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1. O primeiro conselho, não muito ortodoxo, é que o Livro I d’O Capital é o mais difícil, e que seja
deixada para leitura posterior a Seção I (Mercadoria e dinheiro), começando-se a leitura pela Seção
II (A transformação do dinheiro em capital): “A meu ver só se pode começar (e apenas começar)
a compreender a seção I depois de ler e reler todo o Livro I a partir da seção II”.
2. A seção II expõe a teoria do mais-valor (mais-valia), ou seja, a forma como o sistema capitalista
explora a classe operária, e trabalhadores assalariados de forma geral, pela não remuneração do
trabalho excedente ou produtividade do trabalhador (relação entre salário pago e valor produzido).
3. Na seção III e seção IV Marx alarga o conceito de mais-valor: mais-valor absoluto (seção III); e
mais-valor relativo (seção IV). O mais-valor absoluto (mais-valia absoluta) diz respeito à extensão
da jornada de trabalho, ou seja, quando o capitalista estende as horas de trabalho de seu empregado,
conseguindo com isto um aumento do mais-valor ou excedente de valor mantendo-se o mesmo
nível de salários pagos. Neste caso, ainda hoje a luta dos trabalhadores é pela redução da jornada
de trabalho enquanto o sistema capitalista exige exatamente o contrário quando não em
desobediência às leis trabalhistas (por exemplo, não respeitar o teto das 44 horas semanais (no
caso brasileiro)).
4. Outra forma de insistir no aumento das horas trabalhadas, à luz da própria legislação, é insistir na
produção de horas extras: ainda que pareça desfavorável ao capitalista pagar mais caro a
hora/salário quando de horas extras (majoradas em 25%, 50% ou 100%), ainda é vantajoso para o
capital pois permite que “máquinas, cuja vida é cada vez mais curta por conta dos rápidos
progressos da tecnologia, funcionem 24 horas ininterruptas”.
5. O mais-valor relativo (mais-valia relativa) diz respeito ao aumento de produtividade – ou
quantidade maior de mercadorias produzidas – na mesma quantidade de horas trabalhadas,
mantendo-se o mesmo nível de salários pagos. Este é o processo contemporâneo de intensificação
do capital em tecnologias automotivas e automação de forma geral, para produzir o máximo de
mercadorias pelo custo mais baixo, o que inclui a manutenção ou mesmo a tendência crescente de
diminuição de salários, aceleração de ritmo de trabalho, supressão de empregos e postos de
trabalho; ou seja, à aceleração da automação e da revolução tecnológica corresponde a aceleração
da desqualificação do trabalhador e desemprego.
6. Neste interim, Althusser conclui que “o desenvolvimento da produtividade nunca pode beneficiar
espontaneamente a classe operária”, mas, contrariamente, produz maior exploração e
empobrecimento dos trabalhadores assalariados; desta forma, não restaria aos trabalhadores outra
alternativa que não “derrubar o capitalismo e tomar o poder de Estado através de uma revolução
socialista”; contudo, daqui até essa revolução devem os trabalhadores lutar contra os efeitos desse
desenvolvimento da produtividade, limitando seus efeitos (“luta contra a aceleração do ritmo de
trabalho, contra a arbitrariedade dos bônus de produtividade, contra as horas extras, contra a
supressão de postos de trabalho, contra o desemprego causado pela produtividade”). Esta luta é
uma luta defensiva e não ofensiva.
7. Agora a sugestão é que, chegando-se ao fim da seção IV, se deixe de lado provisoriamente a leitura
da seção V (A produção de mais-valor absoluto e relativo), e se passe para a seção VI sobre o
salário. Nesta seção Marx explora as diferentes formas de salário: salário por tempo, salário por
peça, que confundem a consciência dos trabalhadores assalariados, ficando claro que a luta contra
a diminuição dos salários é imperiosa, mas, entretanto, é uma luta defensiva segundo Althusser,
porque ela não muda as relações e os mecanismos de exploração.
8. Uma das conclusões que Althusser tira da seção VI do Livro I d’O Capital, é que os mecanismos
de exploração com base no salário, e suas consequências, não se resolve “por si mesma”, “através
da ‘distribuição’, entre operários e outros trabalhadores assalariados, dos ‘benefícios’ do
desenvolvimento, ainda que espetacular, da produtividade” – daí que “a questão do salário é uma
questão de luta de classe”.
9. Nestes termos, pode-se então distinguir dois tipos de luta de classe: 1) luta de classe econômica e
2) luta de classe política. A primeira é defensiva (sindical), pois visa enfrentar o capital contra os
mecanismos de exploração do trabalho assalariado; a segunda é ofensiva, pois visa à tomada de
poder de Estado pela classe trabalhadora, inclusive enquanto movimento operário internacional,
como nos textos de Engels e Lenin.
10. Em seguida lê-se a seção VII do Livro I d’O Capital (O processo de acumulação do capital), onde
Marx explica que a tendência de acumulação do capital é a tentativa inexorável de transformar
continuamente a produção de mais-valor em mais capital (p.ex., máquinas e novos sistemas), pois
assim a exploração do trabalhador assalariado se agiganta e retorna em forma de maior mais-valor,
reprodução do mais-valor pelo mesma mecânica do mais-valor relativo na automação,
desenvolvimento de produtividade, achatamento de salários, desemprego etc.
Parte III – Ideias contidas nos Livros que compõem o Capital (como ler o Livro I)
1. O Livro I d’O Capital fica mais claro quando se explora a leitura dos Livros II, III e IV,
principalmente quanto à leitura da seção I (Mercadoria e dinheiro), que explora o conceito de
“valor-trabalho”, que se esclarece pela teoria do mais-trabalho.
2. Uma confusão reside na identificação do mais-trabalho como mais-valor, quando na verdade este
é apenas uma forma determinada específica, do sistema capitalista, do mais-trabalho que existe
em toda formação social. Nas sociedades sem classe, diz Althusser, uma parte da riqueza produzida
pelo trabalho humano é utilizada na reprodução das forças de trabalho, e o excedente, “repartido
entre os membros da ‘comunidade’ (primitiva, comunista); já nas sociedades de classe, esse
excedente é extorquido e apropriado pela classe dominante, como no capitalismo, mas aqui, a
própria força de trabalho é mercadoria, e o mais-trabalho assume a forma de mais-valor (mais-
valia).
3. Althusser aponta outras dificuldades teóricas de compreensão da leitura da seção I do Livro I:
diferença entre valor e forma de valor; a teoria da quantidade de trabalho socialmente necessário;
a teoria do trabalho simples e do trabalho complexo; a teoria das necessidades sociais; teoria da
composição orgânica do capital ou a forma “fetichista” da mercadoria.
4. Em seguida passa-se a um segundo nível de “dificuldade”, o fato que o Livro I d’O Capital ainda
apresenta “resquícios” do pensamento de Hegel na linguagem e no pensamento de Marx (o Livro
I foi publicado em 1867), segundo Althusser “um obstáculo real”. Obras anteriores de cunho
hegeliano: Teses sobre Feuerbach, Ideologia Alemã, de 1845; Prefácio à “Crítica da Economia
Política”, de 1859; Grundrisse, de 1857-1859. Destituídos de qualquer influência hegeliana seriam:
Crítica ao Programa de Gotha (1875) e Glosas Marginais ao ‘Tratado de economia política’ de
Adolfo Wagner (1882).
5. Exemplo de hegelianismo na seção I do Livro I d’O Capital: Marx utiliza a expressão “valor” para
identificar a diferença entre “valor de uso” – que é a utilidade social dos produtos -, e “valor de
troca” – que é o valor de ‘mercado’ (não é lucro ou taxa de lucro!) desses mesmos produtos -, quer
dizer, a quantidade de trabalho que o produto encerra e que possibilita a sua troca por outros
produtos equivalentes (o “valor-trabalho” é o verdadeiro “valor” na troca de equivalentes; no
mercado as mercadorias o contêm, embora não se perceba (“reificação” e “fetiche” da mercadoria
etc.)).
6. Em vários outros momentos o pensamento de Marx, por seus ideólogos, parece ficar mais perto
das teses “evolucionistas” de Hegel, como no famoso Prefácio à “Contribuição à crítica da
economia política”: apesar de criticar interpretações “idealistas” do pensamento marxista,
Althusser não deixa claro em que consistiria essa traição; mas de certo trata-se de uma certa
concepção da história que por suas contradições dialéticas parece indicar que o sistema capitalista
seria superado pelo seu próprio movimento, ou pelas suas contradições, inibindo assim a
necessidade “ofensiva” da tomada do poder de Estado pela classe trabalhadora (contradição entre
estrutura e infraestrutura etc.; neste sentido critica o texto de Stalin (1938) “Materialismo Histórico
e Materialismo Dialético”).
7. A partir da seção II do Livro I (A transformação do dinheiro em capital), Marx fala da composição
orgânica do capital: capital constante (matéria-prima, edifícios, máquinas, instrumentos) e capital
variável (força de trabalho); o capital constante permanece constante no processo de trabalho e
não produz novo valor, enquanto o capital variável produz novo valor no processo de trabalho,
valor superior ao seu valor anterior, porque nas mercadorias produzidas existe um valor maior que
o valor pago em forma de salário, expropriado pelo capitalista na forma de mais-valor (mais-valia).
8. Este mecanismo identifica e desvela o caráter de formação de “valor”, quer dizer, de riqueza social
geral, mas identifica e desvela mais: o caráter de extorsão de grande parte desse “valor” e riqueza
na forma de mais-valor não pago e nunca distribuído aos trabalhadores assalariados.
9. Esta exploração não é apenas local, mas como mecanismo mesmo intrínseco às relações de
dominação e exploração do capital, e sua lógica de acumulação, ela se estende por toda a parte em
que o sistema capitalista se faz presente, como tendência mesma de expansão de sua lógica de
desenvolvimento, que Lenin chamou de Imperialismo (“Imperialismo, estágio superior do
capitalismo” (1919)), “apoiada na ocupação militar – colonialismo -, e depois pela indireta, sem
ocupação militar – neocolonialismo”.
10. Por isso a luta dos trabalhadores é internacional e se estende a todos os países capitalistas, uma
resistência defensiva contra as práticas exploradoras do capital, luta econômica, mas igualmente
uma luta política na organização dos trabalhadores pela tomada do poder de Estado em todos esses
países (tese também apresentada por Trotsky).
11. Estas ideias e a forma de ler O Capital são, ou deveriam ser relativamente fáceis de entender pelos
proletários e demais trabalhadores assalariados, ainda que pese sobre estes, possivelmente, mais a
ideologia burguesa e as explicações superficiais dos economistas burgueses; mas mesmo os
proletários mais “diretos” precisam de certa organização teórica e prática; contudo, os demais
indivíduos e ideólogos do capital precisam reeducar suas consciências para que possam assimilar
as explicações revolucionárias contidas n’O Capital: afinal Marx também ensinou que a
consciência é o reflexo da existência e não o inverso.