta- oposta, ditada pela necessidade, e antes de mais

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mente inversa: o primeiro marcava a incapa- a necessidade da sua própria existência e sobre-
cidade do proletariado para dar um conteúdo vivência: a política do socialismo científico.
autónomo à sua luta, o segundo sanciona a Na Comuna, com efeito, a classe operária domi-

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energia desesperada com que o proletariado nava, mas não assegurava ela sozinha a direc-
começa a desenvolver a sua própria forma ção. Ali figuravam também os representantes
política, que vem a «encontrar» sob o efeito da pequena burguesia revolucionária, artesanal

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duma necessidade à qual não era possível esca-
par. Para a classe operária, no momento da

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1 «Na história, este aspecto da luta inscreve-se

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Comuna, não há várias políticas possíveis que muito raramente na ordem do dia: em compensação,

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preservem os seus interesses de classe: q neces- a sua importância e consequências inscrevem-se em

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sidade imediata da luta coincide com a necessi- dezenas de anos. Os dies em que se pode e se deve ins-

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crever o programa de tais métodos de luta equivalem

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dade histórica. São «coincidências destas, que
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a vntenas de anos doutras épocas históricas.» Lenine,

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não devem ser percebidas apenas depois de A falência da II Internacional, O. €., tomo XXI, p. 260.
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57
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e intelectual. Os representantes da classe ope- posto por uma minoria, e a questão do centra-

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rária dividiam-se eles próprios numa maioria lismo. Fazia repousar a possibilidade de um
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de blanquistas e numa minoria de internacio- centralismo democrático sobre a aliança dos
nalistas, sobretudo proudhonianos (incluindo operários e outros trabalhadores, sob a direcção
Varlin), e alguns raros «marxistas» (E. Dmi- dos operários.
trieff, Serrailler, Frankel). O que caracterizou
a Comuna, na sua curva ascendente, foi uma foi composta por conselheiros

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«A Comuna

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política não proudhoniana, uma política não municipais, eleitos por sufrágio universal nos

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blanquista conduzida por proudhonianos e blan- diversos bairros da cidade. Eram responsáveis
quistas. e revogáveis em qualquer momento. A maioria
dos seus membros eram, naturalmente, operd-
A Comuna não se «contentou com tomar tal rios ou representantes reconhecidos da classe
qual a máquina do Estado e fazê-la funcionar operária. A Comuna devia ser, não um orga-
por sua própria conta», mas empreendeu ime- nismo parlamentar, mas um corpo activo, exe-
diatamente destruí-la. Suprimiu duma só vez cutivo e legislativo ao mesmo tempo [...]
os instrumentos do poder de Estado burguês, Dos membros da Comuna até ao mais baixo
que são o exército permanente, a polícia per- da escala, a função pública devia ser asse-
manente, e substituiu-os pelo «povo em armas» gurada por salários de operários. Os bene-
(na sua maior parte operários) que a guerra de representação dos
fícios de uso e as ajudas
e a resistência à invasão tinham mobilizado.
altos dignitários do Estado desapareceram com
Da mesma forma, suprimiu o corpo dos funcio-
nários dependentes apenas de cima, a adminis- os próprios dignitários. Os serviços públicos
tração permanente. Mas (contra toda a orien- deixaram de ser a propriedade privada das
pessoas do governo central. Não só a adminis-

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tação anarquista e utopista), empenhou-se em
tração municipal, mas toda a iniciativa até ai
substituir este aparelho por «instituições durá-
veis», que constituíam «a organização do pro- exercida pelo Estado, foi entregue nas mãos da
letariado como classe dominante». Comuna.» ' Assim, a ditadura do proletariado
realizava-se através de uma democracia prole-

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A Comuna de Paris previa o sufrágio uni- tária, mais vasta do que qualquer democracia
versal a todos os níveis, a autonomia relativa burguesa, que não se contentava com generali-
das províncias e das comunas, mas de maneira gar o princípio da eleição e da «representação»
nenhuma a abolição da centralização: a Comuna
popular, mas fazia dos representantes eleitos
não era federalista mas centralista, em virtude
das próprias características da sociedade mo- os servidores (Marx) dos trabalhadores, colo-
cados sob o controlo permanente das organiza-
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derna, que não é uma sociedade de produtores


ções de massa do povo revolucionário
g (em par-
independentes, mas repousa já num grau elevado
de socialização da produção. Distinguia assim
a questão do poder opressivo do Estado, im- 1 A Guerra Civil em França, op. cit.

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58 59

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assentar sobre a associação dos trabalhadores

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ticular os «clubs» políticos, frequentados pelos
mesmos trabalhadores armados que faziam a em cada fábrica, mas também reunir todas
força da Comuna, e pelas suas mulheres e até estas associações numa grande federação, em
mesmo os filhos). resumo, uma organização |...que] devia che-
gar finalmente ao comunismo, isto é, exacta-
A Comuna abolia toda a distinção entre os mente o oposto da doutrina de Proudhon. E
«poderes» executivos, legislativos, judicial (que eis também porque a Comuna foi o túmulo da
a ideologia jurídica burguesa faz passar pela escola proudhoniana do socialismo.» *
«garantia» das liberdades individuais). Fazia
Pela sua política de destruição do Estado

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assim voar em estilhaços, ao mesmo tempo que
o parlamentarismo, q «falsa independência» da burguês, que é o principal agente da sua explo-
justiça e do direito. Minava as bases práticas ração, a Comuna esboça as bases da aliança
de toda a ideologia moral e jurídica pequeno- da pequena burguesia pobre, e sobretudo dos
“burguesa, à qual continuavam ligadas as dife- camponeses, à ditadura do proletariado. A jus-
rentes formas do socialismo pré-marxista. Mos- teza da sua política foi demonstrada a contra-
tra rio pelo fracasso da Comuna de Lião, onde a
que todo o direito, toda a justiça, têm um
conteúdo de classe, e que é necessário a classe acção de Bakunine levou ao isolamento ime-
operária exercer ela própria uma justiça prole- diato da classe operária.
tária. Pôde mesmo começar a «despedaçar o
Estas lições da Comuna e a análise da sua
instrumento espiritual da opressão», atacando a
organização material da Igreja e esboçando conjuntura figuram nomeadamente nas três
uma instrução popular controlada pelo povo
Mensagens redigidas por Marx para a Interna-
cional — a primeira, em 23 de Julho de 1870;
(e não pela Igreja ou o Estado).
a segunda, em 9 de Setembro de 1870; a ter-
Ao mesmo tempo que «encontrava enfim» ceira, 4 Guerra Civil em França, em 30 de
a forma política do governo da classe operária, Maio de 1871 —, assim como na correspondên-
«o resultado da luta de classe dos produtores cia com Kugelmann. Lenine explicou-as em
contra a classe dos apropriadores [...], que
pormenor em O Estado e a Revolução (1917).
permitia realizar a libertação económica do
trabalho», a Comuna junta à revolução política c) O Fim da Internacional

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as primeiras medidas de expropriação do capi-
tal em benefício dos trabalhadores. «Em 1871, A experiência decisiva da Comuna, a teoria
mesmo em Paris, este centro do artesanato de marxista e o movimento operário saem um e
arte, a grande indústria tinha de tal maneira outro transformados, unidos em bases novas
deixado de ser uma excepção que o decreto
de longe mais importante da Comuna ins-
tituía uma organização da grande indústria reedição de 4 Guerra Civil


Engels, prefácio à

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1

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e até da manufactura, que devia não só em Franga, 1891.

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(o que torna inteiramente fútil o problema de quem Marx em 1864 saudava «um dos raros

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saber se
xista»!)
a Comuna era uma revolução «mar- homens em que, ao fim de dezasseis anos, cons-
tato um progresso e não um retrocesso», não
pode admitir a ditadura do proletariado, que
A Internacional apareceu aos governos de contradiz a sua teoria anarquista do Estado.
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toda a Europa como o inimigo a abater a todo A partir do Congresso de Bãle (1869), colidiu
o custo. Sob proposta de Jules Favre, a re- contra os marxistas, partidários da socializa-
pressão foi organizada em comum. ção dos meios de produção, a propósito da ques-
tão das heranças, cuja supressão lhe parecia
Recusando seguir Marx nas últimas conse- o meio de abolir a propriedade privada. Para
Bakunine todo o Estado é opressivo (mas, aos

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quências da sua análise, e rejeitando as lições
políticas da Comuna, os representantes do tra- seus olhos, o Estado «liberal» dos países anglo-
deunionismo inglês (que nesta época reagru- -Saxões não é propriamente um Estado): a
pava sobretudo a «aristocracia operária») aban- «ditadura do proletariado» não seria pois mais

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donam o Conselho geral. As características par- do que uma ditadura de sábios e de políticos
ticulares do Estado em Inglaterra, as suas tra- sobre o proletariado, ou então do proletariado
dições de democracia burguesa, pareciam tornar sobre os camponeses e o sub-proletariado, dos
possível uma passagem para o socialismo de países industriais sobre os países agrícolas.
tipo pacífico. No entanto, respondendo em Julho Bakunine identificava a tese de Marx, exposta
de 1871 ao correspondente do jornal The World, no Manifesto e na Mensagem inaugural da
Marx, sublinhando embora a especificidade das Internacional, sobre «a organização do prole-

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condições nacionais, não se declarava «tão opti- tariado em classe dominante», às ideias de
mista»: «A burguesia inglesa mostrou-se sem- Lassalle sobre o «Estado popular», que impera-
pre pronta a aceitar o veredicto da maioria, vam em numerosos socialistas alemães." Acu-
sava Marx de nacionalismo germânico e de
enquanto as eleições assegurarem o seu mono-
russofobia, e de exercer na Internacional, por
pólio. Mas estejam certos de que estaremos a
braços com uma nova guerra dos Escravos intermédio do Conselho geral, uma ditadura
quando estiver em minoria nos assuntos que
pessoal (acusações que foram retomadas e sgis-
tematicamente exploradas pela imprensa e a
são para ela de importância vital.»
literatura burguesas anti-socialistas).
Bakunine e os seus sequazes, mau grado
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A luta interna dura até ao Congresso de

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as consequências catastróficas da sua interven-
Haia (Setembro de 1872). «Disso depende a
ção, consideram a Comuna como uma confirma-
ção do anarquismo. A seguir a 1868, fundaram a vida ou a morte da Internacional», escrevia
Marx a Kugelmann. Apoiados pela maioria dos
Ë

Aliança Internacional da democracia socialista,


que se batia pelo «comunismo anti-autoritário»
e desenvolvia dentro da Internacional uma acti-

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1 Cf. Bakunine, Estatismo

-am
e Anarquia (1873),
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vidade secreta de desagregação. Bakunine, em que Marx anota em pormenor.

62
antigos comunardos e blanquistas (Frankel, Em 1875, teve lugar em Gotha o Congresso

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ãËËãËãËãËËtl
Edouard Vaillant), Marx e Engels obtêm a de unificação dos socialistas alemães «lassa-
exclusão de Bakunine e a aprovação da sua lianos» e «marxistas» (ditos «eisenaquianos»:
teoria do partido: «Na luta contra o poder Bebel, Liebknecht). Neste período, que abre a
colectivo das classes possuidoras, o proletariado transição para o que será a fase imperialista
não pode agir como classe senão constituindo-se do capitalismo, começa também a aparecer a
a si próprio em partido político distinto, oposto contradição específica da sua nova fase de
a todos os antigos partidos formados pelas desenvolvimento do movimento operário: a con-
classes possuidoras.»! Para o subtrair aos afron- tradição, no seio dos partidos «marxistas» le-
tamentos das seitas, fizeram igualmente votar gais, entre o socialismo científico e o oportu-
a transferência do Conselho geral para Nova nismo, que traduz a influência da burguesia no
Iorque. Mas a A.LT seria dissolvida em 1876. próprio seio do movimento operário. Marx e
Engels travaram uma luta interna sem conces-
A «morte» da Internacional foi a sua «vida»: sões contra o oportunismo, luta que em parte
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é pela difusão da análise da Comuna que se ficou secreta (cf. a correspondência de Marx.
desenvolve em grande parte o trabalho pclítico com os dirigentes da social-democracia alemã).
nos diferentes países europeus a partir de 1871. A sua intervenção não foi sobretudo táctica, mas
As obras anteriores de Marx (notoriamente o teórica: ver em particular O Anti-Dihring
Manifesto) começaram então a ser largamente (1878) de Engels (com um capítulo de Marx),
conhecidas e utilizadas nas organizações do e Crítica do Programa de Gotha (1875, publi-
proletariado: na Alemanha, em F'rança, na cado apenas em 1891 por Engels).
Rússia, na Itália.
A Crítica do programa de Gotha (que a so-
«A primeira Internacional tinha cumprido
iglgtfi,

cial-democracia alemã «ignorará» a maior parte


a sua missão histórica e cedia o lugar a uma
das vezes e que Lenine colocará no centro da sua
época de crescimento infinitamente mais consi- análise do Estado) ilustra a nova etapa da
derável do movimento operário em todos os teoria de Marx, o resultado da sua transforma-
países, caracterizada pelo seu desenvolvimento ção, a combinação das análises do Capital e dos
em extensão, pela formação de partidos socia-
ensinamentos da Comuna. Marx critica aí seve-
listas operários de massa, no quadro dos diver- ramente a tendência para o compromisso com o
sos estados nacionais.» ? Estado burguês (o «Estado popular livre», a
«educação do povo pelo Estado», o naciona-
Em 1879, Marx ajudou activamente Guesde
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lismo) e com a ideologia jurídica e política


e Lafargue a fundar o Partido operário francês burguesa. Sobretudo, Marx enuncia uma tese
e a redigir o programa. teórica nova em relação a todos os textos ante-
riores, que desenvolve a teoria da ditadura do
1 Artigo Ta acrescentado aos estatutos da A.L.T. proletariado: a distinção das duas fases da
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2 Lenine, artigo Karl Marx. sociedade comunista. Na primeira fase, a fase

65
«inferior», que sucede à tomada do poder pela Apesar disso, em colaboração com Engels,
classe operária, encontramo-nos a braços com mantém-se o conselheiro e o intermediário dos
«uma sociedade comunista não tal como se de- partidos socialistas, preparando a constituição
senvolveu nas bases que lhe são próprias, mas duma nova Internacional, que só se realizará
pelo contrário, tal como acaba de sair da socie- depois da sua morte, Segue de muito perto a
dade capitalista. É «o direito igual para todos» tradução do Livro I do Capital: em particular,
que continua a reinar, isto é, o direito burguês a tradução francesa (de J. Roy), publicada em
assente na igualdade dos indivíduos («a cada 1875, inteiramente revista por ele. Mas não
um segundo o seu trabalho»), mas aplicado à pode acabar a redacção dos livros seguintes: os
troca entre o trabalhador e a sociedade que su- livros II e III serão publicados por Engels,
primiu o capitalista privado como proprietário com base em manuscritos e indicações de Marx,
dos meios de produção. A segunda fase, a fase em 1885 e 1894; o livro IV (as «Teorias da
«superior», que assenta só sobre «as bases espe- mais-valia») por Kautsky, em 1905-1910.
cíficas do comunismo», e para a qual tende toda
a ditadura do proletariado, não poderá começar Marx estuda, além da conjuntura e da teoria
senão «quando tiverem desaparecido a subordi- económicas, as ciências naturais (geologia, qui-
nação escravizante dos indivíduos à divisão do mica agrícola, agronomia, etc.) em ligação com
trabalho, e, com ela, a oposição do trabalho a teoria da renda fundiária e do desenvol-
manual e do trabalho intelectual; quando o tra- vimento do capitalismo na agricultura, para
balho não for apenas um modo de vida mas se refutar o maltusianismo e para analisar a his-
tornar ele próprio a primeira necessidade vital; tória de novas formações sociais capitalistas
quando, com o desenvolvimento múltiplo dos (como a Rússia, os Estados Unidos).
indivíduos, as forças produtivas forem elas
também aumentadas, e quando todas as fontes No plano filosófico, a tendência para o opor-
da riqueza colectiva brotarem com abundância. tunismo na social-democracia é marcada tam-
Só então o horizonte acanhado do direito bur- bém pelos ataques contra o materialismo e a
guês poderá ser definitivamente ultrapassado ideia do «regresso a Kant». Nesta conjuntura, a
e a sociedade poderá escrever na sua bandeira questão da dialéctica volta pois explicitamente
“De cada um segundo as suas capacidades, a ao primeiro plano do trabalho de Marx e Engels
cada um segundo as suas nrecessidades'». Assim, (que proporá para ela diversas definições nas
pode esboçar-se uma teoria das contradições suas obras, do Anti-Diihring e da Dialéctica da
no processo de passagem para o comunismo. natureza a Ludwig Feuerbach e o Fim da filo-
sofia clássica alemã, 1888).
d) O último periodo
O problema das sociedades «pré-capitalis-
tas» e «primitivas» tinha sido estudado por
No último período da sua vida, o trabalho de
Marx é constantemente perturbado pela doença. Marx nos anos de 1850-1860, ao mesmo tempo

66 67
que a colonização capitalista da Ásia. ' E-o de

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sequências deste facto é a teoria de Marx não
novo neste último período, a partir dos traba-

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estar acabada. Uma outra consequência reside
lhos do etnólogo e pré-historiador americano
em que a exposição desta teoria não tem começo
L. H. Morgan. * nem no seu conjunto nem em cada
absoluto,
uma das suas partes (por exemplo, na parte
A partir de 1872 (ano em que O Capital foi

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«económica» que O Capital expõe).
traduzido pela primeira vez em russo, por

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Danieison e Lopatine), Marx mantém contactos Mas isso não significa que a teoria de Marx
estreitos com os revolucionários russos da ten- sentido científico,
dência
estuda
«Vontade
a história
doi:iË rÉ:ËËË ËãË*
povo».
das relações
Aprende
sociais
russo
«comuni-
e
não seja sistemática,
isto é, que não defina o seu objecto de estudo
de forma a explicar-lhe a necessidade objectiva.
no

tárias» na agricultura russa. No prefácio da


segunda ediçao russa do Manifesto do Partido O que confere à teoria de Marx o seu carác-
comunista, um dos seus últimos textos (1882), ter sistemático, neste sentido, é a análise das
afirma: «Hoje [...] a Rússia está na vanguarda diferentes formas da luta de classes e da sua
do movimento revolucionário da Europa [...] conexão. É a melhor «definição» que dela se
Se a revolução russa dá o sinal duma revolução pode dar, se é que o conteúdo duma ciência pode
operária no Ocidente, e se ambas se completam, ser encerrado numa definição.
a propriedade comum actual da Rússia poderá
servir de ponto de partida para uma evolução
comunista». Os factos, uma vez por excepção,
não deviam invalidar totalmente esta previsão. 3. Classes e lutas de classes

No dia 14 de Março de 1883, Marx morria No Manifesto, Marx escreve: «A história


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em Londres. de toda a sociedade até aos nossos dias não foi
mais do que a história da luta de classes.»
Esta afirmação deve ser tomada num sentido
reforçado: não significa que as lutas de classes
2. A teoria de Marx tenham sido o principal «fenómeno» que se
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pode observar no história; nem mesmo que as


lutas de classes sejam a causa profunda, mais
A teoria de Marx não é um sistema, assen-

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ou menos directa, dos fenómenos históricos.


tando num fundamento filosófico. Uma das con- Significa que os fenómenos históricos, que são
a única realidade da história, não são mais do
1 Cf. a recolha dos Textos sobre o colonialismo de que formas (diversas, complexas) da luta de
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e Engels, Edições em línguas estrangeiras, Mos- classes. A precisão trazida por Marx: «até aos
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covo. nossos dias» — e que se pode repetir ainda hoje


2 Ver o livro de Engels, 4 Origem da familia,
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sem qualquer modificação — não significa, pois,


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da propriedade privada e do Estado.


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que a definição pareceria parcial, inexacta, se se


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capitalista (cf. abaixo), esclarece-nos sobre a

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tomasse em consideração as «sociedades sem natureza do «derrubamento», melhor, da revolu-
classes» que precederam ou que sobreviverão ção teórica operada por Marx no uso do con-
à história das sociedades «de classes». Às socie- ceito de classe social. É a luta de classes, com
dades sem classes não revelam (e não revela- os seus efeitos históricos e as suas tendências,
uma realidade social mais profunda, mais
rão) que determina a existência das classes e não O
geral do que a luta de classes, nem lhe inverso. Por outras palavras, as classes sociais
fogem (é no entanto, geralmente, o que à antro- não são coisas ou substâncias (como por exem-
pologia social aí vai procurar), e por isso plo uma parte deste «todo» que é a sociedade,
mesmo «sem história». As sociedades sem um «subgrupo» deste «grupo», uma subdivisão,
classes do futu cujas tendências da socie-
— ro etc.) que entrariam em seguida em luta, Ou se
dade actual nos indicam apenas certos traços — se prefere, a análise histórica das classes sociais
não podem ser senão o resultado da transforma- não é senão a análise das lutas de classes e
ção da luta de classes sob o efeito desta mesma dos seus efeitos.
luta de classes. Eis porque Marx (e Engels)
sempre insistiram no facto de «as comunidades Assim, a ideologia histórica duma classe

;ËãiããtiËii;
primitivas» que a pré-história e a etnografia (a «consciência de classe» do proletariado, por
nos revelam não terem nada de comum com O
exemplo), não é criada, elaborada, inventada por
«comunismo», o qual sucederá ao capitalismo esta da forma como a primeira psicologia sur-
de produção e de organização
como modo gida imagina que um sujeito (um indivíduo, um
sociais. grupo) inventa, consciente ou inconscientemen-
Importa apreender bem este ponto para te, as suas ideias: produz-se em condições mate-
compreender o uso e a significação do conceito riais dadas face à ideologia contrária e ao
de «classe social» no marxismo. Em 1852, Marx mesmo tempo que ela, como uma forma parti-
escrevia ao seu amigo Weydemeyer: «Não é a cular da luta de classes, e impõe-se na socie-
mim que cabe o mérito de ter descoberto a exis- dade (realiza-se, existe simplesmente) com o
tência das classes na sociedade moderna, assim desenvolvimento desta luta.
como a luta que elas aí travam [...]. O que
trouxe de novo, foi: 1) demonstrar que a Por isso, a teoria de Marx torna completa-

ãËelËãããm
eu
existência de classes só está ligada a fases his- mente ultrapassado o debate tradicional entre os
tóricas determinadas do desenvolvimento da defensores duma definição «realista» das classes
produção; 2) que a luta de classes leva necessa- e os que defendem uma definição «nominal»
riamente à ditadura do proletariado; 3) que (serão as classes unidades reais ou apenas colec-
esta ditadura em si própria não representa ções de indivíduos agrupados por necessidade da
senão uma transição para a abolição de todas as teoria segundo um ou vários «critérios» ?),
classes e para uma sociedade sem classes.» Esta quer dizer, o debate entre sociólogos que, todos,
declaração, feita numa época em que no entanto procuram uma definição das classes sociais antes
Marx ainda não tinha elaborado o conceito da de chegar à análise da luta de classes. Note-se
mais-valia,
z
isto é, o conceito da exploração
7º.
TO
corresponde luta de classes na produção e, finalmente, com
esta diligência

ËãttãiËËtË
prática

rãËããËãËË ËËãgÊÈË
que na

iËËË51Ël* *Ë u*gË
exactamente à tendência fundamental da ideo- vistaa esta luta. E isto porque é a luta declasses
logia burguesa que procura demonstrar que a na produção que arrasta a existência material
divisão da sociedade em classes é eterna, mas das classes, a sua «subsistência»: é a luta de
não o seu antagonismo; ou ainda, que este é classe quotidiana conduzida na produção pelo
apenas um comportamento particular das clas- capital que faz do processo de trabalho um pro-
ses sociais, ligado a circunstâncias históricas (o cesso de produção de mais-valia (e portanto de
século XIX...), ideológicas (a influência do lucro, que não é mais do que uma fracção), base
comunismo) e transitórias, um comportamento material da existência duma classe capitalista;
ao lado do qual se podiam imaginar e praticar é a luta de classe quotidiana conduzida na pro-
outros (a conciliação). dução pelos trabalhadores que assegura contra

ilï'È {*EsãËÊEËËÈËl*
a tendência do capital para o lucro máximo
Eis porque Marx pude escrever com todo as condições de trabalho e as condições mate-
o rigor no Manifesto:“«A sociedade burguesa riais (sobretudo o nível dos salários) necessá-
moderna [...] não aboliu os antagonismos de rias à reprodução da força de trabalho, à exis-
classes. Não fez mais do que substituir novas operária.
tência da classe
classes, novas condições de opressão, novas
formas de lutas, às de antigamente.» Deve ler- Esta proposição, que é a base da teoria his-

iìããss:ËËiïËËí
ãËÈããii
no sentido mais reforçado: novas classes,
-se tórica de Marx, é também a base da táctica da
isto é, novas condições de opressão, isto é, novas luta de classes do proletariado: ilumina o ponto
formas de lutas. de «partida» e o ponto de «chegada». O ponto
de partida: a luta do proletariado começa com
Por isso, somos levados à proposição fun-
a

a sua luta económica, e continua permanente-


damental, segundo a qual as classes sociais são
mente a basear-se nela. O ponto de chegada:
determinadas pelo seu papel económico ou, mais
a luta política do proletariado não atinge o
exactamente, pelo seu lugar na produção mate-

ãËlããlgr
seu objectivo senão com a condição de prosse-
rial. Proposição que é idêntica a esta: o con- do salariato, da relação
guir até à abolição
junto das lutas de classes é determinado em
de capital/trabalho assalariado que é a «relação
última instância pela luta «económica»
social de produção» fundamental. Os objectivos
classes, a luta de classes na produção. Isto
políticos são o meio de chegar a este fim, que
significa que as classes sociais não se colocam
lhes comanda a realização segundo as conjun-
a favor ou contra concepções do mundo, a favor
ou contra um estatuto jurídico, a favor ou con- turas históricas. !
tra formas de organizações políticas, a favor ou
contra modos de repartição da riqueza social, 1 Sobre todos estes pontos, cf. Miséria da Filoso-

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a favor ou contra formas de organização da cir-
-Èd

AS
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fia; Salário, Prego e Lucro; Crítica do Programa de
culação de bens materiais, senão por causa da Gotha.

73

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72
4. Capital e trabalho assalariado nem na prática e na teoria económicas) : capital

t;ã;*Ëci:lËi:Ëgë:ËËlÈiit*ËïËã
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ËããliruffififfiHfil
ËgãËHïtïffiffãããsaËi*Ë
financeiro, capital comercial, capital industrial.
A mais-valia parece então dissolver-se nas dife-
Nesta perspectiva, não é difícil determinar capital:

Ë[:Ëç;g, Ë!EeÏ:;Ë;rïËËEE:ËEË
ËsiËãËËiËËãËËããË*ËãËiãËËËi
rentes formas de crescimento do
o que constitui, segundo a expressão do próprio
juro, lucro comercial, lucro industrial, cujo
Marx, a «quintessência» da teoria do modo mecanismo é na prática completamente dife-
de produção capitalista exposta em O Capital e rente. Ao mesmo tempo, o capital identifica-se
que nos indica o lugar preciso da ruptura ope- a uma forma particular sob a qual se apresenta
rada por Marx a respeito da economia política, o seu valor: dinheiro, mercadorias, meios de
da sociologia e da historiografia burguesas. ! produção. No entanto, a forma dinheiro está
É a análise da mais-valia. sempre presente e privilegiada: como o dinheiro
é o equivalente de todas as mercadorias (com-
preendendo os meios de produção e o «traba-
a) O movimento do capital
funcionamento do capital
=
=

lho» necessários ao
industrial), representa o valor «em si», inde-
O que define o capital na prática da econo- pendentemente dos objectos materiais aos quais
rlr;iealrËaãgEËEãËÊ
uãÈ:Ë*EËiilEËãgãsãe

mia burguesa, é o pôr em valor (valorização) está ligado. Ora o movimento do capital não
uma quantidade de valor dada. Toda a soma se interessa por estes objectos, mas somente
de valor não é imediatamente capital, isso
pelo desenvolvimento da quantidade de valor.
depende da sua utilização: os valores entesou- O movimento do capital aparece pois essen-
rados ou consagrados ao consumo individual cialmente como o crescimento duma quantidade
não são capital. É necessário para isso que o monetária, uma forma desenvolvida da cireu-
valor seja investido de maneira a aumentar lação monetária.
de determinada quantidade. Esta quantidade
constitui, por definição, a mais-valia. Neste sen-
tido, a noção de mais-valia está formalmente da mais-valia

,iïlãiãã
b) A origem

i;çeãeis
presente desde que seja dado um capital qual-
quer; cada capital individual realiza por sua Se se considerar a existência do capital à
conta o mesmo movimento geral, que o define,
escala social e se se puser o problema da origem
libertando mais-valia e incorporando-a num pro- da mais-valia, torna-se evidente, no entanto, que
cesso que, por definição, não tem fim. Mas este na circulação mercantil e,
esta não pode residir
processo pode aparecer de forma diferente se-
por conseguinte, nem nas operações específicas
gundo os modos de investimento (e por con-
do capital comercial nem nas do capital finan-
sequência também os pontos de vista que defi-
ceiro, se bem que as formas da circulação mer-

1 Cf. Engels, prefácio ao livro II de O Capital


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e Antr-Diuhring, II parte; Marx, O Capital, livro IV: 4-5; livro II,


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1 Cf. O Capital, livro I, cap.


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«Teorias da mais-valia».
cap. 1a 4.

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nismos derivados da sua realização (monetária)

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cantil, generalizada pelo capitalismo, sejam apa- e da sua transformação, cuja prática económica
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ãiËËgãËËËÈËiËãi;,

ËËËÈítEiãËi ãË:ËË
rentemente o essencial dele. Com efeito, a cireu- não nos mostra senão os resultados. ' É necessá-
lação mercantil e monetária, à escala da socie- rio restabelecer a determinação das relações de
dade, é regida tendencialmente pela regra da distribuição pelas relações de produção.
troca entre valores equivalentes, que se impõe a
cada acto individual de troca, a cada contrato. Tal é a primeira descoberta fundamental de

ã ,ËiËffËËíããËãíËí*; *ïËãã
ã, i
Nenhum novo valor (nenhuma mais-valia) pode- Marx.
rá ser portanto criado na esfera da circulação. O
único capital cujo movimento pode criar valor
é pois o capital industrial, o capital produti- c) Trabalho e supertrabalho
vo, cujas operações específicas se desenvol-
vem fora da esfera da circulação, e não con- O capital produtivo divide-se em duas par-

ãËiËãiãiiããããããËËãaãEã*
sistem em trocas, mas, uma vez reunidos os tes, cuja relação quantitativa varia: a que se
factores de produção necessários (matérias pri- investe em meios de produção, quer sejam fixos
mas, meios de trabalho, trabalhadores assala- ou «circulantes» (máquinas, matérias primas),
riados), consistem em transformação material, consumidos no processo de trabalho; e a que se
isto é, em trabalho. investe em salários, preço da força de trabalho
que o capital compra por um tempo determi-
É portanto necessário inverter a nossa pri- nado. Marx chama ao primeiro capital cons-
ËãiËãËããËããíããÃãËËÊË

ËËi{!iiãgãË;ËãiËãí$ã
"*ËÈã',

meira definição: o lucro industrial ou comer- tante, ao segundo capital variável. Com efeito,
cial, o juro (e igualmente a renda fundiária) os meios de produção, que são o produto dum
não são formas autónomas do crescimento do trabalho passado e representam uma certa
capital: são (incluindo o lucro de empresa in- quantidade de valor, não podem por eles pró-
dustrial) formas derivadas, «transformadas», prios introduzir qualquer novo valor. Mais pre-
partes da mais-valia social proveniente da es- cisamente, transferem para o produto o próprio
fera da produção. Cada capitalista industrial valor, à medida do seu consumo «produtivo»
funciona assim, qualquer que seja a parte de (transformação, deterioração) pelo trabalho.
que finalmente se aproprie, como fornecedor de Inversamente, o trabalho humano tem a dupla
mais-valia por conta do capital social inteiro, propriedade de conservar o valor dos meios de
como seu «representante». A autonomia aparen- produção que consome, transferindo-o para Oo
te do lucro, do juro, etc., não provém senão da produto, e de lhe acrescentar um valor suple-
complexidade das relações concorrenciais que
ligam umas
mentar em função da qualidade de trabalho des-
às outras as diferentes fracções do
capital social, e que se reflecte nas categorias pendida (tempo, intensidade, número de tra-
da contabilidade e da economia política bur- balhadores).
guesas. Para compreender estas leis, é preciso
em primeiro lugar perscrutar o segredo da pro-
1 Cf. O Capital, livro III, introd. e s. 7; livro IV.

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dução da mais-valia, depois descobrir os meca-

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Esta teoria só é rigorosa com a condição O modo de produção capitalista não se pode

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ËtgËËËrii ËËËããiï!iiãËiiãïãËãããiÈg

ãËËtËËïáiìËËËfigÈËËË
de definir o trabalho como uso duma mercado- desenvolver senão na base duma produtividade
ria, a força de trabalho que o capitalista com- suficiente do trabalho (dependente ela própria
pra ao trabalhador, Definição conforme, preci- dos progressos dos instrumentos e técnicas de
samente, às condições do modo de produção produção): tem por condição histórica inicial
capitalista, nas quais (contrariamente ao que um dado estado do desenvolvimento das forças
se passa por exemplo na escravatura), o traba- produtivas materiais. Nesta base, o emprego
lhador não é cle próprio uma mercadoria, com- do trabalho assalariado tem como consequência
prada e vendida, mas surge (no mercado do que a quantidade de novo valor criado em cada
trabalho) perante o capitalista como o ven- processo de produção excede sempre o valor da
dedor, o participante num contrato de troca própria força de trabalho. Por outras pala-
(força de trabalho contra salário). E masca- vras, apenas uma parte do trabalho dispensado
rada pela ficção jurídica (mas ficção necessá- é necessário à reprodução da força humana de
ria, vamos vê-lo em breve) do salário que apre- trabalho que é utilizada (portanto usada, con-
senta o salário como «preço do trabalho», pro- sumida) no processo de trabalho: o resto,
porcional à quantidade de trabalho fornecida. liberta, em relação a este trabalho necessário,
O trabalho não é, de facto, uma mercadoria, um superproduto, constitui um supertrabatho
z
é o uso da mercadoria «força de trabalho». * de importância variável. Ainda por outras pala-
vras, apenas uma parte do valor novamente
O valor duma mercadoria comporta pois, produzido, representa o egitivalente das merca-
sempre, duas partes: uma transferida dos meios dorias que o trabalhador deve consumir para

ilËãËlã;ËãËg
de produção para o processo de trabalho, pro- reproduzir a sua força de trabalho, o resto
porcional à quantidade de trabalho passado constitui a mais-valia. Quanto ao valor trans-
necessária à sua produção; a outra criada ferido para o produto pelos meios de produção
(acrescentada) por este processo, proporcional em proporção com a sua utilização, representa
à quantidade de trabalho presente; com a con- evidentemente o equivalente dos novos meios
dição, pelo menos, de que se trate em todos os de produção que devem ser adquiridos para que
casos de trabalho socialmente necessário, des- o processo de produção possa continuar na
pendido nas condições médias de produtividade
mesma escala, portanto para que o capital possa
e correspondendo a uma necessidade efectiva
funcionar como tal: o processo de produção tem
do conjunto da produção social, o que não é
por condição a apropriação permanente dos
geralmente verdadeiro senão em média (encar-
meios de produção pelo capital que o seu pró-
regando-se a concorrência de impor esta norma
prio funcionamento reproduz.
aos capitais individuais como «lei coerciva
externa»). O «mistério» da criação da mais-valia pelo
ËËãã

iããË

ËËi
movimento do capital não tem portanto outro
1 Cf. O Capital, livro I, cap. 6e sect. 6 segredo senão o conjunto das condições técnicas
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(produtividade do trabalho) e sociais (forma

8 79
È-
co

e
do trabalho assalariado) que permitem ao tra- para além das necessidades da sua própria

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balho criar um valor que excede o da força de reprodução, pelo facto de não dispor por ele
trabalho. A mais-valia tem pois um limite supe- próprio dos meios de produção necessários. O
rior, constituído pela capacidade de trabalho meio fundamental para aí chegar é o prolonga-
da classe operária, e um limite inferior, consti- mento da duração do trabalho, a fixação do
tuído pelo valor da força de trabalho, num salário de tal maneira que o trabalhador não
determinado momento. O mecanismo de produ- possa reproduzir a sua força de trabalho senão
ção da mais-valia, é o mecanismo das relações trabalhando durante mais tempo. Esta tendên-
de produção capitalistas, quer dizer, o meca- cia aparece isoladamente (ou como forma prin-
nismo que obriga o trabalhador a ultrapassar cipal) com os começos do capitalismo, mas
este limite inferior correspondente à sua pró- continua a representar o seu papel na base de
pria reprodução e a fazer recuar indefinidamen- qualquer produtividade do trabalho social.
te o limite superior da sua capacidade de traba-
Suscita directamente a luta de classe (eco-

g:iËE Ë;itffïËË
ËËËãËã
lho. E um mecanismo de exploração, quer dizer,
de luta (económica) de classes. Luta do capital nómica) dos trabalhadores pelo dia de trabalho
«normal», que se esforça por contrariar a ten-
assegurando a extracção da mais-valia; luta dos
dência para o prolongamento da duração do
trabalhadores preservando a sua própria subsis-
trabalho, compreendendo também medidas le-
tência.
gais arrancadas ao Estado. !

A mais-valia absoluta tem como limite a

ïËiËëiãiiã

iiã:i:çËÉã iãËi
iãiiiaïii
d) As duas formas da mais-valia
i gããËË ïãiËËËË
I

preservação da própria classe operária. A his-


tória mostra eloquentemente a elasticidade
Marx analisa separadamente as duas formas
gãg;u

deste limite, dado que a concorrência de mão


típicas sob as quais esta luta de classes se
de obra e a debilidade da sua organização tor-
desenrola permanentemente: designa-as como nam a relação de forças desfavorável à classe
produção de mais-valia «absoluta» e produção operária. Inversamente, a resistência organi-
de mais-valia «relativa». zada da classe operária torna este limite mais
estreito. Contribui assim para orientar o capi-
A mais-valia «absoluta»! corresponde a
i苋苋

tal para uma segunda forma:


uma dada produtividade do trabalho social, a
um dado valor da força de trabalho. Ela mos- — A mais-valia «relativa»? tem um princípio
iËËË

iËãã

ãËËi
tra-nos simplesmente, sob uma forma imediata, inverso: o aumento do supertrabalho não é
a extracção dum supertrabalho que é a essência obtido directamente por prolongamento do tra-
do crescimento do capital: constranger o tra- balho necessário, mas pela redução deste, fa-
balhador a despender a sua força de trabalho

1 Cf. O Capital, livro I, cap. 10.


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1 Cf. O Capital, livro I, sect. 3. 2 Cf. O Capital, livro I, sec. 4.


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80

ao
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ao
zendo baixar o valor da força de trabalho, quer Pressupõem a concentração dos trabalha-

Ëe
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;;a ;iËËiEË íËiÈãii EËãiËïËËË* iãÏãËË
dizer, o valor das mercadorias necessárias à sua dores, portanto a concentração do capital numa.
reprodução. Este resultado é obtido pela eleva- escala sempre maior.
ção da produtividade do trabalho. A análise
A análise da mais-valia relativa ilustra a
dos diversos «métodos» utilizados pelo capital

ff ãtËËtÈgãìÈ;i

;gËiËËãïËËËããE ËËËãËËËãí
teoria marxista da combinação das relações
para produzir a mais-valia relativa põe bem em
sociais de produção e das forças produtivas
evidência a solidariedade que, para além da
do
materiais (que incluem a força de trabalho
concorrência, reúne as diferentes fracções
humana): mostra como o capitalismo, que pres-
capital social no processo de exploração: cada supõe historicamente um dado estado do desen-
capitalista aumenta o seu lucro individual determina a
volvimento das forças produtivas,
aumentando a produtividade do trabalho, mas
transformação incessante, o desenvolvimento
não contribui finalmente para a produção da necessário das forças produtivas, como meio de
mais-valia sobre a qual são retirados todos os produzir a mais-valia; de que modo o capitalis-
lucros individuais, senão na medida em que mo determina uma revolução industrial inin-
concorre para baixar assim o valor dos meios terrupta (enquanto a ideologia burguesa repre-
de consumo da classe operária. senta sempre, hoje, o capitalismo como uma
variante da «sociedade industrial», concebendo
Assim, os métodos que permitem elevar a
a revolução industrial como uma evolução natu-

Ëãã;ËËãËËã
produtividade do trabalho não comportam, con-
ral cujo conteúdo não dependeria em nada das
trariamente ao prolongamento do trabalho, li- relações — quer
de produção dizer, de explora-
mite absoluto. Eis porque engendram o modo cão — capitalistas). Ela mostra que o desenvol-
de organização da produção material específica vimento das forças produtivas é a realização
do capitalismo. Assentam na cooperação, na material das relações de produção capitalistas.
divisão do trabalho intensificada entre os indi- Mostra que, neste desenvolvimento, é a trans-
víduos (divisão «manufacture ira»
— preceden- formação dos meios de produção que precede e
do a «organização científica do trabalho», o comanda as transformações na qualidade da
taylorismo e o post-taylorismo actuais), na força de trabalho.
utilização das máquinas substituindo parcial-
mente a actividade humana (ou antes subordi- A análise de Marx mostra que o desenvol-

ËËãEËË

ïiËt-n
nando-a) e na aplicação das ciências da natu- vimento das forças produtivas no capitalismo,
reza ao processo de produção, o desenvol- que corta com o conservadorismo relativo de
vimento da tecnologia. Todos estes métodos todos os modos de produção anteriores, não é
concorrem para elevar o grau de socialização do um desenvolvimento absoluto: não eleva a pro-
trabalho, substituindo o trabalhador individual, dutividade do trabalho social senão dentro dos
outrora susceptível de pôr em marcha sozinho
os meios de produção, por um «trabalhador
complexo e diferenciado. 1 Cf. infra, «A Acumulação».
colectivo»,
o

a
82 83
da produtividade, a mais-
limites que a procura do lucro máximo impõe a depende a elevação
cada capital. No entanto, este desenvolvimento -valia «relativa».
não comporta nenhum limite superior predeter- cada ciclo de produção
aparência, em
minado para além do qual não poderia prosse- Na
o capital e o trabalho
isoladamente,
guir, senão por causa das contradições determi- tomado
distintos, O capitalista
de dois pólos
nadas no seu seio pelo carácter antagónico das provêm
um e outro «pro-
a luta de e o trabalhador assalariado,
relações de produção, e que alimentam
prietários» duma mercadoria, concluem um con-
classes. Precisamente, esta luta está presente
sob múltiplas formas que são indissociáveis da trato de troca entre valores equivalentes (salá-
rio contra força de trabalho). Na realidade, se
organização «técnica» do próprio processo de
trabalho: no modo de produção capitalista, O considerarmos a transformação da mais-valia
desenvolvimento da produtividade do trabalho em capital, se considerarmos o processo de
reprodução do capital durante os ciclos de pro-
tem como condição necessária a intensificação
dução sucessivos, o capital mostra-se cons
permanente do trabalho (as «cadências» infer- tituído por mais-valia acumulada: O capital é
nais que substituem o prolongamento da dura- supertrabalho já extorquido, que serve para à
a
ção do trabalho), a fragmentação das tarefas, de novo supertrabalho.
relativ a dos trabal hadore s, o extorsão
desqualifica ção
agravament o tenden cial da divisã o do trabal ho iso-
Marx escreve: «[...] cada transacção
manual e do trabalho intelectual (que assegura lada respeita a lei da troca das mercadorias
ao capital o controlo absoluto dos meios de exactamente, comprando o capitalista continua-
produção no seu uso), o desemprego «tecnoló- mente a força de trabalho, enquanto o trabalha-
gico» dos trabalhadores eliminados pela meca- dor a vende continuamente (admitamos mesmo
nização, etc.
que a compra pelo seu valor real); nesta medida,
a lei de apropriação que assenta na produção
e) A acumulação e circulação das mercadorias (ou lei da pro-
priedade privada) transforma-se manifesta-
mente no seu contrá rio directo pela sua dia-
O movimento do capital não produz a mais- interna e inelutável. A troca de
-valia senão para ele próprio se reproduzir léctica própria,
reproduzir-se numa equiva lentes que surgia como a operação ori-
como capital, e mesmo
escala alargada. A reprodução simples do capi- ginal transformou-se de maneir a que a troca
a
deu senão na aparência, enquanto,
tal intervém quando a mais-valia é completa- não se
mente consumida pela classe capitalista de primeiramente, a parte do capital trocado con-
forma improdutiva. É uma situação ideal, ficti- tra a força de trabalho não passa de uma
cia. A reprodução alargada, a acumulação do parte do produto do trabalho de outrem, apro-
capital, é o verdadeiro objectivo da produção priado sem equivalente e, em segundo lugar,
capitalista. É ao mesmo tempo o seu meio, pois deve ser substituída pelo seu produtor, O
só ela permite a concentração do capital de que trabalhador, aumentando-a com um novo acrés-
85
84
duma desproporção crescente entre a fracção

ïlã Ë is, È!Ëaãilgl


Hçi
cimo. A relação de troca recíproca entre O do capital (máquinas, matérias primas) que

Èâï;iËË ÃïãïeË Ëãã:ïiiËâËãËËËËí$Ë



Ëã:ËÈËã

::Èfiçì iã;Ëã:
capitalista e o trabalhador não é pois mais materializa trabalho passado, «morto», e a que
do que uma aparência pertencendo ao pro- se investe em trabalho vivo, actual.

lËÈãË Ëããtrre
cesso de circulação, uma simples forma [ses]
e trabalho tor-
a separação entre propriedade
lei que, Eis porque a acumulação do capital produz


na-se a consequência necessária duma
da sua identidade.»* um duplo resultado histórico:
aparentemente, derivava
— A concentração sempre maior dos mcios

gÈË
As formas económicas da circulação mer- de produção, a concentração inelutável do capi-
!ËË!Ëã: IËË

-
cantil e as formas jurídicas burguesas (liber tal sob as suas diferentes formas;
propr iedad e indiv idual ) que
dade, igualdade,
exactamente adaptadas não são por- superpopulação relativa
lhes são — A criação duma

qggAlllll
de
tanto a essência ou origem das relações de trabalhadores permanente, ou «exército in-
neces sário da
produção capitalistas, são o meio dustrial de reserva», que é a verdadeira «lei
da sua reprodução. população» da sociedade capitalista, e que pode
tomar diversas formas segundo a conjuntura
A acumulação do capital é o fenómeno ten- formas
ËããirÈãËËïËËiËËË:ï
diferentes
ãÊãËËlËËËãËËããffgË

e as épocas históricas: as
leis
dencial fundamental ao qual se ligam as do desemprego operário, parcial ou total;
as
modo de produ ção capita lista. É ação «laten te»
económicas do diferentes formas de superpopul
o seu ritmo conjuntural que comanda o ritmo criadas pelo capital nos campos e nos países
ã:a*ã;tsã:iË:E$

não o
de crescimento da massa dos salários (e coloniais.
ça por fazer crer O capi-
inverso, como se esfor
talista). Mas este, não depende somente
da taxa
A conjunção necessária destes dois efeitos

*;ã;
stls
depen de sobre tudo das descoberta fundamen-
global da acumu lação : e a sua explicação é uma
sição his-
tal de Marx, constantemente ilustrada pela
transformações que ela acarreta na compo
da sua
orgânica do capital, expressa na relação tória da sociedade capitalista actual . *
ante (valor dos meios de produ-
fracção const
cão) com a sua fracção variável (valor da força Mostra que a reprodução da forca de traba-

ãËiËããË
ãËãtËã
ente res, O
de trabalho). Enquanto assenta essencialm lho (portanto o consumo de trabalhado
e nas to da
na elevação da produ tivid ade do traba lho seu número, a sua qualidade) é um aspec
revoluções tecno lógic as produ toras de mais- va- do capita l social . «No ponto de vista
reprodução
uer
lia «relativa», a acumulação faz-se acompa- social, a classe operária é pois, como qualq
nhar duma elevação tendencial da composição outro instrumento de trabalho, uma pertença
orgânica média do capital social, quer dizer, a,
do capital, cujo processo de reprodução implic

livro I, cap. 24 (texto da edição 1 Cf. O Capital, uvro 1, cap. 25.


1 O Capital,
O

o
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alemã).
87

t-
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86
dentro de certos limites, até o consumo indivi- mitem a reprodução do capital e a sua acumu-

;e:ísiãã=ËàÏsËËËãiãr iË
ll ;iíËgiã[ãsËËãËããil

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ãËgãËË;;ãËãgËËãË

lËËÏ:ìiãffãitããËÈËããï
dual dos trabalhadores. [...] Uma cadeia prendia lação: retomando e transformando certas ideias
o escravo romano; são fios invisíveis que ligam de Quesnay, mostra que estas condições são
o assalariado ao seu proprietário. Simples- condições de desigualdade entre os investi-
mente, este «proprietário» não é o capita- mentos no sector I do capital social (ramos de
lista individual mas a classe capitalista. [...] produção de meios de produção) e no sector II

ãcãi ËãiËiËËËgÈi1s
O processo de produção capitalista, conside- (produção de meios de consumo), que corres-
rado na sua continuidade, ou como reprodu- pondem na escala social à divisão de cada capi-
ção, não produz portanto somente a mercadoria, tal individual em capital constante e capital
nem apenas a mais-valia; produz e eterniza a variável. Esboça o estudo matemático cons-
relação social entre capitalista e assalariado.» | truindo os esquemas de reprodução do capital
Não há pois outro meio de lhe remediar os efei- social. São estas condições que, ao mesmo
tos senão abolir a própria relação, transfor- tempo, permitem a realização da mais-valia (a
mando a luta (económica) de classe quotidiana,
graças à qual a classe operária assegura a sua
sua transformação em dinheiro capitalizável)
sobrevivência, numa luta (política) de classe,
e tornam possível a cada capital produtivo en-
uma luta organizada para a transformação das contrar no mercado factores materiais da sua
relações sociais. O próprio capital fornece as reprodução. Implicam o avanço permanente da

lËËlã ÊEiÈËËïliË,
bases concentrando a classe operária e agra- produção dos meios de produção sobre a produ-
vando a sua exploração. ção dos meios de consumo: o facto de que o
«sector I» do capital social constitui por ele
Mais geralmente, Marx analisa (no livro próprio o seu principal «mercado», a «produção
ãg

ig
IH do Capital) as condições de conjunto que per- pela produção».

Sobre este ponto, é preciso ler os comentá-

ãË

EciãcFëË*Ë
rios e desenvolvimentos de Lenine, concentrados
1 Os trabalhadores enunciam, eles próprios, a
:iËËt;gËã*:ïÈiËÈ
qã;ãt:r:ilËs*i*
;ãsrãgsËilïËË:ËE

-;
:3riË:ê a3ÈËrs:gï
ËsiiiÈË;ËÊiiiËËË

:8,Ê

em O Desenvolvimento do capitalismo na Rús-

*
contradição da relação social capitalista de que sofrem
assim os efeitos: «Para mim, sou um escravo. A única sia! (1899), que diz: «Esta extensão da pro-

íËããããiã
I

diferença é que me deixam ir para casa à noite, não


dução sem uma extensão correspondente do
ta;'i;ã:iï;ã'

me põem cadeias.» (L.D., O.S. 2, regulador da Renault-


Ë

-Billancourt, em Jacques Frémonticr, A Fortaleza consumo corresponde precisamente ao papel his-


i

Operária, Fayard, 1971, pag. 80). «Vim aqui para tórico do capitalismo e à sua estrutura social
ËÊ

trabalhar, é tudo. Não é uma vida feliz. O patrão,


pode mandar-te varrer as retretes. Só tens uma coisa
específica: o primeiro consiste em desenvolver
e

a fazer, dizer sim, Se o não fizeres é o pontapé. Para as forças produtivas da sociedade; a segunda
Ë:

a rua. Pode dizer-te: «Se quiseres, volta para tua exclui a utilização destas conquistas técnicas
casa». E depois, a verdade é que eu é que vim aqui pela massa da população.»
ss

procurar trabalho. Não foi o patrão que me foi pro-


curar à mim T..]> Um trabalhador africano, em
s;

LV Humanité, 18/X1/71; sublinhado pelo autor, E. B.)


Tal é a realidade do trabalhador «livre». 1 Obras completas, tomo III.

úì
õ
88 89
s
O que, no movimento do capital, não é senão rica da circulação mercantil (da concorrência).

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:iiiËÃiïiããi ãããËËiãiËã iËãË iË ãïËãË
Ëããaã ãË;Ë;

n;ËËãeãËËÈËËËËË:ãil8ËË
o meio da acumulação e da exploração (o desen- Esta incapacidade está ligada à ausência duma
volvimento das forças produtivas) constitui análise da mais-valia e dos mecanismos da sua
também um resultado material, uma «aquisi- produção, como fonte das «formas transforma-
cão» histórica. das» do lucro, do juro e da renda, que procuram
explicar directamente. Está ligada ao erro
(herdado de Adam Smith) que consiste em
f) As «leis económicas» do capitalismo reduzir, remontando gradualmente aos ciclos
de produção anteriores, o valor de toda a mer-
As análises que acabamos de resumir consti- cadoria a salário e lucro, isto é, ao capital «va-
tuem o próprio âmago da teoria de Marx, onde riável». Por outras palavras, esta incapacidade

iï ËË ãËËãã;ã;s
se concentra a sua novidade revolucionária. vem do facto de os economistas não verem
Implicam o enunciado duma série de outras que a produção capitalista é produção de mer-
«leis económicas», que o próprio Marx pre- cadorias, de valor, unicamente enquanto pro-
cisou não ter podido cstudar completamente dução de mais-valia; não «vêem» nesta produ-
em O Capital e que aparecem seja como pressu- cão o papel dos meios materiais de produção
postos, seja como consequências da análise (capital constante), cuja apropriação capitalista
da mais-valia e da reprodução do capital social.
reproduzida permanentemente é a única que
Seremos aqui necessariamente breves e par-
permite «criar» o valor, despender trabalho
ciais.
«vivo» acrescentando-o ao trabalho «morto»
A análise de Marx implica o enunciado e a capitalizado. Donde a necessidade duma «crí-
duma «lei do valor». Esta lei é
tica da economia política» (é o subtítulo de
verificação
O Capital).!
geralmente enunciada como lei da troca das
mercadorias pelo seu valor, ele próprio propor- Na primeira secção de O Capital (livro 1),

Ës

lïiÈÏËfiitg
cional à quantidade de trabalho necessário à Marx analisa a noção de valor. Mostra a dife-
sua produção. Esta formulação é no entanto rença radical entre os dois aspectos da merca-

FË ÈË
inexacta. doria: a sua utilidade («valor de uso») e o seu
valor de troca. A utilidade social das merca-
Marx retomou dos economistas «clássicos» remete
dorias (para a produção ou o consumo)
(A. Smith, Ricardo) o princípio da determina-
para os caracteres «concretos» (singulares, in-
cão objectiva, materialista, do «valor» das mer- [Ëïãã que os produz
comensuráveis) do trabalho
cadorias pelo tempo de trabalho necessário à
e os transforma. O valor de troca remete unica-
sua produção. Mas os economistas clássicos
mente para o trabalho «abstracto», quer dizer,
(incluindo Ricardo) não foram capazes de de-
para a quantidade da força humana despendida
senvolver cientificamente este princípio: depres-
sa tiveram que regressar a outros princípios de
explicação, que relevavam da observação empí- 1 Cf. livro II, cap. 19, e todo o livro IV.
H

oi
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90 91

rl
na produção, desigualdade tendencial acarreta a concorrência

ããËgiããçliËËËãËÉË
e como tal homogénea,

Ë:ãË
intermutá-

ËiiË:ãËilËeciq€ãËã
Ëãgg;ÈË

gãËgÈÈãËgiFiãgiã ggËg;Ël

ËiiïlÈËÊËËËãïËËË
vel. Em segundo lugar, distingue claramente a dos capitais, que produz, por sua vez, a pere-
quantidade de valor das mercadorias da sua for- quação (igualização) das taxas de lucro e a
ma de valor, a qual faz com que, na prática da fixação duma taxa geral média. As mercado-
troca, uma quantidade duma dada mercadoria rias vendem-se então (sob reserva das varia-

ïËãËËiilË
represente a quantidade de valor doutra merca- ções individuais do mercado), não pelo «seu
doria. Esta distinção permite-lhe expor uma gé- valor», mas pelo seu preço de produção, obtido
nese lógica das «formas desenvolvidas» sucessi- adicionando os custos de produção (preço dos
ããËËlãËãË'

vas do valor, cujo termo é uma teoria do dinhei- meios de produção, salários) e o luero médio.
ro, «equivalente universal» de todas as outras Mas é óbvio (embora Marx não pudesse desen-
mercadorias, em que o valor parece materiali- volver bem este ponto, de importância prática
zar-se «por natureza» (ou então «por conven- considerável) que o movimento dos preços
ção», variante ideológica clássica). A distinção depende directamente das condições nas quais
do valor e da forma de valor permite assim com- se pode exercer a concorrência dos capitais,

il;ÈË, Ë' ÈçËaieHFËË ËrE ã


preender de que modo o preço das mercadorias condições que se transformam com a história
(o seu equivalente em dinheiro) pode diferir do do capitalismo. É óbvio igualmente que, ao nível
seu valor. de toda a sociedade, a soma dos valores perma-

Ëã
nece sempre estritamente igual à soma dos pre-

gã ËE *iãÊÏ:ËEãfi
Mas esta explicação é apenas formal, no sen- ços de produção.
gtgtgsgt;igígÈ

tido literal do termo. Não nos permite compreen- Tal é o verdadeiro enunciado da «lei do

; ;:ËsËËËËËiËiËË
:
der por que motivo e como o valor das mercado- valor» de Marx.
rias determina o seu preço. Para isso, é necessá-
rio, precisamente, considerar as mercadorias Pode aproximar-se dela directamente a «lei

ËIËËËïËiËËãËãã
enquanto produtos de capitais. É o objecto do da baixa tendencial da taxa de lucro»! que
livro TII, secções 1 e 2: Marx mostra a necessi- resulta da própria acumulação capitalista:
dade tendencial duma taxa geral de lucro que com ela, a composição orgânica média do capi-
Èss;git

seja a mesma para todos os capitais, com flu- tal social tende a elevar-se permanentemente.
tuações mais ou menos conjunturais. Com E, por conseguinte, ainda que o capital
efeito, capitais diferentes, investidos em dife- aumente sem cessar a massa do trabalho assa-
rentes ramos de produção, têm geralmente lariado, alargando a escala da produção e
composições orgânicas diferentes (cf. supra); destruindo todas as formas de economia ante-
e como só o «capital variável» é produtor de riores, tende também constantemente a dimi-
mais-valia, renderiam por isso mesmo, nas con- nuir a importância relativa, para fazer bai-
ËãËigg

ãËgáãg

dições dadas de exploração da força de tra- xar assim a mais-valia em proporção ao capi-
r* r
balho, lucros muito desiguais se as mercadorias tal total investido (portanto o lucro). Os dife-
fossem vendidas «pelo seu valor», se a mais- rentes meios que o capital põe em prática
-valia produzida por cada capital constituísse
directamente o lucro de que se apropria. Esta 1 O Capital, livro III, cap. 13 a 15.

d
92 93
para «contrariar» esta tendência histórica — As contradições características do fun-

iãiãããËiïtããtËl
ïEi:lËãããiããlËË ïãËïiËËggeË

ãããï*gË rãEE rãiã ÈiãïËãliËËã íËËËËãËiããã


ff$ËïË,

;;sgssã ãç lËl*s
reduzem-se todos, em última análise, quer a cionamento da produção capitalista, que lhe
alargar o campo de exploração, quer a intensi- confere uma marcha permanente, aberta ou
ficar esta, compensando a diminuição relativa larvar, de «crise»: superprodução, impossi-
da massa de mais-valia pela elevação absoluta bilidade de controlar à escala social o processo
da sua taxa. Conduzem portanto todos ao agra- de reprodução e de desenvolvimento das forças
vamento e à generalização do antagonismo das produtivas, desenvolvimento desigual dos capi-
classes. tais cuja concorrência arruina de repente re-
giões ou ramos inteiros de produção, alternân-
. As «leis económicas» enunciadas por Marx cia cíclica dos períodos de prosperidade e de
*; ;Ë;cg arËãËËËË'ËËu i
têm assim duas características notáveis: depressão. Estas contradições dependem das
condições históricas nas quais os capitais indi-
— Por um lado, são leis necessárias, dedu- viduais se consagram à produção da mais-valia.
zidas do mecanismo fundamental da produção, Compõem o quadro de conjunto do que Marx
e não simples «modelos» das variações das «a anarquia da produção mercantil».
chamava
grandezas económicas definidas ao nível da
circulação das mercadorias e dos capitais.
— A contradição fundamental do modo de

Ë:Èì
— Por outro lado, são leis tendenciais, cujos produção capitalista que o constitui e que
lglg;sggËgl

efeitos são contrariados na sequência dos pró- implica por conseguinte, simultaneamente, a sua
prios relatórios de produção de que derivam, necessidade histórica e a necessidade da sug
e que conduzem assim a «contradições». De- destruição: a contradição das classes sociais

ãi;iã!ï
pendem, na sua realização, do desenvolvi- antagonistas, do capital e do trabalho. Em
mento histórico da acumulação capitalista (cf. última análise, todas as contradições do modo
acima a concorrência dos capitais, que toma de produção capitalista, incluindo as contradi-
formas diferentes em função do seu grau de ções no desenvolvimento das forças produtivas,
concentração, do desenvolvimento desigual do explicam-se pela necessidade de extorsão de
mercado mundial, ete.). Desembocam assim di- mais-valia, de supertrabalho. E da mesma for-
rectamente no estudo das fases históricas ma, têm sempre como consequência agravar

ãËãããËi rEãË
do

rËË[Ë
capitalismo. * o antagonismo de classes (pois não é o capital,
pelo menos à escala social, que paga pela crise;
pelo contrário, como diz Marx, gracas à crise,
g) As contradições do capitalismo «o modo de produção capitalista afasta espon-
Ë

taneamente os obstáculos que por vezes lhe

iiÈËËË
Retomando as indicações dadas acima, pode- acontece criar»; são sempre os trabalhadores
Ëã

mos distinguir para maior clareza: que pagam o preço da crise e o preço do «re-
torno à ordem»). Mas se o próprio funcionamen-
1 Cf. Lenine, O Imperialismo, estádio supremo
to do capital constitui já uma luta de classes
d

do capitalismo. permanente de que ele reproduz («eterniza») os


€s

94 95
factores, desenvolve assim cada vez mais a força a forma jurídica, na aparência distinta, do tra-

;;es;;:iËËíÌ!ãããiËïË$giËËËiãã

ËËË*ããËËfie
gããË;ãgËãËãl,ËiffãiliËBãsËã
daqueles que «são tanto a invenção da época balho assalariado. Mas não se trata senão de
actual como o próprio maquinismo [...| os filhos condições requeridas para o funcionamento das
primogénitos da indústria moderna, e que não relações de produção capitalistas, que são O
serão certamente os últimos a contribuir para a processo real de apropriação do trabalho por in-
revolução social que esta indústria implica, uma termércio da apropriação dos meios de produção,
revolução que significa a emancipação da sua que o ciclo capitalista reproduz sem cessar.
própria classe no mundo inteiro, tão univer- Enquanto relação social, a propriedade capita-
salmente quanto a dominação do capital e a lista é idêntica ao trabalho assalariado. Um não
escravatura assalariada são universais». ! O pode existir historicamente sem o outro.
capital engendra os seus próprios «coveiros».
O capital é um sistema de relações sociais
de produção, que não encobre outra coisa senão
a existência do supertrabalho. Da mesma forma,
5. Conclusão: o materialismo histórico a «lei do valor» desenvolvida pelo modo de pro-

Ê ;iiËgË:;Ë
dução capitalista não encobre outra coisa senão
um modo particular de repartição do trabalho
O que é, em suma, o «capital»? Não é uma social entre os diferentes ramos de produção
«coisa» (dinheiro, meios de produção): deve ser e de regulação desta repartição, com vista à
pelo contrário estudado como um processo obtenção do supertrabalho.
cíclico que se desenrola permanentemente à
escala da sociedade inteira, e cujo momento Mas o supertrabalho tem outras formas de
principal é o da produção; é aí que, simultanca- existência histórica além da forma capitalista:
mente, se efectua a transformação material também a renda feudal é uma forma de super-
da natureza e a criação de mais-valia: é aí trabalho, muitas vezes imediatamente visível
que se efectua o trabalho com a condição de ser (na corveia) e que o capital teve de abolir para
(de fornecer) um supertrabalho. ele próprio se desenvolver. O capital não é
mais que um sistema de relações sociais histó-
Não é um título jurídico, por exemplo a ricas, transitórias, e com ele o conjunto das
ãËËËË;Ë

propriedade jurídica (privada) dos meios de categorias «económicas» da circulação e da con-


produção. Claro que a propriedade jurídica tabilidade mercantil que requere e generaliza.
(que toma historicamente uma série de formas,
desde o capitalismo individual ao monopólio de Mas esta formulação é insuficiente. Podia-
Estado) é indispensável ao funcionamento do -nos fazer pensar que a análise de Marx conduz
capital, da mesma forma que lhe é indispensável a um relativismo histórico; fazer do capital
uma simples forma histórica, limitar o seu
1 Marx aos operários ingleses, 14 de Abril de domínio de validade... A análise de Marx ensina
'u
E

1856. na realidade outra coisa, a que se prende toda a


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So o)

96 , 97
simplicidade e toda a dificuldade da ideia de questão do campesinato foi sempre o ponto

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mais difícil da teoria e da táctica marxistas.
dialéctica (Lenine dizia nos seus Cadernos sobre

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b ! 3È ËË.
a dialéctica que o relativismo é para a dia- Estes desenvolvimentos não pôde Marx, pelo

rs:e-H
seu lado, realizá-los sistematicamente, na se-
léctica o que o idealismo é para o materia-

-<OJ ìil

H
quência de O Capital. Mas esboçou-os ampla-
lismo). Ela descobre no próprio mecanismo

ã
desta «forma histórica» (o mecanismo da mais- mente, e pôs as conclusões em prática ao longo

9;:
-valia) as causas de transformação das condi- da sua actividade de militante. ! Marx não é o

-.;s q
único autor da sua obra: o facto era, no seu
ções materiais nas quais aparece (a produti-

o
vidade do trabalho, a revolução das forças pro- tempo, ímpar.

a
dutivas); as contradições cujo desenvolvimento
produzirá a sua própria «negação», a sua pró- *
pria destruição; os agentes desta transformação

.
(o proletariado), cujas capacidades técnicas, as
formas de organização política, a ideologia, Na exposição de conjunto, que se acaba de

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ler, que data de 191, certas formulações são
prefiguram em parte relações sociais vindouras.

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muito alusivas, outras equivocas num ou noutro
O capital, o conjunto das relações sociais,

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ponto. Tentei completá-las e melhorá-las nos
devem ser definidos indissoluvelmente como

ôãt'ü

i--
estudos seguintes. Por outro lado, o recorte dos

. f l Á PYÈo o
processo, como contradição, e como tendência

S õ c 1e;g t
artigos previstos para um diccionário «enciclo-
histórica.

è R.ÌJ o s ÈÈ s

È.!:
È$:ì Ë*è:
pédico» obrigou-me a apagar em parte o papel

*i€sS
Dito isto, não basta de maneira nenhuma de Engels, ou então a fazer passar a obra

q, "'õ *S S
económica da eo acção comuns sob o nome de Marx. Mas
ter analisado a determinação

i- õ.
não pretendo ser exaustivo. Não valeria

. ç:ÊË
dialéctica da luta de classes para estar em

õ à rÌr s
posição de a explicar e de lhe dominar as a pena dizer isto se q distinção entre o «bom»

È:()
Marx e o «mau» Engels não fosse ainda hoje
fases concretas. Sobre esta «base», é preciso

ìË

-
..'a
saber analisar igualmente a «superestrutura» um dos pontos crónicos do anti-marsismo.
política e ideológica cujo funcionamento é ne-
cessário à reprodução do conjunto das rela-
ções sociais, por onde passa igualmente a sua
transformação, e que consiste em lutas de
classes específicas, irredutíveis unicamente à
luta económica. Da mesma forma, é necessário
estar em posição de analisar o complexo
das lutas de classes que, no seio duma dada
formação social (a França de 1848, a Rússia
de 1917, o mercado imperialista mundial de
1970), nos remetem para modos de produção
diferentes, desigualmente desenvolvidos: a 1» Cf supra, I parte.
O

o!
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z
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Lu
-z
OvôVOIStLOIH V
1

)r515;f s rc+lZ'1",1
revolução sem Pevo-
Cidadãos, querteis uma
tução?

Discurso de 4 de Novem-
ROBESPIERRE,
bro de 1792

de e rude palavra,
A ditrdura, é uma gran exprime à
uma pala vra que
sangrenta, e de duas
« luta de mort
luta sem quartel,
de duas épocas da
classes, de dois mundos,
história universal.
palavias.
Não se dazem no ar tais

dum publieista, 1920


LENINE, Notas

que os seus primei-


O Manifesto Comunista, x
«cncomendaram» a Mar
ros camaradas de luta e lon gín qua s,
as hoj
e Engels em circunstânci
a ser um dos tex tos fundamentais da
continua
ric a rev olucionária. Não o
nossa formação teó
, para centenas de
único, mas quase sempre
comunistas através do
milhares de militantes
que lança as bases
mundo, o primeiro, aquele vas dum conheci-
specti
e traça as grandes per
cie ntí fic o da soc ied ade e da sua história,
mento proletariado. É
luta do
estreitamente ligada à
que o est uda mos.
a este título
1890, Engels traçou
No prefácio à edição de : a história
a história do Manifesto comunista foi
condições em que ele
da sua redacção, a das his tór ia do
itos que produziu. <A
lido, e dos efe
reflecte até certo ponto
Manifesto, escreve ele, operário moderno»
a história do movimento
103
ção da teoria do Manifesto com o movimento
De facto, às três etapas nesta história duma

ggaã

ËËËïËi$lI*ggãíËgisigigggËËg
operário.
brochura correspondem exactamente três gran-
des etapas distintas na história do movimento Poderemos dar mais um passo, e falar de
operário internacional. Procuremos lembrá-las: transformações necessárias na própria teoria?
Tomada no seu sentido reforçado, a fór-
— Antes das revoluções de 1848, a época do
ãiiiË mula de Engels comportaria então outra apli-
socialismo e do comunismo «utópicos», das sei-
tas revolucionárias (mas também, na Inglaterra,
cação: pôr-nos-ia na via de descobertas dizendo
a do primeiro surto e das primeiras batalhas respeito ao elo necessário, não externo, cir-
cunstancial, mas interno e recíproco entre
pelo movimento sindical e político de massa); o movime nto operári o. Per-
a teoria marxista e
— De 1850 a 1872, a época da: Associação mitir-nos-ia compreender porque, única no seu
iã*
internacional dos trabalhadores (1 Internacio- género e rompendo com todas as outras, a
nal, fundada em 1864), que vai até à Comuna teoria marxista não foi mumificada ou pro-
de Paris e suas consequências; gressivamente rejeitada pelo movimento operá-
rio, mas transformada por este ao mesmo tempo
— Enfim, após 1872, a época dos primeiros Far-nos-ia avançar no
ËããË, ËËËËËEãEËË€Ë;iiãË

que o transformava.
partidos operários de massa (sobretudo na conhecimento do processo dialéctico de «fusão»
Alemanha), partidos nacionais com a doutrina da teoria e da prática.
do «socialismo científico» (marxismo) e que Com efeito, o Manifesto foi o objecto, no
constituirão a Il Internacional. próprio texto, de transformações: correcções,
O Manifesto, redigido na véspera das revo- precisões, até de verdadeiras rectificações, liga-
luções de 1848, só foi reeditado e largamente das a determinadas etapas deste processo.
difundido em toda a Europa depois de 1870, Assim, no seu prefácio à edição russa de
quando o marxismo apareceu como a expressão 1882 (que é o último texto publicado por Marx),
teórica necessária do movimento político do pro- Marx e Engels tiveram em conta a transfor-
letariado. Está aparentemente ausente da se- mação da conjuntura e das relações sociais à
gunda etapa, ou antes, está oculto. Mas na rea- escala mundial, depois de 1847-1848: este prefá-
lidade a situação é mais complexa, pois as suas cio termina pela previsão dos efeitos que pode-
teses fundamentais sobre a autonomia histó- ria ter uma revolução russa.
rica da luta de classes proletária, sobre o seu
necessariamente internacionalista, aí Assim, no prefácio de 1883 (e na nota
carácter
outras formulações. Não se trata por- na primeira página do IT Capítulo), Engels,
recebem
tanto dum simples desajustamento no tempo que estava nessa altura a redigir A Origem
da família, da propricdade privada e do
entre a teoria e a prática. Mais profundamente,
Estado, segundo as notas de Marx sobre Mor-
à transformação do movimento operário e de
gan e os seus próprios trabalhos, «corrige» a
seu lugar no processo histórico das lutas de («a história de toda a
classes corresponde uma transformação na rela-
tese inicial do Manifesto

105
104
sociedade até aos nossos dias não foi mais do que, durante dois meses, pôs pela primeira vez
que a história das lutas de classes»), referin- nas mãos do proletariudo o poder político, este
do-se à pré-história «não escrita» das socie- programa está hoje envelhecido em certos pon-
dades. Este ponto, só ele, mereceria natural- tos. A Comuna, sobretudo, demonstrou que «à
mente todo um estudo. classe operária não pode contentar-se com tomar
a máquina do Estado já pronta c fazê-la fun-
Mas a mais importante de todas as correc- cionar por sua própria conta.» (Ver A Guerra
ções é também a primeira em data, e aparece Civil em França, Mensagem do Conselho geral
abertamente como tal. Está enunciada no pre- da Associação internacional dos trabalhadores,
fácio de 1872, como o resultado imediato da
onde esta ideia foi mais extensamente desen-
Comuna de Paris: pois a Comuna de Paris tem
volvida. )»
em si uma lição teórica que acaba a das revolu-
ções de 1848, e domina com a sua significação Sabemos pois sobre que preciso ponto do
e os seus efeitos o novo período que se abre, o fim do
é texto incide a rectificação necessária:
a conjuntura na qual a teoria do Manifesto
modo «reactivada» e rcactualizada. H capítulo do Manifesto, constituindo um «pro-
de algum
grama de medidas revolucionárias». E sabe-
Eis o texto de Marx e Engels: mos o que, em primeira instância, constitui esta
rectificação: o texto de 4 Guerra civil em Fran-
«Se bem que as circunstâncias tenham muda- ça, de que uma passagem decisiva é directa-
do muito durante os últimos vinte e cinco anos, mente citada.
os princípios gerais expostos neste Manifesto
conservam nas suas linhas fundamentais, ainda Mas que me seja permitida uma nova cita-
ção. Com efeito, é evidente que, se Marx e
hoje, toda a sua exactidão. Era preciso rever,
aqui e ali, alguns pormenores. O próprio Mani- Engels viram perfeitamente e indicaram (quem
festo explica que a aplicação dos princípios de- mais o faria por eles?) em que consistia a
penderá por todo o lado e sempre de circunstân- correcção que eles próprios operaram, e sobre
cias históricas dadas, e que, por consequência, que ponto ela incidia, só a história ulterior do
não se deve atribuir demasiada importância às movimento operário lhe revelaria toda a impor-
medidas revolucionárias enumeradas no fim do tância. Até ao momento em que Lenine pôde ser
H capítulo. Esta passagem seria, a muitos títu- capaz, porque a isso foi obrigado, de a explicar.
los, redigida de maneira muito diferente actual- Foi o que fez em «O Estado e a Revolução»,
mente. Dados os imensos progressos da grande onde escreve nomeadamente isto:
indústria nos últimos vinte e cinco anos e os pro-
gressos paralelos que realizou, na sua organiza- «A única 'correeção' que Marx julgou ne-
ção em partido, à classe operária, dadas as expe- cessário acrescentar ao Manifesto Comunista,
riências, primeiro da revolução de Fevereiro, fê-la inspirando-se na experiência revolucioná-
em seguida e sobretudo da Comuna de Paris, ria dos comunardos parisienses.

106 107
quebrar, demolir «a máquina de Estado já

ãi ì:iiãËãiËi
iE lãíËIËii;i, iËiãlËiË
ãá
«O último prefácio a uma nova edição alemã
pronta», e não limitar-se a dela tomar posse."
do Manifesto Comunista, assinado pelos seus
dois autores, é datado de 24 de Julho de 1872. Acrescentemos que a «correcção» do Mani-

'iÈEãgËiËËË
Karl Marx e Friedrich Engels declaram aí que festo é mencionada por Lenine, não avenas
o programa do Manifesto Comunista «está hoje numa única passagem, mas, umas vezes demo-
envelhecido em certos pontos». radamente outras alusivamente, em todos os
capítulos de O Estado e a Revolição a partir
«A Comuna, sobretudo, demonstrou
— pros- do segundo. Ela constitui assim verdadeira-
seguem eles — que «a classe operária não pode mente uma chave de todo o livro, que Lenine
contentar-se com tomar a máquina do Estado, teve de escrever a fim de reparar o que era,
já pronta, e fazê-la funcionar por sua própria então, «a ignorância» não de todo inocente dos
conta». [...|» «noventa e nove por cento» dos leitores do
Manifesto comunista.
As últimas palavras desta citação, postas
entre aspas, são extraídas pelos autores da obra Sim, trata-se bem duma correcção essen-

;{ËãããËã

effiËËãt
de Marx, A Guerra Civil em França. cial: essencial porque não deixou de ser o ponto
sensível da leitura de Marx, e mais ainda a
Assim, Marx e Engels atribuíam a uma pedra de toque da prática dos «marxistas».
das principais lições, fundamentais, da Comuna Essencial porque diz respeito a um ponto sen-
de Paris um alcance tão grande que a introdu- sível c decisivo da própria teoria de Marx, que
ziram, como correcção essencial, no Manifesto nela jogou várias vezes a sua sorte, e ainda
Comunista. hoje sem dúvida nenhuma a joga.
Coisa extremamente característica: é preci-
samente esta correcção essencial, que foi desvir- Lenine. O Estado e a Revolução, Obras com-

Ë;:;ÈïËi;:ïË!Ëïã
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1

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Ë:Ë;ËÈEÌ:ï
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F< õ
tuada pelos oportunistas, e nove décimos, senão pletas, tomo XXV, pág. 447/448. A tradução francesa

ããeË
noventa e nove por cento dos leitores do Mani- da passagem de 4 Guerra Cril em França de Marx
difere hgeiramente, na tradução corrente do livro de

9::ò:o
festo Comunista, ignoram-lhe certamente o sen- Marx (Edições Sociais), retomada no Manifesto (Edi-
tido. Falaremos em pormenor desta deformação cões Sociais), e na tradução de O Estado e à Revolu-

gÈit;
mais adiante, num capítulo especialmente con- cão (obras completas de Lenine, Paris-Moscovo, tomo
XXV). Respeito esta diferença. O texto alemão diz:
sagrado às deformações. Basta-nos, por ora, «Aber die Arbeiterklasse kann nicht de fertige

-.s E.C:
acentuar que a «interpretação» corrente, vulgar, Staatsmaschinerie emfach in Besitz nehmen usw. .». É

ËËiËãËÍg
da famosa fórmula de Marx por nós citada, é pois a tradução das Obras de Lenine que está mais

Ë;ï;Ëï
i:Ë;l;
ag asË
que este teria sublinhado a ideia duma evolu- literalmente exacta («tomar a máquina de Esttado já
pronta»). Mas a tradução francesa corrente («tomar tal
ção lenta, em oposição à tomada do poder, etc. como é a máquina do Estado»), que, recolocada no

"-'áE
contexto, tem o mesmo sentido, põe cobro a qualquer
Na realidade, é exactamente o contrário. A. equivoco sobre a interpretação deste «já pronta» (se
ã:

ideia de Marx é que a classe operária ainda fosse necessário).


deve
109

=
108
Essencial porque, no movimento duma recti- passam a si próprias e são indispensáveis como

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ficação necessária, denuncia com avanço uma meio de revolucionar todo o modo de produção.
ëpigE!ÊE

S,3 !3 9c
deformação que nós sabemos agora tão necessá- Estas medidas, bem entendido, serão muito

ËÈ.i'ii
ria historicamente. Assim, esta correcção, con- diferentes nos diversos países.

Aaã Ee
i
soante seja operada ou não, admitida ou recu-

ËE =,s

ii: í
sada, praticada efectivamente ou rechaçada, No entanto, para os países mais avançados,

ËëÊ

t
- S:
traçaria uma linha de demarcação incontor- as seguintes medidas poderão geralmente scr

^s
Y
nável. Eis porque proponho estudá-la de mais
postas em prática:

|a

'.
perto.
.

1. Expropriação da propriedade fundiária e


afectação da renda fundiária às despesas
k AS TESES DO «MANIFESTO» SOBRE O do Estado.
ãËËËìãlËItËãiãËsltããaã

gEËjiã;EËïãËËËuËËii;

ESTADO DO PROLETARIADO
2. Imposto fortemente progressivo.

Para poder operar correctamente a rectifi- 3. Abolição da herança.


ËãlË ËÈËã;içËËis isããËí

cação enunciada por Marx, é necessário antes


de mais analisar o texto do Manifesto. Ei-lo, tal 4. Confiscação dos bens de todos os emi-
como foi designado sem ambiguidade: grados e rebeldes.

«Já vimos mais acima que a primeira 5. Centralização do crédito nas mãos do Es-
etapa na revolução operária é a constituição tado, por mcio duma banca nacional, cujo
do proletariado em classe dominante, a con- capital pertencerá ao Estado e que bene-
quista da democracia. O proletariado servir- ficiará dum monopólio exclusivo.
-se-ã do seu domínio político para arrancar
pouco a pouco todo o capital à burguesia, para 6. Centralização, nas mãos do Estado, de
centralizar todos os instrumentos de produção todos os meios de transporte.
nas mãos do Estado, quer dizer do proletariado
organizado em classe dominante, c para aumen- 7. Multiplicação das manufacturas nacionais
tar o mais depressa possível a quantidade de e dos instrumentos de produção; desbrava-
forças produtivas, mento dos terrenos incultos e melhora-
Isto não poderá, naturalmente, ser feito no mento das terras cultiváveis, segundo um
começo senão por uma violação despótica do plano de conjunto,
direito de propriedade e das relações de produ-
cão burguesas, isto é, por medidas que, econo-
8. Trabalho obrigatório para todos; organi-
micamente, parecem insuficientes e insustentá- zação de exércitos industriais, particular-
veis mas que, no decurso do movimento, se ultra- mente para a agricultura.

110 131
=
9. Combinação do trabalho agricola e do tra- mente a enumeração duma série de «medidas»

ru;srsgsff iiãggg

ËïËËËããIãi;tËgís ËgË;lgËË*ÍuìËË:
balho industrial; medidas tendentes a políticas e económicas, mais ou menos adaptá-
fazer desaparecer gradualmente a distin- veis às circunstâncias. Mas estas medidas não
cão entre a cidade e o campo. podem de maneira nenhuma ser tomadas como
simples processos particulares, dum carácter
10. Educação pública e gratuita de todas as técnico e puramente conjuntural, insuficientes
crianças; abolição do trabalho das crian- para nos revelar o essencial da política do
cas nas fábricas tal como é praticado hoje. proletariado. Pelo contrário, estas «medidas»
Combinação da educação com a produção (desde a expropriação e o trabalho obrigatório
material, etc. até à supressão da divisão do trabalho sob a
sua forma actual, passando pela centralização
Uma vez desaparecidas as diferenças de de toda a economia nas mãos do Estado, que
classe no decurso do desenvolvimento, concen- assim é o fecho da abóbada), estas «medidas»
trada toda a produção nas mãos dos indi- fazem corpo com a política revolucionária do
víduos associados, o roder público perderá proletariado, e é propriamente a esta política,
o seu carácter político. O poder político, nos seus princípios, que somos remetidos logo
propriamente falando, é o poder organizado que se trata de as apreciar ou corrigir.
duma classe para oprimir outra. Se o proleta- De facto, o texto mostra ainda mais: ins-

iggruff;g;lgggmg
riado, na sua luta contra a burguesia, se cons- creve logicamente estas medidas e esta política
tituir forçosamente em classe unificada, se se no seu lugar necessário dentro da sucessão das
erigir por uma revolução em classe dominante, etapas do processo histórico que, partindo do
e, como classe dominante, destruir pela violên- capitalismo (e através dele, de todas as formas
cia as antigas relações de produção, destrói, anteriores da exploração e da luta de classes),
ao mesmo tempo que estas relações de produção, está já em vias de nos conduzir para a socie-
as condições do antagonismo das classes, des- dade sem classes, para o comunismo. Com isso,
trói as classes em geral e, por isso mesmo, a sua mostra que esta política, com as medidas que
própria dominação como classe. implica, é historicamente necessária: é o único
processo de realização efectiva dos objectivos
No lugar da antiga sociedade burguesa, com históricos do proletariado. Ou ainda: se a ten-
as suas classes e os seus antagonismos de dência para o desaparecimento de todos os anta-
classes, surge uma associação onde o livre gonismos de classes está objectivamente inscrita
desenvolvimento de cada um é a condição do na situação de classes do proletariado, na natu-
livre desenvolvimento de todos.» reza específica do antagonismo que o opõe ao

i* í
capital, esta política não é nada mais, nada
Desculpar-se-ã uma tão longa citação, de menos do que a realização da tendência.
novo, mas a verdade é que a leitura completa do
texto de Marx nos mostra nitidamente isto: Detenhamo-nos neste ponto, que põe em evi-
nesta passagem do Manifesto figura perfeita- dência todo o lance do problema.

112 é 113

r-l
F.l
sempre quer por uma transformação revolucio-
Se a nossa leitura é correcta, trata-se neste

ïËËË*Ëã *tc
-ËìÈËË

Ëãi

EËãÈËí íãiËËiË:ãiÌËgËiï
ËÏ
e Engels expõem ao longo nária da sociedade no seu todo, quer pela des-
texto do que Marx truição das duas classes em luta.» Ora, não hã
do Manifesto, comc sendo a essência da posição

ËïËq i UsË nËr t- g;:1âË*


a posição que simultanea- uma necessidade diferente no comunismo da
dos «comunistas»:

íËã c;ËiËãïtËË:ãÊËãr
na base material de de todas as lutas de classes da história ante-
mente unifica o movimento,
para o seu rior: é a lição de todo o Manifesto que, pela
classe autónoma!, e o impulsiona demonstra que o comunismo
primeira vez,
próprio futuro. ?
È
não é uma ideia moral, mas o resultado da
Mas porque teve o movimento operário, pa- história real. E esta história é sempre, na
rËãË:iiíËiiçsË
radoxalmente, necessidade de ser empurrado sua estrutura de lutas e de transformações,
(ou atirado) para o seu próprio futuro — preci- «aberta»: assim como não se dirige para
samente pela política que acabamos de ver um fim ideal, também não é a realização
ËsrÈcs ãúHÉ ïË:

definida —, da mesma forma que tem necessi- dum programa anteriormente fixado. Esta ideia
dade de ser unificado na sua própria base de fundamental, que distingue o materialismo his-
unidade de classe? Para o compreender é pre- tórico de toda a filosofia ou teologia da histó-
ciso ligar tudo o que acaba de ser dito a uma ria, e de que poderíamos encontrar noutro sítio
ideia fundamental de Marx, que ele exprime outras formulações, significa que o futuro é
escre-
em particular no começo do Manifesto, ao necessário, materialmente determinado, mas
ver: «A história de toda a sociedade até aos não pré-determinado, necessário justamente en-
de
nossos dias não foi mais do que a história quanto não é pré-determinado. Isto significa
Numa palavr a, opress ores
lutas de classes. |...] que a «tendência» histórica não se realiza
e-
e oprimidos, em oposição constante, mantiv nunca automaticamente, nem sob o efeito do
ram uma guerra ininterrupta, umas vezes aber-
íË

guerra que acabava acaso e da acumulação dos acasos, nem sob o


ta outras dissimulada, uma efeito de qualquer destino ou providência.

«Os comunistas não formam um partido


distinto Compreendemos agora, neste sistema de
ãËiiËt;Ë;nçrËgi
ÉEË íEË
en

cEÈ:aeã:Ërr;:r;
5qËç:Ë:!sãiei::
a::ã::Ët:r:Ëi;E
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"I8,3tü3Ì3.È'd.I':

ËËã'il$Ëiïiãile;
s

1
os. Não têm inte-
oposto aos outros partidos operári «medidas», tratar-se finalmente da política do
iãË **Ë:;i â; r Ël
ã.i s i"q
âË[EE;EË_iJi

do proletariado. Não
resses que os separem do conjunto proletariado enquanto prática necessariamente
s!!:;!{!:;8 ãi,

sobre os quais quei-


estabelecem princípios particulares
modela r o movim ento operári o. Os comunistas inscrita na sua própria tendência histórica, e
ram
os operár ios senão
não se distin guem dos outros partid
ais do
necessária à sua realização.
nas diferen tes lutas nacion
Ei;EEg

em dois pontos: 1.
3I;l

à frente e valori zam os interes ses


proletariado, põem a natureza, as
da nacionalidade e comuns a todo O Mas o que é que determina
independentes ssa à
proletariado; 2. nas diferentes fases que atrave condições e os objectivos desta prática?
representam sem-
luta entre proletários e burgueses,
s"eÉË s

os interesses do movimento na sua totalidade.» e Engels está organizado


pre
«Combatem pelos interesses e os fins imediatos O texto de Marx
Í*:

2
mas no movimento presente, defen- em função de três termos ou noções, que estão
iEE

da classe operária;
dem e representam ao mesmo tempo O futuro do movi- presentes do começo ao fim. São eles:
mento.»
it

L3
Í
das relações de repartição da riqueza), a polí-

ã+a'r
*Ag
1. O Estado
tica do proletariado é comandada pela sua
organização do proletariado em
2 «A própria relação com o Estado. E a questão da
classe dominante.» revolução proletária é politicamente, na prática,
relações de pro- comandada pela questão da natureza do Estado,
3. A transformação das
da sua conquista e do seu desaparecimento.
dução.
Pode-se, parece-me, resumir em quatro pon-

ã
*
É pensando estes três termos correctamente, tos os aspectos principais da argumentação de
no seio duma mesma análise, que se poderá Marx, do ponto de vista teórico.
considerar, mesmo muito abstractamente, a des-
truição das relações de exploração actuais, con-
sequentemente o fim da existência do proleta-
riado como classe particular, explorada e domi- 1. Uma definição do Estado

ËËËËÌ
nada, portanto o fim da existência das classes
sua luta, seja sob que forma for. Fora
e da
materiais que definem estes Esta definição tem uma forma muito notá-

=*,Ëããiãfiffi
destas condições
termos, as perspectivas de abolição da explora- vel. É explícita na formulação: «[...] nas mãos
cão não são mais do que um sonho oco. do Estado, isto é, do proletariado organizado
em classe dominante».
Estamos portanto mesmo no centro da teo-
ria de Marx e da sua política. E estamos tam- Aí está, segundo Lenine, uma definição «in-

ruffiÊãtãï
e Se no mais alto grau», € «que se encon-
bém, não por acaso, no ponto em que sempr
teressante
concentraram, com as dificuldades prátic
as, as tra igualmente no número das “palavras esque-
críticas ou «refutações» de Marx, de «esqu erda» cidas” do marxismo (...] muito precisamente
dis- esquecida porque é absolutamente inconciliável
ou de «direita», incluindo as que pretendem
tingui r e visar nele o promo tor dum «socia - com o reformismo; ataca frontalmente os pre-
range dor como O conceitos oportunistas habituais e as ilusões
lismo de Estado» tão const
pequeno-burguesas quanto à evolução pacífica
próprio capitalismo.
da democracia [...] '» Remeto para a continua-
Marx, que escreve neste sentido, um ção do comentário de Lenine, que é absoluta-
Para
es mente necessário reler.
pouco mais acima, que «toda a luta de class
luta políti ca», o probl ema da políti ca
é uma . Tomemos bem nota das explicações de Le-

gËË
mas mate-
ËËs
coincide, não em si (formalmente), nine, pois nenhuma rectificação eventual desta
única s condi ções reais determi-
rislmente, nas definição pode voltar aquém do que ela nos
o.
nadas pela história, com a questão do Estad
à transfor-
Tendendo, para abolir a exploração,
ias relaç ões de produ ção (e
mação das própr
das relações jurídicas, políticas ou pág. 435.

'r5
cit.,
não apenas e à Revolução, op.

.J
1 O Estado

ú
s
117

rt
F
116
1. O Estado = a burguesia organizada
ensina. Esta definição do Manifesto é já

Ë; íu

i; ËË

ã Ë- ÈsgÈ
como classe dominante;
inconciliável com o reformismo da mesma
forma que com o anarquismo, ela situa Marx, no 2. O Estado = o proletariado organizado
Manifesto, para lá da linha de demarcação de como classe dominante; ou seja:
classe que ele próprio traça na teoria, e torna
irrisórias as especulações daqueles que, ainda O estado, é a própria classe dominante,

sÈis,

ÈËãÈ
hoje, se interrogam sobre as «tendências» esta- enquanto organizadora da sua domina-
tistas ou, pelo contrário, anarquistas (liber- ção, ou, o que vem a dar no mesmo,
tários, ete.). organizando-se para exercer a sua domi-
nação.
O que interessa antes de tudo em Lenine,
nesta definição, é que ela afirma a necessidade Terei ocasião de mostrar os problemas que

ËË
Ëã

Ë, fË::Ëïã
para o proletariado de organizar a sua domina- a forma particular desta definição coloca.
ção política para «abater», «reprimir» a resis-
tência da classe dos exploradores, isto é, da bur-
guesia. Quem diz classe dominante diz classe
definição da revolução
dominada, e dominada pela força organizada, 2. Uma

s
;
concentrada, do Estado.

Mas esta definição é interessante ainda a Ela constitui-se na sequência das fórmu-

jtrË:l*
g196g5l,
outro título, devido à sua forma conceptual. las: «conquista do poder político», «conquista
Remete-nos manifestamente para a análise do da democracia», «violação despótica do direito
à história de propriedade e do regime burguês de produ-
1.º capítulo do Manifesto, consagrado
económica e política da burguesia. Aí encontra- cão», «destruição pela violência do antigo regi-
mos a ideia da burguesia organizada em classe me de produção». Estas fórmulas fazem do Es-
para isso «no Estado tado o meio, e por isso mesmo, o primeiro
dominante, organizada
moderno» (no seio do qual «o objectivo da revolução.
representativo
governo moderno não é mais do que um comité
Vemos que elas associam já os dois pólos
que gere os negócios comuns de toda a classe

ËíiiËff;Ës

'íftÈFtgtË

ËËã:;Ët:Ëã
entre os quais se estabelece a tensão caracte-
burguesa»). E o resultado das lutas históricas conceito marxista de «revolução»
rística do
que levaram primeiro à existência, depois à (proletária): esta revolução implica ao mesmo
organização (portanto à autonomia política), tempo «democracia» e «despotismo» (ou vio-
enfim à dominação da burguesia na sociedade. lência, religados por um signo de igualdade-
de Marx no Manifesto pro- “identidade; é a unidade, até mesmo a identi-
A formulação
pelo dade da «democracia» e o «despotismo». Como
cede, pois, duma definição «geral» (ou
duas situações históricas), pensar esta unidade contraditória? E claro que,
menos comum às
no Manifesto, Marx se contenta com colocá-la,
que engloba:
119
118

3
Finalmente, dois problemas colocam-se assim
afirmá-la sem demonstração nem ilustração con- o das formas políticas con-
simultaneamente:
creta possível (somente um programa, o que é cretas necessárias à revolução e o das relações
bem diferente). Mas porquê esta afirmação? que elas têm na base material de todo o processo
Será para satisfazer, como outros, uma dupla revolucionário.
exigência moral de justiça, de direito, de pro-
gresso... e ao mesmo tempo, de eficácia polí-
tica? Certamente que não. Mas, pelo contrário:
Marx «pratica» aqui de maneira intencional « 3 O processo revolucionário
negação da oposição metafísica tradicional esta-
belecida pela filosofia política burguesa e pe-
queno-burguesa entre O direito e o facto, a jus- Os problemas colocados por esta primeira
tiça c a violência, a força e O direito, a demo-
definição da revolução são desenvolvidos por
cracia e o despotismo, etc. Esta nova afirma- nos fazem dar
Marx e Engels em termos que
ção, que é ao mesmo tempo a negação e a crítica mais um passo.
duma problemática ideológica inveterada, colo-
ca um problema mais do que O resolve. A revolução proletária não é concebida
como um acto, o acto do proletariado realizando
Repare-se no entanto nisto: esta definição o seu próprio programa ou projecto, mesmo
da revolução não é unicamente um momento que seja de facto a prática política do proleta-
da definição da política do proletariado (com a riado que realiza a revolução (Marx dirá mais
a sua história na
sua «estratégia», que faz da conquista do poder tarde que ela deve «parir»
o ponto decisivo, e a sua «táctica», em parte violência).
deixada às «circunstâncias»), é também uma
precisa- A revolução não é concebida simplesmente
definição política da revolução. Mais
pelo menos, à definição como um acto, mas como um processo objectivo.
mente, é, no princípio
duma forma política; se «democracia» e «despo- Num tal processo, as «medidas» que consti-
tismo» são formas, e até «sistemas» políticos, revolucionário não são
tuem um programa
definidos ao nível do que Marx chama aliás, as mais do que uma «prime ira etapa», a que outras
«superstruturas» sociais, o mesmo se passa, necessariamente se seguirão e que clas não con-
necessariamente, com todas as combinações, têm ainda. Elas determinam o processo, mas
mesmo contraditórias, de tais formas. Não tem, não abolem os antagonismos de classes, como se
pois, razão em si mesma, ao seu próprio esta abolição pudesse ser objecto dum decreto
nível, mas apenas na sua relação com uma ou até dum derrubamento («violento»): pro-
«base» material ou, melhor: com o processo duzem apenas as condições malLeriais nas quais,
«no decurso do desenvolvimento», os antago-
de conjunto no qual ela se constitui sobre uma
nismos de classes podem desaparecer.
base material.
121
120
z
A «revolução» proletária, é todo o con- que está para ser realizado no futuro e da sua
junto deste processo. E, por conseguinte, a pró- exigência (explicação puramente idealista), nem
pria essência desta revolução reside na força da primeira etapa (exlicação mecanicista e
ou no jogo de forças que lhe comunica o seu evolucionista): ela não pode ser senão homogêé-
movimento. nea relativamente à que foi descrita em toda
a primeira parte do Manifesto: força material
As «medidas» iniciais, escreve Marx, «eco- antago-
resultante a cada instante do próprio
nomicamente parecem insuficientes e insusten-
nismo das classes. Se há força, tendência, e
táveis, mas [...] no decurso do movimento ultra-
portanto processo, é apenas porque existe anta-
passam-se a si próprias». Insuficientes e insus-
tentáveis porque, já o aprendemos nas próprias gonismo,
palavras do Manifesto, o objectivo último da principal
Assim se introduz o aspecto
revolução é, à primeira vista, inteiramente problema
outro: é a abolição da «condição de existência deste processo, ao mesmo tempo que o
que ele põe: o processo revolucionário é ele pró-
do capital»: o salariato.
prio inteiramente um processo de lutas de
Será de dizer que clas próprias se ultra- classes. Por outras palavras, trata-se dum pro-
passam segundo um movimento «espontâneo», cesso de lutas de classes conduzindo à abolição
um «auto-movimento», porque insuficientes e da luta de classes, por uma necessidade interna,
insustentáveis? A razão de serem necessaria- inscrita na estrutura específica desta luta,
mente ultrapassadas estará na sua própria que resulta de todas as outras e não se parece
insuficiência? Será a força «negativa» duma com nenhuma outra. Assim se apresenta para
falta, o que podemos chamar uma negativi- a luta de classes uma terceira saíãa possível,
dade? radicalmente nova, distinta ao mesmo tempo
da «destruição das duas classes em luta» e da
Ou então, poderemos dizer que elas se ultra- de dominação
constituição duma outra forma
passam nos resultados materiais que produ-
zem, e que Marx indica: a centralização da pro-
de classe. «A organização do proletariado em
dução (nas mãos do Estado) e o desenvolvi-
classe dominante», a conquista do poder de
mento das forças produtivas? Mas nenhum des- Estado, constitui apenas o primeiro momento
tes resultados contém apenas em si com que desta luta. Mas este momento é decisivo, visto
explicar a passagem necessária à abolição das que é ele, precisamente, que cria as condições
classes, se não se explicar primeiro em que con- desta nova forma, desconhecida até então, da
dições, sob que relações sociais (políticas e luta de classes, sem por isso representar o resul-
económicas) se obtém o resultado. Somos pois tado final, antes pclo contrário. Portanto
levados de novo ao nosso problema. sem o predeterminar, sem lhe garantir de qual-
quer forma o resultado final.
De facto, a força que leva a ultrapassar
todas as etapas não provém, nem da falta do Detenhamo-nos aqui por um instante.

122 123
Estas formulações, que nos permitem com- lutas do seu presente, e é a contradição dessas

ffi ffff ËËsgãfu ËËËËstrËsssff ËffËiËffi

ffi igãg9ff:ffffi9;$$;ffi lËíffffiã


preender em que consiste o problema teórico lutas que permite pensar qualquer coisa como
posto a Marx pela necessidade da revolução o seu futuro ou o seu resultado.
proletária, são, por assim dizer, puramente ,
Vamos mais longe. O texto de Marx é
verbais. Contêm, no entanto, senão um verda- notável por excluir totalmente a «solução»
deiro saber científico (de que objecto? nada de bom senso que consistiria em dizer: a
se imagina de mais absurdo do que uma «pros- luta de classes cessa «muito simplesmente»
pectiva marxista»), pelo menos uma orientação porque uma das classes ( o proletariado) vence,
teórica e política, e é a este título que represen- e, na sua vitória, elimina o seu adversário. Isto
taram um papel prático imenso na história do não é solução (o combate cessando «por falta
movimento operário, em que elas próprias cons- de combatentes»), pois não se refere senão a
tituiram verdadeiras forças materiais. Porque, um conceito formal da «luta», como confronto
longe de acrescentar uma solução «marxista» de adversários simétricos, e aplicável a qual-
a todas aquelas que o socialismo e o comu- quer luta. Mas a dialéctica histórica de Marx
nismo ideológicos propõem para «sair» das não é uma «teoria da luta» (ou da contradição)
contradições da sociedade actual, as formula- em geral. É a teoria duma luta particular,
ções de Marx colocam um problema totalmente materialmente determinada. E o Manifesto mos-
diferente, elas têm efectivamente aberto a via tra já (o que se tornará um conceito claro e
à luta revolucionária das organizações proletá- desenvolvido com a teoria da mais-valia, em
rias, cuja progressão continuou de cada vez que O Capital) que os termos desta luta (as classes)
pôde manter-se a abertura do problema posto não são personagens ou protagonistas existindo
por Marx. Por este facto, as formulações de fora dela, aparecendo ou desaparecendo de
forma independente uma da outra, mas são
Marx dizendo respeito ao processo revolucioná-
rio são uma das chaves eles próprios, materialmente, efeitos da luta,
da problemática do
materialismo histórico. isto é, efeitos das condições antagonistas da
produção social. São estas condições antago-
nistas, são as relações de exploração que é
Elas reforçam e confirmam a tese funda-
necessário transformar.
mental do Manifesto, de que permitem com-
preender o carácter estritamente dialéctico: Compreende-se então que seja necessário,
«A história de toda a sociedade até aos nossos para pensar o fim da exploração, pensar a cons-
dias não foi mais do que a história de lutas tituição dum Estado do proletariado, que se
de classes.» Não há excepções a esta regra, nem oponha a todas as formas da propriedade capi-
aquela que constituiria a passagem ao comu- talista, e as destrua violentamente de mancira
nismo, à «sociedade sem classes». A história a substituir uma forma de apropriação da pro-
não avança pelo «lado bom», mas pelo «lado dução por outra. Compreende-se que sejam
mau», não avança pela antecipação do seu assim criadas as condições duma organização
J
futuro pacífico e «radioso», mas apenas pelas da produção social oposta à que, historica-

124 125
mente, produziu o Estado como meio de domi- contraditório, da revolução proletária, transfor-
nação, e que deve por conseguinte levar ao seu mação da luta em não-luta pelo desenvolvi-
desaparecimento. Mas o que não se comprende mento duma nova luta, abolição dos próprios
inteiramente, é a modalidade desta transfor- termos entre os quais há luta (as classes
mação que faz passar a associação dos indivi- sociais) pelo acréscimo e desencadear da sua
duos (produtores) do estatuto dum Estado para luta. Finalmente, para pensar a solução duma
o duma associação «livre», que já não é um contradição real, teremos feito outra coisa,
Estado. E esta dificuldade repercute-se em todo senão introduzir uma contradição lógica?
o processo, visto que ela diz respeito ao ponto
decisivo da revolução, a forma na qual se con- Certamente, bem sabemos que esta dificul-
centra e se joga a luta. dade é a de toda a «dialéctica». Dum ponto de
vista materialista, a solução duma tal dificul-
A formulação de Marx é aqui, como repete dade não tem de ser inventada teoricamente,
várias vezes Lenine, visando precisamente esta
por um puro esforço de argumentação: deve
passagem do Manifesto, uma formulação
É necessário lembrar-se, segundo os ser produzida praticamente. Nós próprios, que
abstracta.
relemos o texto de Marx depois dum século e
termos do próprio Lenine, que a verdade, por-
mais, podemos designar as «soluções» que come-
tanto o conhecimento, é sempre «concreto».
Eis porque a formulação de Marx nos reconduz caram a realizar-se na prática: são as revolu-
às mesmas dificuldades que a definição das ções socialistas sucessivas, a Comuna de Paris,
formas políticas da revolução já apresentava a revolução soviética de Outubro, a revolução
chinesa. Elas são bem reais. Pode dizer-se no
e que dizem respeito desta vez à própria base
da sua concepção. entanto que a dificuldade não pode ser enun-
ciada senão sob esta forma abstracta, que a
Enunciemo-las de novo: no célebre texto bloqueia na sua própria posição, e por conse-
de Marx, tratar-se-á de outra coisa que duma guinte que não pode ser verdadeiramente cxpli-
simples afirmação, sobre o modo da descrição, cada no pormenor da sua necessidade? Por
das características contraditórias do processo? outras palavras, vamos ter que convir que a dia-
Por outras palavras: sabemos que as relações léctica da luta das classes e da revolução comu-
sociais existentes na sociedade burguesa são nista escapa finalmente no seu conteúdo à teo-
relações realmente contraditórias, que repou- ria? E como pensar então, explicando-as de
sam no antagonismo inconeiliável do capital e acordo com a teoria de Marx, a história das
do proletariado; é a própria natureza deste revoluções socialistas concretas, os seus suces-
antagonismo que explica a necessidade do seu sos, os seus fracassos, como pensar o alcance
ultrapassar, portanto a transformação real universal das lições que cnecrram e aplicá-las
das contradições que daí derivam; e é pre- na nossa prática, se, no princípio, os poderes da
cisamente
z
para pensar esta transformação que teoria sc estendem até à véspera do processo
é necessário introduzir o conceito, ele próprio revolucionário, mas não para além?

126 127
4. O «fim da politica» apenas fim das instituições ou aparelhos

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polí

Ë Ëãlffigl$fiqffi

ffi,ËËiË ggigËËgsgËffigsígËjã ggã;


ticos do passado, mas fim da prática política.
Objectar-me-ão talvez que se trata aqui duma
Examinemos, para terminar com a análise pura questão de terminologia: todos são livres

ËËifËãifi*Ë*ra,
das formulações de Marx no Manifesto, um E certo sentido, de definir como entendem os
último ponto. Relevamos com efeito uma rmos que usam; e, por exe é li

iiãã
tese que ao mesmo tempo concentra os elemen-
de identificar apoliticás e dao do Forma
tos precedentes, incluindo as «dificuldades» que que o fim do Estado seja por definição o fim d
nós lhes descobrimos, e lhes dá uma nova for-
política, da prática política. É
mulação muito importante. Esta tese está im-
plicada na fórmula: «Os antagonismos de
. Esta ob Jecção, no entanto, não é sustentável

ãÉË;.ãËËËããããËËÈËËËíi, ËËã#
classes uma vez desapa recido s [...] então o
Só teria sentido se não tratássemos aqui (e no
poder público perde o seu carácter político.» " materialismo histórico em geral)
Nesta formulação, encontraremos mais qual- sistema teórico assente nas suas próprias con-
senão dum
quer coisa do que 1. a ideia de que toda a luta venções iniciais, nos
de classes é uma luta política, 2. a ideia de que trariamente. Então o materialismo histórico
«axiomas» colocados arbi-
a dominação política duma classe implica o nao seria senão o equivalente «teórico» do uto-
poder de Estado desta classe, 3. a ideia da desa-
ao pismo
parição necessária do Estado em seguida constantemente combatido por Marx
Mas, no Manifesto, tal como indica o seu título,
desaparecimento das relações de classes?
estamos perante outra coisa. Que nos recorde-
que sim: encontramos aí, nesta mos da tese (no começo do II capítulo) scgundo
ËÈËtËË
Parece-nos
ËË:ËËã$ËËãËËã

base, a tese da desaparição necessária do poli- a qual os comunistas «não estabelecem princi-
tico como tal na história humana. Não só uma Ppios particulares sobre os quais desejariam mo-
determinada forma de «política» transformada delar o movimento operário». Marx e Engels não
numa outra pelas novas condições, mas O desa- tratam do «futuro» senão em relação às lutas
parecimento puro e simples de todo a «política» presentes, e em termos que constituem eles pró-
quaisquer que sejam as suas formas. prios intervenções práticas nestas lutas, sobre
Por outras palavras, encontramos a ideia a própria base da linguagem na qual se formu-
ÏËãÈËÊÏ

duma forma de organização social (associação lam. Eis porque, cedo ou tarde, estes termos
dos indivíduos, organização e apropriação colec-
tiva da produção, etc.) como tal não política,
a omo a É

ou melhor: estranha a toda a política, a-política.


Nestas formulações de Marx, «fim do Estado» À terminologia reconduz-nos pois aos seus
implica, parece-nos, «fim da política» e não próprios efeitos, que são necessários e não con-
vencionais. E, por isso, às questões que levanta
Sabe-se que esta tese figura também, sob uma uma tal tese
s suplementar:
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forma muito próxima, em A Miséria da filosofia. A que se opõe? s SEMA, sol


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Marx fala-nos dum poder público que perdeu Se a ideia de que a situação económica é a base
o seu carácter político. Jogando ainda aqui, das instituições políticas, só aparece aqui em
para as criticar, com oposições de categorias germe, a passagem do governo político dos
ideológicas burguesas, sugere-nos pensar um homens a uma administração das coisas e a
«poder público» fora da sua relação com insti- uma direcção das operações de produção, por-
tuições «privadas», e antes de tudo com a pro- tanto a abolição do Estado, sobre que ultima-
priedade privada. Falta dizer que esta indica- mente se fez tanto barulho, encontra-se já clara-
cão é, uma vez mais, puramente negativa e mente enunciada aqui.»
provisória.
Em Saint-Simon, a tese tem uma significa-
Esta tese, que é necessário tomar na sua ção ao mesmo tempo utópica e tecnocrática.
forma mais demarcada para não se fugir aos Utópica, porque reclama a transformação ime-
problemas que põe, não deixa de nos fazer pen- diata, a inversão da política em «ciência da pro-
sar imediatamente noutras formulações célebres dução» industrial, que faz a sua abolição «reali-
do Marxismo, como na formulação ulterior de zando-a». Tem além disso uma significação
Engels: «O governo das pessoas (die Regie- tecnocrática: visto que não é, como julga Saint-
rung úber Personen) dá lugar à administração -Simon, a tendência espontânea da economia
das coisas (die Verwaltung von Sachen) e à industrial, uma vez que, de facto, o Estado e a
direcção das operações de produção.» ' Fórmula política não podem desaparecer por eles pró-
que, certamente (voltarei a este ponto), nos prios, mas somente sob o efeito duma luta de
fala de pessoas (portanto, indivíduos) e não de classes, a palavra de ordem da administração
classes, mas que apresenta o grande interesse das coisas, etc., não pode corresponder na prá-
tica senão a uma dominação política que não
de não ser apenas negativa. Ela determina
ousa confessar-se como tal, e se dissimula sob
uma contrapartida ao desaparecimento do Es-
tado, fazendo surgir à luz, ao mesmo tempo o pretensos imperativos «económicos», «técnicos»,
político desta contrapartida: a etc. Em Engels, estes dois aspectos desaparc-
carácter não
direcção do pro- cem precisamente na medida em que, conforme
administração das coisas, a
ao que o Manifesto já expunha, a conquista do
cesso de produção.
poder político pelo proletariado é posta como
etapa e meio necessários. Mas permanece em
Abramos aqui um parêntesis. Sabe-se que
aberto a questão de saber se, nestas condições,
esta fórmula vem de Saint-Simon. O próprio
a ideia duma pura «administração das coisas,
Engels o indica mais atrás no Anti-Dithring
a ideia da sociedade não política, tem um con-
(II, cap. 1): «Em 1816, |Saint Simon] pro-
teúdo totalmente diferente.
clama a política ciência da produção e prediz
a total reabsorção da política nu economia. Deixemo-la, para já, em aberto.

1 Anti-Dulming, WI parte, cap 2.


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Õ
DA COMUNA revoluções políticas anteriores, designadamente

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AS LIÇÕES

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as revoluções francesas sucessivas. Marx extrai
assim as lições do fracasso do proletariado em
Podemos agora tratar da rectificação ope- 1848-1849.
rada por Marx em 1872, esta «correcção essen-
— Segundo tempo: em 4 Guerra Civil em

Èg:ieËãËËËãË ËÈ}EËËÉIã::Êï:Ëã
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cial» de que fala Lenine.
França, analisando o que, na Comuna de Paris,
Do que trata esta correcção para a designar não é um fracasso, mas, pelo contrário, «pelo
por uma palavra? Trata-se da literatura do pro- simples facto da sua existência e da sua acção»,
letariado, cujo conceito está desenvolvido em A «um passo em frente dum alcance universal»,
Guerra Civil em França e nos textos ulteriores Marx pode dar uma definição positiva da «dita-
de Marx e Engels referindo-se sempre explici- dura do proletariado». Por outras palavras,
tamente à experiência da Comuna de Paris.
x
pode, não graças a um esforço teórico, mas sob
o efeito prático duma verdadeira experimenta-
Não é possível examinar aqui todos os pro- ção histórica, mostrar para que se orienta prati-
blemas que são assim levantados: trata-se ape- camente a revolução proletária, analisar os
nas de identificar o ponto preciso da correcção. aspectos da sua experiência, que adquirem de
repente «um alcance universal».
Notamos antes de mais que o termo «dita-
dura do proletariado» não figura no Manifesto, A ditadura do proletariado, tal como a

i;iiff ãËËËËiËãuËu
ainda que aí figurem algumas expressões pró- esboça a Comuna de Paris, é, segundo Marx,
ximas. Com efeito, qualquer que seja a origem «essencialmente» um governo da classe opcrá-
do termo (blanquista, segundo alguns), o con- ria, o resultado da luta da classe dos produ-
ceito de ditadura do proletariado não foi defi- tores contra a classe dos apropriadores, a
nido por Marx senão no período seguinte, depois forma política enfim encontrada que permitia
da redacção do Manifesto. Mais precisamente, realizar a libertação económica do trabalho.»'
foi constituído em dois tempos: Entre a acção «económica» da Comuna, a sua

ããËãË ãiaËã
prática de transformação das relações de pro-
— Primeiro tempo: de 1848 a 1852 (ver os
dução e a sua forma política de ditadura do
textos da Nova Gazeta renana, de As Lutas de
proletariado, hã uma relação necessária. Não
classes em França, do 18 Brumário), Marx dá
somente este novo tipo de «política cconómica»
uma definição unicamente negativa: expõe a
pressupõe o conjunto da nova política dum «go-
necessidade de opor à ditadura da burguesia,
verno da classe operária», mas esta tem como
que realiza o Estado moderno (incluindo o Es- condição material uma nova forma política de
tado democrático da república parlamentar), exercício e de realização do poder, c a destrui-
uma ditadura do proletariado; mostra que é
ção radical das antigas.
necessário por isso mesmo despedaçar a mã-
quina de Estado existente», em vez de a utilizar
e de a «aperfeiçoar», como fizeram todas as 1 A Querra Civil em Prença, op. cit.
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132

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tanto, para provar que a ditadura do proleta-

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Remeto aqui para a leitura, para mais por-

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menores, do próprio texto de 4 Guerra Civil em
riado é bem a realização material da velha

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«contradição» entre democracia e despotismo
França (e do comentário de Lenine em O Es-

i
(violência, ditadura), a democracia «para a

*: !
tado e a Revolução). Ai poderemos convencer-

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imensa maioria» sob a forma da ditadura duma
-nos de que os dois aspectos principais desta
classe, a dos trabalhadores.
nova forma política são:
Ela é sobretudo a realização material dum

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-Ë*Ëx ;ËËiË=

s'Í+ +e ËïË
1. O povo em armas, condição e garantia

uË ìEãfig:a
Estado que ao mesmo tempo já é outra coisa

ËË
de todas as outras medidas (em vez do exército
diferente de um Estado, «de Estado [...] trans-
permanente);
forma-se em qualquer coisa que não é já, pro-

i
ii ËeÏË; Ëtl!tãiË
e do priamente falando, um Estado». '
2. A supressão do parlamentarismo
funcionalismo, tornados base do funcionamento Por outras palavras, a Comuna não prova

à;Ëq
do Estado burguês: a subordinação directa (re- somente que o que parecia «impossível» é
vocabilidade e responsabilidade imediatas) dos «possível». * Ela prova que a contradição (onde
Ëifiã*

eleitos e dos funcionários, recolocados ao nível a filosofia idealista vê a marea do impossível)

rÇ Ëãi{iÈïËËg
do conjunto do povo (inclusivamente pelos seus é a marca do possível necessário: do real como

Ë iËËí: i*sË
«salários de operários»), o fim da aparente tal.
independência da justiça, da administração, do
ensino, etc. Mas muito mais concretamente —e a «correc-

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cão» trazida ao Manifesto pelos factos torna-se
Isto não são, uma vez mais, senão «medidas
ËãfiãËffiiuËïiË

agora clara —a Comuna prova que o «não-


gãËïls!ËËãËïËfiË

imediatas», impostas pelas circunstâncias, mas -Estado» (a destruição do Estado) não é ape-
estas medidas têm um objectivo único: desman- nas um resultado final do processo revolucio-
telar a máquina de Estado existente, colocada nário. É pelo contrário um aspecto inicial, ime-
«acima» da sociedade, e substituí-la por uma diatamente presente, sem o qual não existe
forma política diferente. Eis porque, como nota nenhum processo revolucionário. Sem dúvida,
Marx, se trata, devido precisamente às contra- como o demonstra Lenine contra toda a inter-

E
dições que comporta, duma «forma política pretação anarquista, a extinção (o desapareci-

x
E
susceptível de se desenvolver de forma inin-
terrupta», de se transformar de novo no sen-
tido da tendência objectiva que indica (ainda 1 O Estado e a Revolução, op. eu.

Si.inioqã
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2 «Sim, meus Senhores, a Comuna Lencionava abo-

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da Comuna na sua

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o fracasso final

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que lir esta propriedade de classe, que taz do trabalho do

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militar contra as classes dominantes interrom-

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maior número a riqueza de alguns. Ela visava a expro-

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1E
pa este desenvolvimento, e obrigue a. retomá-lo priação dos expropriadores | | Mas é o comunismo,

i ô
mais tarde, noutro sítio, em condições diferen- é o “impossivel” comunismo!» (A Guerra Crvl em

3
3
Ë
França).
tes). Estas primeiras medidas bastam, no en-
135



r'1
134
mento) completa do Estado não pode produ- 2. a necessidade imediata para a revolução
zir-se senão depois do desaparecimento com- proletária de «despedaçar a máquina», de des-
pleto das relações de classe (da exploração truir «o aparelho de Estado existente», está
sob todas as suas formas): mas esta extinção ausente;
começa imediatamente, e o seu começo ime-
diato, não em intenção, mas nas medidas prá- 3. as medidas práticas correspondendo,
ticas que contradizem directamente a inevitá- mesmo de maneira insuficiente e particular, à
vel «sobrevivência» do Estado, é a condição destruição e à «extinção» aí do Estado estão
material da transformação efectiva das rela- totalmente ausentes: esta extinção não é pen-
ções de produção, assim como da desaparição sada senão como um objectivo final longínquo.
definitiva do próprio Estado. Não se trata senão da utilização positiva do
Estado.
Eis sem dúvida nenhuma o ponto essencial.
Podemos portanto voltar-nos para o texto do Podemos enunciar o resultado noutros ter-
Manifesto, e dar uma primeira resposta à per- mos: no Manifesto, «destruição (depois extin-
gunta inicial: porque é que Marx e Lenine ção) do Estado» e «revolução proletária» apa-
falam de rectificação, de «correcção essencial»? recem como dois processos distintos. Dum lado,
em que é que ela consiste? a extinção do Estado não é verdadeiramente
um processo revolucionário, um processo de
Adiantarei isto: é preciso tomar estes ter- luta e de afrontamentos sociais, necessaria-
mos no sentido forte. Também eles implicam mente «violento» neste sentido, mas apenas
(mas desta vez no seio da teoria e da sua his- uma evolução ou o resultado duma evolução.
tória) uma verdadeira contradição. Para com- Não é necessário fazer disso o objectivo duma
preender a necessidade da história da teoria prática determinada, basta realizar pouco a
marxista, é pouco as condições materiais (económicas). A
necessário avançar até se encontrar
e enunciar uma contradição entre o Manifesto e extinção dar-se-á a longo prazo, por acréscimo.
A Guerra Civil em França, e não um simples Por outro lado, a revolução proletária não com-
«desenvolvimento», um «enriquecimento», uma porta, como um dos seus aspectos necessários,
a destruição do Estado, a contradição entre a
«evolução», etc. Mas esta contradição não opõe,
sua destruição necessária e a sua utilização
de forma indeterminada, duas teorias: é uma
igualmente necessária.
contradição determinada, localizada, interior à
própria teoria. Pelo contrário, há no Manifesto, já o vimos,
a ideia problemática da democracia idêntica
Em resumo: ditadura),
a um «despotismo» (e até a uma
da conquista do poder político pela violência,
1 o termo de ditadura do proletariado da organização do proletariado em classe domi-
está ausente do Manifesto; nante.

136 137
Podemos pois afirmar: certamente, conforme HW. A RECTIFICAÇÃO
o mostra Lenine, a formulação do Manifesto
é já inconciliável com o oportunismo, basta
(ou antes bastou, em determinada conjun- Trata-se agora de indicar quais são as con-
tura) para romper com ele, situa-se no terreno sequências desta rectificação, das quais algu-
do materialismo histórico, onde põe um pro- mas são apenas esboçadas ou até problemáticas,
blema que já não poderá desaparecer. Ao mes- no conjunto das teses do Manifesto e do mate-
mo tempo, como observa igualmente Lenine, rialismo histórico.
esta formulação é «abstracta». No entanto, esta
abstracção não pode concretizar-se sem que Podem enumerar-se sem dificuldade pelo
apareça uma contradição. O que lhe falta não menos cinco, de resto estreitamente ligadas
é uma simples lacuna (um lado— o Estado— entre si:
— o «não-Estado»
estaria já presente, o outro
— estaria ainda ausente). Mas esta ausência 1. Uma transformação da definição do Es-
afecta no seu fundo a tese presente no Mani- tado.
festo. E por conseguinte, quando a contradição
aparece, o sentido do Manifesto encontra-se 2. Uma transformação da teoria da histó-
retrospectivamente mudado. ria do Estado.

3. Uma primeira determinação concreta do


Bem entendido, tudo isso foi e continua a ser
politicamente capital: porque em política não problema da abolição das classes e da explora-
são as intenções ou as interpretações possíveis ção (porque é que a revolução proletária, dife-
rentemente de todas as outras, não pode con-
dum texto teórico que contam, mas apenas a sua
letra, na medida em que ela produz efeitos duzir a nenhuma forma nova de exploração?).
políticos. Temos pois o direito de dizer que o 4. A possibilidade de sair definitivamente
Manifesto é politicamente equivoco, ou melhor, do círculo da antinomia política do anarquismo
sofre duma indecisão num ponto essencial, com e do reformismo, do oportunismo «de esquer-
a condição de se compreender bem que esta da» e do oportunismo «de direita».
indecisão não aparece senão postumamente ou,
o que vem a dar no mesmo, correspondia à inde- 5. A possibilidade, até mesmo a necessi-
cisão real na qual se encontrava o movimento dade, de colocar de novo, em termos diferentes,
operário antes de 1848 e, sobretudo, antes de o problema do «fim da política», da substituição
1871. E enfim, com a condição de se compreen- da prática política pela prática «puramente eco-
der que a teoria do Manifesto, tomada à letra, nómica» da administração das coisas, ete.
era ela própria uma das condições necessárias à
supressão da indecisão teórica que ela continha. Contentar-me-ei com algumas indicações
incidindo sobre o primeiro e o último ponto, de
maneira a mostrar a sua conexão.

139
Nova definição do Estado dução e, nesta base, a extorção do supertra-

iããããããiãã

ËããiãËãËig
balho) se bastaria a si própria. Não esqueçamos
que esta dominação ou, mais precisamente, a
A «rectificação» de Marx implica uma trans- exploração do trabalho que ela torna possível
formação na definição de Estado (na verdade, é ao mesmo tempo a base de toda a dominação e
este ponto não é estritamente separável do o objectivo que se trata de atingir permanente-
seguinte: uma transformação na concepção da mente: ela é «reproduzida» pelo conjunto da
história do Estado). luta de classe da classe dominante. Mas, preci-
samente deste ponto de vista, ela não se basta:
Coloque-se já o ponto essencial, que permite exige o «desvio» duma luta de classe propria-
fazer avançar, na própria medida em que a mente política.
rectifica, a problemática do Manifesto: a nova
definição do Estado repousa na distinção do O poder político também não se exerce direc-

ËEããgslãsiãigãslsg[ãããg st

Ë;iËa;::ãËËãi;ËffËliãË
poder de Estado e do aparelho de Estado. É tamente no sentido em que a classe dominante
pois uma definição complexa do Estado simul- exerceria ela própria como colectividade um
taneamente como poder de Estado e como apa- poder político sobre as classes dominadas.
relho de Estado. Pode parecer que esta situação foi quase atin-
E-me gida em certos casos, como na «cidade anti-
necessário aqui pôr o leitor de
sobreaviso: uma tal definição não tem nada a ga», em que os proprietários são ao mesmo
ver com o que poderia ser o objecto duma pre- tempo os cidadãos: mas, se de facto uma tal
tensa «ciência política marxista», quero dizer, situação pura existiu alguma vez, é de qualquer
uma tipologia das formas (essencialmente juri- forma uma situação de que a evolução histó-
dicos) do poder de Estado e do aparelho de rica do Estado se afasta, em lugar de a desen-
Estado, e das suas combinações. Na realidade, volver. Neste sentido, o Estado capitalista,
trata-se de analisar as condições históricas da o Estado da classe capitalista, não é nunca o
conquista Estado dos capitalistas (não é nunca um «sindi-
e do exercício do poder de Estado,
enquanto elas dependem da natureza do apare- cato» de capitalistas). Por outras palavras, a
lho de Estado criado pelas classes dominantes. classe dominante não se define directamente
como um «sujeito» político (ter-se-ia dito, na
A tese de Marx (desenvolvida em seguida época clássica, «o soberano»). Se tal fosse o
por Engels e Lenine) é esta: o poder político caso, não seria necessário procurar e encontrar,
duma classe dominante como a burguesia não se «por detrás» das aparências do Estado, a reali-
exerce «directamente», mas «indirectamente», dade das classes que o comandam, definidas em
num duplo sentido. último instância pelo seu lugar no processo de
produção-exploração.
O poder político não se exerce directamente,
no sentido em que a dominação económica De facto, o poder político duma classe domi-

ËÈ
duma classe (a apropriação dos meios de pro- nante exerce-se realmente por intermédio dum

140 141

s
aparelho especializado, colocado «acima» da de forma complexa. Muito esquematicamente,
sociedade, isto é, ao serviço da classe domi- realiza-se pelo jogo simultâneo de duas séries
nante. De mais (este ponto é duma extrema de relações:
importância prática), as modalidades deste ser-
viço são diferentes em formações sociais dife- 1. Implica dum lado o poder (poder de
rentes, se bem que elas preencham uma «fun- facto, resultado de lutas históricas) de repre-
ção» geral comum, ao serviço de classes domi- sentantes dessa classe sobre o aparelho: estos
nantes sucessivas. Daí precisamente a aparên- representantes são eles próprios uma fracção
cia de perenidade do Estado. determinada da classe dominante; e este poder
pode ser o que se ganha ou perde numa luta,
Em 4 origem da família, Engels começou não só entre as classes, mas entre fracções da
por estudar estas modalidades e a história da classe dominante (ver, em França, as «revolu-
constituição do aparelho de Estado. Chamou ções» de 1830 e de 1848-1851, ou, mais perto de
inclusivamente a atenção para os «destaca- nós, o «golpe de Estado» do 13 de Maio de
mentos especiais de homens armados», que 1958).
constituem o núcleo propriamente repressivo do
aparelho de Estado, e para a base material 2. Implica por outro lado o poder (poder
necessária que constitui o tributo do Estado legalmente organizado) do aparelho sobre a
ou o imposto. O imposto é uma forma econó- «sociedade», enquanto colecção de grupos ou de
indivíduos reunidos face ao aparelho c em rela-
mica especifica, distinta como tal da mais-valia
ção a ele.
(portanto do lucro) e, mais geralmente, de
todas as formas históricas sucessivas do super- Por outras palavras, o poder político do
produto directamente saídas das relações de Estado não se apresenta, melhor, não se realiza
exploração, se bem que ele não possa existir sob a forma de uma relação duma classe para
senão sobre a base destas formas, e se trans- com outra, se bem que seja justamente a este
forme historicamente com elas. As obras nível do poder político de Estado, cobrindo o
«políticas» de Marx e Engels, depois do período conjunto dos processos de produção sociais, que
das revoluções de 1848, contêm por outro lado a relação de classes se mantém e reproduz per-
uma rica sucessão de análises das formas do manentemente na luta das classes. Entendamo-
aparelho de Estado capitalista e da sua função -nos bem: a existência do aparelho de Estado
na luta de classes. realiza, sob uma «forma transformada», a domi-
nação política da classe dominante, se bem que
É portanto essencial examinar as consequên- não esteja de maneira nenhuma na origem desta
cias desta «diferença». Na sequência da existên- dominação política. Na origem da dominação
cia necessária do aparelho de Estado (e graças a política, só pode haver a relação de for-
ela), o poder político duma classe sobre uma ou cas no interior da luta de classes e parti-
várias outras, transforma-se, e assim se realiza cularmente, em última instância, na luta de

142 143
classes «económica», na exploração. Não há (ou não) contratos de propriedade ou de tra-
portanto poder sobrenatural do aparelho como balho, etc. Mas este mecanismo é necessaria-
tal (até mesmo da «instituição», alvo preferido mente produtor de ilusão ou de desconheci-
da falsa crítica pequeno-burguesa do Estado, mento quanto à relação de classes que realiza.
desde Proudhon e Stirner aos nossos dias). Se a Porque é ele próprio objectivo, realizado em
dominação política só encontra a realização e a práticas materiais, permite explicar objcctiva-
sua realidade no funcionamento do aparelho de mente o que torna a ilusão necessariamente liga-
Estado, este é totalmente ininteligível separado da à representação do Estado e incorpora esta
da relação de classes que realiza. ilusão no seu modo de funcionamento, enfim, o
que faz do aparelho de Estado, através das
No funcionamento do aparelho de Estado, a instituições e de práticas determinadas, não
relação de classes está portanto dissimulada, e apenas um aparelho repressivo, mas também
dissimulada pelo próprio mecanismo que a rea- um aparelho ideológico."
liza. Com efeito, o aparelho de Estado não tem
nunca a ver com as classes como tais, nem com O aparelho de Estado deve pois ser consti-
as que detêm de facto o poder nem com as tuído de forma a permitir o exercício do poder
que lhe estão submetidas. Por este facto, o por determinada classe. Deve permitir o exer-
poder político apresenta-se como um poder cício do poder pelos seus «representantes». É
(uma «autoridade») do próprio Estado sobre pois necessário que estes sejam transformados
a «sociedade», seja esta definida por uma hie- em representantes da «sociedade», (re) produ-
rarquia de estatutos (castas, estados, etc.) ou 2idos como seus representantes legítimos devido
como uma colectividade de pessoas individuais à própria estrutura do aparclho, c devido a
(mais ou menos iguais). Mais precisamente, é
a existência do aparelho de Estado que consti-
tui um em face do outro (e um cobrindo o 1 Lstas formulações permanecem indicativas, se

j: í; Ë5ËgÈË Ëíã 5: Í
-1ã;Ëias:s9deÍr5Ì
outro) «o Estado» e a «sociedades.

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bem que bastem ao nosso objectivo presente. Não nos

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indicam como funcionam, na sua complementaridade, o

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É preciso aspecto repressivo e o aspecto ideológico do aparelho
compreender bem que este meca-

sl$ËïcsË: Ë iiËË
de Estado: o que obrigaria a distinguir nitidamente e a
nismo não é em si próprio uma ilusão, nem o são analisar os aparelhos ideológicos de Estado. Fo o que
as formas jurídicas que o institucionalizam: não tentou Althusser, sob a forma dum primeiro esboço,
é na anarência, mas na realidade, que tanto os em Lr Pensée de Junho de 1970
proletários como os capitalistas são indivíduos No Manifesto, esta ilusão é finalmente dificil de
compreender, o que leva Marx, em fórmulas equivocas,
livres e iguais, e é como tal que estão regista- a representar a sociedade burguesa como uma sociedade
dos no estado civil, que vão (ou não vão) à que «rasga todos os véus» da religião, da famíha, do
escola, que fazem (ou não fazem) o serviço Estado, e que constrange todos os homens a «encarar
militar, que votam (ou não) nas eleições e nos enfim as suas condições de existência e as suas relações
mútuas com olhos desencantados»,
plebiscitos, que são (ou não são) eleitos depu- uma sociedade na
qual o fim das ilusões políticas seria o resultado espon-
tados ou conselheiros municipais, que assinam tâneo das próprias relações de produção capitalistas.

144 10 145

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que ocupam at um «posto» — quer sejam clei- «para atingir os seus fins políticos próprios, a

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este posto, nomeados

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ou recruta- burguesia deve pôr em movimento
dos segundo outras modalidades. Donde a forma todo o prole-

90.r

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do Estado, com as suas hierarquias (de que tariado», e as análises do parlamentarismo e do

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rr! ..:x
ËËgff sgffiiff a sufrágio universal dadas no 18 Brumário e nos

-i:
hierarquia fundada sobre a igualdade jurídica é

=
um caso
textos ulteriores.
particular, último) e as suas relações
de dependência (de que a dependência fundada
na liberdade individual é um caso particular,
último). Eis porque, em breves palavras, cada
classe dominante tem por tarefa e por objectivo
2. Uma nova prática da política

=
histórico não só servir-se do aparelho de Es-

Ë ËËËgsã ËËffËij;*ËãËgí

Ë ËË*Êsi ËrË;jíiÈ;;Ëi:ËËË'
tado, mas primeiro criá-lo, desenvolvê-lo, orga-
nizá-lo, transformá-lo (o carácter «tipicamente»
Regressemos então àx ditadura do proleta-

qllËãË ugËË:;:ËËËËffiffã
político das revoluções francesas de 1789, de
riado e à sua primeira definição. É preciso ten-
1830, de 1848, sublinhado por Marx, consis
te tar precisar, cingindo-nos sempre, em princi-

gglg giËíjËgãÈssffi;ggi
justamente, aos seus olhos, no facto de elas iso-
pio, aos mesmos textos, esta ideia dum Estado
larem relativamente este processo, e fazer
em que já é também um não-Estado», em
dele a entrada em jogo imediata de certas relação
con- à distinção do poder de Estado e do aparelho
junturas da luta de classes).
de Estado.
Evidentemente, este mecanismo é, para falar
ËffffããÈËãff

como Marx, «aperfeiçoado», é levado ao cxtre Sabe-se que esta ideia não deixou nunca de
mo parecer literalmente absurda à ideologia polí-
da sua realização nas formas históricas
do tica burguesa, mesmo quando cla parece tencio
Estado que são o ponto de chegada das lutas -
de classes do passado: nar tomar em consideração, de maneira abstra
a «democracia bur- c-
guesa», onde o funcionamento do aparelho ta, a ideia dum fim do Estado. Ou o Estad
de o
Estado, sob o efeito de todas as lutas de classe existe e funciona, ou não existe: entre os
s dois termos desta «alternativa», a
anteriores inclui toda a «sociedades direct
a-
ideologia
mente no funcionamento do aparelho, opondo-o burguesa não vê lugar senão para as «so-
luções médias», para uma situação interm
totalmente a ela por uma especialização e
uma e-
centralização sem precedentes. Os representan- diária entre o Estado e o não-Estado, no sen-
tes da classe burguesa que exercem o poder tido duma gradação (ou antes degradação)
que ela detém sobre o aparelho de Estado, contínua e progressiva. Mas se 0 «não-Estado»
i;ffg;

devem não é mais do que o Srau ecro para


então, duma forma ou doutra, ser trans- o qual
formados em representantes «do povo» tende a degradação do Estado, por vutras pala-
inteiro. vras, se nunca lidarmos senão com um
Deste ponto de vista, não há contradição, único
mas termo, o próprio Estado, então a fórmu
uma estreita complementaridade entre as análi- la de
ses do Marx é totalmente impensável, um jogo de
Manifesto, em que Marx mostra como, pala-
vras ou uma coisa sem sentido. É precisamen
te
146
1t7

:
desta apória «lógica» que a nova distinção ope- ao seu lugar na produção, está em condições
rada por Marx permite sair. de tomar o poder por si própria, não podem
exercer o seu poder (e até mesmo o seu poder
O que prova com efeito a Comuna, pelo absoluto: a sua «ditadura») pelos mesmos meios
«simples facto da sua existência e da sua acção», e portanto nas mesmas formas. Não o podem,
e que Marx regista em Guerra Civil? Se há um não no sentido duma impossibilidade moral,
Estado que já é em certa medida uma coisa mas no sentido duma impossibilidade material:
diferente de um Estado, um «não-Estado», não
a máquina do Estado não funciona «por conta»
é evidentemente porque o poder de Estado do da classe operária; ou não funciona mes-
proletariado estaria atenuado, em vias de extin-
mo, ou então funciona, mas por conta de
cão; pelo contrário, reforça-se e não deve cessar alguém mais, que não pode ser senão o adversá-
de se fortalecer ao longo da ditadura do prole-
rio de classe. É impossível ao proletariado con-
tariado. Mas é na medida em que o aparelho de quistar, depois guardar e utilizar o poder
Estado deixa de ser um aparelho de Estado no
político servindo-se dum instrumento análogo
sentido em que toda a história anterior o aper- ao que servia as classes dominantes, ou então
feiçoou e em que a própria luta de classes não perde-o necessariamente sob uma forma ou
cessa de reforçar esta tendência. Porque o «povo outra, «violenta» ou «pacífica».
armado» (não confundir, evidentemente, com o
serviço militar obrigatório), tanto como a abo- Ora esta transformação revolucionária tem
lição do funcionalismo e do parlamentarismo, uma dupla condição, só ela permitindo com-
significam o fim da especialização e da separa- preender o papel que pode representar imedia-
ção características do aparelho de Estado. tamente na transformação das relações de pro-
dução, que levará ao desaparecimento da explo-
E por conseguinte, enquanto em toda a
ração do trabalho:
história do passado, o reforço do poder de
Estado duma classe sempre teve como condição 1. A primeira condição, é a existência,
material o reforço do aparelho de Estado, nós ao lado do aparelho de Estado, de organizações
encontramo-nos pela primeira vez em presença políticas dum novo tipo, das organizações polí-
duma situação exactamente contrária: o reforço
ticas de massa, das organizações políticas de
do poder de Estado tem como condição o enfra- trabalhadores, que controlem o aparelho de Es-
quecimento do aparelho de Estado ou, mais tado e o submetam, inclusive sob a sua nova for-
exactamente, a luta contra a existência do apa- ma. É perante estas organizações que, segundo
relho de Estado. os termos de Marx, os eleitos e os funcionários
que é impossível dispensar de repente são «ime-
O facto que assim se descobre, podemos nós diatamente responsáveis e revogáveis». Enten-
enunciá-lo duma maneira geral: as classes damos que não são responsáveis perante os
exploradoras e a classe explorada que, pela indivíduos, até perante os trabalhadores toma-
primeira vez na história e devido exactamente dos individualmente. Estas organizações esta-
148 149
desta apória «lógica» que a nova distinção ope- ao seu lugar na produção, está em condições
rada por Marx permite sair. de tomar o poder por si própria, não podem
exercer o seu poder (e até mesmo o seu poder
O que prova com efeito a Comuna, pelo absoluto: a sua «ditadura») pelos mesmos meios
«simples facto da sua existência e da sua acção», e portanto nas mesmas formas. Não o podem,
e que Marx regista em Guerra Civil? Se há um não no sentido duma impossibilidade moral,
Estado que já é em certa medida uma coisa mas no sentido duma impossibilidade material:
diferente de um Estado, um «não-Estado», não a máquina do Estado não funciona «por conta»
é evidentemente porque o poder de Estado do da classe operária; ou não funciona mes-
proletariado estaria atenuado, em vias de extin- mo, ou então funciona, mas por conta de
ção; pelo contrário, reforça-se e não deve cessar alguém mais, que não pode ser senão o adversá-
de se fortalecer ao longo da ditadura do prole- rio de classe. É impossível ao proletariado con-
tariado. Mas é na medida em que o aparelho de quistar, depois guardar e utilizar o poder
Estado deixa de ser um aparelho de Estado no político servindo-se dum instrumento análogo
sentido em que toda a história anterior o aper- ao que servia as classes dominantes, ou então
feiçoou e em que a própria luta de classes não perde-o necessariamente sob uma forma ou
cessa de reforçar esta tendência. Porque o «povo outra, «violenta» ou «pacífica».
armado» (não confundir, evidentemente, com o
serviço militar obrigatório), tanto como a abo- Ora esta transformação revolucionária tem
lição do funcionalismo e do parlamentarismo, uma dupla condição, só ela permitindo com-
significam o fim da especialização e da separa- preender o papel que pode representar imedia-
ção características do aparelho de Estado. tamente na transformação das relações de pro-
dução, que levará ao desaparecimento da explo-
E por conseguinte, enquanto em toda a ração do trabalho:
história do passado, o reforço do poder de
Estado duma classe sempre teve como condição 1. A primeira condição, é a existência,
material o reforço do aparelho de Estado, nós ao lado do aparelho de Estado, de organizações
encontramo-nos pela primeira vez em presença políticas dum novo tipo, das organizações polí-
duma situação exactamente contrária: o reforço ticas de massa, das organizações políticas de
do poder de Estado tem como condição o enfra- trabalhadores, que controlem o aparelho de Es-
quecimento do aparelho de Estado ou, mais tado e o submetam, inclusive sob a sua nova for-
exactamente, a luta contra a existência do apa- ma. É perante estas organizações que, segundo
relho de Estado. os termos de Marx, os eleitos e os funcionários
que é impossível dispensar de repente são «ime-
O facto que assim se descobre, podemos nós
diatamente responsáveis e revogáveis». Enten-
enunciá-lo duma maneira geral: as classes damos que não são responsáveis perante os
exploradoras e a classe explorada que, pela indivíduos, até perante os trabalhadores toma-
primeira vez na história e devido exactamente dos individualmente. Estas organizações esta-

145 149
organizada», mas uma prática política. Voltarei
vam representadas na Comuna, sob uma forma

iãïËgãË *ffifiiËiËfiË
a isto brevemente.
iã,ã:ããã É,:tãËËËãàiËãëË
esboçada, pelos «clubes» de trabalhadores-s
olda-
dos e suas famílias. ' Assim se esboça a organi
-
abo-
Podemos então voltar-nos uma última vez
zação cfectiva da «maio ria que tende para o Munifesto, a fim de extrair as conse-
para
O
lir o mecanismo da «representação» do povo, quências destas novas formulações. Ao ler
representantes da classe
jogo de reenvio dos somente o Manifesto, não é completamente ex-
dominane para os representantes «da socle-
cluída uma interpretação da definição do Esta-
dade» no aparelho de Estado. do como «organização da classe dominante», se
pelo menos abstrairmos das «dificuldades» que
a segunda condição é ainda mais
Mas as explicações de Marx levantavam. Esta inter-
*

2.
importante, pois ela condiciona a precedente: pretação remete para a analogia, para O parale-
é a penetração da prática política na esfera lismo entre revolução burguesa e revolução pro-
do «trabalho», da produção. Por outras pala- letária, e até entre o desenvolvimento da bur-
da
vras, o fim da separação absoluta, desenvolvi guesia no seio da sociedade feudal e o do prole-
«polít ica» e
pelo próprio capitalismo, entre tariado no seio da sociedade burguesa («Assis-
no sentid o duma «polít ica
«economia». Não timos hoje a um processo análogo [...] as armas
tem nada de novo, nem
económica», o que não de que a burguesia se serviu para abater 0 feu-
através simplesmente da transferência do poder dalismo voltam-se hoje contra a própria bur-
que
político para os trabalhadores, mas para guesia»). Esta analogia é apenas formal, não
dei-
possam, exercê-lo como trabalhadores, e sem tem senão uma função transitória e pedagó-
na esfera da pro-
xar de o ser, a transferência, gica; e até, como todo o artifício pedagógico,
a.
dução, de toda uma parte da prática polític comporta o seu próprio risco de induzir em
pensar -se que O trabal ho, e antes
Assim pode
não só erro. De facto, sob esta analogia, não há um
dele as suas condições sociais, se tornam paralelismo ou uma simetria mas uma oposição
uma prática «socialmente útil» e «socialmente e uma dissimetria completas. Em particular,
ao passo que a burguesia conquista historica-
mente o poder político constrangendo primeiro
Mas atenção: o que importa aos olhos de Marx,
iãlãfïiããËã*Ë
ããËË;ããiãïãiã

a feudalidade a ceder-lhe lugar no aparelho de


ã:ËËgã;ËËiiãã
r;;rer[ã[ËãËËË

1
não é tanto a «teoria política» de que se inspiravam
estas organi zações (o «modelo» de 89 e 93, caracte- Estado feudal, ao seu lado (é a interpretação
rística especificamente francesa transmitida su-
por
que, no Manifesto, Marx e Engels davam já da
a através das
cessão das «secções» parisienses à Comun monarquia absoluta), o proletariado não pode
a sua fra-
seitas operárias), pois aí residia justamente
queza, em parte responsáveis pelas derrota
s da Comuna, nunca controlar o aparelho de Estado existente,
pela terrível confusão interna que objectivamen
te ajudou assim como não pode, sob o domínio da burgue-
a. O que inte-
sia, ocupar aí progressivamente um lugar.
a repres são militar da burgue sia frances
aos olhos de Marx é o seu carácter de organi-
ressa
Eis porque
zações políticas de massa dos produtores. sem a sua
a Comuna pôs imediatamente de forma ainda mais Paradoxalmente, o Manifesto,
urgente do que antes, O problema do partido
da classe correcção, podia levar à ideia dum Estado bur-
operária.
151
E

150
guês («a burguesia organizada em classe domi- resultante da organização dos próprios traba-
nante») e dum Estado proletário (o proleta- lhadores.
riado organizado em classe dominante»), certa-
mente distintos, opostos nas suas bases sociais e
Compreende-se assim, para voltar ao pro-
nas políticas que prosseguem, mas tendo um
blema que punha há pouco, que um «Estado
princípio (uma definição geral, uma essência)
comum: a simples «organização em classe domi- que já é também um não-Estado» não é qual-
nante», quer coisa intermediária entre a existência do
Estado e o seu desaparecimento, um momento
Ora, vemos pelo contrário que a burgue- duma simples degradação. É uma realidade con-
sia «se organiza em classe dominante» ape- traditória. E isto, porque nós não lidamos neste
nas desenvolvendo o aparelho de Estado. E que campo com um único termo, mas com dois. O
o proletariado «se organiza em classe domi- «não-Estado» não é simplesmente o zero, a
nante» apenas fazendo surgir ao lado do apa- ausência de Estado: é a presença positiva dum
relho de Estado e contra ele formas de prática outro termo. Não se trata de descrever a invo-
e de organização políticas totalmente diferen- lução progressiva do Estado, mas sim a luta
tes: portanto, de facto, destruindo o aparelho (política) contra o Estado e os meios desta
de Estado existente, e substituindo-o não sim- luta.
plesmente por um outro aparelho, mas pelo
conjunto doutro aparelho de Estado e mais Formulando estas conclusões, Marx não faz
outra coisa diferente de um aparelho de Estado.
mais do que analisar e enunciar a tendência
Na ditadura do proletariado, a repressão, que é
real que revelavam as lutas da Comuna. Não
inerente a todo o Estado (incluindo, como insis-
te Marx, toda a democracia), não é apenas nem construía nenhuma «solução» que antecipava
principalmente exercida por um aparelho (re- o futuro. Mas isso bastava para que se encon-
pressivo) especializado (o que Lenine comenta trem ao mesmo tempo definidas certas tarefas
falando do «fim do poder especial de repres- imediatas. Na primeira fila das quais a orga-
são»). Mas é também, cada vez mais, e princi- nização do partido do proletariado, em cujo
palmente, exercida por um poder «geral»: pelas seio, antes mesmo da revolução comunista, e
massas organizadas de trabalhadores que o pro- para que ela seja possível, devem já coexistir
letariado dirige. E da mesma forma, sem dúvida, estas duas tendências contraditórias. Assim se
a centralização dos meios de produção entre as explica a luta ininterrupta conduzida por Marx
mãos do Estado» não pode ser reduzida à cen- e Engels para que a social-democracia não scja
tralização nas mãos do aparelho de Estado, somente uma peça do aparelho político exis-
mesmo dominado pelo proletariado. Ao mesmo tente (o que é inevitável), mas também outra
tempo que esta centralização (que é antes de coisa completamente diferente. Esta luta, que
tudo jurídica), e de maneira contraditória, cons- prefigura a de Lenine, mereccria evidentemente
titui-se também uma centralização de tipo novo, só por si uma longa anáhse.
152
153
Podemos então, para acabar com uma ques- tica política não se reduzia ao funcionamento

Ë EË
Èg iiËËËÊïËE Ë! ËãË uËËËÈã

i ; ï ff ããiÈËËit
tão em aberto, voltar ao problema que indi- do Estado. Pelo contrário, ela «reduzia-se» a


cava mais acima, o colado pela ideia do Mani- isso precisamente. Não havia existência histó-
festo (e a do Anti-Diihring) respeitante ao «fim rica para a prática política fora das suas con-

i i ËãË; [ãããiËi i

;;ËËë: ËãËÈËã:E ilË;i


da política». dições materiais determinadas: o Estado, as
formas do aparelho de Estado, desenvolvidas e
O que pode significar agora esta ideia? É «aperfeiçoadas» pelo capitalismo. Eis porque
preciso ver que ela fica em parte inevitavel- o proletariado, cuja acção histórica conduz a
mente obscura, como tudo o que respeita às uma nova prática da política, ' não tem outra
tendências de futuro do movimento histórico via para aí chegar que não seja penetrar no
do proletariado. De facto, o conteúdo concreto terreno do Estado e do aparelho de Estado *.
desta ideia não está aliás senão no reconhe- Mas penetra aí a partir da sua própria base de
cimento da forma actual destas tendências. Não classe e de unidade de classe que não deixa
£ nunca (a produção material, a experiência da

Ë
é uma profecia. Quando, para nos cingirmos a
ele, Marx nos fala do futuro, fala-nos também produção e a organização na produção), para

*Ë â ; ï
combater a classe dominante ao mesmo tempo
e antes de tudo do presente, por vezes do nosso
com as suas próprias armas (que se «voltariam
presente mais imediato. Eis porque a análise
contra ela») e com as suas novas armas, que não

g
que ele faz da tendência histórica influi ela
têm nada a ver com as da burguesia. Tal é a no-

ËãË e
própria na prática.
vidade radical desta situação: a política feita

i
por produtores, o poder do Estado visado, con-

iã :*€3ilá
Mas como se apresenta a questão do «fim quistado, depois exercido pelos produtores. '*
da política», seguindo as análises de Marx e a
sua transformação? Em 1847, Marx e Engels
explicam que o fim do Estado (a sua extin- 1 Proponho esta expressão à falta doutra, para

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q3ã.É5.E'
ção) implica o fim da política. Logicamente, se retomar a fórmula que já utilizou Althusser a propósito

ÈeÈ

!ü-:cì:
de Lenine, falando duma «nova prática da filosofia»
(como o demonstra a Comuna) o fim do

R-! 13 ^-sã
È i9!
(Lenine e a filosofia, Maspero, 1969). Para dizer a

> or
Estado começa imediatamente, e se este «fim» verdade, visto que, como demonstra Althusser, a filo-

3,i ,r y,
!b! Ë !g ËE€E
sofia não é nem mais nem menos do que a política na
não é uma diferença de grau, mas a combinação do mesmo
teoria, trata-se pois, sob duas modalidades,
contraditória de duas tendências em luta, então

',
problema.
o «fim da política» deve também «comecar»
precisamente, como indiquei acima, O
imediatamente. No entanto, a tendência real, 2 Mais

.e3i-

Ë;E F*1fiË
'à€ :Ê
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çs: 8,F.,ã3
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dos aparelhos, tanto repressivos como ideo-
que se esboçava já na Comuna, é totalmente terreno

-l 11 :-id

ã^ F ,ã- -

-e
lógicos, cujo conjunto constitui o aparelho de Estado.
diferente: é a constituição, de início hesitante e
frágil, duma outra forma de «política». » A actualidade imediata fornece-me, no momento

aÉEÕá

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em que escrevo, uma ilustração concreta desta dia-
léctica, exposta por um grande dirigente revolucioná-
Entendamo-nos bem. Não se trata de com-

ÈE's
lï,3
rio do nosso tempo, Pham Van Dong: «E essencial,
preender isto: a Comuna mostraria que a prá- declara ele na sua entrevista ao jornal Le Monde de

154 155


r-r
Dai a pergunta que se impõe para acabar:

Ãi3iËËEË$ËãgËËËËË ÃããË
Podemos pois dizer isto: a tendência real

ËËã

ËlËËãËiãffËttg;ãr sÍí:r ïËÊ:Ëreï


ãËËËicËiËÊíãËiÈããl

ËÈiË'ãËÈËiËiËEËË: ËãËã ffáÌËËEá


rIË ftEË ËËËEËËgffË

r*Ë ËËãEï Ë;E lËËããF

ãËË:ËisçË€ËffiËÈ
iË;ãaËi$ËÈËËËïiãË
Ë
observada por Marx não é também uma sim- o que é que prova que esta segunda tendência

;È t ËËË : ;f ãËË,' Ë*:


ples tendência, mas uma tendência complexa; é apenas «transitória», que não tem futuro?
Se o comunismo não é um ideal, mas o resultado
dum movimento e duma prática actuais, não
— dum lado, é a tendência
r;ãË r$tgË*;U;Ë para a destrui- devemos dizer pelo contrário que o proletariado
ção do Estado, portanto a tendência para o se orienta para uma transformação da natureza
desaparecimento da política tanto quanto ela se da «política» e da sua prática? Não, como se
identifica com a luta de classes por e no Estado; sugere por vezes mercê duma leitura demasiado
rápida destes textos, uma «desaparição da
— mas é também a tendência para a conti- política em benefício da economia», da orga-
nuação duma nova forma de «política» ou, nização «puramente técnica» da produção, etc.
melhor, duma nova prática da política, se bem (o que traduz finalmente que se fica numa con-
que esta seja necessariamente comandada pri- cepção burguesa, tanto da política como da eco-
meiramente pelos imperativos duma luta de nomia), mas pelo contrário uma transformação
classe, portanto constituída contra o Estado, e da economia, da prática de produção, em tarefa
em relação a ele. E esta segunda tendência é a directamente política?
própria condição de realização da primeira,
visto que só ela representa a originalidade histó- Não podemos dar resposta a este problema

iËÈtË ËiËEËËËi

írËs iËËì39íË
rica do proletariado de forma positiva, e lhe apenas com base nos textos de Marx, aos quais
dá os meios da sua luta. quis aqui limitar-me. Mas podemos confirmar
o bem-fundado da questão, fazendo simples-
mente o seguinte reparo.

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18 de Maio de 1972, que os Estados Unidos tenham


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O que significa a ideia da «administração


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enfim reconhecido que os seus bombardeamentos da
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pista de Ho Chi Minh eram ineficazes, que eles tirem das coisas», encarregada de justificar o «fim
disso as conclusões, assim como do fracasso da «vietna- da política»? Esta ideia tem um conteúdo posi-
ã 3.; r óq!,

mização» As suas operações atingem um custo exor- tivo bem conhecido: designa o domínio, à apro-
q

bitante, em pura perca. Eles fazem no entanto a guera


priação da produção pelos próprios produtores,
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com todos os meios científicos de que podem dispor.


eFiãsi Ë* ; € E: *

Mas com os meios de que nós dispomos, fazemos crenti- em oposição ao desapossamento dos produtores
ficamente «a guerra, mesmo quando o nosso equipamento e à «anarquia da produção» que reina na socie-
é modesto. Bem entendido, não esperamos limitar- dade actual. ! Mas ao lado deste conteúdo posi-
-nos no emprego das armas modernas que podemos
obter, mas não hasta possuir meios tecnológicos avan-
"f

cados para que a guerra seja cientificamente conduzida.


15 Isto basta, bem entendido, para interditar defi-
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A nossa maneira de conceber a guerra é científica por-


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nitivamente a confusão do marxismo com a ideia pe-


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que comnpatemos no nosso terreno con. vista aos

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queno-burguesa da «autogestão». Pode ser útil recor-
nossos próprios objectivos e com os nossos próprios mé-

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i'É.9
dá-lo na medida em que esta confusão, que remonta a
todos É por isso que o adversário, mau grado todo o
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õ 9.e
uma tradição proudhoniana vivaz, não cessou de ressur-
seu aparelho científico, é derrotado. Somos nós que gir entre nós, por vezes no seio do movimento operário.
mantemos a iniciativa.» (sublinhados por mim)

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156 157
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tivo, é preciso convir que ela nos propõe uma

ããËËãiglË:
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formulação equivoca, que pode induzir em erro.
Porque esta formulação assenta inteiramente
na antinomia jurídica burguesa das «pessoas» e
das «coisas», portanto na própria ideologia que

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a circulação mercantil e o funcionamento do
Estado implicam. Opondo o «governo das pes-
soas» à «administração das coisas», esta fór-
mula, isolada e tomada à letra, conduziria assim
a um resultado duplamente contraditório com

do:
À
o materialismo histórico:
Advertência

1:<
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na análise do Estado, a sua

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— substituiria,

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origem real na luta de classes, pela própria I. MARX E O MARXISMO

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ilusão que resulta do seu funcionamento (a

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relação exclusiva com os indivíduos, com as E As etapas da política de Marx ...
pessoas);
1. A juventude de Marx (1818-1847): do

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— poderia sugerir que a produção comu- democratismo revolucionário burguês

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nista é uma produção fora de todas as relações ao internacionalismo proletário .
sociais de produção, uma produção que se «re- As revoluções de 1848 .. OS ma
duz» à actividade de trabalho, à acção sobre a «O Capital» e a Internacional (1850-

e S tE: È ;È
natureza de individuos livremente associados. À -1871)
ideia de supressão da exploração (e das classes), a) A preparação do «Capital»

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È.: E':
substituiria assim involuntariamente a ideia de

::
b) 4 internacional ..
supressão das relações sociais de produção em
geral, o que nos conduziria a reencontrar o A Comuna, o fim da Internacional, as

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velho sonho dum regresso ao estado de natureza. últimas obras de Marx .

É o próprio vazio duma tal representação a) O «achado» histórico dos comunar-


Ëãã€ããiãi

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que pode confirmar o bem fundado do nosso dos .. RR
problema, constrangendo-nos a levar até lá b) 4 ditadura do proletariado

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a rectificação do Manifesto, e sugerir-nos que c) O fim da Internacional ..

,,
nos voltemos para a experiência das revoluções d) O último periodo
socialistas de hoje e de amanhã, para aí desco-
brir as formas concretas através das quais 2. A teoria de Marx .

::
::
a constituição das relações de produção comu-
nistas utiliza e desenvolve a política proletária. 3. Classes e lutas de classes

158
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(.)
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e trabalho assalariado

E.ìõÀ9F,":
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4. Capital

:
O movimento do capital...

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a)

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4 origem da mais-valia

Ê ^ --= ü:
b)
c) Trabalho e supertrabalho
As duas formas da mais-valia

!
È .3o
a)
e) A acumulação
As «leis económicas» do cúmitalgáio

Èq
f)
g) As contradições do caprtalismo

histórico
(.)

,i

E
materialismo
a
È
q

I
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5. Conclusão: o

CO-

<:

2,
a
6:
O
o:
«MANIFESTO
tsìFr
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t)

E:

FT
IL. A RECTIFICAÇÃO DO
MUNISTA>» ;

O Estado

Eo

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As teses do «Manifesto» soufre
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do proletariado

Fôrr{@
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definição do Estado
.ô.d!:

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1. Uma

9. Uma definição da revolução
processo revolucionário
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4 O «fim da política»
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As ções da Comuna
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3. A rectificação
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definição do Estado
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1. Nova
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prática da política
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2. Uma nova

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imprimir em Julho de
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EDITORIAL PRESENÇA
nas Oficinas Gráficas de
RIOS & IRMÃO, LDA.
Santa Maria de Lamas
"Mragem 4200 exemplares
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