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C!

idernos ensaio
SERIE GRANDE. FORMATO
1

1.
2,
ín<ll~s par<1 catfilogo siskmátiç:():
Om1unismo ; Ciêndü política 320532
Marx, l0ld. 1818-1883: C-<mceítos econômico~ 355.412
AIIAltX Htt.JE
Volume Um
3. Marxismo : Ciência política. 320.532
4. Marxismo: Socialismo: Ciência polífü:..i 320.5315
5 Socí.:'1.!ismo rn«rxi~~: Ciêncfo polúktt 320.5315

CADERNOS ENSAIO
Direção
J. Chasin

MARX HOJE Volume Um


Cadernos En~aio 1

Orwmíwrâo
J. Chtisill

Coo1·d,mm;;(l(J l!'di!otia/ J. Chasín


M. Oolürcs Pr<-1dts (organizador)

Capa
Walter Hüne
Karl Marx István Mészáros
nevisüo Bert Andréas Florestan Fernandes
Maria SJJvia C de Camargo Friedrich Engels
Neusa Maria Fernandes dos Santos
Henrique Lima Vaz
V L Lênín Jaime Labastida
Georg Lukács Maurício Tragtenberg
Antonio Gramsci Ricardo Antunes

39 edição
revista e ampliada

EDITORA ENSAIO
R. Tupi 784
(01233) São Paulo. Fone: 66-4036
liDIT!fENSAIO
1990
Marx - Da Razão do Mundo
ao Mundo Sem Razão
* J. Chasin

"Decerto, é muito dlf{ci/ dizer: mudemos


as coisas. busquemos novas possibilidades,
"lentemos 'transformar os partidos, discutir,
Jazer análises, 'tentemos compreender a nova
estrutura social, elaborar novos programas
econômicos. Pode ser difícil: mas tudo isso é
necessário, não há alternativa. Como 'tam-
bém é necessário saber que há coisas que
não podem ser feitas do dia para a noite."
Para Mudar a Vida
Agnes Heller

Introdução

Sem mito e sem mística, da morte de Marx aos días


atuais verte um século de inaudíta complexificação: do ho-
mem, da sociedade e da história, em suma, do ser social.
Sociabilidade implexa, por cujos gomos e condutos ex-
pande a figura intelectual e política do filósofo alemão, ao
mesmo tempo que por diversos modos é contestada e com-
batida com sutileza e ferocidade crescentes.
Marginando a centúria de 1883 a 1983: fins dos anos oi-
tocentos, 11ouco mnis <le uma década após a erupção e der-
roc:uda da Comuna <le Paris, do nascimento de Lênin, da
uui!kílçào nadonal alemã e da conclusão do mesmo pro-
cesso nu Itália; cinco anos antes da abolição da escravatura
e seis untes da proclamação da República no Brasil; mais de

• Projessor do Departamento de Filosofia da UFMG.


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três décadas antes da revolução bolchevique e quase um sé mesmo, no extremo, dá-lo ceticamente como moribundo e
culo depois da Revolução Francesa; cínqücntu arws untes embebê-lo na cânfora "radical" de tísanas políticas e epistê-
do ascenso de Hitler e trínta e cinco depois do nrn~:mcrc micas vencidas?
operário, em junho, nas barricadas de Paris; quase duns d(!.,
· Ortodoxa e não dogmaticamente (a nenhuma má-fé seja
cadas depois da Syllahus Errorum de Pio !X e nove antes
lícito confundir estes termos), é genuíno resgatar e retraba·
da morte de Allende; dois anos antes do nascimento de Lu-
lhar para a dialética marxiana tudo quanto haja sido, com
kács e quase setenta depois da queda de Napoleão e setenta
pertinência e validade, percebido e aflorado por correntes
e cinco depois da publicação do Fausto; mais de um ,éculo
distintas dela. E não foi outra a atitude de Marx ao instaurar e
depois do aparecimento da Riqueza das Naç,Jes e menos de
uma <lécada antes da Rerum Novarwn; cerca de setenta
levar à mn1e sua própria concepção. Coltlldo, não é disto
que se trata aqui, Remete-se ao que diz respeito a
anos depois da publicru;iio da Ciltuú1 ,k1 Lógi::a de Hegel,
acréscimos e reordenações, a supressôes e remantefamentos
e mais de sessenta antes de Hiroshimn e em torno de no- a vários níveis, de maneira que fica alterada a própria ínte-
venta antes de Medellln e Puebla; cerca de vinte depois da
gridade ontológica e lógica da propositura marxiana; por
criação da l lntern11clot1al e quase cem antes do estupro da conseqüência, sua expressão política. (Que seja inverso o
C<>muna de Gdansk,
sentido da determínação, na raiz genética sotoposta às me-
lJa mort~ de Marx ao presente, uma centena de anos ata diações não é aqui relevante). E tudo na admissão índe-
a Comuna de Paris à Comuna de Gdansk. Ambas, sem monstri:cta de que o logos marxiano careça de fôlego intrín-
condução rruu-xistà, prenunciam, nas suas derrotas, o ad- seco para sua congênita expansão e desenvolvimento filosó-
vento de novas histórias, nada estranhas à prospectiva mar- fico/científico. De um pólo a outro, para "acudi-lo" ou
xlana. sufocá-lo, a prática das "colagens" ou Hcomposições", mul-
De Paris a Gdansk vai um enredo histórico sem paralelo. tiplicável ao infinito, tem sido engalanada acríticamente
Não só enquanto processo exuberante da universalização com o cariz da renovação, da prática teórica livre e
do capitalismo, e da ruptura de sua hegemonia sob a emer- avançada, às custas em especial da corrosão e do tolhi-
gência de um sistema de acumulação pós-capitalista. O iti-
mento do próprio saber marxiano e de seu ilimitado poten-
nerário de uma Comuna a outra totaliza uma complexifica-
cial de ampliação e desdobramento marxista. Revelando na-
ção da sociabilidade posta em crise radical. No todo, um
tural e síntomátíca preferência pelos "rebéntos ilegítimos",
mundo em crise pela crise geral de suas partes, elS a uru-
as "colagens", em gritante desmentido ao seu orgulhoso
versalidade cm que se dá o transcurso do Centenário de Hvanguardismo", nutrem e engordam obstinado
Marx,
preconceito, até mesmo contra os possíveis "filhos legíti-
O exame hoje da herança marxiana, no atendimento pró-
mos" do patrímônio marxiano, para não falar de outros
prio à sua posição critica e metodológica, não se esgota no
descendentes.
'.'.,aber e na prâtica revolucionária intrínsecas ao capitalismo.
Compreende, de modo necessário e decisivo, a grave pro~ Posto e reposto o drama do socialismo de acumulação
blemática oriunda das formações que, simultaneamente,
(atual, real, ou como se queira), hoje toda a manifestação
de desco,lflança autlntíca é legitima, Toda inquirição ge-
não efetivam nem o capitalismo, nem o socialismo, bem
nufrw está na ordem do dia, Desco,lflança e inquirição para
como o estudo urgente da razão social de um conjunto de
as quais nenhuma dimensão do teórico ou do político, fica
posições teórico-politicas que propalam a chamada "crise excluída ou interditada, Tanto quanto, de outra parte, e im-
do marxismo". A certa altura, Lênín deparou com uma
perativo, com igual força, recusar toda negação banal, sub-
questão do mesmo talhe: por que alguns buscavam, por
reptlcla ou "irritadiça" da herança íntelectual marxiana,
exemplo, '·completar" Marx com as teorias de Mach? O fe-
bem como de seu genuíno potencial de desenvolvimento
nômeno, na atualidade mais intrincado, esparrama-se por
marxista.
um leque maior e por uma gama que alcança a tonalidade
Em suma, a corrosão da herança m_arxiana corre por
da pura negação de Marx. Por que "completar" ou "refun;
conta, em especial, de dois agentes: 1) a crise global do mo-
dir" Marx com Sartre, Heiddegger, Husserl ou Kant, e ate
vimento comunista, resultante, em primeiríssimo lugar, da
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Contudo, o sarcasmo1 hoje, que ceticiza marxismo, tem
falência do socialismo de acumuiaç,Io, com todu w; suas como pré-juízo a depreciação de todo certeza, antes da pró-
mazelas, destacadas aqui as suas muito justamemc ,;xecra· pria desvaliação do marxismo. Ao tempo que corre, não
das contrafações teóricas; 2) de uma postura lt1Miectu.al apenas qualquer certeza traz algo ponderável da efetivação
recrudescente, oriunda e alimentada pela dupla eriae do cognitiva desenhada pelo saber mundano, como o
mundo contemporâneo, Atitude teórica que, na .teaiitura indeterminado, nas condições da dnpla crise contemporâ-
das "colagens" ou "composições" 11lc1111ç11, 11!!1 lll11u111 ()li- nea, assumiu a qualidade de moldura e substância da "liber-
sos, fino e elevado padrão re&xlvo, CI\Í(Jii ~ .íll!í ce,:\O dade". Donde, como é palpável em dadas praças e círculos,
número, merecem verdadeiro r11speito e l!lllll<ílll ;i,xame 4!:- um certo gosto, ora mundano ora raivoso, pelo 1'fracassd'
ddo, Ademrus, não são dtac11rt•v• co111 1 sim~ mi,ada ou pela "impossibilidade" do saber, Uma espécie de deleite
de illdigna9io .dfaplllll!!llt de qu.em, 11 li®tt1130$lo, se vê corrompido, que por si só traduz mais do que as meras con-
obrit411do .1 olhl!f p11r11 ''!iQ,a do mlll",.Nm I! f.1Seinio e a jecturas sobre a opacidade intransponível das coisas, ou so-
ami11ân11i11 de«t#II li!lQ..p•v• de k!Jltimi:,. e flfieiente eom- bre a igualmente insuperável limitação do entendimento.
b111t,. li • !!ti' 119r .lllef!ÍÇ, dt (11!1,inio !lllÚQr e l!frogância Do útero apavorante da dupia crise contemporânea
~(1/)~~{,!l!lll !l!l~.dll,!1\111 ~#li !!ti' ll própria ultrapas- brota o -terror da certeza e a revolta do dessaber, perversão
llilílSl!í. ~,lffl':Q.ll!ln•u.,/ll!nvlqlo..da certeza, que aceita o da legenda socrátic~ como a exorcizar o devir pelo cancela-
dll verificação. mento da razão,
silenciar: hoje, a grande Na bruma deste fim de século, quando é tão erudito e

• 4:.. mas contra Marx. Desde


li. li(~~ l'~l!lld .lll9!!de..de. l'esprit", até ao c'Jrculo abafado
~ li gnmde curtição é desvaliar o patri-
~ !Xíllllco. li intelectulll marxiano.
!'fé; ·q1111.dt$velar que toda uma ironia de nervo à flor da
prestigioso fazer pass11r, sobre as passarelas füosófico-
científicas, um novo ceticismo, que embora não nasça nem
se destine, em linha reta, apenas e para a neutralização de
Marx, contra este lança todo seu poder de fogo, quando
t1111tos apostam contra a letra e o espírito marxiano, seja-me
p!il,i, l'(lltllda hoje .contra o marxismo !Pense-se antes no efe- permitido, isto ao menos, - aposta por aposta - fazer a mi-
t!vb!!l dQ qne no efetivado), provenha, pelo menos em nha em beneficio de Marx, Aqui fica: a favor do saber que
p11rt,i, dl! llltern11tiv11 tornad11 impossível de simplesmente ig- faculta e do gesto possível que ele reclama.
ilotar ta1t ílüel!ftar, em qua.lql!er .,ea ou nível, o ideário Agora 1 principio,
mmliwo, lti'1911-H 11110ntr11p11rtid11 d11 slmuh1ção, em espe- I - A Dupla Barbárie
eilll, o emperantç <l/1/lPlllttar para si mesmo de q,ue as "ge-
lltf~llli'' (ldll qulllltll .plixlllde) teiles de M11rx sao, no mí- A cornplexifieação da sociabilidade nas fonnas .-manadas
nimo, p1r;1/n111!141tcas, IIO menos /n~clemes, em todo caso dos últimos cem anos, tal como dem11rcadas pelas erupções
if0rl411111S dv revttallz~ões hlbridas, Tudo em clima de e derrotlls pressagas das Comunas de Paris e Gdansk -
Vf/..kttur/J!/ da esplrtto, transpusadas pelo desfile em fibrila- IIC.lboU por desbordar em crises sem precedentes do
,;lio. du. pretensas demandas de "rigor", (aliás, trata-se de capitallima ,e do socialismo mal, redundando numa entifi-
lll!lllUIII deolinio , . ,) que, em fastio, nunca se dão por aten- llll9lo da eontemporm;ieidade tecida e involucrada por uma
dldas (em verdade nunca demasiadas, quando não preten- oríH globlll e llílívenw, que submete a generalidade das lati-
gas), A enevoar quase tudo, acre nostalgia pela "certeza", tudes e longltudes - geográficu e ideológicas,

l
dada a um tempo como perdida e impossível, O requebrado, Qua&e a um IIÓ tempo, por roteiros diversos, porém cone-
em suma, na ginga que vai do desdém ao mistificante, inde- xos, os dois slste!llliíl mundiais ultrapassaram os limites de
pendentemente da nobreza de propósitos. Ideologia (no pior polilllbllldade pwa prosseguir velando eom credibilidade
Hlltido) do rigor e da certeza, a levantar muralhas a mais l!lmi lmpaliHS, e tl!lll estreitadas as condições para conti-
ae ~ legítimo e nec=ário do Jriµio ~r e da própria nu11t, com reliultados estáveis, os jogos de dilação e desloca-
mento de suas contradições especificas. Postos em crise in-
~ sem os quais o niarxisiro insub6iste, (como já o tor-
oou mais do que evidente a oontrafação stalilliana), razão pe- 1 disfarçável, exibem com brutalidade os perfis de uma dupla
111 qual é e tem de ,... - o mais radical de seus postulantes. barbárie.
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A barbárie e, em primeiro lugar, a barbárie do capita· Haver, fazendo do sagrado Livro Caixa peça profana de
/ismo, em especial a do capitalismo avançado, no geral mais museu,
antiga e um tanto melhor conhecida. il, em s.:guml(J I,;gar, a Tomo de Giannotti a tônica da medida (sem que isto
barbárie do socialismo atual, ou seja, a </miséria" do socia- compreenda de imediato, outras adesões, em especial por
lismo de acumulação. sua contextura fenomenológica) e com ela medeio:
Em delineamento sumário - à semelhança da fórmula "Quando a medida deixa de funcíonar, o sistema entra em
marxiana de "miséria alemã" (originariamente sintetizada crise" (Trabalho e Rejlexão/Entrevista ao Folhetim).
para designar processo e resultantes da objet)vaçíio capita· Mediação a Marx, para determinadas considerações dos
lista retardatária, conciliada a vetores sodnís da t\.mnaçâo Grundrisse, atinentes ao desenvolvimento das forças produ-
a ela precedente), e refundida para efeito de transposição a tivas em fase avançada de acumulação capitalista.
um quadro pós-capitalista ··, miséria do socialismo de acu- A dado ponto, tendo em vista o enorme incremento qua·
mulação remete ao conjunto de eventos e problemas,. que litativo/quantitativo dos meios de produção, a contribuição
redwJdam das tentativl!S. de transição. ao socialismo, quando do,'lrabalho vivo se tornaria inexpressiva. Então, vale dizer
efetivadas, como todas o foram até hoje, a partir de países que estaria cancelada, por força do próprio desenvolvi-
atrasados. Os chwnru:los elos débeis da cadeia capitalista, mento capitalista, a lógica do valor traba1ho. A socí~tlade
condioí0tlantes de largos processos imperativos de acumu- capitalista como um todo - trocas mercantis, incluindo are·
lação econômica que, em países desenvolvidos, transcorrem lação capital/trabalho não mais se mediria pela lei do va-
nol'!llalmente sob dominação capitalista. Transições que lor. Nem a produtividade do trabalho, nem a distribuição da
evid~ncit1m, à saturaçii.o, não apenas fracasso estrutural na riqueza a teriam mais por parâmetro. O que viria a dar no
montagem da formação socialista, como se manifestam próprio cancelamento do sistema, poís, no que poderia con-
tamllbm enquanto espaços históricos da produção e da rei- sistir a valorização do capital, sem a presença ativa da ló-
\eraçií,o ampliada da ofensa social e da alienação. Ou seja, gica do valor? Ou seria a realização do sonho de ouro das
reajustando os tempos verbaís de um vaticínio da Ideologia personae do capital: a criação infinita de riqueza, sem apre-
Alemã: "Com a carência recomeça novamente a luta pelo sença incômoda e perigosa dos agentes do trabalho? Advi-
necei;sàrlo e toda imundície anterior é restabelecida". ria, pois, o fim do capitalismo pela mediação de suas melho-
llarbm, em suma, gmdas ambas, em suas diversidades, por res qualidades, não mais pela saturação de suas maiores de-
morru;nlOl! distintcm da mesma lógica perversa do capital. ficiências'/ O fim do capitalismo seria, então, o fim do tra·
bolho, não mais o desestranhamemo do trabalho e a sua
l ,_ No primeiro caso, na crise atual do capitalismo híper- conversão em "primeira necessidade"?
mllduro, o d!lll(ltlho que se mostra, do tópico ao profundo, é Se por mera derivação abstrata se chega à possibilidade
a do colosso desgovernado/desgovernante. Complexo mo· do "sonho de ouro", isolando e dando curso urulateral a
vente/movido que, pelo seu próprio estatuto, roeu seus con- ú:tfia _úntoo detenninaçâo~ o que importa é que ao se rd.omar,
troles e devorou seu nexo, No gigantismo de sua hiper- peló talhe marxiano, a lógica do real, a embrica,;ão concre-
maturidade perdeu a proporcionalidade interna, e com esta !!lf!te·du múltlplas determinações põe em evidência que as
os recursos compensatórios que era capaz de engendrar em p11rsm1at do caplUtl não disporiam do tempo (aliás, dele já
fases anteriores. Hoje, os vasos comunicantes, pelos quaís o ni!o di,p,lem), nem da linearidade histórica (nunca exis-
sistema se repÕe, co-exibem a simultaneidru:le de uma pertur- tente) nooe»iu·ius para a efotivação de seu mais caro desejo.
bação estrutural permanente e irreversível, a despeito dele li. mesmo, ali a/Jsurdo, se destes viessem a dispor, só trans-
conservar, ainda que essencialmente de forma rrianipula- formariam o "111:mho" em realidade, dado o estatuto do
tória, a capacidade de recorrer a reciclagens periódicas, re- desem<J/Vímemo desigual, sob a forma de uma única e res·
duzidas, por certo, à condição de atos da pura gerência con· trítr.1 asf.lldaçiio das personae do capital, ou seja, sob a
tinuada de uma crise ininterrupta. A descompensação forma de 11111 monopólio único, que não poderia ser outra
intrínseca já parece obrigar o próprio circuito imperialista a coisa do que o próprio estado. De modo que o exercício rí-
confundir, em clima de 2001, as colunas do Deve e do gido de uma ilação genérica, equivalência lógica de uma ilu-
18 19
são de classe, pode "levar" o capital à beira da felicidade
máxima· mas em concomitância com o auge do delirio, o mento do próprio sistema.
''sonho dour~do" se converte no '"'pior dos pesadelos'\ à Porém, enquanto esta lógica de "exceção" opera e , para

medida que só pode vir à luz sob uma encarnaçao - que d'IS·
que opere, todo restante do sistema continua e tem de conti-
solve o capital privado (o que não significa a dissolução do nuar "regularmente'' sob a lógica do valor~ sem o que toda
próprio capita[). valorização tendería ao insignificante, e a realização do ca-
Toda via, a superação não mals do trabalho de,seftra- pital monopolista seria impossível. Na forma do capitalismo
nhado mas a supressão do próprio trabal~o,. e<.1mo hrpotes~ contemporâneo, o aspecto mais avançado mostra seu !ado
extravagante que exagera a linha de tendencta real, que vm de dependêiieía da conservação do aspecto mais atrasado.
reduzindo a contribuição do trabalho vi\'º• em face do :x· Ou seja, a tendência ao "rompímento" monopolista da lei
traordinàrio desenvolvimento dos mews de produçao, do valor se dá no quadro da necessidade de sua conservação.
conduzíria, no resumo concreto de uma situação histórica Em outras palavras, o capitalismo adquire pela via de seus
real, nllu só à supressão do capilal privado, mas. teri_a tam- melhores predicados - uma nova e fantástica contradição,
bêm que arcar com o ,uposto objetivo de uma difusao u_ru- sem eliminar nenhuma das antígas.
verH.l, ou s1:ja, com a socialiiaçilo dos meios de produçao, Basta, no entanto, a tendência ao rompimento para que
que atibgiram o mais alto grau de desenvolvim~nto. Isto, ou fique convulsionada toda a regulação pela lei do valor, ou
a mais absurda e/ou sangrenta das escatologias. seja: o conjunto do sistema fica desgovernado em todas as
Porém as persmu:w do capital são menos "temerárias" e suas faces, na medida em que estas perdem a proporcionali-
t sonhaddras'\ e rnllito mais fiéis à sua "autenticidade".
1
dade contraditória que as integrava e as mantinha "soli-
Multo mais estreitamente personae do capital, do que dárias".
personae de alguma lógica inovadora. . . . Tome-se a questão por outro ângulo.
A contrapartida concreta, não sonhadora do capital e, n- Tecnicamente, nada impediria, se não de imedíato, pelo
gorosamente, a que está a se desenrolar sob.nossas vistas, menos em pouco tempo, que toda a demanda mundial de
na forma da maior e mais geral de suas cnses. valores de uso fosse satisfeita. Todavia, assiste~se a um qua-
Ao inverso de qualquer escandalosa difusão. d?s mei?s de dro completamente diverso: prossegue e se acentua o para-
produção mals avançados. o capital, em sua log1ca mais ge- lelismo entre a produção cada vez mais fabulosa da riqueza
nuína, o_s cctnccntra e monopoliza. e da não menos fabulosa produção de pobreza e miséria. As
Mns esta monopolização não é apenas a simples reitera- excetuações, ainda assim desiguais, nos países centraís e as
ção de um privilégio antigo, engendra um privilégio novo. temporãrías, em outras partes, integram ~ não alteram a
Na atualidade, com a conversão dos resultados da atlVldade tendência global a médio e a longo prazo. E suficiente pen-
dentifica em força produtiva, a tendência aventada nos sar na reprodução alargada da miséria nos países periféri-
Onmdrisse ganha corpo. É a alta tecnologia (micro- v'O$, ·em especial depois dos breves surtos de expansão que
c:letr6nica/automação/etc.) a contribuir de modo determi- mar~am a sua processualidade econômica.
nante na criação da riqueza, reduzindo de forma drástica a HoJt, que d\liiproporçiio (sustento mais um pleonasmo)
participação do trabalho vivo. Desta vez, (arco com o pleo- geri! e acentua tal desproporcionalidade?
nasmo) os monopólios monopolizam uma arma especial: Os recursos da nova tecnologia e o conseqüente "escape
um "escape relativo" à lei do valor. A monopolização · relativo'' da lei do valor redobram a capacidade de
(cerws setores e cenas empresas, privadas e estatais, só prmtu,,i'io e .rncçllo do capital monopolista centrado nos
estas e não mais outras) conquista um privilégio único, paltílfi be3cn1tin1cos, a uma taxa muito superior à capaci-
menor sujeição à lógica do valor trabalho -, impossível de dadíl de absorção~ reprodução (dentro das regras do jogo)
ser partilhado, sob pena de desaparecer, não apenas en- ú<)s perífl!rk,os, Tilo maior que as reciclagens
quanto privilégio. o que seria o óbvio, mas, se dissolvido en- mod1m1t111dora.v se esgotam em tempo extremamente curto.
quanto privilégio e, portanto, expandido como lógica geral A descompensação monumental entre as partes, a desi-
Jo sístema, desapareceria com o irrecorrível desapareci-- gualdade irremovivel entre os componentes é tal que, em
20 qualquer dos momentos do ciclo, pelo menos uma das par-

21
tes, ou ambas (centro e periferia) ao mesmo tempo (como superimperialismo ainda podiam imaginar uma transfigura·
na atualidade) são tomadas e atravessadas por crises de ca- ção racional do capitalismo, na atualidade não se manifesta
ráter estrutural. qualquer perspectiva crítica que deixe de proclamar catego·
O circuito internacional do capitalismo é tomado pelas ricamente que é - a barbárie, e não qualqÚer forma de con·
conseqüências do superdesenvolvimento e monopolização versão do capital, que rebrota das melhores qualidades do
do incremento tecnológico, que desgovernam a lei do valor, capitalismo. Tudo em perfeita conformidade com a genuína
de tal sorte que o fluxo entre os vasos comunicantes do sis· lógica do capital, na moldura estupefaciente do capitalismo
tema deixa de funcionar apenas em mão iínica, no desloca- avançado. Concluindo com uma fórmula de Giannotti:
mento das contradições do centro à periferia, passando a "Cada ato que repõe o capital no universo dos objetos refle-
um trllnsito de mão dupla, obvlnmill\te desigual. Bastante, xionantes ê: um ato de barbárie".
p()rém, pata racllmbillr ac centro, oob forma· modificada,
C()lltradi~llll quo li periforia <lítava destinada, em fases ante- 2 -A lógica do capital, que matriza a barbárie do capita·
rlorH, a "aulmllar" por lll>inplllto. Nesse regorgitamento de !ismo contemporâneo, é responsável também pela barbárie
oontradl~ multlpllolldas, o circuito inteiro apresenta a do socialismo de acumulação.
f!l~ dt llll! tlst~ma que plll'llCe ter perdido a capacidade de No fulcro da determinabilidade marxiana, retomada e ex-
reter !lilll lléllO, e cuja "meroadoria" mais abundante passa a plicitada por L Mészáros (Parte 1 do artigo integrado nesta
sill' a própria crlle, coletânea), capital e capitalismo não são idênticos, ou me-
NII desproporcionalidade estrutural alargada que se ins- lhor, distinguem-se.
taura, (agigantado de qualidade nova da desigualdade pró-
O capital aparece e entra em rota de efetivação sob
pria e llltrlnseca ao sistema do capital), já não é possível a várias formas particulares, no curso da sua processualidade
difusílo da produtividade média do trabalho, o que vai im-
pkidíndo?por exacerbação, os laços contraditórios que an-
histórica. Comercial ou mercantil, monetário ou usurário,
industrial ou básíco são exemplos clássicos~ que freqüen-
tes CQêl'Úlll\ o sistema, de maneira que ele passa a ostentar
lam os textos marxianos, ocupados em rastrear as especifi-
(()dl! som de desequilíbrios e instabilidades. Julgando ter
cidades de cada um deles e das transições que conduzem de
"donlét!tíoado'' a lei do valor e estar próximo da realização
do "s()ill!o dourado", a monopolização do incremento tec- um a outro.
No que mais ímportava a Marx, tratava-se de determinar
nológioo, de fato, pelo transtorno e oonstrangimento da ló·
o itinerário que pode levar ao capital industrial, e com este
giOII do valor, endoidece a todo o sistema. Supondo, talvez,
à objetivação do capitalismo verdadeiro.
ter encontràd() a panacéia universal, o sistema só faz agudi- Formas distintas, pois, de capital, em formações sociais
zar de modo vulcânico o coajunto de suas contradições. diversas do capitalismo, antecedem e não coincidem com o
Reencontra-se, talvez inesperadamente para alguns, a ta· capital industrial e o capitalismo, tanto quanto estas duas
cada essencial de Lênin no Imperialismo.
últimas categorias não se confundem.
Aliás, guardadas as especificidades, a discussão, hoje, so- Enquanto o capital comercial e o capital usurário são
bre o capitalismo avançado, reproduz as linhas de tendência
formas econômicas pré-capitalistas, só atuantes no pro·
da polêmica travada nas primeiras décadas do século, a res-
cesso de circulação, onde realizam a captação do excedente,
peito da natureza do imporialismo. À época, não faltou a
por meio de trocas não·equivalentes, o capUal industrial; e
idéia de um superimperialismo, que ultrapassaria o caráter
apenas este, domina o processo de produção gerador de so·
contraditório do capitalismo, instaurando um modo racio-
nal de produção. Da mesma maneira, hoje, independente· hreproduto.
De um modo todo geoêrico, pois, o capital se põe como
mente de continuidade ou descontinuidade a nível das teses,
forma de captaç,fo do excedente mercantil, e numo essencial
não deixa de aparecer a teoria de que o monopólio da tecno·
objL'tivação particularizadora - capital industrial - como
logia avançada ensina ao capital a maneira eficaz de "do·
agente dominante da própria produção de mercadorias.
mar" a lei do valor.
É "qualquer coisa'' (Marx) que, a partir de um dado mo·
Com uma diferença essencial: se os antigos adeptos do
mento, estâ diretamente envolvido com a apropriação e,
22 23
Ht'1lllf«fü 111b,•q1mtt•, com a própria produção da riqueza. para o presente e ü futur~), preco~fig~r,an~1o os ?bjetiv?s
VII• •1111p•r, 1111\ÍS uma VC'L, a primeira frase de O Capr- compulsórios e as detenmnantes mev1tave-rn da fase pos·
ktl: ºA rh1u<11u das sociedades em que domina o modo de capítalísta de desenvolvimento'\
pt'Oltllf6o ç•pí1&1ittl aparece como uma ·imensa coleção de Ou seja, no transcurso da fase pós~capitalistai me~mo
11111«0.it,rlat' ", quando compreendida no q~adro mais favorável P?ss1vel
1'• ll1Pclo que hà uma prodm;iio capitalista de para a uansíção socialista, nao se opera o desaparecimento
•lft!tfflàrtai (produtos) e uma produção de produtos repentino e fulminante da lógica do capital. Com peso estru -
(1Mrct«irl111), distinta da primeira, que a antecede, Geneti- tural ~~ valor, mercad01iai mercado etc,, etc. contmuam a mte-
1111111••: "Proclu9io de mercadoiras e circulação de merca· grar a composíção do aparato econômico-social. Sua ~rans-
dori. podtm ocorrer embora a grande massa de produtos, figuração cabal.não é empreendimento simples, nem lmear,
otl.11ijda diretamente ao autoconsumo, não se transforme cujo sentido é precisamente a radical superação da
.112 o«*!oria e portanto o processo de produção social regência do capital na tessitura da formação n~scente, qu~
••• Utcí• muito lon,e de estar dominado e,n toda a sua vem à luz, na imediatícidade, apenas do rompimento de li-
B.lflllio II profundidade pelo valor de troca. A representa- nhas dominantes da entificação do capitalismo. E sô a plena
glo do ptllduto como mercadoria supõe uma divisão de tra- superação do capital eo ingresso na ''nova for~a hist_óri~a~'
bllllio tlo d••covolvída dentro da sociedade, que a separa- de que falava Marx. Refletindo sobre o "carater fetlchtsta
efo 111t,e o valor de uso e o valor de troca, que apenas prin- da mercadoria'', portanto dos valores que velam~ pela re-
QÍpl& ~ t1~1mbo direto, já se tenha completado. Tal estágio gência do capital, as relações dos homens con~ as coi~a.s e
da .Qllll~IO é, porém, comum às formações sócio- dos homens entre si, Marx precisa no que consrnte a efetiva
~Qlllll6111lCll hittoricamente as mais diversas" (O Capital, superação da regência do capital: "A figur~ do processo so·
IV, 3}. eia! da vida, isto é, do processo da produçao matenaJ. ape·
o,, formas "antedíluvianas" (Marx) de capital nas se desprenderá do seu místico véu nebuloso quando,
(comercial, usuário) à sua forma básica (Marx) indus- como produto de homens livremente socializados, ela ficar
trlill - val um itinerário de avassalamento: da mera apro- sob seu controle consciente e planejado. Para tanto, porem.
priação dm produtos, na circulação, à apropriação da pró- se requer uma base material da sociedade ou uma série de
prl1111m1rgla que produz - força de trabalho (convertida em condições materiaís de existência, que, por sua vez, são o
11!GlldOdll), produto natural de uma evolução histórica longa e penosa'·
0-~úchizada a nível crítico, no seu ponto de maturi- (O Capilal, 1, 4).
11!1., li íbrma básica é desvelada como relação social de No desenho a distinção é nítida: l) sob a regência doca-
produção, que $Ubordina o trabalho assalariado ao trabalho pital, temos "uma sociedade de produtore! de mer~adorias,
~\tttlul~t- Bm s._uma, na máxima generalidade da sua cuja relação social geral de produçao cons_1ste em
forma acabada, o capital é uma relação social de domina- relacionar-se com seus produtos como mercadonas, por-
çlo fundamental e matrizadora. tanto como valores, e nessa forma reificada relacionar mu-
llfttlv1M<: o capitalismo pela encarnação das personae tuamente seus trabalhos privados como trabalho humano
do Ç&pil!ll: proprietários privados, postos em concorrência. igual .. ; 2) ao passo que, superando o capital, põe-se."uma
l'tln~mdo 1111 tr@sição para o socialismo, diz Mészáros associação de homens livres, que trabalham com me10s de
llom toda propriedade: "O capital e a produção de merca- produção comunais, e despendem suas numerosa,s forç~s de
dorias ni!o !!Ó prt1Cedem, mas também necessariamente trabalho individuais conscíentemente como uma urnca torça
sobrl/l'IVem ao c11pltalismo" e isto como uma "questão da in- social de trabalho / ..J O produto total da associação é um prer
terioridallc daí! determinações estruturais". De modo que duto social. Parte desse produto serve novamente como
"A dlmem1io hístllrica do capital e da produção de merca- meio de produção. Ela permanece social. Mas parte é con-
dori11s ni!o está confinada ao passado, esclarecendo a tran- sumida pelos sócios como meios de subsistência. ~or _is~o
sição dinâmica du formações pré·capitalistas para o capi- tem de ser distribuída entre eles. O modo dessa distnbwçao
talismo, mas manifesta sua necessárias implicações práticas variará com a espécie particular do próprio organismo so~
24 25
e <l correspondente nível de desenvolvi-
produtores. Só para fazer um paralelo pode ser posto em movimento pelos esforços combinados
mercadorias, pressupomos que a parte de muitos membros da sociedade ou, em última instância,
nos meios de subsistência seja determi- pelos esforços combinados de todos os seus membros. O
de trabalho. O tempo de trabalho capital é, portanto, uma força social e não pessoal. Por-
o, duplo papel. Sua distribuição so- tanto, quando se converte o capital em propriedade comum,
ula a proporção correta das diferen- em propriedade de todos os membros da sociedade, não é
alho conforme as diversas necessidades. propriedade pessoal que se transforma em social. Muda-se
iempo de trabalho serve simultaneamente apenas o caráter social da propríedade 1 que perde a sua vin-
i:I~ ~ld11 de participação índívidual dos produtores no tra- culação de classe" (Manifesto, II).
bfl\íl PPllllllll e, por isso, também na parte a ser consumida A sobrevivência "petrificada" ou o surgimento, na fase
~~Uíllll!ente do produto comum. As relações sociais dos pós-capitalista, de alguma forma de propriedade não co-
ltc:il!llllla !.lOm seus .trabalhos e seus produtos de trabalho mum (social) do capital é a irrealização da "nova forma his-
· ente simples, tanto na produ- tórica". Pois, neste caso, o capttal,força social que cria ri-
" (O Capital, l, 4 ). queza é, de algum modo, sempre grave e decisivo, desviado
opacidade e a transparência da da posse e gestão de seus genuínos criadores e em prejuízo,
·~~tj liWllll são, um como o outro, determinações sociais voluntário ou involuntário, destes. "Na sociedade burguesa,
,~~ui-O!
nll!í! extr~,~~tóricos, que demarcam a possibili'. o trabalho vivo é apenas um meio de aumentar o trabalho
a
41!,~ ou .lll1fl?Htqlli!iade perenes do acesso cognitivo. acumulado. Na sociedade comunista, o trabalho acumulado
Ílíllll' griflldo que a presença ou não da regência do é apenas um meio de ampliar, de enriquecer, de promover a
!llllll faz a distinção essencial entre as "formas his- existência do trabalhador. Por conseguinte, na sociedade
l!J!!illlll tnaneira que consubstancia ou não a burguesa o passado domina o presente; na sociedade comu-
•bllkll!i:11ulbjetiva de um desenvolvimento autêntico do nista, o presente domina o passado. Na sociedade burgue-
~Oll\lilm ;i. da razão, sa o capital é independente e tem individualidade, enquanto
·~~ que 11. ('l!gincla do capital ultrapassa a vigência do a pessoa é dependente e não tem individualidade própria"
.,lla/1111110, mee:mo nas condições mais favoráveis para a (Manifesto, II).
tfílll!!Ívlio $®jl!l/111a, ou sej11, na moldura dos países capita- O trânsito de um pólo a outro é, pois, um coofronto entre
lis1u fflllftl'alvlda$, nílo é dillcil convir que a problemática o presente, não apenas no sentido alusivo e genérico, mas na
se agl91111i. e ag11~11 ..::um toda brutíllldade quando entram deternúnação rigorosa de presente enquanto trabalho vivo, e
tlll, .lillll!-.. l:Olllo 11«, agora entraram com exclusividade, os o passado enquanto trabalho acumulado. Ou seja, a tensão
pl!im bb!torlcamente retardados e retardatários. entre o domínio sobrevivente da mercadoria e a potência da
Tem Ilido descurado que 'transição socialista é dominação do produtor, que principia a se converter em alo
eNHIUl/fllmimte caminho, não ainda maneira de produzir já na interioridade de uma contradição modificada, porém
"crlstwada", Portanto, itinerário complexo e multifacético ainda não resolvida. Presente e passado que se põem e re-
entre dois ''pontos". Trânsito que se põe antes na dependên- põem na transição rocíalista através de um emaranhado es-
cia compuls/ma de seu ponto de partida do que de seu pon- petacular, mesmo quando o trânsito, e é deste que designa·
to de ehega~a. Ponto de chegada, todavia, que é inconfundível damente se fala, diz respeito a países de modo de produção
na exprcasao aparentemente vaga de Marx, quando indica capitalista desenvolvido.
que a "nova forma histórica" é aquela que "supera o estado Ora, o que não terá que ser visto e dito, quando a jor-
de comas atual'', pois a "forma" a ser ultrapassada é a que nada principia e compulsoriamente fica na dependência de
"cria capital, ou !laja, aquele tipo de propriedade que ex- um quadro de atraso manifesto em todos os planos específi-
plora o trabalho assalariado e que só pode aumentar sob a cos da formação econômico-social?
condirão de produzir novo trabalhç assalariado, a fun de Em tais condições, tanto mais pesa e determina o pas·
exp!om,lo novamente /.../ O capital é um ;roduto coletivo e só sado, tanto menos pode e efetiva o presente. O guante do
trabalho morto jugula o trabalho vivo. "Le mort saísit /e
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Caso contrário: a) ''com a carência ocorreria o resta~)ele~
ltc apodera do vivo!), diz fviarx no Prefacio à cimento da imundície ante1ior"; ademais de que b) "toda
de O Capital. ampliação do intercâmbio superaria o comunismo local''
''{) mono se apodera do vivo", eis a legenda profana e (Ideologia Alemã).
ill~t@lícli d!!$ transições "socialistas" do nosso século. A história mundial do desenvolvimento do capital, pelo
it fl!lldamental aditar - aos fragmentos de O Capila/ e do deslocamento das contradíções do centro para a periferia,
Aif~llf(ltto,<Jil estampados, que remetem à superação da induziu a ruptura da hegemonia capitalista pelo lado menos
f'tgln~laf/o rJ(lpltal pela sua apropriação comum e controle promissor e mais problemático, redundando em duas grave~
~~:'Ir;/ c,mseiente, e às "condições materiais de existência'" questões: nenhuma transição socialista foi matena(tzada ate
que.ili! facultam, a tão célebre quanto esquecida passagem hoje~ e está criada uma linha de força~ uma tendencia his-
d!\ frl,tt(JIO,:/a Alemã, que versa precisamente sobre os supos· tórica que sustenta e condiciona o prosseguimento da rup-
t~r ~oneretos da revolução. São eles: a) "é necessário a tura com o capitalismo pela mesma via.
ll.llil!III dllbumanidade como massa totalmente 'destituída Via que rompe na periferia pela face atrasada do sistema,
.dtílfnprilldade'; e que se encontre, ao mesmo tempo, em descende dos chamados elos débeis da cadeia capitalista .
Ol'.!11\radl91io com um mundo de riquezas e de cultura exís- Não importa, aqui, o inventàrio dos lances singularízan·
tllllt! dl! l)1to - coisas que pressupÕem, em ambos os casos k-8 dos processos reiterados ao longo de sete décadas, mas a
~í!\.fflll!de incremento da força produtiva, ou seja, um alt~ matriz do ponto de partida, a linha compulsória de desdo-
,ra~ de seu desenvolvimento; por outro lado, este desenvol- bramentos a que deu origem e o caráter da resultante cons-
V(!i'llllltO das·. forças produtivas (que contém simultanea- tituída.
!!IÇJlle tll:na verdadeira existência humana empírica, dada Atraso, pobreza e solidão não conduzem ao socialismo.
ll~li'lp}a,n? ~lt~r.irfco-mundial e não na vida puramente local Nem se torna econômica e politicamente resolutivo para tal
<l\:ll! ~om~s)} um pressuposto prático, absolutamente ne- propôsito a conversão desses predicados desfavoráveis em
e~l!l'irlo, p(!l'que, sém ele, apenas generalizar-se-ia a escas- lema moralista. Tal qual a palavra de ordem mamsta, (em
~. e, port.11nto, com a carê11cfa, recomeçaria novamente a nada contrária ao espírito mais profundo do stalinismo),
luta pêlo UJ!Cessàrio e toda a imundície anterior seria resta- que simplesmente exorta a "'contar com as próprias t~r-
b,lll!íida''; b) ,<apenas com este desenvolvimento universal ças". Nesta subversão voluntarista das palavr~s, todavia,
du for9111 produtívu dil•se um intercâmbio universal dos está embutida a necessidade real e cruel que a anima e toma
home1rs. @íll viflude do qual, de um lado, o fenômeno da impostergável: criar riqueza - proceder a um~ aéumulação,
massa 'dll!ltítulda dê propriedade' se produz simultanea- que a formação econômico-social antenor nao }ea~~ra~ e
tlll!!ltt em todOll os povos (concorrência universal), fazendo que, portanto, não poderia ser tomada como dote _P~lo
com que cada um deles dependa das revoluções dos outros novo estado de coisas que forceja por se afirmar. Lênm,
/•../ .l?ttljliliClllll!llte, o oomunismo é apenas JJ05Srnol oomo numa de suas descrições da questão, assim se expressou:
ato dos povos dominantes 'súbita' e simultaneamente, o que HDevido ao desenvolvimento dos acontecímentos militares,
pressupõe o desenvolvimento universal da força produtiva e devido ao desenvolvimento dos acontecimentos políticos,
o intercâmbio mundial conectado com o comunismo" devido· ao desenvolvimento do capitalismo no antigo Oci-
(1de11/og/a Alemã, A, 1). dente culto e ao desenvolvimento das condições sociais e
Portanto, os pressupostos práticos são: 1) "amplo grau políticas das colônias, tivemos que ser os primeiros a abrir
de desenvolvimento das forças produtivas"/"mundo de ri- uma brecha no velho mundo burguês, num momento em
quezas (material e cultural)"; 2) "interdependência, simulta- que o no!IBo p!IÍs era economicamente, senão o mais atra-
neidade internacional" das revoluções; 3) "efetivação da re- sll<k), pdo mel10!I um doo países mais atrasados/../ Agora
·voluçíio através da iniciativa dos povos dominantes". Em o povo e toda a massa de trabalhadores vêem que o essen-
suma, a possibilidade concreta da superação da regência do cial para eles consiste em serem ajudados praticamente em
capital dar-se-ia por uma transição socialista mundial, de·
sua extrema miséria e fome, e que lhes mostrem que real-
sencadeada simultaneamente e sob hegemonia dos países
ricos e dominantes. mente se verifica uma melhora necessária para o camponês,

28 29
1da.91H1d11 íl ,cus c!lstumes, O camponês conhece o mercado comunismo ele é apropriado pela universalidade de seus
a ílílfll\l!ili! i, <X)lrtêr~'io, Nilo pudemos implantar a distribui- produtores, Neste caso perde seu caráter de for:,a d~ dollll-
tio lll>munlata direta, Faltavam para isso as fábricas e a nação, deixando, então, de reger aos homens e a sociedade,
mlfl!Ulltàtil! para elas", (Discurso, XI Congresso do PC para passar a ser regido conscientem<:_nte pelos ,seus produ-
ltu~á, março/22). tores. Em suma, no modo de produçao comunista de:ap~-
t<llnnl,:ilo que é feito semelhante atraso e pobreza? rece a regência do capital e advém a consciente regencui
llm e;;s~nola, de retardamento no desenvolvimento do ca- dos trabalhadores, livremente associados.
'íllll, dí1SlA\lladll!l\ente do capital induslrial, Na imediação, De maneira que, irrecorrivelmente, a transiçiw Pª:~ o SO·
l!!elpi!11çia, frigllídade e distorção no crescimento das for- cíalismo não pode ser outra coisa que o 1t1nerano da
',llllÍ .pr()(!udvas: Do que resulta uma posição pouco signifi- regência do capital para a regência de ·trabalho, Um afasta-
u11t!va. ~ lj<l!l\pre subalterna no intercâmbio internacional, mento, de fato, mais ou menos ràpido, da ':gênc1a do
:Oonde, um diapasão loca/ísta da existência social, poiitica e capital, tanto quanto uma concreta aproximaçao, mais ou
uulíÍll'al, l!lm suma, sociabilidade estreita e acanhada, to- menos rápida, da regência dos 'trabalhado_res. ,
lhi~!\ ~ !Ullesquínhada em todos os seus âmbitos, No capitalismo e, tanto mais, no comunismo verific~;se,
_Rômi>er esta canga é acima de tudo desmantelar a estru- pois o pressuposto do "mundo de riquezas e de cultura de
tl!~a d:o 11:traso, é despertar e impulsionar as energias da acu- que 'raia Marx. Exat!Ullent:ll o contrário do que se p~ssa ,nas
'!111111\lio material. Sem as quais, não passa de voto piedoso c@dições especificas do elo débil: aí o pressupo,sto.1nex1ste,
e t/;lla mintificação, pretender uma entificação superior das Ora, se a chave da questão é a forma d! apropnaçao do ca-
formH pí.!liticas e culturais da sociabilidade. pital,1como ter a posse social de~e,!se nao ~st! devid!Ullente
:S ísto - rompimento do atraso e criação de riqueza - criado - e o próprio imperativo e a sua cnaçao? O que ro·
líllffl ç<,ntexto especialíssimo, pois, dentro dele era deria vir a ser a propriedade social do capit!l, nas con,di_çoe!
liltp<»,'li{vel, ·sob a forma do capitalismo, promover seme- de airaso se não a perversa subd1V1sao da !lllsena,
lhal)t:ll convulsão da estrutura econômico-social; não fora o Subdivisã~ ainda mais agud!Ullente precâria se considerado,
prÔ'l)fÍ(! \'l!lardo e a fraqueza da objetivação capitalista a ra- como é preciso, que todo o esforço está 'condioonado pela ne-
zio tuníl!Ulllllltal, (agregados os interesses capitalistas inter- cessidade da criação urgente e ampliada da nqueza, que º.
.n11c!onlllt11!!il\:i> begemônlcos), da sustentação e reprodução implica, sem alternativa, uma alta taxa de reapli~açao -
do íltrllllb' ljlle se tratava e tinha de romper. como meio de produção - do magro produto efehvado,
Par!ld0xallrulllte, mas paradoxo histórico, o que vale di- De maneira que, em situações de atraso, "generabza-se a
Hr aparllnte, ·- isto !Í, situação nova e inesperada e só plena- escassez e·;· portanto, com a carê,icia,. re~omeça ~ov!"11ente
m,mte intellglvel bem mais tarde, - o imperativo concreto a luta pelo necessfuio e toda a imundície antenor e resta-
era dellenvolver o capital básico, excluída a formação social belecida". .
dn capffalismo, Incremento urgente e máximo possível do Conclusivamente nas condições em que se entdica o elo
capital industrial, negada de antemão a formação social à débil, a propriedad; social do capital é inútil e/ou impossí-
qual ele tende a dar origem. Negação, porém, advinda pri- vel. , • ,
mariamente da própria realidade, só depois assumida e re- Nesta acumulação pós-capitalista, que e formaçao e m-
forçada pela teleologia revolucionfuia, cremento do capital industrial, interditadas as formas
Mas o que é passível de objetivação como forma de so- privada e social da propriedade do capital, emerge uma
ciabilidade, quando para desenvolver o capital industrial é "apropriação" Coletíva/Não-3.ocíaL Esta ten: se~ ponto de
preciso recusar e ultrapassar o capitalismo? inflexão, arranque e reiteraçao num! gestao ,1gualm~nt~
Na polaridade conhecida, ao capital básico privado cor- coletiva/11110,social, dado que uma gestao. de_carater soc,~l:
responde o capítalismo, do mesmo modo que ao capital dup!!Ullente impossível nas condições propnas ao elo 1éb•I,
básico social corresponde o comunismo. Ou seja, o capital, pois o ai raso é também miséria social,. cultilal e política,
força gerada socialmente, é apropriado no capitalismo por além de que seja impensável uma gestao universal sem a
uma pluralidadae de personae do capital, enquanto no possibilidade da propriedade universal do capital.
30 31
/!!oi!I lffJ!!/lfJri&, c•sa gestiío/"apmpriaçào" coíetiva!não
~!ft:~t~( --,t_tft1m _pr;1r \tOf-1',0 um complexo dispositivo Congresso do PC Russo (março/abril-! 922), Preobraz-
~f!!//JilrttJ!ttJftallJ//odmlt11s1ra/ivo, que funcionalmente , henski afirmou que "o Capitalismo de Estado é o capita-
llll!íltÍIII'! e reitera nesta formação pós-capitalista a regência lismo, e que só assim se o pode e deve compreender". Lênin
f/allflJillal, retrucou que isto era escolasticismo e argumentou; ••o capi~
t:ltlfo,o/uncio,wlmeme, pois, parece-me secundário mas talismo de E.stado é um capitalismo inesperado ao extremo,
!dÍQ ill#ll111iticante, que no decurso do tempo tenha 0 ' refe- absolutamente não previsto por ninguém; porque ninguém
rld;,i, ~P~llto desenvolvido illleresses próprios. Porém, numa podia prever que o proletariado chegaria ao poder num dos
llíl?Olllllc,dade que torna ingênuo pensar seus integrantes países menos desenvolvidos, que intentaria primeiro organi-
Ollm Oll attibutos, ainda que caricatos, das personae do ca· zar a grande produção e a distribuição para os camponeses
pl!íd,; 9liaíqucr incursão por esta linha, na sua debilidade e depois, ao não cumprir esta tarefa, em conseqüência das
l!l111.k1gtca,. desvia da questão essencial e decisiva: - a lógica condições culturais, incorporaria a ela o capitalismo. Ja.
de l/tíli'I formação pós-capitalista que, sem burgueses e sem mais se havia previsto nada disso, porém é um fato absolu-
ª.
/lllp!talismo: reitern regên:;ia do capital. Regência da qual tamente indiscutível" (Discurso, 28 de março).
O aparato, isto sim, e funçao mesmo que também (o que é Menos de dois anos depois (tempo durante o qual sua ati-
~nas o outro lado da mesma moeda) seu fiel guardião in- vidade declinou acentuadamente), Lênin viria a falecer
ciusiv~ ideol~gieo: I:!á que lembrar que nem toda guarda é quando toda essa questão ainda mal havia se desdobrado.
{1Q4'Se, Se atlilffi nao fosse, os eunucos nunca teriam existido. Contudo;parece.· me que teria sido mais feliz se;desde então,
Pode ser. divertido chamar os burocratas em questão de tivesse falado em capital estatal do que em Capitalismo de
eunucm, dª reg$ncil!; do capitaL Mas, vale mais compreen- Estado. Todavia, isso teria sido praticamente impossível,
der que, na,aubs~çao a essa regência, as formações sociais pois, à época (NEP) principiavam a ser criadas as "socieda-
(das qual, el1111 sao categoria privilegiada) mantêm e repro- des mistas", os "trustes do Estado", dos quais participavam
duzem asp!!QtOI.I decisivos da estruturação social que tem no capitalistas privados - russos e estrangeiros - e comunistas.
valor, no m/;!J'cado, no trabalho assalariado etc. suas deter- ,J'\ o que designei por capital estatal (coletivo/não-social) es-
nll~açm essenciais, De tal modo e peso que o mundo da tâva apenas em germe, dificilmente (para não dizer que era
/eualtíu1çlo da mercadoria impera e com ele toda a pletora impossível) poderia ser visualizado. De sorte que, para Lê-
de Mlranbamentos, do.s quais os eunucos são apenas uma nin, a distinção entre capital e!capitalismo só tinha1existên-
d1u expl'e8il!es mais vislveis e detestáveis. cia histórica passada. Vale para ele, pois, quanto à questão
Nlki custa relterar, para precisar um pouco mais. do capital e:;tatal, o mesmo que ele dísse com relação a
, Nn medida em que é flagrado, na processualidade hís- Marx no que tange ao Capitalismo de Estado: "Nem sequer
!Onca do capital, um capital pré-capitalista e, com a mesma a Marx ocorreu dizer uma única palavra sobre esse assunto
pllrtlnência, um capital pós-capitalista, determina-se O - tworreu sem deixar nem uma citação precisa, nem indica-
capl~lismo •~quanto uma formação social específica, que táveis. Por isso lemos agora que nos esforçar por
se poe e repoe sob a hegemonia do capi!.al privado· o - sozinhos" (Discurso, 27 de março).
®munf!lmo como o sistema de relações sociais de produção o, minha tematização não pretende, pelo menos
dp capital social, regido conscientemente pela universali- · com a tese de Lênin, mesmo porque ele
dade de seus produtores; sendo a identidade do - , que entende necessariamente transitório,
','socialismo" de acumulação (autodenominado de socía- va em estado embrionário, enquanto tento
hsn:o . real) a forma de uma sociabilidade do pós- eno de longa duração e obviamente esta-
cap1tahsm' qu~ se objetiva sob a regência do capital s termos, o Capitalismo de Estado pode
cole!ivo/ nao-socia/ ou estatal, ainda que esta última desig- llllf, t Í, l!iXI; il'lomento importante na formação do capital
naçao pnssa, em certa medida, estreitar e indeterminar a es- calt1t:lv11/nlb,1ocial, mas não é todo o problema. Vale dizer
pecificidade do fenômeno. ~llli li Cllpltlllistno de E.stado foi possível exatamente por-
Nas discussões sobre o Capitalismo de Estado, no XI qu1, 1111 0ooflgura.ção do elo débil que recusa e tem que recu-
•ar o c,IJ)ltal/amo, e está literalmente impedido de transitar
32
33
à organização partidária, foram soterrados e enxovalhados
p~ill O c11plt11l social, a reg€ncía do capilal, naturalmente pela avalanche stalinista; o partido da razão do trabalho
pr~~aw, prillcípla a se especificar em capital coletivo/não- daqueles foi substituído pela parafernália manipuladora e,
JJl/cla/, no mínimo, decadentemente a proletária dos dias de hoje;
,N4vigílt1cla do capitalismo, o capital atende de modo ab- - que a vulgata stalinista e neo-stalinista (inclusive sua
ti1!11to ~ sua própria lógica de acumulação, quedando subju- vertente euro-liberal) seja o corpus (filosófico e científico) do
11•das. a ela as necessidades sociais em geral - "o trabalho saber marxiano e marxista.
vlvo é apenas um meio de aumentar o trabalho acumu- Não é a possibilidade de pinçar diferenciações de grau,
lll,do'', Donde a simultaneidade de um "mundo de riqueza" ou até mesmo de qualidade em planos secundários, entre os
liJt "massa da humanidade como massa totalmente 'desti- países do socialismo real, que desfaz a sua condição de enti-
.tulda de propriedade"'. Conquanto, nas formações do pós- ficações subsumidas à universalidade das formações do pós
Cllplta.lismo, haja uma dimensão anticapitalista limitada, e antícapitalismo e não do socialismo. Tais distinções reme-
dado o desaparecimento das personae do capital e do cará- tem apenas às suas formas particularizadoras e às suas con-
t.er ~oncQrrencial que as entrelaça, ao mesmo tempo que creções singulares. Não são tais diferenças que podem des-
d~íxa de s.er necessária a produção da miséria, o sistema pertar esperança de imediato, quanto à superação da canga
"permanece no interior dos paràmetros do capital" (Més- que as rege. Sem dúvida, é básica a compreensão das espe-
,i:ãros). Ou seja, na formação do pós-capitalismo o con- cificidades para a determinação das vias mais promissoras,
junto da sociabilidade, atacadas e superadas as forças do- através das quais há de se efetivar a superação de suas pro-
lllÍt'lJl!ltes reais ou potenciais do capitalismo, permanece sob fundas mazelas, sempre que isto suponha, essencialmente,
a re(JQacia do capital, na exata medida que esta é precisa- que se trata da liquidação da regência do capital que as pre-
m.mte a sustentação de uma relação social de produção em side.
que o trabalho acumulado continua a reiterar e a dominar o Em paralelo, dado o número de países sob esta figura,
trabálho assalariado. que tende a ser ainda maior, há que, afinal, compreender a
De modo que o campo do pós-capitalismo ili.utilidade e a futilidade do anti-sovietismo (anti-socialismo
(11utodenominado de campo socialista) não é a concretiza- r~ii.l) "nervoso" e epidérmico. À mesma hora em que se se-
çlio i110ontpleta ou imperfeita de uma idéia, mas uma nova p!Jlta qualquer tolerância ou conivência para com suas a-
1mlem soolal, caracterizada por antagonismos, posta para berrações.
alé.m <,lo. capita/Ismo, mas no interior da regência do capital. Do mesmo modo que no caso do capitalismo ultra-
Território dentro do qual, e com irradiação para muito além avançado, guardadas as diversidades reais, cada ato que
dele, il ld.llla soolali&ta foi pervertida em uma nova ideologia reitera esta gestão/"apmpriação" coletiva/não-social do capi-
do poder, tal é um ato de barbárie, cuja atrocidade menor não é, por
Hóje, por conseqüência, é equivoco intolerável supor: terto, a de ter se travestido em socialismo.
- que esteja constituído um campo socia/ísta; há, de fato,
um sistema mundial de países do pós e anticapitalismo, que II - Barbárie e Consciência
se debatem com enormes problemas internos e que confli-
tam entre si por mais de um motivo; A mercadoria, ºà primeira vista trivial", diz Marx, "é
- que a categoria de ditadura do proletarúulo é o moúvo cheia de sutileza metafisica e manhas teológicas". E seu
POf excelênci_a das aberrações manifestas pelos países re- ''caráter enigmático" provém de sua própria forma: "o mis-
fendas, e, assim, refutada pela história; ao contrário, jamais tério da forma mercadoria consiste simplesmente no fato de
houve, de fato, uma ditadura do proletariado; tal como o que ela reflete aos homens as características socíaís do seu
proletariado foi derrotado em 1848/9 e na Comuna de próprio trabalho, como características objetivas dos pró-
1871, o Soviet de 1917 também sucumbiu; prios produtos de trabalho, como propriedades natu-
- que haja, na atualidade, de procedência clássica e pro- rais sociais dessas coisas e, por isso, também reflete a re-
vado pela prática, um padrão de partido do trabalho; ao in- lação social dos produtores com o trabalho total como uma
verso: os princípios e concepções de Marx e Lênin, quanto relação social existente fora deles, entre objetos. / .. ./Porém,
34 35
e u relação de valor dos produtos do
ela ue representa, não tem que ver absolu-
oom sua natureza física e com as relações esperança e fetichizou o estatuto de sua queda, constituem
8e originam. Não é mais nada que deter- os módulos de uma usina que segrega, qual moto perpétuo,
ia! entre os próprios homens que para o barro coloidai de um mundo sem sentido.
li forma fantasmagórica de uma relação Ascendendo do tópico ao profundo, ou descendendo da
.iXílt~ líi:iÍIU", crítica cuidada à indagação mais inocente, tropeça-se sobre
111, ~qoria em que os "produtos da mão do homem" as coisas que rolam no desgoverno e na contra-mão. E com
lif!lfilllí!ll'l líi:illl "vida própria". É "o fetichismo que adere as coisas os homens. E nesse tráfego bárbaro, os semáforos
IIQlí produtos de trabalho, tão logo são produzidos como inverteram as luzes; não contentes~ mudaram as cores. Mo-
memdod!IS, e que, por isso, é inseparável da produção de toristas e pedestres se atropelam, ·mas ninguém pàra. Não
lllíl!tOll<lorlu". há como se deter e todos desesperam por chegar aos desti-
Prod11Zldas para a troca, as mercadorias remetem ao va- nos. Mas os rumos foram abolidos. Os coletivos trafegam
!Qr,.fíll'ma social de equiparação do diverso, "uma maneira sem tabuletas, os comboios não param, nem partem. As
ll!illj!,11 lll!J*llf!ea de expressar o trabalho empregado numa ruas perderam os nomes e todos esqueceram para onde
~511/", - "o valor não traz escrito na testa o que ele é". Ao iam. Só resta a alternativa de continuar andando. Sem sen-
i!iVj!rsq, "o valor transforma muito mais cada produto de tido.
mibalho em um hieroglifo social". Há duas barbáries, duas fetichizações em curso, uma ele-
Vlio~, ltlel'Cador/a e fetichismo, categorias que perten- vação ao quadrado da supressão de sentido. Não ao nível
cem à IÍ!êllma. constelação da qual também fazem parte de alguma patranha semântica, mas na própria auto-
merptm<>..•fra/1/llho assalariado etc.; numa palavra, inte- objetivaçlio dos dois sistemas mundiais.
·º
11ram mumia da regência do capital.
Pe modo que regiincia do capílal é inseparável de
Sem-sentido que é crise: perda de suporte pela liquefação
do nexo, ou pela contraposição insuperável entre suposto e
/etlch/aml'.I, de hleroglifo social; onde rege o capital, flll!tíl\ante. Estatutos intrínsecos dando curso a movimentos
mlll'llfesta'!le 01nts1érlo, a obnubilação da consciência. Bar- ~t·devoram seus próprios pés. Contraposição entre o su-
reirM 1oclals (LUe se levantam contra o desenvolvimento do po$to real e o suposto mentado, entre a resultante real e a
homem, dé $UI! consciência, estranhamentos próprios às for- t~.ultante pensada, dissociação entre o suposto real e o ob-
n1aç&$ tfflll.ls "em que o processo de produção domina o jetivo suposto.
homem, e l!lnda não o homem o processo de produção".
Po.rtanto, em contraste com o domínio do valor e das l - Fetichização do mundo pelo capitalismo avançado,
ao/$aS, o domínio humano e a inteligibilidade genuína !la !rllhll (e não poderia ser outra), que acentua a antiga ve-
demandam uma entificação social distinta daquela corpori- ~11 que vem do mercado e da mercadoria. Agora, no "escape
tfo11d11 pela regência do capital: "A figura do processo social ~d'ílo'' à lei do valor, põe-se o espessamento do "véu ne-
da vida. isto é, do processo de produção material, apenas se b~~II'' }'leio incremento tecnológico. Poderio do mundo
desprenderá do seu místico veu nebuloso quando, como llllll llllllll'llll aom fisionomia supra-humana, na fragilização
d!! li!l!llllm, pmtll como refugo que ameaça abarrotar os

li.
produto de homens livremente socializados, ela ficar sob
seu controle consciente e planejado" (Capital, I, 4 Idem quaí'll!ít de dtliJ)l!Jli da desocupação. Percepção da energia
as anteriores). tOl!t!ll I dt Ili« fra9iio llldividual, cada vez mais acentuada-
A dupla regência do capital, que origina e realimenta as ffl!llll!!, t'llmo ~1111 i!ltiuridas e sobrepujadas, que parecem
duas barbáries atuais, produz o duplo estranhamento da 11!.ílll ~;111m determinar. O homem vive e sofre o
consciência contemporânea. ll!llllít,, llldl! \!11.t mala como produto de seu produto. Ao li-
O colosso perplexo do capitalismo avançado, que, pela !!!ltt, ll!llffi!.. a bl:lrra residual das forças produtivas.
sua lógica intrínseca, çorroeu sua espinha e dilacerou seu C1:11W11rtê·" ft!! 111.s!Jl!íiflcante, diante da exuberância da
nexo, e o "socialismo" de acumulação, que subverteu uma mttcadorl1 multlpllêada e das forças cada vez mais
mlsm1of(lt que ílt txltm no mundo. Sobre o "véu nebuloso"
36 <le um passado recente estende-se uma nova coberta, ainda

37
.l!!'!l!;llitl*l!a e fantllsmagórica, que intimida e fascina, ob- A precisa e autêntica determinação do fenômeno da alie-
~lltlitnfitt pr.:isélítoa, reduzindo o homem a subproduto de da consciência no "socialismo" de acumulação tem
~li hlttóri11 que anda e desanda à sua revelia. Em suma, principiar, portanto, pela renúncia de encontrar, entre
~,/Jt,.fflJ()~ce enquamo st4eito, diante da maravilhosa inti- idealizadores e condutores originários, tipos que sejam
i.iíll!d\Í da m«cadoria partogenética, capaz de se oferecer a a contrafação da competência intelectual ou politica, bem
11'í11r a & f!11 sub\l;rair a outros, tornando nulo o gesto da mão como da dedicação à causa assumida.
qllll. avança e da boca que reclama. Post Jestum, torna-se claro que a determinação proce-
.De IIOVO hl! apenas a acentuação aguda do "caráter rnís- dente do replante e desenvolvimento, sob coação do atraso,
lll:!:!" .de rodo produto, tão logo "apareça como mercado- do mundo da mercadoria, mesmo num espaço politico-
rll\'', ),{as este incremento da dimensão "fisicamente me- soci!ll posto para além do capitalismo, não poderia redun-
tííl:i$1ca?' da mercadoria, determinação do incremento tecno- dar na ultrapassagem da regência do capital, mas na sua re-
lóllico, Í'iiidUnda concomitantemente, ao contrário dos tem- afirmação especificada em capital coletivo/não-social.
ll(í$ do illlmil:úsmo, na acentuação também objetiva da fra- Donde a reprodução do "hieroglifo social", do "fetichis-
ql!e!ill.aoei!ll do homem. A mititicação desta é quanto basta mo da mercadoria que é inseparável da l'rodução de mer-
pàtll sustentar toda uma metafisica da negação da história e cadorias", pois a particularização da regência do capital
de Sl!a potência multilateral, por onde brota voluptuosa não revoga seu estatuto, de modo que não desbasta a mer-
uma ampla ontologia da derrelição e da indeterminação co- cadoria de seu mistério, nem mesmo numa moldura que re-
mo plllt;al'orma da liberdade. A consciência fetíchizada, numa cusa o capitalismo.
yjngança acovardada contra o mundo, esvoaça pelo imagi- Enquanto território peculiar da mercadoria e de seu feti-
llÍ!'ió e reforça pela representação seu cativeiro. Como disse che, submerso, portanto, às formas sociais "em que o pro-
Milrx: "Não o sabem, mas o fazem". cesso de produção domina o homem" e não o inverso como
pretende, a formação do pós-capitalismo diversifica os fato-
2 - A alienação da consciência no chamado socialismo res de estranhamento da consciência: a) tal como em qual-
real tem origem nó seu dramático desafio genético: a objeti- quer sistema de produção de mercadorias, estas aparecem
vação do caplt!ll básico num universo posto para além do "tom vida própria", (des)regulando a vida e a consciência
quadro sócio-político do capitalismo. dos homens; b) dada a carência fundamental que matriza o
Esta determinação vale apenas como determinação, não quadro, as coisas aparecem reforçadas em seu poder sobre
como culpa, Mas o fenômeno compreende fonte origi- o homem; afirmam-se como o sine qua non da existência
nária, desdobramento e culpa. geral e individual, no que não são mais do que verdade real,
Níio é licito deixar de mencionar, ainda que seja o óbvio nias uma verdade "fisicamente metafisica"; e) mundo do
e só sirva para fazer justiça, que a militância russa consti~ capital básico para além do capitalismo, é suposto como
tuiu, nos anos em torno da revolução, um dos maiores e me- ''processo de produção dominado pelo homem", no que
lhores agrupamentos teórico-revolucionários marxistas de deixa de ser metafisica corporiticada para se tornar pura e
toda a história do movimento operário. Bastariam os nomes simples configuração metafisica: mística especulativa.
de Lênin e Trotsky para sustentar a afrrmação, no entanto, Sob o domínio reforçado de seu produto, uma vez como
muitos outros poderiam ser aditados. Isto, porém, não signi- mercadoria e outra como carência de mercadoria, e ainda
fica, como de fato não signiticou, que semelhante privilégio uma terceira, quando recoberto pelo glacê nústico de um
poderia ter engendrado um outro, qual seja, anular ou inver- poder que não exerce - o suposto poder sobre as coisas -, o
ter a ordem pela qu!ll si: dá a produção da consciência: "A llótri~m colhe e recolhe a evidência de sua subalternidade e
reflexão sobre as formas de vida humana, e, portanto, tam- diiminportância. Sob o império das coisas e das carências
bém sua análise científica, segue sobretudo um caminho recolhe a evidência da desvalia de sua força e de sua von-
oposto ao desenvolvimento real. Começapostfestum, e, por tade.
isso, com os resultados definitivos do processo de desenvol- Nascido para encaminhar e vir a ser a superação do capi-
vimento" (Marx, Ibidem). tal e a corporificação do domínio livre e conscierrte dos pro-
38 39
dutores sobre as coisas, o "socialismo" real acaba por rei- domínio das forças produtivas, que perfila a imagem de um
ter ar o inverso: a dominação das coisas sobre os produtores poderio que ultrapassou os sonhos, faceando o pesadelo da
e com ela a brutalização em geral da consciência dos produ- maior debilidade, do completo despoder do homem no fazer
tore.-. de seu próprio itinerário. .
Nes&e novo esmagwnento da energia social e de sua uní- Por certo, nunca. a histórí~ d~ homem ilustro~ ~dhor e
dà<le individual, a consciência, alienada no sentido de perda de forma mais vanada (capitalismo avançado1soc1alismo
e tfllll#fl!fêrwi11, acaba por ser identificada à entificação reifi- real) a tese marxíana sobre "a figura do processo social da
eada de certos órgãos ou instituições: partido, estado, pla- ,?
vida (ou seja, da produção) dominan~o homem, e runda
neJwnento central. Estes, nesse passo, de órgãos necessàrios não o bomem o processo de produçao .
(permanentes ou transitórios) da racionalidade dos traba- Nestas condições,sonhoepesadelosão dimensões,?ª re~-
lhadores livremente associados, convertem-se em oráculos, lidade, não ilusões próprias ao sono. Mas dim':nsoes fet1;
em encarnação do estatuto da história, diante dos quais o chizadas: a maravilha supraquimérica das coisas nao e
conjunto social e cada um dos indivíduos só podem se pros- mais do que trabalho huma;1~ dominado, e o pesadelo, que
trar, como diante da carne viva da consciência absoluta., na desfigura e aniquila, o domuuo das c01sas sobre _ele. O me·
sondagem e devoção aos mistérios profanos e na oferenda \hor do homem transferido às coisas como p'.edicado, sem
da própria vontade e lucidez. A prática da razão cede lugar predicados o homem posto ao sabor das cotSas.
à pragmática do culto. Sonho e pesadelo, portanto, são armados pela mesma
A inversão contra o produtor e contra o homem, expres- substância, são ínseparáveis. Mas, isolados e ~ntrapostos,
são lógica da regência do capital, se estende e aprofunda no 0 que é um desfazer de nexos, constituem ? ardil contempo-
trânsito da mitificação de um poder ausettte (sobre as coi- râneo que recobre a antiga velatura do fetiche, engordad<:, e
sas) .à mistificação de um poder polftíco presente (sobre os reforçado. O poder das coisas do':'Íl;ª. agora na ,medmçao
hol!llllls). É quando se pode falar em culpa. É quando a do fascínio de atributos extraordmar1os. O pe?adelo fica
idéia S()cialista é pervertida numa nova ideologia do poder, mais espesso pela debilidade comprov~da e ampli~da do ho-
llJ1I lllíil!l!lO tempo em que o drama do "socialismo" de acu- mem que fracassa no domínio das cotsas (soctabsmo real).
m11l,;rllíi li traves!ldo em padrão universal da "nova forma Um mundo da reafirmação diversificada da mercadona
l'tl~l!ll,,,aooult!II' que não passa de real, porém instável e só pode ser o uuiverso da, infirnwçã? muftifacética_ do ho-
l~~do ""11)!'-dl!'.nento de caráter contraditório, que se mem. E o é enquanto dommio das c~i~as, que p'.oduz o pro-
!*O
!!llfill'.ffl& .anticapitalismo, mas que não ultrapassa o dutor como "coisa" das coisas, explicitando a s1 mesmo, na
U.IIÍVtm) do capíltll, totalização, como usina real do des-sentido. _
.A. lllt:iohiz119ão da consciência socialista, pela equipara- Mundo da desprodução social do prod~tor, poe-se .!'º
ç,ão da formação social do capital coletivo/não-social ao so- mesmo tempo como universo da desprodupG? da consci~n-
cialismo, converte a revolução do trabalho num fantasma cia. Esta, se não desfetichiza o mundo da umca persp_ecttva
que ronda sem sedução e sem sentido. O stalinismo em to- possível a do produtor -, pois a outr~ é a pers!'ecuva da
das as suas modalidades, inclusive em sna derivada contra- coisa fetichizada, reproduz o sem-sentido obJetivo, ou se
posição euro-liberâl, como ideologia desta barbárie, põe a fabricar ou segregar sentido subjetivo, q;1e pensa fa-
converte-se, na sua pletora de falsificações, em obstáculo zer aderir ao mundo concreto. Em suma, abstrruda a denun-
fundamental na luta pela emancipação do trabalho. cia consciente, que se resume na apreensão objetiva da pers-
pectiva do produtor, possibilíd~e extre~wnente rec>:1cada
3 - O mwido contemporâneo em sua dupla crise, que ob- sob a dupla regência do capital, a produçao ~a desrazao ob-
jetivamente desfaz e redesfaz os nexos, pois todo seu sen- jetiva corresponde, no plano da r~presentaçao, ou~ confü-
tido é triturar sentidos, leva sempre a representação a to- mação do des-sentido como sentido, ou a produçao arbi-
par de algum modo com o contraste que, de fato, o marca. trária de significação. .
Muito maís agudo do que inédito, confronta duas faces da É no que consiste, sem forçar as c?res, a cnse do pensa-
mesma humanidade: inaudita capacidade na exploração e mento contemporâneo, em suas diversas vertentes, en~
40 41
teórico·ideológíca da dupla barbárie.
fugaz indicação: o leque que vai do império Marx concebe por ciência e filoso_fia e suas re-
dllil diversas modalidades neopositivístas (em sen-
0 ~ue d d há muito está consl:ltmdo em ques-
•tprocas, es e maneira pela qual seJa
e não apenas como mera auto-denominação) ·va e delicada. A ponto d~ rtante indicativo da
oo. fílll!,i, sempre renovável, das facilidades charmosas, ligeiras a possa ser tomada como unpo
C<íil!ó, li febre alta (ou passa depressa, ou mata) de todos os de do marxismo produz,~o. e de longa data. Basta
svbJetlvi,smos e irracionalismos. Sans phrase da manipu- blema embaraçou a mm, os. o Engels não se saiu a
hiçio llO delírio. que, neste assunto, o propn o uma de
Ra,ziio neopositivista da barbárie, a consolidar o tópico e
a, vedar o ôntico, é a luz e a lógica da dupla regência con-
deixando este pon:f
li,u às debilidades. Se vale ~q
.~:;ª 0
~::~::ã°o".~omo refe-
e ;~porta de fato, há
temporânea do capital. Na outra ponta, mas não do outro · · - histonca o qu uu '
rencial e delirmtaçao '. ue hoje, por certo, a pre-
lado, a insurgência contra o eles-sentido - de tipo mera- cem anos da morte de M_arx,l e q . ·ç-ao da filosofia e sua
mente voluntarista, que devora a própria racionalidade e, . na da sunp es reJei 'al
tensa tese marxta . , r científica (crítica, soei ~
numa tradi9ão tão confusa quanto prestigiosa, acaba por substituição por. mera dts,:"P itna ) além de insustentável, é
de$valiar genericamente a ciência em ópio do povo, sinto- • . lítica da açao e c... ' . F
econom1ca, po , ... d consciência marxista. or-
maticamente esquecida de uma censura de Marx a Wei- 0
indicativo segu: de deple:.° :al decorrem conseqüências
tling: "A ignorância nunca ajudou a ninguém". mulação, convem gnfar, , . q prático que pretenda ter
Todavia, a depleção da consciência não é só privilégio de fatais para todo corpo teo~;~ :iarxian~.
todas as pontas de apenas um dos lados.
por base o produto mtleclh ontra e a disputa dentro do
O território dos que reclamam para si o patrimônio de Políticas, na raiz, a ·/ta ~ \udo como pugnas episte-
Marx também foi atingido - e brutalmente - pelos efeitos marxismo têm aparec, ,o, _so erseguardada e ressaltada a im-
,. Oqueporstso,r ,
da dupla regência do capital. mo1ogicas. , d I camento e um equivoco,
E a questão não fica circunscrita à desfiguração e ao portância desta esfera, e. u11;- es o saber marxiano: hís-
aviltamento Jnfríngidos ao saber marxiano pela contrafação em face da arquitetura mtrmseca : \ articula como uma
staliniana. l>sta é a peça mais central e degenerada da gale- tórica e logic~mente, eSte : : : i a é que ganham perfil e
ria de probll!ln!IS, nunca demasiadamente repudiada; mas, ontologia. E so ne~ta e ~
resolução as questoes epts ;~
f ológicas gnosiológicas, meto-
' ai
nem por .Íllllo, o "campo" do pensamento marxista, que re- . .fi praticas em ger .
cusa teoolnantemente aquela aberração, está isento de gra- dológicas, c1en:1 icas e .. ue imputa a Marx o enterro
ves dlliculdades. Portanto, a mterpretaçao l~o róprio Marx. Basta dizer
No próprio esforço de "limpar o terreno", no próprio em- da filosofia, _celebra o i,un:r~nde houver ontologia, de q~al-
penho de resgatar a herança marxiana, na própria necessi- que ontologia ,e filoso m, de filosofia. o que não quer dizer
dade de ir à frente com a plataforma de Marx, seja como te- quer ordem, ha algllll; tipo. as nem que as formas da
matização de novas realidades, seja no enfrentamento dos q ue todas as ontologias seJdam bo a' clivagem fundamental,
, alham A emais, .
espaÇos lacunares da elaboração clássica, seja ainda no re- filosofia se eq~v .'. . eside precisamente na adrms-
lacionamento critico e polêmico, quando não simbiótico ou quanto ao carater da ;;ienci~ r chão ontológico e de suas re-
0
caudatário, com outras vertentes de pensamento, emerge a são_ou não P r Part~/e;;!:~ n~positivista à ontologia é por
sintomatologia da depleção. laçoes com e1e. O i
Trata-se de uma infinidade de questões. Impossível, aqui, demais esclarecedor. f ado a eliminação da filo-
até mesmo esboçar o simples rol que !IS enumere. Longe de ter proposto o~ pra 1Clineamentos de todo um
Como mera e simples ilustração vai o registro de duas sofia, Marx, de fato, traceJo? _os Independe do quantum'
delas, ou melhor, de dois ramos desta problemática. Não os corpus filosófic? revolu~10n::~;to seja a pedra angular de
escolho por exclusivo interesse ou preferência pessoais, mas realizado desta msta~raça~ deiramente inapreensivel sem a
toda sua obra. Esta e ver a .
porque, na sua importância e abrangência, sintetizam preo- , . b tida em sua rruz.
cupações e contraposições freqüentes. viragem ontologica em ~ , . o que não significa, de ma-
Radicalmente revolucronana,
42
43
tópica ou para alguma assepsia formal. Volta ao mundo
!.· {ll·····.l!.!!.n·llilÍ!l. li, !m.111 criaçii.() ex-níhi/o,
...• !ll·,.··
.•. compreend . l tomá-lo no complexo de complexos de sua tot"!jdade,
mfll U!llll llllYll conee ão d . , . • e me u. u,,br11ca-se sobre ele para capturá-lo pela raiz, colhê-lo pela
fí.o.•. r.m.·.·.ll.·.··t.1o
..·.... s
. li.ver
".. ·•· . d pç •. pro~na
e e sua realizaçao, filosoha, ou seja.· da "ana,ro111Íada sociedade civil", pela matriz da sociabilidade
.l"11r11 os efeitos restritos da p . . ••>. '- -' - dimensão social fundante, não por um fator social
íll!~n!11me aduzir, uma a~ ,equ~na i1ummura que faço, é
~ oc.
qualquer, escolhido a talante e conveniência do intérprete).
. 1.~rcrl~~7 da ;rítíea ~~r:;;:!~:·fi:~:~t:
'. ••• . ·~.Píl
u.. ouelto a,onsmo A d F b h ,
:;;~i1::: Ou seja, operação ontológica que rastreia e determina o
processo de entificação do mundo e da lógica de sua trans-
u. íneomp!etudes do s • . euer ª,e , Marx denuncia
mação, Donde é implicada a prática transformadora.
r~tés illtétpretações ~ber htsofiro ~te aquela hora: dife-
Em suma, do afastamento cabal em relação ao pensa-
P?cam sua trânsforma •ã::mn_ o que nao pensam e não im-
ul.'·. • til .. fi ç , Nao thspensa, nem muito menos mento especulativo e do propósito transformador cons-
t oso m, mas demand
" · .p ·
..

"'' Q fi ciente, tornado possível pela presença mediadora da inter-


m11da que interprete o mundo até a fiuma dosofia transfor-
dade sltj · d' • 0 1m e, por esta radicali- pretação que vaí até o fim (procedimento próprio ao caráter
lnt,rprÍ!t:ção ~:ei~~~~ ~~;:ient\de, s~a.tra.nsjormação. A
4
do saber ontológico,que nenhuma 'ciência autonôma" ofere~
ce, e quando oferece é porque já não participa como em
.... t.o. ""la •e· ,
m1111 a su stituiçao linear do pensa- 1

.,. ~,ao e puro barbarismo t ' · Marx do caráter convencional das chamadas ciências autô-
a .1111t1'lura intelectual de Ma e~nco, que desmerece
nomas) é feita boa parte da instauração filosófica de Marx.
prátlca consciente, rx e sua e evada concepção de
Portando, à filosofia especulativa é contraposta uma
A exigência de pensar O d , filosofia da transformação. Ao pseudo-saber especulativo,
illtlsfelta, de !l\âneira mun ° ate O fim não pode ser
em
!',i:.. me. sm·o· =l nenh~ma, pela filosofia especulativa
,,. a especulaçao heg li ·
o saber ontologicamente fundado do mundo real. Esta é, de
fato, a contraposição que habita o itinerário da reflexão
ter sempre distinguido e reco h ~dana, em que pese Marx
marxiana, não a pobre balela da oposição excludente entre
que, a seus olhos, o demarca nÉ "':i .º em Hegel um padrão ciência e filosofia, que reproduz sempre mesquinharias de
;,:t;:c;,:;:;;1:1~
1 , ••·'
Cdeaspstatanl~ttur~A~~; ;:;:~ar;,,:;z~:~ie
cnticamar · ec. d H
natureza positivista, contra as quais Marx sempre voltava
sua mordacidade,
sed, como hrmples verificar, nunca é rombuda x~~a eh e- Ao inverso do pauperismo intelectual que cava abismos
e <!$preza a genéralizaçãO . · scon ece
entre ciência e filosofia, presencia-se na elaboração mar-
de SllUs lntórpret grosseira, ao contrário de alguns
de Qm ~rande au~dr ~~~~·~:g~I ~:rubar ~s contribuições xíana a reemergência da forma rica do saber: unitário, sinté-
tico e direcionado à totalização. Constata-se, em verdade, o
ch1v1 de picadeiro, m um simples golpe de
reencontro do espírito originário do tam:> filosofia, na medida
Parll Marx contudo a · i1 - em que sofia é conhecimento teórico e prático e amor se
etdatlvo /1 um empreenctÍlT!':"qu. açao do pensamento espe-
mento é uma das ct· • nto imprescmd,vel. Seu esmaga- desvela como carência, necessidade vital de algo não pos-
saber, con içoes para a instauração de um novo suído. Filosofia, pois, como carência de saber do mundo e
mundo carente de transformação.
Dar as costas aos automovímento da - Filosofia marxiana que se põe como representação e
.,para ose aautomovimentos
-an?, l
do mundo sr I razao e ~oltar-se
ar o pensamento ue só fal
ea ' eis o
, .,..
ma
r-
oiro práríca, não em paralelas, mas em momentos distintos de
deseJa ardentemente falar dq " a,?• si, mesmo quando uma processualidade integradora, Uma filosofia que se
"pedras" falem pela b dasfiilpedras ·, para deixar que as constitui como representação radical conhecer o mundo
, , oca a osofia, Esganar ui até o fim, até à raiz - ontologia; e que se realiza no mu!ldO
çao filosofica que fala pelo mund a espec a-
falar de si pela voz assÍlT! t º.j para que o mundo possa também por uma prática de raiz, por uma ação transforma-
Descentrado de si: m orna a concreta, da filosofia, dora que vai até o fim - revolução.
esmo e recentrado s b A liquidação "epistemológica" da füosofia em Marx é,
pensamento, rompido h ,. o re o mundo, o
pode abraçar a substân~ia e:~fit1smo ,da especulação, portanto, liquidação do padrão ontológico do saber e dopa-
dente do mundo ao d orm': e ,ortalece, Proce- drão revolucionário da prática.
' mun o retoma. Nao para uma tarefa
44 45
O qoe tnstrui a tentativa de eliminação da filoso-
et.119110 da natureza da teoria de Marx e sua ainda era vivo e já advertia inultímente contra o perigo de
ciência ou teoria social qualqu;r não esquecer a herança dialética de Hegel, num momento em
•· , ·.. · ·. . . . e originária exigência epistemológica, que o kantismo e o positivismo já tentavam expulsar a dialé-
~·;'lí IIIVl!l'SQ, um passo rude da depleção da consciência tica da consciência dos socialistas da época". Não deixando
111~,t!lt que de~lígura a própria ciência marxiana e torna de atWescentar que "o marxismo esclerosado e deformado
!~rll!lte,~llll eptstem~logia. Provém ~m geral, no campo do período de Stalin transformou igualmente a imagem de
l)ll!,!'li;lsta , do ref~~m1sm~ bizonho enquanto adoção de Hegel numa caricatura". E num misto de lamento e espe-
~hilftllarnento po!it1co .. E mduz a duas falsificações: a da rança, traduz uma expectativa muito cara para ele: "Só nos
Jll'iÍprtlt Q(!tlcep9ão marxrnna de prática politica e da sua já últimos anos é que parece ter chegado o momento para re-
l!pOntll.l!it eq,u~ção epistêmíca. Redunda no desfibramento tomar de novo as grandes tradições filosóficas de Marx"
dJ,[i,~~tlca po/rrlca de raiz, que é rebaixada ao nível de reles (Para uma Ontologia do Ser Social, Vol l, III, 2).
~~~cismo burocrático/fotichizado. O que desloca a proble- Estas considerações de Lukács são de fms da década de
~tíc~ d~ trahafüo (do pr?dutor) do centro do pensamento sessenta. Depois, portanto, da arremetida dellavolpiana e
!!.~li P.ràtlca, fazendo deslisar a categoria social dos rraba- em plena avalanche althusseriana. Sem dúvida, a lucidez do
lli11dor~fi para longe de s:u horizonte possível: a árdua, velho pensador húngaro, já no fim da existência, continuava
lon111. e •complexa efetivaçao concreta da razão emancipa- a ser feita também de uma boa pitada de otimismo mar-
tr.abalho. Empurr_ado para a periferia da prática xiano.
adutor e despoJado de sua dinâmica, e a Otimismo que expressa, antes de tudo, a força de deter-
. adora de seu agente essencial de objetiva- minações solidamente constituídas, base que ampara a ante-
i,~ A.. f\!tl#_ança d~ mundo passa a ser vista como a resul- visão de rumos necessários. Mas que, nem por isso, pode re-
tan~ de açoos quaisquer de atores indeterminados, por moti- frear toda "torcida'~ que, naturalmente, se inclina para "en-
vos que,se ;Ornam_relativos e equivalentes. Tudo fica entre- curtar" os prazos da expiação.
gue, pots,. irrecornvelm~nte, ao taticismo, à improvisação Isto só reforça a idéia de que não é surrreendente, im-
tio ~ ll?Sto do oportunismo. No mais é o triste reconforto portando muito atentar, que as teses, que recusam a existên-
onlll!tst11:? das deblaterações politicistas. cia de laços férteis entre Marx e Hegel, se desenvolvam espe-
él!Jliln!çã:',
A pois, da ftlosofia da arquitetura teórica cialmente em períodos em que a aparência do mundo infunde a
mtr~ll!ll,11, llll<l e um ~t~ mocente, muito menos uma exígên- impressão de uma larga inamobílidade.
<:111 ~tíllca,J'!, no mtnm10, um grave equivoco teórico deri- A Europa dos fms do século passado e princípios deste,
vado de uma falâcia política. ' quando os baluartes da II Internacional se convenceram
li -e O segundo ramo problemático, com que pretendo que o capitalismo havia engendrado uma forma racional e
ll~strar a, slnto1;1atologia da depleção da consciência mar- estável. Diante desta so/ídez do regime, só no reformismo o
10sta: esta e_m ~nbma conexão com o primeiro. À seme- movimento operário encontraria alternativa eficaz para o
1/t~ça do pnme1ro conta com manifestações antigas, que os desenvolvimento de suas lutas.
ultimos quarenta anos presentificaram com força muitas ve- Foi o tempo e o espaço da tentativa de conferir à obra
zes redobrada. "econõmica" e "politica" de Marx uma filosofia. A gnoseo-
Al~do, sempre em pinceladas mais do que sumárias, à logia e a metodologia buscadas, sintomaticamente, fletiram
':luestáo dos laços entre Marx e Hegel. Mais precisamente, em direção às vertentes kantianas e positivistas. Hegel foi
as t~ntati v~s,. no rebaixamento da consciência marxista e no desconsiderado e a dimensão fdosófica própria ao pensa-
declimo teonco correspondente - de desfazê-los e tomá- mento de Marx desconhecida.
los nulos. Na Itália do após-guerra, depois de um átimo em arrojas,
A!"rrma Lukács que "aquilo que em Hegel indica o futuro ficou patente a continuidade do capitalismo, e a perder de
constste na _influência que ele exerceu sobre o nascimento e vista. Ao que não é estranho o peso da formação do capita-
a construçao do marxismo", relembrando que "Engels lismo retardatário italiano, que por si só havia conferido
46 grande lentidão à processualidade histórica do país.
47
N fllCi dl!...,, Qltde os hegelianos consagr actos eram W01tt.ll ruptura com Hegel parece ter _campo fértil
~ • O-cil, - o primeiro com todos seus vínculos na onde a realidade aparenta nao obedecer,
. . ., . , • 11111bisua intelectualidade rural, peninsular, e, essào de impassibilidade, de indiferença em
• ...... /11111 niio escapou da tentação de ser ideólogo s humanos e políticos. Onde, envoltos
.-0,líiifllea ~, o Impressionismo teórico e político de Della de chumbo, os contornos estabelecidos suge-
V-. lii"•,ode1 (füw de 44) num partido que reemergia valência irredutíveL E isto por efeito de algum
da 11111, «lttaluta clandestinidade, e que fora martirizado que degola as contradições, tornando-as simples-
por D 11101, nio teria como avançar para além das fron- Yíii~tt(redundantes, incapazes de um movimento de totah-
lllt• clt um dl'1010 com o empirismo e o racionalismo, ·tl\ÇÍÍO, de modo que qualquer alteração é extremamente pe-
Aliá,• -que vinha de estudos hegelianos tradicionais, em l!OSIL e uma transformação algo impossíveL ,
•09 1111 ltill. da década de vinte - no estudo sobre Hume,
a qa.ii ob11111011 de "gênio do empirismo", sua obra hísto-
/,r:,;:d~~;·~,a, sar
,J
epistemicamente a crosta impermeavel dessa
aparece, então, como empreitada igualme~te im-
1'1~ maia importante, isto já em meados dos anos exigêncía sem sentido, absurda, ~erd_ade1~a de-
U'lllt1, lr11dlllh1, de algum modo, sua concepção da dialé- equivocada, Nessa dupla fetich1zaçao -
llOlio IO falar no esforço de "colher o espírito do empirismo eabilidade da crosta e aparência absurda da de-
• 11111-l)Nlt vida dialética", e ao indicar que "no eterno e cognitiva de raiz, a mirada que se enfatiza e adestra
lllqlll•o dl'1010 do empirista e do racionalista consiste, no .c;:,rom,,rooihar de superfície sobre a superfície de um mundo
fatlto. 9 flloeoflr e a sua história" (Opere 2, II). A partir daí se esconde. (Para evitar mal-entendidos: ai não vai con-
lH~imM1t0 de qu&lquer conexão com Hegel torna-se qualquer linearidade, pois º, ades_tra":e/llo do olhar _de
P...._l!f ilnpouível. E independe do fato de que esse superfície pode nascer de ~ma s1tuaçao .diametralmente m-
~IIXO •tJ• antes de tudo um passo num itinerário versa, um mundo que sugira sua mtehg1b1hdade como em-
aoclmtco. Sobrt o qual, todavia, veio a incidir a força de simples, direta e imediata),
uma llP9ÍÍO política, num contexto nacional onde o hegelia- Mas. sobre um mundo que só pode ser espreiiado, além
nílllt1(1(1ta o espaço da reflexão convencional e conservadora, geitos que o reiteram, que outra ~çào será pens~:'e!•,/
O t1orredor de passagem a Marx estava assim desfigurado, ser a mera enformaçâo de um sunples ato volitivo.
l:1Ale IIPl!l'tllllrl!, entilo, qual pedestre inexperto em traje bi- Ao afrouxamento cognitivo corresponde um entesa-
zarro de ex!)<lrlmentador, a cruzar, sem fim, entre a calçada
d11 •d• q a calçada das abstrações,
80011 o euo altllusseriano, muito recente, a respeito do
mento das ''vontades"'.
O que está em jogo, novamente, ~l _como no P.nme1ro
ramo problemátíco, é o caráter ontolog1co da teona mar-
. .

qual tanto foi dito, não vale a pena insistir, Basta o toque xiana e a natureza da ação política. O rompimento com He-
qul'I rilíiorde a França "afluente", no mundo capitalista gel é de novo o rompimento com a filosofia, com o pens~-
"aflu11nt11" da década de sessenta; e a áspera rigidez do mento de rigor que não seja meramente formai e com a pr~-
PCF, Pllfi o qual o próprio projeto de mudança de Altllus- tíca consciente, centrada em determinações e agentes preci-
,w acabou por mostrar-se demasiado forte. sos e peculiares. . .
Maa, decerto, para esta correme o melhor exemplo, no Especificamente, neste caso, o que subJaz, a pr~t~nsa
sentido de ligar quadros de inamobilídade ao tipo de postu- exegese "epistemológica", é o rompíment_:) c~m a dtaletica e
lação anti-hegeliana de que se trata, é o da América Latina a sua eliminação do âmago da elaboraçao intelectual mar-
dos anos sessenta com sua avalanche de ditaduras militares xiana. Numa palavra, é o divórcio em relação ao método de
"?irenes" e a receptividade continental para com a vertente Marx) a renúncia à lógica da concreção por ele concebida e
althusseriana, Em nenhum outro espaço geográfico a con- praticada,
quista foi tão ampla, diversificada e desbordante. Designadamente, ao longo de toda a sua obra, desde os
Por fim, nesta simples enumeração, o caso soviético pos- textos mais remotos, da Crítica de Kreuznach (Crlllca da
terior a Lênin, A conhecida execração de Hege~ aí, dis- Filosofia do Direito de Hegel/1843) até ás poucas páginas
pensa qualquer comentário. das Glosas Marginais ao Tratado de Economia Polwca de
48 49
1/,1(11/pl, Wugner (!88()), e muito especialmente durante 0 faz desaparecer, aos olhos da teoria burguesa, o
,f!ltV~Jll<l!l!e período dos Orundrisse ( 185 7/8), Marx jamais
~~lldt:mgu as preocupações metodológicas. Durante qua- vel é que, mesmo para alguns no interior do
l~ d~!ldas, constata-se o que poderia ser chamado de sua a "mágica" passou a ser também desejável,
"' p~rieglliçllo e prática - de um procedimento intelec- icada. E praticada não apenas enquanto
!IIUI que se resolve na captura concreta dos objetos con- também política. Não se encontrará, nas
~t\ltoa.
reformismo e do oportunismo, qualquer
,;!'rojetou, mas lamentavelmente não chegou a executar,
especificação ou concreção. Tudo se passa nas
llnt'pequeno trabalho em que exporia o "núcleo racional"
generalidades e na poeir~ empírica. . .
(Marx) da lógica hegeliana. De nada adianta especular so-
marxistas já disseram muitas tolices sobre uma mfiru-
bre o que poderia vir a ser um texto dessa ordem, mas uma
coisas, mas uma de suas tolices maiores é não ter
c<>lsa /:, certa: resultaria de seu longo diálogo crítico com a a (com a honrosa exceção de Lukács e quase
Ló1ica de Hegel, que releu, como testemunha em carta a ) sobre a lógica da concreção ou da partícula-
En$els, enquanto compunha os materiais e as reflexões dos precisamente a "viagem de retorno" de que
Orundrísse. Em suma, na constituição de sua própria con- na Introdução de 57, e que ele determina como
cepção metodológica, o agudo, mas fino e respeitoso mente o método cientificamente exato". Nem
en:trevero com Hegel é um dos canais fundamentais dessa nem menos.
ijtmstrução. A rigor, e até menos do que isso, as confluên-
e sejam, quanto às categorias em tela e às suas rela-
CÍll8 e os contrastes entre a dialética de Hegel e a de Marx
profunda e essencialmente distintas as concepções de
aind1i-estiio para ser determinados de forma global e siste-
llllÍliea, B aqui não se trata disso. arx e Hegel, é o evidente. Isso, todavia, não impede que a
hegeliana contenha, também ela, um "núcleo racio-
'todavia, o que pode ser dito de passagem é que ontolo-
''·· ',,,,.,~ , como Marx apontava. Trata-se, sim, de levar à frente
Ji11 e dialética é o que une e separa, ao mesmo tempo, Marx
udos necessários, até o estabelecimento de modo com-
e Hegel, mesmo porque em ambos, por mais radicais e vio- e sistemático da lógica da concreção na sua autêntica
lentas que sejam as diferenças entre eles - e o são -,
0111<,{Qgia e dialêttca são inseparáveis. a marxíana.
O mais são palavras vazias. Banalidades epistemo/ogistas
É o que determina o estatuto da dialética de Marx en- e politícistas, com as quais seria desejável não precisar mais
quanto ml:tocto, Isto é, que seja itinerário - lógica da con- j,erder tempo. •
Cl'ltfdo, não um organum, pois, de sua ótica, dialética não se Mas não vivemos casualmente em tempos de depleçao, nem
aplica, mas se descobre. Razão pela qual as articulações en- a perda de tempo será o ônus maior a pagar por sua eventual
tre lll! _categorias (ao mesmo tempo do real e da representa-
superação.
ção) da universalidade, particularidade e singularidade
emergem como decisivas.
É através precisamente da lógica da particularidade que
Conclusão
o processo de concreção pode ter lugar. Sem esta, o pensa-
A melhor forma de concluir um ensaio talvez seja esbo-
mento contrapõe abstratamente a empiria à generalidade, a
individualidade isolada (abstrata) à humanidade como con- çar a pista por onde ele possa ser resolvido. . . ,
Resolução, neste caso, é um pesado desafio teonco e pra-
junto abstrato, o que torna impossível a demarcação especi-
tico. A pista, por sua vez, é a grave e necessária lembrança
ficadora do objeto real, colhido em sua totalidade. Ou
seja, para exemplificar, sem a lógica da concreção ou da
~e que é preciso fazer - não "alguma coisa"J mas - a coisa
particularidade, cancela-se, à semelhança do que faz todo iferta. Re-começar. .
pensamento burguês, como Lukács muito bem apontou, o itinerário dos últimos cem anos nos levou, da nascente
precisamente o ente por cuja mediação é capturada a indivi- fazão do mundo - A Comuna de Paris, ao mundo sem ra-
dualidade e a humanidade concretas - a classe. É o truque zão do estupro da - Comuna de Gdansk. Decerto, uma
bruma cobre este fim de século. E o fim dos anos novecen-
51
de forma amarga a mesma pergunta que empol-
prlmeíros dias: Que Fazer? Anexo
que foi dito há mais para .o verdadeiro do que para Nos Dois Sub-Sistemas do Ca ital*
re&posta, como toda boa resposta, não é invenção,
}:::J;':

da.lógica do analisado, na exata medida em que "os
SQ se póem questões que são capazes de resolver".
mito e sem mística, o re-começo é antes de tudo
um re,encontro de classe, uma re-wmada da razão do 1ra-
l1alno como potência central de uma dada ação política, que
fiz politica para além da mera razão política.
Ação po/Í/ica, nem politicismo, nem economicismo, ou
.sejtt.-; movimento socíal que visa a matriz e por seu meio o
complexo da sociabilidade que ela engendra e mantém.
tlsse recentrar sobre o produtor direto subentende sua in-
,;lependên;:ía, não apenas sindical e politica, mas em especial
teórica e ideológica, hoje decisivamente importantes. A de- 1- A Crise Estrutural do Capitalismo
manda por um partido da razão do trabalho se põe e só se
equaciona pelos mesmos termos. , a sociedade do capital aparece co~o um mun_do re-
Celtlr(lltdade do trabalho e sua independência que não te, pletora luminosa de mercadonas, cuJo umverso
compr~ende isolamento de classe, mas constituição do nú- u a cintilação perene das estrelas; mesmo porque, h-
cleo s_ocial decisivo de aglutinação e direcionamento. contradições, exorcizou o fantasma que rondava o
2 - O re-começo é necessária e simultaneamente o re- , "'"hPr. desde meados do século passado. .
encomro. com Marx. é, quando menos, sua auto-imagem eº. perfilfono-
Re•encomro pela obra em seu próprio prisma, e pelo ico de alguns poucos de seu~ recantos m_ms pnvlleg~a·
exame das nossas barbáries. Sem disjunções mutiladoras , bem como a súmula patrocmada pela ctmca reflexao
entre aquela e estas, e sem acoplagens abreviadoras que inante, que faz a rima perversa de um mundo cuJo bn·
d<:,caraeterizem a ambas. maior e ofuscante está na capacidade de produztr e d1s-
.Re-encotttro com o Marx desconhecido da ontologia e da sêminar a imagem invertida de sua perversidade. .
emanclpação. Da cognição radical que vai até o fim, e da A dissociação entre realidade e pensamento, nesse umve_r·
ação conscie111e que vai até à raiz pela revolução. $Ô, atinge no~ dias em curso extre1:10s. sem precedentes, cuJa
Um Marx â altura de seu legado, que um século depois medida só pode ser sondada na propna rad1cahdade da_ con-
de $CU desaparecímento é imperativo resgatar. traposição entre a crise estrutural d_o capital e a asserçao de
Lega<;lo que Elleinstein foi feliz em sintetizar, no seu süa eternidade pela representação ideal. . .
A,farx~!NJ vie, son oeuvre: "Marx teve um destino póstumo Não se trata do contraste antigo, de há muito conh~ctdo.
espantoso, que nenhum teórico antes dele conheceu. Exísti- Por duas razões dá-se uma dimensão de efetiva novidade:
rrun 'profetas', Moisés, Maomé, o Cristo, que centenas de ~ru primeiro lugar, porque a crise, na abissalidade do con-
milhões de homens acreditam ser o filho de Deus, mas o creto, nunca foi antes tão visceral quant? a_brangente, P?is
caso de Marx é excepcional, porque ele jamais pretendeu e gerada não apenas pelos t'.aços mais debeis e problemat_t·
ser nem uma coisa nem outra. Simplesme'nte um homem na é(ls do capital mas, ao contrano, pelas ~?as quahdades mais
história dos homens. Nem Platão, nem Aristóteles, nem J;19sitivas; em segundo lugar, porqueª. etermdade do capi
Voltaire, nem Kant, nem Maquiavel, nem Espinosa conhe- /~l", até há poucas décadas, nun_ca deixou de ser percebida
'li!/lno auto-ilusão ou wtshful thmkmg, um faz-de-conta de
ceram uma tal celebridade, ou deram nascimento a uma
Joutrina cujo papel histórico foi e é de tamanha amplitude". , , ' 'Texto correspondente aos itens 1 e 2 da Parte l. de A Sucessã? na
Crise e a Crlse na Esquerda_, originariamente publicado na Ensaio
Outubro/1983 17/18, Dezembro 1989.
52
53
(l/'1Jpríe1áf'i0t. upologctas ou pobres de espírito de toda or- 01.1 inúteis do ponto de vista do capital (lucrativida-
d•lll, 110 it1vern<> d<> que ag<>ra se passa, quand<> muit<>s pas- itividade, produtividade etc), mesmo que fosse_m,
nr11m u acreditar e proclamar <>u, no mínimo, se confor- rma de articulação da prod1;1ção g],?bal, peneita-
mar, até mesmo contra seus hábitos mentais mais caros, do ponto de vista social; seJa, ~ntã~, r,e1a mten-
oolll essa metafísica de quinta classe. írrefreável dessa mesma "racmnahzaç~o cap1tahs-
I'!: inerente ao sistema do capital a subversão pela qual a dução, que deglute sempre mais e mais _capt!al, re-
produção material dos homens se afasta irreversivelmente ido em meios de produção degenerados, isto e, coa-
dos objetivos dos homens. s às necessidades humanas existentes e emergentes,
Para indicar a lógica propulsora desse distanciamento - mente pospostos aos ditames da expansão do cap1-
a um tempo gerador e destruidor de substância e civilização ral l' ocesso no qual é multiplicado ao mfm1to, e~ grande-
humanas -, além de progressivo e universalizante para a ;.~ v:riedades O desperdício e a dissipação própnas da eco-
globalidade dos atos de efetivação, basta recordar com I. . ia privada'. esse novo estágio não se orgamza -apenas
Mészáros que "o capital não trata valor-de-uso (que corres- és do esbanjamento nas formas de apresentaçao, pro-
ponde diretamente à necessidade) e valor-de-troca mera- sub-utilização e obsolescência programada dos
mente como dimensões separadas, mas de uma maneira que _ mas pela promoção cap1ta/Jsta da sub-
subordina radicalmente o primeiro ao último" (Produção consu mo ,
e obsolescência dos pr6pnos · a aratos
P
Destrutiva e Estado Capitalista, Cadernos Ensaio V, p. 22).
Disto redunda que a regência e a tipificação dos movimen- O que equivale a dizer, de modo 1:mito simpl~, que, no
tos do capital são exercidas pelas suas necessidades intrínse- de sua rota sempre amphada de cresc1me!1to, a
Cll/J de capital, isto é, por sua reprodução ampliada, e não do capital desenvolvido obriga à destr_mção ate mes-
pelas necessidades reais dos homens reais, no andamento de seus resultados mais notáveis. Com isto se põe _ei:n
próprio e perene de satisfazer necessidades antigas e de criar sua dimensão autofâgica, expressão de s_uperf1c1e
ne~ssidades novas. sua essência antropof~gica, muit~ bem con_hec1da ~b ~
No contraponto entre necessidade humana e necessidade de mais-vaha. Com efeito, a novidade nao es
do capital, no qual a primeira é subsumida à segunda, é que de que O capital literalmente se ahmenta de
se desenrola a sociabilidade do mercado, locus ideal da "li- na mas que radicaliwu essa devoração pela devora-
berdade de iniciativa", ou seja, do capital entregue à liberti- ção de mesmo. Essa verdade não muda en: nada, quando
nagem na malha cega de sua causalidade. se reconhece que ele agora trucida pela mediação de recur-
Legalidade esta que conduz (é o que importa ressaltar sos esplêndidos, que constituem, dev_idamente_ r~sgatado_s
aqui) - de figura em figura das metamorfoses do capital e da mistificação e da ferocidade cap1tahstas, autentico ~atr~-
de estâgio em estâgio de seu desenvolvimento global - à mônio humano, mesmo porque, como na alusão ~e1ta a
sua forma atual de existência, para cuja manutenção leva .
mais~va 1·m em geral . também
. a mais-valia relativa e uma
ao extremo não apenas a negação das necessidades huma- questão muito bem conhecida. .
nas, mas promove a nulificação direta de "vastas quantida- Neste ponto, em suma, 0 que se está ressaltando, a pa:tir
des de riqueza acumulada e de recursos elaborados - como desse complexo real de múltiplas contrad1tonedades, .e a
meio dominante de ordenação do capital superproduzido". contradição do capital avançado ~n_s1go mesmo. O_:i seia, a
Em outras palavras, a produção capitalista tornou-se a pro- cerimônia fúnebre de seu círculo v1c1oso _de expan~ao, º':'de
dução da. destruição, isto "porque consumo e destruição são determinados passos vitais de monop6!10s o_u ohgopóhos,
equivalentes funcionais do ponto de vista perverso do pro- econômica e extra-economicamente pn~!leg1ados, por_ fu-
cessa de 'realiz.ação' capitalista" (Idem, p. 60). são absorção ou aniquilamento de umdades pr,?ctuttvas
Em outros termos, e para centrar na decantada econo- "m;nores", passos alavancados por um dado padrao ~e ca-
mia de escala, - no curso atual da superprodução do capi- pacitação técnica, redundam logo adiante em novo dese~
tal, este devora parcelas crescentes de si mesmo; seja pela li- quilíbrio" entre a renovada pr~ut!Vldade ,?perante e
quidação dos pequenos e médios capitais, tidos como inefi- potencialidade de uma nova "rac1onahzação tecnológ1ca,

54 55
Qi4!1,f'ij!lhn: o processo da deglutição progressiva de aparatos a malha de contradii;õlls _responsáv:1- pela
llt<:íílUtlvos, reduzidos à condição de excedente obsoleto e · ão do quadro crítico. E o que ': nga ~
rebíllde li "verdadeira racionalidade" da produção de merca- tação objetiva, portanto nao pre
®rilll!, e contemporânea do capital, a cnse
A puerilidade teórica ou a indução política tem simplifí- nexo essencial constitutivo de ~ua es-
C/ldof!llltícamente essa questão, com a tese de que o capital, É como dizer que a luz e a glona da
de cada crise, qual fêníx robótica, só renasce fortalecido. são feitas de crise, geradas por .sub~-
Iqentifica empiristicamente, sem mais, força com expansão ritica ou gestadas atra~és de late~tet i~r1\~~~~
e Integridade orgânica, e eficiência com lucratividade, eli- o que põe em evidencia sua_ ms a
din.do com isso que o novo patamar de proficiência não é cat,_ , ci·a temporal como essência, contrapos-
n igen · ão com que
mais do que a aguda manifestação da imperial e unilateral ênica de sua perenidade ou peremzal.ç d' ato e da
legalidade do lucro com a qual guarda, em todas suas impli- . rela do mundo factua ,me i .
cai;õlls, irremissível vínculo orgânico; dá de ombros para a ' hoJ~ ~~::za e banaliza. Para efe~o prospecti·
fragili~ção estrutural do capital universal promovida pelo que . nem outra autoriza supos1çoes precip~ta·
gigantismo (a autofagia), como também faz por ignorar com uma coisa d , .ma esquina, o capital ex1b1·
m que, na curva a pro.xi acto de um encontrão do
cinismo positivista que todo esse processo de "superação
próprias vísceras, sob ? imiesmo· nem muito menos,
das crises" é feito à custa da queima de quantidades imensas
ntre d~ chumbo consig;:,,m O tei°ripo Jue fosse neces·
de capital, isto é, à custa do malbaratamento, pela enésima com mais algum tempo, cedimentos econõm1-
vez, de trabalho humano-societário. l bo do ainda mais seus pro
Numa palavra, o discurso apologético do capital torna in- . ; , , e a r':r . fina e eficiente a intervenção estata1,
tercambiáveis determinai;õlls completamente diversas: a in- C9• e tornan o mai~ rodução material do mundo, o
na. esfera da produçao e rep as contradições, alcançaria
dicação abstrata e verdadeira de que - as crises, em geral, capital, por fim, depurado de suo redimido de seu próprio
são fontes virtuais do novo-, e a situação, completamente a perfectibilidade, quando. entã.' democraticamente a to-
diversa em gênero, número e grau, - de crise estrutural do mau caráter, pr~porc10nana: s.:_e nirvana, enfim, conquis-
capital - que hoje perfaz a globalidade da existência deste dos a participaçao no merca o
e de sua forma de sociabilidade.
tado para todo º. sempre. ara a conclusão: a normali·
Crise estrutural, isto é, orgânica e permanente, para a
Convém msis:1r, mediando i'dianeidade critica, uma vez
qual llão há possibilidade de superação no interior da lógica
do capital, de modo que ambas, crise e sistema, estão fundi-
que "o cap1tahsmo con e
t
dade do capital e hoJe s:~c;iâ~eo atingiu O estágio em que
-o enuína e auto-reprodu-
das de modo definitivo, condenando a sobrevivência do ca- a dísfunça-o radical entre pmduça g ·b'l'dade mas
pital ao metabolismo critico que na atualidade o caracteri- - . . ma remota possi i , ,
za. Assim,, viver e sobreviver para o capital tornou-se existir ção do capital nao e mais umais devastadoras implicações
na e através da cnse. De cada crise do capital não tem bro- uma realidade cruel ~m as barreiras à produção capitahsta
para o futuro. Prns, hoJ~, as ca ital na forma que assegura
tado o novo, mas a reiteração de si próprio em figura agi-
são suplantadas pelo yropno tPmanho sempre maior e em
gantada, de igual ou maior problematicidade. Em palavras
diversas: a reprodução ampliada do capital, contempora- sua própria reproduçao - e_m v~tavelmente como auto-re-
constante crescimento - me. - antagônica à produção
neamente, reproduz a si mesmo em proporções inauditas, produção destrutiva, em oposiçao
ao mesmo tempo que reproduz em tamanho correlato sua
crise constitutiva .. Trata-se da reconversão administrada da genuína" (Idem, P, 102).d rise estrutural do capitalismo
Configurado º. nervo a c meio do melhor de seus do·
crise em meio de existência. É do que consiste, em verdade,
sua mágica: a faculdade adquirida de sustar, através de e, seja frisado mais ~m~ vfzJb°: rememoração do conjunto
tes, pode ser deixa a _e a contradições, também inso-
meios econômicos e extra-econômicos (atividade estatal in- de seus atributos negativos, das e perversidades mais an·
cidente no cerne dinâmico da sociedade civil), a virtualidade lúveis, que acarretamTsudas _maz~isse I pode dispensar, como
explosiva da crise. Tamponamento, no entanto, que não eli- tígas e conhecidas. o avia, n

56 57
• . e perpassa o conjunto em
uma rápida incursão pelo campo da visibilidade tro da turbo 1enci~ q~ rfície ~paren·
vigente, ·o Turbulencia que na supe . .
sa . do centro dos devedores ci1l penfena, a
do capitalismo é palpável, tanto mais sólida e tente da miséria incompetente, os fauti:res
oon11ístcnte quanto mais vai maturando pela vida. Sólida e capitalismo dos praticantes de suas modahda·
rmtplivel, não por isso isenta de prodígios e sortilégios: tanto
quê em sua forma primitiva, na infância do corpo que ani· põe à essência·
ma e pelo qual é animada, tem tão pouca dignidade quanto vez o fenômeno vela eredse co~~~odos os credo:
o nome que carrega - vil metal; sopro impuro de mercador . maiordoqueoc or .. A
o norte das Amencas.
e de usurário, que a idade adulta decanta, sublima e transfi· '!W,Jt república exemplar do extralcançam cifras fantásti·
gora - capital financeiro, deus onipotente, mais facetado \êl!1/idll interna e externa dos Ed. ficíts públicos e comerciais,
do que a própria santíssima trindade. mesmo mod_o que seus d
do sua adiçao a OTdem e gr
andeza dos trilhões de
d mesmos a dívi·
Tamanha é sua onipresença, que tem em cada coração
um altar iluminado; tamanha é a evidência sensível de seus . São números siderais, -:-. ddaianqt~e ~~me debaixo do
milagres, que desta fé não há descrentes, nem mesmo um só o-americana érd'poe1Ta
. . mm
todavia, é que, através desse
agnóstico; em verdade, cada devoto é um sacerdote convie· o mais extrao m:3-no,. . . da bre imaginação
to de seu culto. Por falso paradoxo, só os teólogos mais re· idamento que exmbita os hmicantes gat0teiro do norte
centes deram para quebrar essa unanimidade: muitos deles . dista O gigantesco . ·
térceffo·mun , . _ civilizadora de caráter _impena·
duvidam do altíssimo, reduzem seus poderes e predicados, e exercita sua modermzaçao , da América Latina, mas
são mesmo incapazes de reconhecer toda sua magia. Mas, lista. Não apenas sob~e os J:::;:as e asiáticas, incluída, ~
tratando-se de um deus tão humilde quanto forte, até prefe. também sobre as naçoes e . é caso exemplar e gn·
re que seja desse modo, ele que lucra de todos os modos. Alemanha e o Japão, dentre as qua~~ Madame Thatcher.
Que faria de loas ou alardes? Deus recatado, dispensa o ver· tante, a triste figura_~~ ~~:;:!r~nitente devedor de novo
bo que testemunha sua divindade. Por isso mesmo, talvez, A natureza ,mpen is dverte que se está diante de
pelo santo dedo de sua providência, os teólogos deixaram de tipo não se altera, quando ~~~d Desde Jogo a cump/Jc1·
saber o que se passa no universo de seu império. um imperialismo de cumpllci_ ~uta estranh~ ou enjeita·
Mas, onde há deuses, os demônios comparecem - sem· dade para o capital nnnca f~;,:~te há que considerar, em
pre ruidosos em sua impertinência. Assim, na ciranda doca- da. Para além disso e concrfaz Mészãros no texto há pouco
pital, a face demoníaca do capital financeiro acaba sendo a seu peso dectsivo, ~mo o arceiros dessas práticas -
primeira a mostrar o vulto, a face que não pode ser escondi· . d "Os paises europeus P
cita o, que - admitem que estão presos a um
da. Mas, como é apenas a outra face, ela faz conhecer o ros· não menos que o Japao - d" , dos mercados norte·
to inteiro do deus oculto. . d aguda depen encia 1 di .d
s1Stema e , ·tante 'liquidez' gerada pe a v1 a.
A crise estrutural do capitalismo tem a cara medonha da amencanos e a concomi .ção muito precária quando se
crise do sistema financerio internacional. Ou melhor, o Assim, eles se acham em posi . ra controlar o proble·
complexo agudamente contraditório das finanças interna· trata de delinear medidas !~tva~ :Sugados cada vez mais
cionais ea máscara que reveste a estrutura critica, nos ter· ma real da divida. Na v:i e, :essas determinações con·
mos referidos, do sistema produtivo global, "Pois o domínio profundamente no sorv o_ur~ 1 tariamente' aumentam
aventureiro do capíflll financeiro em geral é muito mais a traditórias, através ~-quais vo~o à escalada da dívida
manifestação de crises econômicas de raízes profundas, do sua própria dependenc~~:1o~eriscos para si próprios, en-
que a sua causa, ainda que, por sua vez, também contribua norte-amencana, com , a financiá-la".
fortemente para seu subseqüente agravamento" (CT. I. Més· quanto ajuda~ a pro~ove-~tã~ de crédito, na designação
záros, "A Crise Atual", Ensaio n. 17118). Esse ímpenallsmo e ca utor que tanto embaraça os
Máscara que assombra antes o mundo periférico, do que ª
irônica e certetra do_ m~mo cio~al ou menos contraditó-
a esfera central do sistema capitalista, - centro este que é, teólogos da moda,~!? e n;:::prrimitivas. Ao contrário, a sua
no entanto e de fato, pela forma particular de sua acumula· rio do que suas ver.,,,,..s m ,
59
58
íllt~Yf:tl{>1•,1~,ao de manobras mais sutis, correspondeu a po- ou de outra, todos os anos) não :~~:~v~~~:
de contrastes e a agregação de confrontos e d roduzir os recursos que a e . • .
precisamente porque sua devoração ultrapas- eP fim de manter sua própria ex1stencia
JlUu as franjas do sistema e passou a devastar o próprio capi- , req~'â:; !conomía capitalista mundial, perfil sob
/;l/l$fJIO avançado. A desindustrialização inglesa, as dificul- ai~1!º~oje é idealizada" (!. Mészáros, op.c1t.).
dades concernentes à efetiva realização da umdade euro-
Péia, bem como contenciosos com o Japão e reações de cír- 2 - A Crise Total do Pós-Capitalismo
culos desfavorecidos do capital ilustram o panorama.
Em verdade, trata-se de um panorama que, mais uma . te do perfil para-falimenta:' d~
vez, põe em evidência que o desaparecimento do típico mer- a mesma forma que, dia~ perenidade do capital nao e
cado concorrencial, marca do século passado, não é algo mia pnv~~t;,td:e~:~:j! ou conformísm? onanist:, a
idêntico à extinção do caráter competitivo do capital. Ao o que
st pra
e a perestro1'ka sa·o o colapso do onamsmo do so-
contràrio, a superação do mercado livre se transforma num
combate de colossos, progressivamente travado com armas fot real"
as -formas atuais. da sociabilidade do_capita!,t em
n
colossais, para os quais a praça de guerra é o próprio con- a o, . ·vada e estatal, estao cons ra -
junto do .planeta, mesmo quando, por cumplicidade, espe- uas n:mdahdades - pr~ _ Todavia com diferença_s
cialmente em certas épocas de "estabilidade", se trata de à atividade b1bltca de ~:~meo víclosolítárioé esp1-
uma guerra velada, "graças à conspiração do silêncio das damentais: enquanto noct°c t ema fertilidade matenal
partes interessadas". De modo que podem valer aqui, pela ai, por influxo mesmo a ex rr roduzido· no oriente, a
sua plasticidade, certas palavras de Marx, deixadas em Salá- a destrutividade do capital su~ lnterrompido do capital
condenação é hteralmente ao co1
rio, um manuscrito pouco conhecido de 1847: "A barbárie
ressurge, agora porém engendrada no próprio seio da civili- estagnado. -0 do Mundo ao Mundo Sem
zação e fazendo parte dela. É a barbárie leprosa, a barbárie Em outro lugar - Da/azad ama da experiência sovíéti-
como lepra da civilização". Razão - tratei de enten ~;o~ ~adrantes geográficos, para
Em suma, são as articu1aÇ6es orgânicas entre a produção ca e seus correlatoi~edº~e doidiagnósticos que se movem
além da ínsustenta 1( a.18 o de estado da revolução dege-
destrutiva e as aventuras do capital financeiro que respon-
dem pela.fisionomia falimentar do hemisfério ocupado e do- pelos registros do capit~ ;'do totalitarismo burocrático._ O
mado pela "economia de mercado". nerada ou, o pior de to oeterminação de um quadro regido
Falência, todavia, que os países capitalistas ocidentais entendimento recam
pelo capital, mas d a de sociabilidade descartara 0
cuian~orm
continuarão sustentando, - "em· parte devido às contra-
dições internas de suas próprias economias e em parte devi- capitalismo. _ menos breve: a tragédia dos
do a sua forte dependência dos mercados financeiros e de Dito de maneira um _pouc~m a uma figura histórica im-
bons norte-americanos"; desse modo "continuarão a partici- países pós-cap1tahstas da _ong . l que desmanchou pela re-
par com seus recursos financeiros na salvaguarda da relati- prevista, - _uma fofma~~ºc!:;:listas de estruturação e_do-
va estabílídade da economia dos EUA e, portanto, do siste- volução po/Jt1ca as __orm, ícas e incipientes), mas que foi m-
ma global". Mas essa sustentação não é outra coisa do que mínação soc1a1s (~!tas, rlfeu baixo padrão de produção e r_e-
vive.r na e através da crise, longe, muito longe, por conse- capaz, constrangida pe º.d de ascender à revolução social
guinte, de qualquer conquista da perfeição e da eternidade. produção matenais da v1 -~'desta efetivar a arquitetômca de
Em outros termos e arrematando: "só tolos e cegos apolo- proprian_iente d1ta,_e atrave ra além da lógica do capital. _A
gistas poderiam negar que a prática norte-americana vigen- rad I;:tconcreto tem por núcleo, pois,
uma sociedade ªI.ttculada
te de administração da dívida é fundada em terreno muito legalidade deste pa ox~ ou a barragem intrínseca do
movediço. Ela se tornará totalmente insustentável quando a impossibilidade 1manen e . dor do capital e o estatuto
o resto do mundo (incluindo o 'terceiro mundo', do qual trânsito entre o estatu~o ºfgan~: o trabalho é que, precisa-
transferências maciças ainda São extraídas com sucesso, de organizador_
mente, recai do _trabaflunºct·ame
o onus sontal do impasse, facultando a

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61
{dijf!llflíll!Çilo da assinalada vigência do capital. Não mais
idtwería :!c)f óbvio, mas não o é, por exemplo, para os que fa- os meios de subsistência em sua g~ma ~ nd
mponentes (trabalho, moradia, saude, uca
ª:
Z.íl!ll o diagnóstico do capitalismo de estado) na forma de
pr<ipriedade privada, mas também não de propriedade so- tradição extrema, que resulta em ª!go extra';-
cial de propriedade virtual de todos os produtores_ Sua reino do capital na ausência do chão social o
apropríação-gestionária, pela fração diretiva do complexo
$<!CÍIII, faz dele um capital coletivo/não-social (como o cha- ercado o trabalhador poderá ser um indivíduo
mei por falta de expressão mais sintética, no texto referido), ~ndivid~alidades livres,. se. e soment~! ~;~r
o que repõe o problema crucial das relações entre trabalho aos meios de subs1stenc1a e em es
vivo e trabalho morto (capital). É hem sabido que é próprio r s oda à ampÍiação e à renovação _de seu
e cor e P?dades humanas (materiais e espmtua1s),
da vigência do capital que o trabalho vivo seja regido pelo de necess1 l'd de e símultanea-
trabalho morto; para tanto o capitalismo dispõe de toda a à construção de sua pessoa 1 ªespo' ;abílidade so-
organização social (sociedade civil e sociedade política) feita . a non _ se exercer a r 0 .
- sme qu . ' trabalho É do que consiste,
a sua imagem e semelhança. O que caracteriza a transição auto-determmação do_ livre dos trabalhadores li-
para além do capital é Precisamente a inversão dos termos fulcro a "orgamzaçao Ih .
dessa equação: o trabalho vivo passa à condição de regente . .' . bTdade ordenada pelo traba o vivo,
uo seJa. a soch1a
Marx a c amou, 11 "a sociedade humana ou a hu-
do trabalho morto. Mudança estrutural decisiva que não
veio a ocorrer nos processos sofridos pelos países pós- 8ocíal" (X Tese Ad Feuerbach). _ _ d
capitalistas. Donde a permanência nestes, sob forma pecu- • · • nessa trans1çao da or em
Já é_ um trmsmo admtt~ab:~ho, haja um roteiro de graus
liar, do capital - canga da atividade humana sensível, pra-
xís, trabalho vivo, canga atada aos cordéis do estado, assim
~p1tal para a orde; 1~so
1ve1s a percorrer. . . .
o pseudo-socialismo alimentou
ar uítetou farsas, algumas
e por isso mesmo, hipertrofiado_ Evidências, capital e esta- ilusões, montou hu~tftc1t~v~u':na ~scalada de falsificações
do, de uma revolução política auspiciosa que não encon- ,cõmícas, outras ~- ton a ~mparelhar quando não suplan-
trou o caminho da revolução social, repetindo com isso o tão bruta1~ que o tzeram_ s do capi~lismo.
defeito maior das revoluções burguesas. Isto perfaz, em pa- tar, a fáb_nca de alucm~~e a geratriz desse auto-engano e
ralelo, a verificação dolorosa de uma tese marxiana, tão es- O que importa,
sencial quanto esquecida, especialmente pelo turvo politi- . . queaqm,nãoeocorna
q . nem poderia estar ocorren-
dessa menttra e
t ansição para o sacia - 1'1smo , mas um processo inu-
cismo contemporâneo: à revolução política cabem apenas do, uma r _ d -tal mais especificamente, um
as tarefas negativas, a limpeza do terreno, a demolição do
sitado de ~curo~!fJo ectC:P:ap1tal industrial, sob_ gestão
que deve morrer; enquanto que os encargos construtivos, a processo e . . . F mação e acumulaçao que,
edificação da nova sociabilidade dependem exclusivamente político-estat~l:parttdan~.. º!oram se revelando extrema-
da revolução social. vencidos estag10s pnmanos,. .
Mas, se no bloco pseudo-socialista o trabalho vivo é víti- mente problemáticosde ins~~~~~i~~~de conduz ao entendi-
ma da mais abjeta contrafação, nele também o capital não O esclarecimento essa . mesmo tempo que à
conheceu seus dias mais brilhantes.
As formações pós-capitalistas, a par da subsunção do tra-
mento da g/asnost e da
1
per':;'~~k:~r~ depositar sobre elas
inexistência de quadqueer
e r de\ção do socialismo,
qualquer mesmo fes-
balho vivo ao trabalho morto, são politicamente constrangi- esperança ·
das a consagrar e a tentar exercitar (sem o que perderiam . 10
. da o ressão que proporctonam.
tejando o ah,: dOP uperar a lógica do capital com-
todo fundamento), em exacerbada contradição com a pri- Já foi configura que ~ovimento formado pelo atendi-
meira determinante, uma feição social solidária e não- preende a umdad~dâ ~~undamentais e da auto-determina-
competitiva, ordenada pelas necessidades do trabalhador, ,, '''''"' mento das necessbsade. aspectos totalmente convergentes
isto é, uma sociabilídade que não seja (des)ordenada pelo .C>'<;:,;2.,1«v do trabalhoimpliC::~ a existê~cia (ou criação) de bases
valor de troca. Onde, portanto, estejam assegurados, em
princípio, ao conjunto dos trabalhadores, vale dizer de toda ue sustentem essa dupla prática cot1dta~a. -
Bases iiexistentes na revolução russa, que matnzou, pa
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63
rlí º, n<1Mo século, os processos de passagem, carecendo por
nncm: dos prc,ssupostos materiais requeridos. Hoje, para al-
guns, mo po,íe soar como uma novidade, não o era para Lê-
por inteiro ao controle do trabalho_ vivo,
relação a este com a força e a log1ca do
nln e outr?s personagens de importância, que tinham efeti- te porque não há um~ pletora de apro-
vo conhecunent-0 do problema, tanto que cifravam a so/u- o dispositivo apropnador-gesttonano,
entos superiores e privilegiados do par-
<:H,º da revoluç_ão russa i:iela eclosão d_a revolução alemã, ou
S~Ja, de Um pai_s mdum·1aJ desenvolvido, diapasão que pro- to central e da administração, numa pa-
Vlllha_ da própna visualização marxiana da questão. Dificul- ra - o estado, cresce, se agiganta e com-
dade trrem51v1vel que não leva à estapafúrdia ponderação suas crescentes inter-relações. E, pms, a apro-
de 9uec ent3:o, a revolu~o não_ deveria ter sido feita; quando abalho morto, nas condições descritas, que _ge-
m~1s nao seJa P<;.rque ~ª?, havia para a velha Rússia a pers- não o inverso - uma "burocracia totahtá-
pectiva de_ uma soluçao pela via do crescimento capitalis- e reprodução meramente "política", o que é
ta. A tragedia da revolução russa, tragédia autêntica de to- terminação, que oprimiria, à custa de seu es-
da a humanidade, quer se queira ou não - e só os muito to- strumental, e por pouco mais do que .um p~ato d~
los podem dar de ombros, está precisamente no imperativo visto que a nomenklatura não se apodera md1v1-
de fazer uma revolução que não pode ser realizada. e de bens de produção, não tem acesso a eles na
Sem bases para sustentar a revolução social pretendida, e propriedade privada, nem se verifica a acumula-
11;esmo atado -: mclus1ve voluntária e deliberadamente. i de riquezas faraônicas, como acont~ce em s1m-
amd~ que na maiona das vezes e em ampla extensão de for: ras das repúblicas bananeiras, nem ainda os c~r-
~~a barbam, - aos funda'?entos e ~ompromissos da revoJu- istados e exercidos, mesmo com despotismo, sao
ç~o po1Jt1ca realizada, o pos-cap1tahsmo sucumbiu num in- s em bens hereditários. Considerações estas que
trmcad_o processo de vicissitudes, onde rolou e rol~ 0 mais m a presença de facilidades, vantagens e privilé-
fantástico emarnnhado de contradições, à precariedade de onta, progressivamente consolidados e ampliados;
seu solo matenal. não elidem a formação de um estatuto de mteres-
De inícfr) o panorama é razoaveltmente claro: garantir a Tiad~, especifico e orgânico, que disti_ngue e desta~a e_s-
subs1stí!nc1a é escopo, palavra de ordem, esperança e pro- tor social, particularmente pelo desmyel em relaçao as
messa, mas a tarefa efetiva é promover a acumulação que rias, cujo padrão é medíocre ou sofnvel. Precisar tais
em outra~ partes, fora obra própria e natural do capitalis'. tos evita o paraldo fácil e impróprio com a locupleta·
mo. Rea/Jzar, portanto, o pressuposto incontornável sem ':lem pura e simples, tip1ca de cJrculos governamentais. no
qual, de maneira ainda mais rude, também a' auto-0 êapitalismo, e principalm_ente descarta o reduc1omsmo sim-
determinação do trabalho não é mais do que fantasia gro- plório que faz dos prosaicos pnvdég10s matena1s dos buro-
tesca. ~atas' a malha de fundo e explicativa da opressão estatal
Realização do pressuposto material, por conseqüência, pôs-capitalista. Em verdade, explicações dessa_orrlem subes-
na adversidade de ,uma tensão que dilacera e contrapõe a timam a magnitude da opressão e a comple~1dade do pro-
garantia de subs1s:enc1a, _a sociabilidade isenta de competi- blema que ela manifesta, integrahza e d1vers1f1ca, tornando
ção, o trabalho nao medido pelo valor, ao imperativo sem ainda mais aguda a contrafação do conJunto dessa forma
alternativa d~ o reduzir ao valor mínimo, exatamente para societária. .
d?s_tm~r o max1mo de_ excedente (sempre inferior ao neces- Depois, os momentos subseqüentes, - vencidos certos
sano) ~ obr_a de con~t1t~1ção do pressuposto, em benefício, obstáculos e objetivos, sempre parcialmente e de manetr~
pS>r prmc1p10, do propno trabalho. Em verdade uma coa- comprometida com as raízes não superadas do processo on-
çao do trab~Iho q_ue é, pelo lado mais nobre do' problema, ginárío (e o golpe de vista totalizador não pode_descartar as
cont~apos1çao radical à auto-determinação do trabalho. relações internacionais, que incluem compet1ça~ e guerra),
.Na? importa que_ o excedente não seja apropriado de for- se menos claros porque mais complexos, não sao_ por_ isso,
ma privada pelas v1as do mercado, mas que seja trabalho como estrutura problemática de fundo, uma ent1f1caçao de
qualidade essencialmente distinta.
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hmxirta nmar, em que pesem seus diferentes graus de in- goza a ilíberdade de sua irresponsabilidade; lerdo e
tcni1ciaúe, é,lrrelatos à diversidade dos níveis sucessivos de reitera os círculos viciosos da insuficiência numa es-
tle,~nvolvimento, que se trata permanentemente de uma gnação.
ílCU/l)Ulação na ambi_gliidade de uma formação social que o, trata-se de um mundo do capital - monstruoso
t~)/Jticamentc supnmm o ordenamento concorrencial da so- agórico: o universo do capital sem mercado. Capi-
<!lllbtl!dade. Uma extração e acumulação de riqueza que ante, que não gerou o pressuposto material pre-
exercita, portanto, a desconexão entre mercado e força de mas a carapaça de granito que hoje entulha. pela
trabalho. Ou seja, que postula a libertação da força de tra· seu fracasso, os caminhos que podem ir para além
~alho da subordinação às carências, da opressão das neces- tal.
sidades fundamentais que, na lógica do mercado. a cons- capital único ausência de capitais em concorrência,
trangem ao comportamento de mercadoria que se vende pe- que, vale repetir, não teria havido sequer a revolução
lo seu valor de_ produção. Produção e reprodução de força tica, a eliminação da categoria social dos proprietários
de trabalho deixam, então, de ser determinadas e medidas ados e sua forma de dominação estatal - e a iliberdade
pelo seu valor, ou ainda ponderadas pelo uso que dela faça da força de trabalho, a sociabilídade institucional·
o capital, o trabalho morto apropriado coletiva mas não liberada, mas não econômica e socialmente liberta,
socialmente. seja, livre de direito, mas não de fato, sem o que, seja
Sim, "quem não _trabalha, não come", mas este principio. bém repetido, pereceria o fundamento político do em·
na regência do capital sem mercado, fica reduzido à condi- preendimento revolucionário -, ambos, vetores funda-
ção de slogan, vagamente repressivo e vagamente ético de- me.ntais que são da formação social pós-capitalista, propor·
pendend~ de ~ircunstâncía e entonação. E visto que nã~ po- cionam, em seu entrelaçamento e complexificação, um sis-
de haver impeno da auto-determinação do trabalho em ra- tema do capital sem medida capitalista. Isto é, sob regência
zão do baixo patamar do sistema produtivo, o que r~sulta e do trabalho morto, mas sem a medida do valor, seja para a
se manifesta e a liberdade trresponsável da iliberdade, que força do trabalho, seja para o movimento do capital
n~nh?ma coação extra-econômica, por mais virulenta que coletivo/não-social, a desmedida, a arbitrariedade se impôe,
seJa, e _capaz de _vencer; coação, aliás, que mesmo vitoriosa. toma e cobre todo o espaço. De modo que, no interior do
na essencia esta vencida de antemão. Livre do mercado. quadro de agudas insuficiências materiais ou, posteriormen·
mas esc:ava do trabalho morto, a força de trabalho é redu- te. de constantes desencontros e desequilíbrios, onde tudo
iida à irresponsabilidade, coisa fechada sobre si mesma sé passa, a exploração do trabalho tende a ser compelida para
tanto menos responsável quanto mais insatisfeita, isto é: o ilimitado, da mesma forma que na efetuação ela se inclina
quanto. menos_tenha a perder, sem que, por outro lado, per- para o insuficiente, pólos de uma mesma incongruência,
ca o embrutecimento em situação mais favorável, uma vez que tem a outra face no comprometimento do desempenho
que falecem aqui todas as bases para uma nova eticidade de conjunto desse capital estatal global, por si só entregue à
Ponto de inflexão, em suma, dos estranhamentos que vice- desparametração, já que não se confronta com nenhum ou-
Jam ';O solo e_ sub-solo do pós-capitalismo. Liberdade irres- tro e é regido extra-economicamente.
ponsa;el da 1hberdade, cuja fisionomia, determinação e re- A resultante de tudo é o descompasso, o elementarmente
forço e comp_letada pela supressão da pluralidade dos apro- contraditório, a inorganicidade do capital coletivo/não-
pnadores, pois, com o desaparecimento das personae do ca- social, sua inferioridade produtiva, seu caráter degenerado
pital (sem o que não teria havido sequer a revolução políti- e degenerativo. Impessoal, sem ser social; coletivo, sem ser
ca), cessaº. despe_rdício da concorrência, alma ma ter da prá- universal; gerido sem posse e apropriado na forma evanes·
tica do capital privado, mas também, o que é o mesmo - a cente de um espectro, desgarra de toda direção e escapa de
luta para devorar, mas não ser devorado, o que constrange toda responsabilidade, a não ser da impostura sonâmbula da
ao esfor"? de. ser melhor e mais forte, a ser o mais igual, burocracia. Tropeça, então, sobre si próprio, vive aos tram·
dentre os iguais. O capital no pseudo-socialismo não se bate bolhões, desconexo, trôpego, e por suas dobras e fissuras
nem tem com quem se bater. Tanto quanto a força do tra'. vão se depositando todas as ferrugens, inclusive a poeira

66 67
,:cot'ni!ilvu ,fa corrupção.
w1uu1•suo, toda via, que não se restringe à dinâmica eco- integrado. seja do pomo de vista do atendimento
, . . . pseudo-socialismo, mas que alcança e desfigura suas populações, seja do prisma das exigên-
n ~<l!lJUUto de todas as dimensões humano-societárias que 0 ao desenvolvimento das forças produtivas,
mtegr_am. Desde logo porque desmente, nas condições reais a partir de certos níveis, em particular
de .e~istl!ncm, o suposto político de assegurar a resolução em jogo comparações e rivalidades entre blo·
(las c11renc1as humanas de base e, por conseqüência a reno- ·ionais. O conjunto dos países pós-capitalistas
V!l?~~l e ampliação do elenco de novas necessidad~s pelas m, ao mesmo tempo, a batalha interna do desen·
quais o_homem prod_uz a s1 mesmo material e espiritualmen- e a competição tecnológica a nível mundial.
te· Assim, des~tendido nos pressupostos de sua autocons- ersidade intestina e de contexto, o crescimento
truçilo e mv1abihzado o exercício da auto-determinação do do sistema, desde sempre embaraçado e incon-
trabalho, a entificação da existência humana prossegue sub- strador de expectativas ao longo de muitas e so·
si1m1da ao ~rabalho morto. Não se verifica, nem pode se ve- inha denunciando, de há muito, seus estrei·
:if1c~r, o transito para ª, regência do trabalho vivo, ou seja, tes estruturais e explicitando a incorrigibilidade de
a socmb1hdade vigente e mcapaz de assumir o valor de uso perramento, e findou por se tornar tão inaceitável
~- necessidade ?~mana autêntica - como padrão de inter- a contrafação sufocante do regime político e a mes·
cambio, como logica ordenadora da convivência. Razão pe- a atmosfera espiritual, que envolvem e isolam a
la qual reproduz, em graus distintos, a miséria física e espiri- como uma bolha alvar de mentiras.
tual, desnaturando, tal como no capitalismo, a atividade tecimentos dos últimos poucos anos, que portam
humana fundamental - a construção do próprio homem. sive a inesperada confissão voluntária da crise, envol·
Numa palavra, a tragédia do pseudo-socialismo é a encar- na aura e no alarde da glasnost e da perestroika, não
nação real de uma verdade sab~da há cento e cinqüenta , todavia, mais do que a exibição do atestado de fracas-
ª:1os .. Mar~, na ldeo/og1a Alema, exatamente a propósito econômico e político, da experiência iniciada em 17 e
~,1 superação da arde~ do capital, faz ver que isto exige se repeliu em alguns lugares, bem como a tentativa de
um mundo efetivo de nquezase cultura", ou seja, que "um entar o colapso do "socialismo real" com subprodutos
~lt? grau de desenvol~imento /.. ./ é um pressuposto prático ivações econômicas do próprio fracasso e a velha ma·
,tbs~luia_mente necess_ano, mesmo porque, sem ele, apenas a iagem política dos sucedâneos formais.
n11~ena se generaltzana e, portanto, com a carência recome- Para uma breve descrição dos eventos, em nada reduto·
7arta também a luta pelo necessário e, por força, toda a ve- , basta constatar que ao binômio - desastre econômico,
iha merda retornana ... " eia política - tem correspondido reformas inestrutu·
)ªis que estão na lógica do capital e de sua conduta política.
Que fazer diante do retorno da imundície? 'l:lm face do monumental problema econômico, da China à
. Ape~ar de muitas lições antigas, - submersa na dupla ',!'olõnia, tendo por centro dilemático a URSS, o apelo unis·
n,mmdic1e mntemporânea, a humanidade, nos dois hemis- sono é aos famigerados mecanismos de mercado, e, sincro·
fenos do capital, simplesmente vasculha o lixão da história. hícamente, diante do colapso do paquidérmico aparato poli·
_Na exata medida em que a supressão política dos apro- üco, o remédio é buscado na velha cesta de costuras instítu·
pnadores e a mstauração, igualmente política, da iliberdade eionais do liberalismo.
da força de trabalho deram origem ao capital sem mercado Mecanismos de mercado e formalização da liberdade são,
a gfasnost e a perestroika são, economicamente, a busca d~ pre:c1sament:e, o espírito e as armas do capitalismo, encai·
mercado pelo capital do leste. xam como a mão e a luva. O direito de irrestrito desloca·
, A crise _explícita e confessa do pseudo-socialismo é matri- menta, por exemplo, na estarrecedora obviedade, hoje, do
z.ada pela incapacidade do capital coletivo/não-social de rea- que assegura, é grandioso, mas é também aquele que, na or-
hzar a acumulação ampliada, na magnitude, velocidade e ganização societária do mercado, dá cobertura igualmente,
ntmo requeridos paulatinamente pela formação social a, e pelas suas raízes, ao passeio compulsório pela "praça das
trocas", onde a imensa maioria dos cidadãos é medida e
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,<Jlt!f~r~da ,pelo valor de produção de suas energias materiais to real do capital. Através dela se põe como neces-
~spmtums, Ou, como diz Marx, nos Grundrisse: "Na livre terior para cada capital o que corresponde à natu-
ci,mcorrência não são os indivíduos que são postos como Jj, , ai, ao modo de produção fundado no capital, o
vres, mas ? que é posto como livre é o capital. Quando a nde ao conceito do capital. A coerção recípro-
produçã? fundada no capital é a forma necessária e, portan- xercem os capitais entre si, sobre o trabalho etc
to, a mais adequada ao desenvolvimento da força produtiva eia dos trabalhadores entre si não é mais que
soem!, o movimento dos indivíduos, no mam) das con- a da concorrência entre os capitais), é o desen-
dições puras do capital, se apresenta como a liberdade dos o livre, e ao mesmo tempo real, da riqueza en-
mes!nos, liberdade que, todavia, também é afirmada dog- pital'' (p. 168). E, por fim, uma passagem explícita
mat1cament~, enquanto tal, por uma constante reflexão so- o sobre a inequívoca fundamentabilidade da con-
bre as barreiras derrubadas pela livre concorrência" (Capi, ia para a atuação e reatuação do capital enquanto
tu/o do Capital, Siglo XXI, V. 2, p, 167). que repousa na natureza do capital só será realmen-
Essas considerações tocam, nos pontos cruciais da ques- nado, como necessidade exterior, através da concor-
tão e levam a _identificar a essencia real e virtual da glasnost o que não é senão que os diversos capitais impõem,
e da perestro,ka. si e a si mesmos, as determinações imanentes do capi*
Do que consistem, em suma, os tão propalados mecanis- Díetz Verlag, p. 545).
rnos de mercado, cujos poderes e virtudes passaram a ser ssa síntese analítica, cujo sedimento ontológico vale a
vistos como capazes de operar milagres, a não ser da bolo- deixar assinalado de passagem, o autor desdobra duas
renta lógica da concorrência, do estatuto da colisão deter- ificações fundamentais, que são decisivas para o exa-
mmada pelos mteresses? O que são tais "recursos" senão as me e a crítica do pós-capitalismo em débâcle,
próprtas engrenagens letais de uma forma de sociabilidade A primeira diz respeito ao laço determinativo entre capi-
que regula o intercâmbio, as interconexões dos homens en- tal e livre concorrência. Esta é o meio próprio do capital, só
tre ~1: ou seJa, a sociedade em seu conjunto, pela razão com- através dela é que o conteúdo de sua natureza se objetiva,
pet1t1Va, pelo estatuto feroz que toma por reles fundamen-, contudo não é ela que faz germinar o capital, mas o contrá-
to, em última análise, uma ameaça sombria - a virtualida- tio: "O domínio do capital é o pressuposto da livre concor-
de da inanição? Não se trata, numa palavra dos mecanis- rência ... Por conseguinte nenhuma categoria da economia
mos ,da "barbárie como lepra da civilização'', tantas vezes burguesa, nem mesmo a primeira, a saber, a determinação
aludida por Marx'? do valor, se realiza graças à livre concorrência, isto é, atra-
Não re~ta, nem poderia restar a menor dúvida, bastando vés do processo real do capital, que se apresenta como inte·
algumas h_nhas de Marx para deixar inteiramente configu- ração recíproca dos capitais entre si e de todas as outras re-
rada a espmha dorsal da questão. Lê-se, também nos Grun- lações de produção e intercâmbio determinadas pelo capi·
dr,sse: "A livre concorrência é a relação do capital consigo tal" (p.169),
mesmo como outro capital, vale dizer, o comportamento A segunda questão, vinculada à anterior, versa sobre a li-
real do capital enquanto capital. As leis internas do capital berdade humana. Para Marx, é precisamente a inversão dos
- que nos pródromos históricos de seu desenvolvimento termos na relação anterior que conduz à "inépcia de consi-
aparecem somente como tendências - tão somente agora derar a livre concorrência como o desenvolvimento último
são po~tas como leis; a produção fundada no capital somen- da liberdade humana, e a negação da livre concorrência =
te se poe em s~a forma adequada, na medida e enquanto se negação da liberdade individual e da produção social funda-
desenvolve a_ hvre concorrência, posto que esta é o desen- da na liberdade individual. Trata-se somente não mais do
volvimento hvre do modo de produção fundado no capital: que do desenvolvimento livre sobre uma base limitada, a
o desenvolvimento livre de suas condições e de si mesmo base da dominação do capital. Esse tipo de liberdade indivi-
enq_ua~to processo que contínuamente reproduz essas con- dual é, enfim, a supressão de toda a liberdade individual e a
d1çoes _(p. 167). E pouco mais à frente, prossegue a argu- sujeição total da individualidade ás condições sociais que
mentaçao no mesmo rumo: "A livre concorrência é o desen- assumem a forma de poderes objetivos, inclusive de coisas

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!\Cl capital o empuxo para a realização de sua iden·
poderoslssimas, de coisas independentes dos própno, u,J,vi por conseguinte, o empenho para a ultrapassagem
duns que se relacionam entre si. 1.../ Pretender que a livre · tos que o tolham. Marx refere a questão, por
concorrência é a última forma do desenvolvimento das for- ndo da supressão do corporativismo á época
ças produtivas, portanto, da liberdade humana, é afirmar : "0 aspecto histórico da negação d? regime
que o reino da burguesia é o fim da história mundial: eis por etc, por parte do capital e através da hvre con·
certo uma idéia agradável para os arrivistas de ontem e an- não significa outra coisa senão que o capitat sufi-
teontem" (p. 169). nte fortalecido, derrubou, graças ao r1;o_do de mter·
O capital do "leste", - único, desprovido politicamente que lhe é adequado, as barreiras histon~as que es·
do leque de apropriadores privados, que traçam o perímetro m e refreavam o movimento adequado a sua natu-
da arena da concorrência, e acumulando às custas da iliber·
dade do trabalho, estatuída também políticamente sobre o . 167), . . I
ando, então, a crise do pseudo-soc1allsmo pe os ira-
solo infértil da miséria, - é o capital fora de seu meio, inca- desenvolvimento de seu capital, aflora que a mtrod_u-
paz de se pôr em sua "forma adequada", de "externar o que s mecanismos de mercado na economia do pos-
repousa em sua natureza", pois carece da "relação consigo ismo corresponde, para muito além de qualquer arü·
mesmo como outro capital", da livre concorrência, onde a !ismo ditado pelas circunstâncias, a premências do cap1·
pluralidade dos capitais exercem coerção recíproca entre si nico pela derrubada dos obstáculos que o restnngem,
e sobre o trabalho, quando exercitam os jogos do valor. impedem seu verdadeiro desenvolvi~ento enquanto
O capital coletivo/não-social é o capital fora de seu reino tal. Portanto, não se trata hoJe, nem ha qualquer po~si·
- a sociabilidade do capitalismo, algo como o capital em ade de que venha a se tratar amanhã, de Ull;amiciativa
seus pródromos, quando suas "leis internas aparecem so- venha a aperfeiçoar o socíallsmo. Pelo contrano, _em pn·
mente como tendências". Em seu estrangulamento atual, fllCÍfO Jugar porque não se pode aperfeiçoar O que nao exis·
enq~anto capital e enquanto largo processo que objetivou o te - processo de transição socialista; em segundo, porque
capital mdustnal, em que pesem todas as suas limitações e 0
quanto mais efetiva for a reforma pretend)da, tanto mais.ª
mcongruências, não pode simplesmente ter sua acumulação ífiberdade do trabalho simplesmente cedera lugar a escrav1-
rea/jzada posta em igualdade com o colapso do pseudo· dão do trabalho livre, medido pelo valor através da concor:
socialismo. Este faliu como transição socialista, como itine· rêncía processada no mercado; em terceiro, e em suma.
rário para além do capital; falência não meramente política, aperfeiçoamento do capital - proporcionado pela ressur·
porém econômica - da base material de produção e repro· reição da concorrência, no caso, exclusivamente como coer-
dução da vida, contudo, niesmo assim, isto não zera o acu- ção sobre o trabalho, pois é desprezível, ao menos P?r um
mulado industrial e do complexo econômico em seu todo. O longo tempo, a pluralização d?s apr?pnador~s _- e uma
estrangulamento, assim, é a asfixia de um dado capital, na contrafação ignóbil como teoria e P,ra.t1ca socJ81~st~s.
dinâmica de sua geração e desenvolvimento. Sua crise Ignomínia que oscila entre a tragedia ~ a comedia, quan·
atual, portanto, é também a expressão de suas agudas ne- do se teva em conta formulaçõeS de Vadim. Medvedev. pre:
cessidades atuais, na lógica de seu crescimento. Em outros sidente da Comissão Ideológica do Comite Central do PC
termos, sua crise total exprime, de qualquer modo, as ener· da União Soviética, veiculadas mmto recentemente pela im·
gias e tendências de seu estágio de evolução enquanto capi· prensa, mencionando a publícaçã? _de seu !Ivro A. R_evolu·
tal. Nesse sentido valem, para o quadro em exame, com os ção Contínua: Sociedade Sov1et1ca em Cond1çoes de
devidos ajustamentos e precisões concretas, as palavras de
Marx a respeito do comportamento em geral do capital en- Reestruturação. . .
Sua fórmula é primorosa e, em suma, esta res~mida na
quanto processo autoconstitutivo: "Enquanto o capital é tese de que "0 mercado, se se eliminam as distorçoe_s_do l_u·
débil, procura se apoiar nas muletas de um modo de produ- cro, é uma das mais importantes conqws_tas_ da civihzaçao
ção desaparecido ou em via de desaparecimento; tão logo se humana". Não há que se ater ao lado ':1ªIS nsivel do enun-
smta forte, ele se desembaraça dessas muletas e se põe em ciado, pois, como verdadeira contradiçao nos termos encer·
conformidade com suas próprias leis" IP- 168), Ou seja, que
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ríl, ~om grande aproximação, o que poderia ser chamado de . de Medvedev em sentido
vc•rdadc con,cientc, de finalidade precípua da operação que ça, tomada a forrou 1~ da luralidade de apro·
pretende socorrer a economia pós-capitalista com estímulos incide sobre a qu~SU\O • p do lucro" não sig-
de mercado, ao menos no que concerne à maioria dos países es, na medida em que_ d1_storçoi~ro moderado. Algo
em causa, especialmente a URSS. eliminação, ~as tolera~~~t~f~ a negatividade deste
com lucro ;usto. aue ' la uantidade, por excessos
Vista em seu significado extremo, a propositura de Med-
vedev não visa, de fato, a criação de uma efetiva pluralida-
de de capitais, dado o óbvio de que o pressuposto da diversi-
dade de apropriadores privados é precisamente a garantia
~~~;~~q::t:e:e
de :O';::
aqmani~~~t~r ~e:~
ibidos. Essa cl!vagem m~raltt~:; e para determina-
de sua movimentação lucrativa no mercado. De modo que. admitiria,_ e:1tao, em cer o gores modestos e obedien·
neste caso, a livre concorrência de mercado, a "recíproca de atividade, apropna - do grande capi·
coerção dos capitais entre si e sobre o trabalho", se manifes- aceitariam dedbtom g~a!~~r~~e~~ªfucratividade, da
ta exclusivamente como coerção sobre o trabalho. coerção al, que lhes i ana d trabalho Em resumo, um
econômica do capital único sobre a pluralidade universal a forma que dita o _valor o civílizad~ uma velha qui·
dos trabalhadores. Ou seja, a formação social que foi inca- ve do pequeno cap1tahsmo . ' h do "socialis·
0 in tenor da marc a
paz de gerar o pressuposto material necessário à transição pequeno-bu;~uesa, n .. , ue suprimiria deficiências
socialista, cancela o seu decreto político da sociedade solidá- reestruturado . D1sposmvo qo seria instrumento auxí·
ria de setenta anos atrás, e reintroduz o princípio de que a produção de bens d~ cog~~'::ibalho, mas não ofereceria
força de trabalho é paga pela sua eficiência, isto é, enquan- r_ na regulagem do va ~trutura dominante do capital
to mercadoria ímpar capacitada a produzir mais valor do igo algum para ª. vez inteiramente salvaguar-
que o seu próprio. Volteio, que consumiu três quartos de vo/não-social, _m~is ui:ra. ct· de toda a problemática
ele que constitui o no-gor ,o
um século, para chegar ao "segredo" conhecido e praticado
pelo capitalismo desde sempre, com a agravante de não ,çoncreta. . . ha possa promover alívios ime·
abrir mão da forma coletiva/não-social de apropriação-ges- Que essa utopia m_esqum re a ão do sistema, é ape-
tionária do excedente, sobre a qual, pedra angular da ques- diatos, em face da evidente _d~~\!sião. Nem é preciso re·
tão, não diz uma palavra, mantendo a funesta e perversa nas a dimens_ão circunS
cusar in /Jmme essa even
~~:i
ta
eficiência contingencial, par~
·mento de reestruturação vai
identidade, clamorosamente falsa e falsificante, entre esta·
tismo e socialismo. compreender que !todo o ~o;~ que estão situadas as con-
Tomada a fórmula de Medvedev numa acepção mais em direção ao pó o opo~ o . lista
branda, nada se altera quanto ã coerção unilateral sobre o dições para_ mna tran~~o ~l~r no.mercado de'trabalho e
trabalho, no que tange a ser medido pelo valor, entre as O império imodera º1u~ro no mercado de b~ns de consu-
fronteiras da sociedade de carência, pressuposto e limite da o unpeno moder~do do iedoso, no mtenor do desen-
sociabilidade capitalista, fora da qual a coerção econômica mo aliam a t1rama a um voto P d os parâmetros da privat1·
perde seu fundamento, pois, na estrutura de seu funciona- cadeamento de um procefso, º~trfta e os correlatos instru-
mento, a verdade de que a carência é a razão de ser do tra- zação, ainda que setona e ~:draU:ento do trabalho, cad~
balho é duplamente corrompida, pela redução das carências mentos de mercado no enq generalizam a regência do cap!·
às carências elementares e pela desfiguração e identificação um a seu modo, acentuam e ·vatista à intervenção corretl-
do trabalho puramente a meio de subsistência. Ou em ter- tal, conferindo ;eor ~a~~~ ~r soluções próprias ao ~mpo
mos muito mais simples: não há trabalho, quando não há va. Em suma, e a ~e e . vés de buscar a superaçao do
carência, então, quem não trabalha, não come. Trata-se, en- da propriedade pr_ivada, ~o '~a constituição da propriedade
fim. do "desenvolvimento livre sobre uma base limitada, a capital coletlv?lnao-sociabfudade da auto-determinação _do
base da dominação do capital" - "liberdade individual que social, cond1çao de poss1 d l'berdade individual para alem
é a supressão de toda a liberdade individual'', para empre- trabalho, base, portanto. a , ada sobre o capital úrnco e
gar, mais uma vez, os expressivos termos de Marx. da i/iberdade do tra?aldho.t ª~~e~\berdade individual, assen-
também da supressao e o

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:0:brc a pJamforma da domin ·- . limitada", as liberdades limitadas da forma livre da ci-
fim, Mo deve faltar tamb. açao _do capital privado. . , que sucumbe ao poder das coisas; enfim, trata-se de
aost e a P<'restroik-J - em .º registro de que a glas-
. · '· em suas diversas
los pa1scs do pseudo-socialismo
r· -
con iguraçoes pe-
de liberdade individual que é a "supressão de toda
individual e a sujeição total da individualidade às
aguda e aberta, como exem lífic~em algu~s_de forma mais ões sociais ~ue assumem a forma de poderes objeti·
en: outros apenas virtualme~te - mi Poloma e~ Hungria,
pnmelfa vez na história , a remos caminhos, pela décadas os impasses do pós-capitalismo estão postos,
das formações sociais po'spcara .ª rleconversão ao capitalismo e princípios dos anos oitenta, com a Comuna de
e . · apita 1stas
iom perfeita consonância co · k ficou irrevogavelmente patente que não havia
também no espírito das equa _m as ~eform~s econômicas, e uer transição socialista em curso.
pnvatistas, é que a desagr/oes_ propr:a~ as formas sociais demora tão grande para o afloramento dessa evidência
capitalista está sendo enfrent!~fº poht1ca do bloco pós- a admissão generalizada está muito longe de já ter se da·
Registrada e aplaudida a ru . prende-se a um complexo infinito de razões, proporcio·
colosso estatal-partidário q pturt _da carapaça tirânica do
plantação de dispositivo; ri,~:- ~z a~obmpaohar pela im-
1mporta agregar, não só a cri ti is as i_ erdades públicas,
à importâncía inexcedível, crucial para o desenvolvi.
to da humanidade, posta pelo imperativo da superação
capital e de sua forma de sociabilidade. Impossível en"
pec1al, do caráter da direção t ca d~stes hm1tes, mas, em es" ar aqui até mesmo a mais elementar relação de motivos,
plaf!o. orna a pelos corretivos nesse
tre autênticos e espúrios, que produziram e reiteram esse
E decisivo constatar a homO1 . o do entendimento. No entanto, desde há um quarto
positivos de mercado na ogia :ntre a opção pelos dis" século, era visível que, nas tentativas eventuais de supe·
mica, e as garantias form O_rganizaçao da sociedade econõ-
seus dilemas, o pseudo-socíalísmo teria que se pautar ao
política. O acoplamento t!~; na o_rganização da sociedade nos pelo parâmetro de que a solução buscada não se en·
te, revela sua congruên~ia N°. pos1~va como negativamen· traria, nem na reafirmação do "socialismo" como identi·
na competitiva por ma1·s r. ao po e haver forma societá·
dade do atraso sectário e dogmátic-0, nem na capitulação
,"
presença, :
participação e nesmta. que se1a, qu e nao
- implique
· .
sem reservas às formas econômicas e políticas do capitalis·
· . egoc1açào na d
por mais estreito que seja seu f praça as trocas,
sentamento formal e geral da ormat1_, e, por extensão, o as- mo.
A força da realidade rompeu, pela crise explosiva, a pos-
da, igualmente, que possa se/Mes ivre, por mais acanha- sibilidade da simples reiteração do atraso sectário e dogmá-
conqmsta ou concessão das l'b mo po~que, no caso, a tico, mas o vigor da lógica do capital e a completa falta de
decreto político, nunca mat I lerdades poht1cas substitui o
dade solidária Aquele P ena izado, do prmcipio da sacie" vigor teórico, em meio à mais extraordinária confusão ideo-

s1mp • rec1samente q lógica mundial, conduziu, nos confrontos de todo tipo com
1es vontade política a _ ue pretendeu. por
o mundo da iniciativa privada, à capitulação int.11gral aos re·
co_mpetitiva, seja pela di;soluex:c1~ao da estrutura social .ferenciaís dó capitalismo, tal como a glasnost e a perestroi-
pnadores, seja desembaraç dçao ª pluralidade dos apro-
valor. Agora a competi ã;~ o o trab~lho da aferição pelo
priadores terão, igualita~iame:!adml!!da, trabalho e apro-
ka e seus similares tornam palpável em suas especificações
concretas de cada lugar.
e.special contra o grande a ro . dque se autoproteger, em Por escandaloso que seja, não faltam os que ainda conse-
t1ca, pelo exercício dos sepus esprt,at or. n,a arena lívreda poli- guem alimentar esperanças socialistas através dos aconteci-
a utos ,armais I . mentos do leste, Não se remete com isso apenas ao velho se·
.men t~, Marx tem razão: "N r " ·. neqwvoca- guidismo de indivíduos e grêmios, mas a organismos tradi·
md1v1duos que são postos coa i?e concorrenc1a não são os
mo livre é O capital" Sob 1:1° _ivres, mas o que é posto co" cíonalmente mais críticos, que conseguem devisar, na estei-
dução nele fundada 6a f;egencia do_c~pital, quando a pro- ra de teses antigas, desfocadas pelo tempo, prenúncios no
mdivíduos se apresenta co':o\ºf':essana, o movimento dos leste de breves revoluções políticas, que hão de redimir o
to e, se apresenta como "o d !rdade dos mdmduos, is- "estado operário degenerado". O mais grave, para além da
esenvo vm1ento livre sobre uma quimera esdrúxula, é precisamente essa fé antimarxiana na

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em particular a fé política no estado e na volúpia vontade política, da fé na política: basta pensar na insa·
castradora de torná-lo perfeito. e da assim chamada revolução cultural. Quando há
Bm verdade, entre os componentes de maior relevo do s anos, antecipando-se à perestroika, lançou-se à "mo·
desastre do pós-capitalismo está precisamente o excesso de ização" econômica através dos mecanismos de merca·
po/fti~. a política excedendo seus limites e substituindo de- mas não adotou a liberdade formalizada dos direitos pú·
sastrosamente as tarefas da revolução social, estancada e in- ,s, o que corresponde, em grande medida, ao fato de
viabilizada pela ausência de sustentação material, o que tor- o desenvolvimento de seu capital coletivo/não social
nou impossível a construção de um novo universo societá· _,_. inferior ao soviético, traduziu com isso a arraigada con-
rio, para além da lógica do capital e das formas e arbitrarie- 0
Mcção, tomada como pressuposto, à semelhança de tantos
dades da política, enfim superada porque, então, reduzida à outros momentos de sua história, de que a transição socia-
inutilidade.
lista seja um sucessão arbitrária de atos políticos, decisões
É fundamental compreender, até pelas frustrações máxi- µe poder que reinventam o mundo. Tian An Men, celestial
mas desse século, que a transição socialista não tem por praça das trocas e infernal praça de guerra é apenas uma
identidade um ato ou processo político. Não se reduz ou re- ilustração abominável de reinvenção. Mas, o exemplo mais
sume a eventos dessa natureza, nem se expressa ou realiza nefando e odioso dessa fé política continua nas mãos dos
pela essência destes. Ao longo dos 900, a história profunda bandidos do Khmer Vermelho, pela trucidação de dois
dos países que enveredaram pela ruptura com o capitalis- milhões de citadinos, no propósito de transformá-los em
mo, em razão mesmo de seu ponto de partida - quadros camponeses, o mesmo que foi feito por Stálin, muito antes,
nacionais de baixo padrão de desenvolvimento material, quando decidiu transformar camponeses em comunistas.
que impediam a projeção e a consecução de um novo pata· Na exata medida em que a construção da sociedade so-
mar de sociedade-, foi uma história da prevalência dopo- cialista não é uma reivenção do mundo, a política não é a
lítico, de uma aposta política no politico, a princípio invo- argamassa com que são moldáveis seus fundamentos.
luntária e depois, pelo enredamento das situações criadas, Por isso o "socialismo real" é a falsificação política doso-
irreversível e assumida, ao limite mesmo da bestialidade; cialista não é uma reinvenção do mundo, a política não é a
por fim, hoje, a desagregação de toda a experiência é a pró- da revolução social. Hoje, reduzido objetivamente a franga·
pria história do fracasso da política. Fieira interminável de lhos, mas politicamente reafirmado em sua "reestrutura-
eventos, que se distribuem por toda a gama que vai do he- ção", bloqueia as aspirações socialistas pela monstruosidade
róico ao abjeto, para cuja exemplificação basta referir, su- de suas façanhas políticas.
mariamente, tomadas de posição e ocorrências recentes. Por decorrência, na atualidade, o traçado de um projeto
Desde, talvez, a mais simples ou banal, representada pela socialista passa necessariamente pelo reconhecimento de
reação cubana às mudanças soviéticas, consubstanciada em que a história, até aqui, não conheceu qualquer transição
nítida manifestação de dogmatismo defensivo, na rejeição Socialista, e que a abertura de novos caminhos principia pe-
meramente política que ofereceu à "nova linha", sem que la ruptura com toda forma de crítica complacente ao pós-
pudesse almejar com isso qualquer efeito internacional, e capitalismo, pois, em sua transigência, acomoda ambigüida·
nem mesmo a intangibilidade de seus procedimentos inter- des e uma espessa nostalgia conformista, o culto sofrido de
nos. Posição política igualmente estéril, enquanto afirma- Uma derrota inconfessa e o desengano recalcado de espe·
ção socialista, ademais de fantástica, tendo em vista o êxo- ranças e devoções: ou seja, a crítica complacente do pseudo-
do de seus cidadãos, é a Alemanha Oriental, na reafirmação socialismo é uma ideologia voltada para o passado.
inflexível e insensível de seus postulados sectários. Exata-
mente por se tratar da menos mal sucedida economia do les-
te, ressalta a vacuidade, ao limite, da própria política da tru-
culjlncia. Todavia, o exemplo mais completo do que se quer
ilustrar fica por conta da China, que tem exercido ao longo
dos quarenta anos de sua revolução a própria exacerbação

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